A CONVENÇÃO DE HAIA DE 1993 E O REGIME DA ADOÇÃO INTERNACIONAL NO BRASIL
APÓS A APROVAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO EM 2002
Claudia Lima Marques[1]
Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS.
Introdução
A prudência, o profundo humanismo e a preocupação sincera com o respeito aos direitos fundamentais das crianças adotadas internacionalmente, demonstrados pela Professora Doutora Isabel Magalhães Collaço, quando da elaboração da Convenção de Haia sobre a Cooperação Internacional em matéria de Adoção Internacional de crianças de 1993, movem-me a escolher justamente este tema para homenagear a grande jurista lusitana.
A adoção internacional significa no Brasil, hoje, um "des-enraizamento" cultural e social da criança, que é levada para outra sociedade, outra cultura, outra família e outra língua. É a adoção internacional dos anos 90, que ficou conhecida como “adoção “intercultural”, para se opor à adoção dos anos 50-70 do século XX, conhecida como “adoção humanitária”. Atualmente, a preocupação maior do Direito Internacional Privado não é somente “dar uma nova chance” para esta criança ou indicar a melhor lei para regular a formação desta nova família, visualiza-se muito mais os perigos da transferência internacional e do "des-enraizamento" social das crianças, voltando-se o Direito para assegurar respeito, segurança e bem-estar desta criança, assim como a realização plena de seus direitos fundamentais.
A adoção de crianças brasileiras por estrangeiros e pessoas domiciliadas no exterior é um tema tão importante no país, que a Constituição Brasileira de 1988 (CF/88), ao assegurar o respeito e a prioridade dos direitos fundamentais das crianças, especifica no § 5º de seu Art. 227: "A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros." Assim também a lei interna, o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA (Lei 8.069/1990), impõe a subsidiariedade da adoção internacional frente as outras medidas nacionais, destaca a importância de tentar-se a manutenção dos vínculos com a família original e impõe, para qualquer adoção, o princípio do bem estar da criança.
Certo é que o tema desperta o interesse universal, tanto dos países de acolhida das crianças, geralmente países industrializados, como nos países de origem das crianças, como o Brasil. O fenômeno da adoção internacional, que já foi identificado por alguns como o "novo movimento migratório" Sul-Norte e, agora, Leste-Oeste, despertou nas últimas quatro décadas não só a atenção dos Estados envolvidos, mas também das organizações internacionais. Várias Declarações e Convenções Internacionais foram preparadas, nenhuma, porém, alcançou tanto sucesso como a elaborada pela Professora Magalhães Collaço e o Professor Rui Moura Ramos, como delegados de Portugal: a Convenção de Haia de 1993.
A Convenção de Haia de 1993, incorporada ao direito brasileiro através do Decreto 3.087, de 21 de junho de 1999, obteve um grande impacto no ordenamento jurídico brasileiro justamente por não se tratar de uma Convenção com normas de conflito de leis clássicas, mas sim uma convenção que prioriza normas administrativas e de processo civil. Apesar de originária da comemoração de 100 anos da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado, esta Convenção de 1993 não traz normas clássicas de conflito, visa à cooperação administrativa e judicial, permitindo a cada juiz e Autoridade central aplicar seu direito nacional (forum determina jus), de forma a preservar os interesses e direitos das crianças, bem como combater os perigos da adoção internacional, em especial o tráfico de crianças.
Nasce aí seu grande sucesso, pois mais do que modificar as normas nacionais, no Brasil, seja as normas presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA (Lei 8.069/1990), seja as do Código Civil de 1917 (ou do novo Código Civil de 2002) , a Convenção de Haia de 1993 acabou consolidando as regras nacionais e o regime de centralização e de subsidiariedade da adoção internacional existente no Brasil. Manteve também intactas as regras de conflito, presentes na Lei de Introdução ao Código Civil-LICC (Decreto-Lei 4.657/1942), e de processo civil, presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973). O resultado é um pluralismo de fontes a determinar o regime da adoção internacional no Brasil.
É sobre o regime resultante da aplicação conjunta de todas estas regras, nacionais e internacionais, materiais e processuais, diretas e indiretas, que quero agora discorrer. Dividirei a análise em duas partes, uma primeira dedicada a explicar este diálogo das fontes (na expressão feliz de Erik Jayme), agora mais complexo com a possível entrada em vigor de um novo Código Civil em 2003 e, uma segunda voltada mais para a prática da adoção internacional e a concentração nos direitos da crianças, a demonstrar uma certa convergência de todas estas fontes legislativas nacionais e internacionais..
I – Pluralismo e Complementariedade: o
diálogo das fontes em matéria de adoção internacional no Brasil
Em seu famoso curso geral de Haia, Erik Jayme sustenta que as atuais regras nacionais de direito de família, com a isonomia de direitos dos filhos adotivos e o princípio da subsidiariedade, assim como o direito internacional de família, com o pluralismo de fontes nacionais (autônomas) e internacionais (convencionais e oriunda dos processos de integração), e com o seu pluralismo de métodos, possuem traços pós-modernos. A própria Convenção de Haia sobre a Cooperação Internacional em matéria de Adoção internacional de crianças de 1993, com suas normas administrativas, de cooperação e de processo civil internacional, e sem nenhuma norma de conflito de leis stricto sensu, apresenta também estes traços pós-modernos ou fluídos.
Não cabe aqui repetir a teoria de nosso grande mestre de Heidelberg sobre os efeitos da pós-modernidade no Direito, mas homenagear a Convenção de Haia de 1993, mais do que nunca lex speciales para a adoção internacional de crianças, após a aprovação do novo Código Civil brasileiro em 2002, que entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003. Note-se que o estudo das normas internas sobre adoção internacional continua válido, pois como afirmei logo após a elaboração da convenção de Haia em 1993: "A finalidade maior deste esforço internacional é criar mecanismos eficientes para, assegurar o bem estar da criança adotada, assim como uma, situação jurídica estável tanto no seu país de origem, como no país de seus adotantes. Mas, ainda hoje, a segurança jurídica das crianças adotadas internacionalmente depende, em muito, das normas internas sobre adoção, de sua prática e do controle exercido pelo Poder Judiciário do país de origem, assim como, da confiança que estas normas despertam nos países onde os adotantes estrangeiros têm seu domicílio." Vejamos, pois estas normas e as normas da Convenção de Haia.
A. Campos de aplicação diferentes e complementares
Efetivamente, em matéria de adoção de crianças no Brasil, há um grande pluralismo de fontes, mas o campo de aplicação são diferentes e complementares. As normas materiais encontram-se no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil de 1917, as normas de conflito encontram-se na Lei de Introdução, no Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8.069/90 e nos Tratados de DIP, entre eles a CIDIP (Convenção Interamericana sobre conflitos de leis em matéria de adoção de menores, La Paz, 24.05.1984, Decreto nº 2.429, de 17 de dezembro de 1997), a Convenção de Haia de 1993 (Decreto n.3.087, de 21 de junho de 1999), aqui comentada, no Código de Bustamante, na Convenção sobre Rapto ou Seqüestro Internacional de Crianças (Haia 25.10.1980), sem mencionar as demais convenções sobre os demais perigos ligados à adoção e nas normas da Constituição Federal Brasileira de 1988, as quais estabelecem uma nova ordem pública para a adoção e a filiação e receberam a Convenção dos Direitos da Criança da ONU de 1989.
Duas novas fontes legais merecerão nossa especial atenção: a) o novo Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002), promulgado em 10 de janeiro de 2002, que regula diretamente a adoção nacional e deixa a adoção internacional para ser regulada por lei especial (art. 1.629), mas como esta lei especial é ainda inexistente, não evita o pluralismo, a presumir que o Estatuto da Criança e do Adolescente continuará a regular a adoção internacional em conjunto com as atuais regras de outras leis e; b) a Convenção de Haia sobre a Cooperação Internacional em matéria de Adoção Internacional de crianças de 1993, promulgada pelo Decreto 3.087, de 21 de junho de 1999, a qual, junto às normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Introdução ao Código Civil, regula hoje a adoção internacional e tornar-se-á parte desta lex speciales no futuro.
1. As normas materiais em vigor
As regras sobre a adoção internacional de menores (0-18 anos) encontram-se hoje no Estatuto da Criança e do Adolescente, lei especial sobre o tema, e subsidiariamente, no que não colidir com o ECA, no Código Civil de 1917; tudo sob a coordenação da ordem pública instituída na Constituição: adoção com acompanhamento do Estado, regras especiais para a adoção por estrangeiros, isonomia de direitos e qualificações entre filhos adotados e outros filhos, paternidade responsável, prioridade da criança e seus direitos fundamentais (Art. 226 e 227 da CF/88).
O ECA prevê apenas um tipo de adoção, uma adoção plena, por sentença judicial (art. 47 ECA). A nova adoção insere a criança totalmente na família dos adotantes, com os mesmos direitos, inclusive sucessórios, dos outros filhos desligando a criança de qualquer vínculo com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais (art.41 ECA). Esta adoção plena é irrevogável (art. 48 ECA) e terá efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença judicial (art. 47, §1º ECA), possibilitando a mudança do nome do adotado e mesmo de seu prenome, a critério do juiz, se houver pedido do adotante neste sentido (art. 47, §5º ECA).
O ECA tem como princípio a manutenção do vínculo da criança com os pais biológicos, que será tentada através de ações positivas do Conselho Tutelar, guarda provisória pelo juiz e colocação em família substituta (art. 19 e seg. do ECA). Segundo o artigo 31, a colocação em família substituta é medida excepcional, a ser tentada só quando a adoção nacional não é possível para aquela criança. Em outras palavras, o ECA impõe a subsidiariedade da adoção internacional frente às soluções nacionais.
A adoção pelo ECA requer perda do pátrio poder ou consentimento dos pais biológicos, mas a regulação destes institutos será encontrada no Código Civil de 1917. Obviamente, as adoções internacionais ficam igualmente submetidas ao princípio do art. 43 do ECA, do interesse superior da criança e só serão concedidas se apresentarem "reais vantagens para o adotando" e, principalmente, fundarem-se “em motivos legítimos.” Neste sentido deve ser entendida a regra do art. 31, que estabelece ser medida excepcional a adoção internacional e o princípio da subsidiariedade (ou, no futuro, no novo Código Civil de 2002). O requisito maior para a adoção é o melhor interesse da criança (best interest of the child do art. 43 do ECA). Este princípio maior relativiza os demais requisitos, a exceção do princípio da subsidiariedade, como veremos a seguir.
Quanto aos requisitos gerais para a adoção encontram-se no ECA e, subsidiariamente, no Código Civil de 1917 e são: idade mínima dos adotantes de 21 anos, art. 42 do ECA; diferença de idade entre adotante e adotado de 16 anos entre adotante e adotado (art. 42, § 3º do ECA); casamento ou estabilidade no estado civil dos adotantes, art. 42 do Estatuto, pois o solteiro, o casado e comprovada a "estabilidade conjugal" (art. 42, §2º) ou a união estável (art. 42, §4º) pode haver adoção; manifestação pessoal de vontade dos adotantes (arts. 39 e 166 do ECA); estudo psicossocial dos adotantes (arts. 50, 51 e 167 do ECA); consentimento dos pais biológicos (arts. 45 e 165 do ECA) ou processo prévio de destituição do pátrio poder (arts. 23 e 34 do ECA); manifestação de vontade do adotado, se o adotando for maior de 12 anos de idade (art. 44, §2º do ECA); estágio de convivência (art. 46 do ECA); e submissão ao princípio geral do bem estar do adotando (art. 43 do ECA).
O ECA, conforme o art. 51, § 4º, só permite a saída de crianças brasileiras do país após a adoção (sentença definitiva) e criminaliza a tentativa de burlar tal proibição (arts. 85 e 239 do ECA).
2. As novas normas materiais: o novo Código Civil de 2002 em diálogo
com as leis existentes e a prevalência das leis especiais.
O novo Código Civil, na versão aprovada, para entrar em vigor em janeiro de 2003, parece ter aberto mão de regular a adoção internacional, preferindo remeter o aplicador da lei para a “lei especial”, no caso, as normas hoje existentes no ECA, na LICC e na Convenção de Haia de 1993 (Decreto 3.087/99). O texto do novo Código Civil esclarece: “Art. 1.629. A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem estabelecidos em lei." de outro lado, é inegável que as normas do novo Código Civil Brasileiro trarão reflexos na adoção internacional, principalmente nos temas não tratados pelo ECA e hoje, tratados pelo Código Civil de 1917, que também nada fala sobre a adoção internacional. Sendo assim, até que se legisle novamente, e especificamente, sobre a adoção internacional, as regras do novo Código Civil, que entrarão em vigor em 11 de janeiro de 2003 são subsidiárias às normas do ECA em caso de adoção internacional e de interesse para nosso estudo.
O novo Código Civil brasileiro regula o parentesco por adoção (art. 1593 e seg.) e repete o princípio constitucional da isonomia de direitos e qualificações entre todos os filhos (Art. 1593) e nas sucessões, mas deixa para a lei especial acompanhar a adoção por estrangeiros.
Os critérios gerais para a adoção nacional encontram-se nas normas do novo Código Civil: idade mínima de 18 anos para os adotantes (art. 1.618); uma diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotado (art. 1.619); em caso de adoção conjunta por duas pessoas, o seu casamento ou união estável (art. 1622); o consentimento dos pais biológicos ou seus representantes (art. 1.621) e do adotando maior de 12 anos (art. 1.621) ou, em caso de abandono, a destituição do pátrio poder (art. 1.621, §1º e art. 1.624). A adoção é plena (art. 1.626) e "somente será admitida" se "constituir efetivo benefício para o adotando" (art. 1.625). Os efeitos da adoção não são mais limitados (arts. 1.626 e 1.628) assemelhando-se aos do ECA, há possibilidade de mudar o prenome (art. 1.627).
Em resumo, tanto o ECA, como o novo Código Civil prevêem apenas um tipo de adoção, uma adoção plena, por sentença judicial para maiores e menores, com presença do Ministério Público (art. 1623 NCCBr. e art. 47 ECA). A nova adoção insere a criança totalmente na família dos adotantes, com os mesmos direitos, inclusive sucessórios, dos outros filhos desligando a criança de qualquer vínculo com os pais e parentes naturais, salvo os impedimentos matrimoniais (art.41 ECA e 1626 NCCBr.) . Esta adoção plena é irrevogável (art. 48 do ECA), os consentimentos dos pais biológicos são revogáveis até a sentença (art. 1.621 NCCBr.) e a adoção terá efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença judicial (art. 47, §1º do ECA e art. 1.628 NCCBr.), possibilitando a mudança do nome do adotado e mesmo de seu prenome, a critério do juiz, se houver pedido do adotante neste sentido (art. 47, §5 e 1.627 NCCBr.).
No capítulo referente à proteção da pessoa dos filhos, em caso de separação judicial ou divórcio (arts. 1.538 a 1.590 NCCBr.) o novo Código Civil não faz nenhuma diferenciação entre filhos adotados e naturais. O novo Código Civil não afeta diretamente a adoção internacional, mas se afetasse em nada mudaria, pois pauta-se pelos princípios do ECA e da CF/88, de "manutenção do vínculo", isonomia entre filhos e de bem-estar e interesse superior da criança.
Em 12 de junho de 2002, o deputado Ricardo Fiúza apresentou à Câmara projeto de lei visando modificar 150 artigos da Lei 10.406/2002. Este projeto, se aprovado, modificará substancialmente a análise antes realizada, pois integra no CC/2002 um artigo específico sobre a adoção internacional, revogando o ECA, neste tema, mas repetindo no referido art.1.629, as normas hoje presentes no ECA. O texto modificativo seria o seguinte:
"No art. 1.629. A colocação do menor em família substituta estrangeira residente e domiciliada no exterior constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade da adoção.
Parágrafo 1º O estrangeiro residente e domiciliado fora do País, que se candidatar a adoção, deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem;
Parágrafo 2º A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência;
Parágrafo 3º Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução juramentada;
Parágrafo 4º A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise de uma comissão estadual de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente, sem prejuízo dos requisitos mencionados nos parágrafos anteriores;
Parágrafo 5º Competirá à comissão referida no parágrafo anterior manter registro centralizado de interessados estrangeiros em adoção;
Parágrafo 6º Em caso de adoção por estrangeiro residente e domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade;
Parágrafo 7º Antes de consumada a adoção, não será permitida a saída do adotando do território nacional."
Como se observa, mesmo que aprovado tal projeto modificativo, as normas
materiais e administrativas sobre a adoção internacional continuariam as
mesmas, agora presentes no ECA, apenas a complexidade
do sistema jurídico brasileiro seria diminuída, encontrando-se no CC/2002 as
normas sobre a adoção nacional e internacional. Como o projetado art. 1.629
nada menciona sobre a Convenção de Haia, apenas repete as normas do ECA, que seriam ali sistematizadas, presume-se que nesta
Convenção e nas normas sobre conflitos de leis no espaço deveremos concentrar
nossa atenção.
B. Lei aplicável à adoção por estrangeiros residentes ou domiciliados
fora do País
As regras brasileiras de conflito de leis encontram-se na Lei de Introdução ao Código Civil-LICC, Decreto-Lei 4.657, de 4.9.1942, além do que há normas de aplicação imediata no próprio ECA, normas indiretas e materiais nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Entre os tratados, três destacam-se a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 1990, a Conferência Interamericana de 1984-CIDIP e a Convenção de Haia de 1993.
1. Os tratados internacionais e as normas de conflitos de leis
A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança de 26 de janeiro de 1989 é da mesma época do ECA, foi incorporada no direito brasileiro através do Decreto 99.710, de 21.11.1990. Esta convenção assegura direitos fundamentais à criança, recebidos pela ordem jurídica brasileira, ex vi art. 5º, §2º da Constituição Federal de 1988, dentre os quais destaca-se o de isonomia, prioridade, direito à identidade cultural, nacionalidade e assegura que os países signatários combaterão o tráfico de crianças e o seqüestro com finalidade de adoção (arts. 11 e 35) e que a adoção internacional será medida subsidiária (art. 21 lit. b in fine). Por força desta Convenção da ONU, a competência para os crimes de tráfico de crianças é, hoje, da Justiça Federal (art. 109, V da Constituição Federal).
Quanto a CIDIP-III de 1984 sobre adoção internacional de menores, destaque-se que as normas de conflito de leis propostas por esta Convenção Interamericana condizem com a tradição brasileira, podendo complementar, sem choques, as regras da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: lei da residência habitual do menor como lei geral; lei para reger os requisitos da adoção, formalidade e procedimentos (art. 3º da CIDIP-III); lei do domicícilo dos adotantes para reger sua capacidade e requisitos outros de sua lei (art. 4º da CIDIP-III).
Mencione-se que o Código de
Bustamante está muito superado neste tema, mas ainda é usado para reforçar a
concentração na lei pessoal do filho em matéria de estado e personalidade (art.
64 do Código de Bustamante) e de forma da adoção (art. 3º do Código de
Bustamante).
Quanto à Convenção de Haia de 1993, suas normas concentram-se na divisão de competências entre as autoridades de cada um dos países cooperantes. Segundo dispõe o artigo 10 da Convenção de Haia de 1993, esta visa:
a) estabelecer garantias para que as adoções
internacionais sejam feitas levando em consideração o interesse superior da
criança e com respeito aos direitos fundamentais, que lhes reconhece o direito
internacional;
b) instaurar um sistema de cooperação entre
os estados contratantes que assegure o respeito as
ditas garantias e, em conseqüência, previna o seqüestro , a venda ou o tráfico
de crianças;
c) assegurar o reconhecimento nos Estados
contratantes das adoções realizadas segundo à
convenção.
A própria definição de adoção internacional da Convenção (art. 2º) advém da necessidade de transferência internacional da criança e a insegurança que isto causa aos direitos desta. A opção da convenção foi, pois, de procurar impor suas regras mínimas de cooperação e de ética a todas as adoções internacionais, centrando sua atenção no "deslocamento" internacional da criança, sem valorar (positiva ou negativamente) as normas internas nacionais (as normas imperativas materiais e as normas de conflitos de leis), que continuam a vigorar, agora reforçadas pela competência assegurada às autoridades locais e autoridades centrais dos países. Certo é que, em todos os casos de transferência internacional da criança (chamada de deslocamento) mister a proteção desta criança, a criar a necessidade de uma efetiva cooperação entre as autoridades nacionais envolvidas para assegurar o melhor status possível e a mais efetiva proteção aos direitos desta criança.
Assim mantém-se a regra interna brasileira (ex vi lege art. 31 ECA), de que as adoções internacionais de crianças domiciliadas no Brasil serão pronunciadas necessariamente pelos juízes brasileiros e a criança só deixará seu país de origem após a sentença de adoção. O art. 28 da Convenção é claro ao afirmar que o espírito e o objetivo da nova Convenção não é revogar ou derrogar "nenhuma lei de um Estado de origem que requeira que a adoção de uma criança residente habitualmente no Estado tenha lugar nesse Estado, ou que proíba a colocação da criança no Estado de acolhida ou seu deslocamento ao Estado de acolhida antes da adoção."
2. As normas autônomas de conflitos de leis
Aplicável às adoções de crianças realizadas pelo juiz brasileiro é a lei de domicílio da criança, assim definida pelo art. 7º e seus parágrafos 7º (domicílio de quem detêm a guarda da criança) e 8º (elemento de conexão subsidiário, a residência ou o lugar em que se encontre) da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942.
Somente para a questão prévia, sobre a capacidade dos pais adotivos para adotar , aplicar-se-á a lei de seu domicílio (art. 7º caput, da Lei de Introdução ao Código Civil e art. 51 do ECA). Opiniões contrárias a este posicionamento existiram até a década de 70, considerando aplicável a lei do domicílio dos pais adotivos, como até hoje o fazem os países do primeiro mundo. Em verdade é o status do filho que se modifica drasticamente na adoção e a concentração do direito internacional privado deve ser na criança. Como já ensinava Clóvis Bevilaqüa : “é a lei nacional dos filhos que se deve atender, porque são eles os que necessitam de proteção e em virtude dessa necessidade de proteção é que a lei os acompanha."
Tratando-se, portanto, de
criança domiciliada originariamente no Brasil, a lei brasileira regerá a adoção
internacional aqui realizada. Os requisitos e condições impostas para a adoção
por estrangeiros não residentes serão aqueles da lei brasileira, isto é
cumulativamente, os presentes no ECA e na convenção de
Haia e, subsidiariamente os do Código Civil (de 1917 ou de 2002). O ECA é considerado pelo juiz brasileiro como lei de
aplicação imediata ou lois de police,
assim como são de ordem pública internacional as normas do ECA e da
Convenção de Haia de 1993 referentes a 'forma solene' da adoção internacional
de crianças no Brasil, segundo o art. 3º do Código de Bustamante, não superado
pelo art. 17 da LICC/42. Vale lembrar que a lei aplicável para reger
o consentimento dos pais biológicos e do adotado maior de 12 anos será,
portanto, esta lei geral, a lei do domicílio da criança (art. 7º da LICC/42),
no caso, a lei brasileira; mas as questões prévias referentes à capacidade para
tais manifestações de vontade serão regidas pela lei pessoal de cada envolvido
(art. 7º da LICC/42).
Considerando-se a jurisprudência anterior à Constituição Federal, poder-se-ia pensar que os requisitos materiais para a adoção internacional de crianças brasileiras frente ao juiz brasileiro, hoje estabelecidos no ECA, não seriam considerados, em DIPr., como requisitos de ordem pública internacional. Analisando a jurisprudência atual e os esforços da Constituição de 1988 para a proteção dos direitos fundamentais da criança, outra conclusão se impõe. As normas materiais do ECA (diferença de idade, estágio de convivência etc.) devem ser consideradas leis de aplicação imediata para o juiz brasileiro. Assim como as regras processuais e administrativas (autorizações das Autoridades Centrais CONSIJ e SEJAs, cadastro de adotantes, saída da criança só após sentença, processo de perda do pátrio poder dos pais biológicos e de adoção, etc.) são normas de direito público territoriais e devem ser regidas sempre pela lex fori (neste caso, lei brasileira).
O juiz brasileiro aplica também as normas de processo civil brasileiras e as presentes no ECA, assim como os requisitos materiais em vigor , antes especificados. No caso da adoção ser requerida por candidato não residente ou domiciliado no Brasil, o Estatuto prevê algumas normas específicas, dispostas nos artigos 31, 51 e 52 do ECA e o princípio máximo do art. 43: o interesse superior e o bem-estar da criança.
II – A prática convergência das fontes e a concentração na proteção da criança no direito brasileiro da adoção internacional: centralização e combate ao tráfico
Se em teoria o pluralismo de fontes assusta, na prática ele demonstrou ser bastante protetivo dos direitos humanos das crianças e um eficaz sistema de combate aos perigos da adoção internacional, especialmente de combate ao tráfico de crianças, uma das mazelas brasileiras na década de 70-80 do século XX.
Em minha tese de Doutorado pude comprovar, que tanto o ECA (Lei 8.069/90), quanto a Convenção de Haia de 1993 (Decreto 3.087/99), representam uma nova visão da adoção internacional, concentrada agora nos direitos humanos da criança, no seu bem estar e no seu interesse superior. Supera-se, assim, a visão anterior da adoção, concentrada nos interesses patrimoniais familiares, no eventual direito de procriação dos pais adotivos e seus interesses de continuação da família.
Especialmente, com o princípio da subsidiariedade da adoção internacional em relação à adoção nacional (art. 31 do ECA e art. 4 da Convenção de Haia de 1993), há uma clara mudança de perspectiva do Direito Internacional Privado brasileiro: não basta mais somente preencher os requisitos formais e materiais para a adoção internacional, há que se exaurir as possibilidades de solução nacional, em respeito aos direitos humanos da criança.
Nota-se assim, também no Brasil, uma evolução do Direito Civil, da preocupação com o bem-estar da criança (Kindeswohl) para uma preocupação com os direitos da criança (Kindesrechten), enquanto individualidade (princípio da dignidade da pessoa humana, art. 1º, §1º CF/88), enquanto sujeito de direitos especialmente protegido na Constituição (art. 227 CF/88).
A concentração é, pois, total no sujeito de direitos mais fraco, a criança e nos seus direitos fundamentais de manutenção de vínculos familiares, de preservação de sua origem, direito de manutenção de sua identidade cultural e de sua plena realização como pessoa em desenvolvimento. Assim o espírito de nossa Constituição Federal, que impõe em seu art. 227, § 5º da Constituição Federal o acompanhamento pelo Poder Público, na forma da lei, das adoções por parte de estrangeiros, reconhece os direitos fundamentais das crianças e impõe uma concentração nos direitos do filho, assim como é a fonte da doutrina de proteção integral do filho (art. 227), consolidada na Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente e, agora, complementada pela Convenção de Haia de 1993.
A. Centralização e cooperação nas diversas fases da adoção
internacional de crianças
Como já afirmamos, três são as palavras-chave desta Convenção de 1993: centralização das adoções internacionais em autoridades centrais e autoridades competentes, colaboração entre as autoridades centrais nas suas difíceis decisões, controle através da troca de informações, através da divisão de competências, do preenchimento de certos requisitos mínimos e através do privilégio de um sistema de reconhecimento automático de decisões. Seus objetivos básicos foram, portanto, estabelecer um novo sistema ou instrumentos para a cooperação administrativa e judicial, antes e após a saída da criança adotada de seu país de origem, conseguindo assim proteger os direitos fundamentais da criança adotável e assegurar-lhe um melhor (ou pelo menos igualitário) status jurídico no país que a acolhe, país de domicílio de seus pais adotivos.
1. A Centralização da adoção internacional de crianças no Brasil
A centralização das adoções internacionais de crianças foi uma das conquistas da Constituição democrática de 1988, no Brasil, e do Estatuto da Criança e do Adolescente. A primeira centralização deu-se pela proibição da adoção direta, nos cartórios e por escritura pública, em que os pais biológicos das crianças consentiam (adoção simples do Código Civil de 1917) na adoção de seus filhos menores sem presença do Judiciário. A Constituição de 1988 exige a presença do Estado em todas as adoções e o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, passou a prever somente um tipo de adoção, por decreto e irrevogável, através de manifestação do Judiciário para menores de 0 a 18 anos.
A adoção internacional de crianças passou assim a ser centralizada nos Juízes da Infância e Juventude, que observaram, seguindo um modelo de centralização desenvolvido no Rio Grande do Sul na década de 80, ser necessário uma equipe de apoio para as adoções internacionais (assistentes sociais, médicos, psiquiatras, defensores públicos etc.), para que a seleção de candidatos, o contato com as agências e órgãos estrangeiros, o 'matching' com as crianças, o acompanhamento do estágio probatório e dos relatórios pós-adoção funcionasse. Assim, o próprio judiciário estadual centralizou as adoções internacionais em alguns juízes (das grandes cidades) e instituiu registros gerais de várias comarcas para que o sistema funcionasse. O ECA acabou por instituir esta segunda centralização, ao criar em cada Estado do Brasil uma Comissão Estadual para processar e controlar as adoções internacionais. Efetivamente, o art. 52 do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a adoção internacional pode ser limitada e controlada por um organismo centralizador, que denomina "Comissão Estadual Judiciária de Adoção", as CEJAS e CEJAIS, ativas até hoje inclusive como as autoridades centrais estaduais da Convenção de Haia de 1993.
A convenção de Haia de 1993 também traz este modelo centralizador, instituindo uma autoridade central federal e permitindo autoridades centrais estaduais e, neste sentido, complementa e consolida o sistema brasileiro já existente. O Decreto 3.174, de 16 de setembro de 1999, organizou, no Ministério da Justiça, a autoridade central federal administrativa e as CEJAS como autoridades centrais estaduais. A Convenção de Haia de 1993, pois, importou na organização da Autoridade Central Administrativa Federal, no Ministério da Justiça (Secretaria de Estado dos Direitos Humanos). Importou, também, na consolidação das 27 Autoridades Centrais estaduais, encarregadas de dar cumprimento ,às obrigações impostas pela Convenção em cada Estado da Federação (o CONSIJ no RS, as CEJAIs etc.). Da mesma forma, importou na organização do Programa Nacional de Cooperação em Adoção Internacional, com credenciamentos das agências de adoções junto à Polícia Federal e Ministério da Justiça e na criação do Conselho das Autoridades Centrais Administrativas Brasileiras, órgão regulador em matéria de adoção internacional.
A Convenção de Haia de 1993 estabeleceu um sistema de cooperação internacional entre autoridades centrais, semelhante ao estabelecido com sucesso pela Convenção de Haia de 25 de outubro de 1980 sobre os aspectos civis do seqüestro internacional de crianças. A centralização visa ajudar internacionalmente no estabelecimento da confiança entre os servidores dos vários Estados (art. 7º), assegurar a troca de informações (arts. 7º e 9º), instrumentalizar a tomada conjunta de decisões (art.17ç), e, na medida do possível, suprimir os obstáculos para a aplicação da Convenção (art.7º, 2.b), facilitando a identificação de casos de corrupção, de atuação de forma a induzir ao abandono, de oferecimento ou aceitação de benefícios financeiros envolvidos com as adoções, visando sempre combater o tráfico de crianças.
A Autoridade Central, de acordo com o artigo 6º da Convenção de Haia de 1993, é a estrutura encarregada de dar cumprimento às obrigações impostas pela Convenção. O Brasil, conforme o artigo 7º da Convenção - que possibilita a um Estado federal a designação de mais de uma Autoridade Central - através do Decreto 3.174/99 o Brasil designou a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos/SEDH, do Ministério da Justiça, Brasília, como Autoridade Central Administrativa Federal. Nos 25 Estados federados , as Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (CEJAs ou CONSIJs) serão as Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal. O referido decreto criou um Conselho de Autoridades Centrais, que reune-se regularmente para troca de experiências e instituiu, no âmbito do Departamento da Criança e do Adolescente/DCA, do Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Cooperação em Adoção Internacional. A Autoridade Central Federal, do Ministério da Justiça, mantém um “Sistema de Informações para a Infância e Adolescência – SIPIA” em rede, ligando todas as autoridades centrais, no qual se encontra o cadastro de adotantes e adotados (com acesso restrito), denominado “Infoadote”.
Na Convenção de Haia sobre cooperação em matéria de adoção internacional de 1993, pois, a figura da Autoridade Central aparece como um pólo controlador da lisura do processo de adoção, como fórum de contatos e de informação entre os interessados na adoção.
2. O sistema de cooperação entre autoridades centrais e autoridades
competentes ou juízes
Em janeiro de 2002, a referida Convenção já estava em vigor
em mais de 43 Estados da América, Europa, África e Ásia, países de origem das
crianças, como o Brasil e países de acolhida do primeiro mundo, como a Espanha,
o Canadá, a Finlândia, Suécia, Dinamarca, Noruega, Países-Baixos, a França,
Israel, Áustria, Itália e Alemanha, denotando um sucesso sem precedentes
em matéria tão polêmica e sensível quanto a adoção internacional.
Portugal assinou a referida Convenção em 26 de agosto de 1999, mas ainda não a
ratificou.
A Conferência de Haia, guiada pelo espírito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Crianças, de 20 de novembro de 1989, ratificada por mais de 120 países, decidiu superar o método estritamente conflitualista, de indicação da lei aplicável, e elaborou uma Convenção que une regras materiais (administrativas e cíveis), regras de procedimento (administrativas e processuais) e regras indiretas de conflito (de reconhecimento e exceção de ordem pública), de forma a assegurar um mínimo de cooperação entre autoridades dos países envolvidos e uma efetiva proteção dos direitos da criança adotável. A pedra de toque aqui é a atividade e a cooperação entre as autoridades centrais dos países das crianças (país de origem) e dos países dos adotantes (país de acolhida).
a) Atividades da autoridade central do país de origem
No sistema da convenção, a autoridade central do país de origem atua, por sua vez, como garantidora da adotabilidade da criança (art. 16), é ela quem decide sobre a transferência da criança e se a adoção internacional serve aos interesses daquela criança (art.17), é a pessoa de contato para os outros organismos de outros Estados contratantes (arts. 14 e 15) e aquela que vai instrumentalizar a decisão conjunta das autoridades centrais sobre a colocação daquela criança com aqueles candidatos (art. 17, c).
Segundo impõe o art. 4º da Convenção, as adoções só correrão quando as autoridades competentes do país de origem da criança (os juízes e as Autoridades Centrais, Estaduais e a Federal): "a) tiverem determinado que a criança é adotável; b) tiverem verificado, depois de haver examinado adequadamente as possibilidades de colocação da criança em seu Estado de origem, que uma adoção internacional atende ao interesse superior da criança; c) tiverem-se assegurado de: 1) que as pessoas, instituições e autoridades cujo consentimento se requeira para a adoção hajam sido convenientemente orientadas e devidamente informadas das conseqüências de seu consentimento, em particular em relação à manutenção ou à ruptura, em virtude da adoção, dos vínculos jurídicos entre a criança e sua família de origem; 2) que estas pessoas, instituições e autoridades tenham manifestado seu consentimento livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento se tenha manifestado ou constatado por escrito; 3) que os consentimentos não tenham sido obtidos mediante pagamento ou compensação de qualquer espécie nem tenham sido revogados; e 4) que o consentimento da mãe, quando exigido, tenha sido manifestado após o nascimento da criança; e d) tiverem-se assegurado, observada a idade e o grau de maturidade da criança, de: 1) que tenha sido a mesma convenientemente orientada e devidamente informada sobre as conseqüências de seu consentimento à adoção, quando este for exigido; 2) que tenham sido levadas em consideração a vontade e as opiniões da criança; 3) que o consentimento da criança à adoção, quando exigido, tenha sido dado livremente, na forma legal prevista, e que este consentimento tenha sido manifestado ou constatado por escrito."
A atuação das autoridades centrais do país de origem deve assegurar o preenchimento de todos estes requisitos impostos pela Convenção para adoções internacionais, e para o deslocamento físico das crianças (arts. 18 e 19) fornecendo as informações necessárias e controlando de forma (direta ou indireta) a licitude do processo e seu sucesso (art. 20). Ambas as autoridades centrais acompanharão o sucesso das adoções realizadas e decidirão em conjunto o que fazer em caso de insucesso da adoção realizada (art. 21).
Note-se que as funções conferidas às Autoridades Centrais pela Convenção podem, segundo o art. 21, ser exercidas por "autoridades públicas" (por exemplo: as CEJAs e CEJAIS ou o SDH/MJ), as atividades das autoridades 'competentes', são as atividades dos juízes estaduais, que realizam na prática as adoções. O reconhecimento de sentenças de adoção também é centralizado, no Brasil, no Supremo Tribunal Federal.
No caso brasileiro, a centralização e a especialização já eram utilizadas como meio de combater o tráfico e o induzimento ao abandono. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a adoção internacional pode ser limitada e controlada por um organismo centralizador, que denomina "Comissão Estadual Judiciária de Adoção" e que hoje formam as CEJAS e CEJAIS e são as autoridades centrais estaduais da Convenção.
As normas de cooperação em matéria de adoção internacional trazidas pela Convenção de Haia de 1993 regulam a fase anterior e a fase posterior à saída da criança de seu país de origem.
A Convenção estabelece, nos já mencionados artigos 4º, 5º, 14, 16, 17, 19, suas normas fundamentais para as adoções, as quais devem ser levadas em conta pelas autoridades dos países envolvidos. Tratam-se mais do que normas, de princípios, que uma vez cumpridos darão a ambos os Estados envolvidos a garantia de que não houve "venda", tráfico, coação, seqüestro ou indução ao abandono e que os pais adotivos estão aptos, tanto jurídica, como psicologicamente, a receber a criança adotada.
Em resumo, as mencionadas normas principais procuram assegurar: 1) que todas as pessoas envolvidas receberam o esclarecimento necessário sobre a seriedade dos consentimentos que dão à adoção, sobre as conseqüências e efeitos que esta adoção internacional terá; 2) que os consentimentos necessários foram dados de maneira livre (sem coação ou contraprestação financeira) e por escrito, nos casos exigidos por lei, e a) no caso do consentimento da mãe, que este foi dado somente após o nascimento da criança e não antes deste, e b) que, se a criança é madura o suficiente, foi ela convenientemente informada, recebeu os conselhos necessários e que seus desejos e opiniões foram levados em conta; 3) que foi constatada a impossibilidade de colocação adequada em seu país de origem e que aquela adoção internacional responde ao interesse superior do menor; 4) que os futuros adotantes estão habilitados e aptos a adotar e que a adoção encontra apoio na legislação do país de residência dos adotantes e que a criança será autorizada a ai permanecer; 5) que a decisão de entregar a criança aos futuros adotantes e o deslocamento fático só aconteceu após a concordância das Autoridades Centrais e cumpridas todos requisitos antes mencionados.
Note-se que estas normas, ao contrário das normas de conflito, não se dirigem somente aos juízes nacionais, que trabalham diariamente com a matéria e devem seguir as novas linhas da Convenção, mas se dirigem igualmente ao Estado como um todo, que deve alcançar e zelar pelo nível jurídico e ético exigido pela Convenção. O sistema da convenção aumenta a comunicação entre autoridades, a gama de informações trocadas e a segurança quanto à autenticidade e seriedade dos estudos realizados e documentos de habilitação expedidos. O sistema propicia, igualmente, um aumento na confiança nos atos judiciais elaborados, um melhor respeito à vontade dos pais biológicos e das próprias crianças adotadas e diminuindo as possibilidades de "venda" e de tráfico de crianças.
b) Atividades das autoridades centrais do país de acolhida
A autoridade central do país de acolhida é responsável pela seleção do candidato a adotante (art. 15) e tem o monopólio de controle da iniciativa da adoção pelos candidatos a adotante (art. 14), uma vez que o processo começa necessariamente com os candidatos dirigindo-se à sua Autoridade Central e não àquela do país de origem da criança, para evitar a pressão e a procura desenfreada de crianças "adotáveis" naquele país. O contato com a autoridade central do outro país é de responsabilidade exclusiva também da Autoridade Central do país de acolhida (art.15, 2). O sistema proposto é um sistema de contatos somente entre autoridades públicas evitando as pressões e os comprometimentos frente às agências de adoção ou aos adotantes individuais.
Um canal de exceção, porém, foi aberto com o art. 22, 2 da Convenção que permite que alguns Estados declarem que estas atribuições (arts. 15 a 21) das Autoridades Centrais serão exercidas, no seu país, por organismos autorizados, leia-se "agências de adoção". Trata-se de uma fortíssima exceção, que praticamente faz desaparecer naquele país a segurança representada pela Autoridade Central.
O art. 22,4 permite, porém, que os outros Estados-Partes neguem-se a fazer adoções com os países que substituírem a figura da autoridade central pelas agências de adoção. Assim, declarou o Brasil, em 16 de maio de 2000, que não participará de adoções que envolvam países que fizeram a declaração do art. 22,2, uma vez que praticamente anula a figura da autoridade central, substituindo-a pelas inúmeras agências de adoção existentes.
Esta declaração do art. 22,2 deixa o regime da adoção internacional assim como antes, onde as agências estavam fora do controle estatal quanto as suas práticas, necessitando apenas de uma autorização prévia para trabalhar (veja art. 11 da Convenção) e desligadas de qualquer órgão público durante os procedimentos de adoção. E se um grande número de países de origem das crianças fizerem o mesmo, os países de acolhida que forçaram a aprovação do art. 22,2 (dentre os quais o mais importante é os Estados Unidos, país de acolhida de metade das adoções internacionais feitas no mundo por ano) ficariam isolados e tenderiam a organizar, eles também, uma autoridade central mais efetiva e não meramente órgão de credenciamento prévio.
No sistema da convenção, a autoridade central do país de origem atua, por sua vez, como garantidora da adotabilidade da criança (art. 16), é ela quem decide sobre a transferência da criança e se a adoção internacional serve aos interesses daquela criança (art. 17), é a pessoa de contato para os outros organismos de outros Estados contratantes (arts. 14 e 15) e aquela que vai instrumentalizar a decisão conjunta das autoridades centrais sobre a colocação daquela criança com aqueles candidatos (art. 17, c)
A atuação das autoridades centrais deve assegurar o preenchimento de todos os requisitos impostos pela Convenção para adoções internacionais, e para o deslocamento físico das crianças (arts. 18 e 19) fornecendo as informações necessárias e controlando de forma (direta ou indireta) a licitude do processo e seu sucesso (art. 20). As autoridades centrais acompanharão o sucesso das adoções realizadas e decidirão em conjunto o que fazer em caso de insucesso da adoção realizada (art. 21).
As funções conferidas às Autoridades Centrais pela convenção podem, segundo o art. 21, ser exercidas por "autoridades públicas" ou por "organismos autorizados" (inclusive as agências de adoção e os departamentos de assistência social, como na França, o Serviço Social Internacional, da Alemanha, entre outros).
Como afirmamos anteriormente, no caso brasileiro, a centralização, a especialização dos Juízes e a cooperação administrativa e judicial já era utilizada como meio de combater o tráfico e o induzimento ao abandono, assim como o instrumento mais revolucionário: o Princípio da Subsidiariedade.
B) Subsidiariedade: controle prático e
combate aos perigos das adoções internacionais
Combater com sucesso os desvios e problemas da adoção internacional é um dos objetivos da Convenção de 1993 e o motivo maior da adesão do Brasil a esta Convenção, mesmo antes de retornar ao sistema de Haia. Inegável foi, face a inexistência de uma regulamentação supra-estatal eficaz, o aparecimento de um rendoso tráfico de crianças em nível mundial ligado à adoção internacional. Tráfico de crianças com finalidade de adoção pode ser definido como o processo visando a transferência internacional definitiva da criança de um país para outro, em que qualquer um dos envolvidos (pais biológicos, pessoas que detêm a guarda, as crianças, os terceiros ajudantes ou facilitadores, as autoridades ou os intermediários) recebe algum tipo de contraprestação financeira por sua participação na adoção internacional.
A resposta a esta situação de perigo para crianças viria através da atualização da legislação nacional dos vários países envolvidos e da elaboração de novos atos internacionais, entre as quais se insere a nova Convenção de Haia de 1993, sobre a proteção e a cooperação em matéria de adoção internacional. Ao impor deveres mínimos as autoridades e intermediários, tanto dos países de origem quanto de acolhida das crianças, esta Convenção de 1993 tenta restabelecer a confiança nos atos administrativos e judiciais executados nos países envolvidos, que seguirão o esquema uniforme da Convenção, o que permitirá seu reconhecimento internacional.
A base para criar tal "segurança jurídica" para os adotados internacionalmente e para os procedimentos anteriores à adoção, onde geralmente atua o tráfico e os intermediários com fim de lucro, é a cooperação contínua entre as autoridades envolvidas, a qual permitirá o conhecimento mútuo, o acompanhamento nos procedimentos e algum tipo de controle das atividades do outro. A Convenção de 1993, como observamos, impõe uma série de deveres e controles, muitos dos novos deveres impostos aos Estados-Partes só poderão ser cumpridos através da atuação das autoridades centrais (que são públicas), evitando a atuação direta e independente das agências de adoção ou dos adotantes-individuais, evitando a “procura” das crianças e o mercado de fornecimento de “crianças adotáveis”. Esta opção, quase que exclusivamente administrativa e processual das normas impostas pela Convenção, tem como fundamento o perigo do tráfico e do desvio deste instrumento legal internacional; perigo que a adoção se transforme em instrumento para o benefício próprio e financeiro dos intermediários e não para o benefício e proteção dos interesses das crianças envolvidas.
Nesse sentido, a Convenção optou por apresentar um longo preâmbulo, onde esclarece quais os princípios teleológicos que devem guiar a interpretação de seu texto. Inicialmente o preâmbulo destaca a importância do ambiente familiar para o pleno desenvolvimento da criança, recordando que o princípio básico da atuação de todos os Estados deve ser o da "manutenção do vínculo", princípio este coincidente com o nosso ECA e seus artigos 19 a 24. Reconhece-se, porém, que a "a adoção internacional pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente a uma criança que não encontra a família conveniente em seu país de origem", reconhecendo, assim, implicitamente a excepcionalidade da medida e o princípio da primazia das adoções nacionais, princípio este que, no caso brasileiro, também está presente na legislação interna, no art. 31 do ECA.
Por fim, o preâmbulo esclarece a importância dos Atos Internacionais anteriores à Convenção, que visem proteger os direitos fundamentais das crianças, em especial a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, e confessa objetivo maior da nova convenção: "prever medidas para garantir que as ações internacionais devam ser feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças".
1. Princípio da Subsidiariedade
Como autoriza a Constituição brasileira (art. 227), a adoção de criança domiciliada no Brasil poderá ser concedida também a "estrangeiro residente ou domiciliado fora do País" (art. 51 do ECA), mas a lei brasileira é clara ao afirmar, no art. 31 do ECA, que "a colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção."
Na visão atual brasileira, a
adoção nacional e, especialmente, a manutenção dos vínculos familiares da
criança devem ter preferência. A decisão de transferir a criança, através da
adoção internacional deve só ser tomada, se não é possível ou recomendável uma
solução nacional. Assim, prevêem as novas Convenções e
Atos Internacionais esta subsidiariedade da adoção
internacional. O art. 21 lit. b in fine
da Convenção da ONU sobre direitos das crianças de 1989 expressamente prevê
esta linha de preferência para as soluções nacionais. A Convenção de Haia de
1993 impõe o princípio da subsidiariedade no seu
preâmbulo (Considerandos 1, 2, 3 e 4). Já nos artigos 4º, 5º, 14, 15, 16, 17 e
19, a Convenção cria um controle específico sobre o cumprimento deste princípio
(teste da subsidiariedade). No Brasil, as Resoluções
01/2000 e 02/2000 do Conselho das Autoridades Centrais Brasileiras regulam em
detalhes o cumprimento do princípio da subsidiariedade.
Neste sentido, podemos afirmar que o princípio da subsidiariedade significa, em matéria de adoção internacional, "tempo e ordem", isto é: que as Autoridades Centrais, os Juízes de Estados estrangeiros de residência dos pais adotivos e os interessados (por exemplo, pais adotivos ou intermediários das agências) somente poderão ser ativos, quando e se as Autoridades Centrais e os Juízes do país de residência da criança estabeleceram com clareza que uma solução nacional para aquela criança não é mais possível ou desejável, sempre tendo em vista seu bem-estar concreto e o respeito ao direito de manutenção do vínculo familiar de origem.
Visto sob esta ótica, o princípio assegura tempo, para que as autoridades do país de residência da criança organizem e verifiquem da possibilidade de uma solução nacional e ordem, pois garante que a competência para solucionar o problema da criança é da autoridade do país de sua residência. O princípio combate o tráfico, pois - mesmo pagando - os pais adotivos estrangeiros nunca estarão certos de receber aquela criança, dada a possibilidade de sua adoção nacional por adotantes brasileiros, que nada pagaram. E significa ainda uma decisão política de dar preferência aos casais brasileiros ou com residência no Brasil, face à manutenção da criança em seu ambiente cultural e social.
Os artigos 31 e 51 do ECA bem determinam esta ordem de preferência para todas as crianças com residência no Brasil. E a Justiça brasileira está começando a ter de decidir sobre a difícil e sensível aplicação deste princípio, que faz parte de nossa nova ordem pública em matéria de adoção internacional, como veremos a seguir. Trata-se do teste da subsidiariedade ou controle sobre o cumprimento deste princípio orientador de todas as adoções internacionais.
Em outras palavras, o princípio da subsidiariedade significa que a Autoridade Central brasileira deve determinar se a criança é adotável internacionalmente. Não basta mais apenas que os pais tenham recebido do CEJA uma autorização geral/habilitação para adotar no Brasil. Mister a autoridade competente certificar-se que aquela criança não encontra adotantes nacionais. Siginifica, pois, um limite à atuação dos pais adotivos estrangeiros e dos intermediários (facilitators), pois, estes devem dirigir-se a sua Autoridade Central, no seu país de residência, e lá iniciar o pedido (arts. 4º , 5º, 6º, 10, 11, 12 e 22 da Convenção). A comunicação entre autoridades centrais e a competência clara de cada uma das autoridades centrais e autoridades competentes (juízes) deve diminuir o fenômeno do “abandono induzido” com fins de adoção internacional de recém nascidos e do tráfico de crianças em geral, ajudando a preservar os direitos fundamentais em uma nova definição do que é bem-estar ou interesse superior das crianças (the best interests of the child).
2. A prática da adoção internacional no Brasil face ao princípio da subsidiariedade
Como antes mencionamos, na adoção internacional a criança estará deixando definitivamente a sua família biológica, deixando definitivamente o seu país, o seu contexto cultural, a língua que domina, a realidade que conhece, para ser incorporada a um novo lar localizado em país estrangeiro. Os Juizados da Infância e da Juventude, que realizam adoções internacionais, contam com equipes de auxiliares técnicos (médicos, psicólogos, assistentes sociais) para ajudar ao juiz a organizar o cadastro de adotantes, os estudos psicossociais e a formar o convencimento que a adoção é para o bem da criança.
Em se tratando de adoção internacional, o primeiro problema que se punha era o da seleção dos candidatos estrangeiros. Hoje a seleção, geralmente, é feita em seu país de origem por órgãos governamentais, como na França, ou por Agências de Adoção, como na Bélgica e Luxemburgo, agências estas que deverão ser autorizadas, cadastradas e, principalmente, controladas pelo Poder Público daquele país, atuando como autoridades centrais da Convenção de Haia de 1993. A CEJAI elabora mais um controle. O juiz examina o dossier dos candidatos estrangeiros, o estudo psicossocial do estrangeiro, a capacidade dos adotantes para a adoção, os motivos da adoção, a habilitação do CEJAI, o estudo psicossocial do assistente brasileiro e pondera o bem-estar da criança, decidindo a adoção; mas hoje há um requisito a mais: o teste da subsidiariedade. Só irá para a adoção internacional ou é adotável internacionalmente, a criança que não puder ser colocada em adoção nacional. Vejamos os detalhes desta prática do princípio da subsidiariedade.
a) Subsidiariedade e perda do pátrio poder
A lei brasileira prevê que precederá ( ou será concomitante) ao processo de adoção (nacional ou internacional) a perda de pátrio poder dos pais biológicos. Assim é que a criança brasileira atinge o grau previsto na Convenção de adotabilidade. Ocorre que, com o princípio da subsidiariedade importando em um controle a mais para os juízes e Autoridades Centrais, a situação, na prática, pode ter mudado. A autoridade competente deve controlar se não houve tráfico ou benefício financeiro para qualquer uma das partes (art. 4º da Convenção) e deve verificar as possibilidades da criança permanecer, através de uma adoção nacional, no Brasil. Em outras palavras, as autoridades centrais e as autoridades competentes, no caso, as CEJAIS e os juízes estaduais devem organizar o controle do cumprimento do princípio da subsidiariedade já no processo de perda do pátrio poder.
Efetivamente, o momento de maior perigo de tráfico na adoção internacional é o consentimento dos pais biológicos ou representantes na adoção. Este consentimento pode ser alcançado face à promessa de benefícios financeiros de qualquer tipo. Cabe às autoridades brasileiras coibir esta prática. Dai que com a aplicação de todas estas fontes legais, podemos concluir que os consentimentos hoje para a adoção são consentimentos em branco e gerais, os consentimentos não mais se referem a um casal de adotantes estrangeiro em especial, pois a adoção nacional deve ser a privilegiada. A autoridade competente, o juiz estadual, deve verificar se a criança não pode ficar no Brasil, através de uma adoção nacional, antes de deferir qualquer adoção internacional.
Na prática, o princípio da subsidiariedade combate o tráfico justamente ao impedir: 1. que o casal estrangeiro possa "escolher" o adotando (um bebê branco, recém-nascido por exemplo) e "pagar" por isso; 2. que o direito da criança de manutenção do vínculo e de preservação de sua identidade cultural possa ser violado, por interesses financeiros dos intermediários. E o faz através de simples medidas: 1. organizadas as listas de adotáveis nacionais e internacionais, apesar de – teoricamente - os pais biológicos manifestarem interesse na adoção internacional por um casal em especial, o juiz dá preferência para pais nacionais (que esperam na fila, sem "pagar" por este privilégio); 2. frustada a adoção por tráfico (ou suspeita de tráfico), que lhe traria benefícios, os pais biológicos, geralmente, mudam de idéia e requerem a guarda da criança, ou esta, pelo menos ficará no Brasil, em adoção nacional, sem o perigo do "des-enraizamento" da criança.
Daí a importância das normas sobre perda do pátrio poder, estabelecidas no ECA e no novo Código Civil (art. 1.621) continuarem a atual prática da jurisprudência. O consentimento na adoção não representa a perda do pátrio poder, somente representa um requisito do processo de adoção, como demonstra esta decisão do Superior Tribunal de Justiça:
"PÁTRIO PODER – Dever irrenunciável e indelegável – Destituição – Consentimento da mãe – Irrelevância – Hipóteses específicas – Art. 392 do Código Civil... I – O pátrio poder, por ser "um conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no tocante a pessoas e bens dos filhos menores" é irrenunciável e indelegável. Em outras palavras, por se tratar de ônus, não pode ser objeto de renúncia. II – As hipóteses de extinção do pátrio poder estão previstas no art. 392 do Código Civil e as de destituição no 395, sendo certo que são estas exaustivas, a dependerem de procedimento próprio, previsto nos arts. 155/163 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consoante dispõe o art. 24 do mesmo diploma. III – A entrega do filho pela mãe pode ensejar futura adoção (art. 45 do Estatuto), e, conseqüentemente, a extinção do pátrio poder, mas jamais pode constituir causa para a sua destituição, sabido, ademais, que "a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder" (art. 23 do mesmo diploma.... )".
A idéia básica do ECA (e também da Convenção de Haia) é a de manutenção do vínculo com a família biológica, assegurando o direito de convivência familiar, mesmo que esta tenha consentido anteriormente na adoção:
"PÁTRIO PODER - Destituição. Motivos. Ausência. CC, art. 395. Não caracteriza situação de abandono ensejadora da destituição do pátrio poder o fato de a mãe solteira ter deixado o filho no hospital, depois de assinar um documento, no mesmo dia do parto, autorizando a sua entrega a terceiros para adoção, supondo estar autorizando a entrega da criança ao seu pai, que deveria criá-la. Se a mãe, ainda que modestamente, tem condições de criar o filho, não se pode destituí-la do pátrio poder, uma vez que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da família, e a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder, consoante os arts. 19 e 23 do ECA."
b) Cadastro de adotantes e o princípio da subsidiariedade
A implementação da subsidiariedade da adoção internacional impõe que se tente inicialmente uma adoção nacional, por direito fundamental daquela criança de manter-se em sua cultura de origem, dai a organização de um cadastro de adotantes, nacionais e estrangeiros. Com a entrada em vigor da Convenção de Haia no Brasil, o Cadastro de adotantes é hoje nacional (veja site do Ministério de Justiça, SIPIA/Infoadote), mas os juízes estaduais continuam sendo as autoridades competentes para realizar a adoção (art. 148, III do ECA). Estes juizes só devem conceder adoções internacionais após a informação da CEJAI (autoridades centrais estaduais da Convenção de Haia) e manifestação do Ministério Público (art. 201, III do ECA).
A organização da lista de adotantes nacionais e internacionais é feita pelo magistrado e controlada pela CEJAI e já é um tema justiciável, como demonstra esta decisão do Tribunal de São Paulo:
"ADOÇÃO - Decisão que indeferiu o pedido de inscrição do casal no cadastro de pretendentes à adoção, com base em parecer psicológico que considerou a idade avançada dos pretendentes – Inadmissibilidade a aptidão à adoção sujeita-se apenas à análise das condições genéricas, tais como condições morais e materiais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente ao estabelecer os requisitos do adotante, o fez de um modo abrangente e amplo, a fim de facilitar a vinda ao aconchego de uma família, filhos privados de arrimo, de forma que a idade máxima ficou ao prudente critério do juiz não constituindo esta empecilho objetivo à concessão de adoção. Provido o recurso para deferir a inscrição dos apelantes no cadastro de pretendentes à adoção."
Antes da entrada em vigor da Convenção de Haia de 1993, nossa corte civil mais alta, o Superior Tribunal de Justiça já havia se manifestado sobre a imperatividade do princípio da subsidiariedade ex vi art. 31 do ECA, mas considerara matéria de prova a “impossibilidade” de colocação no país, face à inexistência de cadastros de adotantes. Assim a decisão: “ADOÇÃO - Menor. Casal estrangeiro. Excepcionalidade. Art. 31 da L. 8.069, de 13.07.90. Matéria probatória. Fundamento suficiente da decisão recorrida não impugnado. A colocação de menor em família estrangeira constitui medida excepcional, que somente se justifica depois de exauridas as tentativas para manter a criança na própria família ou colocá-la em família adotiva no próprio país. Acórdão recorrido que, perfilhando tal orientação, não atentou contra o disposto no art. 31 do ECA. Assertiva formulada pelos recorrentes de que foram esgotados todos os meios necessários para colocar o menor em lar substituto nacional. Matéria de prova, insuscetível de reexame no âmbito do apelo especial (Súmula 07-STJ). Fundamento expendido pela decisão recorrida, por si só suficiente, que não foi objeto de impugnação pelos recorrentes.”
Com a entrada em vigor da Convenção de Haia em 1999, o princípio da subsidiariedade tornou-se ainda mais importante. Como ensina o Superior Tribunal de Justiça, a não consulta ao cadastro de adotantes cria, geralmente, uma situação de fato difícil de ser revista pelo Tribunal, que só examina a questão anos mais tarde, quando a criança já está estabelecida em seu novo lar. Assim, apesar da violação ao ECA e dos corretos e atentos protestos do Ministério Público, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em dois casos de 1999, pela manutenção da adoção ilegal, mas destacou que o princípio da subsidiariedade deve ser realmente usado pelos juízes competentes, a fim de coibir o tráfico:
"ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro geral de adotantes. Necessidade de consulta. Questão de fato não impugnada. - A adoção por estrangeiros é medida excepcional que, além dos cuidados próprios que merece, deve ser deferida somente depois de esgotados os meios para a adoção por brasileiros. Existindo no Estado de São Paulo o Cadastro Geral de Adotantes, impõe-se ao Juiz consultá-lo antes de deferir a adoção internacional. - Situação de fato da criança, que persiste há mais de dois anos, a recomendar a manutenção do status quo. Recurso não conhecido, por esta última razão."
"ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro geral. Antes de deferida a adoção para estrangeiro, devem ser esgotadas as consultas a possíveis interessados nacionais. Organizado no Estado um cadastro geral de adotantes nacionais, o juiz deve consultá-lo, não sendo suficiente a inexistência de inscritos no cadastro da comarca. Situação já consolidada há anos, contra a qual nada se alegou nos autos, a recomendar que não seja alterada."
Em apenas um caso, foi possível retirar a criança (em estágio probatório) com os estrangeiros e realizar a adoção nacional:
ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro central de adotantes. Necessidade de sua consulta. A adoção por estrangeiros é medida excepcional. Precedente (REsp nº196.406-SP). Situação de fato superveniente, com o deferimento da guarda do menor a casal nacional, estando em curso o estágio de convivência. Perda do objeto. Recurso especial não conhecido."
Apesar deste caso de 1999 e do alerta do STJ, em 2001, caso semelhante ocorreu no Brasil, demonstrando que a prática dos magistrados estaduais ainda não se consolidou:
"CIVIL. ADOÇÃO POR CASAL ESTRANGEIRO. O Juiz da Vara da Infância e da Juventude deve consultar o cadastro centralizado de pretendentes, antes de deferi-la a casal estrangeiro. Hipótese em que, a despeito de omissão a esse respeito, a situação de fato já não pode ser alterada pelo decurso do tempo. Recurso especial não conhecido."
Os Tribunais Estaduais têm reafirmado que aqui o interesse maior a ser protegido é o bem estar da criança e que uma flexibilização é importante, mas que deve se atentar para a importância de um controle prévio ou concomitante das CEJAs e do Ministério Público, de forma que a toda a adoção internacional violadora do princípio da subsidiariedade não se torne um "fato consumado", insuscetível de ser desfeito, como observa nesta decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
"ADOÇÃO INTERNACIONAL. Viabilidade dependente da observância de requisitos legais, instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente com evidente interesse protetivo do adotando. Inaceitabilidade da criação, pelos adotantes estrangeiros, de fato consumado completamente divorciado da lei brasileira. Sentença de improcedência mantida. Apelo improvido"
Como se observa, o bem estar da criança e a ponderação das circunstâncias especiais do caso tem guiado a decisão desta já rica jurisprudência sobre o princípio da subsidiariedade, que tem demonstrado ser um eficiente instrumento no combate ao tráfico de crianças e outros perigos da adoção internacional.
Observações finais
Com a entrada em vigor a Convenção de Haia sobre a proteção e a cooperação em matéria de adoção internacional, e as adaptações do regime atual da adoção internacional, há um novo espírito de cooperação administrativa e judicial, de combate ao tráfico de crianças e de respeito aos direitos fundamentais dos envolvidos neste momento humano complexo e decisivo, que é a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros domiciliados fora do Brasil estabeleceu-se.
Apesar da aprovação do novo Código Civil em 2003, por menção expressa deste, parece-me que o Estatuto da Criança e do Adolescente continuará a reger, como lex speciales, a adoção internacional até ser substituído por lei específica sobre o tema. O ECA é uma excelente lei especial para a adoção internacional, se aplicado conjuntamente com a Convenção de Haia de 1993. No diálogo das fontes, o direito brasileiro supera a visão tradicional do instituto da adoção, de negócio jurídico privado, de interesse prioritário dos pais adotivos, de continuação de sua família, seu nome, sua cultura (adoção clássica), para pensar o instituto da adoção como uma das soluções individuais para as dificuldades específicas daquele adotado em manter o vínculo com sua própria família ou, no caso da adoção internacional e subsidiária à nacional, dificuldades de encontrar uma família apropriada em seu próprio país. É a nova adoção, concentrada nos interesses e bem-estar da criança, visto sob o lado afetivo e econômico, em que a criança passa de passivo "objeto" de decisão das autoridades competentes, a sujeito de direitos protegíveis no novo processo de adoção.
A Convenção de Haia de 1993 não revoga ou ab-roga o Estatuto da Criança e do Adolescente brasileiro, ao contrário, expressamente declara que as leis nacionais devem ser mantidas (art. 28 da Convenção). A Convenção contribuiu para atualizar o espírito da lei, mais adaptado à aproximação dos países, à globalização e às facilidades, tanto de contatos internacionais privados, como do deslocamento de crianças, de agentes facilitadores independentes ou de agências internacionais de adoção (intermediários) e de informação e cooperação das autoridades competentes. Visa a evitar o tráfico de crianças, o abandono induzido para adoção internacional de bebês e o benefício financeiro de qualquer um daqueles que participam na adoção de crianças. O princípio da subsidiariedade é importante peça neste novo cenário.
Concluindo, os requisitos para as adoções internacionais no Brasil são:
1. Comprovação da capacidade dos adotantes estrangeiros para adotar e apresentação através da Autoridade Central de seu país - a lei exige (art. 51, §1º ECA) que o candidato comprove "mediante documento expedido pela autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, consoante as leis de seu país", assim como o art. 7º da LICC/42 indica esta lei como regendo a questão prévia da capacidade para adotar. Esta exigência é complementada pela norma do §2º do art. 51, a qual dispõe que a autoridade judiciária poderá determinar, a exemplo do art. 14 da Lei de Introdução ao Código Civil e do art. 337 do Código de Processo Civil, a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira invocada, acompanhada de prova da respectiva vigência. A Convenção de Haia de 1993 combate a procura independente (Declaração brasileira de 16 de maio de 2000) de crianças para adotar, sendo assim, os candidatos devem ser “habilitados” e selecionados pela Autoridade Central de seu país de domicílio (arts. 14 e 17 da Convenção de Haia c/c art. 7º da LICC/42 e art. 51, §1º ECA).
2. Comprovação da habilitação para adotar e estudo psicossocial estrangeiro - o mesmo §1º do art. 51, in fine, do ECA prevê que o candidato estrangeiro apresente um "estudo psicossocial, elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem". Hoje este estudo é enviado (geralmente também, elaborado) pela autoridade central (ou agências atuando como autoridades centrais) daquele país para a autoridade central brasileira (que direciona para a CEJAI). A primeira conseqüência prática desta norma é que os candidatos não deverão mais se dirigir diretamente aos juízes brasileiros, mas antes submeter-se a uma seleção em seu país de origem e participar do cadastro nacional de adotantes. O Ministério da Justiça brasileiro (autoridade central federal) fiscaliza e credencia as agências estrangeiras, como parte das tarefas da autoridade central federal, o que facilitará a tarefa das autoridades competentes (juízes) e das autoridades centrais estaduais, reunidas em fórum para trocar informações.
3. Laudo de habilitação da CEJAI, documentação e aceitação da Autoridade Central de seu país. A aceitação do candidato estrangeiro como devidamente habilitado para adotar no Brasil e integrar o cadastro de adotantes é feita pelas CEJAIs, atuando como autoridades centrais. Este "laudo de habilitação" do candidato para adotar deve ser apresentado aos juízes estaduais (art. 52 do Estatuto), que é quem realmente decide sobre o "matching" face aos critérios antes explicados. A documentação traduzida em pedido de adoção formulado por estrangeiro residente ou domiciliado fora do Brasil é importante e verificada pela CEJAIS. Todos os documentos em língua estrangeira juntados aos autos deverão, como é de praxe, ser devidamente autenticados pela autoridade consular brasileira e acompanhados pela respectiva tradução, por tradutor público juramentado (art. 51, §3º ECA). A Convenção de Haia exige que a Autoridade Central do país de acolhida manifeste-se sobre a entrada da criança eventualmente dada em adoção naquele país de domicílio dos adotantes (arts. 14 e 17 da Convenção de Haia de 1993).
4. Teste da Subsidiariedade – O art. 31 do ECA e a Convenção de Haia exigem que seja verificada a possibilidade de uma adoção nacional, o que significa a consulta ao cadastro nacional de adotantes, a lista da comarca e a um estudo dos auxiliares do juiz sobre a possibilidade de sucesso de uma adoção nacional. O juiz deve comprovar as condições de adotabilidade internacional daquela criança (não existência de tráfico ou benefícios financeiros para os intermediários e pais, etc.) e, se possível, preencher os formulários (consentimento, extratos de sentença etc.) sugeridos pela Convenção de Haia em 1993, de forma a facilitar o reconhecimento de sua sentença no futuro (arts. 4º, 7º, 17 da Convenção de Haia).
5. Vinda do adotante ao Brasil – Estando as Autoridades Centrais de acordo com a adoção, mister a vinda do adotante ao Brasil, pois segundo o art. 39, parágrafo único do ECA as adoções por procuração estão proibidas, logo, o candidato estrangeiro residente fora do país deverá apresentar-se pessoalmente ao juiz, e assinar o pedido de adoção quando vier conhecer e adotar a criança estabelecida pelo Juizado para sua adoção, demonstrando assim sua inequívoca vontade de adotar aquela criança. As autoridades centrais devem ter decidido anteriormente sobre este "matching" (arts. 4º e 17 da Convenção), mas ainda é possível que a adoção não se realize, por exemplo, quando a criança recusa os pais adotantes indicados durante o período de convivência.
6. Estágio de convivência e bem-estar da criança – o último dos requisitos é um reduzido estágio de convivência, último teste quanto ao bem-estar da criança. Segundo dispõe o art. 46, § 2º do Estatuto, em se tratando de adoção por estrangeiro não domiciliado no país o juiz deverá determinar o cumprimento de um estágio de convivência reduzido no território nacional, de no mínimo 15 dias para crianças até 12 anos de idade e, de no mínimo 30 dias, quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade. Só após o estágio (que pode ser reduzido pelo juiz) é que a sentença de adoção será elaborada e a criança poderá deixar o Brasil. As adoções internacionais também são submetidas ao princípio do art. 43 do ECA, do interesse superior da criança e só serão concedidas se apresentarem "reais vantagens para o adotando", cabendo ao juiz (autoridade competente da Convenção de Haia) esta última decisão.
Trata-se de um longo e fragmentado caminho para alcançar-se uma adoção internacional legal no Brasil. Hoje, em tempos pós-modernos, mister afirmar que a expressão "melhor interesse" (best interest), "bem-estar" ou a expressão do art. 43 do ECA, "vantagem" para a criança deve ser interpretada à luz da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, à luz dos direitos básicos assegurados no ECA, exatamente como faz a Convenção de Haia de 1993, que impõe e organiza a subsidiariedade da adoção internacional. A expressão "vantagem para a criança" passa a ter um duplo sentido: é bem-estar econômico e afetivo, mas é direito a sua identidade cultural, a manutenção do vínculo, é respeito aos seus novos direitos humanos, inclusive o protegido no princípio da subsidiariedade da adoção internacional. Os valores a ponderar são, portanto, dois: não há bem-estar econômico-afetivo, se violamos os direitos humanos culturais e de identidade da criança; não há respeito aos direitos humanos da criança, se a decisão desrespeita seu bem-estar afetivo ou econômico e lhe nega uma chance de um futuro melhor. Só a conjunção destes dois fatores é que realiza a expressão, o conceito aberto "melhor interesse" ou "vantagem", base da nova adoção internacional de crianças.
Notas:
[1] Claudia Lima Marques - Professora da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Doutora em Direito pela Universidade de Heidelberg, Mestre em Direito Civil e Direito Internacional
Privado pela Universidade de Tübingen, Alemanha.