COMARCA DE
CAXIAS DO SUL
VARA DA
INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
Vistos, etc.
RELATÓRIO.
Informa o Conselho Municipal dos
Direitos da Criança o encerramento do mandato dos Srs. Conselheiros Tutelares
na data de ontem, 31.05.95, não se havendo dado andamento oportuno ao processo
eleitoral para nova composição, o que será ultimado apenas em 18 de julho
próximo, quando haverá de empossar os novos integrantes. Informando disporem-se
os atuais conselheiros, nos prazos que especifica, a permanecerem no exercício
das funções, solicita orientação quanto à solução legal para que o serviço não
sofra solução de continuidade.
CONSIDERAÇÕES
PRELIMINARES
Antes de apreciar o encaminhamento a
ser adotado, é de destacar-se o caráter anômalo da situação
notificada, sintomática de irregular e desconcertada gestão das
políticas de atendimento à infância e reveladora de incompreensão quanto ao
contexto legislativo - particularmente negligenciado na espécie o princípio da
prioridade absoluta (Constituição Federal, art. 227), única justificativa para
a não realização oportuna das eleições.
Procede a assertiva de que, encerrada a vigência do mandato eletivos dos Srs. Conselheiros
Tutelares, cessam, ipso facto, as
competências que por lei lhe são atribuídas. Demais, eventual prorrogação por
lei municipal seria de legalidade questionável, diante da expressa previsão
pela norma federal da sua duração por três anos (Lei 8.069/90 ECA. art. 132).
Encontra-se o Município assim
desprovido, ainda que por período limitado, da instância administrativa à qual
atribuídas as funções previstas no art. 136 do ECA.
Tal situação é de considerar-se equivalente à não instalação do órgão, caso em
que, nos termos do art. 262, sempre do mesmo Estatuto,
tais competências são acometidas à autoridade judiciária.
Desse fundamento, tendo por
dissolvido o Conselho Tutelar de Caxias do Sul, pelo advento do termo de
duração do mandato dos seus membros eleitos para a gestão 92/95, e devolvida a
competência tutelar à situação anterior à sua instalação, na condição de
autoridade judiciária competente nos termos do art. 262, de 146 do ECA e Lei Estadual 9.896/93 - art. 1º. ‘f’, passo a disciplinar a matéria.
NATUREZA
JURIDICA DAS FUNÇÕES TUTELARES
Inexistem controvérsias doutrinárias
sobre a natureza não jurisdicional das competências atribuídas ao Conselho
Tutelar. Em sendo assim, acometidas que estejam à autoridade judiciária, não
perdem, pelo só-fato da atribuição supletiva de caráter transitório, seu
caráter administrativo.
Certo é que a doutrina inadmite senão que mediante expressa previsão
constitucional a delegação de atribuições de um Poder
a outro, hipótese que, aparentemente, poder-se-ia ter por configurada na
espécie.
Fato é que a Lei 8.069/90 atribui à
esfera do Executivo Municipal, através do Conselho Tutelar, as competências
previstas no respectivo art. 136. Na sua ausência - por não instalado ou, como
na espécie, por legalmente inativado
- as mesmas competências são exercidas pela autoridade judiciária.
Tal atribuição resulta, mais exatamente, do caráter histórico do exercício das
atribuições tutelares pelo Poder Judiciário, sistema com o qual conviveu o ordenamento jurídico pátrio desde o Código
Mello Matos, de 1927, até a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Daí que a atribuição destas mesmas
competências, verificadas determinadas condições, a Poderes diversos, não
descaracterizam sua natureza administrativa, sendo que a Lei 8.069/90 foi
definitivamente esclarecedora a respeito.
Destaque-se, ademais, que não se cogita
na espécie de delegação da competência - senão que por via reflexa, resultado
da omissão no provimento dos cargos para o novo
mandato que hoje ter-se-ia de iniciar - do Poder
Executivo municipal à autoridade judiciária, mas de redefinição da esfera
administrativa (ainda que uma delas afeta à órbita do Poder Judiciário) decorrente
de comando legal.
DELEGABILIDADE
A competência administrativa,
decorrência do princípio administrativo da descentralização, é em principio,
delegável - desde que presente norma que, expressa ou implicitamente, a
autorize (Hely Lopes Meirelles. Direito
Administrativo Brasileiro, Ed. RT,9a. ed., p. 628).
Na espécie, a autorização é de
considerar-se implícita pela própria forma de atribuição das competências
tutelares à Justiça da Infância e da Juventude em caráter meramente transitório
e precário , quando inexistente em âmbito municipal o organismo próprio
previsto pela Lei 8.069/90 - de modo que não se pode considerar, no que
respeita ao seu exercício nas circunstância previstas
pelo art. 262, como de atribuição de caráter pessoal do agente público titular
da jurisdição correspondente.
É por tal que as tenho por delegáveis,
merecendo ponderar a absoluta incapacidade de desincumbir-se pessoalmente o magistrado
do intenso tráfego de atendimentos proporcionados pelo Conselho Tutelar, sempre
a demandar soluções imediatas, sem prejuízo da regularidade do exercício das
suas atribuições jurisdicionais - de abrangência regional, vale consignar - e
mesmo em prejuízo daquelas previstas no art. 136 das quais viesse a diretamente
ocupar-se.
No que respeita à capacidade dos
agentes destinatários da delegação, tenho por conveniente manter-se no
exercício das mesmas atribuições os Conselheiros Tutelares que tiveram seu
mandato findo, dada a qualificação adquirida e demonstrada ao longo de três
anos de exercício do cargo.
Nesse passo, cabe um
parênteses, para registrar a admiração do juízo pelo elevado espírito
público e grau de consciência quanto ao caráter das funções demonstradas pelos
nobres Conselheiros. Ao disporem-se ao exercício gracioso das atribuições, sob
a chancela judicial que há de assistir-lhes na causa comum de proteção
prioritária à infância, na ausência das necessárias e imprescindíveis
providências por quem de direito, demonstram sensibilidade e decoro em gritante
contraste com a injustificável irregularidade aqui enfrentada.
SOBRE O
FUNCIONAMENTO
Já instalada a estrutura física
necessária ao funcionamento do Conselho Tutelar, na qual alojadas, inclusive,
as documentações relativas aos atendimentos já prestados, sobremaneira úteis ao
atendimento cotidiano, tenho em solicitar ao Executivo Municipal autorize sua
permanência e operação nas mesmas instalações, ressalvada a possibilidade de
que, entendendo inviável, passe o atendimento a ser
prestado junto ao serviço de plantão deste juizado.
Conforme aventado na comunicação do Comdica, que deu origem ao presente, e tendo aposto os
atuais Conselheiros sua expressa concordância, o exercício das atribuições ora
delegadas ocorrerá sem ônus para o Poder Judiciário, ressalvada eventual
solução nesse sentido que possa vir a ser negociada junto ao Poder Público
Municipal.
CONCLUSÃO
FACE AO
EXPOSTO, nomeio para o exercício das atribuições tutelares acometidas a este Juízo
nos termos dos arts. 262 da Lei 8.069/90, enquanto
perdurarem vagos os cargos de Conselheiros Tutelares de Caxias do Sul,
delegando-lhes as competências descritas no art. 136 da mesma Lei aos
senhores..., ..., ..., ..., e ...
Expeça-se portaria.
Oficie-se, conforme determinado no
despacho de recebimento, dando-se outrossim ciência aos interessados do teor da
presente, e solicitando-se à Prefeitura Municipal que informe quanto à
possibilidade de utilização das instalações do Conselho Tutelar com vistas ao
cumprimento dos objetivos da presente.
Intime-se o Ministério Público.
Tendo em vista afigurar-se recomendável
o debate público da situação ora enfrentada, que certamente haverá de
contribuir para que futuramente se evitem semelhantes irregularidades,
remetam-se cópias do expediente à Câmara Municipal de Vereadores e imprensa.
Caxias do Sul, 1º de junho de 1995.
Juiz de Direito