LIBERDADE ASSISTIDA

Belo Horizonte

 

 

Janaína Valéria de Mattos,  a partir de relatórios oficiais da Secretaria de Desenvolvimento Social de Belo Horizonte-MG.

 

Apoio: UNICEF 

 

Todo município convive com crianças e adolescentes que cometem delitos. Não é possível tratar do problema com medidas punitivas aplicadas isoladamente. É preciso enxergar o ato infracional como conseqüência de um processo de exclusão a que são submetidos estes jovens: falta de acesso à escola, à oportunidade de lazer, opção de vida, convívio familiar, relação com a comunidade. Ou seja, um programa municipal voltado para o atendimento a crianças e adolescentes autores de ato infracional deve estar inserido numa política mais ampla que busque a reinserção destes jovens, e, quando necessário, adote medidas sócio-educativas que os respeite enquanto cidadãos, sujeitos de direitos, resgatando-os das condições adversas a que estão permanentemente expostos e que prejudicam seu bem-estar, sua saúde física e mental e comprometem sua participação social.


O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê seis medidas sócio-educativas: advertência, obrigação de reparo do dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional, que devem ser aplicadas de acordo com a gravidade do ato infracional. As quatro primeiras podem ser aplicadas pelo próprio município.


O objetivo principal da liberdade assistida é garantir que o adolescente possa contar com um adulto que o acompanhe, auxilie e oriente em sua inserção social, junto à família, na escola, e no mercado de trabalho. A Prefeitura de Belo Horizonte-MG está aplicando com sucesso esta medida. A municipalização favoreceu um atendimento mais adequado à realidade dos adolescentes em conflito com a lei, facilitando o cumprimento das normas estabelecidas. No Programa de Belo Horizonte, os jovens prestam contas de seus atos à equipe de sua regional, em entrevistas semanais, e são acompanhados por orientadores voluntários. O Programa busca oferecer aos adolescentes condições para a satisfação de suas necessidades de saúde, educação e lazer, propiciando a construção de um novo projeto de vida e o rompimento com a trajetória de transgressão.


Inserido numa política mais ampla de atenção a crianças e adolescentes, o Programa Liberdade Assistida foi implantado em abril de 1998 pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), em parceria com o Juizado da Infância e do Adolescente e a Pastoral do Menor.

 
Em cada uma das nove regionais há um ou dois técnicos de referência - psicólogos e assistentes sociais - contratados pela SMDS, que trabalham em parceria com os orientadores sociais voluntários. Atualmente são atendidos 375 jovens, entre 12 e 20 anos, mas esse número varia em função de novos encaminhamentos.


OBJETIVOS


O objetivo do Programa Liberdade Assistida da Prefeitura de Belo Horizonte é acompanhar a vida social do adolescente infrator, sem retirá-lo do convívio da comunidade à qual pertence. Para isso, descentraliza e flexibiliza o acompanhamento das crianças e adolescentes que praticaram delitos.


Ao mesmo tempo em que cumpre a medida prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Programa busca criar condições para que o adolescente que está em regime de liberdade assistida seja capaz de construir um projeto de vida que rompa com a prática do ato infracional, desenvolvendo a confiança e a capacidade de reflexão sobre suas vivências, dificuldades e ação no mundo. Mobiliza lideranças e organizações não-governamentais para inserir esses jovens na comunidade, ao mesmo tempo em que vai se tornando uma experiência de referência no atendimento ao adolescente infrator, oferecendo um atendimento de qualidade que respeite sua cidadania e sua dignidade.
Além disso, o Programa busca inserir e acompanhar o adolescente na vida escolar, viabilizando alternativas comunitárias para a profissionalização e geração de renda, avaliando periodicamente seu percurso no cumprimento da medida de liberdade assistida.
A Secretaria de Desenvolvimento Social criou uma diretoria de medidas sócio-educativas integrada por uma diretora, a coordenadora do Programa Liberdade Assistida e a diretora do Centro de Internação. Foi adotada esta estrutura para integrar as ações coercitivas - internação e liberdade assistida - alertando para o caráter drástico da internação, que só deve ser adotada com critérios rígidos, em casos extremos.


FUNCIONAMENTO


Após o parecer do Juizado, os adolescentes são encaminhados para o Programa, devendo comparecer semanalmente à sua regional para acompanhamento. Todo a atenção ao adolescente é caracterizada pelo atendimento individual, considerando-se que “cada caso é um caso”. Para a primeira visita, o adolescente deve estar acompanhado de um responsável, representante da família, com a qual busca-se estabelecer um contrato de ajuda mútua em torno das necessidades dos adolescentes e os limites que o cumprimento da medida continuada impõe. Todos os adolescentes atendidos devem freqüentar a escola formal. O descumprimento das normas estabelecidas implica no retorno do adolescente para o Juizado.
No atendimento dos adolescentes são priorizadas atividades de educação, de lazer, culturais e de iniciação ou formação profissional, que estimulem potencialidades e favoreçam a autonomia dos adolescentes.


Cada orientador acompanha apenas um adolescente, e se disponibiliza a intermediar as relações sociais desses jovens, auxiliando o técnico na tarefa de fazer cumprir a liberdade assistida. O orientador realiza visitas à escola, mantém contato com a família, e busca auxiliar o jovem quanto às suas expectativas de profissionalização, trabalho e lazer, de forma que consiga romper com a prática do delito.


O fato de o Programa oferecer atendimento individual garante ao adolescente a oportunidade de conversar sobre seus problemas e desejos, despertando-o para a responsabilidade por seus atos. A partir daí, trata-se de identificar qual o tratamento possível a ser dado às questões trazidas por esses adolescentes.


Os orientadores são pessoas voluntárias da população, convocadas por meio de campanhas. Periodicamente, a coordenação do Programa realiza uma divulgação na mídia (rádio e televisão), espalha cartazes pela cidade, convidando os interessados a participarem como voluntários. Agrupados por região, de acordo com seu local de moradia, são requisitados em função dos novos encaminhamentos, e devem oferecer duas horas semanais para acompanhar um adolescente. Todos passam por entrevistas individuais, participam de programas de capacitação, e realizam encontros periódicos de troca de experiências e atividades culturais, como cinema comentado, palestras e debates.


Aos técnicos cabe a tarefa de capacitar, direcionar e apoiar o trabalho dos orientadores, além do acompanhamento sistemático dos jovens sentenciados, estabelecendo com estes os limites e as possibilidades que o cumprimento da medida impõe. São também responsáveis pelos encaminhamentos necessários junto à rede de serviços do Poder Público Municipal e de outras instâncias de atendimento, e pela realização de reuniões com a comunidade, contatando associações de bairro, grupos religiosos, escolas, etc., visando a conscientização para a importância da participação no Programa.

 

RECURSOS
O Programa Liberdade Assistida é financiado com recursos da Prefeitura e uma pequena parcela com recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (veja DICAS Nº 123). O custo anual é da ordem de R$ 200 mil. A quase totalidade dos recursos destina-se ao pagamento dos funcionários da equipe, formada por 11 técnicos, um coordenador e um diretor de medidas sócio educativas.

 
Os orientadores voluntários são recursos fundamentais para o funcionamento do Programa. Além de permitirem acompanhamento individualizado a cada adolescente, representando uma referência ética, ajudam a difundir a proposta do trabalho.


Embora a implantação do Programa Liberdade Assistida tenha sido promovida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, que é responsável pela sua execução e coordenação, ao Juizado cabe a tarefa de encaminhar os jovens para o cumprimento da medida, e à Pastoral do Menor cabe a contratação dos técnicos e a capacitação dos orientadores voluntários, além de ser uma das principais difusoras da experiência.
O Programa dialoga também com outras secretarias municipais envolvidas com a questão da criança e do adolescente, dentro da política de atendimento implantada pela prefeitura.

DIFICULDADES
Uma das principais fontes de delito entre os adolescentes de Belo Horizonte é o tráfico de drogas. Enfrentar a violência associada a este universo é um dos maiores problemas do Programa. Três dos jovens atendidos foram assassinados pelo tráfico enquanto estavam no cumprimento da medida de liberdade assistida. Além disso, a possibilidade de auferir bons rendimentos com o trabalho no tráfico torna mais difícil que os jovens se afastem deste universo e se interessem por outras alternativas para suas vidas.


A mobilização da comunidade é outro desafio: o número de orientadores voluntários é sempre inferior ao necessário. Um dos entraves é conseguir mudar o “olhar” para a questão, já que a tendência é rotular o adolescente como um delinqüente, o que em nada auxilia na compreensão do problema, nem desperta atitudes de solidariedade.


Melhorar o diálogo com o setor jurídico, agilizando os casos de não cumprimento da medida, é uma das metas a ser alcançada.


RESULTADOS
No Programa Liberdade Assistida, de Belo Horizonte, a sociedade civil interage efetivamente com o Poder Público na solução de um problema que não pertence somente à esfera do governo, mas que aflige toda a comunidade. Articulando profissionais da área, orientadores voluntários, associações de bairro, redes de serviços comunitários, escolas, igrejas, associações culturais, etc., o Programa Liberdade Assistida permite que adolescente permanentemente expostos a situações de perigo, encontrem alternativas para se desenvolverem física, psicológica e socialmente.


Uma grande conquista é o trabalho dos orientadores voluntários. Além de auxiliar a ação técnica, favorecendo o cumprimento da medida por parte dos adolescentes, atuam como difusores da experiência.


O acompanhamento na forma como é realizado permite aos adolescentes se retificarem diante de seus atos, estabelecendo outras formas de relação com as questões e as pessoas nos locais por onde circulam. O acompanhamento individualizado é uma possibilidade de diálogo para o adolescente, o que facilita a construção de sua história e de um novo projeto de vida.


Desde sua implantação, em abril de 1998, o Programa já atendeu 467 adolescentes. Desse número, 47 já concluíram a medida. Todos os adolescentes foram encaminhados para a escola formal, e há vários casos bem sucedidos de encaminhamento para tratamentos de toxicomania. O Programa tem conseguido também trabalho para alguns jovens. A descontinuidade no cumprimento é de 20%, e 9% nunca compareceram ao Programa, não respondendo a chamados e convocações. Nesses casos, o Juizado é que deve tomar as devidas providências.


Articulado com outras secretarias, principalmente saúde e educação, o Programa tem conseguido inserir os jovens em diversos programas de atenção ao adolescente oferecidos pelo município.

 

 

Programa de Liberdade Assistida da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social - Prefeitura de Belo Horizonte,

Rua Tupis, 149 - 15º andar – Centro

Belo Horizonte - Minas Gerais, CEP: 30190-060

Tel: (031) 277-4565

 

 

 Extraído de www.polis.org.br