A EDUCAÇÃO
BÁSICA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Josiane Rose Petry Veronese[*]
Cleverton Elias Vieira[**]
Sumário: Introdução. 1. A educação nas
Constituições brasileiras. 2. A educação na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A
educação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Conclusão. Referências.
“O
homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo
que a educação dele faz”. Immanuel Kant
Introdução
A obrigação do Estado para com a educação surge com a Revolução Francesa. Antes desta, a educação era vista como um interesse privado, ou seja, não era considerada direito a ser garantido pelo Poder Público. A tarefa de educar crianças e adolescentes cabia, assim, às famílias sendo, portanto, privilégio de poucos.
Com o advento do Estado Moderno, a principal forma de educação passa a ser a escolarização oferecida pelo Estado. A partir de então, a educação é considerada um direito de todos os cidadãos.
Até o século XVIII, mais precisamente até o ano de 1759 quando o Marquês de Pombal expulsa a Companhia de Jesus dos domínios portugueses, predominou no Brasil, a educação caracterizada pela presença quase absoluta dos jesuítas, com ênfase no caráter religioso do ensino. Com as reformas pombalinas a educação torna-se pública e estatal, representando toda a influência iluminista sobre o governo do Marquês.
Ao longo de todo o período Colonial, era nítida a falta de incentivos à educação. Logicamente não interessava aos colonizadores oferecer condições para o seu efetivo implemento. Quem detém o poder político e quer mantê-lo a todo custo sabe que não pode oferecer políticas educacionais eficientes, pois a educação leva à consciência da opressão sofrida e possibilita, desta forma, o desenvolvimento de práticas emancipatórias.
Para facilitar a compreensão do tema, o presente artigo está assim estruturado: inicialmente, analisa-se o modo como as Constituições brasileiras tratam a questão educacional. Em seguida, faz-se referência aos principais pontos relativos à educação básica presentes na Constituição vigente e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Finaliza-se com um estudo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sobretudo no que respeita à regulação da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio.
1. A educação nas constituições brasileiras
A educação sempre foi, direta ou
indiretamente, tema presente nas Constituições brasileiras. Naquelas
outorgadas, a educação teve um papel secundário pois se entendia que a
responsabilidade de educar crianças e adolescentes era dos pais e da sociedade
civil (personificada sobretudo nas instituições de cunho religioso ligadas, em
sua maioria, à Igreja Católica).
Nas Constituições promulgadas (exceto na
primeira Constituição republicana que se ateve aos aspectos formais, ou seja,
estabelecer as competências dos níveis de ensino), a temática educacional teve
um espaço mais destacado. Na Constituição de 1988, por exemplo, a educação é
considerada responsabilidade do Estado, da família e da sociedade, devendo
propiciar ao educando o pleno desenvolvimento enquanto pessoa, o seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205 da
atual Constituição Federal).
1.1. A educação na Constituição Política do Império do Brasil de 1824
A Magna Carta outorgada em 1824 assegurava a gratuidade da instrução primária e
inseria a criação de colégios e universidades no rol dos direitos civis e
políticos (art. 179, XXXII e XXXIII).
A centralização administrativa foi uma
das características preponderantes do governo imperial e marcou profundamente a
questão educacional. A administração do ensino estava centralizada na Coroa
que, por sua vez, delegou às Câmaras Municipais a incumbência de realizar a
inspeção das escolas primárias.
Com o advento do Ato Adicional de 1834
ocorreu uma relativa descentralização administrativa da educação, na qual as
Assembléias Legislativas Provinciais passaram a ter competência para legislar
sobre instrução pública e sobre a criação dos estabelecimentos destinados a
promovê-la.
Traço marcante da educação na
Constituição Imperial foi a obrigatoriedade do ensino
da doutrina católica em todos os estabelecimentos educacionais. Tal medida se
justificava pelo fato do Estado imperial brasileiro possuir uma religião
oficial a ser transmitida a todos os seus cidadãos.
Mesmo contendo medidas que regulavam o
ensino no país, a Constituição de 1824 não pode ser caracterizada por seu
cuidado com a questão educacional. De acordo com os princípios que orientaram o
conteúdo da Constituição Imperial, o Estado não era responsável pela educação;
esta deveria caber, principalmente, à família e à Igreja.
1.2. A educação na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891
A primeira carta constitucional da
República preocupou-se mais com questões de ordem formal - como estabelecer
competências - do que com questões propriamente educacionais.
Da aplicação do princípio de competência
residual instituído por esta Constituição, resultou que aos Estados-Membros
competia: legislar sobre o ensino primário e secundário, criar, sem prejuízo da
competência da União, instituições de ensino superior e secundário, além de se
responsabilizar, inteiramente, pela criação e manutenção das escolas primárias
(arts. 34 e 35).
Um dos maiores avanços da primeira
Constituição republicana foi a determinação do ensino
leigo em todas as instituições públicas. Inconcebível manter-se o ensino de uma
única doutrina religiosa em um Estado oficialmente laico e, por isso,
desprovido de religião oficial.
A obrigatoriedade do ensino leigo nos
estabelecimentos oficiais estava prevista no capítulo que tratava dos direitos
e garantias dos cidadãos[1]:
“Art. 72. A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paíz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade nos termos seguintes:
(...)
§6° Será leigo o ensino ministrado nos
estabelecimentos publicos[2].”
1.3. A educação na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934
Com uma série de avanços na área
educacional, a Constituição de 1934 foi uma das Constituições brasileiras que
mais reconheceu a importância da educação para o desenvolvimento sócio-cultural
do país.
Deve-se ressaltar que os progressos na
área educacional inseridos no texto final da Carta
Constitucional de 1934 se deram em virtude do grande debate acerca do tema
existente à época. De um lado estavam os defensores da chamada “Educação Nova”
- influenciados pelas doutrinas pedagógicas surgidas na década de 30 – e, de
outro, os adeptos da corrente católica que continuavam a exercer grande
influência na área educacional. O resultado desta discussão foi a inserção de um capítulo especial na Constituição sobre família,
educação e cultura.
A educação passava a ser vista como um
direito de todos, devendo ser ministrada pelo Estado e pela família. Neste
sentido, caberia ao Estado traçar, com exclusividade, as diretrizes da educação
nacional. Esta foi a primeira tentativa na história
constitucional brasileira de se estabelecer bases concretas para a criação de
um projeto educacional de longo prazo que contemplasse todo o território
nacional.
A competência da União ficou assim
determinada:
“Art.
150. Compete á União:
a) fixar o
plano nacional de educação, comprehensivo de todos os graus e ramos, communs e
especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o territorio
do paiz;
b) determinar
as condições de reconhecimento official dos estabelecimentos de ensino
secundario e complementar deste e dos institutos de ensino superior, exercendo
sobre elles a necessaria fiscalização;
c) organizar e
manter, nos Territorios, systemas educativos apropriados aos mesmos;
d) manter no
Districto Federal ensino secundario e complementar deste, superior e
universitario;
e) exercer
acção supletiva, onde se faça necessaria por deficiencia de iniciativa ou de
recursos e estimular a obra educativa em todo o paiz, por meio de estudos,
inqueritos, demonstrações e subvenções.”[3]
O texto constitucional também estabeleceu quais seriam as normas a reger o Plano Nacional da Educação:
“Art.
150. (...)
Paragrapho unico. O
plano nacional de educação constante de lei federal, nos termos dos arts. 5, n.
XIV, e 39, n. 8, letras a e e , só se poderá renovar em prazos
determinados, e obedecerá ás seguintes normas:
a) ensino
primario integral gratuito e de frequencia obrigatoria, extensivo aos adultos;
b) tendencia á
gratuidade do ensino educativo ulterior ao primario, afim de
o tornar mais accessivel;
c) liberdade de
ensino em todos os graus e ramos, observadas as prescripções da legislação
federal e da estadual;
d) ensino, nos estabelecimentos particulares, ministrado no idioma patrio, salvo o de linguas estrangeiras;
e) limitação da matricula á capacidade didactica do estabelecimento e selecção por meios de provas de intelligencia e aproveitamento, ou por processos objectivos apropriados á finalidade do curso;
f)
reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino sómente quando assegurarem
aos seus professores a estabilidade, emquanto bem servirem, e uma remuneração
condigna.”[4]
Os Estados e o Distrito Federal deveriam
organizar os seus próprios sistemas de ensino, tendo sempre em vista as
diretrizes estabelecidas pela União. Além disso, deveriam ser organizados os
conselhos estaduais de educação com funções semelhantes àquelas atribuídas ao
Conselho Nacional.
A liberdade de cátedra foi uma das
maiores conquistas atribuídas ao magistério no texto constitucional. É
impossível imaginar uma verdadeira educação baseada na liberdade e no respeito
mútuo sem que o professor tenha a plena garantia de que não sofrerá retaliações
por manifestar seu pensamento.
Pela primeira vez a Constituição
estabeleceu valores mínimos a serem aplicados em educação:
“Art. 156. A União e os Municipios applicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Districto Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos systemas educativos.
Paragrapho
unico. Para a realização do ensino nas zonas ruraes, a União reservará, no
minimo, vinte por cento das quotas destinadas á educação no respectivo
orçamento annual.”[5]
A Constituição determinou, ainda, a
prestação de auxílios subsidiários à educação, tais como: atendimento
médico-dentário e alimentação aos alunos mais carentes (art. 157, §2º).
A Constituição de 1934 se preocupou
também com a qualificação dos professores. Neste sentido, estabeleceu a
realização de concurso de títulos e provas para o provimento em cargos do
magistério que, a partir de então, passavam a contar com a garantia de
vitaliciedade e inamovibilidade. Somente poderiam ser contratados professores
sem concurso por prazo determinado.
1.4. A educação na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
A Carta Constitucional outorgada em 1937
foi instrumento de notável retrocesso em matéria educacional. Parte das
conquistas alcançadas com a Constituição de 1934 foi descaracterizada pela
Constituição do “Estado Novo”.
João Baptista Herkenhoff define muito
bem quais os princípios norteadores da política educacional getulista:
“Sob a inspiração do fascismo, via-se o Estado
promovendo a disciplina moral e o adestramento físico da juventude, de maneira
a prepará-la para o cumprimento de seus deveres com a economia e a defesa da
Nação. Foi dada ênfase ao ensino cívico, que se confundia com o culto ao regime
e à pessoa do ditador.
A política educacional assumiu um caráter
centralizador, em consonância com o centralismo do Estado autoritário.
Suprimido o Parlamento, o chefe de Estado legislou, discricionariamente, em
matéria de ensino, como em todas as outras matérias.”[6]
Concedeu-se grande privilégio ao ensino
particular. Exemplo disso é a subsidiariedade do ensino público em relação ao
ensino privado. A preferência pelo ensino particular demonstrava a intenção do
governo getulista em se eximir da responsabilidade no que tange à matéria
educacional. A educação tornara-se, deste modo, responsabilidade exclusiva das
famílias e da sociedade civil.
No texto constitucional não havia
nenhuma indicação de recursos a serem utilizados pela União e pelos Estados na
criação e manutenção dos sistemas de ensino.
Para que os objetivos
político-econômicos da gestão de Getúlio Vargas fossem plenamente realizáveis, deu-se preferência ao ensino profissionalizante das classes
menos favorecidas. Esta “preferência” demonstrava uma política educacional
totalmente discriminatória: aos pobres era oferecido ensino profissionalizante
e aos ricos cabia o privilégio de freqüentar uma escola secundária voltada à
formação intelectual da elite. Depreende-se da leitura do art. 129 da
Constituição de 1937 a opção pela distinção na educação de ricos e pobres:
“Art.
129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à
educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos
Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos
os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas
faculdades, aptidões e tendências vocacionais.
O
ensino prevocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever
do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino
profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos
indivíduos ou associações particulares e profissionais.
É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos crear, na esfera de sua especialidade, , escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.”[7]
1.5. A educação na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
A Constituição promulgada após o fim do
“Estado Novo” procurou restabelecer a ordem democrática e, em matéria
educacional, buscou recompor o modelo educacional idealizado pela Constituição
de 1934 que fora completamente esquecido pela Carta outorgada em 1937.
Estabeleceu que a União seria competente
para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, modificando
sensivelmente a centralização das políticas educacionais adotada por Getúlio
Vargas.
A educação volta a ser direito de todos,
a ser ministrada no lar e na escola, devendo inspirar-se nos princípios da
liberdade e nos ideais de solidariedade humana (art. 166). O Estado deveria
assegurar a oferta de ensino público em todos os níveis sendo, no entanto,
livre o ensino pela iniciativa particular desde que respeitadas as leis
reguladoras.
Retornou a obrigação da aplicação de
percentuais mínimos da renda dos impostos em educação: 10% para a União e 20%
para os Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 169).
A Constituição determinou a criação dos
sistemas estaduais de ensino, tendo o sistema federal atuação supletiva, ou
seja, atuaria somente para suprir eventuais deficiências locais (art. 171).
O texto constitucional de 1946
estabeleceu alguns princípios norteadores da educação:
“Art.
168. A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I – o ensino
primário é obrigatório e só será dado na língua nacional;
II – o ensino
primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário
sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos;
III – as
empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem
pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus
servidores e os filhos destes;
IV – as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professôres;
V – o ensino
religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de
matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do
aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou
responsável;
VI – para o
provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou
livre, exigir-se-á concurso de títulos e provas. Aos professôres, admitidos por
concurso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade;
VII – é
garantida a liberdade de cátedra.”[8]
1.6. A educação na Constituição do Brasil de 1967
Continuando a alternância entre
Constituições outorgadas e promulgadas, chega-se à primeira Constituição pós
Golpe Militar: a Constituição de 1967. O “Novo Regime” necessitava legitimar
seu poder e a melhor maneira encontrada foi a outorga
de uma Constituição aparentemente legítima, mas que, na verdade, não passava de
mais uma imposição da Ditadura.
A educação era um importante instrumento
para que o governo militar pudesse implantar sua política da “unidade e da
segurança nacional”, ou seja, o ensino era a melhor forma de impor posições
ideológicas capazes de atender a todos os interesses dos novos governantes do
país. A educação serviria para legitimar os princípios da “Revolução”:
Ao definir as diretrizes ideológicas da
educação, a Constituição de 1967 acrescentou, entre os princípios que deveriam
ser objetivados, o da unidade nacional, conceito bastante equívoco no Brasil
pós-64, quando unidade e segurança nacional foram confundidos com unidade
ideológica e segurança do regime ditatorial.
Dando força à privatização no ensino, a
Carta de 67 determinou aos poderes públicos que prestassem assistência técnica
e financeira ao ensino particular, sem cogitar de quaisquer regras ou
restrições para essa ajuda.[9]
Uma notável contradição acompanhou o
advento da Carta de 67: ao mesmo tempo em que o texto constitucional estendia a
obrigatoriedade do ensino para a faixa dos sete aos quatorze anos (art. 168,
§3º, II), permitia o trabalho infantil a partir dos doze anos (art. 158, X).
Mais um retrocesso da política social do Governo Militar, uma vez que a Carta
de 46 estipulara em quatorze anos a idade mínima para o trabalho de
adolescentes.
O acesso gratuito ao ensino pós-primário
foi restringido, pois se passou a exigir a demonstração de aproveitamento
escolar para que a continuação dos estudos fosse patrocinada pelo Poder Público
(art. 168, §3º, III). Isto significa, mais uma vez, a valorização do ensino
particular em detrimento do dever estatal de oferecer educação gratuita em
todos os níveis de formação.
Foram abolidos os percentuais
orçamentários a serem aplicados em educação, perpetuando o desinteresse dos
governantes em propiciar condições econômicas mínimas para o desenvolvimento
das atividades escolares.
17. A educação na Emenda Constitucional n. 1 de 1969
A Emenda Constitucional nº. 1/69
funcionou como uma dura continuação dos princípios arbitrários estabelecidos em
1967. No que se refere à educação, todos os retrocessos foram mantidos
aumentando, inclusive, o caráter ditatorial instituído em 1964. Exemplo disso
foi a substituição da liberdade de cátedra pela
“liberdade de comunicação dos conhecimentos”, em nítido prejuízo a qualquer
processo educacional baseado na liberdade como ferramenta mais eficaz de
construção do saber. Eis o texto constitucional:
“Art.
176. A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de
liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado, e será
dada no lar e na escola.
§1° O ensino
será ministrado nos diferentes graus pelos Poderes Públicos.
§2° Respeitadas
as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual
merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante
bolsas de estudos.
§3° A
legislação do ensino adotará os seguintes princípios e normas:
I – o ensino
primário somente será ministrado na língua nacional;
II – o ensino
primário é obrigatório para todos, dos sete aos quatorze anos, e gratuito nos
estabelecimentos oficiais;
III – o ensino
público será igualmente gratuito para quantos, no nível médio e no superior,
demostrarem efetivo aproveitamento e provarem falta ou insuficiência de
recursos;
IV – o Poder
Público substituirá, gradativamente, o regime de gratuidade no ensino médio e
no superior pelo sistema de concessão de
bolsas de estudos, mediante restituição, que a lei regulará;
V – o ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas oficiais de grau primário e médio;
VI – o provimento dos cargos iniciais e finais das carreiras do magistério de grau médio e superior dependerá, sempre, de prova de habilitação, que consistirá em concurso público de provas e títulos, quando se tratar de ensino oficial; e
VII – a liberdade de comunicação de conhecimentos
no exercício do magistério, ressalvado o disposto no art. 154.”[10] (Grifo meu)
Como exposto acima, a Emenda Constitucional de 1969 apenas ratificou os princípios de ensino que interessavam ao Regime Ditatorial.
2. A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 E NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
2.1. A educação na Constituição Federal de
1988
No que respeita ao mundo infanto-juvenil, as políticas públicas devem estar voltadas à garantia dos direitos estabelecidos no art. 227 da Constituição Federal (CF). Os direitos garantidos por este artigo são: direito à sobrevivência, ao desenvolvimento e à integridade. O caput do artigo 227 da Constituição consagra toda esta luta em torno dos direitos da criança e do adolescente ao estabelecer que:
“Art. 227. É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.”
O
direito à sobrevivência significa garantir a vida, a saúde e a alimentação de
todas as crianças do país. Já o direito ao desenvolvimento deve ser efetivado
com a garantia principal do acesso à educação e, também, da garantia de acesso
à cultura, ao lazer e à profissionalização. O direito à integridade (física,
psicológica e moral) dar-se-á pela garantia da dignidade, da liberdade, do
respeito e da convivência familiar e comunitária.
A
garantia da educação como concretização do direito ao desenvolvimento de
crianças e adolescentes, está expressa de forma muito clara na Constituição
(arts. 205 - 214), na Lei n. 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) e nos artigos 53 a 59 da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA).
Até
1988 não havia uma preocupação real em criar mecanismos que fossem eficazes na
garantia do direito à educação. Durante muito tempo, a única ação do Poder
Público foi tornar obrigatória a matrícula escolar,
como se isto fosse suficiente para garantir a educação. A Constituição Federal
(art. 208, §1º) estabelece que o ensino obrigatório gratuito (ensino fundamental)
é direito público subjetivo (pode ser exigido do Estado a qualquer tempo). O
Estatuto da Criança e do Adolescente reforçou a disciplina constitucional ao
estabelecer a proteção judicial para combater a não oferta ou o oferecimento
irregular do ensino obrigatório (art. 208, I).
A
Constituição e o Estatuto não deixam toda a responsabilidade de garantir tal
direito ao Estado. Tanto a Carta Constitucional quanto o Estatuto da Criança
sepultam a visão de Estado paternalista ao estabelecerem que a
responsabilidade no que tange aos direitos de crianças e adolescentes não é
exclusiva: cabe ao Estado, à família e à sociedade civil. Oportuno citar
o que dispõe o caput do art. 205 da
CF:
“Art. 205.
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.”
A Constituição de 1988 foi a que contou com a maior participação popular na história do constitucionalismo pátrio. A comunidade educacional se mobilizou e se fez presente nos debates que acompanharam a Assembléia Nacional Constituinte. Como resposta a esta ampla participação da comunidade interessada, a educação ocupou lugar de destaque em todos os anteprojetos de Constituição.
O interesse pelos debates em torno da questão educacional na Constituição não ficou restrito somente ao ambiente acadêmico, mas contou, inclusive, com a participação direta da sociedade civil através das emendas populares.
O Regimento da Assembléia Nacional Constituinte acolheu pedido do Plenário Nacional Pró-Participação Popular na Constituinte e admitiu a iniciativa de emendas populares, de modo a permitir que a população tivesse participação mais direta na elaboração constituinte. Assim, nada menos que dezoito emendas populares trataram direta e exclusivamente do problema da educação ou, abrangendo também outros assuntos, tocaram em pontos relacionados com a questão educacional. Essas dezoito emendas populares alcançaram o total de 2.678.973 assinaturas, o que demonstra o interesse pela discussão da escola, no amplo leque da mobilização popular em torno da Constituinte.[11]
Um dos maiores reflexos da efetiva participação popular nas discussões em torno da educação foi a exigência constitucional de democratizar a gestão do ensino público (art. 206, VI, CF). Tal dispositivo foi regulamentado pelo art. 14 da Lei de Diretrizes e Bases que estabelece como princípios da gestão democrática da educação básica a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola, bem como a participação das comunidades escolar e local nos conselhos escolares ou seus equivalentes.
Outro ponto a ser destacado é o dispositivo constitucional que prevê o regime de colaboração entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 211, caput, CF). A União deve exercer, no que se refere à matéria educacional, função redistributiva e supletiva, garantindo igualdade de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos demais entes federados (art. 211, §1º, CF). A prioridade de atuação dos Municípios deve ser a educação infantil e o ensino fundamental (art. 211, §2º, CF). Já os Estados e o Distrito Federal devem priorizar o ensino fundamental e médio (art. 211, §3º, CF). Edivaldo Boaventura define muito bem o que se deve entender pelo termo “sistema” quando aplicado à educação:
“Em educação, o
vocábulo sistema é entendido como um conjunto de instituições educacionais e de
normas vinculadas a determinada esfera da
administração, seja a União, estados e ou municípios. Esse conjunto de normas e
instituições que formam um sistema é uma realidade, objetiva e atuante,
principalmente, no que toca à criação, autorização de funcionamento e
reconhecimento de cursos e estabelecimentos. Essas normas têm conseqüências
diretas para o aluno, especialmente na regularização de sua vida escolar, e
para o professor, no particular de sua carreira docente. Atingem também o
servidor, o próprio estabelecimento e representantes legais, pelo direito de
recorrer às instâncias superiores, e a toda a comunidade educacional.”[12]
O
texto constitucional demonstra grande preocupação com a questão específica da
escolarização em detrimento de um processo educativo mais abrangente. Todavia,
falar em direito à educação implica falar em direito à educação escolar. O
acesso à educação escolar se realiza através da concretização de vários direitos
presentes na legislação que podem ser classificados da seguinte forma[13]:
·
Universalidade
do acesso e da permanência: art.206, I da CF e art. 3°, I da LDB. O acesso à
educação escolar deve ser dado a todos indistintamente, ou seja, qualquer forma
de discriminação deve ser repelida. A universalidade implica, além do acesso à
vaga, também o acesso ao ingresso, à permanência na escola e ao sucesso dentro
dos estudos;
·
Gratuidade e
obrigatoriedade do ensino fundamental: art.208, §1° da CF e art.54, I. A
Constituição estabelece que é direito público subjetivo o ensino fundamental
gratuito e obrigatório para qualquer cidadão brasileiro maior de 7 anos. Se o
Estado não ofertar este ensino, as autoridades competentes podem responder por
crime de responsabilidade. Os pais, por sua vez, têm o dever de matricular os
filhos em idade escolar, sendo que se assim não fizerem poderão ser
responsabilizados pelo crime de abandono intelectual ( art.246
do Código Penal);
·
Atendimento
especializado aos portadores de necessidades especiais: arts. 58 a 60 da LDB e
art. 203, IV e V da CF. A inclusão escolar é um dos aspectos da inclusão social
dos portadores de necessidades especiais;
·
Creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos: art. 11,V da LDB. O oferecimento de
vagas em creches e pré-escolas é de competência do sistema de ensino municipal.
A oferta deste tipo de ensino deve ser vista como uma política social básica da
educação e não como forma de apoio sócio-familiar;
·
Ensino noturno
regular e adequado às condições do adolescente trabalhador: art.54, VI do ECA e art.4°,VI e VII da LDB. A universalidade do acesso
deve atender também àqueles adolescentes que necessitam, para a própria
subsistência ou a de sua família, trabalhar;
·
Programas
suplementares: Além da obrigatoriedade de matrícula e da oferta de vaga, todas
as outras condições necessárias para a educação escolar, como material
didático, transporte, alimentação e saúde, devem estar presentes no dia-a-dia
do educando;
·
Direito de ser
respeitado pelos educadores: art.227, caput
da CF e art.17 do ECA. O respeito mútuo é a base
fundamental sobre a qual vai se desenvolver todo o processo educativo;
·
Direito de
contestar critérios avaliativos e de recorrer às instâncias escolares
superiores: art.53, III do ECA. Este direito
representa a clara manifestação da cidadania. É muito importante que crianças e
adolescentes possam exercer a prerrogativa de cidadãos já dentro do universo
escolar;
·
Direito de
organização e participação em entidades estudantis: a liberdade de associação e
de reunião é assegurada pelo art. 5°, XVI e XVII da CF. Aos estudantes é
assegurado o direito de participar de entidades estudantis independentes das
escolas ou dos sistemas de ensino;
· Participação dos pais no processo pedagógico e na proposta educacional: como os pais são responsáveis pelos filhos e estão sujeitos a várias obrigações, nada mais justo que lhes atribuir o direito de participar do processo educacional do filho.
Para que a educação funcione como instrumento de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF) é imprescindível que o modelo pedagógico adotado esteja baseado em um novo paradigma: a opressão deve ceder lugar à liberdade e os valores inerentes à condição humana devem ter presença garantida nos currículos escolares de todos os níveis de ensino.[14] Além disso, é necessário que a mudança do sistema educacional seja acompanhada de uma mudança no sistema econômico a fim de acabar com diferenças no acesso à educação formal. Neste sentido:
“A transformação
do nosso sistema pedagógico deve ser feita, entretanto, à base de uma mudança
do sistema econômico, pois a escola sempre corresponde a novas estruturas
sociais. Só uma política de planejamento educacional levada em termos
integrais, acarretando de outro lado um desenvolvimento do poder de assimilação
das classes deserdadas, mediante uma melhor nutrição, despertando-lhe o
interesse pelo ensino e renovando os métodos de ensino à base de um novo
esquema pedagógico, poderá concorrer para uma revitalização do ensino no país.”[15]
2.2. A educação no Estatuto da Criança e do
Adolescente
Após as garantias constitucionais era preciso elaborar a Lei Ordinária que regulamentasse a proteção da criança e do adolescente, revogando definitivamente toda a legislação do período autoritário.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, desaparece a figura do menor, expressão estigmatizada, e passa-se a falar em crianças e adolescentes, agora como sujeitos de direitos, protegidos juridicamente, alvo de respeito e preocupação através da doutrina da proteção integral. Referida doutrina afirma que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e que, pela condição peculiar na qual se encontram, devem ter prioridade absoluta no estabelecimento das políticas públicas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veio para ser o instrumento de garantia da satisfação das necessidades de crianças e adolescentes, assegurando o cumprimento dos seus direitos à proteção integral.
A educação de crianças e adolescentes é regulada no Livro I, Capítulo IV – Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer – do Estatuto da Criança e do Adolescente. O art. 53 do Estatuto estabelece:
“Art.
53 – A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
I – igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola;
II – direito de ser
respeitado por seus educadores;
III -
direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias
escolares superiores;
IV -
direito de organização e participação em entidades estudantis;
V - acesso
a escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Parágrafo único - É direito dos pais ou responsáveis ter
ciência no processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas
educacionais.”
O dispositivo supra
mencionado (juntamente com o art. 54 do ECA)
praticamente reproduz o texto da Seção I (Da educação), Capítulo III (Da
educação, da cultura e do desporto), Título VIII (Da Ordem Social) da
Constituição de 1988, confirmando os deveres do Estado, da família e da
sociedade para com a educação de crianças e adolescentes.
O art. 57 do Estatuto estabelece que o Poder
Público deve estimular pesquisas, experiências e novas propostas relativas a
calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação, com o
objetivo de inserir crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental
obrigatório. Esta imposição legal mostra-se extremamente necessária no contexto
educacional brasileiro, tendo em vista a dificuldade em manter na escola
crianças e adolescentes oriundos de famílias mais pobres. A pobreza, aliada a
concepções conservadoras de ensino, leva ao desmantelamento da estrutura escolar:
“O
fracasso institucional escolar tem raízes históricas. Além das já mencionadas
(a pobreza, por exemplo), ousamos elencar, dentre outras, o próprio acesso não
democratizado à escola, a falta de qualidade do ensino, a inadequação na
formação do educador, além da degradação das condições de seu trabalho – e não
podemos esquecer da proposta ‘político-pedagógica’ imposta e definida para
sacramentar a incompetência, intelectual, emotiva e de aprendizagem, dos poucos
que conseguem nela permanecer; materializada não só por currículo irreal, bem
como por uma concepção metodológica, formal, mecanicista
e aviltadora dos que participam do ato educativo.”[16]
3. A EDUCAÇÃO NA LEI DE DIRETRIZES E BASES
DA EDUCAÇÃO
3.1. A legislação anterior à Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
A partir dos anos 30, começaram a surgir no país algumas manifestações no sentido de exigir ações mais concretas no campo educacional. Percebia-se que não era mais possível adequar as necessidades da época a modelos educacionais defasados que se perpetuavam desde os tempos do Brasil Colônia.
A proposta de lançar diretrizes para a educação nacional surge, pela primeira vez na história do Brasil, através da Constituição Federal de 1934. Esta Constituição buscava a implantação de um Sistema Nacional de Educação. O "Estado Novo" de Getúlio Vargas não regulamentara o dispositivo constitucional referente às diretrizes da educação nacional, fazendo com que o país permanecesse sem um sistema educacional organizado.
Como já ressaltado, a Carta Política de 1937, no que concerne à educação, tal qual quanto a outras questões de caráter social, representou um retrocesso. Fundamentada na ideologia fascista, ressaltou o ensino cívico e toda a política educacional passou a ser ditada pelo Governo Federal.
No final do "Estado Novo" ocorre a promulgação de uma Constituição em 1946. A nova Carta Magna estabelece a organização de diretrizes e bases para a educação nacional, fazendo com que um primeiro projeto de Lei de Diretrizes e Bases fosse apresentado ao Congresso Nacional. A Constituição de 1946 – com características liberais – passava a assegurar a educação como direito de todos. Estabelecia como competência dos Estados a realização do ensino dos diferentes graus, sendo livre à iniciativa particular, desde que respeitadas as leis regulamentadoras da matéria. Ressaltava-se na citada Constituição a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário; obrigatoriedade para as empresas comerciais e industriais ministrarem, em regime de cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores de 18 anos; obrigatoriedade para as empresas industriais e agrícolas que empregavam mais de cem pessoas manterem ensino primário gratuito para seus servidores e filhos; garantia de liberdade de cátedra, etc.
Depois de 15 anos da promulgação da Constituição de 1946, surge a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n. 4.024 de 20 de dezembro de 1961. A demora excessiva para a sua promulgação foi ocasionada, sobretudo, pelo combate travado no Congresso Nacional entre os defensores da escola pública de um lado e os defensores da escola privada de outro. O acesso à educação pública era entendido, por uns, como obrigação do Estado. Já os que advogavam em favor da escola privada (influenciados, sobretudo, pela Igreja Católica) afirmavam que o acesso à educação era, antes de dever do Estado, dever da família.
Em virtude dessa disputa, a Lei de Diretrizes e Bases resultou inócua, pois teve que conciliar duas visões extremistas: ou a educação é dever do Estado ou é dever da família. Além disso, a concepção da primeira Lei de Diretrizes era essencialmente centralizadora, ou seja, nem Estados Membros nem Municípios tinham autonomia em relação ao Poder Central.
Com o Golpe Militar de 1964, toda a vida do país foi redimensionada com o objetivo de atender aos interesses daqueles que, de maneira antidemocrática, usurparam o poder. Também a educação deveria ser alterada para que as necessidades daquele Regime fossem satisfeitas. O governo militar não considerou necessária a edição de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação já que, por ser ineficiente a Lei então em vigor, tudo poderia ser feito de acordo com o princípio segundo o qual a organização do ensino deveria ser instrumento para tornar dinâmica a nova ordem sócio-econômica.
A Constituição Federal de 1967 estimulou o ensino privado, determinando que os poderes públicos garantissem técnica e financeiramente as entidades particulares, sem fazer referência a nenhum tipo de restrição ou a quais seriam as regras para tal investimento. Além disso, pôs fim a fixação de percentuais orçamentários destinados à educação, previstos nas Cartas Constitucionais de 1934 e 1946.
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, deu prosseguimento aos retrocessos
da anterior. Segundo João Batista Herkenhoff, “essa carta aprofundou o caráter ditatorial do regime de 64,
substituindo a liberdade de cátedra, princípio fundamental na educação, pela
liberdade de comunicação de conhecimentos, desde que não importasse em abuso
político, com o propósito de subversão do regime democrático.”[17]
O governo militar se viu obrigado a realizar duas reformas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A primeira delas se deu através da Lei n. 5.540/68 que alterou a estrutura do ensino superior e a segunda realizou-se através da Lei n. 5.692/71 que reformulou o ensino primário e médio, doravante denominados de 1° e de 2° graus.
Essas reformas educacionais implantadas pela Ditadura Militar foram duramente criticadas pelos educadores já na década de 70, mas sobremaneira nos anos 80. Tais críticas eram plausíveis, uma vez que o grande objetivo "pedagógico" dos militares era formar mão-de-obra técnica sem nenhuma preocupação com o papel exercido pela educação dentro do processo de desenvolvimento da pessoa humana.
Os educadores exerceram um papel fundamental na elaboração da Constituição Federal de 1988, visto que se empenharam na defesa da valorização dos aspectos sociais e políticos da educação e, também, defenderam a oferta de escola pública, gratuita e de qualidade voltada para as necessidades da maioria da população brasileira. Sua luta não foi em vão visto que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, passou a assegurar de forma clara o direito à educação.
3.2. O advento da atual LDB
A Constituição Federal de 1988 veio trazer novas perspectivas ao país. Também quanto à educação era necessário reformular estruturas e conceitos com o intuito de tornar realidade as expectativas trazidas pelo novo texto constitucional.
Diferentemente da tradição brasileira, na qual todas as iniciativas de reformas educacionais sempre foram propostas pelo Poder Executivo, a iniciativa de criar uma nova Lei de Diretrizes e Bases partiu do Legislativo tendo por base uma proposta de lei nascida na comunidade educacional brasileira.
Este projeto de lei começou a tramitar na Câmara dos Deputados em dezembro de 1988 tendo por relator o Dep. Jorge Hage. O substitutivo apresentado pelo deputado apresentava vários aspectos positivos, dentre os quais:
· significativa abrangência da lei;
· criação de um sistema nacional de educação;
· regulamentação da pré-escola como parte da educação infantil;
· avanços no ensino médio;
· redução na jornada de trabalho para aqueles que cursassem o ensino noturno;
· instituição do salário-creche;
· descrição de quais despesas poderiam ser consideradas como despesas referentes à educação.
Concomitantemente ao projeto da Câmara, passou a tramitar também no Senado, em maio de 1992, um projeto de lei de autoria do Senador Darcy Ribeiro que buscava adiantar-se ao projeto em tramitação na Câmara dos Deputados. Interessante notar que o projeto do Senador era bastante diferente do projeto em tramitação na Câmara e parecia ter sofrido certa influência do governo Collor, deixando de contemplar aspectos importantes como o sistema Nacional de Educação.
O substitutivo da Câmara demonstrava estar ligado à democracia participativa já que seu projeto tinha origens na comunidade educacional. O projeto do Senado, por sua vez, deixava claro que o princípio da representação deveria preponderar no que se refere à criação das leis e que, portanto, não cabia à comunidade educacional elaborar um projeto de Lei de diretrizes e bases para a educação nacional. Em 1993, por questões de regimento interno, o primeiro projeto do Senador Darcy Ribeiro é definitivamente abandonado.
O substitutivo do Deputado Jorge Hage é aprovado com algumas alterações de índole conservadora pela Câmara dos Deputados sendo, em seguida, enviado ao Senado Federal.
A relatoria do projeto na Comissão de Educação do Senado coubera ao Senador Cid Sabóia (que já havia relatado o 1° projeto de Darcy Ribeiro). O substitutivo apresentado por este Senador levou em conta a opinião da comunidade educacional, bem como a opinião do governo e dos partidos políticos. No final, o substitutivo incorporou algumas partes do projeto original do Senador Darcy Ribeiro e deu uma forma mais rebuscada ao projeto.
O substitutivo Cid Sabóia, depois de aprovado na Comissão de Educação, foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Nesta Comissão, a relatoria do substitutivo coube ao Senador Darcy Ribeiro.
Segundo parecer emitido pelo Senador Darcy Ribeiro em 1995, tanto o projeto original da Câmara quanto o substitutivo Cid Sabóia eram inviáveis por apresentarem inconstitucionalidades de todo o tipo. As inconstitucionalidades apresentadas se referiam, de maneira particular, à criação do Conselho Nacional de Educação que, segundo interpretação do Senador, seria prejudicial ao princípio da democracia representativa, pois, como órgão decisório, estaria influenciando nas atividades administrativas do poder Executivo.
Com isso, abriu-se espaço para que Darcy Ribeiro pudesse apresentar um novo substitutivo de sua autoria. Em virtude de inúmeras contestações feitas à "manobra regimental" utilizada, o Senador Ribeiro apresentou várias emendas que atenuariam as resistências ao seu projeto, até que o mesmo fosse aprovado pelo plenário do Senado, em 8 de agosto de 1996.
O projeto então voltou à Câmara dos Deputados, sendo aprovado em 17 de dezembro de 1996, e sancionado, sem vetos (fato raro na história da legislação educacional), pelo Presidente da República em 20 de dezembro de 1996, exatamente 35 anos depois da aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional.
Pode-se dizer que prevaleceu a concepção neoliberal de educação no texto da nova Lei de Diretrizes, favorecendo, destarte, um modelo de política educacional pautado por transformações parciais em detrimento da aplicação de um plano de mudanças estruturais.
A Lei n. 9.394/96 é, segundo Dermeval Saviani[18], "minimalista", ou seja, está centrada na concepção de Estado Mínimo. Como todas as propostas de LDB, esta também se preocupou em reduzir investimentos e despesas do Estado através de uma divisão (que é normalmente denominada de "parceria") de responsabilidades com a iniciativa privada e com organizações não governamentais.
No entanto, aspectos positivos também estão presentes no texto da Lei de Diretrizes e Bases. Pedro Demo, apresenta vários deles.[19] À presença do Senador Darcy Ribeiro, mesmo que contestada por seu aspecto antidemocrático, podem ser atribuídos alguns dos aspectos positivos da LDB, como por exemplo:
· espírito de progressividade representado pela não imposição do ensino de tempo integral;
· abertura no que diz respeito à organização da educação nacional (art. 8° e seguintes da LDB);
· autonomia administrativa, pedagógica e financeira ;
· sistemas de ensino organizados através da cooperação entre União, Estados e Municípios;
· valorização do Município como local propício para organizar a educação, já que vivencia de perto os problemas relacionados a esta área.
Segundo o texto da nova Lei de Diretrizes e Bases, a educação básica é composta pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo ensino médio – art. 21, I. No momento, é a que interesse analisar, uma vez que é a educação básica o modelo educacional a atuar diretamente na formação escolar das crianças e adolescentes.
O art. 22 da Lei n. 9.394/96 caracteriza quais são as quatro dimensões essenciais da formação da criança e do adolescente que devem ser objeto da ação da educação básica: a pessoa humana, o cidadão, o trabalhador e o indivíduo preparado para estudos posteriores.
Para entender melhor as alterações (ou mesmo a perpetuação de certas realidades) trazidas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da educação, faz-se necessário traçar um paralelo entre a legislação anterior, ou seja, entre a antiga Lei de Diretrizes – e as alterações por ela sofrida durante o regime ditatorial através das Leis n. 5.692/71 e 7.044/82 – e a atual Lei n. 9.394/96.
3.3. A educação infantil
A única referência à educação infantil feita na legislação anterior se
encontra no § 2° do art. 19 da lei 5.692/71: "Os sistemas de ensino velarão para que as crianças de idade
inferior a sete anos recebam conveniente educação em escolas maternais, jardins
de infância e instituições equivalentes."
A educação infantil não era valorizada nem mesmo dentro da estrutura educacional, pois não fazia parte de nenhum sistema de ensino. Pode-se perceber que, diferentemente dos estudos mais avançados na área educacional, não se fazia necessário assegurar a oferta do que a nova Lei de Diretrizes passou a denominar, com muita propriedade, de educação infantil. Tem-se a impressão de que a única necessidade era a criação de espaços nos quais os pais poderiam colocar seus filhos enquanto estivessem trabalhando, sem com eles se preocupar, já que estariam sendo "velados" em maternais e jardins de infância.
A Lei n. 9.394/96 trouxe uma grande novidade nesta área, talvez um dos
maiores avanços do novo texto legal. Em uma seção própria, dentro do capítulo
que trata da educação básica, as mudanças podem ser percebidas. O art. 29
proclama: "A educação infantil,
primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da escola."
Mesmo no plano estrutural há uma mudança relevante já que as instituições de educação infantil, públicas e privadas, passam a compor o sistema municipal de ensino (art.18, LDB).
É interessante notar como a visão de educação infantil inserida no texto da Lei de Diretrizes está em plena sintonia com a Constituição Federal de 1988 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Este último visa garantir a proteção integral das crianças e adolescentes, que inclui o disposto no art. 29 da LDB: o desenvolvimento integral da criança de até seis anos. Além disso, este artigo reafirma outro princípio da Constituição, qual seja: a responsabilidade quanto à educação cabe ao Estado, à família e à comunidade (sociedade civil).
A educação infantil tem se desenvolvido tanto nos últimos anos a ponto de permitir às crianças que a ela tiveram acesso já cheguem alfabetizadas ao ensino fundamental. Isto demonstra como a educação infantil não é mera "pré-escola", mas sim aspecto importante no desenvolvimento integral da criança. É necessário, por isso, que o acesso à educação infantil seja garantido a todos a fim de não se constituir em mais um fator de exclusão social.
3.4. O ensino fundamental
Talvez o art. 30 da lei 4.024/61 (antiga Lei de Diretrizes revogada pela lei de 1996) possa representar, um pouco, o espírito da legislação anterior no que diz respeito ao ensino fundamental[20]:
“Art. 30. Não poderá exercer função pública, nem ocupar emprego em sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, o pai de família ou responsável por criança em idade escolar sem fazer prova de matrícula desta, em estabelecimento de ensino, ou de que lhe está sendo ministrada educação no lar.
Parágrafo
único: Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei:
a)
comprovado
estado de pobreza do pai ou responsável;
b)
insuficiência
de escolas;
c)
matrícula
encerrada;
d)
doença ou
anomalia grave da criança.”
Parece louvável a intenção do caput deste artigo quando condiciona o exercício de função pública à matrícula do filho na rede escolar. Todavia, é difícil de se compreender a lógica dos critérios de isenção enumerados no parágrafo único.
O estado de pobreza do pai o eximiria da responsabilidade da educação de seu filho. Este fato demonstra claramente que o Estado estava se desobrigando quanto à responsabilidade de oferecer a educação fundamental, repassando-a aos pais.
No segundo e terceiro casos – insuficiências de escolas e matrícula encerrada – o descaso para com a educação por parte do Poder Público era, da mesma forma, notório. Se não existissem escolas ou se as matrículas já estivessem encerradas, ninguém era responsabilizado e as crianças que não tivessem condições de estudar por tais motivos estariam jogadas à sorte, sem a possibilidade de exigir a garantia de um dos seus direitos mais fundamentais.
Uma das poucas alterações feitas na Lei de Diretrizes de 1961 pelo governo militar foi referente ao ensino fundamental. A Lei n. 5.692/71 alterou as bases e as diretrizes da educação nacional no tocante ao que hoje se denomina ensino fundamental.
O antigo ensino primário passou a ser chamado de ensino de 1º grau e o ensino médio tomou o nome de ensino de 2º grau. O ensino de 1º grau era obrigatório, cabendo aos Estados e Municípios fiscalizar e incentivar a freqüência dos alunos.
No que se refere à finalidade do ensino de 1º grau, a Lei n. 5.962/71 era bastante sintética. O art. 17 desta Lei estabelecia que o ensino de 1º grau destinava-se à formação da criança e do pré-adolescente, variando em conteúdo e métodos segundo as fases de desenvolvimento dos alunos.
Com a entrada em vigor da nova Lei de Diretrizes e Bases da educação, ocorreram algumas mudanças referentes ao modo de entender as finalidades e os meios de implantação do ensino fundamental. Contudo, as alterações realizadas não são tão radicais no sentido de favorecer a democratização e a melhoria na qualidade da educação neste nível de ensino.
A primeira alteração diz respeito à nomenclatura: o antigo ensino de 1º grau passa a ser chamado de ensino fundamental. Mudança mais consistente talvez fosse a substituição do termo "ensino" pelo termo "educação" que traria consigo uma nova postura, ou seja, o processo educacional seria visto não mais do ponto de vista do ensino, mas do ponto de vista do processo de aprendizagem.
Uma das alterações mais significativas foi elevar o ensino fundamental à categoria de direito público subjetivo, exigível a qualquer tempo (art.5º, LDB e art.208, I CF). Todo e qualquer cidadão pode exigi-lo, sendo que a oferta irregular ou a não oferta podem acarretar crime de responsabilidade para a autoridade competente.
A duração do ensino fundamental é de 8 anos (dos 7 aos 14 anos, de preferência), sendo que sua oferta é responsabilidade dos sistemas de ensinos estadual e municipal (arts.10, VI e 11, V da LDB).
A progressão da permanência na escola, uma das idéias mais defendidas por Darcy Ribeiro, é uma das metas estabelecidas no art. 34 da LDB. Tal progressão não foi imposta na lei, demonstrando um de seus fatores positivos: a flexibilização que favorece uma prática mais democrática no desenvolvimento da educação.
Ao contrário da lei anterior, extremamente sintética quanto às finalidades do ensino fundamental, a atual LDB apresenta uma série de finalidades que devem ser alcançadas através do ensino fundamental (art.32 e incisos, LDB). Algumas dessas finalidades são mais do que lógicas: certamente a educação deve proporcionar o domínio da leitura, da escrita e do cálculo (art.32, I). O que não pode acontecer é fazer com que o ensino fundamental restrinja sua atuação somente à obrigação de ensinar a leitura, a escrita e os números. A educação deve ir além se deseja ser instrumento na construção de uma sociedade cidadã, proporcionando aos educandos o diálogo e conscientização como fatores de produção do conhecimento.
O inciso IV do mesmo artigo estabelece que o ensino fundamental deve favorecer “(...) o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social". Se o inciso I pode restringir a educação ao ensino da leitura, da escrita e dos números, o inciso IV representa a importância do ensino fundamental na conscientização de crianças e adolescentes sobre a necessidade de estabelecer determinados valores essenciais para o convívio em sociedade, tais como solidariedade e tolerância.
Denominado de 2º grau pela Lei n.
5.692/71, a nova Lei de Diretrizes e Bases passou a chamar de ensino médio a
etapa posterior ao ensino fundamental.
Na antiga legislação, a ênfase
maior era dada à educação profissional tanto que a 5692/71 obrigava a
profissionalização em todos os cursos de 2º grau. Em virtude de fortes
contestações (vindas, de maneira particular, da classe média que exigia formas
de ensino voltadas para a preparação ao ensino superior) esta obrigatoriedade
foi, mais tarde, revogada.
Como forma de assentar a
preponderância do ensino de 2º grau voltado para a formação profissional, surge
a Lei n. 7.044/82 que regulamentava a profissionalização do ensino de 2º grau.
De acordo com estas alterações, o art.1º da Lei n. 5.692/71 passou a vigorar
com a seguinte redação: "o ensino de
1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a formação
necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de
auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da
cidadania".
A grande crise do ensino médio
sempre residiu no fato de sua indefinição: ora deve ser um fim em si mesmo e,
desta forma, ser profissionalizante, ora deve ser um meio para atingir realidades
subseqüentes, isto é, o ensino médio deve ser instrumento de preparação para o
ensino superior.
No contexto desta eterna indefinição, e na
tentativa de encontrar uma posição capaz de amenizar este quadro, surgem os
debates em torno de uma nova lei de Diretrizes e Bases da Educação. A proposta
feita pela comunidade educacional, através do Fórum Nacional em Defesa da
Escola Pública, foi a concepção da politecnia (não
formar exclusivamente técnicos, mas dar-lhes a possibilidade de ter uma
formação mais geral) unida a uma proposta de educação geral. "Tais cursos teriam, necessariamente, a
educação geral como eixo unificador, ficando a oferta de disciplinas e
atividades profissionalizantes condicionadas à ampliação de sua duração, sem
dispensar um conteúdo organicamente estruturado."[21]
A Lei n. 9.394/96, contudo, não
trouxe a perspectiva da politecnia já que a tramitação da lei no Congresso
Nacional não permitiu esta alteração. A educação profissional, assim como está
regulada pela LDB, mostra-se ineficiente para efetivar a inserção da
profissionalização como aspecto ligado à educação.
Uma mudança, porém, representa um
avanço: a denominação do capítulo passou de "Educação
técnico-profissional" para "Educação Profissional". A Lei de
Diretrizes e Bases trata da educação profissional nos artigos 39 a 42. Estes
artigos foram regulamentados pelo Decreto Federal n. 2.208 de 17 de abril de
1997.
A Emenda Constitucional n.14 ao alterar a expressão do art. 208, I da Constituição de "extensão da obrigatoriedade" para "progressiva universalização do ensino médio", reduziu a obrigatoriedade constitucional no que se refere ao ensino médio. Este fato demonstra um retrocesso, visto que quanto maior a obrigação no oferecimento de níveis educacionais maior a possibilidade de tornar conscientes e livres os membros de uma sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à educação infanto-juvenil, que se corporifica através da garantia de acesso e de qualidade da educação básica conforme a regulamentação da LDB, está intimamente relacionado ao exercício da cidadania por parte das crianças e adolescentes brasileiros.
Educar para cidadania é, primordialmente, garantir o direito à educação. Esse direito é assegurado de forma bastante clara na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Não se pode afirmar que a legislação brasileira seja omissa no que se refere à garantia do direito à educação; são diversos os dispositivos constitucionais e infra-constitucionais que tratam da matéria. O que se observa, na prática, é um distanciamento entre o ser e o dever ser, isto é, as normas jurídicas e os planos curriculares – desenvolvidos pelos órgãos competentes – determinam de maneira clara como deveria ser estabelecida a educação no país. Todavia, a prática educacional institucionalizada tem demonstrado a ineficácia dos dispositivos legais e a total falta de compromisso com uma educação voltada para a cidadania.
A educação foi tema presente, direta ou indiretamente, em todas as Constituições brasileiras. A partir do estudo realizado, é possível afirmar que as Constituições promulgadas, em sua maioria, detalharam com mais precisão a função do Estado na oferta da educação. As Constituições outorgadas, a seu turno, detiveram-se mais às questões formais, procurando atribuir à família e à sociedade civil o papel principal na oferta da educação.
No que se refere à educação infanto-juvenil na Constituição Federal de 1988, dois aspectos podem ser destacados: a participação da sociedade civil organizada na elaboração dos dispositivos que regulam a educação nacional e o tratamento dado ao ensino fundamental, elevado à categoria de direito público subjetivo.
O Estatuto da Criança e do Adolescente praticamente repete os dispositivos da Constituição relativos à educação, tendo em vista que os mesmos se encontram em plena sintonia com a Doutrina da Proteção Integral que deve reger as políticas públicas voltadas à infância e à juventude.
Do texto da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional podem ser destacados os seguintes aspectos: espírito de
progressividade representado pela não imposição do ensino de tempo integral;
abertura no que diz respeito à organização da educação nacional (art. 8° e seguintes da LDB);
autonomia administrativa, pedagógica e financeira; sistemas de ensino
organizados através da cooperação entre União, Estados e Municípios e a
valorização do Município como local propício para organizar a educação.
Saliente-se, por fim, que a verdadeira educação assegurada pela Constituição Federal é aquela voltada ao diálogo, à tolerância e, sobretudo, à liberdade.
A educação para a liberdade somente poderá ser efetivada através do diálogo e da hierarquização dos valores intrínsecos à natureza humana no sentido de permitir à criança e ao adolescente uma possibilidade real de atuar como protagonista na construção de sua condição especial de ser humano em desenvolvimento.
NOTAS SOBRE OS AUTORES:
[*] Doutora
em Direito. Professora Titular da disciplina Direito da Criança e do
Adolescente da UFSC. Coordenadora de Pesquisa do CCJ/UFSC. Coordenadora do
Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente - Nejusca /UFSC.
[**]
Mestrando no programa de pós-graduação em Direito da UFSC e bolsista do CNPq.
Pesquisador do Nejusca/UFSC.
NOTAS:
[1] Nas
transcrições dos textos constitucionais, manteve-se a redação original dos
mesmos sem adequação às normas ortográficas atualmente vigentes.
[2] CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 1986. p. 610.
[3]
CAMPANHOLE, 1986, p. 566.
[4] Ibid.,
p. 566.
[5]
CAMPANHOLE, 1986, p. 567.
[6] HERKENHOFF, João Baptista. Dilemas da Educação: dos apelos populares à Constituição. São Paulo: Cortez: Editores Associados, 1989. p. 20.
[7]
CAMPANHOLE, 1986, p. 464.
[8]
CAMPANHOLE, 1986, p. 273.
[9] HERKENHOFF, 1989, p. 23.
[10] CAMPANHOLE, 1986, p. 80.
[11] HERKENHOFF, 1989, p. 28.
[12] BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997. p. 192.
[13] KONZEN, Afonso Armando. O Direito à Educação Escolar. In: BRANCHER, Leoberto Narciso; RODRIGUES, Maristela Marques; VIEIRA, Alessandra Gonçalves (org.). O Direito é Aprender. Brasília: MEC, 1999. p. 10-14.
[16] CURY, Munir; SILVA, Antônio Fernando do Amaral e; MENDEZ, Emílio García (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 186.
[17]
HERKENHOFF, 1989, p. 24.
[18] SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: LDB, trajetórias, limites e perspectivas. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 1997. p. 199.
[19] DEMO, Pedro. A Nova LDB: Ranços e Avanços. 5. ed. Campinas: Papirus, 1997. p. 25-65.
[20]
Utilizam-se, ao longo deste texto, expressões como "ensino
fundamental" e "ensino médio" em virtude de serem estas as
expressões utilizadas pela LDB. As teorias educacionais mais modernas,
entretanto, afirmam ser inadequada tal terminologia, vez que educação e ensino
são realidades diferentes entre si. Esta impropriedade terminológica é uma das
críticas feitas ao texto da nova LDB.
[21] PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 94.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado, 1988.
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