DESENVOLVENDO ORIENTAÇÃO SEXUAL COM ADOLESCENTES

 

 

Denize Boultelel Munari [1]

Marcelo Medeiros [2]

Monica Rodrigues Silva [3]

Ana Carolina D'Arelli de Oliveira D'oro [4]

 

 

Introdução

 

"Tórles sentia-se empobrecido e nu, como um arbusto que experimenta o primeiro inverno após uma floração ainda sem frutos ". Robert Musil, 1978.

 

O interesse em desenvolvermos este trabalho tem suas raízes na experiência de cada um dos pesquisadores, que em épocas e em locais distintos, vivenciou de forma significativa trabalhos com adolescentes, despertando um interesse particular por esse grupo.

 

A oportunidade de trabalharmos juntos, em 1995, na mesma Instituição - Curso de Enfermagem da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro - permitiu-nos o investimento na proposta que trazemos para reflexão, visto que esta revela o seu significado para nosso aprendizado em lidar com a adolescência e adolescentes, em especial com aqueles de classe social menos favorecida.

 

Como uma etapa do ciclo vital, a adolescência foi caracterizada, até pouco tempo atrás, como sendo apenas uma fase de transição entre a infância e a vida adulta, identificada por modificações físicas, especialmente aquelas modeladoras dos caracteres sexuais secundários (ABERASTURY & KNOBEL, 1992; OSÓRIO, 1992).

 

No entanto, consideramos que essa visão é ultrapassada e simplista por desconsiderar a dinâmica das transformações presentes na puberdade e adolescência. Entendê-las apenas na dimensão da transitoriedade entre a infância e o mundo adulto imprime-lhe uma importância menor, uma vez que, os eventos próprios dessa fase podem determinar os rumos da vida adulta. No nosso entendimento, o fenômeno da adolescência requer a compreensão do conjunto das transformações que ocorrem neste período do desenvolvimento humano.

 

Nesse sentido, OSÓRIO (1992) aponta que "a adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento do indivíduo, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade".

 

A importância desse momento é destacada por ABERASTURY & KNOBEL (1992), como "uma etapa decisiva de um processo de desprendimento que começou com o nascimento”. Isto quer dizer que as transformações psicológicas inerentes a este processo, somadas às mudanças corporais, definem uma nova relação entre o jovem e si mesmo, seus pais e o mundo que o cerca.

 

O reconhecimento desse universo é um grande desafio para o adolescente compreendendo uma das tarefas mais difíceis da entrada no mundo adulto, visto que implica na elaboração de vários sentimentos, entre eles, o luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil e pela relação que tinham com os pais na infância (ABERASTURY & KNOBEL, 1992 ; BECKER, 1996).

 

Outros aspectos também importantes que caracterizam a dinâmica da adolescência estão assentados em um complexo biopsicossocial determinado pela redefinição da imagem corporal (crescimento de pêlos pubianos e axilares, desenvolvimento das gônadas, mudança na tonalidade da voz para o sexo masculino, menarca para o sexo feminino, entre outros). Além disso OSÓRIO (1992) destaca a elaboração de uma escala própria de valores, identificação com o grupo de iguais, estabelecimento de um padrão de luta/fuga no relacionamento com a geração precedente, aceitação dos ritos de iniciação como condição ao ingresso no status adulto e assunção de funções ou papéis sexuais auto-outorgados.

Este autor refere ainda a existência de diferenças básicas entre os termos puberdade e adolescência relacionados, respectivamente, às modificações biológicas e às transformações psicossociais. A puberdade é um fenômeno universal que ocorre entre os 12 e 15 anos, cujas características são comuns à espécie humana de modo geral, sendo bastante definida e marcada pelas evidências físicas. Já a adolescência, embora também sinalizada como um fenômeno universal, reserva peculiaridades para os indivíduos em diferentes ambientes socioculturais, não podendo ser afirmado, precisamente, a época de sua emergência.

 

À medida que conhecemos a dimensão e as particularidades que caracterizam essa etapa da vida percebemos o quanto é importante o domínio desse universo, considerando ainda a relevância de sua interação e definição do ser adulto. Nesse sentido, trabalhos anteriores referentes à temática da adolescência (CANO et al., 1992 ; CANO & FERRIANI & MUNARI, 1995 ; FERRIANI, 1994 ; SI LVA & MUNARÍ & SILVA, 1994; MUNARI & MEDEIROS & SILVA & D'ORO, 1995) indicam que os aspectos referentes à sexualidade constituem a questão central e de maior interesse dos adolescentes em conhecer e debater o assunto quando participam de grupos específicos de educação em saúde nas escolas.

 

Portanto, a sexualidade assume papel essencial nesta fase da vida do ser humano, onde a ânsia do adolescente na definição de si mesmo é carregada de necessidades em conhecer o corpo, seu funcionamento e as nuanças do comportamento sexual (namoro, gravidez, contracepção). O processo de desenvolvimento que funcionava de modo acomodado passa a sofrer turbulências caracterizadas pelo crescimento físico e emocional, somado aos impulsos e conflitos constantes, fazendo do adolescente um ser contraditório, de personalidade inconstante mas em busca de uma reorganização e de equilíbrio.

 

Nesse sentido, trabalhos que ofereçam apoio e espaço para que o adolescente possa expressar suas dificuldades e dúvidas são cada vez mais necessários, principalmente porque, segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994), a maioria dos pais atribuem a tarefa da orientação sexual de seus filhos à escola e esta, por sua vez, apresenta dificuldades em cumprir tal tarefa.

 

Para o GTPOS/ABIA/ECOS (1994), o trabalho de orientação e desenvolvimento da sexualidade humana, de forma adequada, deve pautar-se na compreensão de que "desenvolver sexualidade é como desenvolver inteligência; ela será construída a partir das possibilidades individuais e da interação com o meio e a cultura, A sexualidade é construída basicamente a partir das experiências afetivas do bebê com a mãe e com o pai ou com quem cuida dele. Seguem-se as relações com a família, amigos e as influências do meio cultural”.

 

A proposta da orientação sexual, em nosso entendimento, consiste em propiciar condições adequadas para a discussão sobre sexualidade, organizando as reflexões a respeito de posturas, tabus, crenças e valores sobre relacionamentos e comportamentos sexuais. Dessa maneira abrange o desenvolvimento sexual compreendido como saúde reprodutiva, relações interpessoais, afetividade, imagem corporal, auto-estima e relações de gênero, abordando pontos referentes a aspectos anátomo-fisiológicos, sociológicos e psicológicos da sexualidade (GTPOS/ABIA/ ECOS, 1994).

 

Considerando estas questões, vale ressaltar que a orientação sexual é um processo de intervenção sistemático na área da sexualidade, realizado em escolas, diferenciando- se da educação sexual que ''inclui todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre sexualidade ao longo da vida, seja através da família, da religião, da comunidade, dos livros ou da mídia" (GTPOS/ABIA/ECOS, 1994) e que deve fazer parte do dia-a-dia familiar do adolescente, com caráter mais formador que normativo, sendo tarefa, preferencialmente, dos pais.

 

Porém, segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994) os pais, tendo dificuldades em prestar esse tipo de esclarecimento em casa, mesmo cientes da necessidade e importância da orientação sexual, atribuem-na às escolas. As atividades de esclarecimentos e discussões desenvolvidas por educadores são, muitas vezes, a única chance do adolescente tentar compreender aquilo que se passa com ele.

 

Esse apoio à orientação sexual pode sinalizar a transferência para a escola de uma responsabilidade que muitos pais não se dispõem ou encontram dificuldade em assumir. A escola, através de seus educadores, não deve ser considerada um tapa-buraco mas co-responsável neste processo juntamente com a família e o próprio adolescente. CANO & FERRIANI & MUNARI, (1995) desenvolvendo um trabalho com pais de adolescentes, observaram que muitas vezes os pais têm muitas dificuldades em abordar questões de sexualidade com seus filhos, justamente por não terem muito claro o que aconteceu com eles próprios.

 

É importante considerar também que o professor pode sentir-se despreparado em lidar com os aspectos da orientação sexual junto aos seus alunos. De acordo com o GTPOS/ABIA/ECOS (1994), "o professor deveria estar preparado para polemizar, lidar com os valores, tabus, preconceitos e informar sobre as dúvidas, em vez de simplesmente transmitir conteúdos. Conteúdos sobre sexualidade, se não forem relacionados às questões vivenciadas por aquela idade, não serão incorporados".

 

O envolvimento com a temática e os levantamentos bibliográficos que realizamos, nos permitem dizer que o enfermeiro tem assumido a função de orientador sexual, sendo essa uma preocupação constante em seu trabalho com essa clientela.

 

O próprio GTPOS/ABIA/ECOS (1994) legitima o trabalho de orientação sexual desenvolvido pelos enfermeiros quando afirma que essa atividade "pode ser realizada por educador ou outro profissional capacitado para uma ação planejada, sistemática e transformadora, visando a promoção do bem-estar sexual, a partir de valores baseados nos direitos humanos e relacionamentos de igualdade e respeito entre as pessoas”.

 

Em função dessas questões, de nossas experiências anteriores, e de nosso interesse no trabalho com adolescentes, motivamo-nos em atender à solicitação da diretora e da coordenadora pedagógica de uma Instituição Filantrópica de Ensino de 1° Grau do município de Uberaba (MG), para desenvolver atividades de orientação sexual junto a um grupo de 42 adolescentes, alunos da escola.

 

Apesar de termos trabalhado com muitos outros grupos de adolescentes, este nos trouxe algumas questões em particular. Por essa razão, o propósito desse trabalho é uma avaliação da proposta que desenvolvemos junto ao referido grupo, fundamentando-se nos seguintes objetivos: identificar as dúvidas e necessidades dos adolescentes com relação ao tema; planejar, desenvolver e avaliar um programa.

 

Metodologia

 

Este trabalho foi construído com base nas etapas metodológicas para o trabalho grupal referidas por MUNARI (1995), tendo-se o cuidado de estabelecer fases coerentes com o planejamento e a sistematização de uma atividade com grupos, acompanhando seu próprio ritmo e buscando dimensionar cada encontro a partir de uma revisão do conteúdo dos encontros anteriores.

 

Atendendo a um convite, como dissemos anteriormente, de uma determinada Escola de Primeiro Grau da cidade de Uberaba (MG) para desenvolvermos atividades de educação em saúde com os alunos, fomos conhecer o local e também as expectativas e necessidades para tal trabalho, sendo apontado na ocasião, como prioridade, palestras sobre sexualidade.

 

A Escola a que nos referimos é uma Instituição de cunho filantrópico, administrada e dirigida por religiosas católicas da Ordem das Carmelitas Missionárias, que conta com a Secretaria Municipal de Educação para suporte pedagógico e contratação de pessoal docente.

 

Atende crianças e adolescentes de baixa renda na faixa etária de 3 a 15 anos de idade, cujos pais tenham comprovadamente um vínculo empregatício. Seu funcionamento é em período integral para os alunos da primeira à quinta série os quais têm um período de aulas formais e outro de atividades extras, planejadas de acordo com a idade e aptidão (jardinagem e horta, datilografia, teatro, esportes, recreação, corte e costura manicure, entre outros). Vale ressaltar que impressionou-nos a organização e a higiene do local, o tipo de compromisso exigido dos pais ou responsáveis para com a escola e o dinamismo da coordenadora

 

Elaborando a proposta feita pela direção da Escola, devolvemos como sugestão um programa mais abrangente, onde pudéssemos trabalhar aspectos mais amplos da adolescência tendo como pano de fundo a temática da sexualidade, porém, partindo das expectativas e do conhecimento prévio do próprio grupo. Solicitamos ainda que os pais fossem informados de que iniciaríamos a atividade; a coordenação da escola prontamente atendeu nosso pedido. Assim aplicamos junto aos alunos um questionário contendo questões abertas e fechadas que permitiu o levantamento e caracterização das necessidades do grupo, através de suas colocações, seus interesses e dúvidas sobre sexualidade.

 

Após a compilação dos dados oriundos deste questionário respondido por todos os adolescentes, categorizamos os pontos por eles abordados em tópicos específicos, os quais detalharemos adiante e elaboramos uma proposta de programa que foi posteriormente discutido e aprovado pelo grupo. Estes temas foram desenvolvidos em onze encontros semanais de três horas de duração, em um amplo espaço físico na própria escola, num ambiente propício ao desenvolvimento de atividades grupais.

 

Desde o primeiro encontro com a direção e coordenação da escola mantivemos um diário de campo onde registramos nossas observações, procurando descrever de maneira mais próxima do vivenciado o desenvolvimento do trabalho de um modo geral, mas principalmente os comportamentos, as atitudes e a maneira com que o processo de orientação se desenrolava.

 

No último encontro, reunimo-nos com o grupo para o encerramento da atividade daquele ano e propusemos uma avaliação do programa como um todo. O processo de avaliação constou de duas etapas. Na primeira houve a aplicação de um questionário que tentava identificar se as dúvidas dos educandos foram sanadas e de que maneira os encontros influenciaram o seu conhecimento acerca do tema. Na etapa seguinte discutimos verbalmente essas questões e o grupo aproveitou a oportunidade para expressar, à sua maneira, suas percepções acerca dos encontros, dos conteúdos desenvolvidos e das estratégias utilizadas.

 

Discussão e reflexões sobre o trabalho desenvolvido

 

Ao encerrarmos as atividades percebemos que tínhamos em mãos um rico material procedente dos questionários aplicados, de nossas observações registradas no diário de campo e também das reuniões onde discutíamos o desenvolvimento do trabalho. Assim, organizando o conteúdo deste material, identificamos que poderia estar agrupado sob dois tópicos distintos, porém articulados, os quais passaremos a discutir separadamente.

 

O grupo: suas características, dúvidas e expectativas

 

Inicialmente, nosso contato com o grupo deu-se através dos questionários respondidos onde pudemos ter uma idéia do perfil dos participantes. Pela análise prévia das respostas percebermos que os adolescentes eram bastante extrovertidos e não tinham dificuldade em tecer suas questões. Usavam farta linguagem adequada, atribuindo nomes corretos aos caracteres sexuais que se referiam, validando o seu aprendizado em sala de aula com a professora de ciências, conforme já havia nos informado a coordenadora.

 

No entanto, foi possível apreendermos que o aprendizado restringia-se ao domínio dos termos sem uma articulação entre o seu significado e o relacionamento sexual, porque possivelmente foi tratado como uma simples questão de anatomia humana desvinculada do seu envolvimento emocional, social e cultural.

 

A avaliação dos conteúdos expressos nestes questionários aplicados antes de iniciarmos as atividades permitiu-nos uma categorização das respostas que geraram dois aspectos relevantes de análise, ou seja, (1) aparelho reprodutor masculino e feminino e, (2) relacionamento sexual.

 

O grupo era composto por 42 jovens, sendo 23 do sexo feminino e 19 do sexo masculino, com idade predominante entre 9 e 14 anos de idade, a maioria deles cursando entre a 3ª e a 6ª série do primeiro grau. A princípio, pensamos em separá-los por faixa etária mas percebemos ao longo do tempo que, exceto dois ou três deles mais "experimentados", os demais apresentavam um nível semelhante de conhecimento e desenvolvimento.

 

OSÓRIO (1992) coloca que não há muita precisão no início da adolescência, sendo mais claramente definida a puberdade como uma fase de intensas mudanças biológicas. Por nossa experiência, o grupo com o qual trabalhamos estava no primeiro momento da adolescência (puberdade), já demonstrando sinais de uma aproximação ao segundo momento denominado de adolescência média por SOUZA (1985 ), ou adolescência inicial para o GTPOS/ABIA/ECOS (1994).

 

 

Uma grande maioria conversa sobre sexo com os colegas e com as mães, justificando de um modo geral que procuram alguém para conversar porque "já estou quase entrando na fase da adolescência e preciso saber disso pra não fazer coisa errada", ou "porque fico pensando em sexo" e ainda "porque eu tenho várias curiosidades". Uma pequena parcela do grupo não conversa sobre sexo com pessoas próximas de seu convívio como pai, mãe, professor, colegas, porque não gosta e tem vergonha ou simplesmente "porque não".

 

Como já dissemos anteriormente, suas dúvidas giraram em torno de dois aspectos relevantes de análise. No que se refere ao aparelho reprodutor, subdividimos a discussão em dois itens.

 

No primeiro, anatomia e fisiologia do aparelho reprodutor feminino, as dúvidas giraram em tomo da menstruação, mais especificamente, o que é, como e porque a mulher menstrua, e se durante a menstruação a mulher pode fazer sexo e, neste caso, se corre o risco de engravidar

 

Outras questões referiam-se à gravidez, porque as mulheres fazem sexo e ficam grávidas, como é a gravidez e como o bebê se transforma e fica na barriga da mulher, a melhor idade para engravidar e os tipos de gravidez. Também surgiram perguntas mais gerais como as diferenças da mulher e do homem e o que acontece com a mulher depois do sexo. Estas questões, segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994), estão de acordo com as dúvidas mais comuns de adolescentes na faixa etária com a qual trabalhamos.

 

Quanto ao item anatomia e fisiologia do aparelho reprodutor masculino, foram poucas as dúvidas, no entanto significativas, por isso transcrevemos da maneira como apareceram nos questionários: "Porque quando a gente vê uma mulher pelada nós ficamos  com o pênis ereto?"; "É verdade que o caldo do pênis é que se faz o filho?”; "De que maneira é feito o espermatozóide?"

 

Apesar de entendermos as questões selecionadas pelos jovens, pensamos novamente que eles já haviam tido contato com o assunto nas aulas de ciências, mas apenas visualizaram coisas e possivelmente não tiveram espaço para explorá-las. BECKER (1996) afirma que "a educação sexual nas escolas, quando existe, é tímida, superficial, e não se compromete. Slides mostram pênis e vaginas, testículos e ovários, mas raramente aborda-se o lado prático e humano da questão".

 

Na segunda categoria que denominamos relacionamento sexual, surgiram questões quanto ao comportamento, ou seja: "como se transa?"; "Sexo é bom?"'; "Como é o beijo?"; "Sobre o homem e sua vida sexual"; "Por que as pessoas fazem sexo?";"Por que os homens fazem sexo com todo mundo?”; “Por que todas as pessoas fazem sexo?"; "O que precisa para prevenir o sexo?"

 

Ainda nesta categoria apontaram questões sobre a contracepção, o uso correto e utilidade da camisinha, DIU, cuidados para evitar. a gravidez e sobre os tipos de preservativos disponíveis para o homem e a mulher. Também colocaram suas perguntas acerca da reprodução humana de uma maneira mais generalizada e também quanto a aspectos da hereditariedade: "Desde que idade os seres humanos estão prontos para a reprodução?"; "Qual o mecanismo  da fecundação?"'; "Por que moças virgens ficam grávidas?"; "Como se faz filhos?"; "Quando a mulher tem uma relação sexual com um cego ou deficiente, a criança que espera corre o risco de nascer igual ao pai?"

 

Esse panorama mostrou-nos que este era um grupo como muitos outros, com dúvidas centradas na sexualidade do ponto de vista do como é e do como se faz, fazendo-nos refletir com BECKER ( 1996) que "pode-se compreender então que não seja nada difícil encontrar adolescentes em plena atividade sexual sem saber o que e por que o estão fazendo, sem saber o que é um ciclo menstrual, sem poder sequer perceber o significado de um relacionamento sexual. E o que é pior, ignorando completamente as possíveis conseqüências dele (uma gravidez, por exemplo) e os modos de evitá-las".

 

Por outro lado foi pouco significativa a preocupação com as doenças sexualmente transmissíveis. Porém, sentimos ao longo dos encontros que tínhamos condições de avançar na discussão de questões relevantes para a formação do adolescente enquanto cidadão, porque o grupo assim o permitiu.

 

 

 

 

Os encontros: o ritmo do grupo e seu desenvolvimento

 

O nosso primeiro contato com o grupo foi realizado no salão de eventos da instituição, onde dispúnhamos de espaço e condições adequadas para acomodar todos os participantes, lembrando que essa é uma condição básica para o desenvolvimento de atividades dessa natureza (MUNARI, 1995).

 

Os objetivos da primeira reunião eram os de nos apresentarmos para o grupo, conhecermos os adolescentes, mostrar-lhes os resultados do questionário que eles haviam preenchido e propor um cronograma de trabalho que fosse fundamentado na aquiescência de ambas as partes, os adolescentes e os coordenadores do grupo, estabelecendo assim, um contrato para o trabalho.

 

Nossa preocupação era deixar claro que não estávamos ali para simplesmente fazer palestras e sim para estabelecer um pacto de co-responsabilidade no desenvolvimento das atividades que contasse com a participação ativa de cada um deles e de nossa intervenção sempre que necessário.

 

Uma outra questão importante em relação à condução do trabalho é que procurávamos preparar os encontros anteriormente, através de reuniões onde checávamos o diário de campo, avaliávamos a reunião anterior e projetávamos atividades para o próximo. No entanto, nem sempre era possível cumprir com aquilo que estava previsto, em função das necessidades do grupo, do seu movimento naquele encontro, aspecto esse já discutido por MUNARI (1995).

 

Nas primeiras reuniões era comum o pouco rendimento do grupo, tamanha a necessidade dos adolescentes em fazer coisas para chamar atenção, falar palavras com intenção de chocar o grupo. O manejo dessas situações era sempre enfrentado no sentido de esvaziar o sentido pornográfico das reuniões para que o grupo pudesse aproveitar de fato os encontros. Quando utilizávamos as mesmas palavras ditas, e ainda acrescentávamos outras que faziam parte do vocabulário comum à eles, geralmente isso causava certo espanto, sendo motivo de surpresa e de risinhos nervosos.

 

Segundo TIBA (1994), é importante uniformizarmos a linguagem falada durante as reuniões, demonstrando que o que eles falam tem espaço no grupo e o que falam é importante. Para o autor "esse entendimento de linguagem é fundamental, pois abre o diálogo para outros assuntos mais importantes, que são a parte afetiva, do relacionamento e do prazer".

 

Vale lembrar ainda que, às vezes, os trabalhos de orientação sexual são dimensionados pela coordenação do grupo no que diz respeito ao assunto, ordem de apresentação dos temas, etc. Aprendemos com experiências anteriores como membros de uma equipe de assistência primária em saúde escolar num município do interior do Estado de São Paulo que, quando não consideramos o movimento do grupo, corremos o risco de passar simplesmente um conteúdo que pode não fazer sentido naquele momento para o grupo, causando dispersão, desinteresse ou apatia.

 

Essa fase inicial de conhecimento entre os coordenadores e o grupo permitiu que, além de trabalharmos aspectos básicos do aparelho reprodutor através de desenhos e cartazes, estabelecêssemos um clima de confiança e respeito que começava a viabilizar a abordagem de questões como o respeito às diferenças de cada um que estava no grupo, a validade da contribuição de todos para o trabalho do grupo e a importância do afeto e do respeito no relacionamento humano de modo geral, destacando evidentemente aquele que se estabelece entre um casal.

 

No entanto, notávamos que alguns jovens eram bastante dispersivos e que sua presença em determinados momentos perturbava o andamento da atividade e aqueles que queriam participar começavam a reclamar. A nossa atitude era de estar colocando para o grupo e de conversar seriamente com eles, porque sabíamos que não bastava impedi-los de entrar; já que tinham liberdade de escolher estar ali. Tentamos, então, atribuir-lhes tarefas ou solicitar suas opiniões durante as discussões, o que amenizava o clima grupal.

 

A metade do nosso trabalho foi marcada por uma fase de interesse extremo em relação ao que se discutia. Nem sempre conseguíamos esgotar todas as questões que emergiam dado ao volume de perguntas e solicitações para detalharmos alguns aspectos que mais interessavam. O nosso sentimento ao final das reuniões era de termos sido sugados ao máximo em nossas capacidades, porém percebíamos que essa tarefa também nos trazia muito prazer.

 

O fato de termos já uma certa intimidade com o grupo ocasionava uma espera no portão da escola no dia e no horário de nossa atividade e nossa recepção sempre era calorosa, com muitos voluntários para nos ajudar a carregar o material que seria usado no dia e nossas bolsas. A ausência de algum dos coordenadores era sentida imediatamente e reclamada, assim como a preocupação durante o período em que um dos coordenadores teve um problema de saúde. Tais fatos caracterizam a coesão grupal, que é o principal mecanismo facilitador de mudanças que ocorrem no interior dos grupos (MUNARI, 1995).

 

Nesse período, passamos a discutir os aspectos que compunham o relacionamento sexual, conversando sobre a atração pelas pessoas, a fase do namoro e suas características. Os adolescentes trabalhavam num primeiro momento em pequenos grupos, construindo cartazes a partir de colagens que representassem o significado do namoro. Após isso, voltamos para o grupão, ocasião em que trabalhamos o assunto tendo umas das discussões produtivas em função da variedade e riqueza do conteúdo produzido por cada subgrupo.

 

Na referida reunião pudemos atestar a importância do trabalho de orientação sexual que se propõe a trazer para a discussão valores, experiências e crenças que delineavam o saber do grupo. Um aspecto que vale ressaltar é que essa atividade desenvolveu confiança e responsabilidade entre os membros do grupo que se apresentavam para falar sobre o seu trabalho ou discutir os assuntos em pauta, com segurança e satisfação com aquilo que haviam construído.

 

Nas reuniões seguintes navegamos pelo mundo do relacionamento sexual, a importância da responsabilidade e do afeto como elementos fundamentais ao prazer. Acabamos por desembarcar na fecundação, na transformação do óvulo e do espermatozóide em bebê na barriga da mulher e no tão esperado nascimento. Foram certamente os encontros onde o silêncio, a curiosidade e as perguntas imperavam. Trabalhamos com slides e vídeos sobre o assunto e fomos freqüentemente interrompidos por questões que às vezes nos surpreendiam pela ingenuidade, outras pela dura realidade com que muitos ali conviviam.

 

Um destaque importante nesse momento do trabalho era a seriedade com que as perguntas eram encaradas pelo grupo; como jovens, até então, espectadores, passaram a participar de forma ativa com questões de esclarecimento ou contribuindo na discussão, demonstrando que a atividade fazia sentido para eles e que, portanto, nosso trabalho tinha razão de ser.

 

O fato de termos desenvolvido trabalhos dessa natureza várias vezes e em muitos locais, felizmente não transformaram aqueles jovens em mais alguns, mas, naqueles que agora tinham nome e lugar especial no nosso aprendizado de trabalhar com adolescentes.

 

No último encontro tivemos uma surpresa. Levamos material para um trabalho mas não foi possível porque eles nos prepararam uma despedida. Apesar de nem todos estarem presentes porque alguns já estavam entrando em férias, organizaram um show com a apresentação de números de dança e poesia Demonstraram com afeto a importância do vínculo que estabelecemos durante nossa convivência e mostraram a nossa responsabilidade no desenvolvimento do trabalho. O que nos surpreende, ainda hoje; são os agradecimentos repetidos várias vezes por termos sido educados com eles, revelando talvez o clima de hostilidade e dureza vivida na realidade cotidiana.

 

Após as apresentações, solicitamos que respondessem ao segundo questionário, cujo objetivo era registrar por escrito a avaliação sobre o trabalho. Das respostas obtidas nessa etapa pudemos apreender que as atividades desenvolvidas facilitaram uma aproximação entre os adolescentes e seus pais com relação ao assunto pois todos que responderam ao questionário (25 jovens), afirmaram que conversaram com a família sobre nossos encontros, sendo os pais aqueles mais citados como receptores da conversa.

 

A maioria dos adolescentes relatou que seus pais acharam o trabalho muito bom, sendo que alguns referiram que "acabei explicando coisas que meus pais não sabiam "; "eles acharam que eu deveria aprender mais sobre isso "; "acharam bom e queriam saber o que foi que eu aprendi "; "acharam bom porque assim não precisava explicar de novo". Os assuntos apontados como preferidos na opinião da maioria dos adolescentes foram o relacionamento sexual, como fazer sexo prevenido, o namoro e o nascimento do bebê. Outros como as doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a AIDS, a gravidez também foram relacionados.

 

TIBA (1994) considera fundamental o vínculo entre a escola que trabalha orientação sexual e a família dos adolescentes porque acredita que assim os pais podem "ser solidários em suas inseguranças, esclarecedores em suas dúvidas e servir de farol para que os pequenos aventureiros empreendam sua viagem rumo a uma vida adulta, plena e realizada". No entanto, reconhecemos as dificuldades que muitos jovens têm enfrentado,vivenciando um ambiente às vezes de desagregação familiar e de promiscuidade.

 

Outro aspecto que ressaltamos da avaliação dos adolescentes foi com relação aos resultados dos encontros frente às suas dúvidas. A maioria se diz satisfeita pois a atividade "ajudou a tirar minhas dúvidas"; "o que eu não sabia eu perguntava"; "antes eu tinha dúvida e não perguntava"; "eu estava falando coisa errada". Essas respostas estavam, então, de acordo com nossas percepções sobre o aproveitamento do grupo como um todo.

 

Das estratégias utilizadas durante as reuniões, aquela de maior impacto e de maior aceitação pelos adolescentes foi a explicação dada pelos coordenadores do grupo, sendo a utilização de filmes, slides e cartazes as menos referidas. Isso demonstra que "gente falando e discutindo com gente", para esse assunto, é uma estratégia eficaz, pois imprime a real importância do vínculo entre o coordenador e o grupo, exercitando na prática os conceitos fundamentais do relacionamento humano abordados na teoria, caracterizando assim uma proveitosa relação de ajuda.

 

Considerações finais

 

O que realmente nos chamou a atenção ao final deste trabalho foi que, na nossa percepção, utilizamos um espaço, geralmente ocupado para a transmissão exclusiva do conteúdo da sexualidade humana centralizada na anatomia do aparelho reprodutor, para trabalhar questões mais valiosas como o respeito humano, a solidariedade, a responsabilidade e o afeto, não somente na teoria, mas na prática de nossos encontros.

 

Isto significa dizer que o preparo do coordenador ou orientador sexual deve ser uma preocupação constante daquele que se propõe a desenvolver trabalho dessa natureza pois seu resultado está diretamente ligado à experiência do profissional no manejo do adolescente e do seu universo, das características de um trabalho grupal e do conceito que tem sobre si mesmo, seus tabus e crenças sobre a sexualidade.

 

Esses fatores podem assegurar uma atuação mais humana e crítica do profissional, que possibilite ao jovem a participação na construção da sua sexualidade de forma responsável, com vistas a uma vida adulta saudável e feliz.

 

É importante esclarecer que pretendíamos complementar este trabalho conhecendo também as impressões dos familiares de cada adolescente do grupo, bem como as repercussões no convívio familiar acerca do trabalho realizado. Porém o término do ano letivo na escola impediu-nos de realizar esta etapa.

 

A abordagem escolhida para nortear nosso caminhar com este grupo nos revela que atingimos o propósito de um trabalho de orientação sexual que segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994) "procura ajudar crianças e adolescentes a terem uma visão positiva da sexualidade, a desenvolverem uma comunicação clara nas relações interpessoais, a elaborarem seus próprios valores a partir de um pensamento crítico, a compreenderem o seu comportamento e o do outro e a tomarem decisões responsáveis a respeito de sua vida sexual, agora e no futuro''.

 

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Notas

[1] Enfermeira, Prof. Titular do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem; Universidade Federal de Goiás.

 

[2] Enfermeiro, Prof. Assistente do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás, End. :Rua 227, Qd 68 s/n, Setor Universitário, Goiânia, Goiás. CEP 74605-080 Tel.: (062) 202-3537, Fax (062) 202-1033.

 

[3] Enfermeira, Prof. Auxiliar do Departamento de Enfermagem  em Educação e Saúde Comunitária do Centro de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro - Uberaba.

 

[4] Enfermeira. Prof.a. Assistente do Departamento de Enfermagem em Educação e Saúde Comunitária do Centro de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro - Uberaba. End. : Praça Manoel Terra s/n – Uberaba - Minas Gerais, CEP 38015-050, Tel.: (034) 3 12-7722 Ramal 1484/ 83/82.

 

 

Fonte

MUNARI, D. B.; MEDEIROS, M.; SILVA, M. R.; D'ORO, A. C. A. Desenvolvendo Orientação Sexual com Adolescentes. Rev. Bras. Cresc. Desenv. Hum., São Paulo; 6 (1/2), 1996.