VISTOS.

 

            MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, impetra o presente mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato da Sra. DIRETORA DA ESCOLA MUNICIPAL “PROFESSORA SARA BEATRIZ DE FREITAS”, que indeferiu pedido de matrícula da menor A. R. R. na terceira série do ciclo básico, sob a justificação de que a mesma, no ano letivo anterior, cursou irregularmente a segunda série, porquanto estivesse matriculada na primeira série. Aduz a autoridade coatora que a menor estaria impossibilitada de freqüentar a terceira série, por força da resolução SE n. 20/98, que permite apenas a reclassificação do aluno em relação a idade/série. Segundo o impetrante, a medida é inconstitucional, já que fere os artigos 205 e 208 da Constituição Federal, além de ilegal, por força do art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente, do artigo 4º, inciso V, artigo 24, inciso II, letra “c”, e artigo 59, inciso II, todos da lei 9394/96. Tais dispositivos impõem o dever ao Estado de assegurar o direito à educação, individualizado conforme as peculiaridades de cada um, princípio que estaria sendo negado pela Resolução baixada pela Secretaria da Educação. Pede a concessão liminar da ordem.

 

            A inicial veio instruída com os documentos de fls. 15/33.

 

            Deferida liminar e requisitadas informações (fls. 34, ), prestou-as a autoridade impetrada (fls. 38), esclarecendo que o pedido de matrícula não foi aceito, com base em ato legal expedido pela Secretaria da Educação, consubstanciado nos artigos 23 e 24, alínea “e”, e na Resolução SE nº 20/98.

            A fls. 40/50, o Ministério Público opinou pela concessão da segurança.

 

            É o relatório.

 

            DECIDO.

 

            Conforme se infere dos autos, a menor A. foi, no ano anterior, matriculada na primeira série do ensino fundamental, na escola municipal “Professora Sara Beatriz de Freitas”. Sua professora, todavia, notou-lhe um desenvolvimento avançado, comunicando o fato à direção da escola que, então e inoficiosamente, transferiu-a à segunda série.

 

            Findado o ano letivo, a menor foi, então, submetida a uma avaliação, tendo nesta logrado êxito, fazendo-se, portanto, merecedora de cursar, no ano letivo seguinte, série imediatamente subsequente àquela na qual freqüentara. Acrescente-se que A. foi, inclusive, submetida a exame exarado pela Universidade Estadual Paulista que, inclusive, confirmou sua aptidão para freqüentar a terceira série.

 

            A Constituição Federal, no tocante ao caso em testilha, em seu artigo 208, V, não deixa dúvidas de que a adequabilidade do acesso das pessoas à educação deve obedecer, prioritariamente, ao critério da capacidade individual. O Estatuto da Criança e do Adolescente, assim como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com não poderiam deixar de ser, fazem-lhe eco, como no-lo demonstra a leitura do artigo 54, V daquele diploma, e a dos artigos 4º, inciso V, 24, inciso II, letra “c”, e 59, inciso II desta.

 

            Inegável que, dentro das espécies normativas previstas pelo ordenamento pátrio, gozam as normas constitucionais de superioridade. Logo, todo e qualquer ato estatal deve estar em consonância com as diretrizes que referida da carta emanam.

 

            Destarte, todo regramento, infra-constitucional que a confronte nossa Lei Maior, quer no sentido literal quanto no teleológico, como em ambos os casos se situa o artigo 2º da Resolução 20/98, deve ser repelido, sob pena de desprestígio das normas que ocupam o ápice do sistema jurídico vigente, cuja conseqüência tanto pode ser a instituição de um Estado policialesco, quanto a de um cuja anarquia seja o mote principal.

 

            Conclui-se assim que a d. Autoridade Impetrada, ao indeferir o pedido de matrícula na terceira série, com fundamento na Resolução SE 20/98, realmente feriu direito líquido e certo do impetrante, uma vez que o ato administrativo normativo em tela não poderia mesmo estabelecer que um limite de idade seja óbice à correta adequação e individualização do acesso ao ensino segundo a capacidade de cada qual.

 

            A Resolução, ao estabelecer peremptoriamente que a individualização far-se-á, exclusivamente, conforme a idade, faz tábula rasa do conceito constitucional que preleciona o critério da capacidade, perdendo, assim, toda e qualquer eficácia.

 

            Ante o exposto e considerando o que mais dos autos consta, declaro incidentemente a inconstitucionalidade do artigo 2º da Resolução SE nº 20/98 e CONCEDO A SEGURANÇA para o fim de assegurar à impetrante o direito de se matricular no terceiro ano do ciclo básico da rede estadual, independentemente do critério adotado na Resolução combatida, obedecidos os critérios constitucionais.

 

            Remetam-se os autos, oportunamente, para o reexame obrigatório (art. 12, § único, da Lei nº 1.533/51).

            P. R. I. C.

            Mirandópolis, 14 de abril de 1999.

 

Antônio Marcelo Cunzolo Rimola

Juiz Substituto