EXCELENTÍSSIMA SENHORA PROCURADORA-GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS

 

 

 

 

 

 

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA - representou ao Procurador-Geral da República, no sentido de que fosse “procedida a argüição de inconstitucionalidade, da participação de representantes dos Poderes Legislativos e Judiciário, bem como o Ministério Público Estadual naqueles Conselhos (Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente), em caso de constatação dessa situação.Idêntico procedimento solicitou-se fosse adotado em relação às Leis Orgânica Municipais, no que tange à composição da representação governamental nos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Em decorrência, solicita-nos Vossa Excelência manifestação sobre o tema, a fim de responder a solicitação de informação acerca do assunto, formulada pelo Procurador-Geral da República.

 

 

1 .      ORIGEM NORMATIVA

 

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente têm origem normativa constitucional no art. 204, inciso II, in verbis:

 

“Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organização com base nas seguintes diretrizes:

 

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como à entidades beneficente e de assistência social.

 

II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

 

Dentre os objetos compreendidos na esfera da assistência social, estabelece a Carta Magna em seu art. 203, inciso I, a “proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice”.

 

A nível infraconstitucional, a Lei n.º. 8.069/90 estabeleceu as características básicas dos referidos Conselhos, dispondo:

 

“art. 88 - São diretrizes da política de atendimento:

I - ...

II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federais, estaduais e municipais(grifo nosso).

 

A seu turno, o art. 86 do mesmo diploma legal determina que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente “far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

 

Verifica-se, portanto, que os Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente inserem-se dentro do espectro amplo da Política de Atendimento dos direitos infanto-juvenis inscritos no art. 227, caput, da Constituição Federal.

 

 

2.       OS CONSELHOS DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - Natureza Jurídica

 

Os Conselhos da Defesa da Criança e do Adolescente constituem-se, portanto, ÓRGÃOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES de formulação e controle das ações governamentais da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente.

 

A autonomia e independência dos Conselhos de Defesa decorrem de sua peculiar posição no âmbito da Administração Pública, alheio a qualquer controle hierárquico ou funcional.

 

Este aspecto peculiar dos Conselhos de Defesa é devidamente explanado pelos Promotores de Justiça Wilson Donizetti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino:

 

“No caso dos Conselhos dos direitos da Criança e do Adolescente, verifica-se a inexistência de subordinação hierárquica destes em relação ao governo. O controle, pelo governo, sobre as ações do Conselho não se dá no mérito (embora mesmo os órgãos autônomos ‘clássicos’ sofram este tipo de controle), mas apenas de forma finalística, de legalidade” (CONSELHOS E FUNDOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ed. Malheiros, pág. 77, 1993).

 

A participação paritária popular por meio de organizações representativas acentua a independência e autonomia dos Conselhos, além de alargar especialmente a relação Estado-Sociedade.

 

A inexistência de precedentes no ordenamento jurídico pátrio concede a estas entidades especial distinção jurídico-administrativa, muito bem sintetizadas pelo Prof. Felício Pontes Jr.:

 

“Do ponto de vista de elementos característicos, define-se Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente como o órgão colegiado, integrante do Poder Público nos seus três níveis, de caráter deliberativo, composto paritariamente por membros do governo e da sociedade civil, com as finalidades de elaboração e controle na execução das políticas para o atendimento dos direitos infanto-juvenis” (CONSELHO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ed. Malheiros, 1993, pág. 14).

 

Em suma, constitui-se o Conselho da Defesa, verdadeiro fórum governamental de exercício de prerrogativas políticas e administrativas afetas a infância e juventude brasileiras, alimentado perenemente pela participação popular, garantida a hegemonia de suas deliberações.

 

Feitas estas considerações, antepõe-se-nos a indagação acerca da natureza da ação governamental desenvolvida pelos Conselhos de Defesa, a fim de podermos localizar a atuação destas entidades dentre os Poderes Institucionais.

 

Entende-se por Governo (ação governamental) “o conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e realizada, ou conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício das funções do poder político. Este se manifesta mediante suas funções que são exercidas e cumpridas pelos órgãos de governo. Vale dizer, portanto, que o poder político, uno, indivisível e indelegável, se desdobra e se compõe de várias funções, fato que permite falar em distinção das funções, que fundamentalmente são três: a legislativa, a executiva e a jurisdicional” (José Afonso da Silva, in “CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL”, 8ª Ed., ed. Melhoramento, pág. 98/9).

Evidentemente, todavia, que o legislador constitucional, ao referir-se “as ações governamentais na área da assistência social”, restringiu as atribuições ali referidas à atividade executiva típica.

 

Se assim o é, haveria incompatibilidade entre as funções exercidas pelos Conselhos de Defesa e sua composição por membros dos Poderes Legislativo, Judiciário, ou Ministério Público?

 

Dir-se-ia que, em respeito ao princípio da separação dos poderes (art. 2, da Constituição Federal) não se admite a intromissão dos Poderes Legislativo ou Judiciário, em atividade ou função do Poder Executivo.

 

A outro turno, no que se refere ao Ministério Público, embora lhe seja permitida integrar Conselhos consultivos, como é o Penitenciário, por exemplo, observe-se que tais órgãos não são deliberativos de políticas, com caráter vinculante, como se dá nos Conselhos de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Sob este prisma, a versão da participação do Judiciário e do Ministério Público nos Conselhos de Defesa garantiria a independência do órgão ministerial e a imparcialidade do juiz para, até mesmo se forem obrigados, desconstituir decisões do Conselho pela via judicial.

 

A separação dos Poderes Estatais, porém, compreende a divisão das funções governamentais básicas (legislativa, executiva e jurisdicional), entre órgãos autônomos e independentes entre si, assegurando a especialização das funções e a independência orgânica de cada órgão estatal e erigindo sistema de garantia dos Direitos do Homem, frente ao Estado.

 

Alerta José Afonso da Silva, porém:

 

“Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário (...)” (CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, pág. 100).

 

No caso sob análise, não entendemos existir qualquer violação ao basilar princípio constitucional referido, na hipótese de norma legal autorizada, da composição de Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente por membros de qualquer dos poderes constitucionais e do Ministério Público.

 

Em primeiro lugar, porque a composição referida do Órgão Administrativo não lhe desnatura a identidade funcional, pois sua composição paritária (art. 88, inciso II, E.C.A.) e sua autonomia funcional permanecem intocadas.

 

Em segundo lugar, há de se salientar que a separação dos poderes estatais, garantia dos direitos individuais, objetiva assegurar o exercício regular das funções estatais. Ora, no presente caso, apenas se estabelece participação especial de membros de Poderes distintos, na composição de Órgão Autônomo e Independente, não se vislumbrando qualquer concentração ou indevida intromissão de Poderes.

 

Ademais, não devemos olvidar o fato de que seria de suma importância a participação plena de todos os Poderes Públicos na formulação e controle das Políticas de atendimento à infância e juventude brasileiras, consoante dispõe o art. 194, da Constituição Federal, in verbis:

 

“A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (grifo nosso).

 

Embora o Poder Judiciário e o Ministério Público exerçam atividade de controle da legalidade e legitimidade das atividades do Conselho de Defesa (art. 148 e art. 201, ambos do E.C.A.), tal atribuição não conflita com o direito de composição deste Órgão. Esta conclusão, deflui da natureza especial do Conselho de Defesa e de suas atribuições constitucionais.

 

Se ao Ministério Público incumbe a defesa dos direitos da criança e do adolescente, consoante atribuições inscritas no art. 201, ECA, impõe-se atribuir-lhe amplas funções para desempenho de seus misteres. A própria lei menorista o dispõe:

 

“Art. 201.

Parágrafo 2º. As atribuições constantes deste artigo não excluem Outras, desde que compatíveis com a finalidade do Ministério Público.

 

E necessário, por fim, atentar para a especial função conferida ao Conselho de Defesa, consoante retro-exposto, adequando e harmonizando-o às funções estatais afins, propiciando verdadeira integração no trato infanto-juvenil, relegando ao passado a carga da omissão que propiciou a presente situação de abandono dos desvalidos infantis.

 

Por todo o exposto, manifesta-se esta Promotoria de Defesa da Infância e da Juventude pela constitucionalidade da participação de membros dos Poderes Legislativo e Judiciário, e Ministério Público, na composição dos Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

 

Guilherme Zanina Schelb

Promotor de Justiça

 

José Valdenor Queiroz Júnior

Promotor de Justiça

 

Carlos Augusto De Amorim Dutra

Promotor de Justiça

 

Selma L. Sauberbronn De Souza

Promotora da Justiça