PODER JUDICIÁRIO E REDE DE ATENDIMENTO
Desembargador
do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
1. Introdução
2.1. Direito do Menor: perplexidades
2.2. Direito da Criança e do Adolescente: um novo Direito
2.3. As novas tendências do Direito da Criança e do Adolescente
3. A Criança e o Adolescente em Conflito com a Lei
3.1. Generalidades
3.1.1. A Delinqüência Juvenil
4. O Sistema de Justiça da Infância e da Juventude
4.1. Histórico
4.2. Características
4.3. O Juiz
4.3.1. As Funções do Juiz
4.4. Medidas
4.4.1. Medidas de proteção
4.4.1.1. Colocação em Família Substituta
4.4.2. Medidas Sócio-educativas e o Mito da Inimputabilidade Penal
4.4.2.1. A Doutrina da Proteção Integral e o Novo Sistema de Justiça
4.4.2.2. Medidas Sócio-educativas
4.4.2.3. Remissão
4.4.2.4. Advertência
4.4.2.5. Reparação do Dano
4.4.2.6. Prestação de Serviços à Comunidade
4.4.2.7. Liberdade Assistida
4.4.2.8. Inserção em Regime de Semiliberdade
4.4.2.9. Internação
4.5. Os Procedimentos
4.5.1. Colocação em Família Substituta
4.5.2. Processo de apuração de infração penal
4.5.2.1. Generalidades
4.5.2.2. Privação da Liberdade
4.5.2.3. Apuração de Ato Infracional
4.5.2.4. O Controle Judicial da Execução das Medidas Sócio-educativas
4.6. Proteção Judicial dos interesses coletivos e difusos
4.7. Os Recursos
4.8. O Ministério Público
4.9. O Advogado
4.10. Serviços Auxiliares
5. Rede Administrativa de Atendimento
O presente trabalho objetiva expor
em linhas gerais o novo sistema preconizado a partir do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Uma nova Justiça e um novo Direito são apresentados com base na doutrina da “Proteção Integral”.
A explanação inclui crítica ao antigo modelo e à doutrina da “situação irregular”, enfatizando o papel de cada um dos integrantes do sistema: Juiz, Promotor, Advogado, Autoridade Policial e Técnicos.
Valoriza-se o
Juiz como figura central do processo que age dentro dos princípios da
legalidade estrita. Salienta-se
a importância do Ministério Público, defensor dos direitos indisponíveis, da
ordem jurídica, do “justo”, distinguindo-se as funções do Advogado como
indispensáveis à administração da justiça.
Cada personagem
com o seu papel. Nada de
eufemismos ou mitos capazes de desvirtuar institutos ou órgãos já consolidados
no Direito.
O Direito das Crianças e dos
Adolescentes, como os demais, está preso aos princípios, às normas, às regras
da ciência jurídica.
A Justiça da Infância e da Juventude, seus integrantes, o sistema, estão jungidos ao Direito Judiciário.
O processo surge como elemento de garantia e segurança da liberdade jurídica, dos direitos de crianças e adolescentes, cujo sistema de justiça, como os demais, busca a prevenção e a composição dos litígios.
2.1. Direito do Menor: perplexidades
Segundo os
defensores da doutrina Cavallieri, há que se limitar
o alcance do Direito do Menor[1]; o ramo não se ocupa
de toda a menoridade, mas dos menores de dezoito anos que se encontrem em
situação irregular, e, excepcionalmente, nos casos previstos em lei, entre 18 e
21 anos. Ora, não é
possível cogitar de um ramo do Direito cuja denominação não corresponda ao
conteúdo principal da matéria por ele tratada. Cuidando essa parte da ciência
jurídica apenas de uma parcela dos menores, daqueles que tenham menos de 18
anos e, assim mesmo, estejam numa situação de “patologia jurídico-social”,
definida legalmente, a crítica pode começar pela impropriedade da denominação.
Para ser adequado à denominação, o Direito do Menor teria de se dirigir a todos os menores de 21 anos e não apenas aos de 18 e, ainda assim, em “situação irregular”.
A nominação é
sempre pelo conteúdo, pela regra de incidência. Aqui se nominou pela exceção.
Cavallieri define Direito do Menor como “o conjunto de normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção”[2].
O Direito do Menor é comparado à
Medicina. Diz-se serem suas medidas terapêuticas. Há um diagnóstico que
identifica a “patologia social”.
O Juiz, à semelhança do médico, determina o tratamento, buscando no elenco do Código a medida terapêutica adequada.
O equívoco está em “diagnosticar” o menino, que é posto como mero objeto da intervenção estatal, quando, na realidade, se trata de sujeito ativo de direitos.
Entre as medidas ditas “terapêuticas”, o Juiz não encontrava uma única de apoio material ao jovem ou à família, restando, na maioria dos casos, a colocação em lar substituto ou internamento como os únicos viáveis.
Os pobres podiam perder o pátrio poder e os filhos, por indigência, serem colocados sob tutela do Estado ou em família substituta.
2.2. Direito da
criança e do adolescente: um novo direito
Com o surgimento da Carta
Política de 88 apareceu no país um novo direito, o Direito da Criança e do
Adolescente, evolução natural do chamado Direito do Menor. É que o artigo 227
reuniu e sintetizou os principais postulados da Doutrina da Proteção Integral
das Nações Unidas para a Infância.
O novo ramo, que tem como fontes materiais a denominada “questão do menor” e a “crise da justiça tutelar” (casos Gault e Miranda), lastreou suas fontes formais em declarações e tratados de direitos humanos, entre outros a Declaração de Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, a proposta de Convenção (Polônia de 1978 – hoje Convenção Internacional dos Direitos da Criança), as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil.
Em julho de
1990, o artigo 227 da Carta Política foi regulamentado pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente. Em 14 de
setembro de 1990, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança foi
aprovada (Decreto Legislativo nº 28). Tais fatos despertaram redobrado
interesse a respeito das fontes das novas disposições.
A mudança no
panorama legislativo foi radical. Passou-se da chamada Doutrina da Situação Irregular do Menor para a
Doutrina da Proteção Integral da Criança
e do Adolescente; a criança pobre deixou de freqüentar o sistema policial e
judiciário para ser encaminhada com os pais à instância político-administrativa
local, os Conselhos Tutelares; desapareceu a figura do Juiz de Menores, que
tratava da situação irregular do menor, para surgir o Juiz de Direito que julga
da situação irregular da família, da sociedade ou do Estado, podendo decidir,
inclusive, a respeito da eficácia de políticas públicas básicas, condenando o
Estado a propiciar medidas de apoio, auxílio e orientação à criança, ao
adolescente e à família.
A questão da delinqüência juvenil passou a ser encarada de forma realista e científica; apareceram as ações de pretensão sócio-educativas; a remissão; o direito ao contraditório e à ampla defesa; o julgamento; os princípios de presunção de inocência, da proporcionalidade, da legalidade, da fundamentação das decisões.
Muito mais adequado falar-se em Direito da Criança e do Adolescente, um novo ramo mais científico, mais jurídico, dirigido a todas as crianças e adolescentes, com denominação correspondente ao conteúdo da matéria por ele tratada.
A nova doutrina evoluiu “da situação irregular do menor” para a situação irregular da família, da sociedade e do Estado, preconizando novas medidas também para os responsáveis ativos da situação irregular.
“Irregular” é o
mesmo que “estar contra o que é regular”, conforme a regra. Estamos no campo semântico-jurídico. Aqui, as
expressões têm significado próprio.
Segundo De
Plácido e Silva[3] “irregular:
(contrário a regular) que sai da regra jurídica ou contravém à lei ou ao
regulamento. Equivalente a ilegal.”
Ora, a criança negligenciada
pelo Estado ou abandonada pelo pai jamais estará em situação irregular, isto é,
na ilegalidade. Na irregularidade incidirão o pai, a família ou o Estado.
2.3. As novas
tendências do direito da criança e do adolescente
Existe em todos os países,
qualquer que seja o modelo ou sistema adotado (“do devido processo legal”, do
“bem-estar” ou do “participativo”), uma forte tendência no sentido de melhorar
a posição do jovem quanto aos seus direitos processuais e materiais.
A inclinação é registrada por vários autores: Emilio Garcia Mendez[4], Tânia da Silva Pereira[5], Alenka Selih[6], Luiz Rodrigues Manzanera[7], Ubaldino Calvento Solari[8], Gilbert Armijo[9], Mary Beloff[10], Alessandro Baratta[11], Luigi Ferrajoli[12].
Crianças e jovens gozam todos os direitos fundamentais da pessoa humana e, além disso, têm direito à proteção integral.
“As características próprias dos
tribunais especializados são estabelecidas para a realização dos direitos da
criança e do adolescente, sem olvidar os direitos fundamentais garantidos na
Constituição”, como, por exemplo, o devido processo legal, “evitando-se dessa
forma que através do exercício de faculdades discricionárias e arbitrárias se
convertam em centros de poder ilimitado.” (Solari)
No Brasil, versando a matéria, Grünspun diz que “a posição paternalista não está resolvendo porque é autoritária e antijurídica.”[13].
Depois de analisar a questão
detalhadamente, o cientista faz interessante crítica:
“Criam-se então situações
antijurídicas, modificando o transitado em julgado, com sentenças novas que,
mesmo chamadas de medidas educativas ou de proteção, não mudam o aspecto do
fato na prática: injustiças para os menores infratores são mais freqüentes do
que as penas que, na maioria das vezes, são atenuadas para o adulto”.
“Bom comportamento de maiores nas prisões
pode abreviar o tempo para a liberdade de um adulto, mas o menor infrator, com
sentença de medida corretiva até à maioridade, pode ficar confinado por muitos
anos, sem mudanças por bom comportamento.
“A proposição é de igualar os
direitos, aceitar e compreender que existe crime infantil e juvenil, haver
defesas pela patologia que pode existir e indicar a medida correta.
“O que deve preocupar é o reconhecimento da
patologia da violência.”
O que importa é conter o sistema de justiça e de atendimento do infrator nos limites da estrita legalidade. Tais marcos existem para assegurar os direitos fundamentais e não para punir, como equivocadamente se manifestam alguns defensores do sistema ab-rogado.
3. A criança e o adolescente em conflito com a lei
O conceito de delinqüência juvenil tem sido alargado para abarcar comportamentos não tipificados nas leis penais, como acontecia, por exemplo, no país, com o ab-rogado Código de Menores, que sancionava o desvio de conduta. O menor em “situação irregular” podia ser privado de liberdade, em estabelecimento penitenciário, sem determinação de tempo e sem o devido processo legal, aí permanecendo, inclusive, depois de atingida a maioridade, só sendo liberado pelo Juiz das Execuções Penais. Confira-se arts. 2º, inciso V e 41, § 3º.
A moderna inclinação no sentido de restringir a delinqüência juvenil às infrações do Direito Penal foi seguida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que atendeu às Regras de Beijing.
O equívoco de incluir na delinqüência juvenil fatos penalmente indiferentes, tem conduzido a injustiças. As decisões tutelares, geralmente, resultavam em medidas mais severas para os menores, além de se revelarem completamente ineficazes na prevenção dos delitos e na recuperação de jovens.
Linguagem obscena, inadaptação social, familiar ou escolar, permanência nas ruas, afastamento da casa paterna e indisciplina, em algumas legislações correspondem, na prática, a respostas mais severas do que a adultos em casos análogos. Acresce serem tais comportamentos indiferentes às leis penais.
É clássico o caso Estado do Arizona x Gault em que o jovem, por palavreado obsceno, foi sentenciado a internamento (privação de liberdade) por até seis anos para ser “tratado”. O processo, submetido à Suprema Corte, resultou na constatação de que os Tribunais de Menores, ditos Tutelares, não reconheciam os direitos fundamentais.
O julgamento da Suprema Corte, marco importante na história do Direito do Menor, desmistificou o caráter tutelar de medidas punitivas, disfarçadas em protetivas.
Manzanera[14] critica a intervenção da justiça juvenil em casos paradelinqüenciais ou de desvio de conduta. Observa o jurista:
“Se discute el derecho de los tribunales de
menores a intervenir para evitar que menores predispuestos a la delincuencia se
conviertan en delincuentes, no sólo desde un punto de vista estrictamente
legal, sino también porque los servicios judiciales actuales no garantizan que
esa intervención produzca resultados satisfactorios. Se sabe, en efecto, que
aun en las comunidades más avanzadas los recursos disponibles son demasiado
limitados para asegurar el logro del objectivo perseguido”.
“La intervención
de los tribunales de
menores, en los casos de
menores necesitados de cuidado y protección,
pero que no han cometido ningún
delito, puede producir o
acentuar una reacción de resistencia
y hostilidad.”
O envolvimento da polícia
judiciária com crianças e jovens que não estejam em situações delinqüenciais
(crimes) é desaconselhável. Pode provocar reações de resistência e hostilidade,
predispondo à violência.
As causas da delinqüência juvenil e da crescente violência urbana, de longa data, vêm sendo ligadas à marginalização social. Embora existam outros fatores, a grande maioria dos atos delinqüenciais praticados por jovens tem origem nas situações particularmente difíceis em que se encontram.
O prefixo “sub” caracteriza suas vidas: subnutridos, vivendo do subsalário, na submoradia, no subemprego, pertencem a um submundo, impenetrável às políticas públicas, salvo a da segurança e, assim mesmo, de forma equivocada.
Sendo de sobrevivência e de ocasião a maioria das infrações praticadas por crianças e adolescentes, o que preocupa mais é a patologia da violência, como observou, com propriedade, Hain Grünspun[15].
O Estatuto, atento as Beijing Rules, determina a desjudicialização das hipóteses sem gravidade, preconizando medidas protetivas ou preventivas, independentemente de processo formal. Para reincidentes ou violentos, prevê ação de pretensão sócio-educativa. Os casos de reincidência, gravidade, violência, podem resultar em medidas mais severas, inclusive privação de liberdade, em flagrante ou provisória. Em qualquer hipótese, observados os direitos constitucionais.
O novo modelo consagra: prevenção primária, multissetorial, assegurando direitos fundamentais como saúde, educação, esporte, lazer, profissionalização, etc., inclusive através de ações civis públicas; prevenção secundária, pelos Conselhos Tutelares com medidas protetivas e assistência educativa à família; prevenção terciária, através de medidas sócio-educativas, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e privação de liberdade em estabelecimento educacional.
O desconhecimento dos princípios, das normas, das garantias processuais, principalmente a falta de estrutura para a aplicação correta de medidas sócio-educativas, muito contribui para a inexistência de uma adequada política de resposta à delinqüência juvenil.
Instituições impróprias, falta de pessoal qualificado e confinamento arbitrário podem ser apontados como política equivocada.
Enquanto não se qualificar as áreas policial, judicial e técnica; enquanto a sociedade não se conscientizar da importância da prevenção; enquanto os apelos e as soluções continuarem centradas na repressão, será muito difícil implementar uma política correta de resposta à delinqüência juvenil.
O fato é que crianças e jovens, às vezes, praticam ações anti-sociais graves, violentas. Nesse caso, impõe-se resposta, tratamento, medida sócio-educativa, como queiram. A verdade é que tal resposta deve variar conforme o fato e o agente, sempre limitada pela humanidade, pela ética e pelos princípios do Direito, de tal forma que o jovem não seja penalizado com mais rigor do que o adulto, muito menos, desnecessariamente.
A prevenção da delinqüência juvenil está ligada também ao relacionamento do sistema de justiça com o jovem acusado. Uma intervenção inadequada, violenta ou arbitrária, pode trazer sérias conseqüências. Do comentário à Regra 19, das Regras Mínimas da ONU, traduzidas por Maria Josefina Becker:
“A criminologia mais avançada
advoga o uso do tratamento não
institucional. As diferenças encontradas no grau de eficácia da
institucionalização em relação à não institucionalização são pequenas ou
inexistentes. É evidente que as muitas influências adversas que todo
estabelecimento institucional parece exercer inevitavelmente sobre o indivíduo,
não podem ser neutralizadas com um maior cuidado no tratamento. Isso ocorre principalmente
no caso dos menores, que são especialmente vulneráveis às influências
negativas. Além do mais, os efeitos negativos, não apenas da perda da
liberdade, mas também da separação do meio social habitual, são certamente mais
agudos em sua etapa inicial do desenvolvimento.
“A Regra 19 pretende restringir a
institucionalização em dois aspectos: em quantidade (‘último recurso’) e em
tempo (‘mais breve período possível’), a Regra 19 reflete um dos princípios
norteadores básicos da resolução 4 do 6º Congresso das Nações Unidas: um menor
infrator não deve ser encarcerado a não ser que não haja outra resposta
adequada. A regra, portanto, proclama o princípio de que, se o menor deve ser
institucionalizado, a perda da liberdade deve limitar-se ao menor grau
possível, com arranjos institucionais especiais para contenção e tendo em mente
as diferenças entre tipos de infratores, infrações e instituições.
Definidamente, os estabelecimentos ‘abertos’ aos ‘fechados’. Além do mais,
qualquer instalação deve ser do tipo correcional ou educativo e não
carcerária.”
A prevenção terciária requer
alternativas para a privação de liberdade como programas de liberdade
assistida, apoio e acompanhamento temporários, serviços à comunidade, etc (...)
4. O sistema de justiça
da infância e da juventude
Bulhões de Carvalho[16] lembra que a Justiça de Menores nasceu da Justiça Criminal, decorrência da reação humanitária contra a “prisão-educação”, que não passava de prisão.
“Surgiu, desde então, e desenvolveu-se a idéia de que se deveria atribuir a juízes especiais o encargo de submeter os menores infratores a medidas educativas, inteiramente alheias à pesquisa do discernimento e da aplicação de pena ou castigo”.
“Instituído em
Chicago pela Lei de 21 de junho de 1899, passou esse Tribunal Especial para a
Inglaterra em 1905, com a criação do Tribunal de Birmingham, seguido do Children Act, em 1908. Em 1911, foi adotado em Portugal
pela lei de proteção à infância, na Bélgica e na França, em 1912, na Espanha,
em 1918, e no Brasil, em 1921.”
Se a Justiça de Menores nasceu da indignação referida por Bulhões, citando o Juiz Magnaud, que se recusava a mandar jovens para as escolas de preparação de crimes e criminosos, a Justiça da Infância e da Juventude surgiu da luta contra o sistema equivocado da “carrocinha de menores” exposto por Rivera[17] durante o debate “Código/Estatuto”:
A “carrocinha de menores” decorria da aplicação do artigo 94 do Código, que determinava às autoridades administrativas o encaminhamento à autoridade judiciária dos menores em situação irregular.
Ora,
pelo artigo 2°, I, b, os meninos pobres, os meninos de rua, entre outros, eram
apreendidos pela polícia ou ronda do comissariado, sem que nada estivessem
fazendo além de exercitarem um direito fundamental de ir e vir, estar e
permanecer nos logradouros públicos e espaços comunitários. Nessa “apreensão” indiscriminada
misturavam-se meninos sem qualquer desvio de comportamento com adolescentes já
“contaminados” pela patologia da violência. O resultado era evidente: mais
destrutividade.
As Delegacias de Menores estavam “cheias” de meninos com pequenos furtos de sobrevivência, outros sem qualquer comportamento desviante, estes últimos, injustamente acusados de “vadiagem” ou “atitude suspeita” ou “perambulância”, todos “misturados”, inclusive com adolescentes envolvidos em infrações graves. Como no “Direito do Menor” não havia “acusação”, muito menos “idéia de punição”, aí permaneciam aguardando outro “encaminhamento”, tudo em nome “do superior interesse do menor”.
Essa
antijuridicidade fez com que grupos da sociedade civil se organizassem
iniciando campanha pela revogação do Código e dos princípios “autoritários e
simplistas” do Direito do Menor. O detalhe é importante para fixar o espírito do novo “Direito da
Criança e do Adolescente”, cuja fonte é o fenômeno social já referido.
De um Código que não mencionava direitos, evoluímos para um Estatuto de Direitos e Garantias; de um sistema autoritário, que controlava e penalizava a pobreza, passamos para outro, participativo e descentralizado.
O avanço foi extraordinário.
Vejo como importante assumir a
transparência em área onde sempre predominou a falácia da “tutela”, da
“proteção”, da “reeducação”, que, via de regra, resultava em respostas
injustas, simples controle social da pobreza.
É preciso reconhecer que em muitos casos, adolescentes, entrando em conflito com a lei, precisam ser conscientizados de sua responsabilidade social.
Destaco a
importância do sistema, que é misto. Garantia de direitos com a correspondente responsabilidade juvenil,
que ouso denominar “penal juvenil”.
É imprescindível assumir que o
novo modelo não oculta a delinqüência dos jovens; tem sustentação científica,
afasta-se dos eufemismos; não subtrai conflitos; é pedagógico e proclama a
dignidade do jovem como pessoa responsável.
O antigo sistema “protetor” penalizava “o menor com desvio de conduta em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária” com a chamada “terapia do internamento”, que não passava de medida de segurança detentiva, para hipóteses não deliqüenciais.
Ao tempo em que prestigiava a “periculosidade” (desvio de conduta), o sistema “tutelar” exorcizava a responsabilidade juvenil.
Através de simples jogo de palavras, pretendia afastar a conotação penal das medidas “protetoras”, na verdade penas indeterminadas, sanções disfarçadas, geralmente mais gravosas do que as do Direito Penal dos adultos.
A nova doutrina do Estatuto deixa claro o caráter responsabilizante das medidas sócio-educativas, caracterizadas pela predominância da proposta pedagógica, que não oculta a existência do conflito; do dano; da necessidade da reparação e da imprescindível resposta, adequada e justa, à delinqüência juvenil.
Não é admitindo o caráter retributivo da resposta que retiraremos das medidas sócio-educativas o conteúdo predominantemente humanitário e pedagógico, reconhecido como ínsito até nas penas criminais.
A responsabilidade estatutária
penal juvenil, com os consectários da legalidade (nulla poena sine lege); da proporcionalidade (individualização da
medida); da prévia mediação com a vítima, nada afeta os direitos do
adolescente. Ao contrário, surge como imprescíndivel ao reconhecimento da
dignidade do jovem, pessoa capaz de assumir responsabilidades sociais e legais,
e que, inclusive, goza do direito à remissão/transação, incorporada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Na chamada delinqüência juvenil, optamos pelo sistema judicial, portanto de legalidade estrita.
As questões da resposta à infração penal (atos infracionais), atribuídos a jovens inimputáveis penalmente, se submetem aos princípios, às normas do Direito da Criança e do Adolescente, do Direito Penal e da Criminologia.
A resposta será tanto mais adequada quanto optar pela remissão (conciliação com a vítima); pela reparação do dano, sem que o Estado se aproprie do conflito, que pertence aos envolvidos.
A nova postura é claramente pelas alternativas ao internamento, como a liberdade assistida, serviços à comunidade, adolescentes que não têm família, etc (...)
Ao reconhecermos
a existência do delito juvenil, da respectiva responsabilidade e que o sistema
é de Justiça Especializada (diferente da Justiça Penal Comum), estaremos agindo
de maneira correta, dentro dos princípios preconizados pelo direito
ciência e pelo direito norma, garantindo o jovem e a sociedade. Além disso, estaremos
preservando os adolescentes dos resultados negativos das respostas meramente
repressivas, decorrentes do possível rebaixamento da idade da imputabilidade
penal ou da “proteção” do Sistema Tutetar, que não passava da odiosa e
discriminatória opressão, sempre lançada sobre jovens das classes menos
favorecidas.
O novo sistema participativo, descentralizado, confere a crianças e jovens o status de sujeitos de direito; a cidadania, portanto, direitos e deveres.
No que tange aos
direitos, cabe ao Executivo, ao Judiciário e à Rede de Atendimento, garantir a
eficácia das políticas sociais básicas e da política de assistência social. Esforço que encontra no Estatuto
os necessários instrumentos, como, por exemplo, as ações civis públicas.
No que tange aos adolescentes em conflito com a Lei Penal (ECA – art. 103), cabe-nos garantir a eficácia das medidas sócio-educativas, principalmente, as alternativas à privação de liberdade e à assistência educativa à família.
Há que implementar programas de prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; assistência educativa.
Programas bem estruturados pedagogicamente, cujo custo, pela simplicidade do projeto, seja acessível ao mais pobre dos municípios brasileiros.
Há em nossas comunidades, em nossos Estados e em nosso País, instrumentos e recursos capazes de garantir direitos e deveres de crianças e jovens.
Basta vontade política.
Será a Justiça da Infância e da Juventude um sistema de justiça parcial? A especialização do Juiz, do Promotor de Justiça, do Advogado e dos demais integrantes do sistema não torna a justiça “parcial”, como queriam Wilson Barreira e Paulo Brazil[18].
O sistema, como a legislação correspondente, é garantista e responsabilizante.
A interpretação mais favorável aos interesses da criança e do adolescente obedece a princípios da orientação zetética preconizada pela hermenêutica jurídica.
Estudos de casos, diagnósticos, prognósticos; defesas, pareceres, sentenças e acórdãos freqüentemente exsurgem fundamentados apenas no “melhor interesse da criança”, critério simplista e autoritário, porquanto subjetivo.
Esse mito do “melhor interesse”, geralmente arbitrário, tem conduzido às maiores injustiças, separando crianças e pais, quebrando raízes afetivas e biológicas.
A pretexto de garantir “um futuro melhor”, crianças e jovens são separados dos pais, perdendo vínculos afetivos, sem que suas opiniões e anseios sejam devidamente considerados.
Nas separações e divórcios, pais e mães partilham bens e filhos sem que crianças e adolescentes se manifestem, decidindo Advogados, Promotores e Juízes, ao arrepio da opinião dos mais atingidos pelo drama familiar.
É dito que as decisões levam em conta o “melhor interesse”, mas, geralmente, os pronunciamentos não esclarecem em que o pressuposto se baseou, faltando, na maioria das vezes, análise dos aspectos psicológicos e fáticos.
Decisões se executam e se exaurem sem acompanhamento e avaliação das conseqüências.
O suprimento da incapacidade, na maior parte dos casos, não passa de falácia, que precisa ser desmascarada: os atores do processo deverão assumir que “o melhor interesse”, não deve ser a “justificativa”, simplista e autoritária, do “adulto” para decidir do destino do “menor”.
Laudos, pareceres, sentenças, não devem se basear em tão singelo e arbitrário princípio, que nem sempre coincide com as expectativas e direitos fundamentais (liberdade, intimidade, opinião) de crianças e jovens.
Outras falácias podem ser encontradas quando se proclama o aspecto Tutelar da Justiça e a inimputabilidade penal. Estas contribuem para o exacerbamento do preconceito relativamente aos “menores”, apontados como irresponsáveis.
Uma justiça que obriga a reparar o dano, prestar serviço à comunidade, que priva o adolescente do bem jurídico mais importante depois da vida, a liberdade, não pode ser considerada exclusivamente tutelar do “melhor interesse” do jovem.
Ao “internar” o adolescente, privando-o da liberdade, a justiça também tutela o interesse social da segurança pública e da prevenção e repressão da delinqüência.
No sistema, apontado como tutelar, o jovem, além de estigmatizado como irresponsável, inimputável penalmente, é “punido” com restrições severas que, inclusive, implicam na perda da liberdade.
Tal falácia (Inimputabilidade = Proteção) não resiste a qualquer análise crítica.
Quanto à reeducação e ressocialização de “jovens infratores”, tais mitos e suas nefastas conseqüências são por demais conhecidos, dispensando qualquer argumento. A matéria é cediça. Basta a referência.
As “medidas protetivas”, implicando a separação da criança da família ou do grupo afetivo, em muitos casos, resultam na institucionalização, cujos males são por demais conhecidos.
As “medidas sócio-educativas”, na realidade, penas criminais disfarçadas, impostas com base em “princípios” e “paradigmas dos adultos”, são bastante questionáveis.
A comunidade jurídica e o sistema de justiça, para serem coerentes, têm de admitir a existência do crime juvenil e da necessidade da resposta justa e adequada, abandonando mitos, eufemismos e falácias, próprios do antigo e autoritário Direito do Menor.
A Carta Política de 88, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, não podem continuar a serem interpretados e aplicados com base na antiga “Doutrina da Situação Irregular”. É dela que advém tais vieses, com equívocos e injustiças.
A partir do Estatuto implantou-se um novo modelo jurídico, garantista e responsabilizante.
O adolescente, embora penalmente inimputável, passou a ter responsabilidade juvenil (que denomino responsabilidade penal-juvenil ou sócio-educativa).
Como as demais pessoas, os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais e sociais. Em contrapartida, respondem pelos seus atos frente à justiça, se submetendo a respostas predominantemente educativas, mas cujo caráter retributivo tem de ser reconhecido.
A liturgia do julgamento é pedagógica. A resposta também.
O Estado, mesmo à guisa de proteger, não pode se apropriar do “conflito”, que pertence ao jovem e que tem de ser composto, com a participação dele e da vítima.
Crianças e jovens precisam ser conscientizados de que, se o sistema, de um lado garante os seus direitos, de outro, estabelece responsabilidades.
É preciso que a criança, desde cedo, se conscientize da dignidade de ser responsável.
Os atores do sistema têm de se conscientizar das mudanças surgidas com a nova Doutrina da Proteção Integral que inspirou o Estatuto e que o modelo, além de garantista, é responsabilizante.
A criança e o adolescente não podem ser encarados como meros objetos de proteção, “menores”, “incapazes”, mas como verdadeiros “sujeitos de direito”.
A grande violência que ainda se comete contra eles é a interpretação do Estatuto a partir dos princípios da chamada “Doutrina da Situação Irregular”, no qual, pela “patologia social”, juízes aplicavam “medidas terapêuticas” baseadas na “regra de ouro” do Direito do Menor, o “melhor interesse” – mito conveniente que legitimou arbítrio e freqüentes injustiças.
O descumprimento por parte da família, ou do Estado, do direito objetivo (normas estatutárias da proteção integral) cria para a criança ou adolescente o direito subjetivo de invocar a aplicação coercitiva da norma, o que só pode ser feito jurisdicionalmente. Isto não quer dizer que a jurisdição, por ser também tutelar, deixe de ser jurisdição. É especializada, mas é jurisdição. Participa da “justiça ordinária”.
O Juiz da Infância e da Juventude é o Juiz de Direito que exerce essa função na forma da lei de organização judiciária local.
Compete à União legislar sobre processo (Carta 88, art. 22, I), cabendo aos Estados dispor sobre organização judiciária (art. l25, § 1º).
O Direito Processual regulamenta o exercício da jurisdição (o poder de julgar) que vem instituído na Constituição.
Em que pese à zona cinzenta, é possível distinguir Direito Processual e Organização Judiciária.
A União estabelece normas processuais, disciplinando a forma de desenvolvimento da prestação jurisdicional. O Estado organiza sistema de justiça, criando tribunais, juízes e serviços auxiliares.
A organização judiciária é sempre dependente, subordinada, regulamentadora dos órgãos necessários à prestação jurisdicional.
O Estatuto regulamenta a proteção integral preconizada no artigo 227 da Carta Republicana, explicitando os direitos de crianças e adolescentes e a forma da realização coercitiva desses direitos por meio do processo judiciário (competência da União).
O Juiz da Infância e da Juventude deverá ser especializado, necessidade reconhecida unanimemente. D’Antônio afirma ser tão prejudicial o sistema que submete o menor a um Juizado leigo como aquele que concede jurisdição a magistrados sem especialização[19]. Solari[20] defende a necessidade, lembrando que isto já acontece com o Direito Administrativo e com o Direito do Trabalho. Bulhões de Carvalho[21] sustenta que a especificidade da jurisdição exige formação especializada.
O comentário às “Regras de Beijing”, tratando do profissionalismo, enfatiza a imperiosa necessidade de formação mínima em direito, sociologia, psicologia, criminologia e ciências do comportamento, dizendo ser esta questão tão importante como a especialização organizacional e a independência da autoridade competente.
O processo visa à realização da justiça. As funções do Juiz são processuais.
O Juiz é juiz no processo. O fenômeno se repete na Justiça da Infância e da Juventude onde há processo simplificado, célere, mas processo, mesmo na jurisdição voluntária.
Tratando-se de ato infracional, o Magistrado observará o disposto no art. 381 do CPP.
O Estatuto é
claro:
“A
autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na
sentença: estar provada a inexistência do fato; não haver prova da existência
do fato; não constituir o fato ato infracional; não
existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional”
(art. 189).
A aplicação da medida sócio-educativa pressupõe a existência de prova da autoria e da materialidade do ato (art. 114).
Na jurisdição voluntária, cabe ao Juiz disciplinar através de portaria ou autorizar mediante alvará a entrada de criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsáveis em diversão pública. A competência não inclui poder normativo de caráter geral.
O antigo poder normativo foi extinto. O Estatuto, na matéria, foi mais jurídico.
Não é próprio do Poder Judiciário ditar normas de caráter geral, mas decidir, em caso concreto, a aplicação do direito objetivo.
Juiz não é legislador, não elabora normas de comportamento social. Julga os comportamentos frente às regras de conduta da vida social. Essas geralmente decorrem do processo legislativo reservado pela Constituição a outra órbita.
Entende-se, genericamente, por medidas de proteção as decorrentes do Estatuto, aplicadas no interesse da criança e do adolescente, mesmo que aos pais, responsáveis ou terceiros.
A penalização ao médico que deixa de identificar corretamente o neonato e o encaminhamento do pai ou responsável a programa de auxílio e promoção à família são exemplos de medidas genéricas de proteção.
As medidas específicas, dirigidas exclusivamente à criança e ao adolescente, vêm no capítulo II do título II do Estatuto e são as seguintes:
“Encaminhamento aos pais ou
responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e
acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em
estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário
ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de
tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou
ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,
orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade;
colocação em família substituta.”
Tais medidas não podem ser aplicadas sem que se observe o respectivo processo. Só há intervenção judicial por meio da jurisdição voluntária ou contenciosa.
Não havendo conflito instalado ou conflito a prevenir, não há atuação jurisdicional.
Se a criança, o adolescente, os pais ou responsáveis aceitam a proteção da assistência social, se não há resistência ao cumprimento dos deveres pela família, sociedade ou Estado, mas exercício do pátrio poder, a questão não é judicial, litigiosa; é de assistência e a medida de proteção cabe à autoridade administrativa, o Conselho Tutelar. Vide arts. 131 a 137 do Estatuto.
4.4.1.1. Colocação
em família substituta
A crítica ao ab-rogado Código residia na falta de menção aos direitos da criança e do adolescente e na ausência de medidas de apoio à família. A lacuna foi suprida.
Tínhamos um código de controle social da pobreza, agora temos uma lei tutelar.
Via de regra, a privação de direitos, os conflitos do pátrio poder decorrem da pobreza, da indigência. Em muitos casos a proteção à criança e ao adolescente só será proteção se envolver auxílio material, inclusive à família.
Pelo
Estatuto, colocação em família substituta só se realizará sendo inviável a
manutenção da criança na família de origem. Tenha-se presente o disposto no
art. 23 e no parágrafo único: “A falta ou
a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda
ou suspensão do pátrio poder.”
Não existindo outro motivo que, por si só, autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, o qual deverá obrigatoriamente ser incluído em programas oficiais de auxílio.
Inovação importante vem no § 1º do art. 28: “Sempre que possível, a criança ou o adolescente deverá ser previamente ouvido e sua opinião devidamente considerada.”
Adolescentes e até crianças, em muito casos, revelam maior maturidade do que adultos, principalmente quando ocorrem conflitos familiares.
Grünspun[22] explica:
“O desafio é sobre a presunção
tradicional sobre a incompetência do menor”.
Segundo Eppel (34), a maturidade intelectual e moral de um adolescente de 14 anos de idade é semelhante à do adulto. Schetki e Benedek (91) ainda reduzem a idade, mostrando que crianças de 9 anos de idade podem não compreender informações precisas sobre uma doença, mas fazem decisões na escolha dos tratamentos propostos iguais às dos adultos.
“O argumento é de que a idade da
competência é variável e depende, além do menor, dos procedimentos usados.”
A postura que considera a criança e o adolescente sujeitos de direitos implica necessariamente no reconhecimento ao direito de opinião e expressão (art. 16, I).
O Juiz, sempre que possível, ouvirá a criança e o adolescente, levando em consideração o grau de desenvolvimento da personalidade, o controle sobre as reações instintivas e passionais e o desenvolvimento emocional e intelectual.
O artigo 12 da Convenção sobre os direitos da criança garante “o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre questões que lhe respeitam, assegurada a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos”.
No que tange à adoção, as mudanças são radicais. O adotado rompe os laços com a família biológica, sendo a adoção irrevogável, reduz-se a idade dos adotantes para 21 anos; proíbe-se a adoção de descendentes e irmãos; exige-se o consentimento do adotado maior de 12 anos e permite-se a adoção pelos concubinos.
A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção (art. 31).
Mazzilli[23], com propriedade, insiste em que a adoção deve ser facilitada:
“Bem se vê que a
própria evolução do Instituto e a tendência liberalizante da jurisprudência são
uma mostra de como se deve interpretar a matéria: sempre num sentido mais
flexível, para aprimorar a adoção, que até aqui não tem sido mais amplamente
usada, porque ainda poderia e deveria ser mais simplificada. Nem se diga que as
conquistas do filho adotado reverteriam em prejuízo aos legítimos (na parte
sucessória, p. ex.), ou em equiparação cada vez maior entre adoção simples e
plena (a figura dos avós adotivos, p. ex.). Igualmente, não podemos admitir
posições simplistas como a do Código Civil de 1916, que no seu artigo 358
fechou os olhos para a realidade, vedando o reconhecimento dos filhos
incestuosos ou adulterinos, como se com isso eles deixassem de existir ou de
serem procriados, e protegida ficasse a família! Como se incestuosos e adulterinos
fossem os filhos e não os seus pais! A se prestigiar o formalismo em tal
matéria, o que se continuará a ver será infelizmente o estiolamento do instituto da adoção,
mantendo-se o atual estado de coisas: poucas adoções; muitos registros de nascimento
atribuindo filiação falsa; muitos menores abandonados; muitas guardas de fato,
de pessoas que não querem, nem podem se sujeitar às inúmeras exigências para
obterem uma correta adoção, que faça o menor, que já têm como filho, realmente
integrado e amparado na sua família”.
4.4.2. Medidas
sócio-educativas e o mito da inimputabilidade penal
É cediço que o Estatuto da Criança e do Adolescente trasladou as garantias do Direito Penal, propiciando como resposta à delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas predominantemente pedagógicas.
Não defendo a carcerização do sistema sócio-educativo. Muito menos medidas meramente retributivas. Ao contrário, ao invocar o Direito Penal, preconizo a humanização das respostas, as alternativas à privação de liberdade, a descriminalização e a despenalização – o Direito Penal Mínimo.
O que procuro desmascarar são as posições “paternalistas” do sistema de penas disfarçadas, impostas com severidade e sem os limites do Direito Penal, em muitos casos mais rigorosas do que, em iguais circunstâncias, seriam fixadas pela Justiça Criminal.
Sem embargo do aspecto predominantemente pedagógico das medidas sócio-educativas, insisto na necessidade de tornar efetivos os limites e as garantias do Direito Penal.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não cabe persistir reproduzindo vieses, equívocos, mitos e falácias do antigo modelo, onde a “proteção” não passava de odiosa “opressão”, onde o sistema “educacional” e “protetivo”, na prática, reproduzia o sistema carcerário dos adultos.
Uma das grandes preocupações dos militantes da defesa dos direitos humanos de adolescentes submetidos às medidas sócio-educativas tem sido a falta de critérios objetivos capazes de conter o arbítrio do Estado, haja vista a existência de muitos casos de privação de liberdade em hipóteses sem gravidade.
O fenômeno, confirmado através de levantamento do Grupo de Trabalho do Ministério da Justiça, deve-se à interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente com base nos princípios da chamada “Doutrina da Situação Irregular”.
A Lei nº 8.069/90, que teve como fontes formais os Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, introduziu no país os princípios garantistas do chamado Direito Penal Juvenil. Reconheceu o caráter sancionatório das medidas sócio-educativas, sem embargo de enfatizar o seu aspecto predominantemente pedagógico. Também que, tendo traço penal, só podem ser aplicadas excepcionalmente e dentro da estrita legalidade, pelo menor espaço de tempo possível.
Esta postura, além de ser útil aos jovens e à sociedade, traslada para o âmbito da Justiça da Juventude as garantias do Direito Penal, aceitando como resposta à delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas predominantemente pedagógicas, afastando o estigma e os males do sistema carcerário dos adultos.
4.4.2.1. A doutrina da proteção integral
e o novo sistema de justiça
A nova Doutrina Jurídica da Proteção Integral preconiza que crianças e adolescentes são sujeitos especiais de direito. Gozam de todos os direitos fundamentais e sociais, principalmente de proteção, decorrência de se encontrarem em fase de desenvolvimento.
Recomenda a Doutrina das Nações Unidas que na ordem jurídica interna de cada país existam normas legais capazes de garantir todos os direitos: vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização, proteção no trabalho, etc (...)
Para tornar efetivos os direitos individuais, difusos ou coletivos, principalmente à saúde, à educação, à recreação, à profissionalização, à integração sócio-familiar, inclusive contra o Estado, as novas legislações baseadas na Doutrina da Proteção Integral vêm introduzindo modernas ações judiciais, por exemplo: ações civis públicas.
De outro lado, a doutrina da ONU deixa claro que a educação para cidadania exige que o adolescente se conscientize de sua responsabilidade social, tendo o direito de ser julgado por autoridade imparcial e independente, num devido processo, sempre que acusado de conduta penalmente reprovada.
A superação de vieses (“situação irregular do menor”), mitos (tutela e superior interesse), eufemismos (medidas protetivas) e falácias (reeducação, ressocialização) exige normas legais adaptadas substancialmente aos Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, principalmente a Convenção e as Regras Mínimas de Beijing.
Segundo o Assessor Regional do Unicef para América Latina e Caribe, Emilio Garcia Mendez, essa adaptação só será completa e efetiva quando expurgar dos sistemas judiciário e administrativo interpretações e práticas próprias da antiga “Doutrina da Situação Irregular”, onde havia enorme confusão de papéis.
O Juiz não julgava o “menor”, “definia a situação irregular”, aplicando “medidas terapêuticas”.
O Ministério Público, inclusive quando pleiteava “internação” como resposta pela prática de atos delinqüenciais, rotulados de “desvios de conduta”, de atos anti-sociais, etc., estava “defendendo o menor”.
A defesa e o superior interesse justificavam tudo. Serviam para tudo, inclusive para limitar e, até, impedir a participação do Advogado, figura praticamente desconhecida no “Direito do Menor”. No nosso Código, chamado procurador, era constituído por familiares, não pelo “menor”.
Para estar conforme a Doutrina da Proteção Integral, o Sistema de Justiça precisa banir o “modelo tutelar”, que propiciava decisões simplistas e autoritárias, onde operadores, abandonando princípios garantistas do Direito, baseavam-se fundamentalmente num suposto “superior interesse do menor”.
O novo sistema se contém nos limites do Estado Democrático de Direito, onde as decisões judiciais, para terem validade, carecem do pressuposto da fundamentação, onde os operadores têm papéis definidos, Juiz é o experto em Direito que julga de acordo com a Hermenêutica Jurídica; o Ministério Público, o titular das ações de pretensão sócio-educativa e das ações necessárias à defesa dos interesses da sociedade e dos incapazes; o fiscal do fiel cumprimento das leis; o Advogado, o representante dos interesses da criança e do adolescente, defensor de direitos, atua, como os demais, no devido processo legal.
Os técnicos, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, médicos são peritos que produzem prova necessária à convicção do Juiz, que não pode ser arbitrário, mas deve se fundar, como na Justiça Comum, em elementos contidos no processo.
Não se cogita, na nova Justiça da Infância e da Juventude, das decisões sem fundamentação ou das providências extraprocessuais.
Princípios, normas e cautelas secularmente consolidadas como indispensáveis à segurança dos direitos têm de estar presentes para validade e legitimidade de decisões e sentenças.
Processo de conhecimento, processo cautelar, processo de execução e recursos surgem no novo Direito como indissociáveis da prestação jurisdicional.
Na chamada delinqüência juvenil, a nova posição é realista e científica. Reconhece que jovens penalmente inimputáveis, cometendo crimes, por eles devem ser responsabilizados, o que resulta pedagógico e corresponde à necessidade do controle social.
Não mais se tolera privações de liberdade, mesmo eufemisticamente rotuladas de internações, sem os pressupostos da estrita legalidade, do juízo natural e da observância do devido processo.
4.4.2.2. Medidas
sócio-educativas
O Estatuto, responsabilizante e garantista, muito acertadamente, distinguiu as hipóteses da conduta reprovada penalmente, da privação de direitos e das medidas de proteção.
Não se olvide o intérprete: As medidas sócio-educativas, em que pese o caráter predominantemente pedagógico, são impostas e implicando restrições, inclusive em privação de liberdade, têm inescondível caráter penal. Só podem ser fixadas dentro dos princípios da estrita legalidade e da proporcionalidade.
O infrator pode receber qualquer das medidas específicas de proteção (art. 112, VII), mas o abandonado negligenciado, vítima, será sempre alvo de medidas específicas de proteção, jamais se sujeitando a qualquer medida sócio-educativa.
As crianças menores de 12 anos, envolvidas em atos infracionais, não se sujeitam às mesmas medidas impostas aos adolescentes. Vide art. 105.
Quando uma criança pratica uma conduta típica prevista na legislação penal, o caso é exclusivamente de educação ou saúde. A hipótese impõe, pela sua peculiaridade, tratamento educacional exclusivo, ou pertence à psicologia, à psiquiatria, ou a outra área da saúde.
O Estatuto, nos casos de infrações penais cometidas por adolescentes, preconiza medidas de proteção; advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional.
As necessidades pedagógicas e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários devem ser levados em conta na escolha da medida aplicável.
A imposição de medida sócio-educativa pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade, salvo a hipótese de remissão, que não incluirá o internamento e o regime de semiliberdade. Confiram-se os arts. 112, § 1º, 114 e 127.
Na remissão, se a conduta infracional teve origem na pobreza, pode ser aplicada a advertência e o encaminhamento ao Conselho Tutelar para inclusão do adolescente em programa oficial ou comunitário de auxílio. Nesse caso, bastam prova da materialidade e indícios suficientes da autoria. Vide art. 114.
Vale transcrever
o comentário traduzido por Maria Josefina Becker:
“A remissão, que envolve a
supressão do procedimento ante a justiça e, com freqüência, o encaminhamento a
serviços apoiados pela comunidade, é praticada habitualmente em muitos sistemas
jurídicos, oficial ou oficiosamente. Essa prática
serve para atenuar os efeitos negativos da continuação do procedimento na
administração da justiça de menores (por exemplo, o estigma da sentença). Em
muitos casos, a não-intervenção seria a melhor resposta. Por isso, a remissão
desde o início e sem formalização a serviços alternativos (sociais) pode
constituir a resposta ótima. Este é especialmente o caso, quando a infração não
tem um caráter grave e quando a família, a escola ou outras instituições de
controle social não institucional já tiverem reagido de forma adequada e
construtiva ou seja provável que venham a reagir desse modo”.
Como se prevê na Regra 11.2, a remissão pode ser utilizada em qualquer momento do processo de tomada de decisões – pela polícia, ministério público ou outros órgãos como juizados, juntas ou conselhos. Podem se utilizar de remissão uma, várias ou todas autoridades, de acordo com as regras e normas dos respectivos sistemas e em consonância com as presentes regras. Não precisa necessariamente limitar-se a casos menores, tornando-se, assim, a remissão um instrumento importante.
“A Regra 11.3
salienta o requisito primordial de assegurar o consentimento do menor infrator
(ou de seus pais ou tutores) quanto às medidas de remissão recomendadas. (A
remissão que consistir na prestação de serviços à comunidade sem tal
consentimento constituiria uma infração à Convenção relativa à abolição do
trabalho forçado). Não obstante, é necessário que a validade do consentimento
possa ser objeto de impugnação, pois algumas vezes o menor poderia concordar
por puro desespero”.
“A
regra sublinha que devem ser tomadas precauções para diminuir ao mínimo a
possibilidade de coerção e intimidação de todos os níveis do processo de
remissão. Os menores não deverão sentir-se pressionados (por exemplo, para
evitar o comparecimento ao juizado) nem induzidos a aceitar os programas de
remissão. Por isso, preconiza-se que se faça uma avaliação objetiva da
conveniência da intervenção de uma ‘autoridade competente, se assim for
solicitado” (a ‘autoridade competente’ pode ser diferente da mencionada na
Regra 14).
“A Regra 11.4
recomenda que se prevejam alternativas viáveis ao processo perante a justiça na
forma de uma remissão baseada na comunidade. Recomenda-se
especialmente os programas que incluam a indenização da vítima e os que
procurem evitar futuras transgressões da lei mediante a supervisão e orientação
temporárias. As características dos casos particulares determinarão o caráter
adequado da remissão, mesmo quando tenham sido cometidos delitos mais graves
(por exemplo, a primeira infração, o fato de ter sido praticada sob pressão de
companheiro, etc.).”
Se houver sentença e nada se apurar da participação do
adolescente, mas surgir como necessário o apoio e o auxílio, inclusive à
família, nada obsta o encaminhamento do caso ao Conselho Tutelar.
O Conselho não é órgão jurisdicional, mas de assistência e, assim, providenciará o necessário para garantir os direitos do adolescente.
Medida sócio-educativa importantíssima, cuja eficácia depende de redobradas cautelas. Isto para não estigmatizar o adolescente com uma sanção injusta.
Na lição de Carlos Tiffer[24]:
“amonestación y advertencia”
“Esta sanción es de ejecución instantánea y
tiene como objetivo llamar la atención del adolescente exhortándolo a que, em
lo sucesivo, se acoja a las normas de conducta que exige la convivencia social.
La amonestación versará sobre la conducta delictiva realizada y se advertirá al
joven que debe procurar llevar una vida sin la comisión de delitos.”
Tenha-se presente: a advertência só pode ser imposta em caso de estrita necessidade.
A liturgia do ato, que deve ser presidido pelo juiz, presentes o representante do Ministério Público, os pais ou responsáveis, consistirá em admoestação verbal, reduzida a termo e assinada.
Miguel Moacir Alves de Lima[25] explica:
“Aparentemente inofensiva, a
‘advertência’, como qualquer outra efetivação desse poder social, que se
manifesta de forma difusa, não deixa de ser uma forma sutil e eficaz de
inserção, exclusão, reinserção, reexclusão,
e, portanto, também de externação de preconceitos,
discriminações e constrangimento, nem sempre legítimo, dos indivíduos em face
dos pontos de vista do sistema social dominante (visão do mundo, crenças,
valores, condutas ‘socialmente úteis’ etc.). A despeito disso, via de regra, os
discursos disciplinares encaram a advertência como algo banal, singelo. Na
análise e aplicação do art. 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente devemos
nos prevenir contra esse simplismo hermenêutico, que, além de constituir
temerário exercício de abstração, bem ao gosto da Dogmática da forma (a Dogmática da forma caracteriza-se por considerar o Direito como
um mundo de puras normas racionais, lógico-abstratas, isto é, desconectadas dos
conteúdos sócio-econômicos da realidade social de que emergem),
pode propiciar a banalização da práxis jurídico-administrativa do Estatuto no
que concerne à primeira experiência ou aos contatos de menor gravidade do
adolescente que comete um ato infracional com as
instituições e os agentes incumbidos do atendimento especializado a que ele tem
direito. Essa simplificação ou banalização da advertência e de seus efeitos
será um equívoco tanto mais grave quanto mais frágil e sensível for a estrutura psicológica e quanto mais problemática for a
situação vivenciada pelo adolescente. Episódio ocorrido há pouco tempo com um
aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro pode ser um referencial ilustrativo
destas observações. Referimo-nos ao caso do estudante que se suicidou por não
suportar os efeitos morais (psicológicos) de uma punição disciplinar de
‘somenos importância’ – a suspensão de freqüência às aulas por um curto período
– e a vergonha de lhe ter sido atribuída a prática,
tão comum, da ‘cola escolar’. Nesse episódio, a subestimação do potencial
repressivo e estigmatizador de uma ‘singela punição’
na pessoa do indisciplinado, socorrida pelo discurso de legitimação da ordem
lesada, conduziu a conseqüências irreparáveis. O exemplo relatado pode ser
raro, mas não deve ser esquecido.”
A reparação do dano é materializada através de restituição ou ressarcimento. Havendo restituição da coisa lavra-se termo de entrega.
Mário Volpi[26] explica:
“A reparação do dano se faz a
partir da restituição do bem, do ressarcimento e/ou compensação da vítima.
Caracteriza-se como uma medida coercitiva e educativa, levando o adolescente a
reconhecer o erro e repará-lo. A responsabilidade pela reparação do dano é do
adolescente, sendo intransferível e personalíssima. Para os casos em que houver
necessidade, recomenda-se a aplicação conjunta de medidas de proteção (artigo
101 do ECA). Havendo manifesta impossibilidade de
aplicação, a medida poderá ser substituída por outra mais adequada.“
Não sendo possível a devolução, proceder-se-á de comum acordo entre o sentenciado e a vítima à substituição por bem de valor equivalente ou dinheiro, preferentemente de recursos do próprio adolescente, ou dos seus pais ou responsável, mediante concordância dos mesmos.
Medida interessante, deverá ser precedida da indispensável mediação com a vítima.
Embora o Estatuto possibilite a imposição da medida, o caráter pedagógico recomenda cautela. A hipótese deve ser relegada aos casos de manifesta possibilidade de reparação.
4.4.2.6. Prestação
de serviços à comunidade
É de se trazer à colação o escólio de Mário Volpi[27]:
“Prestar serviços à comunidade
constitui uma medida com forte apelo comunitário e educativo tanto para o jovem
infrator quanto para a comunidade, que por sua vez poderá responsabilizar-se
pelo desenvolvimento integral desse adolescente. Para o jovem é oportunizada a experiência da vida comunitária, de valores sociais
e compromisso social.”
Importante: a medida não pode ser imposta. Não corresponde à prestação de trabalhos forçados, o que seria iníquo e, há muito, ausente das legislações dos países civilizados.
O consentimento é fundamental, como a escolha do tipo de serviço e da entidade onde o adolescente atuará.
As tarefas terão em conta a idade, as condições do adolescente e o caráter pedagógico.
Imprescindíveis a presença de orientador, de preferência pedagogo e o acompanhamento de equipe técnica.
O serviço visará a conscientização do adolescente e o fortalecimento dos princípios de convivência social.
Cabe repetir Roberto Bergalli[28]:
“Inserida num contexto comunitário
abrangente (entidades assistenciais, hospitais, escolas, programas
comunitários, governamentais etc.), a medida possibilita o alargamento da
própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto
deve estar inserido numa verdadeira práxis, onde os valores de dignidade,
cidadania, trabalho, escola, relação comunitária e justiça social não para
alguns, mas para todos, sejam cultivados durante sua aplicação. Porém, há a
necessidade não só da cultivação de tais valores, mas também da inserção e
exercício prático da cidadania, aqui entendida como efetivação de todos os
direitos e garantias inerentes à pessoa e elencados
na lei e na Constituição. Inegáveis se fazem, pois, tais aspectos num País cuja
perspectiva de vida digna, de planos pessoais a nível profissionalizante,
conhecimento desalienante, realização pessoal, dentre
outros, sofre profunda deterioração entre a população juvenil.”
Na liberdade assistida, o orientador se obriga “a promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social.”
A liberdade assistida, segundo Bulhões, é o “instrumento fundamental” para o direito do menor: “Com ela foi criado, em 1869, o juizado de menores, como forma de evitar o internamento e auxiliar os menores infratores, passando a seguir a ser aplicada também aos menores chamados menores abandonados, e em geral sempre que a saúde, segurança, moralidade ou educação do menor estiver em perigo e sempre que o juiz entender necessário à proteção do menor, aproximando-se então das normas da assistência educativa.”
Martins[29] fundamenta o instituto:
“As vantagens da liberdade
assistida são irretorquíveis e incalculáveis, evitando que o menor seja
afastado da sua família, submetido ao vexame da internação na Delegacia de
Menores ou em Instituto de Menores, correndo o risco de maior deformação moral
na promiscuidade com outros menores mais experientes na senda do crime. Dá-se a
oportunidade, agora com apoio da Justiça, a que a família reconduza um seu
membro extraviado a uma conduta condigna.”
Referindo-se aos elementos da liberdade assistida, lembra Níveo Geraldo Gonçalves[30]:
“No período de prova é decisiva a
ação da pessoa capacitada, ressaltando-se o seu contato pessoal com o
assistido. Essa pessoa é uma educadora, pois sua missão é de reeducação.
Comparou-se esse papel à do educador em meio fechado, porém é menos penoso,
porque tem de conquistar a colaboração do adolescente e a confiança da
família”.
“Essa pessoa capacitada está
sujeita a várias obrigações. Na França, cumpre-lhe registrar
no prontuário do adolescente todas as informações sobre a personalidade
do adolescente, sua conduta passada e seu meio familiar, bem como exercer
controle assíduo sobre as condições materiais e morais da existência do
assistido, sua saúde, trabalho e emprego do tempo livre. Além disso, terá que
enviar ao Juiz relatório sobre a progressividade do tratamento. O art. 119 do
Estatuto enumera as obrigações da pessoa capacitada, porém de forma não exauriente.”
Tenha-se presente que a liberdade assistida é medida sócio-educativa de apoio e também de restrições à liberdade. Só pode ser imposta nos casos previstos em lei.
Não havendo prova
da existência do ato infracional e da autoria, não
cabe a liberdade assistida. Se o adolescente ou sua família
necessitam apoio, devem ser encaminhados ao Conselho Tutelar. As medidas
específicas de proteção normalmente cabem à assistência social. Há a medida do
art. 101, IV.
As medidas específicas de proteção são aplicáveis (Estatuto, título II, capítulo II) e nos casos de infração cuja etiologia não seja a miséria, a pobreza, a falência das políticas públicas, e seja necessário, poderá ocorrer, inclusive, a privação de liberdade, mas sempre precedida do devido processo legal.
Mário Volpi[31] adverte:
“Liberdade assistida”
“Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família). Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos”.
4.4.2.8. Inserção
em regime de semiliberdade
Severa, geralmente forma de transição para o meio aberto, a semiliberdade pode ser imposta como medida autônoma, sempre reservada aos casos graves.
Dependente dos mesmos pressupostos da internação, só é cabível nos casos expressos no artigo 122 do ECA, vale dizer, ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa ou reiteração no cometimento de outras infrações graves.
Lembre-se o intérprete que no Direito Penal o regime semi-aberto é reservado aos crimes punidos com pena superior a quatro anos e o aberto para os delitos com pena até quatro anos.
O roubo e a extorsão, por exemplo, implicam em penas que variam de quatro a dez anos.
Ora, os crimes mais comuns são punidos com penas inferiores, nada justificando submeter os adolescentes a regime mais severo que o dos adultos, que condenados até quatro anos, gozam do regime aberto, principalmente da substituição da pena privativa da liberdade por restritiva de direitos: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana, etc...
O furto, a mais comum das infrações, é punido com pena de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
Adultos, penalmente imputáveis, via de regra, têm direito à substituição da reclusão por prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana.
Como justificar a internação (privação da liberdade) de adolescentes, autores de idêntico fato, mesmo havendo reiteração na prática infracional?
A hipótese é de novas condições na liberdade assistida ou cumulação de medidas, cujo descumprimento poderá resultar, aí, sim, em internação na forma do artigo 122, III, do ECA.
A respeito da semiliberdade cabem as ponderações de Mário Volpi[32]:
“A falta de unidade nos critérios
por parte do judiciário na aplicação de semiliberdade, bem como a falta de
avaliações das atuais propostas, têm impedido a potencialização
dessa abordagem. Por isso propõe-se que os programas de semiliberdade sejam
divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes em transição da
internação para a liberdade e/ou regressão da medida; e a outra aplicada como
primeira medida sócio-educativa”.
“Especificações:
“a. Princípios da
estrutura educacional;
“b. Organização
do cotidiano como espaço de convivência que possibilite a expressão individual,
o compromisso comunitário, atividades grupais etc.;
“c. Elaboração de
um regulamento prevendo deveres e normas de funcionamento da unidade;
“d.
Acompanhamento do adolescente em atividades externas de inserção no mercado de
trabalho, escolarização formal, profissionalização e outros;
“e. Programa de
acompanhamento escolar e de inserção do adolescente em escolarização.
“Constatamos a
existência de, basicamente, duas modalidades de aplicação da medida de
semiliberdade:
“a. Programas
caracterizados por unidades de atendimento para grupos de até 40 adolescentes,
onde o acesso ao meio externo é programado progressivamente a partir do
processo de desenvolvimento educacional do adolescente. São conhecidos como
semi-internatos.
“b. Programas de semiliberdade
caracterizados por unidades comunitárias de moradia, para grupos de cerca de 12
adolescentes, para manutenção e inserção do adolescente em programas sociais e
comunitários.”
Quanto à internação, fica claro tratar-se de medida “privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento” (art. 121).
Embora o internamento seja em estabelecimento educacional, afastou-se o discurso “tutelar” que equiparava o internamento do abandonado ao do infrator, do de conduta desviante atípica ao envolvido em infrações gravíssimas. Ficou clara a dicotomia entre infração e privação de direitos, situação anti-social passiva e ativa, só podendo haver internamento nos casos expressamente mencionados: ato cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; reiteração no cometimento de outras infrações graves ou descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta (art. 122).
O Estatuto segue a Regra 17.l.C das “Regras de Beijing”.
O adolescente em situação passiva de abandono ou negligência não sofrerá privação de liberdade; será abrigado. O abrigo em entidade (antiga internação em meio aberto) é caracterizado pela preparação gradativa para o desligamento; preservação dos vínculos familiares; atendimento personalizado em pequenos grupos; desenvolvimento de atividade em regime de co-educação; participação na vida da comunidade local (art. 92).
A internação tem, entre outras, as seguintes características: observância dos direitos e garantias de que são titulares os adolescentes; atendimento personalizado em pequenos grupos; preservação da identidade em ambiente de respeito e dignidade; restabelecimento e preservação dos vínculos familiares; escolarização e profissionalização; apoio e acompanhamento de egressos; participação comunitária (art. 94).
A internação é sempre medida excepcional, não pode ser imposta havendo outra medida adequada. O Juiz só a decretará em último caso.
Comprovada a infração, atenderá o Magistrado ao elemento subjetivo; à conduta social, à personalidade do adolescente; aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do ato infracional; ao comportamento da vítima, e estabelecerá, consoante entenda necessário à reprovação do ato, a medida aplicável.
A internação será a última alternativa, reservada aos casos de extrema gravidade. Assim mesmo, não terá prazo determinado e não poderá exceder, em caso algum, a três anos. Atingindo o limite, o adolescente deverá ser liberado e colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida (art. 121).
Aboliu-se a possibilidade de internação em estabelecimento de adultos, salvo a internação provisória pelo prazo de cinco dias (art. 185).
Cabe ao Juiz providenciar estabelecimento adequado na comarca mais próxima, na mesma ou até em outras unidades da Federação. Decorrido o prazo de cinco dias sem a transferência, surge o recurso ao habeas corpus.
A internação, embora diversa da pena de prisão, na realidade cotidiana, o que é lamentável, objetivamente, nada difere daquela; é um “mal necessário”. Só deve ser aplicada em último caso e, assim mesmo, por prazo estritamente indispensável ao afastamento do ambiente delinqüencial e criminógeno, com educação, profissionalização, progredindo o mais depressa possível para semiliberdade e liberdade assistida.
Tenha-se presente: “É dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (art. 18).
4.5.1. Colocação
em família substituta
A colocação em família substituta na forma de guarda e responsabilidade, tutela e adoção, é de jurisdição voluntária, sendo subsidiárias as disposições do procedimento respectivo, previsto no Código de Processo Civil.
Permite-se pedido formulado diretamente em cartório, se os pais forem falecidos, destituídos ou suspensos do pátrio poder ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta.
Mesmo já tendo concordado, os pais deverão ser ouvidos pelo Juiz, cautela que melhor assegura o direito à convivência familiar. Também, sempre que possível, deve ser ouvida a criança e o adolescente, e sua opinião devidamente considerada. Não esqueçamos: criança e jovem são sujeitos de direito e não meros objetos do direito da família, da sociedade ou do Estado.
Tratando-se de perda ou modificação da guarda em que haja controvérsia, o procedimento será o do Estatuto, arts. 155 a 163. Se for destituição da tutela, o prazo para responder e o desenvolvimento do processo será o previsto no Código de Processo Civil, arts. 1.194 a 1.197. Em se tratando de requerido sem recursos, cabe a providência do art. 159 do Estatuto.
São invocáveis as disposições a respeito da realização do estudo social e da perícia, bem como da oitiva da criança e do adolescente.
Há cuidados especiais no sentido de resguardar os direitos das partes: assim, “deverão ser esgotados todos os meios para citação pessoal” (art. 158, parágrafo único).
Esgotar todos os expedientes para a localização do citando é procurá-lo na rua onde resida, no local de trabalho; é pesquisar, indagar sobre o seu paradeiro. É fazer pesquisa no cartório para ver se tem domicílio eleitoral no município e que endereço forneceu.
4.5.2. Processo
de apuração de infração penal
Se o Estatuto representou extraordinário avanço no campo dos direitos fundamentais, reconhecendo que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, foi no processo de apuração de ato infracional que a nova lei deixou bem clara a novidade.
Foram inseridos na ordem jurídica interna os princípios das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Juventude. Reconheceu-se expressamente, entre outros, o direito à liberdade de ir e vir em logradouros públicos e espaços comunitários; o direito de não ser privado de liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade competente; sendo privado de liberdade, examina-se, desde logo, a possibilidade de liberação imediata; não ser privado de liberdade sem o devido processo legal; garantia do pleno e formal conhecimento do ato infracional; igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; direito de ser ouvido pessoalmente e de solicitar a presença de seus pais ou responsável. Confiram-se arts. 15/18, 106/111.
Freqüentemente tem-se apresentado o Juiz da Infância e Juventude como um juiz tutelar, protetor, mesmo do jovem em conflito com a sociedade.
Segundo os menoristas, a tutela seria incompatível com a função jurisdicional através do processo contraditório. O processo seria prejudicial à educação do “menor” que não deve ser acusado, muito menos condenado. Em nome desta pseudoproteção, os “menores” eram “encaminhados” às Delegacias de Menores, aos “estabelecimentos adequados”, à “internação”, vale dizer, prisão, detenção, reclusão, medida de segurança, sem determinação de tempo e, o que é pior, sem qualquer observância dos princípios e limites da estrita legalidade observados na jurisdição comum.
O caráter tutelar do Tribunal melhor se afina com as garantias processuais. Processo nada tem com a natureza da medida resultante da aplicação de suas normas que são sempre formais. Processo é forma, direito adjetivo. Medida é conteúdo, direito substantivo. Processo é garantia, segurança da liberdade jurídica, nada tem com punição, repressão. Ao contrário, é forma de segurança para aplicação da justiça, é limite ao arbítrio do Estado. Processo não é sinônimo de complicação, demora, sofrimento, penalização. Exprime “o conjunto de princípios e de regras para que se administre justiça”[33], caracteriza-se como forma de garantia dos direitos do cidadão.
Para ser mesmo garantista, a justiça especializada tem de se submeter às regras do devido processo legal, que, no caso, é caracterizado pela remissão, celeridade e simplificação dos atos processuais.
Remissão de casos, simplificação e celeridade sem sacrificar os direitos do jovem à presunção de inocência; direito de conhecer as acusações; de não responder; de ter advogado; direito à presença dos pais ou responsável; à confrontação com testemunhas e a interrogá-las; e à apelação a um tribunal superior. Confiram-se Regras 7.1 e 11 das “Regras de Beijing.”
Como diz Noronha[34] “as leis de processo, mais do que quaisquer outras, protegem e tutelam o direito de defesa de todos os direitos de que o homem goza na vida em sociedade”.
O processo de apuração de ato infracional visa não só averiguar a existência e a autoria do ato para aplicação de uma medida sócio-educativa, mas surge como garantia da liberdade jurídica do adolescente e segurança contra o possível arbítrio do Estado.
4.5.2.2. Privação
da liberdade
Em matéria de internação, tenha-se presente o caráter garantista do processo: as normas procedimentais são eminentemente tutelares. Resguardam os direitos do adolescente através de formalidades essenciais à validade da atuação dos agentes do Estado, principalmente no que tange às restrições à liberdade pessoal.
O estatuto só admite privação de liberdade em caso de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa por reiteração no cometimento de outras infrações graves ou por descumprimento de outras medidas anteriormente impostas (art. 122).
Para a internação provisória (processual), ou a decorrente de flagrante, exigem-se os pressupostos da “gravidade do ato, repercussão social, garantia da segurança do adolescente ou manutenção da ordem pública”. Confira-se artigo 174.
O processo é formal e as formalidades indispensáveis à validade da medida provisória. Assim, não preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos de validade do internamento, a privação da liberdade do adolescente será ilegal, passível de habeas corpus.
Os pressupostos da medida extrema estão no Estatuto e no Código de Processo Penal, que é subsidiário: prova da existência de fato definido como infração penal cometido com grave ameaça ou violência à pessoa; indícios da autoria do ato infracional; repercussão social; garantia da segurança pessoal ou manutenção da ordem pública.
A prova do ato infracional implica a certeza de que houve, mesmo, um fato definido como infração penal “pesada”, envolvendo grave ameaça ou violência à pessoa.
A certeza do fato se fundamentará em declarações, auto de exame de corpo de delito e outros elementos indispensáveis à convicção do Juiz.
A autoria não precisa ser indubitável, bastando indícios suficientes, provas menos robustas, mas capazes de ensejar convicção provisória.
Tenha-se presente a subsidiariedade da lei processual comum. Não cabe internamento provisório nos fatos definidos como infrações penais punidas com detenção.
O pressuposto da gravidade da infração tem de ser atendido.
Lesões corporais leves, culposas, infanticídio, aborto, rixa, embora envolvam violência à pessoa, não comportam a medida extrema.
A repercussão social está ligada ao “alarme”, ao “clamor”, ao “abalo” no meio social, decorrente da gravidade do fato.
A gravidade há de ser tal a impor a medida extrema.
Se o fato não tem grande repercussão, se não causa revolta, não cabe internamento.
Garantia da segurança pessoal do adolescente ou da ordem pública, são pressupostos alternativos.
Há necessidade de contenção para segurança pessoal, quando o jovem corre perigo iminente por ameaças concretas de familiares, amigos da vítima, grupos de extermínio, etc.
O conceito de garantia da ordem pública está sedimentado, corresponde ao caso daquele que cometeu, está cometendo ou ameaça cometer, novos crimes. As hipóteses devem traduzir ameaça concreta à ordem pública, não bastando simples maus antecedentes.
Há, ainda, a tutela da fundamentação do despacho que ordena o internamento provisório (arts. 106 e 108, parágrafo único).
Os pressupostos subjetivos e objetivos devem vir satisfatoriamente demonstrados. Não basta mencionar que o internamento se impõe para garantia da ordem pública. É preciso explicitar os motivos e a conveniência da medida extrema, que é violenta e excepcional.
Tenha-se presente a presunção de inocência que beneficia adultos e é extensiva aos adolescentes.
Fundamentar é dizer os motivos, os fundamentos, as razões da decisão.
Se o despacho não estiver fundamentado, haverá ilegalidade remediável através de habeas corpus.
Quanto ao flagrante, só há necessidade da lavratura do auto nas hipóteses de violência ou grave ameaça à pessoa; nos demais casos, o auto poderá ser substituído por boletim de ocorrência circunstanciado (art. 173, parágrafo único).
Mesmo nos casos graves, desde que compareçam os pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado, sob compromisso de responsabilidade de apresentação ao Ministério Público. Aqui o Estatuto – art. 174 – cumpre a Regra 10.2 das “Regras de Beijing”.
O flagrante do ato infracional se submete às exigências do Código de Processo, que é subsidiário.
São invocáveis os arts. 301 a 310 com as modificações estatutárias. De qualquer modo, tenha-se presente, o auto deve se revestir das formalidades intrínsecas e extrínsecas de validade, caso contrário não prevalecerá, cabendo habeas corpus.
Em caso de internação decorrência de flagrante, impõe-se a apresentação imediata ao Órgão do Ministério Público. Só na impossibilidade, que deverá ser justificada, o jovem será encaminhado à entidade de atendimento ou à delegacia especializada, mas o prazo de 24 horas não poderá ser ultrapassado.
O descumprimento do prazo do art. 175 pode ensejar crime sujeito à detenção de seis meses a dois anos (art. 235).
Não se olvide o caráter tutelar do processo, principalmente como forma de garantia da efetividade dos direitos constitucionais.
4.5.2.3. Apuração de
Ato Infracional
O Estatuto segue a moderna tendência do Direito relativamente às infrações penais atribuídas aos jovens. Processo garantista simples, célere, mas contraditório.
A simplificação dos atos processuais é claramente visualizada nos arts. 171 a 189, onde são resguardados os direitos fundamentais. As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil estão presentes, disciplinando o procedimento. Os respectivos comentários são invocáveis.
O procedimento de apuração de infração penal previsto no Estatuto pode ser complementado (Constituição, art. 24, XI). Os Estados poderão legislar adaptando as regras gerais à realidade local. Não será o mesmo o procedimento nos grandes centros urbanos, Rio, São Paulo, e nas cidades menores, Porto Velho ou Macapá. A cada realidade o seu procedimento.
O Estatuto não foi lacunoso. Deixou espaço para o legislador estadual.
O procedimento tem fase prévia na polícia seguindo-se a apresentação ao Ministério Público. Não havendo flagrante, a autoridade policial notificará o adolescente e seus pais para a apresentação ao órgão do Ministério Público, durante o expediente forense, no dia útil imediato à remessa das investigações (art. 177). Em caso de não comparecimento, o Ministério Público notificará os pais ou responsável para a apresentação, podendo requisitar o concurso da polícia (art. 179, parágrafo único).
Com a apresentação do adolescente, o Ministério Público, no mesmo dia, poderá promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar para a aplicação de medida sócio-educativa (Vide art. 180).
A remissão, introduzida a partir da Regra 11, das Regras Mínimas, constitui extraordinário avanço no campo do Direito Positivo, porquanto minimiza o efeito do contato do jovem com o sistema e simplifica a aplicação de medidas sócio-educativas.
Podendo ser
revista a qualquer tempo, a remissão não implica necessariamente o
reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade nem prevalece para efeitos
de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das
medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a
internação (arts. 127/128)
Não havia porque instaurar o contraditório para uma simples advertência, acompanhada do “encaminhamento” a programa de auxílio.
Oferecida a representação, na audiência, ou em qualquer fase, o Juiz poderá conceder a remissão suspendendo ou extinguindo o processo. A decisão será fundamentada.
Na hipótese de fato grave, onde não caiba remissão, não tendo o adolescente Advogado, o Juiz lhe nomeará defensor que, no prazo de três dias, apresentará defesa prévia e rol de testemunhas (art. 186). Segue-se a instrução e julgamento em dia e hora previamente designados. As partes podem requerer diligências, perícias, etc.
A sentença pode ser condenatória ou absolutória. Sendo subsidiário o Código de Processo Penal, há que se observar os arts. 381 a 384 e art. 189, todos do Estatuto.
Há que se ter em conta os princípios já sedimentados no Direito Processual, onde as sentenças têm classificação própria. São declaratórias, condenatórias, constitutivas e mandamentais.
Quando o Juiz impõe uma medida sócio-educativa, claramente condena. A sentença é, pois, condenatória.
A Regra 17 das Regras Mínimas e o respectivo comentário são aplicáveis.
A sentença passa a ter requisitos extrínsecos e intrínsecos de validade, destacando-se a indicação dos motivos de fato e de direito em que se funda a decisão, bem como os artigos de lei aplicados.
A fundamentação é requisito indispensável; sem ela a sentença é nula.
Tenha-se presente: “A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença: não estar provada a existência do fato; não haver prova da existência do fato; não constituir o fato ato infracional; não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional” (art. 189).
À Justiça da Infância e da Juventude está reservado importante papel no combate à violência e à privação indevida de liberdade, fatores produtores e reprodutores da delinqüência.
O sistema existe para proteger e restabelecer os direitos de crianças e adolescentes.
Não se trata de uma “Justiça Parcial”, mas de um sistema de interpretação e aplicação de lei responsabilizante, protetora, tutelar, tuitiva.
Se o Juiz criminal deve estar atento aos direitos fundamentais, à liberdade jurídica do acusado, impedindo o arbítrio, o Juiz da Infância e da Juventude deverá agir com redobrada cautela, tendo presente que “a lei do processo é o prolongamento e a efetivação do capítulo constitucional sobre os direitos e as garantias constitucionais”.
É seu dever expedir, de ofício, ordem de habeas corpus quando verificar, no curso do processo, que criança ou adolescente sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal (CPP, art. 654, § 2º).
No processo de apuração de infração penal atribuída a adolescente há redobrada preocupação com a liberdade jurídica, os direitos fundamentais. Assim, os prazos para a apresentação (art. 174); para o encaminhamento a estabelecimento (art. 175); para a remissão (art. 179); para a conclusão do processo (art. 183) e para a permanência em estabelecimento de adultos (art. 185) têm de ser atendidos. Ultrapassados, deve o Juiz imediatamente determinar a liberação do adolescente.
A perda do prazo enseja habeas corpus e responsabilidade das autoridades processantes. Havendo, inclusive, responsabilidade penal. Confiram-se artigos 234 e 235.
Se a Constituição e as leis processuais garantem o direito das pessoas privadas de liberdade, assegurando que a medida extrema só pode persistir nos casos expressos, a excepcionalidade da restrição relativamente aos adolescentes é ainda maior.
Não se podia compreender e aceitar que relativamente aos adultos só se admitisse a privação da liberdade em certos casos, cercada de formalidades e requisitos intrínsecos e extrínsecos, e que os “menores” fossem “internados”, isto é, presos em cadeias e penitenciárias, sem que se atendesse a qualquer formalidade, como por exemplo o auto de flagrante ou a ordem escrita e fundamentada. A injustiça foi corrigida, cabendo ao Juiz, ao Promotor e ao Advogado zelarem para que jovens não se submetam a um processo mais rígido do que o adulto e menos preocupado com as garantias constitucionais.
Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana” (art. 3º). Não são meros objetos do direito de intervenção dos pais, da família ou do Estado.
4.5.2.4. O Controle judicial da execução das medidas sócio-educativas
Questão tormentosa e desafiante, a eficácia da sentença na jurisdição dos atos infracionais não teve, ao que se saiba, pesquisa científica capaz de certificar o resultado da intervenção judicial.
Embora não se possa avaliar com a necessária segurança, o fato é que informações disponíveis deixam antever a probabilidade de se prosseguir com resultados pouco animadores.
A inexistência ou a oferta irregular de propostas pedagógicas; a falta de programas de preservação ou restabelecimento de vínculos familiares e comunitários; a carência de pessoal técnico e de instalações físicas adequadas; a omissão de envolvimento com os pais ou responsável e a falta de medidas a eles aplicadas; a deficiência na escolarização e na profissionalização; a falta de programas de preparação para o desligamento e a ausência de acompanhamento de egressos podem ser apontadas como as principais causas da ineficácia do sistema.
As práticas usuais de reintegração, ressocialização e reeducação persistem como mitos convenientes, legitimadores do controle social da pobreza.
A incompletude ou os resultados negativos da sentença na fase executória, no final do processo, têm como causas não só o desaparelhamento do sistema administrativo, mas a interpretação equivocada de normas estatutárias.
Em muitos casos, a imposição de medidas sócio-educativas continua embasada nos princípios enviesados da “Doutrina da Situação Irregular”.
Promotores, Advogados, Técnicos e Juízes persistem no viés da “tutela”, da “proteção”, do “melhor interesse”, sem atentar para as novidades das garantias constitucionais e processuais. São ignorados os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da individualização da medida, bem como a desmistificação do “sistema protetivo”.
Operadores do Direito e executores administrativos, geralmente, não consideram o estigma da sentença que impõe medida sócio-educativa. Também, não levam em consideração o caráter punitivo, claramente visualizado nas restrições à liberdade e ao direito à convivência familiar e comunitária.
A inexistência ou a oferta irregular de propostas pedagógicas fazem com que as medidas sócio-educativas resultem impostas apenas no aspecto repressivo e, o que é pior, sem observância do critério da proporcionalidade.
Adolescentes infratores, em muitos casos, são ainda tratados com maior rigor do que jovens adultos penalmente imputáveis, credores de benefícios inacessíveis dos adolescentes, como prazos reduzidos de prescrição, de substituição de penas privativas
de liberdade por simples restrições de direitos, etc (...)
A garantia da fundamentação e a da individualização da medida, geralmente, não constam das sentenças, faltando referência à alternativa meramente protetiva.
Também as sentenças e o respectivo processo restringem-se ao adolescente, sendo raras as hipóteses de aplicação simultânea de medidas aos pais ou responsáveis.
Continua pálida a participação do Advogado e as defesas exsurgem muito deficientes, insistindo-se, ainda, que o Advogado deve ter uma atuação diferente, limitada. Olvida-se o secular princípio da presunção de inocência e tudo é tratado com muita singeleza.
Tais vieses contribuem à falta de boa jurisprudência, principalmente no que tange às garantias do habeas corpus e do devido processo legal.
A defesa verdadeiramente técnica persiste inacessível à maioria dos jovens em conflito com a lei penal. Esta geralmente é invocada para a conceituação do ato infracional, mas abandonada quando se trata do exame da culpabilidade e das respectivas excludentes.
Pretensos infratores são punidos com medidas sócio-educativas, quando não passam de portadores de doença ou deficiência mental, credores de tratamentos especializados.
Impõe-se assumir o novo modelo do Estatuto responsabilizante e garantista, o que implica desmistificar o caráter exclusivamente protetor das medidas sócio-educativas, reconhecendo a índole punitiva que lhes é imanente. Punição pedagógica, justa e adequada, sem caráter vexatório, constrangedor, humilhante.
Uma boa interpretação do Estatuto não dispensará a comparação com o sistema repressivo dos adultos, no qual estes gozam da substituição de medidas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana), inclusive do direito ao sursis. Medidas que não são facultativas, mas imperativas.
Na comparação, tenha-se presente que o adulto primário, de bons antecedentes, condenado por furto, lesão corporal, etc., normalmente não responde com a liberdade.
A eficácia da sentença depende de vários fatores, entre eles a correta interpretação do Estatuto, que inclui princípios garantistas do Direito Penal (ciência e norma).
A perfeita execução exige que o caráter repressivo seja contrabalanceado por apropriada proposta pedagógica. O envolvimento da família e da comunidade também é indispensável.
Execução eficaz e perfeita pressupõe sentença hígida, portanto, completa, objetiva e subjetivamente, formando um silogismo perfeito, onde a fundamentação (artigo 93, IX, CF) exsurja relevante.
Entre os incidentes da execução, exsurge relevante a progressão de regimes: internação para semiliberdade. Desta, para liberdade assistida. Da medida sócio-educativa, para a de proteção.
É inadaptável a garantia da reavaliação periódica, visando a progressão de regimes.
Os seis meses do § 2º do artigo 121 constituem prazo máximo. Ultrapassado, surge o direito ao habeas corpus.
Todos os incidentes se submetem ao princípio do contraditório, principalmente à internação prevista no item III do artigo 122.
A medida tem natureza cautelar, mas só pode ser imposta facultada justificativa em despacho fundamentado, onde se demonstre a necessidade imperiosa da restrição que pode ser suspensa, uma vez que o adolescente se disponha a cumprir a medida anteriormente imposta.
Enquanto não editada lei de execução (CF, art. 24, XV e parágrafos), as Corregedorias Gerais de Justiça poderão normatizar procedimentos no sentido de garantir os direitos do sentenciado, regulando, por exemplo, a espécie de documentos que devem acompanhar o adolescente quando determinada a internação ou outra medida: sentença, laudo da equipe técnica, certidões de registro civil e da escola, trânsito em julgado, ou, até, fotocópia da íntegra do processo. A cautela facilitará a individualização do tratamento.
4.6. Proteção judicial
dos interesses coletivos e difusos
Vivendo a época dos direitos difusos de terceira geração, defrontamo-nos com sérias dificuldades, decorrência do sedimentado conceito de direito subjetivo individual.
Direitos até então não cogitados sob o ângulo difuso, como o direito à saúde, à educação, à profissionalização, ao lazer, exigiram novas posturas, notadamente dos Juízes.
A moderna tendência é de alargar o acesso à tutela jurisdicional, possibilitando o julgamento dos grandes litígios, principalmente relacionados com direitos sociais.
Moacir Motta da Silva[35] explica:
“Ainda hoje,
observam-se certas decisões jurisdicionais nas quais os fundamentos do juiz
continuam limitados aos ensinamentos hauridos do tradicional conceito do
direito, cuja função jurisdicional resume-se na aplicação da lei, diante do
caso concreto. A idéia de prestação jurisdicional representa algo mais do que
simples técnica de procedimentos, repassados pela doutrina clássica do direito.
O conceito de prestação jurisdicional entrado em uma concepção formal,
positivista, por si só, não é suficiente para a compreensão dos interesses
difusos, como novos valores jurídicos consagrados pelo direito positivo. É
indispensável que o juiz, ao julgar conflitos de interesses difusos, interesses
de massa, reconheça que está diante de matéria que envolve valores éticos que
afetam a sociedade. São demandas judiciais de natureza coletiva, que se fundam
em interesses sociais de toda a coletividade; por exemplo, o direito de
respirar ar puro, direito à educação, à saúde, ao trabalho. O mundo contemporâneo não mais se conforma com o
pensamento ortodoxo do juiz desatualizado, que ainda imagina ser a prestação
jurisdicional algo formalmente subordinado à lei.”
Josiane Rose Petry Veronese[36] completa:
“Contrariando a visão
individualista do século XVIII, com suas seqüelas no processo civil brasileiro,
o ajuizamento das ações fundamentadas em interesses difusos são de grande
importância, pois que implicam o reconhecimento de que o processo ultrapassa as
esferas de mera garantia constitucional e passa a ser encarado sob o ponto de
vista teleológico, ou seja, como instrumento de participação política do
indivíduo e do grupo social nos centros de decisão do Estado.”
Com o Estatuto, a negligência do Estado no cumprimento de políticas públicas básicas passou a possibilitar o recurso à via judicial.
Cabe a ação havendo não-oferecimento ou oferta irregular de ensino obrigatório; de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; de atendimento em creche e pré-escola à criança de zero a seis anos de idade; de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; de programas suplementares de oferta de material didático escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental; assistência social visando a proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem; de acesso às ações e serviços de saúde; de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.
As hipóteses previstas não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela lei (parágrafo único do art. 208).
Direitos coletivos são os pertencentes a determinados grupos, enquanto os difusos tocam à categoria dos que não podem ser fruídos com exclusividade.
Há, no direito difuso, uma indeterminação de titulares, enquanto no coletivo, o grupo de interessados é determinado.
Direito coletivo à educação: determinado grupo de meninos de rua fora da escola, inexistindo turno compatível.
Direito difuso: inexistência de ações e serviços de saúde.
A descrição das hipóteses do artigo 208 do Estatuto não é taxativa, mas, meramente enumerativa, porquanto a lei não exclui da proteção judicial outros interesses individuais difusos ou coletivos.
Não só a falta de oferecimento ou a oferta irregular de políticas públicas de saúde, educação, assistência social, mencionadas no Estatuto, ensejam direito às ações cíveis, outras ações poderão ser propostas.
A competência é do Juízo da Infância e da Juventude do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão da política básica. Há que se atender à hierarquia das leis. Sendo o Estatuto lei federal, prevalece sobre lei local que atribua privilégio de foro (Vide art. 209).
A legitimação é concorrente do Ministério Público da União, dos Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios e das Associações de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente.
Quanto às associações, dispensar-se-á autorização dos associados, havendo prévia autorização estatutária.
Importante dispositivo: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial” (art. 211).
Não há necessidade de adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas.
Só há sucumbência com a responsabilidade pelas despesas processuais em caso de litigância de má-fé.
Cabe a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público, o que facilitará a propositura da demanda.
É subsidiária a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que tutela o valor ambiental.
Recurso, segundo Lima, “é o meio dentro da mesma relação processual, de que se pode servir a parte vencida ou quem se julgue prejudicado, para obter, total ou parcialmente, a anulação ou reforma de uma sentença”[37]. Marques, em feliz síntese conceitua: “recurso é um procedimento que se forma para que seja revisto pronunciamento jurisdicional contido em sentença, decisão interlocutória, ou acórdão”[38].
No seu sentido amplo, recurso é o procedimento para revisão das decisões e, em sentido restrito, refere-se à pretensão de anulação ou reforma da sentença.
Na Justiça da Infância e da Juventude é adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil (art. 198).
Como em matéria de recurso, a interpretação é restritiva. Tem-se que, no processo de apuração de ato infracional, o recurso é o do Estatuto, com as alterações ali consignadas, e não o do Código de Processo Penal.
Não há preparo; o prazo para interpor e responder a apelação é de dez dias. Há preferência de julgamento e dispensa de revisor.
No agravo, é de cinco dias o prazo para interpor e responder.
O efeito da apelação é sempre devolutivo, salvo: quando interposta contra sentença que deferir adoção por estrangeiro e a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 198, VI).
Relativamente à adoção por estrangeiro, a cautela é percebida à primeira vista. O envio da criança para o exterior dificultaria o regresso, face os transtornos no cumprimento do acórdão que teria de ser homologado na justiça alienígena.
Dano irreparável é o insuscetível de reparação civil. Há uma impossibilidade material de ressarcimento.
O conceito serve para a difícil reparação, aduzindo-se que a hipótese é a mesma que a da incerta reparação, duvidosa, melhor dizendo.
Em qualquer caso, antes de determinar a remessa dos autos à instância superior, o juiz proferirá despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão.
Fundamentar é motivar, alicerçar. É dizer dos motivos em que se funda a mudança do julgado.
Os fundamentos são as razões determinantes da nova decisão.
Um dos postulados da Justiça da Infância e da Juventude reside na fundamentação de todas as decisões. Tratam-se de princípios constitucional (CF, art. 93, IX) e processual (CPC, art. 165) importantíssimos de garantia das partes que têm direito de saber o motivo das decisões.
Mantida a decisão, os autos sobem.
No caso de reforma, a parte vencida terá de pedir expressamente a remessa à superior instância. A falta de pedido expresso torna deserta a apelação ou o agravo pelo abandono do recurso.
O Ministério Público, na Justiça da Infância e da Juventude, atua como parte processual ou custos legis.
Embora atue como parte, não é órgão de acusação e nem simples defensor dos direitos individuais de cada criança e/ou adolescente em conflito com a sociedade, mas o responsável pela ordem jurídica, pelos direitos sociais e individuais indisponíveis.
Não cabe discutir a vexata quaestio relativa às funções do Ministério Público, nem seria próprio examinar se se trata de “função integradora da função do Juiz” (Zanolini, of. Carnelutti)[39], ou se “parte instrumental”, “parte imparcial”, etc. O que importa é destacar o órgão como Promotor de Justiça, da eqüidade, defensor dos direitos sociais e individuais indisponíveis.
Quando atua como parte, propondo a “ação sócio-educativa pública”, não age de forma parcial contra o adolescente; promove justiça. Trata-se de parte sui generis, apenas interessada em realizar justiça, tanto que pode pedir o arquivamento das peças informativas ou a improcedência da ação por ele mesmo proposta.
Se na área criminal o Ministério Público é o órgão estatal da pretensão punitiva, surge aqui como órgão estatal da pretensão sócio-educativa, tanto que concede a remissão como forma de exclusão do processo (art. 126).
Como parte ou em posição assemelhada, pouco importa: a verdade é que, na Justiça da Infância e da Juventude, as funções do Ministério Público crescem de importância.
Cabe ao Ministério Público, entre outras atribuições, promover e acompanhar a ação de alimentos, de suspensão e destituição do pátrio poder; de nomeação e destituição de tutores e guardiães; promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos; instaurar procedimentos administrativos e impetrar mandado de segurança, injunção e habeas corpus.
Como Promotor de Justiça, o órgão do Ministério Público atua na defesa da ordem jurídica, sempre atento às ameaças ou violações dos direitos fundamentais de crianças e jovens, cabendo-lhe propor as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
O Estatuto, regulamentando a Constituição, assegura as garantias processuais e a participação obrigatória do advogado (Vide arts. 110/111 e 206/207).
No estado democrático de direito a figura do Advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inaceitável qualquer restrição a sua participação em processo administrativo, civil ou penal.
Na área dos adolescentes infratores, as funções do defensor técnico crescem de importância na medida em que a atuação do Advogado aparece como importante elemento de controle da prestação jurisdicional.
Controle das informações levadas ao Juiz; das declarações das testemunhas; dos laudos técnicos; dos prazos; das decisões; recorrendo à instância superior sempre que necessário.
Se o mais perigoso dos delinqüentes tem direito à presunção de inocência, de não ser preso a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do Juiz; se o mais temível dos bandidos tem obrigatoriamente Advogado, dispondo de ampla defesa com recursos a ela inerentes, causava perplexidade que, no Direito, dito Tutelar, os “menores” fossem privados de liberdade sem os mesmos direitos, argumentando-se que eram defendidos pelo Ministério Público e que as medidas eram sempre protetoras.
As novas legislações, editadas com base na Convenção Internacional (art. 40), enfatizam a obrigatoriedade da participação do advogado. Assim, dispõe o artigo 170 da Lei Equatoriana e o artigo 48 da Lei Salvadorenha. Também exigem a presença do Advogado, sob pena de nulidade, as Leis da Guatemala (art. 194), de Honduras (art. 229), da Nicaraguá (art. 122), do Panamá (art. 17, § 2º), do Peru (art. 170) e da República Dominicana (art. 274).
No mesmo sentido os projetos de reforma legislativa do Uruguai, da Venezuela, do Chile e da Argentina.
Em nosso país a presença do Advogado é obrigatória. Decorre de exigência Constitucional e Estatutária. Confira-se a Carta Federal, artigo 133 e o ECA, artigos 206 e 207.
Tenha-se presente o § 3º do artigo 207 que dispensa a outorga de mandato, quando se tratar de defensor nomeado, ou constituído, tiver sido indicado por ocasião de ato formal com a presença da autoridade judiciária.
Quanto ao Advogado, tem-se dito que atua diferentemente da área penal dos adultos. É fato. Todavia, não há legitimidade no restringir a defesa do adolescente, que deve ser a mais ampla possível, inclusive com argüição de nulidades e promovendo o Advogado defesa técnica na verdadeira acepção da palavra.
É cabível defesa indireta, formal.
Havendo pretensão, tem de haver resistência. Isso é próprio do contraditório.
Na Justiça da Infância e da Juventude, o Advogado, como nos demais processos, atua tutelando, amparado a liberdade e os direitos individuais.
Atuação eminentemente técnica, porquanto a autodefesa é realizada pelo próprio adolescente.
No estado democrático de direito, não se admite acusação sem defesa. O adolescente não é mais objeto passivo de “medidas tutelares”. O mito desapareceu. Hoje é sujeito de direito. Goza da presunção de inocência, tendo garantidos os direitos constitucionais e estatutários.
Cabe ao Advogado propor todas as medidas técnicas no sentido de defender o adolescente. Sua função é a de assistir tecnicamente o jovem em conflito com a lei (ECA, art. 103).
Processo sem defesa técnica não é processo. Há nulidade absoluta.
Se o Advogado não defende técnica e completamente, deve o Juiz substituí-lo.
O princípio do devido processo com a amplitude da defesa para ser garantia efetiva, elemento lógico e indispensável, exige atuação eficiente.
O defensor, constituído ou nomeado, tem o dever de ofício de lutar pelos direitos do adolescente, podendo, para tanto, comunicar-se pessoal e reservadamente com o jovem e seus familiares, mesmo quando internado. Confira-se o artigo 124, III, do Estatuto.
As regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil, Resolução nº 40/33, de novembro de 1985, são claras:
“Regra 15 – Assistência judiciária e
direitos dos pais e tutores
“15.1 O menor terá direito a se fazer
representar por um advogado durante todo o processo ou a solicitar assistência
judiciária gratuita, quando prevista nas leis do país.
“15.2 Os pais ou tutores terão direito de participar dos procedimentos
e a autoridade competente poderá requerer a sua presença no interesse do menor.
Não obstante, a autoridade competente poderá negar a participação se existirem
motivos para presumir que a exclusão é necessária aos interesses do menor.”
Do comentário traduzido por Maria Josefina Becker[40]:
“A regra 15.1. usa terminologia similar à da regra 93 das Regras
Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros. Enquanto o assessoramento jurídico e
assistência judiciária gratuita são necessários para garantir a assistência
judiciária ao menor, o direito à participação dos pais ou tutores, de acordo
com a regra 15.2. deve ser considerado uma assistência geral ao menor, de
natureza psicológica e emocional, que se estende ao longo de todo o processo”.
“A autoridade competente, para
determinar medidas adequadas ao caso, pode valer-se da colaboração dos
representantes legais do menor (ou, com essa finalidade, de algum outro
assistente pessoal em quem o menor possa confiar e realmente deposite
confiança). Esse interesse pode ser frustado se a presença dos pais ou tutores
na audiência exercer uma influência negativa, manifestando, por exemplo, uma
atitude hostil ao menos; por isso, deve-se prever a possibilidade de sua
exclusão da audiência.”
Os serviços auxiliares são organizados de acordo com as leis locais de organização judiciária.
Não há mais a figura do comissário de menores.
As leis judiciárias poderão criar cargos de agentes de proteção. Tais servidores não são policiais, órgão de repressão de meninos. São agentes de proteção, cumprem diligências necessárias, garantindo que os adultos não ameacem ou violem direitos assegurados no Estatuto. Zelam pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (Estatuto, art. 18).
A equipe técnica, composta de assistente social, psicólogo, educador, faz os estudos de caso, subministrando ao Juiz os elementos necessários à convicção.
É invocável a legislação processual, subsidiária respectiva. Cabem as mesmas regras de quesitos, assistentes, incompatibilidades e impedimentos do Direito Comum.
O escrivão e o oficial de justiça também estão sujeitos às normas do Direito Judiciário e da Organização Judiciária.
Relativamente aos serviços auxiliares, cabem as recomendações das “Regras de Beijing”. Vide Regra 22 e respectivo comentário.
5. Rede administrativa de
atendimento
Falar na rede de atendimento é referir principalmente às medidas de proteção e sócio-educativas previstas no Estatuto:
- orientação, apoio e acompanhamento temporários;
- matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
- inclusão em programa de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico em regime ambulatorial;
- inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
- abrigo em entidade;
- prestação de serviços à comunidade;
- liberdade assistida;
- inserção em regime de semiliberdade;
- internação em estabelecimento educacional.
Tenha-se presente:
As medidas sócio-educativas constituem resposta ao ato infracional, não se confundem com as medidas de proteção. No primeiro caso o adolescente é vitimizador e no segundo vítima. Também que a rede administrativa não se confunde com o Sistema de Justiça.
A primeira atua na assistência social, aplica medidas protetivas. A justiça age na prevenção e composição de conflitos.
Não é próprio do Judiciário prestar assistência social. Seus operadores só atuam processualmente, vale dizer na prestação jurisdicional, graciosa ou contenciosa.
Juízes e Promotores só devem se envolver com a rede de atendimento administrativa ou não-governamental, incentivando e apoiando a implementação e aperfeiçoamento de programas.
Fiscais naturais, decorrência da jurisdição voluntária, não tem sentido mantenham programas ou entidades de atendimento.
Assistência e execução, como dito, são do executivo e da comunidade.
Juízes e Promotores não são “tutores” da comunidade.
Agentes políticos, têm compromisso com o direito e a sociedade na implementação do Estatuto, mas isso não quer dizer que devam influir ou interferir na rede, principalmente nos Conselhos de Direitos, responsáveis pelas diretrizes da política de atendimento, Constituição Federal, artigo 227, § 7º.
A fiscalização das entidades, artigo 148, V, e 201, XI, discreta e respeitosa, verificará da observância dos princípios e normas estatutárias, principalmente daqueles referidos nos artigos 90 a 95.
Tenha-se presente a nova ótica do sistema de garantias. Crianças e Adolescentes como sujeitos de direito e não objetos passivos de tutela.
Garantem-se direitos fundamentais e sociais, notadamente através de programas.
Apoio à família, à integração sócio-familiar.
Menos bases físicas. Menos abrigos e menos internatos que, via de regra, não dão bons resultados.
Mais programas, menos prédios.
Os serviços da rede necessitam do voluntariado, mas não dispensam profissionalismo e capacitação. Pressupostos para os quais Juízes, Promotores e Técnicos podem contribuir, organizando cursos, seminários, principalmente do pessoal da Justiça.
Indispensável à integração do Judiciário e do Ministério Público com entidades do executivo e não-governamentais.
Diálogo franco constante entre Conselhos de Direito, Tutelares e os demais integrantes da rede.
Programas de restabelecimento de vínculos familiares, com apoio dos Técnicos do Judiciário, se apresentam como alternativa bastante importante.
O tratamento não-institucional deve ser priorizado.
Há que valorizar e incentivar programas de assistência educativa à família.
A rede de atendimento deve priorizar o direito à convivência familiar e comunitária, valorizando iniciativas e programas integrados com a Escola.
Tenha-se presente o artigo 54 do Estatuto e o respeito aos valores culturais, artísticos, históricos, próprios do contexto social de crianças e adolescentes.
É preciso exorcizar o discurso
menorista da “tutela”, da “proteção”, que acaba por segregar “menores” em
“instituições” de toda espécie.
Os vieses da antiga “doutrina”,
marcados pelo assistencialismo e pela experiência correcional repressiva,
lamentavelmente, persitem em muitas organizações da rede de atendimento,
prestigiados por operadores do sistema judicial.
Em que pese a resistência de
certos “especialistas”, a mudança de ótica do assistencialismo para a garantia
de direitos, vem, progressivamente, ganhando espaços.
A eficácia do Estatuto depende,
fundamentalmente, da rede, do profissionalismo e da capacitação.
Sem capacitação em torno do novo
modelo, o Estatuto prosseguirá simples carta de intenções, onde os vieses da
“tutela”, do superior interesse e outros mitos convenientes, continuarão
justificando confinamento e segregação.
É preciso mudar!
A mudança inclui o compromisso com a democracia participativa, que implica reconhecer e valorizar os Conselhos de Direitos.
Notas
1. CAVALLIERI, Alyrio.
Direito do Menor. Rio: Biblioteca Jurídicas Freitas Bastos, 1978, p. 14.
2. CAVALLIERI, Alyrio.
Ibidem, p. 9
3. SILVA, De Plácito e.
Vocabulário Jurídico. Rio: Forense,
1982, p. 321.
4. MENDEZ, Emilio Garcia. Derecho de la infancia – adolescencia en América
Latina: De la situacion irregular a la protección integral, Bogotá
:
Ed. UNICEF, 1998
5. PEREIRA, Tânia da Silva, Direito da Criança e do Adolescente: uma
proposta interdisciplinar, Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
6. SELIH, Alenka.
Os jovens separados de suas famílias. Anais
do XII Congresso da Associação Internacional de Magistrados de Menores e de
Família. Rio: Dinigraf
Empreendimentos Gráficos e Editoriais Ltda. pp. 29 e 30.
7. MANZANERA, Luiz Rodrigues. Criminalidade de menores. México:
Editorial Porrúa S.A., 1987, pp. 365 e 371-372.
8. SOLARI, Ubaldino
Calvento, Lineamentos
del Derecho de Menores en Latino América, Montevideo: Imprensa Marte, 1981, p. 21.
9. ARMIJO, Gilbert.
Manual de Derecho
Procesual Penal Juvenil, San José: IJSA, 1998,
p.49/69.
10. BELOFF, Mary. Infancia, Ley y Democracia
em America Latina, Buenos Aires: Ed. Temis, 1998.
11. BARATTA, Alessandro. Infancia, Ley y Democracia em America Latina, Buenos Aires:
Ed. Temis, 1998.
12. FERRAJOLI,
Luigi. Infancia, Ley y Democracia em
America Latina, Buenos Aire: Ed. Temis, 1998.
13. GRÜNSPUN, Haim, Os direitos
dos menores, São Paulo, ALMED, 1985. p. 86.
14. MANZANERA,
Luiz Rodriguez. Criminalidad de Menores. México:
Editorial Porrúa, 1987, pp. 370/371.
15. GRÜNSPUN,
Hain. Os Direitos dos Menores. São Paulo: Almed,
1985, p. 86.
16. BULHÕES DE CARVALHO, Francisco
Pereira. Direito do Menor. Rio: Forense, 1977, pp. 2/3.
17. RIVERA, Deodato. A Criança e
seus direitos. Estatuto da Criança e do Adolescente & Código de Menores,
Rio, PUC-RJ, Funabem, 1990, pp. 51/52.
18. BARREIRA, Wilson e BRAZIL, Paulo
Roberto. Ob.
cit., p. 15.
19. D’ANTÔNIO,
Daniel Hugo. Derecho de Menores. Buenos Aires :
Editorial Astrea, 1968, p. 323.
20. SOLARI,
Ubaldino Calvento. Lineamentos del Derecho de Menores en Latino América.
Montevideo, Oficina de Publicaxiones del Instituto Interamericano del Niño,
1982, p. 22.
21. BULHÕES DE CARVALHO, Francisco
Pereira de. Ob.
cit., p. 330.
22. GRÜNSPUN, Haim.
Ob. cit., p. 77.
23. MAZZILLI, Hugo Nigro. As várias
formas de adoção. Revista de
Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Lex
Coletânea de legislação e jurisprudência, São Paulo: Lex
Editora, 1985, vol. 95, p. 25.
24. TIFFER,
Carlos S. e LLOBET, Ravier. La sanción
penal juvenil y sus alternativas en Costa Rica – Con jurisprudencia nacional,
1ª ed., San José, C. R.: UNICEF – ILANUD – CE, 1999, p. 188.
25. LIMA, Miguel Moacir Alves de. Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado: comentários jurídicos e sociais, Coordenadores: Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e
Emilio Garcia Mendez, 2ª ed., São Paulo: Malheiros,
1992, pp. 347/348.
26. VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional,
São Paulo: Cortez, 1997, p. 23.
27. VOLPI, Mário. Ob. cit., pp.
23/24.
28. BERGALLI, Roberto. Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado: comentários jurídicos e sociais, Coordenadores: Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e
Emilio Garcia Mendez, 2ª ed., São Paulo: Malheiros,
1992, pp. 361/362.
29. MARTINS, Anísio Garcia. O Direito do
menor. São Paulo : Livraria Editora Universitária de Direito Ltda, 1988,
pp. 398/399.
30. GONÇALVES, Níveo Geraldo e
Moacir Rodrigues. Conselho Tutelar,
Justiça da Infância e da Juventude, Liberdade Assistida, Belo Horizonte:
Del Rey, 1990, pp. 58/59.
31. VOLPI, Mário. Ob. cit., p. 24.
32. VOLPI, Mário. Ob. cit., pp.
26/27.
33. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, Rio: Forense,
1982, vol. III, p. 456.
34. NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São
Paulo: Saraiva, 1971, p. 6.
35. SILVA, Moacyr Motta da e
VERONESE, Josiane Rose Petry.
A tutela jurisdicional dos direitos da
criança e do adolescente, SãoPaulo: LTr, 1998, pp. 81/83.
36. VERONESE, Josiane
Rose Petry, Interesses
difusos e direito da criança e do adolescente, Belo Horizonte: Del Rey, 1996, pp. 16/17
37. LIMA, Alcides de Mendonça.
Dicionário do Código de Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1986, p. 491.
38. MARQUES, José Frederico. Ob. cit., vol. III, p. 113.
39. CARNELUTTI, Francisco. Lecciones sobre
el proceso penal. trad. Santiago S. Melendo, Buenos
Aires, Bosch, 1950, vol. 1, p. 232.
40. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores. As Regras de Beijing, tradução de Maria Josefina Becker, Rio de Janeiro: FUNABEM, 1988.