AÇÃO
CIVIL PÚBLICA - Obrigação de fazer - Implantação de programa para atendimento
de crianças e adolescentes viciados no uso de entorpecentes e inclusão de
previsão orçamentária respectiva, com adoção de providencias administrativas
cabíveis- Sentença de improcedência, sob argumento de que o Município já vem
oferecendo este programa - Inadmissibilidade
- Necessidade de observância de
resolução baixada pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do
Adolescente - Programa oferecido que, em última análise, não atende aos
casos crônicos, por não prever tratamento mais acurado, com internação, se
necessária - Dever do Poder Público
em dar cumprimento às normas programáticas previstas na Constituição Federal e
efetividade dessas normas - Implantação de programa e inclusão
de previsão orçamentária determinada, assim como adoção de todas providências
indispensáveis à sua efetivação - Desacolhimento da argumentação de que há
intromissão indevida do judiciário na esfera de atuação do Executivo - Necessidade, no entanto, de que seja
fixado prazo para cumprimento de todos os pedidos - Recurso provido. TJSP. APELAÇÃO
CÍVEL N.º 057.700.0/7.00 16246. APELANTE:
PROMOTORA DE JUSTIÇA DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE SANTOS. APELADA:
PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTOS.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 57.700/7-00, da Comarca de Santos, em que é
Apelante Promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de Santos, sendo
Apelada Prefeitura Municipal de Santos:
Acordam,
em Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria
de votos, dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Relator que
fica fazendo parte integrante do presente julgado.
O
julgamento teve a participação dos Desembargadores ALVARO LAZZARIINI
(Presidente sem voto), HERMES PINOTTI (voto vencido e declarado) e GENTIL
LEITE, (voto declarado).
São
Paulo, 11 de janeiro de 2001.
1.
Trata-se de apelação cível ofertada pela Promotoria de Justiça da Vara da
Juventude da Comarca de Santos contra a r. sentença de fls. 530/534, que julgou improcedente ação
civil pública, visando à implantação de serviço oficial de auxílio, orientação
e tratamento de alcoólatras e toxicômanos. Ação em que era objetivada a
inclusão de leis orçamentárias pertinentes, determinando a elaboração de
projeto para ser submetido à Câmara Municipal para viabilizar a execução do
programa e adoção de providências para adequação da composição de órgãos
básicos de estrutura administrativa, a fim de cumprir a resolução normativa n0
005/97 do Conselho Municipal de
Direitos da Criança e do Adolescente e da Lei Municipal n.0150/94,
sob argumento de que a ré já vem ofertando programas como o reclamado, apesar
das dificuldades financeiras existentes.
No
recurso, a apelante fez alusão a agravo de instrumento interposto contra
decisão denegatória de liminar e necessidade de citação da Câmara Municipal,
dizendo que, quanto à última desistia do recurso, fazendo carga, por outro
lado, contra a intempestividade da contestação apresentada. No que pertine ao
mérito da r. sentença atacada, refutou todos os argumentos nela expendidos,
para reafirmar que é indispensável o tratamento reclamado, em conjunto com os
demais pedidos, tecendo considerações sobre situação de crianças e adolescentes
viciados no uso de drogas, destacando não estar a Municipalidade observando
preceitos constitucionais que estabelecem prioridade absoluta no trato desta
matéria, a par de não atender a resolução normativa do Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, enfatizando a premência na reforma
daquela decisão, para obrigar o Executivo a cumprir a lei.
O
recurso foi respondido e mantida ficou a r. decisão.
O
parecer da Procuradoria Geral de Justiça é pelo provimento integral da
apelação.
Vieram
informações relativas ao agravo de instrumento noticiado nas razões do recurso.
2.
De início, impende consignar que o agravo interposto já foi julgado (fls.
841/846), nada mais havendo a prover.
3.
Quanto à intempestividade da contestação, acenada em agravo e nas razões de
apelação, não colhe guarida a pretensão da apelante, pois não há como
distinguir, para efeitos processuais, entre Fazenda Pública e Municipalidade,
eis que encarnam, em verdade, a mesma pessoa jurídica de direito público
interno. Dizer que tão só a Fazenda Municipal teria prazo díspar para
apresentar defesa, não compreendendo a Municipalidade não é posição que se
coaduna com a melhor tradição do nosso Direito, mantida a r. sentença neste
particular.
4.
Examinados os documentos que instruíram o processo e, sopesadas toda a
argumentação das partes, tem-se como necessária, no mérito, a reforma da r.
decisão apelada.
Como
lembra o Douto Procurador de Justiça, a Constituição Federal, em seu art. 227,
dispôs a respeito do dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e,
principalmente, do Poder Público, em assegurar, em caráter de prioridade
absoluta, a efetivação dos direitos referentes à vida, saúde, alimentação,
educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, liberdade,
convivência familiar e comunitária para crianças e adolescentes, o que é
repetido no art.4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Prioridade
absoluta, como esclarece o parágrafo único do art. 227, da Carta magna,
compreende primazia nu recebimento de proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, além de precedência no atendimento dos serviços públicos ou de
relevância pública e, bem assim preferência na formulação e execução de
políticas sociais, com, destinação privilegiada de recursos nas áreas
relacionadas com a proteção às crianças e adolescentes.
É
por esta razão que o ECA, dentre outras, prevê medidas de proteção às crianças
e adolescentes, quando seus direitos são ameaçados ou violados por ação ou
omissão da sociedade ou do Estado (art. 98, 1). Estas medidas protetivas,
convém frisar, consistem na requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial, sendo prevista, também, a
inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos (art. l0l,Ve VI).
No
caso em pauta, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
órgão do próprio Município, determinou, por intermédio da Resolução Normativa n0
004/97, a criação de programas governamentais de atendimento previstos no
ECA, especialmente no que tange ao tratamento de alcoólatras e toxicômanos. O
Ministério Público, em inquérito civil instaurado, constatou grave
insuficiência no atendimento que a Municipalidade de Santos atribui a crianças
e adolescentes com problemas de uso de drogas. Ficou patenteado, de forma
bastante clara, a contumácia do Município quanto à observância da deliberação
do Conselho Municipal, demonstradora de oblívio quanto à natureza controladora
de ações desse órgão, nos termos do art.88, II, do ECA, esquecendo, de outra
parte, o caráter normativo de suas decisões a vincular a Administração Pública.
Em
razão deste estado de coisas, foi o Ministério Público obrigado, como detentor
do dever de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes, de caráter
individual, coletivo ou difuso, a ajuizar ação civil pública, para que o
Município de Santos se visse competido a criar programa que, de modo efetivo,
pudesse propiciar aos viciados no uso de drogas, tratamento adequado que, em
definitivo, os livrasse do vício do consumo de substâncias entorpecentes.
Pretendeu-se a inserção, em Plano Plurianual e na Lei Orçamentária Anual, da
observância da preferência na formulação e execução de políticas sociais
públicas, com destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
pertinentes à proteção da infância e juventude, para garantia do cumprimento da
deliberação do Conselho Municipal.
Mas
não somente isso. Pleiteou, ainda, em observância da Resolução n.º 004/97, das
Constituições Federal e Estadual e da Lei Orgânica do Município, que o Sr.
Prefeito Municipal fizesse constar do orçamento a previsão de recursos
indispensáveis à implantação de programa de atendimento aos viciados,
obedecendo o sistema de proteção especial já mencionado. Objetivou, ademais, a
elaboração de projeto, a ser submetido ao Conselho Municipal, para aprovação e
registro, viabilizando a execução de programas oficiais de atendimento, tomando
as providencias necessárias para adequar a composição dos órgãos básicos da
estrutura administrativa da Prefeitura Municipal, consoante a Lei Complementar
Municipal n0 150/94.
Nota-se,
pois, que o desiderato do Ministério Público cinge-se ao cumprimento da lei.
Nada além disso. Dos documentos juntados pelo apelante, infere-se que os vários
programas de atendimento postos pela Municipalidade á disposição de crianças e
adolescentes viciados, não estão cumprindo a função que deles se exige em lei.
São
várias as informações no sentido de que não há tratamento efetivo que
possibilite a erradicação do vício, ocorrendo, no mais das vezes que, superada
alguma crise decorrente do consumo de entorpecentes, sejam os menores liberados
a suas famílias. Equivale dizer que o Município cuida, tão só, de debelar
minimamente as conseqüências do uso de tóxicos, mas não de atacar a causa.
E
isso, é preciso esclarecer, se encontra muito bem descrito na avaliação de fls.
161/167, na qual se afirmava a necessidade de novos estudos, em função de que,
naquela época, havia sido recentemente implantado o NAT (Núcleo de Apoio ao
Tóxico dependente), na esperança de que tal programa trouxesse solução a tão
grave questão social.
Verificou-se,
posteriormente, que este programa e insuficiente, posto que, num primeiro
instante, passou a cuidar dos viciados, sem estrutura familiar, quase sempre,
apenas em nível ambulatorial, para depois ser paralisado, com a agravante,
documentada na fl. 245, de que nenhum projeto orçamentário havia sido enviado á
Câmara Municipal para cumprimento das deliberações do Conselho Municipal ou das
disposições constitucionais e infra-constitucionais. Junte-se a estes elementos
a informação do Presidente da Edilidade no sentido de que várias dotações
orçamentárias poderiam cobrir as despesas necessárias com o programa a ser
criado.
Com
o ajuizamento da ação, a Municipalidade informou ter sido retomado o NAT, mas
há na r. sentença trecho em que se detecta, de modo insofismável, que o aludido
programa não corresponde ao modelo exigido por lei, tanto que na fl. 533 se
colhe “O mesmo atendimento em caráter
emergencial tem sido prestado pelo Pronto-Socorro Central através de seus
médicos, inclusive psiquiatras. Havendo necessidade, internações de curta
permanência têm sido feitas pelo Hospital Guilherme Alvaro, no hospital da Zona
Noroeste e, por vezes, na rede conveniada, desde que prescrita por médico a
internação, objetivando a desintoxicação”.
Ora,
as internações estavam sendo determinadas, quando necessário, apenas por curtos
períodos e, mesmo assim, com auxilio de hospitais e órgãos conveniados, a
demonstrar a falência do sistema municipal de atendimento ao viciado, pois não
se previa, apenas para exemplificar um dado mais crucial., internação pelo
tempo necessário para livrar a criança ou o adolescente, em definitivo, da
toxico dependência.
Somente
esta constatação, data venia, serve
para o reconhecimento de que o Município descumpre, abertamente, a Constituição
Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Legislação local e a
Resolução Normativa 004/97 do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, revelando que a ação deveria ser julgada procedente, pois a implantação
do programa necessário depende, evidentemente, de dotação orçamentária e de
adequação da máquina administrativa, incluindo orientação às famílias desses
viciados.
5.
Dificuldades financeiras, acenadas pelo Município, não podem servir como escusa
ao cumprimento da lei.
Governar
não é fácil. Administrar verbas, também.
Competia,
pois, á Municipalidade, pelo Sr. Prefeito, a elaboração de projeto para
implantação desse programa, bem como a inclusão, na Lei Orçamentária Anual e no
Plano Plurianual, das dotações necessárias para tanto, buscando recursos nos
elementos próprios já existentes ou, então, prevendo alocação dos
indispensáveis, remanejando prioridades, porque, como já se frisou, se discute
a adoção de políticas de prioridade absoluta.
Por
esta razão, não é possível acolher, sem maiores justificativas, a falta de
recursos financeiros, ou dificuldades na sua obtenção.
Não
há, por outro lado, qualquer ingerência do Ministério Público na seara do Poder
Executivo, quando propõe ação que visa ao cumprimento da Constituição Federal,
do ECA, da Legis1ação Municipal e da Resolução Normativa 004/97 do Conselho
Municipal, pois é dever que se inseriu entre suas atribuições institucionais, a
teor, v.g., do art. 201, VIII, do Estatuto.
E,
de igual modo, não se pode admitir uma indevida intromissão do Judiciário no
âmbito de atuação de outro Poder, posto ser necessário o cumprimento de sua
tarefa constitucional de entregar a tutela jurisdicional, ainda que em face do
Estado, quando provocado por meio hábil, controlando, portanto, a atuação
administrativa.
E
nem alegue a natureza programática das normas que introduziram a
obrigatoriedade do Município em criar o programa reclamado na ação, com os
consectários que lhes são naturais, pois que é necessário, o quanto antes,
rever o conceito do alcance de ditas normas, pena de tornarem-se letra morta,
se dependentes tão somente do exame de oportunidade e conveniência do
Executivo.
Se
estes princípios estão previstos na Carta Magna, devem ser cumpridos. Devem ser
reconhecidos como metas a observar, com presteza e proficiência.
A
conveniência e oportunidade que hão de merecer exame pelo Executivo são as da
Sociedade que governa, a exigir maior sensibilidade na propositura de orçamento
e implantação de programas, atendendo não só aos ditames constitucionais, mas,
além disso, às exigências do bem comum.
Vale,
como é cediço, muito mais prevenir, do que, em futuro que se avizinha, cuja
responsabilidade é de todos, tentar remediar o que, muitas vezes, já não mais é
possível fazê-lo.
Por
oportuna, vem a lição de J. J. DE GOMES CANOTILHO:
“Precisamente por isso, e
marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve
falar-se da “morte” das normas constitucionais programáticas. Existem, é certo,
normas-fim, normas-tarefa, normas-programa que “impõem uma actividade” e
“dirigem” materialmente a concretização constitucional. O sentido destas normas
não é, porém, o
assinalado pela doutrina tradicional:
“simples programas”, “exortações
morais” “declarações”, “sentenças políticas”, “aforismos políticos”, “promessas”, “apelos
ao legislador”, “programas futuros”,
juridicamente desprovidos de qualquer
vinculatividade. Às “normas programáticas” é reconhecido hoje um valor jurídico
constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição. Não
deve, pois, falar-se de simples eficácia programática (ou directiva), porque
qualquer norma constitucional deve considerar-se obrigatória perante quaisquer
órgãos do poder político (Crisafulli,). Mais do que isso: a eventual mediação
concretizadora, pela instância legiferante, das normas programáticas, não
significa que este tipo de norma careça de positividade jurídica autônoma, isto
é, que a sua norma atividade seja apenas gerada pelo interpositio do
legislador; é a positividade das normas-fim e normas-tarefa (normas
programáticas,) que justifica a necessidade de intervenção dos órgãos
legiferantes. Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional das
normas programáticas significa fundamentalmente: (1) vinculação do legislador,
de forma permanente, à sua realização (imposição constitucional); (2)
vinculação positiva de todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las
em consideração como directivas materiais permanentes, em qualquer dos momentos
da actividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição); (3)
vinculação, na qualidade de limites materiais negativos, dos poderes públicos,
justificando a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, em
relação aos actos que as contrariam.
Em virtude da eficácia
vinculativa reconhecido às “normas programáticas”, deve considerar-se ultrapassada
a oposição estabelecida por alguma doutrina entre “norma jurídico actual” e “norma programática” (aktuelle Rechtsnorm-Programmsatz,): todas as
normas são actuais, isto é, têm urna força normativa independente do acto de
transformação legislativa. Não há, pois, na constituição “simples declarações
(sejam oportunas ou inoportunas, felizes ou desafortunadas) a que não se deva
dar valor normativo, e só o seu conteúdo concreto poderá determinar em cada
caso o alcance especifico de dito valor” (GARCIA DE ENTEJ?JL4). (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 2ª edição, p. 1050/l051).
Se
essas normas devem ser consideradas coma atuais, não há, por parte do
Judiciário, indevida intromissão na esfera de atuação do Poder Executivo,
quando, ao conhecer de ação civil pública de obrigação de fazer, impõe àquele o
cumprimento da Constituição.
E
é com verdadeiro alívio que se verifica, com a devida venha dos que entendem contrariamente, que Tribunais Pátrios
já vão dando nova dimensão ao alcance das normas programáticas, a exemplo do
que fez o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
RECURSO: APELA CÃO CÍVEL NÚMERO
596017897, RELATOR: SERGIO GISC1IKOW PEREIRA
“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ADOLESCENTES INFRATORES. ART. 227, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OBRIGAÇÃO DE
O ESTADO-MEMBRO INSTALAR E MANTER PROGRAMAS DE INTERNAÇÃO E SEMILIBERDADE PARA
ADOLESCENTES INFRATORES. 1. DESCABIMENTO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE À UNIÃO E AO MUNICÍPIO. 2. OBRIGAÇÃO DE
O ESTADO-MEMBRO INSTALAR (FAZER OBRAS NECESSÁRIAS) E MANTER PROGRAMAS DE
INTERNAÇÃO E SEMILIBERDADE PARA ADOLESCENTES INFRATORES, PARA O QUE DEVE
INCLUIR A RESPECTIVA VERBA ORÇAMENTÁRIA. SENTENÇA QUE CORRETAMENTE CONDENOU O
ESTADO A ASSIM AGIR SOB PENA DE MULTA DIÁRIA, EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. NORMA CONSTITUCIONAL EXPRESSA SOBRE A MATÉRIA E DE
LINGUAGEM POR DEMAIS CLARA E FORTE, A AFASTAR A ALEGAÇÃO ESTATAL DE QUE O
JUDICIÁRIO ESTARIA INVADINDO CRITÉRIOS ADMINISTRATIVOS DE CONVENIÊNCIA E
OPORTUNIDADE E FERINDO REGRAS ORÇAMENTÁRIAS. VALORES HIERARQUIZADOS EM NÍVEL
ELEVADÍSSIMO, AQUELES ATINENTES À VIDA
E A VIDA DIGNA DOS MENORES. DISCRICIONARIEDADE, CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE NÃO
PERMITEM AO ADMINISTRADOR SE AFASTE DOS PARÂMETROS PRINCIPIOLÓGÍC0S E
NORMATIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DE TODO O SISTEMA LEGAL 3. PROVIMENTO EM
PARTE, PARA AUMENTAR O PRAZO DE CONCLUSÃO DAS OBRAS E PROGRAMAS E PARA REDUZIR
A MULTA DIÁRIA. (APC N0 596017897, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. TJRS,
RELATOR: DES. SERGIO GISCHKOW PEREIRA, JULGADO EM 12/03/1997).
A
tudo deve ser somada a constatação de que, em quase doze (12) anos de vigência
da Carta Magna e dez (10) do Estatuto, á transcorreu tempo mais do que
suficiente para que a conveniência e oportunidade da observância dessas normas
fosse notada.
Nada
fazer para impedir que essa omissão infelicite milhares de vidas, com
aguçamento da crise social que ora experimenta o nosso País, é negar o primado
da Justiça e inviabilizar a missão histórica do Poder Judiciário, fazendo com
que a solução de graves problemas dependa da sensibilidade política dos
governantes, quiçá mais preocupados com outras prioridades, e não com aquela
absoluta mencionada no texto de nossa Lei Maior, visando ao futuro das novas
gerações.
E
por isso que não se pode mais perder tempo com discussões inúteis ou estéreis,
enquanto crianças, adolescentes, famílias e a sociedade se debatem, debilmente,
contra violência inaudita e proliferação de posturas que levarão nossa
mocidade, em futuro breve, ao abismo da vida marginal, sem retomo, passando a
figurar em estatísticas anunciadas pela mídia, como se disso não dependesse, em
poucas palavras, o porvir da própria Nação e da civilização brasileiras e
eximisse a todos os que tem o poder de alterar esta situação de suas
responsabilidades.
Há
necessidade, contudo, de que se fixe prazo para cumprimento de todos os pedidos
contidos na inicial, em razão da improcedência decretada em primeiro grau, como
óbvio, ter impedido análise da questão.
Sopesadas
as peculiaridades do caso e, tendo em conta o tempo decorrido desde a
interposição da apelação, tem-se como razoável fixação de sessenta (60) dias
para adoção de todas as providências ali referidas, a contar do trânsito em
julgado deste Aresto.
Ante
o exposto, dá-se provimento ao recurso para julgar-se procedente a ação e
determinar-se à Prefeitura Municipal de Santos, na pessoa do Exmo. Sr. Prefeito
Municipal, a obrigação de cumprir e observar todos os pedidos contidos na
petição inicial, em Sessenta (60) dias contados a partir do trânsito em julgado
desta decisão.
NIGRO
CONCEIÇÃO
Relator
CÂMARA
ESPECIAL
APELAÇÃO
CÍVEL: nº 57.700.0/7
Apelante: Ministério
Público
Apelada: Prefeitura
Municipal de Santos
Voton0
18.911
Declaração
de Voto
1. Meu voto acompanha a decisão do
ilustre Relator e igualmente dá provimento ao apelo ministerial para impor ao
Poder Público Municipal a obrigação de incluir, em lei orçamentária a ser
submetida à Câmara de Vereadores proposta de criação de programa de serviço
oficial de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos.
2.
Observo para tanto que a Carta Magna em seu artigo 227, parágrafo 10 impõe ao
Estado a obrigação de promover programas de assistência integral à saúde da
criança e do adolescente. Em complemento, a Constituição Paulista dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do
Estado”, competindo aos Poderes
Públicos Estadual e Municipal a observância dessa garantia (art. 219 e seu
parágrafo único). A lei federal ordinária, por sua vez direciona a ação do
Poder Público, dentre outras políticas de atendimento, para municipalização do
atendimento e à cri ação e manutenção de programas específicos (Estatuto da
Criança e do Adolescente art. 88, incisos I e III).
Dizer
que as normas contidas no Título VIII da Constituição Federal que tratam da
“ordem social” têm natureza simplesmente programática, sem força vinculativa, é
um retrocesso inexplicável, que não se coaduna com a declaração de princípios
defendida pelos constituintes no artigo 3º
da mesma Carta: Art. 3º Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I construir uma sociedade
livre, justa e solidária, II— garantir o desenvolvimento nacional, III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o
bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Não
foi por Outra razão que o próprio legislador constitucional, no artigo 6º de
nossa Lei Maior, dentre outros, erigiu a saúde à categoria de direito social.
Como
bem ressaltou o Relator em seu voto, “não
se alegue a natureza programática das normas que introduziram a obrigatoriedade
do Município em criar o programa reclamado na ação, com os consectários que
lhes são naturais, pois que é necessário quanto antes, rever o conceito do
alcance de ditas normas, pena de tornarem-se letra morta, se dependentes tão
somente do exame de oportunidade e conveniência do Executivo”.
Nessas
condições, ante o que dispõe o artigo 196 da Constituição Federal e o artigo
208, VII do Estatuto da Criança e do Adolescente, é indubitável o dever do
Executivo de suprir ao menor hipossuficiente acesso às ações e serviços de
saúde, dentre as quais a inclusão em programa oficial ou comunitário de
auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos (art. 101, VI do
mesmo diploma de lei).
É
certo que os documentos constantes dos autos demonstram que não há negativa do
município em prestar o atendimento apontado, porém é também fato induvidoso que
o serviço oferecido é insuficiente, não atingindo especialmente aqueles que
necessitam de internação.
Essa
omissão gerou manifestação expressa do Conselho Municipal de Direitos da
Criança e do Adolescente nesse sentido, assim como legitimou a intervenção do
Ministério Público com amparo no disposto no artigo 129, II da Lei Maior e 210
do Estatuto Criança e do Adolescente.
De
outra parte, ao oposto do sustentado na sentença recorrida, a pretensão
deduzida pelo autor na inicial não esbarra nos princípios de isonomia e
independência dos Poderes constituídos, nem afeta a autonomia administrativa e
financeira do Executivo municipal, posto que não se pode confundir o exercício
do poder discricionário do administrador público com sua inércia diante das
obrigações que lhe impõe nossa Lei Maior.
No
caso, a discricionariedade do ato estará preservada com a garantia de liberdade
do Executivo de traçar as linhas que comporão o programa, assim como de
direcionar exatamente os recursos de que dispõe para fazê-lo, respeitado
somente o crivo da edilidade municipal, a quem em última análise cabe a
aprovação do projeto de lei orçamentária.
Nessas
condições, a sentença que assegura à parte o respeito a um direito social, não
configura indevida ingerência do Judiciário em poder discricionário do
Executivo, mas simples exercício de sua missão constitucional de fazer cumprir
e respeitar as normas legais em vigor.
3
Ante o exposto, meu voto igualmente dá provimento ao recurso ministerial, com a
fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que a Municipalidade de Santos
atenda o pedido inicial.
Custas
como de direito.
GENTIL
LEITE
3º
Juiz
VOTO n.º 13.577 – Câmara
Especial
Apelação
Cível n0 57.700.0/7
Apelante : Ministério Público do Estado
Apelador
: Prefeitura Municipal de Santos
Juízo
de origem: Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Santos
Apelação
Cível - Sentença que julgou
improcedente pedido voltado à obrigação de fazer, consistente na criação de
programa oficial de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e
toxicômanos, a partir de lº de janeiro de 1998, pena de multa diária - Decisão escorreita -
Inadmissibilidade da substituição da vontade da Administração Pública -
Inviabilidade de exame do mérito administrativo - Os Critérios governamentais,
conveniência e oportunidade, são próprios do Executivo, não podendo o
Judiciário, sob qualquer pretexto, ir além do estrito exame da legalidade e da
legitimidade, par e passo dos princípios informadores de cada qual, pena de
ingerência no Executivo, se imiscuindo em terreno discricionário específico - Voto vencido.
Declaração
de voto vencido.
1. Cuida-se de recurso de apelação
interposto contra a sentença que julgou improcedente pedido em ação civil
pública formulada pelo Ministério Público, objetivando obrigação de fazer,
consistente na criação de programa oficial de auxílio, orientação e tratamento
de alcoólatras e toxicômanos, a partir de 10 de janeiro de 1998, pena de multa
diária.
A
douta Procuradoria de Justiça pugnou pela reforma do julgado.