Gildo
Volpato
Resumo: Este artigo de revisão bibliográfica
tem conto objetivo contribuir com a reflexão acerca do jogo e do brinquedo no campo
da educação e busca, principalmente nos autores da Teoria Crítica, seus
principais interlocutores, os subsídio, necessários.
Apresenta um pouco da história de alguns brinquedos e das relações do jogo com
festas e rituais. Discute as mudanças que ocorreram em torno dos conceitos,
usos e significados dos jogos e brinquedos, associando-as ao crescente processo
de racionalização por que passou o mundo ocidental, principalmente nos últimos
séculos. Faz a crítica à mímesis que ocorria nos rituais sagrados, ao mesmo tempo em que
requisita sua inclusão, com algumas ponderações, ao processo de conhecer os
fenômenos na atualidade.
Palavras-chave: Educação. Jogo. Brinquedo. Rituais. Mímesis.
A tentativa de compreender o papel do jogo e do brinquedo na
formação do sujeito tem sido palco de diversas discussões nas mais variadas
áreas do conhecimento. Esta temática tem interessado a educadores, psicólogos,
sociólogos, antropólogos, filósofos e historiadores, dada a sua diversidade
ante as novas realidades econômicas, políticas e culturais, definidoras do
mundo contemporâneo e que retratam, de certa forma, o projeto de modernidade
instalado a partir do Iluminismo do século XVIII.
Essas questões devem ser levadas em consideração quando se
deseja realizar um estudo sobre jogo e brinquedo em qualquer cultura. Por isso,
devemos estar sempre abertos e atentos a possíveis transformações que possam
estar ocorrendo no contexto das relações sociais, pois essas podem interferir
em mudanças de valores, de conceitos e de atitudes em relação ao jogo e ao
brinquedo.
Nossa opção, para efeito deste estudo, foi iniciar com um
mergulho na história dessas manifestações para buscar, a partir dela, elementos
para a compreensão desse fenômeno na atualidade.
Os jogos ocuparam lugar muito importante nas mais diversas
culturas. Segundo Huizinga (1996), na sociedade
antiga, o trabalho não tinha o valor que lhe atribuímos há pouco mais de um
século e nem ocupava tanto tempo do dia. Os jogos e os divertimentos eram um
dos principais meios de que dispunha a sociedade para estreitar seus laços
coletivos e se sentir unida. Isso se aplicava a quase todos os jogos, e esse
papel social era evidenciado principalmente em virtude da realização das
grandes festas sazonais.
O referido autor também fala em características comuns que
são encontradas entre jogos e cultos ou rituais como ordem, tensão, mudança,
movimento, solenidade e entusiasmo. Além disso, segundo o autor, ambos têm o
poder de transferir os participantes, por um espaço de tempo, para um mundo diferente
da vida cotidiana.
Adultos, jovens e crianças se misturavam em toda a atividade
social, ou seja, nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas
diárias, no domínio das armas, nas festas, cultos e rituais. O cerimonial
dessas celebrações não fazia muita questão em distinguir claramente as crianças
dos jovens e estes dos adultos. Até porque esses grupos sociais estavam pouco
claros em suas diferenciações.
Outro fator de extrema importância a ser ressaltado nessas
festas era seu caráter místico. Nas representações sagradas, principalmente,
nas civilizações primitivas, encontrava-se em jogo um
elemento espiritual, difícil de definir, algo de invisível e inebriante
ganhava uma forma real, bela e sagrada.
Conforme Huizinga (1996), os
participantes do ritual estavam "certos de que o ato concretiza e efetua
uma certa beatificação, faz surgir uma ordem de coisas mais elevada do que
aquela em que habitualmente vivem " (p.17).
Apesar de esta intenção estar restrita à duração do ritual e da festividade,
acreditava-se que seus efeitos não cessariam depois de acabado o jogo; pois sua
magia continuaria sendo projetada todos os dias,
garantindo segurança, ordem e prosperidade para todo o grupo até a próxima
época dos rituais sagrados. Todo ritual, segundo Horkheimer
& Adorno (1985, p. 23), "inclui uma representação dos acontecimentos
bem como do processo a ser influenciado pela magia".
De acordo com uma velha crença chinesa, apontada por Huizinga (op. cit.), é atribuída à dança e à música a
finalidade de manter o mundo em seu devido curso e obrigar a natureza a
proteger o homem.
Benjamin (1984, p. 109) fala que devemos "aceitar o
princípio de que os processos celestes fossem imitáveis pelos antigos, tanto individual como coletivamente, e de que esta
irritabilidade contivesse prescrições para o manejo de uma semelhança
preexistente".
Sendo assim, a prosperidade de cada ano dependia de
competições e rituais sagrados realizados nas grandes festas. O grupo social
celebrava a mudança das estações, o crescimento e o amadurecimento das
colheitas, o surgimento e o declínio dos astros, a vida e a morte dos homens e
dos animais.
Essas manifestações humanas possuem características de mito,
que não deixa de ser uma forma de conhecer, de diminuir o medo. Porém, o mito é
cego, repetitivo, sempre igual e é reconstituído a partir do destino, segundo a
Teoria Crítica.
A história dos brinquedos também é diversa do que vemos
atualmente. Havia certa margem de ambigüidade em torno dos brinquedos,
principalmente na sua origem. A maioria deles era compartilhada tanto por
adultos quanto por crianças, tanto por meninos quanto por meninas, nas mais
diversas situações do cotidiano. Conforme Benjamin (1984), muitos dos mais
antigos brinquedos (a bola, o papagaio, o arco, a roda de penas) foram de certa
forma impostos às crianças como objetos de culto e somente mais tarde, devido à
força de imaginação das crianças, transformados em brinquedos. O autor também
fala que os brinquedos, no início, não eram invenções de fabricantes
especializados, pois surgiram primeiro nas oficinas de entalhadores de madeira,
de fundidores de estanho, entre outros.
Por isso, no início, a venda dos brinquedos não era
prerrogativa de comerciantes específicos. Segundo Benjamin (1984, p. 245),
"os animais de madeira entalhada podiam ser encontrados no carpinteiro, os
soldadinhos de chumbo no caldeireiro, as figuras de doce nos
confeiteiros, as bonecas de cera no fabricante de velas".
Essa forma de produção começou a desaparecer, principalmente
com o início da especialização dos brinquedos, que passou a ocorrer no século
XVIII. Com o desenvolvimento do capitalismo, o brinquedo passou a ser
comercializado com fins lucrativos. A partir daí, os objetivos do brinquedo
começam a se afastar da sua origem.
Nesse sentido, Benjamin (1984, p. 68) afirma que "Uma emancipação do brinquedo começa a se impor; quanto mais a
industrialização avança, mais decididamente o brinquedo subtrai-se ao controle
da família, tornando-se cada vez mais estranho não só às crianças, mas também
aos pais.
Se todo mito é uma tentativa de esclarecimento, toda forma
de esclarecimento cada vez mais vem assumindo comportamentos mitológicos,
principalmente a partir da era das luzes.
Pela crescente tendência de racionalização, principalmente
das sociedades ocidentais, as características do brincar e jogar
foram mudando radicalmente. O que antes era motivo de profundas relações
familiares, com valores e sentidos culturais muito significativos, torna-se
objeto destinado a um público-alvo, com um fim em si mesmo.
Estamos distantes daquela realidade que relatamos
anteriormente. Estamos diante, atualmente, de outra configuração.
Aumentam os tipos, as formas, os objetivos, as opções de
compra e doação de brinquedos. Conforme Brougère (1997),
é preciso aceitar o fato de que o brinquedo está inserido em um sistema social
e suporta funções sociais que lhe conferem razão de ser. Diz ainda: "Para
que existam brinquedos é preciso que certos membros da sociedade dêem sentido
ao fato de que se produza, distribua e se consuma brinquedos"
(p. 7).
Muitos dos brinquedos são fabricados para
"ensinar" comportamentos, gestos, atitudes, valores, considerados
"corretos" em nossa sociedade. Por isso, a maioria deles já vem pronta, catalogada, contendo todas as instruções de uso,
idade, sexo, número de participantes, tempo de duração do jogo, basta segui-las
(Volpato, 1999). Como diz Santin
(1990),
Infelizmente
o homem adulto, do negócio e do trabalho, acabou se aproveitando desta dimensão
lúdica da criança. Explorando essa ludicidade da
criança, o adulto a induz, com artifícios, a adotar os valores do adulto. A
astúcia do adulto começa pela produção de brinquedos que a introduzem no mundo
do trabalho e das funções do adulto. (p. 26).
Dessa forma, para garantirem a continuidade dos hábitos de
sua coletividade, em nome de uma racionalidade instrumental, os pais procuram
direcionar, por meio dos brinquedos e jogos, as atitudes e gestos considerados
característicos para cada sexo, para cada idade, para cada situação específica.
No dizer de Horkheimer & Adorno (1985, p. 116),
"o fornecimento ao público de uma hierarquia de qualidades serve apenas
para uma quantificação ainda mais completa".
Para Brougére (1997, p. 63), o
brinquedo é a "materialização de um projeto adulto destinado às crianças
(portanto vetor cultural e social) e que tais objetos são reconhecidos como
propriedade da criança, oferecendo-lhe a possibilidade de usá-los conforme a
sua vontade, no âmbito de um controle adulto limitado". Ou, como diz Benjamin
(1984, p. 14), "de uma maneira geral, os brinquedos documentam como os
adultos se colocam com relação ao mundo da criança".
Como vimos, muita coisa foi
transformada e está continuamente se transformando em nossas vidas, dada a
diversidade dos avanços tecnológicos e científicos e do controle da técnica da
indústria cultural, com os quais estamos constantemente nos relacionando,
diretamente ou não, tendo consciência ou não. Conforme Piacentini
(1994, p. 13),
Nós
latino-americanos somos bombardeados cotidianamente pelo pensamento europeu,
como precursor da modernidade, e pelo pensamento do Primeiro Mundo
econômico-cultural como um todo, destacando o norte- americano, como sintomas
do que ocorre ao redor e (por que não arriscar) dentro de nós.
A autora ainda fala que a realidade tipicamente moderna é
assim, uma sociedade de consumo que procura adaptar os indivíduos ao formidável
mundo novo da violência, da massificação e do automatismo. E esses
comportamentos começam a ser apreendidos como naturais
desde muito cedo, ou seja, na infância. Por isso, um olhar à esfera do
"semelhante", como nos diz Benjamin (1985),
é de fundamental importância para que possamos compreender as diferentes
dimensões e razões do saber chamado "oculto". Segundo o autor, esse
olhar deve estar voltado principalmente para a reprodução dos processos que
engendram tais semelhanças, porém, não perdendo a dimensão de que é o homem
quem produz a semelhança, por meio de uma faculdade chamada, não só pelos
autores da Teoria Crítica, mimética.
Para Benjamin (op. cit.), essa faculdade humana se constrói
na infância, principalmente nos espaços das brincadeiras e dos jogos, que são
impregnados de comportamentos miméticos que vão além da imitação de pessoas.
Nesse sentido, a capacidade mimética cumpre um importante papel na formação do
sujeito, país é na educação infantil que as crianças se apropriam dos elementos
culturais dos adultos, internalizando, reproduzindo e reinventando gestos,
modos de andar, de falar, de sentir, de ser. Porém "as crianças não apenas
imitam os outros, mas representam e
reelaboram o mundo, desenvolvendo com isso, ao brincarem, uma forma de conhecimento não-conceitual” (Vaz, 2000,
p.3).
Os jogos infantis, como nos aponta Benjamin (1985), são
impregnados de comportamentos mimétícos, que não se
limitam de modo algum à imitação de pessoas, pois as crianças não brincam
apenas de ser comerciante ou professor, mas também de moinho-de-vento e trem.
No texto "O narrador", Benjamin (1985) discute a
importância da experiência vívida para que uma história (ou estória) possa ser
narrada. Fala também na riqueza das expressões faciais e gestuais que envolvem
o ato de contar uma história. Essas características também podem se fazer
presentes ao se narrar um conto de fadas, pois o que atraí muito as crianças
são as diferentes expressões corporais representadas pelo narrador, as
alternâncias na tonalidade, altura e timbre de voz. Quanto mais real for a
representação (mesmo que esteja distante da realidade dita
"objetiva"), menor a possibilidades de a criança fazer separação
entre fantasia e realidade, imaginação e fato. O que a criança faz nestes
momentos é deixar-se impregnar pelo que está sendo dito, expressado,
"vivenciado". Esta é uma característica da mímesis.
No entanto, essas manifestações oriundas da dimensão
mimética do ser humano, em nome da racionalidade, devem ser aos poucos
eliminadas. Esse processo se inicia no âmbito familiar, e uma das formas, como
vimos, é por meio da doação de brinquedos padronizados, no controle de suas propriedades,
no alcance de objetivos. O esquematismo do procedimento, como falam Horkheimer & Adorno (1985), mostra-se no fato de que os
produtos mecanicamente diferenciados acabam por se revelar sempre como a mesma
coisa. Isso acontece com os brinquedos industrializados, principalmente os
eletrônicos.
O uso da racionalidade exacerbada é evidenciado também no
início do processo de escolarização, pois a capacidade mimética que aparece no
âmbito do jogo de faz-de-conta, principalmente na Educação Infantil, nem sempre
é permitida, nem tampouco estimulada, valorizada.
E a escola é protagonista na tarefa de deixar esta dimensão
relegada a lembranças. Baseando-se nas idéias de Horkheimer
& Adorno, Vaz (2000) fala que na escola não se aceita nada de intuições,
imagens, representações e jogos, mas somente o que representa cálculo e
pensamento matematizado, no qual o sujeito, por meio de seu pensamento, se
identifica, ou melhor, se iguala ao mundo.
Rocha (1997), em pesquisa realizada em uma classe de
educação infantil, nos relata alguns episódios que ajudam nessa reflexão.
Escreve a autora (p. 77): "A professora passa perto de uma brincadeira de
casinha, que inclui papéis de pai, bebês, mãe, empregada e coiote. É informada
pelas crianças sobre a temática e sobre os papéis do jogo e diz: “Coiote? Pode ter coiote na casa?'".
Tendo por base a análise da autora, podemos dizer que com
esta atitude a professora indica que há, a
priori, uma expectativa em relação a que papéis devem compor uma temática
de "casinha" e que aquilo que se distancia dos parâmetros habituais,
ou seja, a representação de algo que não condiz com o real, causa, no mínimo,
estranhamento. Conforme Horkheimer & Adorno
(1985, p. 117), o esquematismo é o primeiro serviço prestado pela indústria
cultural ao cliente. "Na alma devia atuar um mecanismo secreto destinado a
preparar os dados imediatos de modo a se ajustarem ao sistema da razão
pura".
Num outro episódio, relatado por Rocha (op. cit.), a
professora propõe aos alunos que brinquem de índio. A estrutura do jogo,
orientada por ela, é a seguinte:
Todos são 'índios' que
vão 'beber água' numa determinada 'fonte' (gangorra); essa ação simbólica deve
ser realizada seguindo uma ordem: a professora vai dizendo as letras do
abecedário, em ordem alfabética, e as crianças ficam sentadas: quando
identificam a letra inicial de seu nome levantam-se e vão 'beber água’; depois,
voltam a se sentar. No decorrer do jogo, a professora sugere, rapidamente,
espaços imaginários: ‘riozinho’, ‘lagoa”. (p. 75).
No entanto, na maioria das vezes, a professora não permitia
ou ignorava qualquer ação substitutiva do que havia pré-estabelecido, pois as
crianças recriavam outras formas de se expressarem. Na interpretação da autora,
a atuação da professora opera no sentido contrário do desenvolvimento deste
tipo de jogo, pois desloca a importância do papel, das relações, da imitação e
da temática, para um aspecto secundário. Ocupam posição central na atividade
uma regra condicional (a definição e o modelo de beber água dado pela professora,
embora as crianças tenham percebido formas mais diversificadas e complexas de
agir) e a aquisição de determinados conhecimentos (ordem alfabética e letra
inicial dos nomes). Essa forma de atuação, nas palavras de Rocha (op. cit., p.
78), "pode estar revelando que o desenvolvimento da capacidade de fazer de
conta, de imaginar, não é prioritário no contexto pedagógico".
Pudemos ver, nesses dois episódios apresentados por Rocha,
que entre os movimentos de adesão e transgressão do real, constitutivos do faz-de-conta,
a professora optou, sistematicamente, por investir no primeiro.
Sabemos que no seu brincar, a criança constrói e reconstrói
simbolicamente sua realidade e recria o existente. Porém, esse brincar
criativo, simbólico e imaginário, enquanto forma infantil de conhecer o mundo e
se apropriar originalmente do real, está sendo ameaçado pela interferência da
indústria cultural e, conseqüentemente, falta de compreensão dessa necessidade
no ambiente escolar.
No entanto, é importante salientar que apesar de toda
interferência da indústria cultural em torno do brinquedo, e da própria
desvalorização da brincadeira de faz-de-conta no âmbito escolar, as crianças
não são meras receptoras do que é veiculado, vendido, permitido. Nesse
processo, há também uma reelaboração pelas próprias crianças dos elementos de
seu patrimônio cultural. Mesmo dizendo que as crianças geralmente agem
incorporando normas e padrões de comportamentos, a partir dos elementos
simbólicos que a sociedade lhes impõe, existem mudanças e contradições. Os
brinquedos, como afirma Brougère (1997, p. 105),
"orientam a brincadeira, trazem-lhe a matéria. (...) Só se pode brincar
com o que se tem, e a criatividade, tal como a evocamos, permite, justamente,
ultrapassar esse ambiente, sempre particular e limitado".
No brincar a criança geralmente deixa-se impregnar, penetrar
pela atividade, pelo objeto. Na verdade ela, o brinquedo e o brincar tornam-se
uma coisa só. Adorno (1975), em "Dialética negativa", parte em defesa
intransigente do objeto. Fala da necessidade de o sujeito deixar-se impregnar e
permitir escutar a voz do objeto, pois não existe nem objeto e nem sujeito
puro, é sempre uma relação.
Afinal, não podemos deixar de relatar que mesmo com toda a
produção de telefones infantis, o barbante amarrado em duas latinhas continua
se tornando um telefone, as latas de alumínio sobrepostas se transformando em
jogo de boliche, pneus, plásticos, madeiras, e muitos outros objetos,
aparentemente sem importância, continuam atraindo as crianças, as quais os transformam
em prazerosos brinquedos (Volpato, 1999). São
especiais as palavras de Benjamin (1984, p. 77) ao dizer que:
Elas
(as crianças) sentem-se irresistivelmente atraídas pelos destroços que surgem da
construção, do trabalho no jardim ou em casa, da atividade do alfaiate ou do
marceneiro. Nesses restos que sobram elas reconhecem o rosto que o mundo das
coisas volta exatamente para elas, e só para elas. Nesses restos elas estão
menos empenhadas em imitar as obras dos adultos do que em estabelecer entre os
mais diferentes materiais, através daquilo que criam em suas brincadeiras, uma
nova e incoerente relação.
Nesse sentido, podemos dizer que atividades aparentemente
sem importância podem ter um significado especial para os que a vivenciam.
Significados que, muitas vezes apresentados de modo diferente do nosso habitual
entendimento, revelam nossa relativa limitação em compreender as realizações do
outro.
A Teoria Crítica defende a mímesis como forma de conhecer, mas faz um alerta: é preciso
garantir algo da magia, do deixar-se envolver no processo de conhecer, porém é
preciso assumir o compromisso de elevar o conhecimento, produzido a partir
dessa interação, ao nível de conceito, sempre com consciência e abertura para
novos possíveis.
A responsabilidade social é de cada um e de todos nós. Por isso, essas
atividades que continuam, apesar do novo, nos lançam o desafio de pesquisar,
perseguir, de encontrar e de cultivar estas práticas e pensamentos em nós mesmos,
no mundo que nos cerca, com as pessoas que conosco convivem, ainda que venha a
constituir um caminho dissidente, que se recusa a aderir à
tirania do novo pelo novo. Neste sentido, a Teoria Crítica é um convite
à não-adesão. Não-adesão a qualquer forma de ver, conhecer, analisar e
interpretar os "fenômenos" e, neste caso, o jogo e o brinquedo.