EDUCAÇÃO, DIREITO E CIDADANIA
Resumo: “A educação, como direito e bem
fundamental da vida, é um dos atributos da própria cidadania, fazendo parte de
sua própria essência.” Partindo desta afirmação, o autor, reconhecendo a educação
como um dos meios mais eficazes de realização da equidade social, analisa o
papel do Estado e da família na sua promoção. Apresentando as formas de atuação
do Estado no desenvolvimento da educação, destaca a obrigação de oferecer o
ensino básico para todos e sua atuação como ente fiscalizador junto às
entidades de ensino particular. Neste contexto, o judiciário é apontado pelo
autor como importante instrumento para a efetivação do direito à educação,
devendo ser acionado sempre que por negligência esta não seja oferecida. A
educação, como direito e bem fundamental da vida, é um dos atributos da própria
cidadania, fazendo parte de sua própria essência.
1. Estado de Direito, Estado Democrático de Direito.
2. Democracia. Democracia Participativa.
3. Fundamentos e objetivos principais da República Federativa do Brasil.
4. Cidadania.
5. Políticas sociais básicas e direito público subjetivo.
6. Educação. Abrangência do direito à educação. Plano nacional de educação: fundamentos e objetivos.
7. Educação e deveres do Estado. Competências: aplicação compulsória de recursos.
8. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos. A Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
9. A escola pública: acesso e permanência. A exclusão do ensino fundamental obrigatório.
10. A escola particular. Condições para funcionamento. Relação do consumo: prestador de serviços e consumidor. Inadimplência dos pais e atos discriminatórios.
11. A responsabilidade da escola na coibição de maus-tratos.
12. Direitos fundamentais do educando. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Direito ao respeito; Direito de contestar critérios avaliativos; Direito de organização e participação em entidades estudantis.
13. Direitos fundamentais dos pais em relação à escola. Ciência do processo educativo; Participação na definição das propostas educacionais.
14. Deveres dos pais em relação à educação dos filhos.
15. Palavra final.
1. Estado de direito
Em
conseqüência das necessidades humanas brota a noção de interesse, concebido
como razão entre o sujeito e o objeto. Objeto do interesse do homem é um bem,
podendo ser, "grosso modo", material ou imaterial. Como os bens são
finitos, inexistindo em quantidade ou qualidade para satisfazer a todos os
interesses humanos, inexoravelmente advêm conflitos.
Quando um
mesmo homem tem interesse sobre dois ou mais bens, podendo, contudo, adquirir
ou usufruir apenas de um deles, fala-se da existência de conflito subjetivo ou
individual. Através da renúncia, sacrifício e aceitação, se suas condições
possibilitam relacionar-se apenas com um bem, acaba por escolher aquele que,
dentro de sua escala de valores, atenda melhor às suas necessidades. Por outro
lado, quando duas ou mais pessoas têm interesse sobre o mesmo bem verifica-se a existência de um conflito intersubjetivo ou
interpessoal, ou meramente conflito de interesses, caracterizado pela unidade
de objeto e pluralidade de sujeitos.
Instalando-se
o conflito de interesses as possíveis soluções podem ter por fulcro a violência
ou a civilidade. Força ou racionalidade, emprego das armas ou da razão,
subjugação ou composição, constituem-se meios de solução dos conflitos
intersubjetivos. A prevalência do interesse de um em relação ao interesse de
outrem repousa, em síntese, na capacidade dos sujeitos em utilizarem meios
violentos ou pacíficos para a solução dos conflitos.
Qualquer
que seja o meio utilizado - violência ou civilidade - as soluções são sempre
precárias. Subsistem enquanto perduram as condições de força ou racionalidade.
Enfraquecido o adversário, o vencido pode, muito bem, fazer prevalecer,
igualmente pela força, aquele seu interesse anteriormente contrariado, da mesma
forma que o acordo negociado pode ser rompido a qualquer tempo, bastando que um
dos sujeitos reveja sua posição.
A
organização social busca, tendo por fulcro a realidade dos conflitos de
interesses, encontrar soluções adequadas e definitivas para as controvérsias.
Isto se faz através do Direito, instrumento pelo qual a sociedade regula os
conflitos de interesses, estabelecendo, em cada caso, o interesse que prevalece
sobre o outro, bem como criando mecanismos que possam emprestar definitividade
às soluções propostas pela lei.
O Direito,
portanto, tutela interesses individuais e sociais, protegendo-os com a força da
organização social. Estado de Direito, portanto, é aquele em que as soluções
dos conflitos obedecem aos primados da lei. É o contraponto do Estado violento
e arbitrário.
1.1. Estado democrático de direito
Não basta,
contudo, o primado da legalidade estrita, que as soluções dos conflitos de
interesses tenham lastro no Direito. Sendo este, basicamente, o instrumento
definidor de qual interesse, em caso de conflito, prevalece sobre o outro, não
raras vezes acaba protegendo o poder econômico ou político. Leis podem ser
criadas, e muitas o são, com o único propósito de manter privilégios,
reforçando a dominação e garantindo a ordem social desigual e injusta. Assim, o
Estado baseado no Direito não garante a existência de um Estado de Justiça Social.
Para este, é mister que o Direito tenha como origem um processo de criação
popular, onde as definições da prevalência de um interesse sobre o outro brotem
da livre discussão. Além disso, considerando que a organização social tem na
preservação do homem sua finalidade primordial, é imprescindível que esse
Direito assegure garantias que permitam a satisfação das necessidades e a
atualização das potencialidades humanas. E deve conter também instrumentos
controladores do poder, de sorte que a população conduza, de fato, os destinos
da Nação. Um Estado nestes pressupostos constitui-se em Estado Democrático de
Direito, que, em suma, significa:
a)
prevalência da soberania popular no processo de condução dos destinos da Nação;
b)
existência de mecanismos que garantam o controle popular do exercício do poder;
c) respeito
incondicional às liberdades públicas, especialmente no que concerne aos
direitos fundamentais da pessoa humana, garantindo-se, através de meios
adequados, a efetivação concreta dos enunciados constitucionais;
d)
definição de relações sócio-econômicas que possibilitem a eliminação da
opressão, da fome, da miséria, da ignorância, fornecendo condições de exercício
da cidadania a toda população.
2. Democracia. democracia participativa
Apontaram
os estudiosos três requisitos básicos relacionados à existência da democracia,
notadamente aquela adjetivada de representativa:
a)
existência de uma Constituição;
b) respeito
aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana;
c)
possibilidade de escolha de representantes para administrar a Nação.
Para a
democracia participativa, contudo, não basta a
presença destes requisitos, exige-se, também, que a população participe
diretamente da gestão dos negócios públicos. Assim, a população não se limita
ao exercício do direito de voto, podendo e devendo influir, diretamente e nos
termos da lei, na administração pública. O poder político, ínsito a cada
cidadão, extravasa a mera escolha de representantes, alcançando outras
atividades do Estado, da sorte que a definição de prioridades públicas não
fique circunscrita somente à esfera de decisão dos eleitos. Tem-se em conta,
nesta concepção, o verdadeiro alcance da soberania popular.
3. Fundamentos e objetivos principais da República
Federativa do Brasil
O artigo 1º
da Constituição de 1988 estabelece que a República Federativa do Brasil
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a
soberania;
II - a
cidadania;
III - a
dignidade da pessoa humana;
IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o
pluralismo político.
Programaticamente
também adota a democracia representativa e participativa ao estabelecer, no
parágrafo único desse mesmo artigo (1º), que todo o poder emana do povo, que o
exerce por meios de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
Em síntese,
do ponto de vista constitucional, afirma-se a existência de um Estado
Democrático de Direito, onde a soberania popular materializa-se na democracia
representativa e participativa, tendo por objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o
desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
(CF, art. 3º).
4. Cidadania
Podemos
entender por cidadania a efetivação dos direitos civis, econômicos e sociais
que pertinem a cada pessoa humana.
A cidadania
não se verifica pela mera possibilidade de exercício de tais direitos; reclama
atendimento aos interesses protegidos pela lei, porquanto, como direitos
fundamentais, são essenciais para o desenvolvimento da pessoa humana e
manutenção da própria dignidade.
Desta
forma, entende-se que tem caráter universal, abrangendo a
totalidade das pessoas, o que, obviamente, conflita com aquelas
organizações sociais onde as necessidades de poucos, inclusive não essenciais,
são supridas pelo sacrifício dos interesses fundamentais de muitos.
Em suma,
considerar cidadão aquele que pode exercer o direito de votar e de ser votado é
muito pouco, pois somente o é aquele que participa da divisão da riqueza da
sociedade, da Nação, podendo atender às suas necessidades básicas e vitais, sem
as quais não vive, não se desenvolve e nem atualiza suas potencialidades.
5. Políticas sociais básicas e direito público
subjetivo
Para o
atendimento de determinadas necessidades individuais, como educação, saúde,
alimentação, habitação, transporte, lazer etc., o Estado, concebido como nação
politicamente organizada para o atendimento de seus objetivos primordiais, é
responsável pela definição de políticas sociais, implementando ações e serviços
coletivos que resultem em benefícios concretos para a população.
Direito de
todos e dever do Estado constitui-se em expressão designativa de direito social
a que correspondem obrigações do Poder Público, materializadas em ações
governamentais previamente definidas e priorizadas, reunidas em um conjunto
integrado pela busca da mesma finalidade.
Se o dever
do Estado conduz à definição de políticas sociais básicas, o direito de todos
leva à existência de direito público subjetivo, exercitável, portanto, contra o
Poder Público.
Assim,
reconhece-se que o interesse tutelado pelo direito social tem força
subordinante, isto é, subordina o Estado ao atendimento das necessidades
humanas protegidas pela lei.
Atender ao
direito social protegido pela lei significa cumprir, qualitativa e
quantitativamente, as obrigações que dele decorrem, produzindo ações e serviços
que satisfaçam os titulares daquele direito. Existindo oferta irregular dessas
ações e serviços por parte do Estado, a força subordinante do direito social
violado conduz à necessidade de prestação jurisdicional, de modo que a ordem
social violada pelo Poder Público, notadamente através de seu Poder Executivo,
possa ser restaurada pelo Poder Judiciário.
Assim,
deflui do direito público subjetivo força subordinante em relação ao Estado,
não só no que diz respeito ao cumprimento voluntário das obrigações, mas também
na garantia de acesso ao Judiciário para o suprimento coercitivo das omissões
governamentais.
6. Educação. abrangência do direito à educação. Plano Nacional de Educação: fundamentos e objetivos
A
Constituição Federal, em seu artigo 6º, estabelece que são
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Ao se
referir à educação de forma específica o legislador constituinte insculpiu, no
artigo 205 da Lei Maior, a regra consoante a qual a educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Juridicamente
podemos conceber a Educação como um direito social público subjetivo. Deve ser
materializado através de política social básica, porquanto indiscutivelmente
relacionado à cidadania da pessoa humana, dois dos fundamentos constitucionais
da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º), bem como é pertinente aos
objetivos primordiais e permanentes do Estado brasileiro (CF, art. 3º),
notadamente o referente à erradicação da marginalidade.
Educação,
em sentido amplo, abrange o atendimento em creches e pré-escolas às crianças de
zero a seis anos de idade, o ensino fundamental, inclusive àqueles que a ele
não tiveram acesso na idade própria, o ensino médio e o ensino em seus níveis
mais elevados, inclusive aqueles relacionados à pesquisa e à educação
artística. Contempla, ainda, o atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, prestado, preferencialmente, na rede regular de ensino.
Considerando
o objeto formal da educação, prescreve a Constituição Federal a obrigatoriedade
da lei ordinária instituir Plano Nacional de Educação, estabelecendo
previamente seus objetivos, ou seja, priorizando metas que devem
necessariamente constar quando da definição desta política social básica.
Assim, as ações do Poder Público devem conduzir à erradicação do analfabetismo,
à universalização do atendimento escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à
formação para o trabalho e à promoção humanística, científica e tecnológica do
País (CF, art. 214).
Assim,
constata-se que a própria Constituição Federal estabeleceu balizas para o
estabelecimento da política de educação a ser implantada no Brasil, priorizando
ações que considera essenciais para o desenvolvimento das pessoas e do País.
Em outras
palavras, considerando a relação entre Educação e os fundamentos e objetivos do
Estado, seu conteúdo formal e as ações consideradas essenciais, podemos
concebê-la, notadamente para as classes populares, como instrumento de
transposição da marginalidade para a cidadania.
Retomando
conceito inicial - efetivação dos direitos civis, sociais e políticos - a
Educação é muito mais do que o preparo para o exercício da cidadania, como
menciona a Constituição Federal (art. 205), na medida em que a saída da
marginalidade pressupõe a aquisição de conhecimento que possibilite condições
para a superação das adversidades decorrentes da falta de cumprimento das
obrigações ínsitas aos demais direitos fundamentais.
A Educação,
como direito e bem fundamental da vida, é um dos atributos da própria
cidadania, fazendo parte de sua própria essência.
7. Educação e deveres do Estado. competências:
aplicação compulsória de recursos
A educação,
como dever do Estado, importa desenvolvimento de ações governamentais que
conduzam ao atendimento das pessoas na creche e pré-escola, no ensino
fundamental, no ensino médio e superior, além do atendimento educacional
especializado às pessoas portadoras de deficiência. Além disso, consoante consignado
no artigo 208 da Constituição Federal, o Estado, aqui e na Lei Maior utilizado
como designativo do Poder Público, deve promover a progressiva extensão da
obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio, ofertar ensino noturno regular e
atender ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares
e de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
O acesso
gratuito, contudo, somente encontra-se assegurado ao ensino fundamental (CF,
art. 208 § 1º). Nos demais níveis contentou-se o
legislador constituinte em garantir a gratuidade em estabelecimento oficiais
(art. 205, inciso IV), ou seja, não ficou obrigado a garantir o acesso de todos
ao ensino médio e superior.
Isto não
significa que o Estado só tenha obrigações relacionadas ao ensino fundamental.
Quis o legislador apenas excluir dos demais níveis de ensino a obrigatoriedade
e garantia de acesso, ficando, contudo, responsável pelo implemento de tudo aquilo que se encontra elencado no art. 208 da Constituição
Federal.
Prevê a
Constituição Federal uma espécie de sistema integrado de ensino público (art.
211), ficando a União responsável pela organização e financiamento do sistema
federal de ensino, bem como pela prestação de assistência técnica e financeira
aos Estados, Distrito Federal e Municípios, sendo que estes devem atuar
prioritariamente no ensino fundamental.
Quanto aos
recursos relacionados à manutenção deste sistema estabeleceu a Constituição
Federal a obrigatoriedade de aplicação de parte da receita resultante de
impostos, estabelecendo para a União limite mínimo de dezoito e para os
Estados, Distrito Federal e Municípios percentual nunca
inferior a vinte e cinco por cento (art. 212).
Além desses
deveres do Estado, relacionados ao ensino público, tem a obrigação, pois o
ensino é livre à iniciativa privada, de estabelecer e fiscalizar o cumprimento
de normas gerais da educação nacional, bem como autorizar o funcionamento de
instituições privadas e avaliar sua qualidade (CF, art. 209).
8. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos. A Constituição da República e o Estatuto da Criança e do Adolescente
Convém,
neste momento, tecer algumas considerações a respeito dos direitos da criança e
do adolescente, porquanto representam a principal clientela do sistema
educacional.
Crianças e
adolescentes, não só do ponto de vista jurídico, sempre foram vistos como meros
objetos de intervenção do mundo adulto, seja ele representado pela Família,
pela Sociedade e pelo Estado. Não se lhes reconheciam direitos próprios,
exercitáveis contra aqueles que negassem subordinação aos seus interesses.
No máximo,
juridicamente, eram tidos como pequenos adultos, podendo exercitar, via
representação ou assistência dos pais ou responsável legal, alguns direitos,
comuns a toda e qualquer pessoa, como, por exemplo, o direito de propriedade.
Não se
considerava, ainda, que crianças e adolescentes estão na condição peculiar de
pessoas em processo de desenvolvimento e, via de
conseqüência, têm interesses especiais, decorrentes da própria infância
e adolescência, e que tais interesses, pela sua importância, merecem contar com
proteção jurídica.
O Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, rompeu com esta
tradição jurídica, e, em seu artigo 227, filiou-se à idéia de que crianças e
adolescentes são sujeitos de direitos, podendo exercitá-los frente à família, à
sociedade e ao Estado.
Assim,
consignou neste artigo que é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Considerando
a posição assumida pelo legislador constituinte, foi necessária a substituição
do Código de Menores por um diploma legal que regulamentasse aqueles direitos
fundamentais, disciplinando as relações jurídicas estabelecidas entre crianças
e adolescentes e família, crianças e adolescentes e sociedade e crianças e
adolescentes e Estado.
Surgiu,
então, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei Federal
8.069, de 13 de junho de 1990.
O processo do qual resultou a inserção de dispositivos relacionados a crianças e adolescentes na Constituição Federal, bem como o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, nasce, desenvolve-se e atinge sua finalidade notadamente através da mobilização popular, através de organizações representativas da sociedade civil, e da participação de pessoas ligadas a instituições públicas e privadas que, somadas, levaram avante a idéia de transformação legislativa.
Tal
lembrança é necessária de sorte a frisar que as transformações sociais, em
regra, resultam do poder popular organizado, representando
conquistas advindas dos embates, das lutas, da perseverança.
Por outro
lado, anote-se que nenhuma lei, por melhor que seja, pode substituir o
substrato econômico e social que falta à maioria da população brasileira.
Contudo, a lei pode ser concebida, levando-se em conta os interesses de seus
destinatários, como um instrumento de transformação social, como garantia de
possibilidades, de sorte que a ação transformadora possa nela buscar respaldo.
Ainda em
caráter genérico é mister consignar que criança e adolescente, nos termos do ECA, são locuções com conteúdo certo. Assim, a expressão
criança é reservada para a designação de pessoas de até 12 anos incompletos,
enquanto que adolescente refere-se à pessoa entre 12 e 18 anos de idade (ECA,
art. 2º).
Também anote-se que o Estatuto não regulamenta todas as relações
entre crianças e adolescentes e família, sociedade e Estado; apenas disciplina
as questões fundamentais, não substituindo as legislações especiais, como, por
exemplo, a CLT (relações de trabalho de adolescentes).
Deste modo,
no que concerne ao Direito à educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente
apenas disciplina seus aspectos principais, não substituindo, e nem poderia
fazê-lo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O ECA, em resumo, apenas protege juridicamente interesses de
crianças e adolescentes considerados fundamentais em relação à educação,
estabelecendo normas de caráter geral.
9. A escola pública: acesso e permanência. A exclusão do ensino fundamental obrigatório
Como
anteriormente consignado, o legislador constituinte adotou como princípio a
coexistência de instituições públicas de ensino (art. 206,
inciso III, segunda parte).
Quanto à escola
pública, ou seja, aquela instituída e mantida pelo Poder Público, preocupou-se
o legislador notamente com o ensino fundamental, compreendendo a 1ª até a 8ª
série da educação básica, inicial.
Declarou a
gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental, garantindo o acesso à
escola pública a toda e qualquer pessoa. Expressamente consignou que este
acesso constitui direito público subjetivo (CF, art. 208, § 1º), possibilitando
sua exigência, em juízo ou fora dele.
Em resumo,
isto significa cobrança de vagas em número suficiente para atender à demanda,
bem como necessidade de oferta, pelo Poder Público, capaz de
atender a todos aqueles dependentes do ensino fundamental. Não se trata
de ação de assistência social, prestada somente àquele que dela necessitar, ou
seja, motivada pela carência; o acesso ao ensino fundamental público e,
portanto, gratuito é direito de todos e independe da capacidade econômica de
seu titular.
Visando
imprimir concretude ao direito de acesso ao ensino fundamental público o legislador
constituinte prescreveu o atendimento, através de programas suplementares, de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 208, inciso VII).
Tais
obrigações, reiteradas no artigo 53, inciso VII, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, bem como o próprio direito de acesso encontram
na ação civil pública um poderoso instrumento de coerção do Poder Público,
quando omisso ou negligente. Verifica-se pela leitura do artigo 208 do ECA a possibilidade de ingresso de ações judiciais de
responsabilidade em razão do não-oferecimento ou oferta irregular do ensino
obrigatório ou de programas suplementares de oferta de material
didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando em ensino
fundamental (incisos I e V). A lei, portanto, permite que os interessados
ingressem em juízo, pugnando do Poder Judiciário providência asseguradora de
seus direitos relacionados ao ensino fundamental, de sorte que tenham eficácia,
ou seja, materializem-se em resultados do cotidiano.
A lei não
se limita a garantir o acesso ao ensino público e estabelecer mecanismo visando
compelir o Poder Público ao cumprimento de suas obrigações. Prevê também uma
forma de controle externo da manutenção do educando no ensino fundamental, de
modo a contribuir para que a própria escola não motive a exclusão. Assim,
estabelece como dever dos dirigentes de ensino fundamental, seja de escola
pública ou particular, comunicar ao Conselho Tutelar do Município e, na sua
falta, à autoridade judiciária os casos de reiteração de faltas injustificadas
e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares, bem como a ocorrência de
elevados níveis de repetência (ECA, art. 56, incisos II e III).
Tal
comunicação, de caráter obrigatório, tem por fito inserir a comunidade,
interessada socialmente na escolaridade de seus integrantes e representada pelo
Conselho Tutelar, na discussão dos casos de evasão escolar. O Conselho pode
acionar mecanismos possibilitadores do retorno dos excluídos, inclusive, se for
e conforme o caso, acionando o Ministério Público e o Judiciário para as
providências que lhes competem.
Estas
providências podem ser de várias ordens. A título de exemplificação e tendo
como fonte experiências concretas, a evasão escolar pode ter como causa
principal a falta de recursos locais que garantam o transporte de crianças e
adolescentes, razão pela qual, se implementado ou reimplantado o serviço, os
excluídos poderiam voltar à escola. Continuando com a exemplificação, a
exclusão poderia ter como motivo punições disciplinares injustificadas,
podendo, através de ação própria, ser revistas pelo Judiciário. Considere-se,
ainda, que como os pais ou responsável têm não só a obrigação de matricular
seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (ECA, art. 55), mas também
devem zelar pela freqüência à escola, podem também ser
responsabilizados, inclusive criminalmente, pelas suas omissões
injustificadas. Assim, a comunicação obrigatória tem por objeto possibilitar
intervenção de órgão externo na tentativa de reinserção dos excluídos da rede
escolar.
Anote-se
que a própria lei ressalva prévio esgotamento dos recursos escolares. Isto
significa que a escola é a primeira e primordial responsável pela reinserção
dos excluídos. Deve encetar todas as iniciativas tendentes a possibilitar o
retorno e freqüência às aulas, observando-se, neste sentido, que o Poder
Público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a
calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação com vistas à
inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório
(ECA, art. 57).
Cabe, aqui,
uma pergunta: como a lei, constitucional e ordinária, garante o acesso e
permanência no ensino obrigatório, é legal punição disciplinar consistente na
expulsão? Entendemos que não. Isto porque a via administrativa não pode
coarctar o exercício de direito, notadamente em se tratando de direito
fundamental da criança ou adolescente, previsto na própria Constituição
Federal.
Evidentemente
que isto não faz da escola refém do mau aluno, que tenham professores e
diretores de submeterem-se aos caprichos, omissões e até aos atos infracionais
de seus educandos. Contudo, a expulsão, notadamente naquelas localidades onde
exista apenas uma única escola, redundará na exclusão do educando do ensino
fundamental, impedindo o regular exercício de um direito. Outras formas
disciplinares devem ser encontradas no sentido de garantir a disciplina
escolar, sem que impliquem em obstáculos ao acesso e permanência do educando no
ensino fundamental.
10. A escola particular. condições para funcionamento. Relação de consumo: prestador de serviços e consumidor. Inadimplência dos pais e atos discriminatórios
É evidente
que a escola particular presta um serviço público. Desta forma, porquanto a
educação é primordialmente um dever do Estado, estabelece
a Constituição Federal condições gerais para que o ensino possa ser ministrado
via iniciativa privada (art. 209).
Entre as
condições exigidas constitucionalmente, destaca-se a autorização para funcionamento,
que se encontra ao cumprimento das normas gerais da educação nacional,
previstas em lei (Constituição Federal, ECA, LDB etc.) e portarias da
autoridade administrativa competente (Ministério, Conselhos e Secretarias de
Educação). Além disso, fica o Poder Público com a obrigação fiscalizatória,
entendida como avaliação do controle de qualidade de ensino ministrado pelo escola particular.
A escola
particular não deixa de ser uma prestadora de serviços. Serviço, na definição
inserta no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de
1990), é qualquer atividade fornecida ao mercado de consumo, mediante
remuneração. Assim, entre o contratante do serviço (aluno ou pais ou
responsável) e a escola particular estabelece-se uma relação de consumo,
figurando de um lado o consumidor e, de outro, o fornecedor de serviços.
Isto,
contudo, não desnatura o caráter público da educação. A existência de uma
relação de consumo, de natureza patrimonial, não elide obrigações sociais
decorrentes de direitos fundamentais da criança e do adolescente que,
obviamente, escapam da esfera eminentemente negocial. Assim, por exemplo, a
inadimplência dos pais não autoriza, por parte da escola, qualquer forma de
retaliação à criança e ao adolescente que possa violar ou ameaçar seus direitos
básicos. Isto porque tais direitos decorrem não de um contrato, mas,
essencialmente, da própria condição peculiar de pessoas em processo de
desenvolvimento e do caráter público da educação.
Desta
forma, as pendências patrimoniais entre os contratantes, via de regra pais e a
escola particular, devem ser resolvidas entre as partes maiores e capazes, em
juízo ou fora dele, afastada qualquer prática que possa redundar em prejuízo
pessoal para o aluno.
Inconcebíveis,
a nosso ver, atos discriminatórios em razão da inadimplência dos pais
(suspensão, proibição de provas, etc.), retenção de documentos ou recusa em
fornecê-los, mesmo porque é dever de todos colocar crianças e
adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CF, art. 227, "in fine").
A conduta
daquele dirigente de escola particular que, em razão de pendência com os pais,
submete criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento é incriminada com
pena de detenção de seis meses a dois anos (ECA, art. 232). A nosso ver,
estaria este crime configurado quando criança ou adolescente, filho de pai
inadimplente, tivesse sua situação, na sua presença e de outros alunos, tornada
pública, de forma ultrajante, pelo funcionário ou dirigente escolar.
Como
consignado anteriormente, a pendência entre os contratantes deve ser
solucionada pelos meios legais, protegendo-se a criança ou adolescente de
qualquer ato que importe violação do direito ao respeito.
11. A responsabilidade da escola na coibição de
maus-tratos
A
Constituição Federal de 1988 preocupou-se com um problema fundamental,
infelizmente comum a todos os Países, classe econômica, nível cultural etc., ou
seja, a violência dentro da própria família. Expressamente consignou no artigo
226, § 8º, que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações. Em síntese, abandonou a concepção maniqueísta de que a família
representa sempre a harmonia, a paz, a segurança, e
que o mundo externo somente encerra perigo e desordem, reconhecendo que na
família podem desenvolver-se relações violentas, notadamente incidindo sobre os
mais fragilizados.
Ante o
imperativo constitucional que determina a necessidade de criação de mecanismos
visando a coibição da violência no âmbito das relações
familiares, o Estatuto da Criança e do Adolescente previu a possibilidade de
aplicação de uma série de medidas aos pais ou responsável (art. 129), desde
tratamento, orientação etc. até a suspensão ou destituição do pátrio poder.
Além disso, inovou ao consignar que, verificada a hipótese de maus-tratos,
opressão ou abuso sexual impostos pelo pai ou responsável, a autoridade
judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor
da moradia comum (art. 130).
A violência
dos pais ou responsável contra os filhos ou pupilos também pode configurar
crimes previstos no Código Penal, como por exemplo maus-tratos e lesões
corporais, anotando-se que o ECA acrescentou outros,
como a submissão da criança ou adolescente a vexame ou constrangimento (art.
232) e a tortura (art. 233).
Para que as
providências civis ou criminais, conforme o caso, possam ser adotadas, o ECA, considerando que não raras vezes a violência familiar
é percebida na escola, estabeleceu, no artigo 56, inciso I, a obrigação dos
dirigentes de estabelecimentos de ensino de comunicar ao Conselho Tutelar ou,
na sua falta, ao Juiz da Infância e da Juventude, os casos de maus-tratos envolvendo
seus alunos.
Verificados
indícios de que a criança ou adolescente tem sido vítima de violência, valendo
ressaltar que os artigos 13 e 245 do ECA contentam-se
com suspeita, a comunicação obrigatória se faz necessária para que a
intervenção da autoridade faça cessar a agressão.
Convém
ressaltar que a omissão do professor ou responsável por estabelecimento de
ensino fundamental, creche ou pré-escola, em comunicar à autoridade competente
os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de
maus-tratos, configura infração administrativa, punida com
multa de três a vinte salários de referência, que se aplica em dobro
quando da reincidência (art. 245).
12. Direitos fundamentais do educando. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola
Tal
direito, previsto na Constituição Federal (art. 206, inciso I) e no ECA (art. 56, inciso I), deflui do artigos 5º e 227, "caput", da Lei Maior, que, em
razão do princípio da isonomia, vedam distinção de qualquer natureza e obrigam,
a nós todos, colocar crianças e adolescentes a salvo de toda forma de
discriminação.
Desta
forma, ainda que se trate de escola particular, vedados
estão os privilégios para uns e obstáculos para outros, de vez que as regras de
acesso devem ser comuns a toda e qualquer criança ou adolescente, tendo como
critério básico a igualdade de condições.
a) Direito ao respeito
O Estatuto
da Criança e do Adolescente, em seu artigo 53, inciso II, assegura o direito do
aluno de ser respeitado por seus educadores. Isto decorre do direito ao
respeito, mencionado no artigo 227 da Constituição Federal e definido no artigo
17 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A
incolumidade física da criança ou adolescente não pode, de forma alguma, sofrer
qualquer agressão. Abolidos estão da escola os castigos físicos, desde a
moderna palmada pedagógica até a antiga palmatória.
Por outro
lado, a integridade psíquica e moral, que abrange a
preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e
crenças, dos espaços e objetos pessoais, constitui-se em patrimônio
individual inviolável, próprio de cada pessoa, inclusive crianças e
adolescentes. Aquele que desrespeitar em público o aluno, submetendo-o a vexame
ou constrangimento, fica sujeito a pena de detenção de
seis meses a dois anos, porquanto sua conduta é considerada criminosa (ECA,
art. 231).
Esclareça-se
que o aluno também deve respeito aos diretores, professores e funcionários da
escola. A conduta desrespeitosa poderá, até, configurar ato infracional que,
consoante definição do ECA, corresponde a qualquer
crime ou contravenção penal, como, por exemplo, injúria.
b) Direito de contestar critérios avaliativos
Prescreve o
artigo 53, inciso III, do ECA que o aluno tem direito
de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer a instâncias escolares
superiores.
A
avaliação, notadamente sob a forma de nota, crédito ou conceito, deve ter por
principais fundamentos critérios objetivos, de sorte a afastar a possibilidade
de prepotência e até mesmo perseguição, pois somente encontram terreno fértil
na aferição subjetiva.
A
contestação de critério avaliativo não pode ser confundida com indisciplina ou
insubordinação, não só pelo fato de hoje constituir direito exercitável em face
do professor e da escola, como também em razão da necessidade de democratização
do ensino, onde a onipotência e autoritarismo do mestre são substituídos pela
concepção de que é um instrumento de socialização do saber, indispensável à
própria construção da cidadania.
c) Direito de organização e participação em entidades
estudantis
Este
direito (ECA, art. 53, inciso IV) decorre da garantia
constitucional da plena liberdade de associação para fins lícitos (art. 5º,
inciso XVII).
A entidade
estudantil, para sua criação, independe de autorização da escola, vedada
qualquer interferência ou seu funcionamento. Sequer o Poder Público pode
intervir (CF, art. 5º, inciso XVIII). Somente pode ser compulsoriamente
dissolvida ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, sendo que no
primeiro caso exige-se trânsito em julgado, ou seja, decisão judicial
irrecorrível (CF, art. 5º, inciso XIX).
13. Direitos fundamentais dos pais em relação à escola. ciência do processo educativo
O Estatuto
da Criança e do Adolescente consignou que os pais ou responsável têm a
obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (art.
55), incumbindo-lhes o dever de educação dos filhos menores (art. 22),
importando a omissão até em causa de destituição do pátrio poder (art. 24), sem
prejuízo de eventual responsabilidade penal em razão do crime de abandono
intelectual (CP, art. 246). Isto decorre do fato de que a educação é um dever
não só do Estado mas também da família (CF, art. 205).
Visando o
cumprimento dessas obrigações, mesmo porque, nos termos do Código Civil, um dos
atributos do pátrio poder consiste na incumbência dos pais em dirigir a criação
e educação dos filhos menores (art. 384, inciso I), prevê o Estatuto da Criança
e do Adolescente o direito de conhecer o processo educativo adotado pela escola
(art. 53, parágrafo único), de sorte que os pais possam avaliá-lo à luz de seus
princípios e expectativas quanto à formação integral dos filhos.
a) Participação na definição das propostas
educacionais
Têm os
pais, também, o direito de participar da definição das propostas educacionais,
influenciando para que o ensino ministrado sirva aos seus filhos como
instrumento de atualização de potencialidades e seja adequado às condições
peculiares das famílias. Neste último aspecto, convém destacar que se o Poder
Público estimulará pesquisas, experiências e novas propostas relativas a
calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação com vistas à
inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamental obrigatório
(ECA, art. 57), obviamente deverá levar em conta as necessidades dos
destinatários principais da atividade, expostas pelos próprios interessados.
14. Deveres dos pais em relação à educação dos filhos
A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família (CF, art. 205), reclama atenção
especial dos pais, pois estes têm o dever de assistir, criar e educar os filhos
menores (CF, art. 229).
Tais normas
constitucionais encontram no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente outras disposições, valendo lembrar que aos
pais, enquanto titulares do pátrio poder, compete-lhes, quanto à pessoa dos
filhos, dirigir-lhes a criação e educação (CC, art. 384, inciso I), afirmando o
ECA que aos mesmos incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores (art. 22).
Dever dos
pais, qualquer que seja o estado civil dos mesmos, servindo a norma insculpida
no artigo 231, inciso IV, do Código Civil, relacionada às obrigações dos
cônjuges, apenas como referência a possibilitar sanção decorrente da falta de
cumprimento de um dos deveres fundamentais do casamento do qual resulte prole.
Criar é
também educar, de sorte que o primeiro seria um dever genérico do qual o
segundo seria uma de suas espécies. Educar, por outro lado, em sentido amplo,
no propósito de transmitir e possibilitar conhecimentos, despertando valores e
habilitando o filho para enfrentar os desafios do cotidiano. A educação, neste
sentido, viabilizaria o desenvolvimento mental, moral,
espiritual e social da criança e do adolescente.
Este
ofertar de um processo educativo, dever dos pais, encontra limite nas condições
de seu oferecimento, que devem se pautar pelo respeito à liberdade e dignidade
da criança e do adolescente (ECA, art. 3º, parte final). Tal observação se faz
necessária porque, se educar também é corrigir, de modo que o erro seja
afastado, a correção ínsita ao direito-dever de educação não pode ir ao ponto de violar outros direitos fundamentais, como a
integridade física ou a saúde do filho, encontrando balizas nos delitos de
maus-tratos, lesões corporais etc.
No que
concerne à escolaridade, o principal dever consiste em matricular os filhos na
rede regular de ensino (ECA, art. 55). valendo lembrar que constitui crime de
abandono intelectual, punido com detenção de 15 dias a um mês, ou multa, deixar,
tem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar (CP,
art. 246). Excluem a ilicitude da conduta situações reveladoras de miséria,
pobreza, graves dificuldades financeiras, falta de vagas em
estabelecimentos públicos etc, porquanto, como é óbvio, não houve
omissão dolosa.
Deflui do
artigo 129, inciso V, do ECA que os pais, além da
matrícula, têm o dever de acompanhar a freqüência e o aproveitamento escolar do
filho. O mero colocar na escola não elide a obrigação dos pais, reclamando a
lei atuação no sentido de garantir a permanência, bem como no de observar e
participar da evolução escolar da criança ou adolescente, avaliando seus
progressos individuais e estimulando-os para que o estudo seja-lhes rendoso.
Evidente
que as condições dos pais devem ser consideradas, porquanto ninguém é obrigado
a dar o que não possui, de modo que eventuais omissões sejam aferidas à luz do
caso concreto. A atribuição de desídia deve ser ponderada como negligência
inescusável, descaso para o qual inexiste qualquer desculpa.
Por fim, é
de assinalar que o descumprimento indesculpável dos deveres relacionados à
educação dos filhos faz incidir as medidas previstas no artigo 129 do Estatuto
da Criança e do Adolescente, sendo a mais grave a destituição do pátrio poder.
15. Palavra final
Garantidas
a vida e a saúde de uma pessoa, a educação representa o bem mais valioso da
existência humana, porquanto confere a possibilidade de influir para que os
demais direitos se materializem e prevaleçam. Somente reivindica aquele que
conhece, que tem informação, saber, instrução, e, portanto, cria e domina meios
capazes de levar transformações à sua própria vida e história. Se a ignorância
é a principal arma dos exploradores, a educação é o instrumento para a transposição
da marginalidade para a cidadania, única medida do desenvolvimento de um povo.
Inexiste algo mais nobre do que socializar o conhecimento, de vez que aquele que ensina aprende o real sentido do saber, e aquele que aprende ensina o verdadeiro propósito de educar.
Retirado
de: http://www.abmp.org.br