UNIÃO HOMOSSEXUAL: ASPECTOS SOCIAIS E JURÍDICOS
Maria Berenice Dias
Desembargadora, RS.
A grande polêmica que envolve o encaminhamento do projeto que reconhece a chamada parceria civil registrada impõe que se façam algumas colocações sobre a homossexualidade - tema encharcado de preconceitos, tabus e mitos - para se visualizar como ela vem sendo tratada no âmbito do Direito.
Questões que dizem com relações familiares e comportamentais situam-se mais na esfera privada do que na pública, cabendo à sociedade sua normatização. Há valores culturais dominantes em cada época, a gerar um sistema de exclusões muitas vezes baseado em preconceitos estigmatizantes. Tudo que se situa fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de "anormal", ou seja, fora da normalidade, o que não se encaixa nos padrões, visão polarizada extremamente limitante. São, em regra, questões de lenta maturação, como o divórcio, por exemplo. Demorou, mas a sociedade acabou por aceitá-lo. Nas últimas décadas, mudou-se a maneira de encarar o homossexualismo e a virgindade das mulheres. Ficou-se mais tolerante com o primeiro e revogou-se a necessidade da segunda.
Com a evolução dos costumes, a mudança dos valores, dos conceitos de moral e de pudor, o tema referente à opção sexual deixou de ser "assunto proibido" e hoje é enfrentado abertamente, sendo retratado no cinema, nas novelas, na mídia em geral.
Ainda que a sociedade se considere heterossexual, 10% dela é formada por homossexuais. As culturas ocidentais contemporâneas estigmatizam aqueles que não têm preferências sexuais dentro de determinados padrões de estrita moralidade, renegando-os à marginalidade.
O homossexualismo é um fato que se impõe e não pode ser negado, estando a merecer a tutela jurídica, ser enlaçado como entidade familiar. Necessário mudar valores, abrir espaços para novas discussões, revolver princípios, dogmas e preconceitos.
Panorama histórico
A prática homossexual acompanha a história da humanidade, pois era aceita na antigüidade clássica, havendo somente restrições à sua externalidade, ao comportamento homossexual.
Na Grécia antiga, fazia parte das obrigações do preceptado "servir de mulher" ao seu preceptor, havendo a crença de que, por meio do esperma, se transmitiam heroísmo e nobreza. Também havia a justificativa de treiná-los para as guerras, nas quais inexistia a presença de mulheres. Era um privilégio das classes nobres. Nas olimpíadas gregas, os atletas competiam nus, exibindo a beleza física, sendo vedada a presença das mulheres na arena sob o fundamento de que não tinham capacidade para apreciar o belo. Também nas manifestações teatrais, os papéis femininos eram desempenhados por homens transvestidos ou com o uso de máscaras. Por evidente que essas eram manifestações homossexuais.
O maior preconceito contra o homossexualismo provém das religiões. A concepção bíblica vem do preceito judaico de busca de preservação do grupo étnico, e toda relação sexual deveria dirigir-se à procriação.
A Igreja Católica considera uma aberração da natureza, transgressão à ordem natural, uma verdadeira perversão.
Desde o final dos anos 60, tem aumentado a visibilidade das opções sexuais dos indivíduos, por ter diminuído o sentimento de culpa que pesa sobre eles. Os chamados movimentos gays têm-se proliferado, procurando dar transparência ao fenômeno.
Aspectos psicológico e biológico
Na área da Psicologia, a homossexualidade é encarada como um distúrbio de identidade, e não como uma doença. Também não é hereditária, nem uma opção consciente ou deliberada. É fruto de um determinismo psíquico primitivo, que tem origem nas relações parentais desde a concepção até os 3 ou 4 anos de idade, quando se constitui o núcleo da identidade sexual na personalidade do indivíduo, que irá determinar sua orientação sexual.
No campo científico, também mudou o conceito. No ano de 1985, deixou de constar o art. 302 do Código Internacional das Doenças - CID - como uma doença mental, passando ao capítulo Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais. Na última revisão, de 1995, o sufixo "ismo", que significa doença, foi substituído pelo sufixo "dade", que significa modo de ser.
Recente pesquisa realizada nos EUA mostra a existência de causas genéticas no desenvolvimento do homossexualismo, não se podendo taxar como um desvio de conduta ou escolha pessoal.
Não sendo uma opção livre, mas fruto de um determinismo psicológico, não pode ser objeto de marginalização ou reprovabilidade social ou jurídica. O legislador não pode ficar insensível à necessidade de regulamentação dessas relações.
Visão constitucional
Firmando a Constituição a existência de um estado democrático de direito, tende à realização dos direitos e liberdades fundamentais. O núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade humana, que ocupa uma posição privilegiada no texto constitucional (inciso III do art. 1º).
Os grandes pilares que servem de base à Constituição são os princípios da liberdade e da igualdade. Tais enunciados não podem se projetar no vazio, não se concebendo como normas programáticas, sendo necessário reconhecer sua eficácia jurídica no Direito de Família, que recebe o seu influxo.
O inciso I do art. 5º estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e o inciso IV do art. 2º consagra a promoção do bem de todos sem preconceitos de sexo.
A proibição da discriminação sexual, eleita como cânone fundamental, alcança a vedação à discriminação da homossexualidade, pois diz com a conduta afetiva da pessoa e o direito de opção sexual.
A identificação da orientação sexual está condicionada à identificação do sexo da pessoa escolhida em relação a quem escolhe, e tal escolha não pode ser alvo de tratamento diferenciado. Se alguém dirige seu interesse a outra pessoa, ou seja, opta por outrem para manter um vínculo afetivo, está exercendo sua liberdade. O fato de direcionar sua atenção a uma pessoa do mesmo ou de distinto sexo que o seu não pode ser alvo de discrímine. O tratamento diferenciado por alguém orientar-se em direção a um ou outro sexo - nada sofrendo se tender a vincular-se a pessoa do sexo oposto ao seu ou recebendo o repúdio social por dirigir seu desejo a pessoa do mesmo sexo - evidencia uma clara discriminação à própria pessoa em função de sua identidade sexual. Se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, aí está incluída, por óbvio, a opção sexual que se tenha.
Nesse sentido já se posicionaram as Cortes Supremas do Canadá, Estados Unidos e Havaí: a discriminação por orientação sexual configura discriminação sexual.
Diverso é o tratamento da homossexualidade a depender do nível do desenvolvimento cultural dos Estados. Dinamarca, Suécia e Noruega possuem leis que concedem à parceria os mesmos direitos das pessoas casadas, só havendo impedimento à adoção. A Constituição da África do Sul, de 1996, foi a primeira que expressamente proibiu a discriminação em razão da opção sexual. A França, Austrália e alguns Estados americanos, além da descriminalização, proíbem medidas discriminatórias, sem adotar iniciativas positivas. Já nos países islâmicos, o homossexualismo é reconhecido como crime, podendo ser punido com a pena de morte.
No Brasil, tramita a Proposta de Emenda à Constituição nº 139/95, da ex-Deputada Marta Suplicy, de alteração dos arts. 3º e 7º da CF, para incluir a proibição de discriminação por motivo de orientação sexual.
A parceria civil registrada
O Projeto de Lei nº 1.151/95, de autoria da ex-Deputada Marta Suplicy, teve trocado o nome de união civil para parceria civil registrada. Busca tão-só autorizar a elaboração de um contrato escrito, com a possibilidade de ser registrado em livro próprio no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais.
Conforme a própria justificativa do Projeto, ele não se propõe dar às parcerias homossexuais um status igual ao do casamento. Podem ser pactuados deveres, impedimentos e obrigações, contendo disposições de caráter patrimonial. Protege o direito de propriedade e garante o direito de sucessão, de usufruto, benefícios previdenciários, direitos de curatela, impenhorabilidade da residência, direito de nacionalidade em caso de estrangeiros, possibilidade de inclusão no imposto de renda e na composição da renda para compra ou aluguel de imóvel. Não autoriza a troca de nome, mas também não a proíbe.
Não pressupõe a existência de uma relação afetiva ou homossexual entre os parceiros. No entanto, o fato de somente poderem contratar pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas (inc. I do § 1º do art. 1º) e impedir a alteração do estado civil durante sua vigência, vedando que elas se casem (art. 2º, § 3º), gera novo impedimento para o casamento não elencado no art. 183 do CC. Ainda que não o faça, seria melhor que, modo explícito, protegesse as relações homossexuais, sob pena de se ter a lei por inconstitucional, já que desigualitária a vedação de ser celebrado por pessoas de sexos diversos. De outro lado, como cria um vínculo jurídico gerador de efeitos pessoais, além dos patrimoniais, não pode ser enquadrado exclusivamente no campo obrigacional, inexistindo instituto em que ocorra a impossibilidade de alteração do estado civil e o impedimento do casamento.
O inquestionável é que o Projeto marca o início da saída da marginalidade dos vínculos afetivos homossexuais, deixando de ser excluídos para ser incluídos no laço social, obtendo o reconhecimento de sua existência pelo Estado.
A possibilidade de adotar
A mais tormentosa questão que se coloca, e que mais divide as opiniões, é quando se questiona sobre a possibilidade de os parceiros virem a adotar. O Projeto de Lei da união civil nada previa, sendo que a vedação da adoção, tutela ou guarda foi introduzida pelo relator.
Não há qualquer impedimento no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois a capacidade para a adoção nada tem a ver com a sexualidade do adotante, sendo expresso o art. 42 ao dizer: "Podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil".
A única objeção que poderia ser suscitada seria face aos termos do art. 29: "Não se dará a colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado". No entanto, o princípio que deve prevalecer é o do art. 43: "A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivo legítimo". Ao depois, é de se atentar na nossa realidade social, com um enorme contingente de menores abandonados em situação irregular, que poderiam vir a ter uma vida com mais dignidade. Assim, não há como se ter por incompatível com a natureza da medida a relação, ainda que homossexual, que possua as características de uma união estável, em que exista um lar respeitável e duradouro, cumprindo os parceiros os deveres assemelhados aos dos conviventes, como a lealdade, a fidelidade, a assistência recíproca, numa verdadeira comunhão de vida e de interesses.
Como não se pode excluir o direito individual de guarda, tutela e adoção garantido a todo cidadão, independentemente de sua orientação sexual, tal restrição pode gerar situações injustas. Em havendo a possibilidade de a adoção ser feita por um só dos parceiros, eventuais direitos do adotado, quer de alimentos, quer sucessórios, só poderão ser buscados com relação ao adotante, fato que, com certeza, acarreta injustificável prejuízo, por não gerar direitos com relação àquele que também tem como verdadeiramente seu pai ou sua mãe.
Na Califórnia, há pesquisadores que, desde meados de 1970, vêm estudando famílias formadas por lésbicas e gays. Concluíram que crianças com os dois pais do mesmo sexo são tão ajustadas quanto as crianças com os pais dos dois sexos. Nada há de incomum quanto ao desenvolvimento do papel sexual dessas crianças (Filhos de Lésbicas e Gays: Flaks, Ficher, Masterpasqua & Joseph, 1995; Gottman, 1990; Patterson, 1992,1994, - in Harris, Judith Rioch, Diga-me com quem anda... Ed. Objetiva, 1999, p. 80).
Indispensabilidade de regulamentação
Ainda que tenha vindo a Constituição, com ares de modernidade, outorgar a proteção do Estado à família, independentemente da celebração do casamento, continuou a ignorar a existência de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo.
Ao buscar-se identificar o conceito de família, a primeira visão é a da família patriarcal, nitidamente hierarquizada, com papéis bem definidos, constituída pelo casamento, com uma formação extensiva. Hoje a família é nuclear, horizontalizada, apresentando formas intercambiáveis de papéis, sem o selo do casamento.
Não se diferencia mais a família pela ocorrência do casamento. Também a existência de prole não é essencial para que a convivência mereça reconhecimento e proteção constitucional, pois sua falta não enseja sua desconstituição sequer perante o Direito Canônico. Se prole ou capacidade procriativa não são essenciais para que a convivência de duas pessoas mereça a proteção legal, não se justifica ter a Constituição deixado de abrigar, sob o conceito de família, a convivência entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que a própria lei não permite qualquer distinção em razão do sexo.
Se a orientação sexual é baseada em fatores biológicos ou psicológicos, inquestionavelmente é uma característica pessoal que se insere na auréola de privacidade do cidadão e é cercada de todas as garantias constitucionais. A valorização da dignidade da pessoa humana, como elemento fundamental do estado democrático de direito, não pode chancelar qualquer discriminação baseada em características individuais. Repelindo-se qualquer restrição à liberdade sexual, não se pode admitir tratamento desigualitário em função da orientação sexual.
O estigma do preconceito não pode ensejar que um fato social não se sujeite a efeitos jurídicos. Não se pode impor a mesma trilha percorrida pela doutrina e pela jurisprudência nas relações entre um homem e uma mulher fora do casamento, que levou ao alargamento do conceito de família por meio da constitucionalização da união estável.
O Direito passou a valorizar a afetividade humana, abrandando preconceitos e formalidades. As relações familiares impregnam-se de autenticidade, sinceridade e amor, deixando de lado a hipocrisia da legalidade estrita.
Se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em um verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e respeito mútuo, com o objetivo de construir um lar, inquestionável que tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, gera direitos e obrigações que não podem ficar à margem da lei.
As uniões estáveis homossexuais não podem ser ignoradas, não se tratando de um fato isolado, ou de frouxidão dos costumes como querem os moralistas, mas a expressão de uma opção pessoal que o Estado deve respeitar.
A Constituição não é um conjunto de regras, mas um conjunto de princípios, aos quais se devem afeiçoar as próprias normas constitucionais, por uma questão de coerência. Mostrando-se uma norma constitucional contrária a um princípio constitucional, tal fato configura um conflito, e, assim, a norma deve ser considerada inconstitucional, como sustentava Otto Bachof já em 1951. Assim, não se pode deixar de ter por discriminatória a distinção que o art. 226, § 3º, da Constituição Federal faz ao outorgar proteção a pessoas de sexos diferentes, contrariando princípio constitucional constante de regra pétrea. Flagrado o confronto, possível é concluir-se ser igualmente inconstitucional a restrição do art. 1º da Lei nº 9.278/96, que regulamenta a união estável, podendo e devendo ser aplicada às relações homossexuais.
Não há, portanto, como deixar de visualizar a possibilidade do reconhecimento de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. O adjunto adverbial de adição "também", utilizado no § 4º do art. 226 da CF (Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes), é uma conjunção aditiva, a evidenciar que se trata de uma enumeração exemplificativa da entidade familiar. Só as normas que restringem direitos têm de ter interpretação de exclusão.
Para os especialistas da ONU: família é qualquer grupo de pessoas que convivam sob o mesmo teto, sejam ou não do mesmo sexo, não se usando o matrimônio como origem do casamento.
Não se pode afrontar a liberdade fundamental a que faz jus todo ser humano no que diz com sua condição de vida. A orientação sexual adotada na esfera de privacidade não admite restrições. Presentes os requisitos legais, vida em comum, coabitação, laços afetivos, divisão de despesas, não se pode deixar de conceder-lhe os mesmos direitos deferidos às relações heterossexuais que tenham idênticas características.
Mais do que uma sociedade de fato, trata-se de uma sociedade de afeto, o mesmo liame que enlaça os parceiros heterossexuais. Na lacuna da lei, ou seja, na falta de normatização, há que se subsidiar na determinação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, de aplicação da analogia, costumes e princípios gerais de direito. Não se pode deixar de estabelecer analogia com as demais relações que têm o afeto por causa, ou seja, o casamento e as uniões estáveis.
O Judiciário, no entanto, tem como inconcebível fazer tal analogia, encontrando-se praticamente fechadas as portas para essa realidade, quem sabe com o propósito de não vê-la e, assim, fazê-la desaparecer.
Como bem referiu a ex-Deputada Marta Suplicy na justificativa do seu Projeto: "Se todos têm direito à felicidade, não há por que negar ou desconhecer que muitas pessoas só serão felizes relacionando-se afetiva e sexualmente com pessoas do mesmo sexo. Valores e normas sociais são modificados, reconstruídos e alterados de acordo com as transformações da própria sociedade".
Enquanto a lei não acompanha a evolução dos usos e costumes, as mudanças de mentalidade, a evolução do conceito de moralidade, ninguém, muito menos os aplicadores do direito, podem, em nome de uma postura preconceituosa ou discriminatória, fechar os olhos a essa nova realidade e se tornar fonte de grandes injustiças. Não se pode confundir as questões jurídicas com as questões morais e religiosas.
Uma sociedade que se quer aberta, justa, livre, pluralista, solidária, fraterna e democrática, às portas do novo milênio, não pode conviver com tão cruel discriminação, quando a palavra de ordem é a cidadania e a inclusão dos excluídos.
O Tratamento Jurisprudencial
Ainda que os homossexuais seja
m estigmatizados, vêm os tribunais reconhecendo-lhes alguns direitos de cidadania.
A partilha de bens que mais causou alarde foi deferida ao parceiro do pintor Jorge Guinle, falecido em 1987. Mais do que isso, pouco tem evoluído a jurisprudência.
Recente julgamento da 4ª Turma do STJ, cujo Relator foi o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. (REsp nº 148.897-MG, julgado em 06/4/98), reformou decisão da Justiça de Minas Gerais que havia negado pedido de partilha de bens decorrente de relação homossexual: "Sociedade de fato. Homossexuais. Partilha de bem comum. O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos postos no art. 1363 do C. Civil. Responsabilidade Civil. Dano Moral. Assistência ao doente com AIDS. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com AIDS a indenização pelo dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que resultou da opção de vida assumida pelo autor e não da omissão do parente, faltando o nexo de causalidade. Art. 159 do C. Civil. Ação Possessória julgada improcedente. Demais Questões Prejudicadas. Recurso conhecido em parte e provido".
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da Ap. 96.04.55333-0/RS, em 20/8/98, deferiu a inscrição do companheiro como dependente no plano de saúde da CCF, entendendo que a recusa foi motivada pela orientação sexual das partes, o que viola o princípio constitucional de igualdade, que proíbe discriminação sexual.
De grande repercussão o mais recente julgado gaúcho (proc. 01196089682) que, reconhecendo a união estável, aplicou a Lei nº 8.971/94 e deferiu a totalidade da herança ao parceiro, por não ter o de cujus deixado descendentes nem ascendentes.
Também a 2ª Vara da Justiça Federal de Santa Catarina deferiu direito à percepção, mas somente da metade, da pensão vitalícia por morte do companheiro homossexual, sob o fundamento de que a negativa de pagamento pelo fato de o dependente ser do mesmo sexo que o servidor refletia nítida discriminação por orientação sexual.
Ainda que o pedido de Roberta Close tenha sido negado, a Justiça vem decidindo favoravelmente à troca do nome no Registro Civil, havendo julgados do Tribunal gaúcho nesse sentido desde 1994. No entanto, a mais revolucionária decisão que já ocorreu sobre o tema foi a proferida em 10/3/99 pela 7ª Câmara Cível. Alegando que não existe impedimento legal ao casamento de pessoas de sexos opostos, o recurso buscou afastar a averbação determinada de ofício pelo magistrado que deferira a troca do nome para o feminino. Tendo-se tornado uma mulher, afronta ao princípio da igualdade não poder casar como qualquer mulher. A decisão está assim ementada: "APELAÇÃO CIVIL. MUDANÇA DE SEXO E PRENOME. RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO JUIZ. Embora não constitua, a restrição imposta pelo Juiz, disposição ultra petita e nem afronte ao princípio constitucional da igualdade, provê-se, em parte, o apelo para fazer constar apenas a causa determinante de ditas alterações. Fica, assim, resguardada a boa-fé de terceiros. Louvor à sentença. Unânime".
No transexualismo, busca-se adequar pela via cirúrgica a externalidade, face à divergência entre a genitália e a postura interna da pessoa. Interessa saber se, mudado o sexo, está transfigurada a verdadeira sexualidade ou se adquirida a identidade do sexo oposto. Ao ser autorizado, com a troca do nome, o direito de casar, não se pode impedir o casamento entre os homossexuais que não optem pela emasculação, o que afrontaria o princípio da igualdade.
Também é da Justiça gaúcha a decisão do relator que, em 18/02/99, ao apreciar liminar em agravo de instrumento, deferiu o pedido para que se processasse a ação envolvendo relação homossexual nas Varas de Família. O recurso, no entanto, ainda não foi julgado (Agravo de Instrumento nº 599075496).