O ABUSO SEXUAL COMETIDO CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE: UMA VISÃO INTRAFAMILIAR

 

 

Andréia Haas(1)

Especialista em Direito Processual, RS.

 

 

 

1 Introdução

O presente artigo versa sobre o abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente sob uma visão intrafamiliar e tem por finalidade averiguar a vinculação direta da família na maioria dos casos de violência imposta à infância e juventude, principalmente no que diz respeito ao abuso sexual, buscando-se, dessa forma, explicar por que os pais são os principais agressores e quais são as conseqüências de tal ato brutal que faz da criança e do adolescente vítima, bem como se analisa o perfil do agressor e o papel da família e do Estado frente a tal violência que pode ser considerada uma das maiores tragédias da humanidade, onde pais violentam suas proles como se estas fossem objetos de manipulação.

 

Tema esse, extremamente relevante e delicado, apesar de ser muito divulgado na mídia e pouco discutido nos meios jurídicos, podendo ser considerado a pior violência cometida contra a criança e o adolescente e que a cada dia que passa tem se mostrado mais assustadora para não se dizer aterrorizante.

 

Ademais, a realidade da justiça brasileira não se mostra eficiente, visto que a própria previsão legal para a proteção das vítimas desse tipo de violência é insuficiente, pois apesar de os direitos da criança e do adolescente tenham sido recepcionados pela Carta Magna, abrindo portas para legislação específica de proteção da infância e juventude e que os considerassem sujeitos em desenvolvimento e cidadãos de direito, mesmo assim, deixa o Estatuto da Criança e do Adolescente a desejar, pois não define com clareza o crime de abuso sexual, e por sua vez, deixa de proteger as vítimas dessa violência.

 

Da mesma forma, há de se criticar nosso Código Penal Brasileiro que também não faz menção à proteção de crianças e adolescentes vítimas da violência sexual e doméstica, sendo inclusive conivente com essa espécie de violência, visto que é capaz de aplicar penas a pessoas próximas da criança e o adolescente de forma mais branda do que se a mesma violência fosse intentada por um terceiro ou estranho à vítima.

 

Com o presente trabalho tenta-se mostrar que a família não é sagrada, nem intocável e que pode em alguns momentos, e não raramente, apresentar grandes riscos à integridade física, moral e emocional de uma criança ou adolescente.

 

Com efeito, perseguindo a nossa legislação escassa e a doutrina por muitas vezes diversa da do direito, observa-se a violação dos direitos fundamentais da pessoa humana dentro do próprio lar da criança e do adolescente, sendo que as seqüelas, mais cedo ou mais tarde, irão apontar uma infância ou juventude impregnada de ódio e de violência, capaz de levá-los a um círculo vicioso sem fim.

 

É dessa maneira, que dedico o presente artigo a todas as crianças e adolescentes vítimas da violência, mormente àquelas que são abusadas sexualmente todos os dias, na sua maioria vitimizadas pela própria família, pela sociedade que cala e pelo Estado que não reage, diante de uma das maiores tragédias da humanidade.

 

Dedico, também, a todas aquelas pessoas que militam pela abortagem de tal violência, que não fecham os olhos, que não se ensurdecem ou emudecem diante de tal situação, que preferem conjugar o verbo agir ao verbo ignorar, e que lutam para que a sociedade autofágica em que vivemos torne-se capaz de proteger suas crianças e adolescentes, não deixando que seus direitos fundamentais, entre eles a convivência familiar, sejam burlados de forma a matá-las, destruí-las ou violá-las como se estivessem apenas imolando-as.

 

2 O pesadelo refletido na palavra “violência”

 


2.1 Um breve histórico sobre a criança e o adolescente, sob o enfoque da violência

Ao longo dos tempos observa-se o desenvolvimento da infância e da juventude alicerçado sobre bases repletas de um alto grau de violência, facilmente transformável em violência direta e abusos. E é buscando essas bases históricas que preceitua Afonso, dizendo que: “Ao longo da história as crianças e os adolescentes estiveram sujeitos às mais bárbaras formas de punição, inclusive as mesmas aplicadas aos adultos”. (2)

 

Assim, a violência pode ser considerada uma forma de relação social que expressa modos de vida, padrões de sociabilidade e modelos de comportamentos vigentes numa sociedade em determinado momento histórico. Representa, ainda, relações entre classes sociais e relações interpessoais, e o que é mais importante e triste, encontra-se impregnada nas relações entre adultos e crianças, resultando na coisificação das últimas.

 

Assim, o ato violento cometido contra a criança e o adolescente pode ser considerado a negação dos valores universais como: a liberdade, a igualdade e, acima de tudo, ao direito primordial do ser humano, que é o direito à vida. Dessa forma, a violência apresenta-se como uma manifestação de sujeição e coisificação do ser humano, atentando contra a construção de uma sociedade de homens livres, passando a ser considerada uma ameaça constante ao direito à vida.

 

Elaborada, por vez, uma reconstrução crítica da história da cultura da violência, pode-se estabelecer um paralelismo que nos permite entender a sua forma mais brutal, qual seja, o extermínio de crianças e adolescentes por parte de determinadas categorias.

 

Na Grécia, os governos eram formados a partir da vontade do chefe da família, sendo que as crianças débeis geralmente eram mortas, enquanto que as sadias permaneciam vivas em número suficiente para a defesa do Estado. Em Roma isso também acontecia, sendo que eram mortas as crianças com problemas mentais, bem como as do sexo feminino. O mesmo aconteceu na cidade de Esparta e na antiga Cartago onde a prática comum era o oferecimento das crianças aos deuses como prova do sacrifício dos adultos, sendo que elas eram imobilizadas, drogadas e posteriormente queimadas.

 

Diferentemente das sociedades já mencionadas, o povo hebreu, que não admitia nem o aborto nem o sacrifício das crianças, pois tinham como princípio a perpetuação da espécie, defendiam, contudo, a venda dos filhos dos escravos para que assim fosse resolvido o problema da pobreza. Platão e Aristóteles admitiam o infanticídio e o extermínio das crianças, chegando ao ponto em que Aristóteles propôs a elaboração de uma legislação de controle de natalidade, na qual decidia-se as crianças que deveriam perecer, tirando desses seres humanos o direito que têm à vida.

 

Na Idade Média, se uma criança viesse a falecer, o que não era raro, outra criança a substituía com a maior facilidade, passando a história da infância e juventude a ser coroada como:

 

“um pesadelo do qual recentemente começamos a despertar. Quanto mais atrás regressamos na história, mais reduzido o nível de cuidado com as crianças, maior a probabilidade de que houvessem sido assassinadas, abandonadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas sexualmente. (3)

 

A vida das crianças no século XVII até a segunda metade do século XVIII não era fácil. Conquanto nascidas de famílias abastadas, elas eram encaminhadas às nutrizes e depois permaneciam em média quatro ou cinco anos com os pais até irem para os conventos ou colégios internos. As crianças pobres eram aleitadas também por nutrizes e muitas acabavam morrendo ou engrossando as fileiras dos despossuídos que vagavam pelo mundo. De uma forma ou de outra, o que se sentia de maneira concreta era que as crianças viviam em perene estado de abandono, quer físico, quer moral, quer sentimentalmente.

 

Até essa época as crianças tinham pouco significado no seio da família, havia uma indiferença pela sua sorte, tanto pelo pai como pela mãe.

 

Assim entre o século XVII e XVIII a natureza infantil não tinha especificidade, nem valor. A criança deveria ser educada através de castigos corporais introduzidos pelos adultos. Essa espécie de violência se configurava como importante enquanto imposta às crianças, visto que o flagelo de seu corpo era considerado importante para salvar a sua alma.

 

Sendo assim, pode-se observar que quanto mais se retorna ao princípio da história da humanidade, cada vez mais encontramos o pouco envolvimento dos pais nos cuidados aos seus filhos e que se hoje nos espantamos com a quantidade de crianças vítima de violências, maiores são os números ao regredirmos na nossa história.

 

Por muitos séculos a importância do pequeno ser humano foi tão banalizada, de forma que até os animais tinham uma Sociedade de Proteção, enquanto que a criança nem sequer era respeitada como ser humano dentro de sua própria família.

 

A história brasileira da criança e do adolescente vítimas da violência doméstica surgiu, como em qualquer parte do mundo, como se fosse um instrumento de educação e submissão dos filhos aos pais. Essa violência institucionalizada no lar permeia a história das crianças e dos adolescentes na sociedade brasileira, por meio de diferentes práticas, culminando na maioria das vezes, na repressão e no silenciamento destes.

 

Assim, pode-se dizer que o resgate da história de crianças e adolescentes brasileiras objetiva a percepção dos diferentes processos que foram submetidos e sua relação com o exercício da violência, principalmente aquela que mais lhe é imputada, ou seja, a violência doméstica e, mais minuciosamente, o abuso sexual.

 

A sociedade brasileira está habituada a considerar a violência como uma transgressão de regras e leis aceitas pelo todo e das quais depende para continuar existindo. Dessa forma, a violência está longe de ser considerada estranha à sociedade; bem pelo contrário, muitas vezes ela é utilizada como forma de regular as relações sociais e superar os conflitos.

 

Para tanto, é preciso que se analise a configuração do poder na família, a imagem da criança em seu seio, de acordo com as conjunturas históricas das diferentes épocas, para que se possa compreender os vários momentos da violência no âmago da família brasileira.

 

O fenômeno da violência contra a criança e o adolescente em nosso país possivelmente esteve presente tanto no Brasil Colônia (1500-1822), quanto no Brasil Império (1822-1889) e no Brasil República (1889 – até os dias de hoje)

 

Sabe-se, no entanto, que a idéia de aplicação de castigos físicos em crianças foi introduzida pelos jesuítas, pois para eles o mimo deveria ser repudiado, sendo que os vícios e os pecados deveriam ser combatidos com os açoites e castigos, e os espancamentos tinham como objetivo ensinar as crianças que a obediência aos pais era a única forma de escapar da punição.

 

Nesta época aconteceu muito que se pode chamar de violência-escravidão, principalmente quando caracterizado pela violência sofrida por crianças e/ou adolescentes escravos, que passavam pelos mais terríveis castigos físicos e por sevícias sexuais (crueldades sexuais) como estupros perpetrados por rapazes brancos.

 

A sociedade legitima essa espécie de violência, pois, só em 1927, com o advento do Código de Menores, que tal matéria foi disciplinada, e mesmo assim, o nosso Código Penal, datado de 1940, tratou apenas dos castigos imoderados, sendo que a violência contra a criança e o adolescente só é considerada crime quando praticada de forma imoderada, agora quando praticada para a correção é considerada lícita.

 

Assim, o disciplinamento corporal de crianças e adolescentes está longe de ser uma prática do passado, pois vive entre os povos até hoje, ganhando dimensões cada vez mais amplas, à medida que as denúncias vão ocorrendo e os números vão aparecendo.

 

Dessa forma, a violência doméstica cometida contra a criança e o adolescente pode ser conceituada da seguinte fora:

 

“É todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra a criança e o adolescente que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima – implica de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”. (4)

 

A violência doméstica afigura-se como um abuso do poder/dever de proteção familiar de que a infância e a adolescência precisa para se desenvolver, caracterizando-se aqui pela influência do pátrio poder, ou melhor, do pátrio dever que tem os pais de assegurar a proteção de seus filhos, podendo levar ao que se chama de coisificação da criança e do adolescente em virtude do poder que é exercido de forma demasiada e agressiva por parte dos pais.

 

Seguindo, ainda, o pensamento de Guerra, pode-se dizer que a violência doméstica consiste:

 

a) numa transgressão do poder disciplinador do adulto, convertendo a diferença de idade, adulto/criança/adolescente, numa desigualdade de poder intergeracional; b) numa negação do valor da liberdade: ela exige que a criança ou o adolescente seja cúmplice dos adultos, num pacto de silêncio; c) num processo de vitimização como forma de aprisionar a vontade e o desejo da criança ou do adolescente, de submetê-la ao poder do adulto a fim de coagi-la a satisfazer os interesses, as expectativas e as paixões deste. (5)

 

Por conseguinte, a violência doméstica que encobre o abuso sexual cometido contra crianças e adolescentes representa toda a forma de omissão praticada pelos pais, parentes ou responsáveis, capazes de causar danos físicos, sexuais e/ou psicológicos à vítima.

 

Buscando os fatos históricos, conclui-se que foi apenas após a Revolução Francesa que os direitos relativos às crianças e aos adolescentes começaram a despontar em diversos países, aperfeiçoando-se e ganhando força. Todavia, apesar de nessa época terem surgido as primeiras sociedades protetoras da infância, com a conseqüente responsabilização do Estado, a violência continuou e ainda continua até hoje, sendo que em muitos casos patrocinada pelo próprio Estado que não garante a sua população os direitos que a eles são inerentes.

 

Demonstra-se dessa forma que a violência doméstica sempre esteve presente de forma endêmica nesta sociedade, sendo considerada resultado lógico de uma sociedade que incorpora a força física como meio de educar uma parcela de nossa população que corresponde às crianças e os adolescentes, sem sequer se preocupar com a extinção dessa população que poderia aprender a viver sem violência se contra ela não fosse infligida tal.

 

2.2 As espécies de violências domésticas praticadas contra a criança e o adolescente

Segundo Edson Passetti, com a violência cometida contra a criança e o adolescente, encontra-se o “reaparecimento do suplício, que não é mais considerado como espetáculo público, mas como tragédia privada”. (6)

 

Assim, a violência doméstica cometida contra a criança e o adolescente, segundo Josiane Rosa Petry Veronese, pode ser classificada e resumida da seguinte forma:

 

- é uma violência interpessoal;

- um abuso do poder disciplinador e coercitivo dos pais ou responsáveis;

- é um processo de vitimização que às vezes se prolonga por vários meses e até anos;

- é um processo de imposição de maus-tratos à vítima, de sua completa objetalização e sujeição;

- é uma forma de violação dos direitos da criança e do adolescente como pessoa e, portanto, uma negação de valores humanos fundamentais como a vida, a liberdade e a segurança;

- tem na família sua ecologia privilegiada. Como esta pertence à esfera do privado, a violência doméstica acaba se revestindo da tradicional característica do sigilo. (7)

 

Os maus-tratos podem ser classificados em intrafamiliares e institucionais. Os primeiros podem ser cometidos pelos pais, demais familiares ou pessoas próximas a convivência, da criança e do adolescente, podendo ser facilmente perceptíveis, pois podem ser classificados em maus-tratos físicos (quando há lesões orgânicas facilmente diagnosticadas); emocional e/ou psicológico (que prejudicam a competência emocional da criança); negligência que se configura pela omissão de nutrientes e estímulos; e ainda os abusos sexuais, que segundo Farinatti:

 

“... correspondem a atos sexuais impostos a uma criança ou adolescente por um adulto que explora seu poder sobre ele/ela, sob forma de toques, de relações sexuais orais, anais ou genitais e violação, isto é, relações sexuais que não sintonizam o nível de desenvolvimento da criança, a qual é incapaz de dar o seu consentimento. (8) (1997, p. 87)".

 

Já os maus-tratos institucionais são violências ou negligências que ocorrem em instituições que se dizem protetoras das crianças e dos adolescentes como: hospitais, escolas, instituições para crianças que estejam em situação de risco ou adolescentes infratores.

 

O tema da violência na infância é considerado abrangente. Pode-se situar, dentro desse quadro, a criança abandonada, a desassistida, a agredida física, psicológica e sexualmente, além daquelas que estão excluídas do ensino, que são submetidas a drogadição e ao alcoolismo precoce, aquela assassinada por grupos de extermínio, civis ou militares, aquela que desaparece para servir no comércio internacional de órgãos humanos.

 

Quando se fala da violência que tem como vítima a criança, logo a associamos ao fenômeno dos maus-tratos e da violência sexual. De fato, essas duas formas são, de certo modo, as mais visíveis. Além disso, os meios de comunicação social têm demostrado aberrações que ocorrem nesse campo no nosso país.

 

A violência doméstica se apresenta sob quatro tipos reconhecidos e já citados: a violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência, que para efeitos de estudos e didaticamente, são separadas, embora se saiba que podem, em termos de um mesmo caso, surgir em conjunto, como é o caso do abuso sexual, tema do presente artigo. Esse é um problema que deve ser tratado com muito cuidado, pois diz respeito à violência sexual em suas múltiplas abordagens como: o estupro, o atentado violento ao pudor, a prostituição, a corrupção de menores, a pornografia e acima de tudo a violência sexual mais silenciosa e menos aparente entre elas, que é o abuso sexual que ocorre dentro da própria família, tendo o aval da sociedade e do descaso por parte do Poder Público.

 

Segundo o que preceitua Veronese, a violência ou abuso sexual doméstico “é aquele que tem por vítima a criança ou o adolescente e como vitimizador os próprios pais - biológicos ou por afinidade, responsáveis, tutores, guardiões – e demais parentes, como irmãos, avós, tios, primos...” (9).

 

Percebe-se que a violência circunda nossas crianças e adolescentes, sendo que a pior de todas as violências é aquela que ocorre dentro do lar, aquela cometida pelos pais ou mesmo por outro conhecido da criança e do adolescente. Observa-se, também, que de todas as violências domésticas a que mais seqüelas pode trazer é aquela que diz respeito à violência sexual, caracterizada minuciosamente por todas as facetas que o abuso sexual pode mostrar.

 

3 O abuso sexual e a relação intrafamiliar

 

3.1 Conceito de abuso sexual e a sua vinculação direta e indireta com a família

Segundo Azevedo e Guerra, abuso-vitimização-sexual é todo:

“ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa. (10)

 

Entretanto, trata-se aqui de abuso-vitimização-sexual doméstica. Daí deve-se substituir na definição acima a expressão adulto - genérica demais – por pais e parentes (biológicos ou por afinidade), responsáveis, tutores, podendo, inclusive, classificar essa violência como sendo incestuosa, que se configura pela “atividade sexual realizada entre um adulto e uma criança e/ou adolescente, em que há traços de consangüinidade, seja de afinidade ou de mera responsabilidade”. (11).

 

Seguindo uma linha de pensamento podemos classificar os abusos sexuais cometidos contra a criança e o adolescente da seguinte maneira:

Abusos Sensoriais (pornografia, exibicionismo, linguagem sexualizada), podendo estar aqui caracterizada a pedofilia;

Abusos por Estimulação (carícias íntimas, masturbação, contatos genitais incompletos), podendo caracterizar o atentado violento ao pudor; e

Abusos por Realização (tentativa de violação ou penetração oral, genital ou anal), podendo caracterizar o estupro.

 

Assim, entende-se que a infinita maioria dos abusos sexuais, sem dúvida alguma, ocorre dentro da própria casa da criança e do adolescente, cujo arquétipo pode ser representado pelo incesto entre pai e filha, sendo raros, mas não impossíveis, os abusos sexuais entre mãe e filho, pois é ela que se ocupa diretamente da criança desde a tenra idade.

 

O abuso sexual doméstico é um fenômeno que envolve medo, vergonha e culpa. Por isso é cercado por uma espécie de complô do silêncio, tão difícil de ser rompido, podendo ser descobertos por meio de indicadores comportamentais inapropriados para a idade como:

 

1. uma criança que, por palavras, brincadeiras ou desenhos sugere um conhecimento sexual inapropriado à sua idade;

2. uma criança que se preocupa extensivamente com questões sexuais e um conhecimento precoce de comportamento sexual adulto;

3. uma criança mais velha que se conduz de modo sexualmente precoce, isolando-se de seus grupos de colegas e atrai comportamento crítico e sedutor por parte dos adultos;

4. os pedidos de informações sobre métodos contraceptivos não são raros em crianças sexualmente abusadas e podem ser um grito de ajuda (12).

 

Segundo Pavlovsky, citado por Martha Herzberg, “o silêncio cúmplice tem se tornado também pornograficamente visível”. (13) E, para complementar a citação, pode-se dizer que a exclusão, o desrespeito, a violência e a omissão produzidas contra a criança e o adolescente encontram-se naturalizados na cultura patriarcal, não sendo considerado a rigor invisível, mas invisibilizado.

 

Assim, geralmente, nas famílias em que há o abuso sexual, há, também, o estabelecimento de um tipo de aliança solidária entre o abusador e o seu cônjuge, pois dificilmente um exercerá este tipo de violência sem a cumplicidade silenciosa do outro, passando, por vezes, o companheiro não-agressor a fugir da situação, sem nem sequer tomar as devidas precauções frente à vítima, que, por sua vez, acaba por ser inserida nesta aliança devido as diversas ameaças que sofre e quando rompe com essas barreiras, por muitas vezes, defronta-se com o descrédito dos adultos.

 

Uma outra questão a ser considerada é que o abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente, não é denunciado, na maioria dos casos, seja por medo pela forma com que a sociedade de modo geral possa compreender, seja porque ao denunciar tais fatos, estes poderiam comprometer a imagem futura deste miniadulto em potencial.

 

Ainda não temos no Brasil e mesmo no mundo, uma forma de precisar as estatísticas que circundam a violência doméstica que envolve a criança e o adolescente, principalmente no que diz respeito ao abuso sexual, visto que são poucos os casos denunciados, pois são acobertados, escondidos pelo “pacto do silêncio”, que circunda esse tipo de violência e da qual acabam sendo co-responsáveis outras pessoas da família, os vizinhos, a vítima e até mesmo os profissionais que atuam no caso.

 

Cabe salientar, também, que a violência que ocorre no interior da família, principalmente o abuso sexual, se apresenta como uma das maiores responsáveis pela vitimização da infância, estimando-se que 63% dos casos ocorrem no seio familiar, sendo que deste percentual, 71% dos abusos sexuais são praticados pelos pais, padrastos, tios, dentre outros familiares da vítima, devendo por vezes ser encarado como um problema de saúde pública. (Dado do Programa Fantástico, 18/05/2003).

 

O abuso sexual só não é a violência mais corriqueira porque muitos dos seus casos encontram-se escondidos atrás de uma fumaça de silêncio e preservação da família, pois se pode dizer que é a violência mais terrível, cometida contra a criança e o adolescente deixando seqüelas incalculáveis e de difícil reparo.

 

Sabe-se que quanto maior fora o pacto do silêncio maiores serão os números dessa violência que ficarão impunes, sendo que as necessidades biológicas e afetivas (a dependência da criança e do adolescente) operam como justificativa moral para perpetuar o modelo de quem manda e de quem é mandado. Surge aqui, uma espécie de submissão da criança ao adulto, da filha ao pai, que age dessa forma para cobrar uma dívida que para o pai nunca será paga.

 

O complô de silêncio que ronda essa espécie de violência contribui, também, para que a sociedade se mantenha descompromissada em termos de proteção à criança e o adolescente, deixando de lado a discussão sobre as formas de proteção e política de atendimento às crianças e adolescentes vítimas dessa violência que assola a nossa realidade.

 

A violência doméstica treina a criança a aceitar e tolerar a violência na medida em que tais atos feitos pelos adultos destinam-se a ensinar obediência e submissão. Assim, a criança e o adolescente que foram criados debaixo de mau tempo e de violência, tendem a usar esse modelo de violência que causaram angústia, ansiedade, medo, terror, ódio e hostilidade, dentro das suas relações com adultos e especialmente contra seus filhos e pessoas queridas.

 

 

3.2 Motivos que levam os membros da família a serem os principais abusadores

A violência doméstica afigura-se pelo abuso de poder que o adulto exerce sobre a criança ou o adolescente, violando os direitos essenciais desta mesma infância e adolescência e constituindo-se numa negação de valores humanos fundamentais.

 

Há, aqui, uma concepção extensiva e ilimitada do pátrio poder, que leva os pais a pensarem que podem decidir sobre a vida e a morte de seus filhos, mas não pensam eles que o filho no momento em que sai do ventre de sua mãe está vindo para o mundo, para ter a sua própria vida e não para servir, exclusivamente, aos caprichos e desejos de seus pais.

 

Segundo a psicóloga Heleieth Safiiotti, citada num documentário produzido pelo “SBT Repórter” no ano de 1998, e que tinha como tema o abuso sexual e a pedofilia, o agressor, majoritariamente é homem, visto que a própria sociedade, desde os primórdios, lhe permite um poder sem limites. É assim considerada por Heleieth uma hierarquia que legitima a violência, ou seja, se o homem não consegue exercer o poder sem violência física ou sexual, ele o exercerá através da violência seja o tipo que for.

Segundo Barison,

 

“a violência doméstica contra a criança e o adolescente é um fenômeno que ainda é tratado com um certo pudor: a família é considerada um santuário, onde ninguém tem o direito de interferir e questionar as atitudes dos pais, pois há um mito que os envolve. Mito que confere aos responsáveis uma imagem de protetor e guardião da criança. É que, pressupondo a existência da relação de afeto (os pais sempre amam seus filhos), toda atitude tomada pelos pais é ‘justificada’ pela sociedade. (14)

 

Conforme Guerra, “diversos autores na área da sociologia da família entendem que, no momento atual, a família atravessa uma crise”, (15) sendo que as condições sócio-econômicas da família não são determinantes para a violência, contudo nota-se que são nas famílias mais empobrecidas que ocorrem os maiores índices de situações de violência e de abusos sexuais.

 

Apesar de ter os seus maiores índices nas classes mais desfavorecidas, há de se registrar que o abuso sexual ocorre em qualquer classe sócio-econômica, não se caracterizando como um problema associado à classe baixa, como originalmente se pensava. A única diferença é que os abusos sexuais que ocorrem nas classes mais elevadas são, apenas, mais difíceis de serem detectados, se apresentam vulneráveis a denúncias e à vigilância, não sendo alvo de visitas da assistência social, sendo remotas as possibilidades de intervenção do Poder Judiciário, uma vez que suas condições econômicas e sociais permitem maior privacidade no mascaramento dos mesmos excessos que ocorre nas classes mais miseráveis.

 

Dessa forma, o abuso sexual acontece em todos os níveis sociais, mas, nas classes desfavorecidas, sua presença é mais evidente, porque que nas classes bem-sucedidas a violência é filtrada, escondida debaixo do tapete, sendo que inclusive os profissionais que atuam nessa área não denunciam por medo de perder sua clientela. Já nas classes mais pobres é mais freqüente, porque o atendimento as vítimas normalmente é feito em serviços públicos de saúde.

 

Segundo Santos, “vários fatores são imputados como predisponentes dos abusos sexuais em nosso meio: a promiscuidade familiar nos locais de baixa renda, falta de estímulos ao lazer, uso de tóxicos, bebida alcoólica, entre outros”. (16)

 

Quando o agressor é alguém da própria família, o diagnóstico do abuso sexual é de difícil detecção, depende, inclusive, de um posicionamento de ruptura de passividade, de um dos cônjuges ou mesmo da vítima, sem falar que segundo Santos, “associa-se a esse fator, a dificuldade de comprovação de formas de abusos sexuais, como as sevícias, a pedofilia, dos atos de libidinagem, o sexo oral, e outros que não são detectados fisicamente”. (17)

 

Em casos de abusos sexuais, a criança é comparada a mulher que é estuprada, preconceituosamente. Geralmente, não se dá crédito ao relato da criança ou adolescentes abusados sexualmente, sendo considerado tal fato como se fosse fruto da imaginação ou fantasias sexuais da criança, cabendo salientar que o conhecedor da matéria sabe que uma criança não faz comentários sobre situações sexuais que desconhece.

 

Outra situação que, segundo Guerra, tende a levar para os atos violentos é aquela que diz respeito ao trabalho, pois o homem despojado de sua força e prestígio no trabalho e na família tende a recuperar seu entusiasmo e respeito através do emprego da violência, inclusive o abuso sexual.

 

O trabalho é vital para a sobrevivência da família, sendo que o desemprego também pode causar conseqüências possíveis de engendrar atitudes violentas principalmente pelo homem, visto que ele se vê despossuído da qualidade de responsável pela manutenção da família.

 

Dessa forma, o problema não diz respeito à classe social, nem ao credo político ou religioso, de nível educacional ou econômico, pois esse tipo de violência cometida contra a criança e o adolescente ocorre em qualquer âmbito da sociedade, apesar de aparecer com mais freqüência nas classes mais baixas, devido aos registros de ocorrência que chegam até as delegacias de polícia todos os dias.

 

Os números dessa violência, nas classes mais abastadas, por muitas vezes, acabam por ser camuflados, escondidos numa fumaça de silêncio, pois a vergonha de ver a família destruída ou falada perante a comunidade faz com que essas pessoas escondam a verdade e gastem o dinheiro que for preciso para tratar e fazer com que quem fora violentado esqueça o episódio como se nada tivesse acontecido, como se aquilo fosse uma página rasgada da vida daquela criança ou adolescente.

 

Faz-se importante destacar que as transformações socioeconômicas ocorridas no nosso país, acompanhadas de graves problemas comunitários no meio adulto, refletem também no que diz respeito às crianças e aos adolescentes. Logo, o desemprego, o subemprego, os baixos salários, a falta de moradia, o êxodo rural, os filhos não desejados, o alcoolismo e as drogas são problemas comuns, causadores da desestruturação da instituição familiar, que é a base para uma vida saudável no que diz respeito à criança e o adolescente.

 

Conforme especificado acima preceitua, ainda, Afonso dizendo que:

 

“A partir do momento que ocorre a desestruturação da instituição familiar, ocasionada por fatores diversos ao meio, ocorrem também, atos de violência e agressões mútuas, tornando o convívio familiar uma ameaça. Desta forma surge a violência doméstica contra a criança e o adolescente como um abuso do poder disciplinar, coercivo que os pais têm em relação aos filhos. Tal abuso pode durar meses ou anos, porque a família pertence a uma categoria privilegiada, ou seja, a esfera do privado, logo, a violência doméstica acaba se revestindo da característica do sigilo”. (18)

 

Há de se observar, também, que os fatores estressantes, tais como: o luto e as separações são capazes de determinar em certos momentos uma atitude agressiva por parte do adulto, sendo que toda essa agressividade irá despontar no momento em que surgir na frente do violentador uma “criança-alvo”, com seu jeito frágil e inocente submisso a qualquer atitude do adulto.

 

Para finalizar este item é relevante citarmos que os principais denunciantes dos casos de violência sexual cometidos pelos próprios pais são, na maioria dos casos, os vizinhos e conhecidos, sendo que a vítima e seus irmãos, geralmente, não denunciam visto que se encontram emudecidos pelas ameaças do violentador.

 

3.3 De quem é a responsabilidade no caso de abuso sexual intrafamiliar?

Por mais estranho que possa parecer, muitos autores antigos entendiam que a criança desejava inconscientemente a invasão sexual por parte do adulto, pois se isso não correspondesse à verdade a criança ou o adolescente correriam de seu agressor, pediriam socorro ou ofereceriam resistência. Entretanto, posteriormente, alguns profissionais concluíram que a criança ou o adolescente está em fase de formação e não têm condições de discernimento, visto que além de estarem numa posição de submissão ao abusador, para eles é muito difícil impor-se, mesmo que desejasse, pois estaria submetida a uma coerção física ou psicológica, fazendo assim, com que ela não possa se defender da violência que a ronda.

 

Outros autores passaram a entender que a responsável pela ocorrência dos abusos sexuais cometidos contra a criança e o adolescente era culpa da mãe, sendo que a literatura, conforme Marli Satler, mencionava que:

 

“Embora o aparente segredo do abuso, existe um acordo tácito, entre o pai e a mãe sobre o papel da filha na família”, ou a mãe por sua indisponibilidade como mãe e esposa oferece a filha como substituta no seu papel sexual junto ao companheiro e não a protege. (19).

 

Mais tarde, conclui-se que a mulher, por dificuldades pessoais, pode estar, realmente, falhando como mãe, pode estar pouco disponível como mãe e mulher, pode não estar oferecendo boas condições de vida para seus filhos se desenvolverem, mas nem por isso podem estar pedindo para que seus filhos sejam abusados. Assim pode-se dizer que as mulheres têm uma parcela de culpa quando silenciam a respeito da violência que seus filhos sofrem, quando não os defendem da violência ou até quando são cúmplices do ato violento proferido contra a criança e adolescente.

 

Nem sempre a culpa pelo que dá errado numa família é culpa da mulher, visto que estudos recentes mostram que a maioria dos homens que abusam sexualmente de crianças e adolescentes têm a oportunidade de ter relações sexuais com mulheres, ao invés de abusar de uma criança. Mostram que a maioria dos abusadores tinha fantasias sexuais com crianças, já antes da união com a sua companheira; portanto, é possível afirmar que não é a indisponibilidade da mulher que leva o abusador a procurar crianças e adolescentes para conter a sua lascívia.

 

Sobre a omissão das mães em relação à violência ocorrida intrafamiliarmente, sabe-se que a maior parte das denúncias são realizadas palas próprias mães, apesar de que algumas, ainda hoje, não se impõem ao abusador porque se sentem incapazes de sobreviver sem o abusador, optando por nada fazer, por serem dependentes financeiramente do companheiro-agressor, por se considerarem incompetentes para denunciar a violência ou por medo de serem agredidas da mesma forma.

 

O profissional que avalia a criança ou o adolescente, supostamente vítima de abuso sexual, por muitas vezes sente dificuldade em detectar a violência, visto que em muitos casos o abuso não deixa marcas possíveis de serem vistas.

 

Na maior parte dos casos, a confirmação do abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente dentro da sua casa, leva muito tempo para ser conhecida e provada, e muitas vezes a denúncia não ocorre porque há várias dificuldades que a envolvem, como por exemplo: as ameaças do abusador; a diminuição da renda familiar quando o abusador é afastado ou quando ele é preso; a mãe passa a sofrer críticas de pessoas da sua família ou da família do seu companheiro; os profissionais, freqüentemente adotam uma postura de dúvida em relação à violência e por isso, muitas vezes a violência é de difícil constatação; a mulher muitas vezes também não denuncia o abuso sexual cometido contra seu filho porque sente que confessará publicamente o seu fracasso como mãe.

 

Em muitos casos, especialmente, nas classes médias e altas, as mães optam pela separação ao invés de denunciar o companheiro-abusador, sendo que, quanto ao filho, o levam a tratamento com um psicólogo ou outro profissional capacitado.

 

Dessa forma há a necessidade de se mudar de conceitos fazendo com que a mulher seja ajudada  e encorajada a denunciar o agressor de seus filhos, visto que por muitas vezes essa situação é bem-complicada, pois convém lembrar que, conforme preceitua Sattler, “muitas dessas mulheres foram elas mesmas abusadas, quando crianças e revivem essa situação, agora com suas filhas ou netas, pois, existe uma clara tendência a repetição desse ciclo familiar”. (20)

 

Quanto à oportunidade, pode-se dizer que da maneira em que a família funciona há uma facilitação de ocorrência de tal violência, qual seja: uma mãe deprimida, ausente, sobrecarregada de preocupações, doente; uma criança carente que confunde a aproximação sexual com o carinho e que não tem vínculo com pessoas próximas para confidenciar tal violência que é praticada contra a sua pessoa. Observa-se que nas famílias em que há pouca comunicação verbal e afetiva, permitindo pouco espaço para a individualidade, o abuso sexual é mais freqüente.

 

Pode-se observar que o culpado pelo abuso sexual é, além do abusador, aquele que mesmo sabendo da violência se omite frente a ela, assim os próprios profissionais que atendem crianças e adolescentes, vítimas de abuso sexual, ao não denunciarem estão coniventes com a violência que se perpetua a cada dia e de forma mais intensa.

 

4 Os elementos do abuso sexual ocorrido intrafamiliar

 

4.1 As vítimas e as seqüelas, como identificá-las?

É inaceitável considerar a criança e o adolescente como vitimizadas, visto que, futuramente, podem se tornar um provável violentador. Assim, é correto encarar essas crianças e adolescentes abusadas sexualmente como violentadas e não vitimizadas, visto que muitas produzirão tal violência, encontrando em outro sujeito o seu objeto substitutivo.

 

Como visto anteriormente, o abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente não é apanágio de classe social, nem de credo político ou religioso, de nível educacional ou de saúde mental, tal como dizem os manuais de classificação de doenças mentais.

 

Não há de mencionar estatísticas, visto que muitas delas são inverídicas, parciais ou tendenciosas, pois a maior parte dos casos, infelizmente, permanece na clandestinidade, cabendo informar que, conforme Azevedo e Guerra, as vítimas de abuso sexual em “93,5% dos casos são do sexo feminino e 6,5% do sexo masculino”. (21)

 

Segundo os dados da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), citados por Veronese,

 

“a faixa etária mais vitimizada (abuso físicos, abuso sexual, abuso psicológico, negligências e outros) é a de 0 a 5 anos de idade (43%), enquanto que a de 6 a 10 anos (25%);11 a 15 anos (19%); de 16 a 18 anos (6%) e sem dados (7%). (22)

 

Quando a violência é cometida no seio familiar, torna-se difícil a sua constatação. Estudos financiados pela Organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial da Saúde, realizado em 1994, informa que apenas 2% dos casos de abuso sexual contra crianças, dentro da família, são denunciados à polícia. Estima-se que, a cada caso denunciado, exista quatro casos não denunciados.

 

As vítimas desse tipo de violência podem ser compelidas ao silêncio por vários tipos de ameaça ou formas de intimidação utilizadas pelo agressor. Essas medidas intimidatórias têm contribuído, poderosamente, em muitos casos não denunciados, para ocultar esse crime, dificultando conhecer sua amplitude e impedindo que se consiga combater esse tipo de violência.

 

Assim, se a criança ou adolescente abusados sexualmente não forem tratados no momento certo podem vir a ser um adulto violento e, possivelmente, um abusador. É um círculo vicioso, onde pais que abusam e maltratam seus filhos foram, na sua grande maioria, abusados e maltratados durante a infância ou durante outra etapa de sua vida, porém, esse passado forma parte de sua vivência levando-o a cometer o mesmo crime, superando a fase de abusado passando a fase de abusador.

 

É muito difícil identificar a vítima de abuso sexual, pois a criança não fala claramente sobre a violência, sendo que às vezes nem sabe reconhecer o abuso como agressão. A criança acometida dessa violência se retrai, bloqueia, sente medo, isola-se em seu pequeno mundo, sente vergonha e culpa, pois acha que de alguma forma provocou a situação.

 

A agressão, de acordo com Veronese, na obra: Entre violentados e violentadores:

 

“... por mais singular que possa parecer é injustificada e sua repercussão, incalculável, quase sempre passível de futura reprodução, uma vez que sofreram maus-tratos e abusos durante a sua infância, em sua maioria reproduzem tal comportamento, agredindo sua família e, mais especialmente, seus filhos, estruturalmente mais frágeis e mais facilmente objetos de vitimização (23)".

 

Estudos realizados no mundo inteiro revelam que o espancamento de crianças e outras formas de maus-tratos, como é o caso do abuso sexual, com o objetivo de puni-las por seus comportamentos agressivos, torna-as ainda mais agressivas, demostrando até um maior índice de comportamento anti-social e possível perpetuação da mesma violência ao se tornar adulto.

 

O atendimento de crianças e adolescentes, que sofreram abuso sexual, exige paciência, o que não significa que o profissional da área não terá de agir imediatamente. Muitos casos exigem uma resposta imediata, visto que as seqüelas apresentadas pela criança ou adolescente representam um fator de desenvolvimento da personalidade, ocasionando a perpetuação cada vez maior da violência a que foram submetidos.

 

Os abusos sexuais deixam seqüelas terríveis, física e psicologicamente, sendo que os sintomas possíveis são diferentes em relação às idades da criança ou do adolescente.

 

De acordo com o compilamento de várias pesquisas e de vários doutrinadores, podemos citar alguns sinais que os maus-tratos, entre eles o abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente, podem deixar, tais como:

 

lesões físicas, contusões, lacerações genitais e hemorragias; gravidez não desejada e fruto muitas vezes de violência incestuosa; doenças sexualmente transmissíveis; infecções urinárias; dor ou inchaço na área genital ou anal; desnutrição; doenças freqüentes e não tratadas; perda ou excesso de apetite, resultando em vômitos ou na anorexia; falta de controle para urinar e defecar (enurese e encorprese); fadiga constante; vergonha excessiva; hiperatividade (criança que não pára quieta); comportamento agressivo/rebelde; comportamento inadequadamente sexualizado ou sedutor, muitas vezes assume papel maternal na família; promiscuidade sexual/prostituição; fuga do contato físico; tentativa ou idéia de suicídio ou automutilação; fugas/relutâncias em voltar para casa; problemas de aprendizagem; dores e queixas psicossomáticas; regressão da linguagem e do comportamento; distúrbios do sono (terror noturno); depressão, agitação e medo; queda no rendimento escolar; gera um sentimento de raiva contra o agressor; gera um autoritarismo capaz de fazer com que aja assim quando adulto, frente a outras crianças ou adolescentes, inclusive seus filhos; leva a uma falta de confiança nos adultos da família ou medo acentuado de homem; isolamento social: a criança brinca sozinha e vive num mundo de fantasias; reluta em participar de atividades físicas ou de mudar a roupa para atividades físicas na frente de outras pessoas;   em comportamento anti-social, com possibilidade de se tornar um infrator; abusa ou torna-se um dependente de álcool ou drogas; por muitas vezes tem ataque de histeria.

 

Sob o ponto de vista da revelação da violência, é fundamental permitir que a criança e o adolescente sintam-se livres para expressar suas emoções e traumas após o abuso, devendo ser oferecido a eles a oportunidade de falar sobre essa violência o mais cedo possível. Quanto mais tarde discutir o problema, mais graves serão as conseqüências, pois a criança e o adolescente, em virtude do segredo que ronda essa violência, pela falta de proteção a que é submetida por ter sido cometido por uma pessoa de sua família, acaba por cair na armadilha de adaptar-se, aprendendo a aceitar a situação e encontra um meio de sobreviver a ela.

 

Saffioti, citado por Lamarão e Britto, destaca, com muita oportunidade, que a violência sexual praticada contra a criança e o adolescente determina

 

“a destruição de espaços psíquicos, abrindo, muitas vezes, um caminho sem volta, sobretudo se essa agressão tem caráter incestuoso, uma vez que a vítima perde os referenciais da família enquanto instituição básica. Daí à prostituição, a distância não é muito grande. (24)

 

Infelizmente a prostituição passa a ser uma das alternativas achadas pela criança e pelo adolescente vitimadas sexualmente. Assim, ao buscar a rua, como espaço de libertação, caem definitivamente na teia da sociedade machista, levando-as a prostituírem-se, de forma que de tal atividade não conseguem se libertar facilmente.

 

Muitos comportamentos violentos que se encontra na sociedade são provenientes de experiências que remontam à infância de seus autores, desta forma é necessário que a sociedade chame para si a responsabilidade de proteger suas crianças para tratar e prevenir que estas passem de agredidas a futuras agressoras, pois segundo Rosário

 

“seria correto afirmarmos que crianças e adolescentes expostos à violência intencional e repetitiva aprendem estes padrões como ‘verdades’, e estas verdades internas, padrões mentais representacionais afetivos, serão mediadores de suas relações sociais. (25)

 

A violência dirigida contra a criança e o adolescente é capaz de trazer prejuízos ao seu desenvolvimento e lesar sua potencialidade de evoluir para a idade adulta, pois “... as primeiras experiências da criança é que irão modelar a personalidade, as emoções e as relações com os outros, no estágio adulto” (26).

 

A criança ou o adolescente que sofre esse tipo de violência acaba por ter seu desenvolvimento psicológico e afetivo comprometidos irremediavelmente. O abuso, por muitas vezes, não deixa sinais físicos, mas com certeza ficarão marcados na memória da criança como se tivesse sido tatuada em sua pele com brasa, jamais sendo esquecida nem com o passar do tempo, sendo revivida a cada dia, a cada instante em que algo a faça relembrar do acontecido.

 

Na maioria das vezes, a criança que apanha em casa ou que sofre abusos sexuais age de forma violenta nas suas relações pessoais, reproduzindo a violência que sofreram, nas relações com colegas de escola, com amigos, contra o patrimônio público, sendo que outros acabam entrando no mundo da promiscuidade, da prostituição ou da infração, que tem sua história cultivada na própria casa do menor por meio dos constantes casos de incestos que ocorrem mundo afora, sem distinção de classe, condição financeira ou cor.

 

Outro fator a ser considerado, é que conforme Rouyer, “as medidas judiciais que são tomadas em relação ao adulto incestuoso provocam quase sempre um rompimento da família, do qual a criança é considerada a responsável, agravando a sua culpa”. (27)

 

Assim, pode-se dizer que nos casos de abuso sexual em que o agressor fica em contato com a criança ou o adolescente após a denúncia, estima-se uma taxa de 50 a 60% de reincidência, utilizando-se o autor dos mesmos métodos para violentá-los.

 

5 O papel da família e do estado frente ao abuso sexual

 

5.1 O atendimento da criança e do adolescente vítimas do abuso sexual na família

Nos últimos anos tem-se discutido sobre a violência que ocorre na órbita familiar. E aí cabe questionar até onde alcança e o que contempla o conceito de educar, por parte dos pais ou responsáveis, e se nesse educar está implícito os castigos físicos, psicológicos e o abuso sexual, incorporando todas as espécies de maus-tratos cometidos contra a criança e o adolescente.

 

De qualquer forma, a autoridade que o adulto infringe sobre a criança ou adolescente reproduz de forma dominante a autoridade de uma determinada sociedade. Entretanto, essa dominação adulto/criança/adolescente é pensada como natural e não como social. Assim, a criança/adolescente deve se submeter aos caprichos do adulto, pois se isso não fizer estará desrespeitando o seu superior, podendo, assim, ser punido pela desobediência, visto que transgrediu os direitos de superioridade do adulto.

 

Por conseguinte, passando a família por uma certa crise, será ela desqualificada para a proteção da criança e do adolescente, passando de protetora para solapadora dos direitos da infância e da juventude. Assim, por mais que se apregoe a liberdade da criança e do adolescente, eles continuarão sendo seres dominados pela pessoa adulta, sendo que o autoritarismo pode atingir a sua face mais aguda, qual seja a da violência doméstica aplicada como forma de punição pelos adultos.

 

A Lei n.º 8.069/90 estabelece uma nova concepção da criança e do adolescente, concepção que engloba um universo de pessoas, independente de sua suposta “situação irregular” que foi muito utilizado pelo antigo Código de Menores e que os menorizavam, passando a nova lei que dispunha da criança e do adolescente a contemplar a “proteção integral” e, portanto, considerando a criança e o adolescente como cidadãos, o que equivale dizer, sujeitos de direitos. Isso significa que há lentamente um compromisso institucional de romper com a cultura que coisifica a infância e a juventude, retirando-as da condição de objetos e elevando-as à de autores da própria história, o que não é fácil, porque implica mudança de valores, de idéias e de condutas.

 

Sabe-se que a solução para o problema da criança e do adolescente abusados sexualmente está na proteção da família, da sociedade e do Estado, conforme preceitua o caput do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o art. 227, caput da nossa Carta Magna:

 

Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (28) [grifo nosso]

 

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (29) [grifo nosso]

 

Desta forma, cabe aos pais (família) garantir o cumprimento das funções de assistência material, moral, cultural e afetiva a que têm direito as crianças e os adolescentes, mas isso, muitas vezes, não acontece, pois a relação menor e família encontra-se escondida pelo pacto do silêncio, representado em forma de tortura muitas vezes contínua, dia após dia, e que cronicamente como a fome pode provocar males terríveis, que vão desde a agressão física, psicológica, podendo  até levar a morte.

 

Entende-se que a intervenção estatal na ordem familiar tem caráter supletivo,ou seja, na falta do mecanismo familiar, torna-se necessária a intervenção do Estado para suprir as necessidades básicas dos infantes. Por outro lado, a interferência do poder estatal possui, também, caráter complementar, pois é dever do Estado, juntamente com a família e a sociedade, garantir os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes.

 

A violência contra a criança e o adolescente afronta os Direitos Humanos mais elementares existentes e é por isso que exigem uma reação não apenas do Estado, mas de toda uma sociedade e porque não dizer de todo o mundo.

 

É impossível se pensar numa família protetora se não se elimina o seu aspecto de instituição disciplinadora, visto que enquanto os membros da família estão correndo risco dentro dela mesma e enquanto os direitos humanos não forem realizados de forma mais concreta e decisiva que a atual, não será a família considerada um refúgio de amor, carinho, compreensão e proteção e, sim, uma forma de violação dos direitos da criança e do adolescente.

 

5.2 O dever de proteção do Estado

A vitimização da criança e do adolescente revela a fragilidade da sociabilidade. Existem várias pesquisas que demonstram o rol de denúncias que explicitam as condições de violência em que crianças e adolescentes são submetidas, sobremaneira em relação aos espancamentos e abusos sexuais que ocorrem intrafamiliarmente. Com toda a violência que é exercida contra a criança e o adolescente e com o excesso de autoridade paterna e materna, acaba-se por obstruir a apreensão do mínimo de autoridade capaz de guiar uma criança ou até o adolescente para o caminho correto a ser seguido.

 

A situação das crianças e adolescentes, hoje em dia no Brasil, está longe de alcançar as supostas garantias instituídas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, impedindo-os da realização de um mínimo dessa sociabilidade, levando-os potencialmente ao caminho da infração, como forma de chamar a atenção ou de revoltar-se contra o tratamento que recebem.

 

Cabe pontuarmos que os direitos das crianças são constantemente apregoados, mas foi somente em 20.11.1959 que a Assembléia Geral formalizou uma Declaração específica dos Direitos da Criança. A Declaração dos Direitos da Criança, entre seus dez princípios básicos, destacava os direitos da criança à liberdade, à igualdade, à satisfação de suas necessidades básicas (alimentação, saúde, educação, lazer, etc.), bem como o fato de que a criança deve receber amor, carinho, compreensão por parte dos pais e da sociedade, sendo que deve ser protegida contra quaisquer formas de abandono, crueldade e exploração.

 

Fato que se deve observar é que a sociedade legitima a violência doméstica, pois só em 1927, com o advento do Código de Menores que tal matéria foi disciplinada, sendo que o nosso Código Penal, datado de 1940, apesar de ser posterior, tratou apenas dos castigos imoderados, sendo que a violência contra a criança e o adolescente só é considerada crime quando praticada de forma imoderada, sendo lícita para os meios de correção.

 

O Código de Menores de 1979 não dispensava tratamento diferenciado às vítimas de violência doméstica, enfeixando o problema sobre a rubrica de que “situação irregular” sob a qual mesclava tanto aquele “menor” vítima de maus-tratos ou de castigos imoderados impostos pelos pais ou responsáveis, quanto aquela vítima de negligência ou autor de infração penal.

 

Na área da Infância e da Juventude, que é o que nos interessa, iniciava-se na década de 1980, uma ampla luta de questionamento pela “Política de Bem-Estar do Menor” e do “Código de Menores”, que se dizia um regime muito autoritário. Nesta mesma época, ampliava-se as denúncias sobre a gravíssima situação enfrentada pela infância e a juventude brasileira, bem como a constante violação de seus direitos.

 

No Brasil, portanto, a década de 1980 foi de extrema importância para a perpetuação e garantia dos direitos da criança e do adolescente, visto que com a mudança da Constituição Pátria, chamada de “Constituição Cidadã”, alcança-se uma grande vitória na Assembléia Nacional Constituinte, qual seja a sedimentação dos direitos da Criança e do Adolescente no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, sendo que o caput desse artigo introduziu um enfoque ao que dizia a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Assim, conquistada a grande vitória na Constituição de 1988, restava que se elaborasse uma lei ordinária que revogasse o Código de Menores e seu autoritarismo, culminando, assim, com a aprovação da Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 passando a chamar-se Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Somente com a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, que a situação se modifica, principalmente no sentido de se denunciar este tipo de violência, de se propor medidas de intervenção nas famílias agressoras, protegendo-se a vítima e estabelecendo-se uma forma de prevenção de tal fenômeno.

 

Segundo o Código Penal Brasileiro, o abuso sexual não se encontra implicitamente especificado, sendo ele considerado um crime comum (crime de estupro – artigo 213 do CPB, crime de sedução – artigo 217 do CPB ou crime de atentado violento ao pudor – artigo 214 do CPB), podendo ser considerado um crime hediondo segundo a Lei 8072/90, quando a perpetuação do abuso sexual resulta em estupro qualificado (art. 213 combinado com o artigo 223, caput e parágrafo único do CPB) ou quando resulta em atentado violento ao pudor qualificado (artigo 214 combinado com o artigo 223, caput e parágrafo único do CPB).

 

Nos mesmos moldes, a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227, parágrafo 4º, determina que “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. (30) [grifo nosso].

 

Assim, em face da repugnante realidade provinda das várias espécies de violências contra a criança e o adolescente cabe ao Estado garantir e implementar o preceito do artigo 130 do ECA de afastamento do autor da violência contra a criança e o  adolescente de sua casa, em vez de afastar a criança-vítima.

 

O artigo 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente assim preceitua:

 

Verificada a hipótese de maus tratos, opressão, ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia em comum. (31)

 

Portanto, ao confrontarmos casos de violência que ocorrem contra a criança e o adolescente, a autoridade judiciária deverá determinar, como medida cautelar, a retirada do violentador da moradia comum.

 

Veronese, ao fazer uma análise sobre o artigo 130, diz que:

 

“defende tal medida cautelar não somente na hipótese de efetiva prática da violência, o que importa que a mesma deve ser aplicada quando há um risco iminente, plausível de que a criança ou o adolescente venha sofrer maus-tratos e opressão. (32)

 

Assim, também se pode citar, segundo Guerra, a influência da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito da Criança e do Adolescente (ONU – 20.01.1989) que, em seu artigo 19, coloca que:

 

A criança deve ser protegida contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto estiver sob custódia dos pais, seu representante legal ou qualquer outra pessoa responsável por ela. (33)

 

Defende-se os direitos da criança e do adolescente com unhas e dentes, mas a própria sociedade os solapa, uma vez que o reconhecimento desses direitos implicaria modificações no seio da família e da sociedade.

 

Há muito que se deve fazer pela criança e o adolescente vítimas de abuso sexual e precisa-se da ajuda do Estado para que se possa alcançar nossos objetivos.

 

Há a necessidade primeira de se eliminar a mentalidade conservadora do Poder Judiciário, visto que o Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser considerado um dispositivo legal educacional para nossos ilustres magistrados, eminentes promotores e inclusive para os advogados que estão instalados atrás das suas qualificações acadêmicas.

 

Há de se fazer por meio do Judiciário uma lavagem cerebral nos técnicos do nosso Estado, tanto dentro do poder judiciário, no poder executivo, como dentro da área da saúde e porque não dizer do nosso país por inteiro, para que se possa superar com isso, em muitos casos, um julgamento moral precipitado escudado na cientificidade dos seus pareceres, como ocorreu numa Vara da Infância e da Juventude de Viamão, RS, que gerou um agravo de instrumento deferido em relação à decisão de uma juíza do Juizado da Infância e Juventude local, que indeferiu o afastamento do pai-agressor do lar conjugal, determinando o afastamento de uma criança que inclusive fora abusada sexualmente pelo pai.

 

Dessa forma há de se citar o acórdão de tal decisão bem como parte do voto que lhe foi atribuído pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

 

“Agravo de Instrumento no 593032915 – 3ª Câmara Cível - Viamão. PÁTRIO PODER. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO. PROTEÇÃO AO MENOR OU ADOLESCENTE. AFASTAMENTO IN LIMINE, DO PAI-AGRESSOR.

Havendo fortes indícios de agressões físicas e sexuais por parte do pai contra a filha menor, cabe o afastamento daquele do lar comum, forte no que dispõe o art. 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente, liminarmente. Recurso provido, para determinar o afastamento do pai-agressor do lar comum, e não da vitima menor, como determinado no decisum a quo. Ministério Público, agravante - A. D. L. S.. agravado.

 

ACÓRDÃO

A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, unanimemente, acorda em dar provimento ao agravo de instrumento. Custas ex lege. Participaram do julgamento, além do signatário, os Exmos. Srs. Des. João Andrades Carvalho, Presidente, e Dr. José Carlos Teixeira Ciorgis, Porto Alegre, 03 de março de 1994.  Eliseu Comes Torres, Relator.

 

PARTE DO VOTO

Pelo exposto, havendo indícios fortes de agressões físicas e sexuais por parte do agravado contra sua filha, a menor E., de apenas nove anos, cabe o afastamento daquele do lar comum, forte no que dispõe o art. 130 do ECA, conforme requerido pelo órgão ministerial, devendo ser desconstituída a decisão agravada, que nega tal afastamento. O voto é pelo provimento do agravo de instrumento, cassando-se a decisão hostilizada para determinar o afastamento, in limine, do agravado, do lar comum, até que a ação de perda do pátrio poder seja definitivamente julgada, tornando, em conseqüência, sem efeito a autorização de afastamento da menor E. P. S. do lar e sua entrega à pessoa idônea.

O Dr. José Carlos Teixeira Giorgis e o Des. João Andrades Carvalho De acordo. (34)

 

Podendo a juíza a quo conceder o afastamento in limine do agressor, com fundamento no artigo 130 do ECA, não o fez por se achar incompetente para tal, achando que a retirada do agressor só seria possível com a separação de corpos do casal através de requerimento da esposa. Com a determinação do afastamento da vítima de seu lar a magistrada do juízo a quo violou o direito da criança de ter assegurada a convivência familiar (art. 42 do ECA) além do que praticou, conforme o relatório da decisão, constrangimento quando retirou da mãe a guarda da filha, sem o devido processo legal (arts. 165 e segs do ECA).

 

Além disso, assim preceitua a jurisprudência pátria quando tocamos no assunto de violência cometido contra a criança e o adolescente e principalmente no que diz respeito ao abuso sexual, como o caso do exemplo de Viamão, mostrando-se os vários fundamentos que a juíza teria para afastar o agressor e não a criança de casa, bem como retirá-lo o pátrio poder:

 

“27054321 - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - Crime e autoria comprovados. Não se tem dúvidas sobre o crime de atentado violento ao pudor e sua autoria, quando a vítima, em depoimento confiável, descreve o abuso sexual sofrida e vem ao encontro da confissão do apelante perante a autoridade policial. Condenação mantida. (TJRS - ACr 698252335 - RS - 6ª C.Crim. - Rel. Des. Sylvio Baptista Neto - J. 10.09.1998)

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - SEPARAÇÃO DE CORPOS - Acesso à oficina de trabalho e visitas. Deve ser vedada o acesso do agravante a oficina de trabalho instalada nos fundos da casa onde reside a agravada com as filhas, se há indícios de abuso sexual praticado por ele contra a enteada. A visitação, pelo mesmo motivo, só pode ser apreciada após o esclarecimento dos fatos relacionados ao abuso. Segredo de justiça (TJRS - AI 598011310 - RS - 7ª C.Cív. - Rel. Des. Eliseu Gomes Torres - J. 27.05.1998)

 

PÁTRIO PODER - DESTITUIÇÃO - ABUSO SEXUAL - DIREITO DE VISITA A FILHO - SUSPENSÃO TEMPORÁRIA - REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR - Destituição de pátrio poder. Visitação suspensa. Revogação de liminar. Razoabilidade da decisão. Desprovimento do recurso. Sendo razoável e cercada de cautelas a decisão revogatória de liminar, que suspendeu o direito de visitação ao pai, acusado de práticas sexuais com a filha menor, nega-se provimento ao recurso que postula a sua cassação. (TJRJ - AI 3081/96 - (Reg. 260397) - Cód. 96.002.03081 - 1ª C.Cív. - Rel. Des. Marlan Marinho - J. 19.11.1996)

 

Assim, segundo o Prof. Dr. Rogério Gesta Leal, na sua obra: Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil, nota-se:

 

“a falta de preparo do juízo monocrático prolator da decisão reformada, proferindo uma sentença que, taxativamente, foi de desencontro aos interesses superiores da menor, vítima na lide, precarizando ainda mais o seu estado, causando-lhe profundos abalos psicológicos e emocionais, eis que praticamente inverteu os papéis de réu e de vítima, determinando o afastamento de sua casa e deixando que nela ficasse o pai malfeitor. (35)

 

Assim, fica mais que evidente que, quando se trata de direitos humanos, muitos julgadores se distanciam do tema ou simplesmente ignoram as normativas pátrias e internacionais vigentes na país, como é o caso da já citada Convenção dos Direitos da Criança que, em seu artigo 3º, preceitua que:

 

1. Em todas as medidas relativas às crianças, tomadas por instituições de bem-estar social públicas ou privadas, tribunais, autoridades administrativas ou órgão legislativos, terão consideração primordial os interesses superiores da criança. (36)

 

Com o exemplo acima, pode-se dizer que nossas crianças e adolescentes estão a mercê das decisões descabidas de alguns juizados da Infância e Juventude e que as leis nacionais e internacionais de proteção as crianças e adolescentes não são conhecidas e, por conseqüência, pode-se observar as injustiças a que são submetidas. A exemplo da decisão proferida pela juíza a quo pode-se observar que ela procurou tão-somente preservar a união familiar que já estava com a falência decretada, do que preservar a integridade da criança que ali estava exposta a formas de violência horrendas e que é capaz de chocar a qualquer um, menos a juíza que deveria ter afastado imediatamente o seu agressor do lar.

 

Assim, analisa-se a função do Estado-juiz frente às questões de direitos humanos fundamentais e principalmente aos direitos inerentes a crianças e ao adolescentes. Observa-se que não é possível a reparação posterior dos direitos fundamentais, assim a de se conceder soluções por parte do Estado no que diz respeito à segurança de criança e adolescentes vítimas de violência doméstica, principalmente no que diz respeito ao abuso sexual, visto que se a segurança não se impuser de pronto.

 

Como a família transforma-se em espaços de drama, o Estado, por sua vez, tenta incorporar as conseqüências dessa violência contra criança e o adolescente, através de políticas assistenciais e sociais e reformas legislativas no que tange aos direitos humanos, mas isso de nada resolve, visto que estamos impregnados da mentalidade de que essa espécie de violência só ocorre com os miseráveis.

 

Da mesma forma podemos dizer que os preceitos coletivos atuais estão a privilegiar as leis, do que os direitos. Assim, conforme Passetti “a questão da preservação da moral enfim se explicita quando, na defesa dos direitos da criança e do adolescente, a legislação considera mais grave a exibição de um filmeimpróprio” do que um espancamento”. (37)

 

Tentando compreender a atuação estatal, no que diz respeito à satisfação das garantias às crianças e adolescentes, o que se deve buscar são as justificativas das condições colocadas pelo próprio Estado para conter a violência contra elas, sob o regime da propriedade privada com intervenção estatal.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, no artigo 1º, anuncia ser a lei que “dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente“, mas mesmo assim, e apesar de ter superado o Código de Menores, ele possui várias lacunas. Dentre essas lacunas pode-se destacar aquele que não define com precisão o que sejam maus-tratos, que se apresenta esparsamente em seus artigos 5º e 18, conforme se transcreve:

 

Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentando, por ação ou omissão, ao seus direitos fundamentais.

Art. 18 – É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (38)

 

No momento que o Estado não cumpre com o que propôs legalmente, está vitimizando e desrespeitando os direitos da criança e do adolescente, podendo, assim, ser considerado, também, violentador, por não cumprir a responsabilidade que ele próprio se atribuiu, qual seja, a atividade de tutor. Em outras palavras, pode-se dizer que o Estado enseja a prática de maus-tratos quando não cumpre com as responsabilidades que traça para si mesmo, ao promulgar uma legislação como é o ECA.

 

Combater os maus-tratos é prestar, segundo Passetti, “assistência jurídica e social, acompanhada de condenação individual do violentador, pelo Estado” (39). Eis uma pergunta que fica no ar e que não consegue ser respondida: E quando o Estado é o violentador quem vai condená-lo?

 

O Estatuto carece de uma definição que pontue esse tipo de pergunta, não tem ele uma definição clara e precisa, o que são os maus-tratos para além do cidadão, visto que nem sequer o conceito de maus-tratos define fielmente, utilizando-se de um conceito elaborado na década de 40 e que se encontra descrito no artigo 136 do Código Penal Brasileiro.

 

Assim, ao tomar emprestado o referencial alheio, o Estatuto da Criança e do Adolescente equivoca-se, visto que os maus-tratos elencados no artigo 136 do Código Penal Brasileiro não contempla todas as esferas que, segundo o ECA, devem garantir os direitos das crianças e adolescentes, criando-se, assim, um vazio entre as punições elencadas no CPB e as prevenções aludidas no ECA.

 

Outras implicações surgem, também, quando se pretende dar um tratamento diferenciado e novo a questão dos maus-tratos, visto que por vezes a Justiça se dá na contenção dos excessos, mas ela mesma legitima uma ordem de excesso em nome da autoridade dentro das instituições. Ao distinguir o Código Penal Brasileiro, por exemplo, uma pena menor para os casos de maus-tratos quando em excesso, segundo o artigo 136 do CPB, beneficia os principais agressores de crianças e adolescentes, os pais, sendo que a pena prevista para os casos de lesões corporais em alguns caso é menor do que a pena dos maus-tratos (intrínseco está o abuso sexual), conforme demonstra tabela abaixo. Há de se frisar, assim, que a Justiça, segundo Passetti: “administra um código jurídico-médico-assistencial do excesso”. (40), não se importando com a real gravidade da violência frente à vítima.

 

Assim há de se observar o quadro comparativo em que fica claro que pais e responsáveis por crianças vítimas de abuso sexual estão sendo privilegiados ao causarem as mesmas lesões que preceitua o artigo 129 do CPB e que elenca as lesões corporais.

 

 

QUADRO 1 – Comparativo entre o Art. 136 e Art. 129 do Código Penal Brasileiro

 

Maus-tratos (Art. 136 CPB)

Lesão Corporal (Art. 129 doCPB)

Tipo

Pena

Tipo

Pena

Simples (caput)

Detenção de 02 meses a 01 ano, ou multa.

Simples (caput)

Detenção de 03 meses a 01 ano

Se resulta lesão de natureza grave (§ 1º)

Reclusão de 01  04 anos

Lesão corporal de natureza grave

(§§ 1º e 2ª)

§ 1º - Reclusão de 01 a 05 anos / § 2º - Reclusão de 02 a 08 anos

Se resulta morte

(§ 2º)

Reclusão

de 04 a 12 anos

Lesão corporal seguida de morte (§ 3º)

Reclusão

de 04 a 12 anos

Majorante se menor de 14 anos (§ 3º)

Aumenta a pena em um terço

Majorante contra menor de 14 anos (§ 7º c/c § 4º do art. 121)

Aumenta a pena em um terço.

 

 

Com a comparação feita no quadro acima se mostra a distinção na aplicação de penas para dois casos iguais, sendo que o artigo do Código Penal que fala dos maus-tratos se dirige por excelência aos responsáveis pela criança e pelo adolescente, sendo que nessa modalidade é imputada pena menor, provando-se que as lesões corporais que são causadas pelos pais, por exemplo, mesmo que causem os mesmos danos que se outra pessoa imputasse, mesmo assim, o artigo 136 beneficiaria a violência que ocorre no seio familiar.

 

A distinção entre lesões corporais e maus-tratos contra a criança e o adolescente legitima o lado repressivo do pátrio poder, expresso pela tolerância penal em relação às instituições básicas da sociedade, como é a família, caracterizada pelo pátrio poder.

 

Casos diversos devem ser analisados com cuidado quando são levados ao conhecimento judicial. Um exemplo disso são os processos citados por Passetti, numa pesquisa realizada no antigo Serviço de Advocacia da Criança – SAC -´podendo citar o seguinte caso:

 

“Processo 562/88

Criança de 3 anos do sexo feminino

Violentador: Provavelmente o pai

Denunciante: Assistente Social de Hospital

 

A criança deu entrada no hospital com rompimento de períneo. Submetida à cirurgia, voltou para casa. Dois dias depois retornou ao hospital com novo rompimento e sangramento na vagina. Foi novamente submetida à cirurgia, quando então o SAC foi comunicado. A mãe afirmou que a criança no primeiro internamento havia caído sobre um ferro.

 

O SAC comunicou o comunicado ao juiz e pediu a expedição de ordem para manter a criança no hospital até verificação da conveniência de se autorizar o retorna da criança ao convívio com os pais.

 

O juiz determinou que a criança não fosse entregue aos pais até apuração dos fatos e designou audiência.

Seis meses depois, sem mais nenhuma informação, foi determinado que o processo deveria aguardar no arquivo do SAC(41).

 

Nota-se com o exemplo acima o descaso do Estado frente à violência sexual que é cometida contra a criança e o adolescente. Observa-se, também, a atitude errônea de afastar a criança do seio familiar enquanto que o abusador continua no mesmo lugar, sem nem sequer ser penalizado pelo que cometeu.

 

 

5.3 As políticas de atendimento às vítimas

Para o real cumprimento das garantias do Estatuto da Criança e do Adolescente, há a necessidade de uma abordagem no que diz respeito às “Políticas de Atendimento” que, segundo o artigo 86 do ECA, far-se-ão através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo que o mesmo dispositivo repetindo a preocupação do artigo 5º, no artigo 87, mostra as linhas de atendimento, preceituando no seu inciso III o que segue:

 

Art. 87 – São linhas de ação da política de atendimento:

I....

II...

III –serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão. (42)

 

Como vamos falar com tranqüilidade em políticas de atendimento às vítimas de violência, inclusive no que diz respeito ao abuso sexual, se nestas instituições de atendimento, por muitas vezes, de forma explícita, crianças e adolescentes são submetidos a torturas, castigos, abusos sexuais, estupros e outras coisas do gênero? Estas instituições, na maioria das vezes, incentivam a revolta, o confronto por parte de crianças e adolescentes que passam a eternizar a violência em seu cotidiano, passando a incorporá-la como forma de vida, de proteção e de sobrevivência.

 

Busca-se construir instituições para atender crianças abusadas sexualmente, mas não se tem programas de prevenção socioeducativas para dar suporte as famílias. Preocupamo-nos com a criança e o adolescente, mas não se pode esquecer de sua família, pois se deve trabalhar a reinserção desta criança ou adolescentes no seio familiar, visto que o confinamento de crianças abusadas sexualmente representam para elas, além de certa fragilização, pelo que lhe ocorreu, um certo castigo, pois ela é tirada do núcleo familiar enquanto que o seu agressor permanece.

 

Assim, toda intervenção de agentes sociais, dos conselheiros tutelares e da própria comunidade deve ser no sentido de reestruturar a família e afastar o agressor do lar e não a criança ou o adolescente vítimas do abuso sexual. Infelizmente o que ora fora preceituado não é todo verdade, visto que não raramente as vítimas de abuso sexual é que são afastadas de casa e não o agressor. Vê-se que além de vítima, a criança ou o adolescente que sofre tal violência passam a ser comparados a culpados da situação, pois são arrancados do seio familiar como meio de proteção, passando a conviver em instituições ou hospitais, até que as coisas melhorem e que eles se recuperem do trauma.

 

Há de se observar que nem sempre o passado está longe, por muitas vezes ele vive no presente e torna-se traumatizante quando a criança, ao retornar para casa, dá de frente com o seu agressor, pronto para violentá-la novamente.

 

Segundo Veronese, ”quando se adentra no campo da violência doméstica, diagnosticando-se o quadro familiar, encontramo-nos frente a uma situação complexa ou mesmo antagônica, pois as crianças e adolescentes têm direito à convivência familiar”. (43) Sendo assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente fala claramente nisso, no artigo 19:

 

Art. 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (44)

 

A criança ou o adolescente levados a uma instituição, mesmo que tenha supridas partes de suas necessidades, sentirão falta de sua família por mais pobre que sejam os recursos financeiros e emocionais no núcleo familiar, mas mesmo assim preferirão estar no seio da família a estar numa instituição em meio a estranhos.

 

Assim, é difícil de lidar com o afastamento da criança e do adolescente da sua própria casa, dos cuidados de seus pais, segregando-os socialmente, tirando-os de toda e qualquer forma de afeto, cuidado e proteção por parte dos pais que não o violentaram, pois a medida correta a ser aplicada não é a de segregação da criança e do adolescente, mas sim o afastamento de seu agressor de dentro da sua casa.

 

Se a criança for retirada do seio familiar, provavelmente, vai achar que é ela a culpada por tudo que aconteceu; agora se o seu agressor for retirado da sua convivência a sua recuperação dentro da família será mais próspera do que dentro de uma instituição cercada por pessoas estranhas ao convívio da criança ou do adolescente.

 

Há uma luta constante pela construção de mais e mais instituições, mas não se tem programas de prevenção socioeducativas para dar suporte as famílias, pois não adianta preocuparmo-nos com a criança e o adolescente se não há um amparo à família da criança ou do adolescente que foi abusado sexualmente.

 

A família não pode ser esquecida em hipótese alguma, pois só com um trabalho árduo para ver o que está acontecendo no seu seio é que se conseguirá corrigir os defeitos e tentar a reinserção desta criança ou adolescente em sua família, novamente.

 

Conforme preceitua Nascimento “quanto menor for a permanência numa instituição melhor será o desenvolvimento psicosocial de uma criança ou adolescente violentado sexualmente”. (45) Talvez ingenuamente se pense que suprimindo as necessidades de alimentação, banho, roupas, se está fazendo grande coisa para a criança ou o adolescente abusado sexualmente. Isso é mero engano, porque eles precisam muito mais do que isso e lhes oferecendo só o que foi enumerado estaríamos varrendo para baixo do tapete as responsabilidades que a sociedade tem em relação a essa situação.

 

Assim, a cada instituição construída a sociedade sente-se cumpridora de sua missão, mas esquece que com isso está sinalizando seu descompromisso com os maus-tratos e com o abandono.

 

A criança/adolescente abusados sexualmente nem sequer sabem o porquê de estarem na instituição, dando a essa segregação um sentido de castigo. Um exemplo claro dessa segregação é que a criança/adolescente abusados sexualmente, fragilizados pelo que lhe aconteceu são trazidos para a instituição para melhor resguardá-los do agressor, mas isso não acontece, pois enquanto eles estão separados da família seu agressor continua no seio desta esperando o seu retorno para rescindir em tal violência.

 

Tenta-se através da instituição reduzir o sofrimento das crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual prestando a eles um assistencialismo, mas talvez isso atrapalhe um trabalho maior, que seria reduzir diferenças básicas que estão incutidas na sociedade e que transforma a violência invisível.

 

Andrade diz que “a partir da institucionalização o indivíduo recebe um rótulo, passa ser um ser instituído e vai levar isso para o resto da vida”. (46)

 

Continuando o pensamento de Andrade, pode-se notar que há muitos fatores que colaboram para que o desenvolvimento da criança e do adolescente seja dificultado, sendo que o principal é a sua retirada deles do núcleo familiar, pois mesmo a família sendo falha nas suas perspectivas financeiras, ela é o referencial desta criança ou adolescente e a separação, com certeza, deixará importantes lacunas e marcas na sua história.

 

Hoje em dia há uma evolução no que diz respeito a desinstitucionalização, procura-se uma prática cada vez mais próxima da família, mas mesmo assim é preciso que se acredite que um dia “a sociedade estará preparada para aceitar a singularidade de cada um e aí não precisará de um lugar específico para colocar crianças e adolescentes, estaremos mais preparados para ajudar a família num todo”. (47)

 

Toda criança e adolescente merecem cuidados especiais, pois eles ocupam uma posição frágil na sociedade. É por isso que a violência contra essas crianças e adolescentes os tornam cada vez mais fragilizados, sendo que, quando adultos, muitos se tornam seres fracos, sem vontade de lutar contra as injustiças e sem bases para fortalecerem-se de forma que possam enfrentar a realidade do mundo sem se apoiar na droga, no álcool e em atos violentos igualmente.

 

Infelizmente, não se pode acreditar que políticas sociais de atendimento a crianças e adolescentes violentadas sexualmente são as soluções para resolver esse tipo de problema que assola a sociedade atual, bem pelo contrário, não se pode tirar a criança e o adolescente do seio familiar deixando nele o violentador. Deve-se punir ou tratar quem comete tal delito e, ao mesmo tempo, proteger a criança e o adolescente de tal violência, defendendo, assim, seus direitos fundamentais.

 

Conclui-se, dessa forma, que as entidades de atendimento a crianças e adolescentes vítimas da violência, mormente do abuso sexual, tema de nosso estudo, pode ser considerada uma utopia, visto que as vítimas não são tratadas de forma eficaz, faltando-lhes recursos financeiros, humanos e profissionais habilitados para atender tais crianças e adolescentes.

 

Resta claro que a violência doméstica, principalmente o abuso sexual, permanece inadministrável. Ela apenas denuncia a fragilidade de enunciados formais que declaram crianças e adolescentes sujeitos de direitos e comprova a ineficácia de políticas sociais de atendimento, que mascara uma forma de proteção do Estado que não pode ser considerada efetiva, pois peca em muitos aspectos, não podendo de forma alguma utilizar as instituições de amparo para substituir a família.

 

Dessa forma, resta claro que é melhor atitude é a retirada do abusador de dentro do lar, sendo que essa família deve ser submetida a medidas de ajuda, e a criança ou o adolescente, devem permanecer com seus familiares após ampla investigação de quem foi conivente com tal violência.

 

6 Considerações finais

Existe em cada um de nós um compromisso de mudança da situação atual que envolve o abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente. Nossa contribuição será pouca se trabalharmos sozinhos, mas somados aos trabalhos de toda a comunidade, tanto na denúncia dessa violência como na forma de ajudar a família a se erguer como tal, melhorando as condições das crianças e adolescentes, talvez poderemos, dar-lhes o exercício de um futuro e do papel de pais e adultos diferentes daquele passado e desse presente.

 

Sabe-se que romper com essa cadeia não é fácil, porque o modo violento de viver dessas crianças e adolescentes está entranhado em nosso cotidiano. Entretanto, mesmo que a luta seja difícil, vale a pena enfrentá-la, assim como vale a pena seguir vivendo.

 

É aterrorizante a constatação de que a família trouxe para dentro de si uma espécie de suplício, praticando violências das mais variadas formas contra suas crianças e adolescentes, constituindo-se numa sociedade familiar autoritária, passando a criança ou o adolescente de vitimizada para violentada. Desta mesma forma, pode-se dizer que a sociedade e o próprio Estado são coniventes com tal fato, visto que silenciam ao presenciar essa violência que se legitima a cada dia que passa.

 

Outro fator de grande relevância e que deve ficar registrado é que a sociedade em si não conhece a realidade de tal violência, pois há a falta de diagnósticos e estatísticas confiáveis, falta de serviços padronizados e falta de participação do cidadão na prevenção e na denúncia dos casos de violência.

 

Conclui-se, que a violência na sociedade brasileira, em qualquer das modulações, mas principalmente naquela que diz respeito ao abuso sexual cometido contra a criança e o adolescente, deve ser coibida e refutada, apontando a necessidade de mudanças e de mais justiça social, através de normas capazes de incriminar o agressor e puni-lo de forma eficaz.

 

A defesa incondicional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, nos leva a resgatar um pouco da solidariedade para com estas vítimas de todas as espécies e violência existentes, e, principalmente, no que diz respeito ao abuso sexual que assola, mormente as famílias, correspondendo a uma agressão que lesiona fisicamente, moral e psicologicamente suas vítimas.

 

A única solução para essa realidade fétida é a união de todos na luta pela abolição. Se isso não for possível, lutaremos pela diminuição da agressividade que é imposta aos nossos pequenos infantes, a começar pela família e por meio de medidas efetivas de proteção e leis mais sérias e perceptíveis a tal violência.

 

A violência doméstica cometida contra a criança e o adolescente pode ser considerada um câncer que se espalha de casa em casa, em qualquer cidade. Por isso, as tentativas de políticas de atendimento a criança e ao adolescente, vítimas dessa violência, são uma forma de esparadrapo ou curativo que cura momentaneamente a doença tapando-a, mas não a elimina, podendo inclusive se alastrar para outras partes do corpo ou melhor para outros componentes da família se não for remediado logo, ou seja, através da retirada do agressor da casa e não da criança ou do adolescente.

 

Sabe-se que o momento é agora e a geração é essa. Precisamos agir de forma diferente em relação às futuras gerações, encontrando alternativas para as dolorosas punições e abusos sexuais cometidos contra a criança e o adolescente. Só com a alteração desse quadro caótico que diz respeito à infância e a juventude que se poderá transformar a história de nossas crianças e adolescentes, alterando, dessa forma, o curso de nosso mundo e das gerações que estão por vir.

 

Devemos lutar por um mundo melhor para nossa infância e juventude, por um sentimento que respeite os corpos, os desejos e a personalidade de cada criança e adolescente, de forma que seus direitos não sejam feridos, nem violados da mesma forma que o direito dos adultos não o são.

 

Há a necessidade de um resgate ético, devemos lutar por um sistema mais humanitário, pois um país que nega às suas crianças e aos seus adolescentes o direito de ser realmente o que são, não tem condições de considerar-se, no início do século XXI, uma nação cidadã, pois se não protege o seu futuro não tem como viver o seu presente e deve se envergonhar do que fizera no passado.

 

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Notas:

(1) Bacharela em Direito, Especialista em Direito Processual e Assessora de Contratos da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

(2) AFONSO, Grace. Maus-Tratos: violência de pais contra filhos. Florianópolis, 1997. P. 01. Monografia (Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC).

 

(3) DeMAUSE citado por GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 53

 

(4) AZEVEDO, M.A., GUERRA, V.N.de A. Pele de asno não é só história...- um estudo sobre a vitimização sexual de crianças e adolescentes em família. São Paulo: Roca, 1988. p. 36

(5) GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 32

(6) PASSETTI, Edson. Violentados. Crianças, adolescentes e justiça. 2 ed. São Paulo: Imaginário, 1999. p.16

(7) VERONESE, Josiane Rose Petry. Entre violentados e violentadores? São Paulo: Cidade Nova, 1998. p. 86

(8) FARINATTI, Franklin Augusto dos Santos. A criança maltratada. In: CANDELORO, R. J., SILVA, J. C. da, SILVA, J. A. (Org.). Barbarói, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, n 7, p. 87, set.1997.

 

(9) VERONESE, Josiane Rose Petry. Entre violentados e violentadores? São Paulo: Cidade Nova, 1998. p. 33

(10) AZEVEDO, M.A., GUERRA, V.N.de A. Pele de asno não é só história...- um estudo sobre a vitimização sexual de crianças e adolescentes em família. São Paulo: Roca, 1988. p. 53-54

(11) Ibidem, p. 54

(12) Ibidem, p. 74

(13) HERZBERG, Martha. Violência no cotidiano. In: CANDELORO, R. J., SILVA, J. C. da, SILVA, J. A,. (Org.). Barbarói, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, n 7, p. 96, set. 1997.

 

(14) BARISON, Mônica Santos. Famílias envolvidas em situação de maus-tratos contra a criança e o adolescente. Cadernos da CBIA. Rio de Janeiro, ano 1, v. 4. p. 39. 1992.

(15) GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998. p. 89

(16) SANTOS, Hélio de Oliveira. Crianças espancadas. Campinas: Papirus, 1987. p. 80.

(17) Ibidem, p. 81.

(18) AFONSO, Grace. Maus-Tratos: violência de pais contra filhos. Florianópolis, 1997. p. 26 Monografia (Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC).

(19) SATTLER, Marli Kath. De quem é a responsabilidade no abuso intrafamiliar. In: CANDELORO, R. J., SILVA, J. C. da, SILVA, J. A,. (Org.). Barbarói, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, n 7, p. 102, set. 1997.

 

(20) Ibidem, p. 104.

(21) AZEVEDO, M.A., GUERRA, V.N.de A. Pele de asno não é só história...- um estudo sobre a vitimização sexual de crianças e adolescentes em família. São Paulo: Roca, 1988. p. 53

(22) VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999. p. 45.

 

(23) VERONESE, Josiane Rose Petry. Entre violentados e violentadores? São Paulo: Cidade Nova, 1998. p. 32

(24) LAMARÃO, M. L, BRITTO, R.C. de C. Crianças, violência e cidadania. Belém: Unama, 1994. p.119

(25) ROSÁRIO, Maria do. Os direitos humanos das mulheres e meninas. In: Relatório Azul. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos  - Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1998/1999. p. 44

(26) FARINATTI, Franklin Augusto dos Santos. A criança maltratada. In: CANDELORO, R. J., SILVA, J. C. da, SILVA, J. A. (Org.). Barbarói, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, n 7, p. 86, set.1997.

(27) ROUYER, Michèle. As crianças vítimas, conseqüências a curto e médio prazo. In. Marceline Gabel (Org.). Crianças vítimas de abuso sexual. Tradução de Sonia Goldfeder. São Paulo: Summus, 1997. p. 65.

 

(28) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Constituição da República Federativa do Brasil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p.01

(29) Ibidem, p. 116

(30) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Constituição da República Federativa do Brasil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 117

(31) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.30

(32) VERONESE, Josiane Rose Petry. Entre violentados e violentadores? São Paulo: Cidade Nova, 1998. p. 91

(33) GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998. p.39

 

(34) LEAL, Rogério Gesta. Perspectivas hermenêuticas dos direitos humanos e fundamentais no Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p.180-183

 

(35) Ibidem, p. 183

(36) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.144

(37) PASSETTI, Edson. Violentados. Crianças, adolescentes e justiça. 2 ed. São Paulo: Imaginário, 1999. p.42-43

(38) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 02 e 04

(39) PASSETTI, Edson. Violentados. Crianças, adolescentes e justiça. 2 ed. São Paulo: Imaginário, 1999. p.63

 

(40) Ibidem, p. 32

(41) PASSETTI, Edson. Violentados. Crianças, adolescentes e justiça. 2 ed. São Paulo: Imaginário, 1999. p.77

 

(42) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 17

(43) VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999. p. 199

(44) OLIVEIRA, Juarez de (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 05

(45) NASCIMENTO, Stela Maris do. Intervenção na situação de mau-trato. In: CANDELORO, R. J., SILVA, J. C. da, SILVA, J. A,. (Org.). Barbarói, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, n 7, p. 108, set. 1997.

 

(46) ANDRADE, Leila Lima Ferreira. Violência invisível. In: CANDELORO, R. J., SILVA, J. C. da, SILVA, J. A,. (Org.). Barbarói, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, n 7, p. 111, set. 1997.

(47) Ibidem, p. 113.