HABILITAÇÃO
PARA ADOÇÃO
Ana Cristina Ferrareze Cirne
Promotora de Justiça.
COMARCA DE PASSO FUNDO
JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
PROCESSO Nº 02425
OBJETO: HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO
REQUERENTE: ....
-- PARECER DO
MINISTÉRIO PÚBLICO --
MERITÍSSIMO JUIZ:
I – Trata o presente feito de
pedido de habilitação para adoção formulado por....
O pedido foi instruído com a documentação rotineiramente exigida para a
espécie, sendo efetuado estudo social (fls. 13 a 15) e
parecer psicológico (fls. 16 e 17).
Em seguida, vieram os autos ao
Ministério Público, oportunidade na qual foi requerido acompanhamento social e
psicológico (fls. 19 a 22), em face das circunstâncias relatadas nos primeiros
trabalhos oriundos do Setor Técnico, relacionadas com a
possibilidade, apenas em tese, da condição de homossexual da
pretendente, a qual teria sido por ela própria comentado (fls. 16).
Acolhida a promoção (fls. 23 e 24), foram apresentados relato social (fls. 26
e 27) e laudo psicológico (fls. 29 a 32).
Com nova vista dos autos, o
Ministério Público postulou a juntada de fotocópia de um trabalho que estava sendo efetuado no Juizado Regional da Infância
e da Juventude de Porto Alegre, a respeito da adoção por homossexuais.
Diante do teor da informação da fl. 39, que
referiu não estar o mencionado estudo concluído, os autos retornaram a esta
agente ministerial.
Relatados
II - Em se tratando de
habilitação para adoção, o aspecto crucial a ser examinado é a possibilidade da
pessoa ou requerente educar adequadamente uma criança, fornecendo-lhe todo o
sustentáculo necessário para um desenvolvimento completo, viabilizando sua
adequada inserção na sociedade.
Portanto, como ainda não foi
concretizada a situação apenas desejada pela parte autora, o que se busca são
informações a respeito de quem almeja a adoção, para que se possa concluir
sobre a possibilidade de ser defendido o pedido e, em um segundo momento, ser
avaliada, concretamente, a adaptação da parte habilitada à criança a ser
adotada.
No caso específico da adoção, a
análise é direcionada para os interesses do adotando, sendo que o exame do caso
sempre se vincula com o objetivo de lhe propiciar a melhor condição possível
naquele momento, com uma projeção favorável para o futuro. A respeito, é
importante transcrever a lição de Maria Josefina Becker Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, div.
Autores, Ed. Malheiros, p. 148., à época atuando como Assistente Social
junto ao Juizado da Infância e da Juventude em Porto Alegre:
"O fundamental é que a adoção é
uma medida de proteção aos direitos da criança e do adolescente, e não um
mecanismo de satisfação de interesses dos adultos. Trata-se, sempre, de
encontrar uma família adequada a uma determinada criança, e não de buscar uma
criança para aqueles que querem adotar".
Sobre o mesmo tema, importante a observação do advogado Rainer Czajkowski Separação e Divórcio, Jurisprudência
Brasileira, RTI 176, Jiriá Edit.,
1995, p. 102.:
"Um dos requisitos essenciais
da adoção é que ela deve se fundar em motivos legítimos e representar reais
vantagens para o adotado. O adotante deverá ter, como objetivo, propiciar
sustento e educação ao filho".
Como na
habilitação para a adoção ainda inexiste a concreção desta situação, o
objetivo, embora deste prisma não se distancie, volta-se, conforme já referido,
para a avaliação de condições por parte de quem se habilita para atender
plenamente aos interesses da criança.
Assim, neste momento, assim como na adoção, há um privilégio para os interesses
do adotando, embora ainda não exista a definição de quem estaria para ser
inserido na família ou no lar de
quem requer a habilitação.
No caso específico dos autos,
no estudo social das fls. 13 a 15 e no parecer psicológico das fls. 16 e 17, foi mencionado que a pretendente possui um comportamento homossexual, o que gerou
medidas subseqüentes, a fim de avaliar se tal circunstância pode influenciar a
sua forma de educar, orientar a criança, caso concretizada a adoção.
Além disso, sempre existe a
preocupação com os fins do pedido, como salienta Rainer
Czajkowski Ob. cit., p. 102:
"Se a adoção é artifício para esconder outra finalidade, não deve ser concedida: se há, por exemplo, interesse sexual entre adotante e adotando; se o adotante só quer prejudicar outros parentes, ou só obter um benefício tributário, a adoção se desvirtua".
Na verdade, no caso em tela, o
ponto crucial a ser examinado, embora não recaia diretamente na homossexualidade,
centra-se na possibilidade de que a criança pretendida, com idade de até seis
meses (fl. 02), possa sofrer prejuízos no seu desenvolvimento em virtude desta
circunstância, motivo pelo qual a prova técnica, que avaliou a pretendente,
assume características extremamente relevantes, como adiante será abordado.
Sobre
este ponto, importante o ensinamento do jurista Roberto João Elias Comentário ao Estatuto da Criança e do
Adolescente, São Paulo, Saraiva, 1994, págs. 20 e 21:
"... é imprescindível que o
menor conviva com pessoas idôneas, sem o que a sua formação estará
comprometida. Bem mais importante que as condições materiais é a postura moral
daquele que pretende a guarda, a tutela ou a adoção. Além daquele que vai se
responsabilizar pela criança ou adolescente, é necessário que os demais que
habitam seu novo lar não interfiram negativamente no seu desenvolvimento. É por
isso que é importante uma equipe interprofissional competente e de confiança
para o estudo de cada caso. As famílias devem ser visitadas e todos devem ser
ouvidos".
Efetuada essa abordagem
inicial, é importante analisar os
elementos inseridos nos autos a respeito da requerente, para posteriormente
conjugar tais informações com os estudos já realizados a respeito deste tema e
com outras implicações que a matéria em exame desperta.
Prova produzida no curso da
habilitação:
Os elementos inseridos no
presente feito, além de identificarem a questão do homossexualismo da
pretendente, fornecem subsídios concretos favoráveis à sua personalidade e
conduta. Em primeiro lugar, é importante notar que, além de outras atividades, a pretendente trabalha no Colégio
Conceição (fls. 08 a 10) e na Escolinha Artes e Manhas (fl. 11), ponto
extremamente positivo visto que demonstra inclinação no trato com crianças e
adolescentes, assim como fornece uma importante experiência para o momento da
concretização da adoção.
Esse
ponto foi abordado pela Assistente Social, no relato das fls. 13 a 15, quando
referiu que a requerente "... adora
crianças, ajuda, inclusive, a Casa da Criança" (fl. 14). Justamente no
ambiente de trabalho da autora, foi comentada a questão do homossexualismo, mas
sem que tal questão, segundo tais pessoas, prejudicasse a pretensão, tendo a
Assistente Social ponderado que a peticionária é " vista como uma
pessoa capaz de criar bem e amar uma criança" (fl. 15).
Embora
não seja um parecer técnico, porquanto exarado por colegas da
autora, a conclusão é importante no contexto que ora se analisa.
Todos
estes tópicos foram novamente avaliados no relato social das fls. 26 e 27,
desta feita com maior profundidade, quando os dados colhidos mantiveram
sintonia com as observações que já estavam inseridas nos autos. Assim ponderou
a Assistente Social:
"... coloca claramente que deseja
adotar uma criança, independentemente do sexo, já que não pode tê-la
naturalmente. Assume sua condição, admite seu histórico homossexual mas alega
que não pretende unir-se com alguém, nem do sexo masculino ou feminino. Refere
estar consciente que, se o seu objetivo de vida é ter um filho, não irá
prejudicar esse desejo com a inclusão de outra pessoa em sua vida. No trabalho,
.... é considerada uma ótima profissional e, até o momento, ético-moralmente
correta na sua conduta. É professora-regente e trabalha com corais nas Escolas
Conceição, Bom Conselho e Maternal Artes e Manhas.
Conversamos com pessoas ligadas diretamente ao seu trabalho, Vice-Diretores,
professores, mães de alunos."
Sob o ponto de vista psicológico, a prova é ainda mais
favorável à postulante, visto que a profissional deste Juizado teceu
comentários extremamente positivos a respeito da sua personalidade, afirmando
que "... evidencia senso de
responsabilidade, possui laços afetivos profundos com sua família de origem. E,
principalmente, é capaz de cuidar de outras pessoas, pois cuida de seu irmão
que é alcoólatra, e mantém boa ligação com os pais que sente como um encargo
seu quando chagarem à velhice. Em seu trabalho também
cuida de crianças. E será que podemos chamar de imoral uma pessoa que ensina
hinos religiosos à pré-escola?" (fl.32).
Em suma, os elementos que emanam
do trabalho desenvolvido pela Assistente Social e pela Psicóloga Judiciária, em
uníssono, favorecem o deferimento do pedido, no que tange à pessoa da
requerente.
Entretanto, conforme salientado
na parte inicial deste parecer, não basta que a pessoa pretenda a adoção
preencha determinados pressupostos, sendo fundamental que o contexto em que
vive possa propiciar uma educação sadia e socialmente integrada ao adotando.
Essa
é a questão central a ser abordada, ou seja, a possibilidade de ser a criança
adotada influenciada negativamente em decorrência da condição sexual da autora.
A
formação da família e o homossexualismo:
Para que se possam obter conclusões
em torno da questão exposta ao término do item anterior, é fundamental que
sejam averiguadas as posições de especialistas sobre o tema em pauta,
viabilizando que tais considerações sejam adaptadas à situação enfocada nestes
autos.
Em artigo oriundo do Departamento
de Ginecologia do Hospital Universitário
de Leiden, Holanda Departament of Gynecolgy,
"A ampla variedade de famílias lésbicas, que foram vistas durante os últimos vinte anos originou importantes questões teóricas e práticas. Atualmente, a sociedade tem tratado mães lésbicas diferentemente com relação ao número de questões infantis. No passado, para mães lésbicas divorciadas, foi muitas vezes negada a custódia da criança por causa da sua orientação sexual e a maioria dos centros de fertilidade ainda recusavam casais de lésbicas como doadores nos programas de inseminação. O presente artigo examina se há alguma evidência teórica e empírica para a maioria das hipóteses difundidas, sobre as quais têm sido baseadas tais decisões. Um número de teorias psicológicas, tal como a teoria psicanalítica, social e cognitiva, a teoria do vínculo, é discutida com relação aos dois maiores aspectos salientes das famílias lésbicas: a ausência de um pai e a orientação homossexual da mãe. Entretanto, há uma parte crescente de pesquisas investigadoras empíricas, de uma variedade de aspectos do desenvolvimento infantil, tais como: gênero de desenvolvimento, ajustamento emocional, comportamental e competências sociais. A maioria destes estudos envolve crianças de mães lésbicas divorciadas, que gastam seus primeiros anos na heterossexualidade doméstica. Mais recentemente, entretanto, estudos foram realizados esporadicamente entre crianças que foram criadas desde o nascimento em um parentesco lésbico. Desde cedo, acredita-se que as experiências infantis têm um impacto importante no futuro desenvolvimento; o estudo dessas novas criações familiares promove um desafio para as teorias psicológicas existentes. Apesar de muitas questões importantes de pesquisa estarem sendo conduzidas, os resultados de todos estudos revisados foram unânimes: nenhuma investigação poderia identificar efeito desfavorável de maternidade lésbica no desenvolvimento infantil.”
A conclusão do artigo acima
transcrito é importante, visto que afasta entendimentos contrários, obtidos sem
qualquer base científica, não fundamentados no acompanhamento de situações
familiares, envolvendo o relacionamento de crianças educadas por mães
homossexuais.
Com efeito, esses
posicionamentos são altamente questionáveis, uma vez que carregam em seu bojo
uma dose considerável de preconceito e rejeição à formação de uma família, pela
adoção de uma criança por uma mulher homossexual, e com a chancela judicial.
Esta situação específica é recente, se considerarmos todo o período de
desenvolvimento social já percorrido pela humanidade, ainda que o
homossexualismo masculino e feminino, em si, não o seja.
Até mesmo nas manifestações
contrárias à adoção por homossexuais, se observa uma abertura para afastar os
receios quanto às eventuais conseqüências negativas que poderiam advir para as
crianças a serem adotadas. Nesse sentido, assim ponderou o Psiquiatra Alfredo
Castro Neto Revista Isto É, edição 1510,
09/09/98, pág. 87.:
"... há pesquisas americanas
que identificam que a sociabilidade do filho de um homossexual pode ser
abalada. A criança pode sofrer com a vergonha e ficar ansiosa. Mas,
decididamente, a orientação sexual não é definida pelos pais, no máximo pela
relação com eles".
A
questão mencionada pelo Psiquiatra Alfredo Castro Neto é, efetivamente, objeto
de inúmeros estudos realizados nos Estados Unidos da América, sendo que tal
matéria constantemente é fruto de exame judicial. Justamente por este motivo,
foi efetuado um estudo minucioso a respeito, pelo Departamento de Comunicação,
da Universidade de Wisconsin, Milwaukee,
coordenado por Allen Burrell Departament of Communication, University
of Wisconsin, Milwaukee,
USA – Allen Burrell – Comparing
the impact of homesexual and heterosexual parents on children: meta-analysis
of existing research.
Resumo do artigo obtido via Internet, endereço:mikealle@csd.uwm.edu – http://search1.healthgate.com/cgi-bin/q-format.cgi.,
que obteve as seguintes conclusões:
"A orientação sexual dos pais deve fazer parte da determinação quanto à
custódia ou visitação, a fim de proteger a criança? Esta meta-análise resume a
quantidade de estrutura disponível que compara o impacto de pais homo e hetero, usando uma variedade de medidas, nas crianças. A
análise examina a prática parental, o bem-estar emocional da criança e a
orientação sexual da criança. Os resultados demonstram não haver diferenças em
quaisquer medidas entre pais hetero e homo no que diz
respeito a estilos, ajuste emocional e orientação sexual das crianças. Em
outras palavras, está ausente o dado de reprovação para embasar a manutenção de
uma tendência contra pais homossexuais por qualquer tribunal".
Essa
corrente, que está sendo adotada de forma majoritária nos Estados Unidos da
América, favorável à adoção por homossexuais, já possui precedentes no
nosso país.
Em entrevista fornecida à Revista Isto É, o Juiz Siro
Darlan Revista
Isto É, edição 1510, 09/09/98, pág. 87., Titular da Primeira Vara da
Infância e da Adolescência da Cidade do Rio de Janeiro, forneceu sua posição,
de forma objetiva:
"Os valores da sociedade mudam. Buscamos o melhor para as crianças independentemente da opção sexual dos pais".
Endossando a posição do
Magistrado, em manifestação contida na mesma reportagem, a Psicanalista Maria
Teresa Maldonado Revista
Isto É, edição 1510, 09/09/98, pág. 87. enfatiza:
"Pode haver lares
bem-estruturados tanto com pais hetero quanto com
homossexuais".
A análise dos estudos e das
posições examinadas permite concluir, portanto, que a simples existência do
relacionamento homossexual não impede a adoção. Dependerá o sucesso desta da
forma como a criança será educada e do grau de aptidão do adotante para
trabalhar, na educação diária, todas as questões do relacionamento humano, sem
fornecer à criança uma visão distorcida ou unilateral da vida do homem e da mulher, entre outros fatores basilares. No caso
em tela, os dados que foram obtidos pela Assistente Social e pela Psicóloga
Judiciária permitem concluir que a requerente possui condições para tanto.
Além destas circunstâncias,
existem outros aspectos importantes que devem ser referidos, e que também
encaminham a definição do caso para o mesmo rumo.
A
motivação do pedido de habilitação:
Quando da feitura do primeiro
estudo social, referiu a Assistente Social Judiciária que a requerente efetuou
uma cirurgia em julho de 1997, em face de um tumor no ovário, circunstância que
lhe tornou impossível gerar uma criança. Considerando esta circunstância, e
diante do manifestado desejo de ter filhos, resolveu optar pela adoção.
Neste momento, é importante que
se efetue uma consideração basilar, no sentido de que a
decisão deste processo pode à autora viabilizar, algum dia, realizar
este desejo ou, então, caso negada a pretensão, afastá-lo definitivamente, ao
menos sob a chancela judicial.
Vale então, questionar, quanto à
conduta que poderia a requerente seguir caso fosse fértil e tivesse condições
físicas de gerar uma criança.
Sobre a matéria, fundamental
meditar em torno das colocações de Basílio de Oliveira Concubinato – Novos Rumos, Freitas Bastos Editora, págs. 325 e 326. ,
que analisa com propriedade a questão:
"E nesse
turbilhão de mutações, mulheres que não se casaram fazem inseminação artificial
e se tornam mães e constituem com seus filhos uma família, descartando o
elemento masculino, exceto para fornecer o sêmen da inseminação do óvulo
feminino ... Com efeito, é significativo o aumento de mães solteiras a partir
dessa década. De acordo com dados do IBGE, a proporção subiu de 3% em 1960,
para 7,5% em 1980. A socióloga Elza Berquó, da UNICAMP, afirma que além da
revolução dos costumes, a produção independente também está ligada à idade...
Em matéria de produção independente, há que se considerar as dificuldades ainda
encontradas entre nós pelas mulheres homossexuais que desejam ter filhos e
formar sua família. É que o preconceito contra a homossexualidade feminina
ainda é bem mais acentuado a ponto de ser chocante para a sociedade a idéia de
procriação e criação de filhos por parceiros femininos. Segundo levantamento
feito, a maioria das parcerias entre mulheres são constituídas de forma dissimulada, às ocultas, a ponto de se
recusarem a contar suas histórias, por medo de discriminação e risco de
demissão dos seus empregos. Resultado: a maioria dessas
reuniões são clandestinas... Não existe proibição legal para a adoção de
filhos por casal homossexual masculino ou feminino, como já gizado. Mas na
prática dificilmente um filho é oficialmente adotado por homossexuais”.
Avaliando
estas ponderações, verifica-se que negar o acesso à habilitação para a
requerente, baseando este posicionamento unicamente em possíveis conseqüências
negativas que poderiam advir para a criança, futuramente, em face do
homossexualismo da pretendente, seria ignorar outras formas que mulheres na
mesma condição dispõe de terem filhos, sem qualquer vedação ou, então,
acompanhamento judicial, como acontecerá neste caso, quando do implemento de
eventual adoção.
Na verdade, mesmo nas relações
familiares oriundas do casamento entre homem e mulher, são constantes as
denúncias comprovadas de maus tratos e prática de crimes sexuais, como estupro
e o atentado violento ao pudor, não sendo possível imaginar condutas que
ocasionem traumas maiores em uma criança que estas.
Além da violência acima
referida, também pode ser referida a omissão de inúmeros pais e mães, que geram
livremente seus filhos, sem qualquer acompanhamento judicial, mesmo sem condições
de educa-los e alimenta-los adequadamente, fazendo com
que estas crianças circulem pelas ruas, em busca de esmolas para sustentar a
família.
Assim,
constata-se que não pode utilizar o argumento da homossexualidade como
impeditivo para um futuro adequado de uma criança. Caso contrário, estas
vedações também teriam que ser impostas.
Novamente é importante
mencionar o Procurador de Justiça Basílio de Oliveira Ob. cit., págs. 325 e 326.:
"Portanto, do ponto de vista sociológico, num país como o nosso, que
prima pelas injustiças sociais, que tem como uma de suas chagas sociais (nesse
contexto de 30 milhões de miseráveis) um enorme contingente de menores
abandonados e em situação irregular, filhos de mães solteiras, de famílias
desfeitas e desestruturadas ou frutos da paternidade irresponsável, carentes de
um mínimo de amparo do Poder Publico, apesar dos ditames constitucionais e do ECA, uma criança condignamente educada num lar de
homossexuais tem muito mais chance de uma boa educação e formação do que
crianças integrantes desse exército de menores abandonados em situação
irregular que perambulam pelas ruas das grandes cidades, à mercê de sua sorte,
sofrendo toda a gama de carência e de riscos, acabando por enveredar cedo no
caminho da criminalidade, e que, nessa trilha perversa, muitas são usadas e até
eliminadas por adultos (e também produtos acabados, oriundos dos mesmos
canteiros adubados de safras anteriores), quando não trucidadas pela própria
polícia. Por todos esses motivos, a sociologia do direito recomenda o
reconhecimento pelo Estado-legislador do direito da formação de lares por
homossexuais masculinos ou femininos, assegurando-lhes o direito de procriação
e educação dos filhos próprios ou adotivos."
O que se deduz, efetivamente, é
a total inviabilidade de tolher um direito - o direito de obter a habilitação
para adoção - somente com base em possíveis dificuldades que a criança a ser
adotada venha a enfrentar em face da opção sexual da autora.
A base do pedido é, na verdade,
o interesse da requerente em ter uma criança, e a adoção é a única forma, em
face da sua infertilidade, inexistindo qualquer interesse escuso, que tivesse o
condão de inviabilizar o pleito.
Nesse sentido, a prova obtida no curso da instrução deste feito, associada às pesquisas realizadas em torno do tema, apontam para a possibilidade de atender à pretensão. Caso contrário, estaria sendo adotado um posicionamento excessivamente rígido neste caso, quando em tantas outras oportunidades a paternidade e a maternidade são exercidas em condições muito mais precárias e com maior risco de problemas futuros para a criança gerada, e sem que exista qualquer controle judicial.
Por fim, é crucial salientar que, no caso em tela, deferida a
habilitação e viabilizada a inserção de uma criança junto à autora, será
determinado acompanhamento social e, se necessário, psicológico, conforme já
referido na fl. 32, "in fine", o que irá permitir a este Juizado
observar a adaptação e o desenvolvimento da criança, para ao final concluir
quanto à possibilidade de efetivar a adoção.
III - Diante das razões acima
expendidas, Ministério Público opina pelo deferimento da habilitação para
adoção pleiteada por .......
Passo Fundo, 23 de novembro de 1998.
Ana Cristina Ferrareze Cirne
Curadora da
Infância e da Juventude