Parecer da Procuradoria de Justiça do Paraná em habeas corpus contra internação por descumprimento de medida

 

HABEAS-CORPUS Nº 107.408-6, DE CURITIBA 

IMPETRANTE: RAFAEL DE ASEVEDO BUKOWSKI  

PACIENTE: A. N. S. 

IMPETRADO: JUÍZO DE DIREITO VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - SETOR DE INFRATORES - DA COMARCA DE CURITIBA 

RELATOR: DES. CLOTÁRIO PORTUGAL NETO 

RELATOR SUBST.: JUIZ CONV. MILANI DE MOURA   

 

 

PROMOÇÃO Nº:

 

 

 

COLENDA PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL:

 

 

 

RAFAEL DE ASEVEDO BUKOWSKI, advogado qualificado às fls.02, impetrou habeas corpus em favor do adolescente A. N. S., de apenas 13 (TREZE) ANOS DE IDADE (nascido em 25/07/87), contra ato do MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude - Setor de Infratores - da Comarca de Curitiba que, em sede de procedimento para apuração de ato infracional no qual foi inicialmente aplicada a medida de inserção em regime de semiliberdade, houve por bem aplicar-lhe, em substituição a esta, a medida sócio-educativa de internação, por prazo indeterminado.

 

Sustenta o impetrante a manifesta ilegalidade do decreto da internação do paciente, haja vista não ter sido demonstrado o descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente aplicada, até porque não foi oportunizado ao paciente manifestar-se acerca das razões respectivas. Por fim, ainda que legal tivesse sido o decreto de internação do paciente, sua duração máxima, nos moldes do disposto no art.122, §1º, da Lei nº 8.069/90, seria de 03 (três) meses, período que já restou, há muito, extrapolado.

 

O ilustre Desembargador Relator, em singelo despacho de fl.24, em que sequer se dignou a apreciar superficialmente a clareza solar da procedência do writ, indeferiu a liminar pleiteada e determinou prestasse o Juízo impetrado as informação de estilo, o que foi feito às fls.28/29.

 

Mesmo diante das informações prestadas, que apenas reafirmaram a arbitrariedade e ilegalidade manifestas que nortearam o decreto da internação do paciente, a liminar acabou sendo indeferida (fl.39).

 

É, em apertada síntese, o relatório.

 

I - DO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS:

 

Em que pese o respeitável entendimento em contrário, a nosso ver não há, data venia, como deixar de reconhecer que não apenas é possível a utilização do habeas corpus para reverter a teratológica situação noticiada nos autos, mas que também se faz necessária a imediata concessão do writ postulado, como melhor veremos a seguir.

 

Importante observar que, se por um lado é inegável que a via estreita do habeas corpus a rigor não se presta a substituir os recursos ordinários previstos no ordenamento jurídico, e nem as revisões criminais ou ações rescisórias quando aqueles não mais forem cabíveis, haja vista que não há espaço para reexame de prova ou análise de questões outras que dela dependam, por outro é absolutamente inquestionável que sua utilização não pode ser descartada quando o ato judicial do qual resultou a privação de liberdade, como é o caso dos autos, reveste-se de ilegalidade manifesta, ictu occuli, que fulmina por completo sua própria validade, pois de outro modo se estaria negando vigência a norma constitucional expressa, cuja amplitude sem dúvida permite alcançar situações semelhantes.

 

Diverso não é entendimento jurisprudencial acerca da matéria:

 

"PENAL - NULIDADES PROCESSUAIS - ALEGAÇÃO POR MEIO DE HC - POSSIBILIDADE - Inconteste que não se presta o 'habeas corpus' para substituir a revisão criminal quando há necessidade de exame aprofundado de prova ou existência de matéria de alta indagação. No entanto, em se tratando de existência de vício que acarreta nulidade em processo já findo, o 'habeas corpus' é meio idôneo para afastar o constrangimento ilegal (...)". (STJ. 5ª T - RO em HC nº 1975/92 - RS. Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini. Publ. DJU de 22/06/92, pág. 9768);

 

E nem poderia ser diferente, pois a relevância do direito que o habeas corpus objetiva resguardar, somada à amplitude da norma constitucional que lhe dá existência e amparo, sem dúvida autorizam sua utilização contra atos judiciais que causam manifesto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do indivíduo, ainda que (ou porque não dizer especialmente quando) deles não mais possam ser interpostos os recursos ordinários previstos pela legislação processual correspondente.

 

O E. Superior Tribunal de Justiça, aliás, tem firmado posição nesse sentido, como bem destacado pelo Procurador do Estado de São Paulo FLÁVIO AMÉRICO FRASSETO em artigo recentemente publicado sob o título "Ato infracional, medida sócio-educativa e processo: a nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça":

 

"O instrumento utilizado na absoluta maioria das vezes para corrigir situação de ilegalidade determinada ou mantida nas instâncias inferiores foi o habeas corpus. O Superior Tribunal de Justiça, nas mais diversas hipóteses de impetração, sempre admitiu seu cabimento, mesmo havendo outra via recursal ordinária manejável:

 

HC 9619 - "O habeas corpus, para ser concedido, não depende da fase do processo ou da irrecorribilidade de sentença condenatória, quando o fundamento do pedido é a ameaça de sofrer ou o sofrimento de violência ou coação ilegal na liberdade de locomoção do paciente, em face de processo manifestamente nulo (...).

 

Segundo Seabra Fagundes, evocado por Guilherme Estelita em Mandado de Segurança contra ato jurisdicional, cabe o habeas corpus 'contra as coerções emanadas de autoridade judiciária, a despeito da existência das vias de recursos e até mesmo quando já utilizadas estas'.

 

  Não se negou conhecimento aos writs mesmo quando necessitou-se aprofundar um pouco mais na apreciação da prova, tanto que no HC 11.466 e no HC 10.570 anulou-se acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que dava provimento a recurso do Ministério Público interposto contra sentença que julgou improcedente ação sócio- educativa (neste caso a sentença originária era de improcedência). Ou seja, em tais casos houve análise, ainda que perfunctória da prova colhida e conhecida.

 

Perfeitamente cabível e admissível, assim, o remédio heróico do habeas corpus em casos semelhantes ao ora analisado, em que o decreto de privação de liberdade se revela contrário a norma constitucional expressa, não podendo prevalecer.

 

II - DA NULIDADE ABSOLUTA DA DECISÃO QUE "SUBSTITUI" A MEDIDA DE INSERÇÃO EM REGIME DE SEMILIBERDADE PELA INTERNAÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA.

 

A decisão de fl.17/18, que "substituiu" a medida de inserção em regime de semiliberdade originalmente aplicada ao paciente pela medida extrema da internação, é nula de pleno direito, por flagrante e injustificável afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, insculpidos no art.5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal.

 

Com efeito, consoante se infere da decisão impugnada, a autoridade judiciária impetrada, presumivelmente em virtude do descumprimento supostamente injustificado, por parte do paciente, da medida de inserção em regime de semiliberdade a ele anteriormente aplicada, constatado sumariamente através da singela comunicação de sua evasão da entidade onde a medida era executada, houve por bem "substituí-la" pela medida de internação.

 

Embora da citada decisão não conste a fundamentação jurídica de tão drástica solução (o que de per se já nos permitiria questionar a validade do ato por afronta ao disposto no art.93, inciso IX da Constituição Federal), presume-se seja ele decorrente da aplicação da regra contida no art.99, in fine, c/c art.113, ambos da Lei nº 8.069/90.

 

Ocorre que, data venia o referido entendimento, que ao que tudo indica orientou a atuação do Juízo impetrado, nem o caso comporta a singela "substituição" da medida de inserção em regime de semiliberdade pela de internação e nem tal solução, ainda que possível fosse, poderia ocorrer da forma como determinado pelo r. despacho impugnado.

 

Nesse sentido, devemos considerar que a regra geral dos citados arts.99 in fine c/c art.113, ambos da Lei nº 8.069/90, não se aplica para fins de "substituição" da medida originalmente aplicada por outra mais gravosa, notadamente a medida sócio-educativa extrema da internação, que para todos fins e efeitos possui um caráter excepcional.

 

Em tais casos, se opera o que os juristas convencionaram chamar de "regressão" de medida, que tem por fundamento uma regra específica, prevista no art.122, inciso III e §1º, ambos da Lei nº 8.069/90, e por poder resultar na privação de liberdade do adolescente reclama a incidência das mesmas garantias constitucionais relativas ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal.

 

Como em jogo está nada menos que o status libertatis de um indivíduo, que no caso específico possui apenas 13 (TREZE) ANOS DE IDADE, não basta, portanto, a singela aplicação do princípio da fungibilidade das medidas sócio-educativas insculpido nos citados arts.99, in fine c/c 113, ambos da Lei nº 8.069/90, mas sim reputa-se imprescindível, a bem das garantias estabelecidas pela Constituição Federal contra o encarceramento sumário e arbitrário, bem como das mais elementares regras de interpretação relativas à Doutrina da Proteção Integral, aplicáveis também a adolescentes acusados da prática de atos infracionais, que se instaure verdadeiro incidente de execução, em que fique comprovado, num procedimento contraditório em que se garanta ao adolescente ampla defesa, que presentes se encontram os 02 (dois) requisitos indispensáveis à internação com fulcro no art.122, inciso III do mesmo Diploma Legal: o descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente imposta.

 

E isto, ictu occuli, não ocorreu na hipótese dos autos, em que se considerou suficiente a singela "substituição" da medida de inserção em regime de semiliberdade originalmente aplicada pela medida extrema da internação, que assim não pode prevalecer.

 

Nesse sentido, é de se ressaltar que, mesmo se de fato fosse o paciente considerado responsável pela prática de novos atos infracionais (o que não é o caso dos autos), a regressão da medida originalmente aplicada em hipótese alguma poderia ocorrer de maneira automática, pois mais uma vez, além da presença dos requisitos do art.122, inciso III da Lei nº 8.069/90 (falta de justificativa e reiteração do descumprimento da medida anterior), seria imprescindível a demonstração de sua real necessidade, sob o ponto de vista sócio-pedagógico, dentro de um procedimento especificamente instaurado para tal finalidade em que fosse oportunizado ao jovem o contraditório e a ampla defesa.

 

Não obstante o acima exposto, como a simples leitura da decisão de fls.17/18 deixa claro, embora tenha o Juízo impetrado aparentemente instaurado procedimento específico para a execução da medida originalmente aplicada, não consta ter sido em algum momento determinada a realização de estudo técnico, avaliação psicológica ou similar antes de se determinar a internação do adolescente, não se tendo apurado quais as reais causas do eventual descumprimento da medida anteriormente aplicada, sendo certo que consta apenas relatório de sua evasão da entidade e a notícia de seu grave envolvimento com o consumo de substâncias entorpecentes, valendo mencionar que este último fator, que foi determinante para o decreto arbitrário da privação de liberdade do paciente, demanda apenas a aplicação de medidas específicas de proteção (art.101, incisos V e VI da Lei nº 8.069/90), que por não serem coercitivas NÃO COMPORTAM PRIVAÇÃO DE LIBERDADE.

 

De igual sorte, não consta ter sido o paciente em algum momento citado ou de qualquer modo notificado, pessoalmente (diga-se na pessoa de seus pais ou responsável, dada incapacidade absoluta, resultante de sua tenra idade) ou através de defensor, da instauração de procedimento no qual poderia resultar sua internação, não tendo sido nele oportunizada sua defesa (ainda que sua mera oitiva perante a autoridade judiciária), com a produção de qualquer prova em seu benefício.

 

Como é possível notar pela singela leitura do despacho de fls.17/18, aliás, a "substituição" da medida de inserção em regime de semiliberdade pela medida de internação ocorreu de forma sumária, tendo a autoridade judiciária impetrada se limitado a, antes de proferir a decisão que determinou a total privação da liberdade do adolescente, ouvir a representante do Ministério Público que oficiava junto àquele Juízo.

 

Forçoso concluir, portanto, que não houve propriamente, como seria de rigor, um procedimento com vista à regressão da medida originalmente aplicada, e muito menos foi de qualquer modo oportunizado ao paciente o exercício de seu sagrado, fundamental e constitucional direito ao contraditório e à ampla defesa.

 

Restaram, assim, invariavelmente descumpridos os preceitos constitucionais relacionados no art.5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal, instituídos justamente para impedir situações como a versada nos autos, em que um indivíduo é privado de sua liberdade de forma sumária e arbitrária, sem que se lhe tenha sido permitido o formal conhecimento da causa de sua contenção e contra ela a articulação de defesa, inclusive por profissional habilitado, como aliás prevê expressamente o art.111, inciso III da Lei nº 8.069/90, dispositivo que aliás, juntamente com o art.110 do mesmo Diploma Legal, estende aos adolescentes as mesmas garantias processuais que todo imputável acusado da prática de infração penal, possui.

 

Nesse contexto, reputa-se nula de pleno direito a "substituição" da medida de inserção em regime de semiliberdade pela medida extrema da internação, devendo por uma razão ou por outra ser o writ postulado concedido.

 

Nesse sentido, mais uma vez oportuna a transcrição de parte do magnífico trabalho de pesquisa realizado por FLÁVIO AMÉRICO FRASSETO: "A partir da interpretação dos arts.113 e 99/100 do ECA, certo setor da magistratura e Ministério Público sustentam que, revelada por qualquer indicador a inadequação da  medida mais branda em curso para enfrentar a problemática apresentada pelo jovem,  pode e deve o juiz substituir esta aquela medida ineficaz por outra, de internação por até três anos.

 

Conhecida como regressão de medida, a prática é difundida largamente nas instâncias jurisdicionais paulistas1, muito embora viole preceitos básicos, como o princípio da legalidade e anterioridade da lei e a regra hermenêutica de que o especial (art.122, III e parágrafo 1º) prevalece sobre o especial (arts.99/113). Grande parte dos recursos que aportam ao Superior Tribunal de Justiça sustentando a ilegalidade da “regressão” não são apreciados no seu mérito porque também incorporam a tese preliminar de que  a regressão foi aplicada sem a oitiva do jovem. Todavia, alguns julgados da Corte Federal chegaram a enfrentar a matéria:

 

HC 10.973 -Ao decidir pela manutenção da medida constritiva de liberdade imposta pelo Juízo monocrático ao paciente, a r. Câmara  Especial do Tribunal a quo ateve-se, somente, à leitura fria do disposto nos arts.99 e 113 da Lei 8069/90, os quais estabelecem que as medidas sócio-educativas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, relegando ao oblívio, concessa venia, o rol taxativo das hipóteses em que cabe a medida, como evidenciam, com clareza solar, os arts.101, parágrafo único e 122, caput e parágrafo 2º, bem como deixou de avaliar o cabimento de outra medida capaz de cumprir a finalidade de recuperação do menor, em desatendimento ao espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

  (...)

  "Quando o jovem descumpre reiterada e injustificadamente medida anteriormente imposta, pode receber, nos termos do art. 122, III, medida de internação por até três meses (art. 122, parágrafo 1º do ECA). Tal medida é conhecida nos meios forenses como ‘internação- sanção’. Pois bem, na prática geral dos fóruns paulistas esta medida é aplicada no curso dos procedimentos de execução da medida mais branda, por decisão judicial proferida após oitiva das partes (promotor e defesa).

 

  Dispensa-se, em geral, sobretudo na capital, a prévia ouvida pessoal do adolescente, notadamente quando a medida anteriormente descumprida foi a de semiliberdade. O Tribunal local tem consentido com este proceder. Contudo, de maneira pacífica e  maciça o Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a indispensabilidade da prévia oitiva pessoal do adolescente antes de eventual decisão que lhe aplique medida privativa de liberdade. Dia a dia tem anulado decisões proferidas sem a ouvida pessoal do jovem implicado2, pelos mais diversos motivos:

 

"HC 9.236 - As medidas sócio-educativas impostas ao menor infrator devem ser concebidas em consonância com os objetivos maiores da sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade como pessoa humana e adoção de posturas demonstrativas de realização de justiça. Nesta linha de visão impõe-se que no procedimento impositivo de sanções seja observado o princípio da ampla defesa e, de conseqüência, é de rigor a prévia audiência do menor infrator no caso de regressão de uma medida menos grave para outra mais rigorosa -  IDEM HCs  8.887 - 9.068 - 9.806.

 

"HC 8.836 - A regressão do paciente foi determinada sem a necessária oitiva do mesmo, sem observância dos postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa, malferindo-se ainda o disposto no art.110 do ECA.

 

  "HC 8.634 - O julgador, ao proceder à conversão da medida, deixou de acolher a manifestação da defesa; o adolescente sequer foi ouvido, sendo-lhe negado, assim o exercício da ampla defesa. Dou provimento parcial ao recurso para, anulando a decisão ora recorrida, determinar a expedição de contramandado de busca, permanecendo o paciente em regime de semiliberdade até que nova decisão venha a ser proferida, observando-se-lhe os ditames legais e garantindo-lhe o exercício da ampla defesa.

 

  "HC 9.287 - A tutela do menor infrator merece maiores cuidados que aquela deferida ao maior delinqüente. Assim, a ampla defesa deve ser observada ainda com rigor quando se tratar de processos disciplinados pelo ECA. No caso dos autos, o menor não foi ouvido, não tendo tido a oportunidade de se manifestar a respeito do descumprimento da medida sócio-educativa.

  (...)

 

  Esta Corte tem entendido que a decisão que determina a regressão de medida de semiliberdade para internação, por constituir restrição ao status libertatis, não pode prescindir da oitiva do adolescente infrator, sob pena de nulidade, por ofensa ao postulado constitucional do devido processo legal.

 

  "HC 9.270 - É pacífica a jurisprudência a respeito da indispensabilidade da oitiva do menor para aplicação de medida sócio-educativa mais gravosa. IDEM  HC - 10.985.

 

   "HC 9.315 - A lei, em seu art.111, V, deixa claro que precede à decisão de internamento a oitiva do adolescente. Neste sentido já se firmou jurisprudência desta E. Corte. Desta feita, em respeito aos  princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (art.5º, inc. LIV e LV), o magistrado só pode concluir pela ineficácia da liberdade assistida e sua substituição por medida mais severa, após ser dada ao adolescente a oportunidade de se justificar pessoalmente.

 

  "HC 9.724 - (necessidade de oitiva do adolescente e da defesa técnica) - A medida de internação é considerada, ex vi legis, grave, devendo ser breve e excepcional (v. arts.121 e 122 do ECA). Ainda que o objetivo não seja exatamente o mesmo de pena privativa de liberdade, ela não deixa de ser uma segregação extrema. Ora, a lei, em   seu art.110, incisos III, V e VI deixa claro que precede à decisão de internamento a oitiva, se possível, do adolescente e, como corolário do art.5º, incisos LIV e LV da nossa Lex Fundamentalis, pelo menos a manifestação da defesa técnica, o que sequer foi tentado. Contrário, data venia, o procedimento relacionado à aplicação das medidas prevista no ECA passaria a ter um sabor quase kafkiano. IDEM - HCs 9.725 - 8.874 - 9.332 - 8.606.

 

  "HC 8.871 - A regressão não pode prescindir do devido processo legal, com a oitiva do adolescente.

 

  "HC 11.302 - É posição desta Corte que a determinação de regressão de medidas reclama a oitiva do menor-infrator para que se manifeste a respeito do descumprimento da semiliberdade originariamente determinada - que serviu de fundamento para a regressão à medida de internação mais rigorosa, em observância ao caráter educacional de exceção da legislação incidente e ao princípio constitucional da ampla defesa. IDEM HCs 10.776 - 10.637 - 8.612.

 

  "HC 8.837 - A internação é, sem dúvida, medida de natureza grave, cuja decretação depende diretamente da estreita observância das garantias previstas na CF, art.5º, incisos LIV e LV e no ECA, art.110, incisos III, V e VI. Há que se assegurado ao adolescente, o exercício do direito de defesa. IDEM HC 10.775 - 9.405 - 8.908 - 9.328.

 

  "HC 8873 - A decisão que determina a regressão da medida de semiliberdade para internação, por constituir restrição ao status libertatis, não pode prescindir da oitiva do adolescente infrator, sob pena de ofensa ao postulado do devido processo legal (arts.110 e 111, inciso V, do ECA).

 

  "HC 11.180 - Para que se alcancem os objetivos pretendidos pelas medidas sócio-educativas impõe-se que, na imposição das sanções seja observado, com extremo rigor, o princípio da ampla defesa. Portanto, a  prévia audiência do menor infrator se faz indispensável (...). IDEM HC 10.985.

 

  "HC 10.368 - A tese defendida pela impetração é no sentido de que é nula a decisão judicial que decreta regressão de liberdade assistida para internação sem oitiva do adolescente infrator. A irresignação merece acolhida, porquanto já decidiu esta Corte no mesmo sentido preconizado pela impetração.

 

  "Eventual oportunidade para o jovem justificar-se após sua apreensão não afasta a nulidade do decreto de internação sem ouvi-lo3.  Pelos mesmos motivos acima apresentados, o STJ declarou nulo processo onde não foi intimado o responsável pelo adolescente a fim de acompanhá-lo nos atos processuais necessários, em especial a audiência de apresentação4".

 

  Em síntese, portanto, a "substituição" da medida de inserção em regime de semiliberdade pela internação, além de afrontar a inteligência do art.122, inciso III e §1º da Lei nº 8.069/90, contrariando as mais elementares regras de interpretação tanto de ordem geral quanto aplicáveis especificamente a procedimentos para apuração de ato infracional praticado por adolescente, acaba por violar frontalmente a própria CONSTITUIÇÃO FEDERAL, na medida em que nega vigência ao disposto no art.5º, incisos LIV e LV de nossa Carta Magna.

 

O disposto no art.113 c/c art.99, ambos da Lei nº 8.069/90 não se aplica em casos semelhantes ao versado nos autos, em que se pretende a internação de um adolescente de apenas 13 (TREZE) ANOS DE IDADE cujo maior problema, consoante reconhecido na sentença que lhe aplicou a medida original e despacho impugnado, é o consumo de substâncias entorpecentes, que demanda não a privação arbitrária de sua liberdade, mas sim o tratamento adequado, em instituição própria e idônea.

 

  Em tal hipótese, na verdade, incide uma regra específica, prevista no art.122, inciso III e §1º, ambos da Lei nº 8.069/90, após a instauração daquilo que se convencionou chamar de "incidente de REGRESSÃO de medida".

 

  Desnecessário dizer que, por REGRA BÁSICA de interpretação, válida para todos os ramos de direito, "a lei ou dispositivo de lei ESPECIAL invariavelmente deve PREVALECER sobre o GERAL", de modo que, em se tratando de medidas sócio-educativas, quando o objetivo da "substituição" for na verdade a regressão da medida originalmente aplicada para internação, haverá a incidência não da regra geral contida no citado art.113 c/c art.99, ambos da Lei nº 8.069/90, mas sim a disposição especial contida no art.112, inciso III e §1º, ambos da Lei nº 8.069/90.

 

  Pensar diferente, além de afrontar a referida regra  elementar de exegese, violaria ainda o verdadeiro princípio que deve nortear toda e qualquer interpretação da Lei nº 8.069/90, extraído da inteligência de seus arts.1º, 3º, 4º, 5º e, em especial, 6º, pois não se concebe que seja qualquer dispositivo estatutário utilizado em prejuízo do adolescente.

 

  E que não se venha argumentar que a internação do paciente lhe é de algum modo "benéfica", pois o encaminhamento de um jovem de apenas 13 (TREZE) ANOS DE IDADE que necessita de tratamento  específico para drogadição a uma instituição que não presta esse tipo de atendimento, se encontra superlotada (tendo sido inclusive objeto de uma "interdição branca" por parte da douta Corregedoria Geral de Justiça), onde irá conviver com adolescentes realmente comprometidos com a prática de infrações consideradas graves, somente acabará por agravar sua condição, que demanda acima de tudo a aplicação séria e intensiva de medidas de cunho unicamente PROTETIVO.

 

  Fechado o parênteses e retornando à análise da questão sob o prisma estritamente jurídico-constitucional, ainda que, ad argumentandum tantum, se admitisse possível a "substituição" da medida nos moldes do que sustenta a decisão impugnada, jamais poderia ser ela decretada sem a estrita observância dos PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS  referentes ao CONTRADITÓRIO e à AMPLA DEFESA, o que no caso sub examine, em momento algum ocorreu.

 

  Note-se que no presente tópico não se está questionando o acerto ou não da medida originalmente aplicada ao paciente, mas sim a própria possibilidade de a autoridade judiciária, a pretexto de "substituí-la" pela medida extrema e excepcional da internação, assim proceder de maneira arbitrária, acabando por privar o jovem de sua liberdade sem a ele oportunizar o contraditório e a ampla defesa que lhe são constitucionalmente garantidos.

 

   III - DO ESCOAMENTO DO PRAZO MÁXIMO DE DURAÇÃO DA INTERNAÇÃO, PARA O CASO DE DESCUMPRIMENTO REITERADO E INJUSTIFICADO DE MEDIDA ANTERIORMENTE IMPOSTA:

 

  Se já não bastassem tais argumentos a comprovar a premente necessidade da concessão do writ postulado, esta ainda decorre da constatação de que, mesmo se (mais uma vez apenas para argumentar) válido fosse o decreto da internação do paciente, o prazo máximo previsto em lei para sua duração já teria há muito se escoado.

 

  Com efeito, como vimos, não há que se falar, na espécie, em "substituição" da medida de inserção em regime de semiliberdade originalmente aplicada ao paciente pela medida de internação nos moldes do previsto no art.113 c/c art.99, ambos da Lei nº 8.069/90, mas sim naquilo que se convencionou chamar de regressão daquela medida em razão de seu descumprimento reiterado e injustificado por parte do adolescente, tendo por fundamento o disposto no art.122, inciso III do mesmo Diploma Legal, regra   especial que, por princípio básico de hermenêutica jurídica, prevalece sobre a regra geral anteriormente citada.

 

  Ocorre que, em  tais circunstâncias, a duração máxima da medida de internação que "substitui" aquela anterior, NÃO É aquela estabelecida pelo art.121, §3º da Lei nº 8.069/90, mas SIM é aquela fixada pelo art.122, §1º do mesmo Diploma Legal, que também se constitui numa REGRA ESPECIAL para esse tipo de situação, que obviamente prevalece sobre aquele preceito genérico aplicável às demais hipóteses de internação.

 

  Assim sendo, o prazo máximo de duração da medida de internação aplicado com base no art.122, inciso III da Lei nº 8.069/90, que é precisamente a hipótese dos autos sub examine, é de apenas 03 (três) MESES, e não 03 (três) anos como ocorre nas demais hipóteses de internação.

 

  Vale o registro que essa modalidade de internação é conhecida pela doutrina e jurisprudência como "internação-sanção", e não comporta prorrogação para além dos 03 (três) MESES regulamentares SOB QUALQUER PRETEXTO, obviamente sob pena de frontal violação ao contido de maneira expressa no citado art.122, §1º da Lei nº 8.069/90.

 

  Na hipótese dos autos, o prazo MÁXIMO e IMPRORROGÁVEL de duração dessa modalidade de medida, que repita-se, é de apenas 03 (três) MESES, JÁ SE ENCONTRA, HÁ MUITO, EXTRAPOLADO, razão pela qual a manutenção da internação do paciente, ainda que tivesse sido a medida legalmente decretada, já não mais possuiria justificativa plausível.

 

  A respeito do tema, vale reproduzir o seguinte aresto, oriundo dessa Colenda Corte:

 

 "HABEAS CORPUS - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO  ADOLESCENTE - DECISÃO QUE SUBSTITUIU A MEDIDA DE SEMILIBERDADE APLICADA A MENOR PELA DE INTERNAÇÃO - AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - EXCESSO DE PRAZO - ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. Não tendo sido oportunizado o contraditório e a ampla defesa ao paciente, e havendo excesso de prazo, nos termos do art.122, §1º do ECA, a ordem deve ser concedida, para o fim precípuo de reinserir o paciente no regime de semiliberdade originalmente aplicado" (1ª C. Crim. - HC nº 94.596-4, de Curitiba. Rel. Des. Moacir Guimarães. Acórdão nº 12.527 - j. 24/08/2000).

 

  Nesse contexto, seja por qual for o fundamento, dentre aqueles acima relacionados e/ou os demais constantes do writ impetrado, não há como deixar de reconhecer que o paciente A.N.S. está a sofrer grave e injustificável constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção, que pode e deve ser reparado através da concessão do writ postulado.

 

  Em face ao exposto, o Ministério Público se manifesta pela procedência do pedido de habeas corpus em apreço, para fins de concessão do writ pleiteado e imediata colocação em liberdade do nominado paciente.

 

Curitiba, 24 de maio de 2001.

 

 

OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO

Procurador de Justiça

 

 

MURILLO JOSÉ DIGIÁCOMO

Promotor de Justiça

 

Acórdão na íntegra. Habeas-corpus. Regressão de medida. Ausência do contraditório e do devido processo legal.

 

 

HABEAS-CORPUS ECA Nº 107.408‑6, DE CURITIBA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.

 

IMPETRANTE: Rafael de Asevedo Buk

IMPETRADO : Doutora Juíza de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Curitiba

PACIENTE    : A. N. S.

RELATOR     : Des. Clotário Portugal Neto

 

 

 

HABEAS-CORPUS. ECA ‑ TENTATIVA DE ROUBO ‑ APLICAÇÃO DE MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE - EVASÃO DA INSTITUIÇÃO ‑ DECISÃO QUE DETERMINOU A SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA APLICADA PARA A DE  INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE ‑  ALEGADA COAÇÃO ILEGAL ‑ LIMINAR INDEFERIDA ‑ CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO  - CERCEAMENTO DE DEFESA ‑ AUSÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL -  GARANTIA CONSTITUCIONAL - EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA CLAUSULADO ‑ ORDEM CONCEDIDA.

 

 

Acórdão Nº. 13360 ‑  1ª Câmara Criminal

 

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Habeas-Corpus ECA nº 107.408‑6, de Curitiba ‑ Vara da Infância e Juventude, em que é impetrante Rafael de Asevedo Bukowski, impetrado a Doutora Juíza de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Curitiba e paciente A. N. S.

 

1. O advogado Rafael de Asevedo Bukowski, impetrou o presente writ constitucional, em favor do adolescente A. N. S., o qual foi sentenciada pelo cometimento do ato infracional de tentativa de roubo, apontando como autoridade coatora a Doutora Juíza de Direito da Vara da Infância e da Juventude desta Comarca. Fundamenta o pleito de liberdade em alegado constrangimento ilegal, a internação do adolescente por prazo indeterminado, em decorrência do descumprimento da medida sócio educativa de semiliberdade, anteriormente aplicada, caracterizado, também, pelo excesso de prazo.

 

Por derradeiro, requer liminarmente o deferimento do pleito de liberdade em favor do adolescente, com definitiva concessão da ordem, a final, com o reconhecimento da nulidade da decisão que determinou o internamento do adolescente A.. Às fls. 13/19 procedeu‑se à juntada de documentos.

 

Depois de solicitadas informações a digna autoridade judiciária apontada coatora, as quais foram prestadas às fls.28/29, acompanhadas de documentos (fls.30/38), foi a medida in limine indeferida às fls.39, pelo douto Juiz Convocado Relator.

 

A douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça, Doutor Olympio de Sá Sotto Maior Neto, pronunciou‑se às fls. 42/67, opinando no sentido de que seja, o presente writ concedido, com a imediata colocação em liberdade da ora paciente.

 

Este, o necessário relatório.

 

II. A rigor não se presta à via estreita do writ constitucional a substituir os recursos ordinários previsto em lei, mas no caso concreto, a matéria em análise é apenas de direito, não importando em análise ou valoração da prova.

 

III. Trata‑se de remédio constitucional impetrado em favor do adolescente A. N. S., atualmente recolhido no Educandário São Francisco, objetivando cessar o constrangimento ilegal do ora paciente, ao qual foi aplicada a substituição da medida anteriormente imposta, pela medida sócio‑educativa de internação. Dizem suas razões de impetração, que pelo ato infracional de tentativa de roubo, foi‑lhe imposto a medida sócio‑educativa de semiliberdade, por prazo indeterminado, em 27 de novembro de 2000, a ser cumprido junto Casa de Recuperação Nova Vida ‑ CRENVI.

 

Porém, em 08.dez.00, em decorrência da ineficácia do tratamento, o adolescente evadiu‑se do programa. Por esta razão, em 08.jan.01, a douta Magistrada determinação a substituição da medida sócio‑educativa de semiliberdade, pela medida sócio‑educativa de internação, por prazo indeterminado.

 

Alega ainda, que a ineficácia dos programas criados para aplicação das medidas sócio‑educativas de regime semi-aberto, não justificam a imposição de medida mais drástica e por tempo determinado, não estando presentes os requisitos  de sua aplicação; requerendo assim, o reconhecimento da nulidade da respeitável decisão que determinou a internação do ora paciente por tempo determinado.

 

As informações prestadas pela ilustre Juíza, a quo (fls.28/29), dão conta que o referido adolescente encontra‑se internado no Educandário são Francisco, em cumprimento de medida sócio‑educativa de internação, em razão de não ter se mostrado apto e ajustado à medida anteriormente aplicada, conforme relatório técnico, emitido pela Casa de Recuperação Nova Vida; conforme informações, sequer deu entrada naquela instituição, determinando‑se assim, a expedição de mandado de busca e apreensão, sendo que o mesmo foi cumprido, em virtude da pratica de outro ato infracional, tendo na oportunidade, o agente ministerial requerido a substituição da medida anteriormente imposta, pela medida de internamento.

 

Esclarece que os fundamentos da adoção da medida extrema foram apontados na decisão judicial, principalmente, levando‑se em conta as condições do próprio adolescente.

 

Informa, ainda, que aguarda o envio do relatório técnico acerca da execução da medida, sendo o mesmo enviado periodicamente de 06 (seis) em 06 (seis) meses àquele Juizado.

 

Após o Relatório Técnico e Informativo, emitido pela Casa de Recuperação Nova Vida ‑ CRENVI, encartado as fls.30/31, informando que o ora paciente, evadiu‑se da referida casa, o agente ministerial em primeiro grau, manifestou‑se, simplesmente, pela substituição da medida anteriormente aplicada, ou seja, semiliberdade, pela medida sócio‑educativa de internação (fls.73).

 

Por sua vez, a ilustre Magistrada, a quo, determinou a substituição da medida de semiliberdade, pela de internação, por prazo indeterminado, fulcrando no artigo 122, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em razão do adolescente não estar respondendo satisfatoriamente às medidas que lhe foram impostas, impossibilitando a obtenção dos efeitos sócio‑educativos almejados.

 

A respeitável decisão monocrática, não deixou claro em qual dos incisos estaria baseada a substituição da extrema medida, que conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê, somente, três hipóteses, disposto no artigo 122 e seus incisos:

 

“Artigo 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I‑ Tratar‑se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II ‑ por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III ‑ por descumprimento reiterado e injusticável da medida anteriormente imposta.

 

Nos casos de regressão, que é considerada como internação‑sanção, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, como sendo uma das exceções para a aplicação da medida excepcional, vem disposto no artigo 122, inciso III, que determina que o prazo não poderá ser superior a 03 (três) meses (§1°, do mencionado artigo).

 

A jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ‑ se manifesta no sentido de que poderá ocorrer a “regressão” para a medida de internação, pelo descumprimento da medida anteriormente imposta, desde que se respeite o limite legal máximo de 03 (três) meses:

 

"PROCESSO PENAL. ADOLESCENTE. DESCUMPRIMENTO DE LIBERDADE ASSISTIDA. REGRESSÃO PARA INTERNAÇÃO. PRÉVIA OITIVA DO INFRATOR ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA. FIXAÇÃO DE PRAZO CERTO PARA A MEDIDA. POSSIBILIDADE.

1. Consignado que será dada oportunidade ao adolescente para se explicar, acerca do descumprimento da medida de liberdade assistida, não há falar em ilegalidade, dado que respeitado, nesse caso, o devido processo legal.

2. A internação-sanção, hipótese dos autos, pode ser decretada por prazo determinado, desde que respeite o limite legal de três meses (art.122, III, §1°, do ECA).

3. Ordem denegada.

 

Portanto, se a hipótese fosse o caso de descumprimento reiterado das medidas aplicadas, o prazo já teria se expirado, pois, o internamento conforme informações, ocorreu em 05 de janeiro do corrente ano (fls.19).

 

Contudo, para que se possa aplicar, em substituição, a medida sócio‑educativa de internação, elencada no artigo 112, inciso VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente, necessariamente deverá ser respeitado o devido processo legal, conforme dispõe os artigos 110, 111 e 182 a 190 do mesmo estatuto e ainda, o artigo 5°, inciso LIV, da Constituição Federal, dando‑se assim, prosseguimento ao feito na forma regular.

 

Acolho integralmente as palavras do eminente parecerista de segundo grau, às quais nada deve ser acrescentado. Na oportunidade transcrevo parte do aludido parecer, no que diz respeito a ilegalidade da decisão monocrática, em relação à substituição da medida anteriormente aplicada para a de internação (fls. 48/50):

 

“...

A decisão de. fl 17/18 que ‘substituiu’ a medida de inserção em regime de semiliberdade originariamente aplicada ao paciente pela medida extrema da internação, é nula de pleno direito, por afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, insculpidos no art 5°, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.

Com efeito, consoante se infere da decisão impugnada, a autoridade judiciária, impetrada, presumivelmente em virtude do descumprimento supostamente injustificado, por parte do paciente, da medida de inserção em regime de semiliberdade a ele anteriormente aplicada, constatando sumariamente através da singela comunicação de sua evasão da entidade onde a medida era executada, houve por bem 'substituí‑la' pela medida de internação.

Embora da citada decisão não conste a fundamentação jurídica de tão drástica solução (o que de per se já nos permitiria questionar a validade do ato por violação ao disposto no art 93, inciso IX, da Constituição Federal), presume‑se seja ele decorrente da aplicação da regra contida no art 99, in fine, c/c art. 113, ambos da Lei n° 8.069/90.

...

como em jogo está nada menos que o status libertatis de um indivíduo, que no caso específico possui apenas 13 (treze) anos de idade, não basta, portanto, a singela aplicação do princípio da fungibilidade das medidas sócioeducativas insculpido nos citados arts. 99, in fine c/c 113, ambos da Lei n° 8.069/90, mas sim reputa‑se imprescindível, a bem das garantias estabelecidas pela Constituição Federal contra o encarceramento sumário e arbitrário, bem como das mais elementares regras de interpretação relativas à Doutrina da Proteção Integral, aplicáveis também a adolescentes acusados da prática de atos infracionais, que se instaure verdadeiro incidente de execução, para que fique comprovado, num procedimento contraditório em que se garanta ao adolescente ampla defesa, a presença dos 02 (dois) requisitos indispensáveis à aplicação com fulcro no art. 122, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente: o descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente imposta."

 

Portanto, é forçoso reconhecer a nulidade da respeitável decisão monocrática, que substituiu a medida sócio-educativa de semiliberdade, pela medida excepcional de internação, por ausência do devido processo legal, garantia constitucional.

 

A ordem é de ser concedida em favor do adolescente A. N. S., com expedição do competente Alvará de Soltura clausulado e, comunicação à douta autoridade apontada como coatora, via ofício, anexando‑se cópia da presente decisão.

 

IV. Por todo o acima exposto, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, a unanimidade de votos, em conceder a ordem impetrado, ao adolescente A. N. S., com determinação da expedição do competente Alvará de Soltura, se por al não estiver internado.

 

Participaram da sessão e acompanharam o voto do Relator, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores OTO SPONHOLZ ‑ Presidente e OSIRIS FONTOURA.

 

Curitiba, 07 de junho de 2001.

 

 

CLOTÁRIO PORTUGAL NETO

Relator