REMISSÃO CONCEDIDA PELO MP: INCLUSÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
Divino Marcos de Melo Amorim
Promotor de Justiça titular da 45ª Promotoria de Justiça de Goiânia.
I – Introdução
O Ministério Público, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, possui, entre outras funções infraconstitucionais, a de promover e acompanhar os procedimentos sócio-educativos, bem como conceder a remissão como forma de exclusão do processo ex vi do artigo 201, incisos I e II, da Lei Federal n.º 8.069/90. A concessão de remissão – entendida como forma de exclusão de processo judicial pertinente – atende ao disposto no item 11.2 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de menores (Res. 40/33, de 29.11.85)[1].
É a remissão supra mencionada instrumento valioso de proteção integral do adolescente, evitando-se os eventuais maus efeitos da instauração da ação sócio-educativa, assim como a remissão judicial poderia acarretar a minimização dos efeitos da continuação do feito.
A remissão – excludente do processo judicial – no dizer de Paulo Afonso Garrida de Paula[2] seria justificado quando "...o interesse de defesa social assume valor inferior àquele representado pelo custo, viabilidade e eficácia do processo...".
II – Remissão – Perdão
Dita o dispositivo legal em comento, que antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior e menor participação no ato infracional (art. 126, caput, E.C.A.). A remissão, no dizer dos doutos, pode ser concedida "...como perdão puro e simples, sem a aplicação de qualquer medida, ou, a critério do representante do Ministério Público ou da autoridade judiciária, como uma espécie de transação, como mitigação das conseqüências do ato infracional..."[3].
Há, pois, possibilidade da concessão de remissão pelo Parquet de natureza pura ou cumulada com medida sócio-educativa, excluindo-se as que caracterizam privação de liberdade – semiliberdade e internação – na forma do artigo 127, da Lei Federal n.º 8.069/90.
III – Remissão pelo Ministério Público com INCLUSÃO de medida sócio-educativa Possibilidade
A discussão jurídica acerca da possibilidade ou não de cumulação de medida sócio-educativa com a concessão de remissão (artigos 126, caput combinado com o artigo 127, ambos da Lei Federal n.º 8.069/90) foi travada, concessa maxima venia, levou em consideração apenas a questão do termo ‘aplicação´ constante do texto legal supra referido, sendo que tais discussões levaram à edição da Súmula n.º 108 do Superior Tribunal de Justiça a qual se transcreve in albis: A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz. Ocorre que a previsão legal não importa em aplicação de medida sócio-educativa pelo Ministério Público cumulada com remissão. Há verdadeira transação entre o Parquet e o adolescente e seus pais ou responsável legal como instrumento de proteção integral e de política de paz social ao adequar a exclusão do processo judicial ao perdão com inclusão de medida sócio-educativa.
Assim sendo, data venia, há negócio jurídico bilateral envolvendo o Ministério Público e o adolescente e seus pais, havendo o oferecimento do "...não processar em troca da aceitação voluntária de medidas socioeducativas, excluídas ex vi legis a semiliberdade e a internação (ECA, art. 127, in fine)...omissis...O Ministério Público, ao conceder a remissão como forma de exclusão do processo, não pode aplicar medida. O que a lei permite é que A INCLUA como condição do não-processar, como contrapartida a disponibilidade da ação socioeducativa..."(4) Apelação n.º 22.014.0/5, da Comarca de Mairiporã – SP. Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo e Apelado: Juízo de Direito da Infância e Juventude.
Tem-se, pois, que o(a) adolescente e seus pais ou responsável legal podem ou não aceitar a remissão concedida, tanto com caráter puro, quanto no caso da cumulativa. Isto se aplica nos casos em que a remissão é concedida pelo Parquet ou pela autoridade judiciária, podendo haver negativa daqueles para tais propostas. Seria a remissão um verdadeiro negócio bilateral entre o agente político (Ministério Público e Juiz) e o adolescente e seus pais ou responsável, no escopo de evitar a instauração de procedimento judicial ou a suspensão ou extinção deste, ao mesmo tempo em que garante a proteção integral do adolescente ao possibilitar que este não seja constrangido pelo processo judicial ou em tê-lo abreviado com sua extinção de eventual ação sócio-educativa.
IV – Entendimento Jurisprudencial
Os Tribunais Pátrios vêm interpretando tal tema com decisões com caminhos divergentes, mas preponderando-se o seguinte entendimento –
Acórdão RESP 157012/SP. RECURSO ESPECIAL. (97/0086250-0) Fonte DJ. DATA:07/12/1998. Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA Ementa: PROCESSO PENAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REMISSÃO CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO CUMULADA COM MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA. HOMOLOGAÇÃO PELO MAGISTRADO. COMPATIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 108, DO STJ. CUMPRIMENTO DA MEDIDA. - Sentença extintiva da execução. Afronta aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório. - Inocorrência. - Continuidade das providências para dar eficácia e cumprimento à medida de liberdade assistida, homologada pelo juiz. - Recurso conhecido e provido. Data da Decisão 10/11/1998. Orgão Julgador T5 - QUINTA TURMA. Decisão Por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para, reformando os V. acórdãos recorridos, proclamar a validade da medida de liberdade assistida aplicada pelo Juiz a requerimento do Ministério Público, em remissão concedida pelo órgão ministerial, nos termos dos arts.126/127, do ECA.
Conclusão
O Ministério Público, via de seu membro, é legitimado para conceder, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional, a remissão como forma de exclusão do processo podendo incluir eventualmente qualquer medida prevista em lei (medidas protetivas e sócioeducativas), com exceção da colocação em regime de semiliberdade e internação, cabendo à autoridade judiciária, neste último caso, após a homologação da mesma, aplicá-la na fase de execução da mesma.
Bibliografia
Paulo Afonso Garrido de Paula, in Direitos de infrator merecem respeito, O Estado de São Paulo de 24.04.91;
Munir Cury e outros, in Estatuto da Criança e do Adolescente, Malheiros Editores, 1992, p. 386/387.
Notas
[1] Recomendação de concessão de
faculdade à autoridade policial, ao Ministério Público e outros entidades que
cuidem de adolescentes – autores de atos infracionais
– de não levá-los à serem objeto de procedimentos
formais;
[2] Paulo Afonso Garrido de Paula, in Direitos de infrator merecem respeito,
O Estado de São Paulo de 24.04.91.
[3] Munir Cury e outros, in Estatuto
da Criança e do Adolescente, Malheiros
Editores,