EXCELENTÍSSIMO SENHOR
DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE SANTO ANDRÉ
O MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, representado pelo Promotor de Justiça que
esta subscreve, no uso de suas atribuições legais, com fundamento na Constituição
Federal (CF), artigos 129, incisos II e III, 205, 206, incisos I, VI e VII,
208, parágrafos 1º e 2º e 227, “caput”, Constituição Estadual (CE), artigos
238, 241 e 242, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei 8069/90),
artigos 53, incisos I e V, 54, incisos I, VII e parágrafo 2º, 148, inciso IV,
201, inciso V, da Lei 7347/85 (LACP), artigos 3º e 4º, da Lei Orgânica Nacional
do Ministério Público (Lei 8625/93), artigo 25, inciso IV, letra “a”, Lei
Complementar Estadual nº 734/93 (LOMP/SP), artigo 103, incisos I e VII, letras
“a” e “b”, respeitosamente, vem à presença de Vossa Excelência, propor a
presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
observando-se o rito ordinário (273, 282 e ss. do Código de Processo Civil c/c.
artigo 3º da Lei Federal 7347/85), em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada em juízo, por
força do artigo 12, I, do Código de Processo Civil, por seu Procurador Geral do
Estado, em razão de atos praticados pela 1ª
Delegacia de Ensino de Santo André, pelas razões abaixo:
A Lei da
Ação Civil Pública (7347/85) dispõe em seu artigo 1º que: Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da Ação Popular, as
ações de responsabilidade por danos causados: IV - a qualquer outro interesse
difuso ou coletivo.
Além de outros co-legitimados que estipula, tal
diploma dá ao Ministério Público a faculdade de promover ações para a defesa
dos citados interesses.
No âmbito da infância e da adolescência, a Lei
8069/90, tratando dos interesses coletivos e difusos, dispõe em seu artigo 201
que:
Compete ao Ministério Público: V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no artigo 220, parágrafo 3º, inciso II, da CF;
E ainda o art. 210 reza que:
Para as ações civis públicas fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público.
O artigo 208 do citado Estatuto enumera
hipóteses de propositura da citada ação e dispõe na norma genérica e residual –
Parágrafo Único. As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela lei.
Por outro lado, o Código do Consumidor
conceituou como coletivos os interesses “transindividuais
de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica
base” (art. 81, II).
DOS
FATOS
Consta do incluso procedimento verificatório
que, aproximadamente 420 (quatrocentos e vinte) alunos, que estudam em período
integral, do Centro Específico para Formação e Aperfeiçoamento do Magistério - CEFAM, curso que atualmente se
desenvolve no prédio do EEPSG “Pe. Aguinaldo Sebastião Vieira”, localizado na
Rua Ubatuba, s/nº, Vila Guiomar serão transferidos, em razão de ato da 1ª
Delegacia de Ensino de Santo André, para o prédio da EEPSG “Professor Tocantins”,
este, que se situa na Rua das Figueiras s/nº, Bairro Jardim.
Por sua vez, em razão de tal fato, também
ocorrerá a remoção de alunos do colégio “Professor Tocantins”, que seriam
remanejados para outras escolas da região.
Inconformados com tal decisão e visando defender
seus interesses, os representantes de pais e alunos do CEFAM e também do
Tocantins, Sr. A. L. F. e Sra. S. A., respectivamente, representaram buscando
auxílio da Promotoria, para impedir tais, que consideram extremamente
prejudiciais, atingindo a sorte de mais de 500 alunos de 1º e 2º graus (fls.
05/07).
Primeiramente, entendem abusiva a conduta da
Delegacia, pois, anteriormente à decisão, não houve discussão com os
representantes de pais e alunos, nem consulta prévia. O ato partiu de cima para
baixo, e após já determinado, sequer a Delegada atendeu os representantes de
pais e alunos, delegando tal atribuição para uma Assessora de nome Sra.
Aparecida.
Foi comunicado por esta Assessora que “o que
estava decidido, estava decidido e tanto os pais, quanto os alunos teriam que
aceitar”.
Tanto o curso de Magistério CEFAM, quanto os
alunos do Tocantins estão bem alojados e adaptados nos locais em que se
encontram, graças aos esforços dos próprios alunos, da comunidade e das
autoridades, que contribuíram para a melhoria de tais localidades, gerando as
condições atualmente existentes.
Segundo consta, o colégio “Pe. Aguinaldo”, há
exatamente dois anos, estava em estado deplorável, todo depredado e à mercê de
marginais que circulavam pelas imediações da escola. Assaltos a alunos e
professores ocorriam diariamente e o tráfico de entorpecente existia no local.
Pois então, os pais vislumbrando tal situação
caótica, mobilizaram-se e buscaram as autoridades competentes. Foram atendidos
pelo Delegado Titular do 4º DP e pelo Comandante da 1ª Cia. Do 10º Batalhão da
Polícia Militar, quando então, solicitaram a intensificação do policiamento
ostensivo na região. Também procuraram o Diretor do D.T.P. - Departamento de
Transporte Público, alterando o itinerário de algumas linhas de ônibus,
permitindo que estas passassem a fazer ponto em frente à escola, evitando-se
assim, que os alunos caminhassem grandes distâncias.
Igualmente, entraram em contato com a
Eletropaulo, que prontamente os atendeu, providenciando a manutenção das
luminárias da iluminação pública, melhorando a luminosidade das ruas próximas à
Unidade Educacional, dando maior segurança aos alunos que estudam no período
noturno.
Conseguiram também, junto às empresas
“Basf/Glasurit” (fls. 78) e “Tintas Coral”, material para pintura do prédio,
cuja reforma está em andamento no presente período.
Ainda foi contratada a empresa “São Paulo
Informática Edições Culturais Ltda.” (fls. 75/77), que presta cursos de
informática aos alunos, mediante o pagamento de uma pequena taxa mensal.
Por fim, constam investimentos pequenos na
escola, como por exemplo, a instalação de ventiladores nas salas de aulas,
bebedouros e filtros para água, existindo a possibilidade de concretizar um
projeto de adoção da referida escola por uma empresa do ABC, fato que
contribuiria ainda mais, para a melhoria da qualidade do ensino.
O esforço e a mobilização dos pais dos alunos já
deu bons frutos, pois segundo as informações, o número de assaltos reduziu, não
há mais depredações na escola e o tráfico de drogas foi controlado.
Consideram os alunos do CEFAM extremamente
prejudicial a mudança para o Tocantins, pois os alunos deste último colégio
estão bem alojados, mas com estrutura montada para os seus próprios alunos e,
caso ocorra esta mudança, muitas modificações terão que ser feitas, pois,
segundo eles, não há estrutura suficiente para abrigar todos os alunos do curso
CEFAM, que se desenvolve em período integral.
É que o
prédio da referida escola está em precárias condições de conservação, material
mobiliário todo danificado, não havendo lugar sequer para os alunos fazerem
suas refeições.
Todo este esforço de pais e alunos revela a
força da comunidade local, demonstrando que, quando uma coletividade se
organiza e busca a melhoria de suas próprias condições e interesses, não
ficando de braços cruzados e esperando sempre das autoridades constituídas, os
resultados positivos mais rapidamente são visíveis.
Ocorre que, segundo tal coletividade de alunos,
ora representada por seus pais, todo o esforço terá sido inútil e os prejuízos
incontáveis, caso ocorra as citadas remoções.
O relatório feito por S. A., membro da Comissão
de Escola e representante da comissão de pais e alunos bem relata a situação.
Em certo trecho, é descrito:
22.09.97 - aconteceu a reunião com a diretora D.
d. V. P., no Tocantins. Segundo a diretora, os pais não deveriam ser informados sobre as causas das mudanças, por
ser uma decisão da Delegacia de Ensino, a qual é irreversível... Ao ser por mim
questionada sobre a provável instalação do CEFAM, disse não poder fazer nada,
recuando irritada às indagações, tanto dos pais, alunos e professores, negando
seu apoio a qualquer ação para preservar a unidade escolar - 29.09.97 -
entregamos na 1ª Delegacia de Ensino de Santo André abaixo assinado, contendo
aproximadamente 1000 assinaturas, pedindo a continuidade da escola... Outra
justificativa apresentada foi que no Bairro Jardim, a população é de melhor
condição econômica e não se utiliza da escola estadual (uma inverdade)...
Chamamos atenção para o aspecto da estrutura das escolas, uma vez que o
Tocantins não está preparado para receber o CEFAM; faz-se necessário reformar a
escola para que o CEFAM seja implantado - 03.10.97 - entregue na 1ª DESA,
abaixo assinado dos professores da EEPSG Professor Tocantins, solicitando a
continuidade da Unidade Escolar.
A verdade é que tais atos não se encontram
oficializados, segundo a própria informação da Delegacia de Ensino; todavia,
estão recusadas as matrículas para o ano letivo de 1998.
O inconformismo dos prejudicados chega ao ponto
de até ameaçarem o abandono do estudo, diante de todas as inconveniências
provocadas pelas citadas remoções.
Segundo ainda os pais dos alunos envolvidos, há
algumas alegações da Delegacia de Ensino que não correspondem à verdade: um dos
argumentos seria que “essa medida iria
aliviar as condições da escola, pois esta conta com grande número de alunos.
Esta afirmação não condiz com a verdade, pois virão um grande número de alunos
de uma escola vizinha ao Padre Aguinaldo, Professor José Odilo, inclusive,
alunos do próprio Tocantins para substituir os alunos do CEFAM, caso ocorra
esta mudança; portanto, não irá aliviar as condições da escola, pelo contrário,
serão mais alunos ainda. Outro argumento seria que o pessoal do CEFAM teria um
prédio próprio; sabemos que também não é verdade”.
DOS
FUNDAMENTOS DA PRETENSÃO
Consta da Constituição Federal (artigo 206,
inciso VI) o estabelecimento de um princípio referente à educação e ao ensino
que é o da gestão democrática.
Também na Constituição Estadual, está
estabelecido que o Plano de Educação ocorrerá mediante consulta à comunidade
educacional (artigo 241).
Isto significa que também o ECA garante, além do
acesso e permanência na escola, o direito dos pais de ter ciência daquilo que é
proposto aos seus filhos. Portanto, a democratização do ensino é garantida por
lei. Logo, a Secretaria ou Delegacia de Ensino tem o dever de discutir o
planejamento escolar, junto com os pais ou responsáveis. Isto não ocorreu nos autos.
Aliás, tais fatos já foram considerados
favoravelmente por este juízo, quando se discutiu a validade jurídica da forma
como foi implantada a reorganização escolar, com o fechamento de unidades
educacionais, isto ocorrendo há dois anos atrás.
O procedimento adotado, a meu ver, não respeitou
tal princípio. Não há registro de consultas ao Conselho de Educação, posto que
tais mudanças envolvem tanto o 1º, quanto o 2º grau. As medidas partiram de
cima para baixo, sem consulta prévia, esbarrando na arbitrariedade. Não há
notícias de reuniões para se discutir as conseqüências e os problemas de tais
remoções. Ao que parece, os pais foram surpreendidos e tiveram reação imediata,
encaminhando solicitação e protesto, com abaixo-assinado, na esfera administrativa.
Não obtendo a solução favorável, foram obrigados a solicitar auxílio ao
Ministério Público. Sequer os pais foram atendidos pela Delegacia de Ensino,
que delegou tal atribuição a uma assistente.
É de se perguntar a razão de tais medidas, já
que a reorganização tão falada ocorreu em 1995, com base no Decreto 40.473. O
que se pretende agora?
E mais: o artigo 53 do ECA reza que:
A criança e o adolescente têm direito à
educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:
V - acesso à escola pública e gratuita
próxima de sua residência.
Parágrafo
Único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico,
bem como participar da definição das propostas educacionais.
Ora, não se tem notícia de um estudo ou análise
a respeito do impacto das transferências, na questão do acesso à escola, ou
seja, necessidade ou não, de deslocamento de alunos para bairros distintos.
Outra questão que deveria ter sido estudada é a referente ao problema da evasão
escolar, que poderia ocorrer, graças à já demonstrada insatisfação geral dos
envolvidos no dilema.
Nota-se, de outra parte, que a Administração
abusa de sua discricionariedade. O poder discricionário dá poderes para decidir
sobre as metas e objetivos relativos ao ensino público, sem contudo, violar
aquele princípio que determina que as pessoas utilitárias daquele serviço sejam
ouvidas para a tomada de decisões.
Ou seja:
Discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, e pode ser definida como: a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal. (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, p. 204).
A discricionariedade está limitada pelo
interesse público e não pode ser considerada imune ao crivo do Judiciário,
quando seja desrespeitado tal princípio.
As conseqüências da aplicabilidade de tais
medidas são desconhecidas, principalmente, considerando que os afetados somam
em torno de cinco centenas de alunos.
Resumindo-se: 1) os alunos tem o direito
adquirido de permanecerem nas unidades escolares onde se encontram, face às
melhorias que providenciaram para a Unidade Educacional, com excelente
participação da comunidade; 2) as transferências são prejudiciais e ofendem
direitos básicos dos mesmos; 3) não houve consulta prévia nem participação da
parte prejudicada no processo decisório; 4) não se avaliou as conseqüências dos
atos, especialmente, na questão do acesso à escola e da provável evasão
escolar; 5) a medida inviabilizará o CEFAM, pois o Colégio Tocantins não tem
estrutura para receber tal curso. Devemos nos lembrar que são os “futuros
educadores deste país”.
DOS
PEDIDOS E REQUERIMENTOS
Posto isso, requer se digne Vossa Excelência:
a) definir
medida liminar (artigo 12 da Lei 7.347/85),
presentes os pressupostos necessários: o periculum
in mora, diante da recusa das matrículas para as citadas Unidades Escolares
e a iminência do início do ano escolar e o fumus
boni iuris, face ao exposto acima, suspendendo-se
o processo de execução de tais transferências;
b) seja
julgada procedente a presente ação, condenando-a
a ré na obrigação de não fazer, qual
seja, abster-se de efetuar qualquer transferência dos alunos do curso CEFAM e
do Colégio “Professor Tocantins” e aceitar as matrículas normalmente, como no
ano letivo de 1997;
c) a
citação da ré para responder aos termos da presente ação, assim como para,
querendo, contestá-la, no prazo legal, pena de revelia;
d) em
caso de não cumprimento da liminar, requer-se seja fixada multa diária de R$
1.000,00 (um mil reais) - artigo 11 da Lei 7347/85, a ser recolhida ao Fundo
Municipal da Criança e do Adolescente, previsto no artigo 214 do ECA e no
artigo 8º da Lei Municipal nº 6737/90.
Protesta
provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos,
especialmente, a prova documental que já instrui a presente ação, depoimento
pessoal da 1ª Delegada de Ensino de Santo André e oitiva de testemunhas, cujo
rol será oferecido no momento oportuno.
Atribui-se à presente ação o valor de cunho inestimável de
R$ 1.000,00.
Neste
termos,
Pede
deferimento.
Santo André, 30 de janeiro de
1998.
Promotor de Justiça