EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE
DIREITO DA TERCEIRA VARA DA COMARCA DE JACAREÍ
O Ministério Público do Estado de São Paulo, no exercício das atribuições que lhe são conferidas por lei, por intermédio de seu Promotor de Justiça que esta subscreve, legitimado pelo artigo 129, inciso III, da Constituição Federal e artigo 201, V, da Lei nº 8.069/90, com fundamento no artigo 208, VII, da Constituição Federal; no artigo 54, inciso VII, da Lei nº 8.069; na Lei nº 8913/94 e no Convênio celebrado entre a Prefeitura Municipal de Jacareí e a Fundação de Assistência ao Estudante, vem, perante Vossa Excelência ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA com preceito cominatório de Obrigação de Fazer, sob o rito ordinário, para a proteção de interesse coletivo de alunos matriculados na pré-escola, no ensino fundamental, nas entidades filantrópicas, das escolas das redes municipal e estadual, das zonas urbana e rural, em face do Município de Jacareí, na pessoa de seu Prefeito Municipal, pelas razoes de fato e de direito que passa a expor:
1. DOS FATOS E DO DIREITO
No dia 22 de fevereiro de 1999 chegou ao conhecimento desta Promotoria de Justiça, com atribuições na área da infância e juventude, através de representação formulada pelo Vereador M. F., que os estudantes do ensino fundamental da rede estadual e municipal de ensino não estavam recebendo merenda escolar desde o início das aulas.
Com o fim de averiguar a notícia realizou-se reunião no dia 23 de fevereiro de 1999, oportunidade em que foram solicitadas informações ao Ilustríssimo Secretário Municipal de Educação, o Senhor F. L. N., a Ilustríssima Senhora Dirigente Regional de Ensino, a senhora S. S. N. e ao próprio representante.
Nesta oportunidade, foram obtidas as informações necessárias para o embasamento da presente ação civil pública.
Senão vejamos.
O artigo 208, inciso VII, da Constituição Federal estabelece que:
“O dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de:
(...)
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde”.
O texto constitucional é praticamente repetido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) que em seu artigo 54, inciso VII dispõe o seguinte:
“É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:
(...)
VII - atendimento ao ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático, transporte alimentação e assistência à
saúde.”
Os textos acima mencionados têm a finalidade de exigir do Poder Público o respaldo necessário para uma efetiva aprendizagem, já que é relativamente grande o número de crianças carentes que freqüentam os bancos escolares do ensino fundamental das redes municipal e estadual.
A contribuição é primordial no combate a repetência escolar, pois é cediço que crianças com problemas de alimentação têm afetada a capacidade de aprendizagem.
Com o fim de reforçar essa idéia e facilitar a aplicação de recursos nesta área a Lei nº 8.913, de 12 de julho de 1994, dispôs sobre a municipalização da merenda escolar.
Em seu artigo 1º consagrou que:
“Art. 1º - Os recursos consignados no orçamento da União, destinados a programas de alimentação escolar em estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino fundamental, serão repassados, em parcelas mensais, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
Parágrafo 1º - O montante dos recursos repassados a cada Estado, ao
Distrito Federal e a cada Município será diretamente proporcional ao número de
matrículas nos sistemas de ensino por eles mantidas”.
Mais adiante estabeleceu em seu artigo 2º:
“Art. 2º - Os recursos só serão
repassados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que tenham, em
funcionamento, Conselhos de Alimentação Escolar, constituídos de representantes
da administração pública local, responsável pela área da educação; dos
professores; dos pais de alunos; e de trabalhadores rurais”.
Durante a reunião mencionada obteve-se a informação de que Jacareí já possui o conselho aludido pela lei, criado, aliás, pelo Decreto nº 010, de 20 de janeiro de 1997 (fls. 35/36), em atendimento ao disposto na Lei Municipal nº 3.868, de 23 de setembro de 1996, o que significa que o nosso Município já está recebendo os recursos referentes às escolas municipais de ensino fundamental.
A despeito deste assunto tem-se que é cediço que Jacareí teve várias escolas municipalizadas[1], sendo, portanto, responsável pelo gerenciamento dos programas de alimentação nos estabelecimentos de ensino de sua rede.
Por outro lado, alunos de escolas estaduais e entidades filantrópicas, foram colocados sob a responsabilidade do Município de Jacareí que celebrou convênio com a Fundação de Assistência ao Estudante (fls. 60/67).
O mencionado convênio tem por objetivo:
“Promover o atendimento do Programa de Alimentação Escolar garantindo
pelo menos uma refeição diária com o mínimo de 9 gramas de proteína e 350 Kcal,
destinados aos alunos matriculados no pré-escolar, ensino fundamental, das
entidades filantrópicas, das escolas da rede municipal, estadual, das zonas
urbanas e rural.”[2]
Através dele a Prefeitura Municipal de Jacareí se comprometeu, dentre outras ações, a:
(...)
c) assegurar o provimento tempestivo dos recursos complementares
necessários à execução do objeto;
(...)
o) iniciar o imediato processo de aquisição dos alimentos, considerando o calendário escolar, para atendimento dos alunos beneficiários;
(...)
v) estabelecer que a Alimentação Escolar - direito inalienável da criança
- não pode sofrer danos de qualquer ordem, tais como desvio, distribuição à
clientela não prevista no Convênio, deterioração, cabendo o ônus do
ressarcimento, em quantidade e espécie, aos responsáveis pelo Programa, em
qualquer das instâncias administrativas.
De outra banda, estabeleceu o aludido convênio o repasse de recursos financeiros para a finalidade que especificou e previu que:
(...)
“c) novas liberações de recursos financeiros serão por apostila, de forma
a atender aos dias letivos faltantes, até o limite da atualização financeira do
valor descrito no item ‘a’[3], já deduzida a (s) liberação (ões) anterior
(es).
Seguindo a sistemática descrita, a Resolução nº 02, de 21 de janeiro de 1999, estabeleceu critérios e formas de transferência de recursos financeiros às Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal, às Prefeituras Municipais e às Escolas Federais, à conta do Programa Nacional da Alimentação Escolar - PNAE.
Não obstante as disposições da Medida Provisória nº 1.784 - 01, de 13 de janeiro de 1999 e da Resolução nº 3, de 21 de janeiro de 1999[4], enquanto estiver em vigor o convênio celebrado entre o Município de Jacareí e a Fundação de Assistência ao Estudante, é o primeiro o responsável pelo fornecimento de merenda às escolas do município, quer estaduais, quer municipais.
A presente visa a proteção de interesse coletivo, assim entendido como o afeto a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base.
No caso em questão são os alunos matriculados na pré-escola e no ensino fundamental, titulares, aliás, de direitos indisponíveis, quer da rede municipal, quer da rede estadual de ensino e de entidades filantrópicas, os beneficiados pela presente demanda.
2.
DO
FUMUS BONI IURIS E DO PERCIULUM IN MORA
Do exame da documentação ora anexada, resulta a probabilidade da
existência do direito invocado, na medida em que várias normas de direito
material estabelecem a obrigação do réu em fornecer merenda escolar aos alunos
matriculados na pré-escola, no ensino fundamental e entidades filantrópicas.
Presente, portanto, o fumus boni iuris.
De outra parte, a demora no término dos procedimentos licitatórios para a
aquisição de gêneros destinados a composição escolar da merenda escolar poderá
ocasionar sérios prejuízos aos alunos, principalmente carentes, gerando, assim,
embaraços no processo de aprendizagem. Destarte, configurado está o chamado periculum in mora.
3. DOS PEDIDOS
Por tais razoes é a presente para requerer:
a) inaudita altera parte e liminarmente, seja determinado ao réu a tomada de providências legais cabíveis, no prazo de cinco dias, visando o fornecimento de merenda escolar aos beneficiados assim considerados os alunos matriculados na pré-escola, no ensino fundamental das redes municipal e estadual de ensino e os atendidos em entidades filantrópicas, sob pena do pagamento de 100 (cem) salários mínimos por dia de atraso, com fundamento do artigo 213, parágrafos 2º e 3º, da Lei nº 8.069/90 e artigo 214 da mesma legislação, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal.
b) a citação do Município de Jacareí, na pessoa de seu Prefeito Municipal, para que responda a todos os termos da presente ação, no prazo legal, sob pena de confissão;
c) a procedência do pedido inicial, com o fim de condenar o réu ao cumprimento do convênio celebrado com a Fundação de Assistência ao Estudante, bem como do contido nos artigos 208, VII, da Constituição Federal; no artigo 54, inciso VII, da Lei nº 8.069/90; na Lei nº 8.913/94, confirmando-se a liminar inicialmente concedida.
Requer provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, juntando-se, por oportuno, a documentação anexa (Representação nº 01/99 - em trâmite pela Promotoria de Justiça de Jacareí, conforme registro interno e seu respectivo anexo, consistente em cópias dos procedimentos licitatórios em andamento) à presente.
Dá-se à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais) para efeitos de alçada.
Termos em que,
pede deferimento.
Jacareí, 01 de março de 1999.
3º Promotor de Justiça de Jacareí
Notas:
[1]
Há entre os documentos que acompanham a inicial relação (atualizada até janeiro
de 1998) de escolas que foram municipalizadas.
[2]
A redação desta alínea do convênio foi praticamente repetida pelo art. 3º da
Resolução nº 02, de 21 de janeiro de 1999 do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação, segundo o qual “O cardápio da alimentação escolar deverá
ser programado de modo a fornecer cerca de 350 quilocalorias (Kcal) e 9 gramas
de proteínas por refeição, ou seja 15% das necessidades diárias de calorias e
proteínas dos alunos beneficiados.
[3] “a) repassar ao
CONVENENTE os recursos financeiros para aquisição de gêneros alimentícios para
o atendimento de 35.346 alunos, durante o período de 170 dias correspondente ao
valor de CR$ 875.184.633,00 para o exercício de 1994 e para o período de 180
dias correspondente ao valor de CR$ 926.665.082,00 para o exercício de 1995,
calculados a preço de ABRIL/94;
b) inicialmente o valor a ser liberado deverá atender a 60 dias letivos,
correspondendo a CR$ 308.888.694,00”.
[4]
Dispõem sobre o repasse de recursos financeiros do Programa Nacional de
Alimentação Escolar e instituem o Programa de Dinheiro Direto na Escola.