Gildo Volpato
Estudar o jogo e o
brinquedo, é sempre algo fascinante; pois a magia, o entusiasmo, a emoção presentes em situações lúdicas, não podem ficar
ausentes em pesquisa e literatura.
Já faz algum tempo que o
fenômeno jogo deixou de ser entendido como atividade natural de satisfação dos
instintos infantis ou como forma de descarregar energia acumulada, ou como
preparação para a vida séria ou ainda para despertar tendências que se
encontrassem latentes no indivíduo, ou como catarse para purgar o indivíduo de
tendências anti-sociais, sexuais, etc.
No inicio deste século, Vygotsky já dizia que é por meio do jogo e da brincadeira,
que a criança se apropria dos signos sociais, o que deu novos indicativos para
buscar compreendê-lo enquanto elemento sócio-cultural.
Sendo o brinquedo
considerado o material utilizado para jogar e brincar, torna-se também um
objeto de estudo de profunda riqueza. Revela nossa cultura, nossos valores,
crenças e concepções de mundo.
Portanto, jogo e
brinquedo só podem ser entendidos vinculados aos fatores históricos e culturais
que propiciaram seu aparecimento, ou seja, dentro da produção coletiva dos
homens em sociedade.
Para que possamos
apreendê-lo, precisamos levar em consideração as palavras de Max Weber (apud Geertz, 1978, p. 15), quando diz que o homem é um animal
amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu.
Trataremos aqui do jogo
e do brinquedo que supõem um contexto social e cultural. Portanto, partiremos
do pressuposto que a criança está inserida, desde o seu nascimento, num
contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável.
Dessa forma, o jogo e o brinquedo são considerados como o resultado de relações
interpessoais, portanto de cultura.
Nesse sentido,
precisamos voltar nosso olhar para os princípios que sustentam os motivos, as
escolhas, o usufruto e as organizações que envolvem o que chamamos brinquedo e
jogo.
Se pudermos interpretar
o conteúdo das mensagens e os comportamentos apresentados em situações de
brinquedo, certamente encontraremos diversidade de significados que falam de
heranças sócio-culturais. Pois, como diz Huizinga
(1996, p. 3,4),
O jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo
psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica.
É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo
existe alguma coisa em jogo que transcende as necessidades imediatas da vida e
confere um sentido à ação.
Nesse sentido, por meio
deste estudo, discutiremos os significados do jogo e do brinquedo como
elementos da cultura, procurando estabelecer um diálogo entre autores de
Antropologia e clássicos na abordagem deste assunto.
Era uma vez ...
O jogo contém dimensões
antropológicas, sociais e políticas de profunda densidade.
Falar em jogo, portanto,
consiste em mexer em questões que nos remetem a lembrar desde a origem até as
formas mais sofisticadas de produção de brinquedos e de brincar. Remete-nos a
pensar a criança e seus brinquedos, como fonte de saber e conhecimentos, pois,
como bem lembrou Benjamin (1984) onde as crianças brincam, existe um segredo
enterrado.
Tentar definir o jogo
não é tarefa difícil; no entanto, quando se pronuncia a palavra "jogo”
cada um pode entendê-lo de maneira diferente.
De acordo com Raabe nada permite afirmar, categoricamente, que
determinado tipo de comportamento é jogo ou que determinado tipo de objeto é
brinquedo. Qualquer julgamento neste campo seria subjetivo. O mesmo objeto, uma
panela por exemplo, seria um utensílio doméstico nas mãos da dona de casa e um
brinquedo para seu filho.
Cada contexto social
constrói uma imagem de jogo, conforme seus valores e modos de vida que se
expressa por meio das ações e representações dos sujeitos.
Dessa forma, enquanto
fato social, enquanto cultura, o jogo assume a imagem, o sentido que cada
sociedade lhe atribui. É esse o aspecto que nos mostra porque, dependendo do
lugar e da época, os jogos assumem significações diferentes. Como exemplo
podemos citar o arco e a flecha, hoje considerados como brinquedos, em certas
culturas indígenas representam instrumentos para a arte da caça e da pesca.
Muitos outros objetos
foram utilizados no trabalho, em atividades artísticas, místicas, sacras, antes
de serem utilizados em jogos e considerados brinquedos. Podemos citar o
"Cavalo de Pau" que foi uma imitação das atitudes dos adultos, numa
época (Idade Média) em que o cavalo era o principal meio de transporte e de
tração. Da mesma forma a técnica dos moinhos de vento, citada por Ariés (1981), iniciada na Idade Média, logo foi motivo de
imitação das crianças com as pás que giravam na ponta de uma vareta. Apesar de
os moinhos de vento terem desaparecido na maioria dos países, os cata-ventos
continuam sendo confeccionados e vendidos, principalmente em feiras e festas
religiosas.
O balanço, conforme Nilsson, fazia parte dos ritos da Aiora,
a Festa da Juventude, interpretada como o rito da fecundidade, freqüente ainda
no século XVIII. Nesse ritual os meninos pulavam sobre odes cheios de vinho, e
as meninas eram empurradas em balanços. Havia estreita ligação entre a
cerimônia religiosa comunitária e a brincadeira, que com o tempo se libertou do
simbolismo religioso, tornando-se o balanço um brinquedo cada vez mais
reservado às crianças.
A boneca é brinquedo
para uma criança que brinca de "filhinha", mas para certas tribos
indígenas, conforme pesquisas etnográficas, é símbolo de divindade, objeto de
adoração.
No livro, Os Melhores Jogos do Mundo
podemos identificar a origem do xadrez e da perna de pau. O xadrez teve
sua origem na Índia há muitos séculos e, na sua trajetória para o ocidente,
peças representando elefantes, marajás e carros de guerras foram sendo
transformados em bispos, reis e torres de castelos, mostrando a influência dos
acontecimentos de uma determinada época, principalmente dos acontecimentos
políticos. Na época de Napoleão Bonaparte, o rei branco do xadrez foi
substituído pela figura do general e imperador.
A perna-de-pau está
associada a práticas religiosas e mitológicas bastante remotas. Era utilizada
na África pelos feiticeiros, em ritos de iniciação nos quais os jovens eram
admitidos no mundo adulto.
O chocalho, um dos
primeiros brinquedos presenteados aos bebês, foi inicialmente um objeto de
adoração indígena, e, conforme Benjamin (1984, p.72), desde tempos remotos é um
instrumento de defesa contra maus espíritos, o qual justamente deve ser dado ao
recém-nascido.
O papagaio, cujo
significado representava a alma, já possuiu um papel mágico, principalmente nas
grandes festas religiosas do Extremo Oriente.
Muitos dos mais antigos
brinquedos (a bola, o papagaio, o arco, a roda de penas), foram de certa forma,
impostos às crianças como objetos de culto e somente mais tarde, devido à força
de imaginação das crianças, transformados em brinquedos.
Havia certa margem de
ambigüidade em torno dos brinquedos, principalmente na sua origem. A maioria deles eram partilhados tanto por adultos, quanto
por crianças, tanto por meninos quanto por meninas, nas mais diversas situações
do cotidiano. Essa ambigüidade começou a desaparecer, principalmente com o
início da especialização dos brinquedos, que passou a ocorrer no século XVIII,
com o avanço do capitalismo.
O brinquedo passou a ser
mercadoria comercializada com fins lucrativos. A partir daí, os objetivos do
brinquedo começam a se afastar da sua origem.
Conforme Benjamin (1984,
p.68), "Uma emancipação do brinquedo começa a se impor; quanto mais a
industrialização avança, mais decididamente o brinquedo subtrai-se ao controle
da família, tornando-se cada vez mais estranho não só às crianças, mas também
aos pais".
Pela crescente
tendência de racionalização, principalmente das sociedades ocidentais, as
características do brincar e jogar foram mudando
radicalmente. O que antes era motivo de profundas relações familiares, com
valores e sentidos culturais muito significativos, torna-se um objeto destinado
a um público alvo, com um fim em si mesmo.
É de menino ou de menina?
Mesmo com todas as
mudanças que ocorreram ao longo dos tempos, as crianças continuam brincando,
continuam jogando e se expressando por meio das atividades lúdicas. Se isso
ocorre, apesar de vivermos numa sociedade que supervaloriza o trabalho em
detrimento do lazer e que atribui ao tempo um valor financeiro, é porque é
atribuído ao brinquedo e ao brincar algum sentido, ou valor social,
principalmente na vida das crianças.
Conforme Brougère (1997), é preciso aceitar o fato de que o
brinquedo está inserido em um sistema social e suporta funções sociais que lhe
conferem razão de ser. Diz ainda: "Para que existam brinquedos é preciso
que certos membros da sociedade dêem sentido ao fato de que se produza,
distribua e se consuma brinquedos" (p.7).
Podemos dizer que muitos
dos brinquedos são fabricados para "ensinar' comportamentos, gestos,
atitudes, valores, considerados "corretos"
em nossa sociedade. Por isso, a maioria deles, já vêm prontos, catalogados,
contendo todas as instruções de uso, idade, sexo, número de participantes,
tempo de duração: Basta segui-las.
Como diz Santim (1990, p.26),
Infelizmente o homem adulto, do
negócio e do trabalho, acabou se aproveitando desta dimensão lúdica da criança.
Explorando essa ludicidade da criança, o adulto a
induz, com artifícios, a adotar os valores do adulto. A astúcia do adulto
começa pela produção de brinquedos que a introduzem no mundo do trabalho e das
funções do adulto.
É provável que a criança
vá procurar imagens sedutoras de adultos para se espelhar. Portanto, procura
nos brinquedos, principalmente naqueles que são miniaturas de objetos de uso
adulto, imitar os papéis sociais estabelecidos na prática cotidiana.
Essa procura parece uma prática livre, autônoma, mas não é bem assim, conforme
diz Vygotsky (1994), "Em um sentido, no
brinquedo a criança é livre para determinar suas próprias ações No entanto, em
outro sentido uma liberdade ilusória, pois suas ações são de fato subordinadas
aos significados dos objetos, e a criança age de acordo com eles" (p.136).
Geralmente, qualquer que
seja o brinquedo, vai propor à criança uma imagem que exalta o adulto, cujas
características o transformam num personagem que merece atenção.
Geralmente os meninos
são presenteados com carrinhos, revólveres, espadas, robôs, etc, enquanto as
meninas com bonecas, carrinhos de bebê, e objetos de uso doméstico em miniatura.
Assim, os papéis são desenhados com muita clareza: a menina, no ato de brincar
torna-se mãe, professora, tia, comadre, irmã; por sua vez, o menino torna-se
pai, motorista, índio, polícia, ladrão.
Sendo assim, parece-nos
mais comum os meninos aprenderem brincadeiras que tenham relação uma aceitação
de atitudes masculinas, como ser destemido, arriscar mais, explorar, correr,
enquanto brincar de boneca e de casinha demonstra afetividade, sensibilidade,
carinho, que em nossa sociedade encerram sentimentos
relacionados às meninas, futuras mães, mulheres.
Brougère
afirma que "O universo feminino parece ficar junto da família e do
cotidiano, enquanto o do menino, que começa, sem dúvida com a miniatura do
automóvel, traduz a vocação para a descoberta dos espaços longínquos, escapando
do peso do cotidiano" (idem, p.21).
Essas atitudes, para
cada sexo, são consideradas "normais" em situações de brinquedo, pois
este tipo de comportamento faz parte de suas rotinas.
Isto nos lembra Bourdieu (1990) quando diz
Se o mundo social tende a ser percebido como evidente e a
ser apreendido (...) é porque as disposições dos agentes, o seu habitus, isto é, as estruturas mentais através das quais eles
apreendem o mundo social, são em essência produto da interiorização das estruturas
do mundo social (p.158).
Dessa forma, os pais,
para garantirem a continuidade dos hábitos de sua coletividade, procuram
direcionar, por meio dos brinquedos e jogos, as atitudes e gostos considerados
característicos para cada sexo.
Conforme Brougére (1997, p.63), o brinquedo trata-se da
"materialização de um projeto adulto destinado às crianças (portanto vetor
cultural e social) e que tais objetos são reconhecidos como propriedade da
criança, oferecendo-lhe a possibilidade de usá-los conforme a sua vontade, no
âmbito de um controle adulto limitado."
Ou como diz Benjamin
(1984, p. 14), de maneira geral, os brinquedos documentam como os adultos se
colocam com relação ao mundo da criança.
Sendo o brinquedo um
elemento que transmite certos conteúdos simbólicos, imagens e representações
produzidas pela sociedade, faz-se necessário refletirmos sobre outros valores,
além dos já mencionados, que estão sendo veiculados.
Em nossa sociedade
capitalista, é comum encontrarmos brinquedos que estimulam a
competição, o individualismo e a vitória a qualquer preço, efetuando
como diz Neto (1996, p.113), "uma associação ideológica desses valores com
os países capitalistas centrais, como os Estados Unidos".
Conforme Oliveira
(1986),
Inúmeros brinquedos lançados no mercado são orientados
explicitamente à exaltação do herói, cultuando o desempenho individual e ultrapoderoso de certos personagens. Essa reverência é
levada ao exagero, privilegiando-se o caráter individualista, as façanhas de um
ser superdotado, capaz de derrotar tudo e todos, fazendo-se reconhecer,
distintivamente em relação aos simples mortais, por sua força, sua
invencibilidade, seu poder. Na maior pane dos casos, os heróis não aparecem
localizados historicamente. Em geral, são apátridas. Mas, mesmo quando isso
ocorre, seus nomes são, invariavelmente, americanos (p.85).
Outro tipo de jogos ou
brinquedos que merecem ser destacados são os
eletrônicos, que, espalhados em quase todos os países, passam determinados
valores condenáveis. Para exemplificarmos, podemos citar partes do conteúdo da
matéria publicada na folha de São Paulo, Videogames
racistas e neonazistas viram mania em escola da Áustria, de autoria de
Sandra Lacut, da France Press.
Esses jogos estimulam preconceitos
racistas, incentivando a derrota de tudo que se opõem aos valores arianos,
consagrando assim o nazismo.
Esses jogos estimulam
preconceitos racistas, incentivando a derrota de tudo que se opõem aos valores
arianos, consagrando assim o nazismo.
Diz Lacut,
"Os videogames trivializam o Holocausto
(assassinato em massa de judeus, ciganos, homossexuais e dissidentes, durante o
nazismo) e incitam ao ódio contra os judeus e os turcos".
Outro jogo tem como
objetivo propor hierarquização das pessoas por raças, fazendo crer na hegemonia
da raça ariana.
Conforme Lacut, (p. 114),
Outro, chamado 'Prova Ariana', coloca perguntas que revelam
ao jogador seu grau de pureza racial. Aquele que for apenas 'meio ariano' pode
se desforrar, 'matando comunistas'. De acordo com o grau de 'impureza do
sangue', o jogador só pode ser varredor ou limpador de privadas. E o 'judeu' é
automaticamente atirado na câmara de gás.
Neto (1996) conclui
dizendo que é possível que o autor do jogo se tenha inspirado no terrível mundo
criado por Aldous Huley
chamado "Admirável Mundo Novo", onde as pessoas eram divididas em
castas desde o berço, sendo que os "Alfas" representavam o topo da
hierarquia, enquanto os "Ipsilons" o seu grau mais baixo sendo
responsáveis por "limpar privadas".
Infelizmente, esses
valores que podem estar implícitos no jogo, nem sempre são observados, ou
melhor, raramente são apreendidos, analisados e criticados. Eles geralmente se
escondem atrás de muita ação, de muita cor, luz e som, características dos
brinquedos eletrônicos.
Outro fato que
gostaríamos de destacar, são os fatores que influenciam na definição dos
desejos e gostos por determinados brinquedos e jogos, ou seja, a influência dos
meios de comunicação de massa.
Só eu não tenho um desses!
Não temos dúvida que,
com a chegada dos meios de comunicação de massa, os modos de experiência e os
padrões de interação em nossa sociedade se transformaram.
Na cultura moderna, os
modos de transmissão orais e escritos foram quase que substituídos por modos de
transmissão baseados nos meios eletrônicos.
Conforme Thompson (1995,
p.318), "todo indivíduo presente num local doméstico privado, possuidor de
um aparelho de televisão, tem acesso potencial à esfera da publicidade criada e
mediada pela televisão"
Desse modo as crianças são alvo fácil da indústria cultural do
brinquedo. Por meio da propaganda são informadas sobre novos
brinquedos no mercado, que prometem proporcionar-lhes maior prazer,
emoção, alegria.
A diversidade de imagens
que mostram crianças brincando com os mais variados tipos de bonecas,
bicicletas, carrinhos e outros brinquedos, incentivando e apontando estratégias
de como consegui-los com seus pais, são cada vez mais freqüentes na televisão,
principalmente em determinadas datas do ano, como Natal e Dia das Crianças.
A propaganda procura
passar uma realidade que não é a de todas as crianças. A de que o brinquedo
pode ser adquirido por toda e qualquer pessoa. Mas a realidade não é essa, e as
diferenças podem ser verificadas nas ruas no dia seguinte a essas datas. Basta
olharmos nas mãos das crianças. Mas esse é "apenas" um pormenor que
não importa muito aos meios de comunicação de massa.
Conforme Chauí (1994),
os assuntos transmitidos pelos meios de comunicação de massa, "colocam os
receptores num universo de atualidade por eles desejado,
ainda que as transmissões possam reforçar a apropriação desigual dos chamados
bens culturais pelas diferentes classes sociais" (p.32).
Um fato que merece
atenção, é que os meios de comunicação, pela fala dos especialistas, tendem a
invalidar os brinquedos e jogos confeccionados pelas próprias crianças, que se
sentem inferiorizadas por não possuírem um igual ao veiculado pela mídia. Dessa
forma há uma invasão da chamada cultura de massa à cultura popular.
Os meios de comunicação
de massa, pela sua capacidade intimadora, impõem, conforme Chauí (ibidem,
p.40), uma estrutura cultural na qual os indivíduos são convidados a
participar, sob pena de exclusão e invalidação sociais ou de destituição cultural.
Eu quero um igualzinho àquele!
Dia após dia, aumenta o
número de palavras e imagens, informações e idéias a respeito de produtos e acontecimentos,
via televisão, rádio e jornais, tornando-se pontos de referência comuns para
milhões de indivíduos de diversos pontos do país e até mesmo do mundo.
Conforme Thompson 1995,
(p.219):
Mesmo as formas de entretenimento que existiram por muito séculos, tais como a música popular e a competição
esportiva, estão hoje entrelaçadas com os meios de comunicação de massa. Música
popular, esportes e outras atividades são em grande parte mantidas pelas
indústrias da mídia, que estão envolvidas não apenas na transmissão e apoio
financeiro de formas culturais preexistentes, mas também na transformação ativa
dessas formas.
Neste mundo globalizado,
os artefatos e imagens de uma vida agradável nos ideais americanos, são
exportados facilmente para o mundo inteiro. Esse fato tem sido visto por alguns
críticos, conforme observa Featherstone (1997, p.24),
como indicador da homogeneização global da cultura, na qual a tradição dá lugar
à cultura americana do consumo de massa.
Voltamos a colocar o
brinquedo e o jogo no centro desta discussão.
Tanto o brinquedo,
quanto as formas de brincar e jogar já passaram por
inúmeras transformações ao longo da história. Porém, esta mesma história não
nos mostra outro tempo em que ocorreram tantas mudanças e massificações em
torno do brinquedo e do brincar como nestes últimos anos, coincidindo com o
crescimento da informação. Isso não é difícil de entender se levarmos em
consideração que, num mundo globalizado, "o cidadão" passa a ser
"o consumidor", não somente de seu país, mas internacionalmente.
Conforme Ortiz ( 1994, p, 122) "O
dever primeiro de todo o cidadão é ser um bom consumidor. O universo do consumo
surge assim, como lugar privilegiado da cidadania. Por isso os diversos
símbolos de identidade têm origem na esfera do mercado".
O crescente processo de
homogeneização em torno do brinquedo é considerado por Marcellino
(1990) como um furto e desrespeito em relação à cultura do lazer na infância,
enquanto Benjamin (1984) acusa a indústria cultural do brinquedo, por colocar a
criança frente a uma realidade pré-fabricada.
Recentemente
presenciamos dois fenômenos típicos de massificação dos brinquedos e
padronização do brincar. Foi o caso do "bichinho virtual" chamado Tamaguchi, que virou mania internacional, fazendo com que
crianças do mundo inteiro atendessem às solicitações programadas nele, tais
como: dar de comer, beber, tomar banho, ser vacinado, apagar a luz, fazer
carinho, fazer estudar, entre outras.
Em nível nacional,
presenciamos um rápido esvaziar nas prateleiras de supermercados e lojas de
brinquedos de um bambolê chamado "bambotcham",
do grupo É o Tchan
numa versão mais colorida, mais atraente, principalmente por fazer parte da
coreografia de uma música chamada Bambolê,
desse mesmo grupo.
Conforme Kunz (1994), a crescente homogeneização que faz com que os
brinquedos e jogos das crianças na Europa, EUA, Japão ou Brasil se assemelham,
não acontece apenas por interesses mercadológicos.
Há um certo interesse, também, no controle social pela
influência dos brinquedos e objetos de jogo industrializado, sobre o imaginário
infantil. Pois, a criança forma o seu imaginário social,
cultural e lúdico, através do seu pensar, agir e sentir, que até a idade
do adolescente, configura-se, especialmente, pela brincadeira e o jogo. No entanto,
se pelo simples brincar a criança é afastada de sua realidade, o seu imaginário
é facilmente dominado e sua subjetividade controlada, facilitando assim, a
submissão e a obediência (p.87).
No seu brincar a criança
constrói e reconstrói simbolicamente sua realidade e recria o existente. Porém,
o brincar, criativo, simbólico e imaginário, enquanto poder infantil de
conhecer o mundo e se apropriar originalmente do real, está sendo ameaçado pela
interferência da indústria do brinquedo.
É interessante levarmos
em consideração o fato de que, apesar de toda interferência dos meios de
comunicação de massa e da indústria cultural do brinquedo, as crianças não são
meras receptoras do que é veiculado. Nesse processo, há também elaboração pelas
próprias crianças dos elementos de seu patrimônio cultural.
Mesmo dizendo que as
crianças geralmente agem incorporando normas e padrões de comportamentos, a
partir dos elementos simbólicos que a sociedade lhes impõe, não estamos
afirmando que não existam mudanças e contradições.
Os brinquedos, como
afirma Brougère (1997, p,105),
orientam a brincadeira, trazem-lhe
a matéria. (...) Só se pode brincar com o que se tem, e a criatividade, tal como
a evocamos, permite, justamente, ultrapassar esse ambiente, sempre particular e
limitado.
Afinal, não podemos
ignorar o fato de que, mesmo com toda a produção de telefones infantis, o
barbante amarrado em duas latinhas continua se tornando um telefone; as latas
de alumínio sobrepostas se transformam em jogo de boliche; pneus, plásticos,
madeiras e muitos outros objetos, aparentemente sem conotação lúdica, continuam
despertando a atenção das crianças, as quais os transformam em prazerosos
brinquedos.
A esse respeito são
especiais as palavras de Walter Benjamin (1984) ao dizer que:
Elas (as crianças) sentem-se irresistivelmente atraídas
pelos destroços que surgem da construção, do trabalho no jardim ou em casa, da
atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nesses restos que sobram elas
reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e só para
elas. Nesses restos elas estão menos empenhadas em imitar as obras dos adultos
do que em estabelecer entre os mais diferentes materiais, através daquilo que
criam em suas brincadeiras, uma nova e incoerente relação (p.77).
A reflexão aqui
apresentada tem a intenção de evidenciar que atividades, aparentemente sem
importância, podem ter significado especial para os que a vivenciam,
significado que, muitas vezes apresentados de modo diferente do nosso habitual
entendimento, revela nossa relativa limitação em compreender as realizações do
outro.
A responsabilidade
social é de cada um e de todos nós. Por isso, essas atividades que continuam
apesar do novo, nos lançam o desafio de perseguir, de encontrar e de cultivar
essas práticas e pensamentos em nós mesmos, no mundo que nos cerca, nas pessoas
que conosco convivem, ainda que, utilizando as palavras de Oliveira (1997, p.
114), "isto venha a constituir um caminho dissidente,
que se recusa a aderir à tirania do novo pelo novo".
Somente dessa forma
poderemos considerar que o processo de globalização não produz a uniformidade
cultural. Ela nos torna, sim, conscientes de novos níveis de diversidade, como
nos diz Featherstone (1997, p.31).
Gostaríamos de concluir,
lembrando as palavras de Geertz (1968): "Cada
análise cultural séria começa com um desvio inicial e termina onde consegue
chegar antes de exaurir seu impulso intelectual" (p.35).
Portanto, um assunto tão polêmico, que longe de estar esgotado, promete
muitas descobertas e novos vôos.