ATO INFRACIONAL COMETIDO POR
ADOLESCENTE – REMISSÃO E MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
(Aplicação
pelo Ministério Público? Uma proposta de interpretação)
Pedro Roberto Decomain
Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina.
Recente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, estribada em pronunciamentos idênticos do colendo Superior Tribunal de Justiça, trouxe novamente ao debate o tema relativo à concessão, pelo Ministério Público, de remissão acompanhada de medida sócio-educativa, a adolescente autor de ato infracional.
A ementa do acórdão tem o seguinte teor:
"Apelação
criminal. Estatuto da Criança e do Adolescente. Remissão cumulada com
aplicação, pelo Ministério Público, de medida sócio-educativa. Impossibilidade.
Incompetência do órgão ministerial. Exegese dos arts. 126, 127, 146, 148 e 180,
do ECA. Precedentes do STJ. Recurso ministerial desprovido”.
"Do contexto da Lei nº 8.069, de 1990, que autoriza o Ministério Público a conceder a remissão, como forma de exclusão do processo (art. 127), não se vislumbra a possibilidade de estender a faculdade à aplicação de medida sócio-educativa, esta reservada ao poder jurisdicional previsto nos arts. 146 e 148. Recurso Especial não conhecido”. (Resp nº. 26.057/SP - 6ª Turma - Rel. Min. William Patterson, de 29/04/1996). (Apelação Criminal nº 33.218, de Palhoça, Rel. Des. Jorge Mussi, DJ 15.08.97, pág. 18).
Sem que tal signifique uma contestação à decisão de um Tribunal, mas tão-somente com o objetivo de apresentar um enfoque distinto para a controvérsia, e que, segundo penso, pode contribuir para que se obtenha maior celeridade do âmbito da jurisdição de proteção à infância e juventude, especialmente no terreno do atendimento a adolescentes autores de atos infracionais, permito-me tecer algumas considerações a respeito desse assunto.
Necessário relembrar o conteúdo de alguns dispositivos de Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente – para que esse outro enfoque, que de todo modo resulta nítido exatamente do conjunto desses dispositivos, possa ser adequadamente exposto.
De início, ao cuidar do procedimento para apuração de atos infracionais de autoria de adolescentes, o artigo 180 da mencionada lei estabelece que, tomadas as providências previstas nos dispositivos a esse precedentes, entre elas a indispensável realização da audiência de apresentação do adolescente ao Ministério Público, caberá então ao Parquet seguir um dentre os seguintes caminhos possíveis: 1. promover o arquivamento dos autos; 2. Conceder a remissão; ou 3. representar à autoridade judiciária, para aplicação de medida sócio-educativa ao adolescente.
Nesse instante chega-se à conclusão, que de resto não sofre contestação, de que ao Ministério Público é lícito conceder a remissão ao adolescente.
Essa atribuição do Parquet foi, além disso, reafirmada pelo inciso I do art. 201 do Estatuto, que cuida precisamente das tarefas que ao Ministério Público cabe desempenhar, como agente da realização da política de proteção integral a crianças e adolescentes, que deita raízes inclusive no texto constitucional.
No momento seguinte é preciso volver os olhos para o que se acha disposto no artigo 127 do Estatuto, que diz o seguinte:
"Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação". (Os grifos não constam do original)
Nesse segundo momento, vê-se que a remissão pode vir acompanhada de medida sócio-educativa, com exceção daquelas de colocação em regime de semiliberdade e de internação e que, pelo comprometimento mais extenso que representam para o direito de ir e vir do adolescente atingido, o legislador entendeu aplicáveis apenas ao cabo de um procedimento mais amplo, com efetiva demonstração da prática do ato infracional pelo adolescente, e da necessidade da aplicação a ele de uma medida de tal porte.
A conclusão que disso se extrair é que, se a remissão pode ser "concedida" pelo Ministério Público, e pode ser acompanhada de medida sócio-educativa, ressalvadas apenas aquelas duas expressamente excluídas pela lei, duas situações podem surgir: a da remissão pura e simples, e a da remissão clausulada, vale dizer, daquela acompanhada da medida sócio-educativa reputada mais adequada para a espécie.
O problema exegético que surgiu prende-se, na verdade, ao entendimento que se deva atribuir ao termo "conceder" empregado pelo inciso II do artigo 180, ao referir-se à remissão partida do Ministério Público, como forma de exclusão do procedimento para apuração do ato infracional atribuído ao adolescente. E é precisamente porque o enfoque que se pretende expor aqui gira em torno do verdadeiro conteúdo que se deva atribuir a essa expressão que foi ela grafada entre aspas.
O verdadeiro alcance desse termo resultará aclarado através da análise já agora de alguns outros dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em primeiro lugar, deve-se ter bem presente o que o referido diploma legal prevê no caput e no § 1º de seu artigo 181.
Aquelas duas regras estão assim redigidas:
"Art. 181. Promovido o arquivamento dos autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação. Parágrafo 1º - Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária determinará, conforme o caso, o cumprimento da medida".
Essas duas regras deixam bem claro que o Ministério Público na verdade não "concede" a remissão, entendido o termo conceder, aqui, como atividade de sua exclusiva alçada, e que dispense a intervenção de qualquer outra autoridade.
O que o Ministério Público faz – e isso resulta já agora da conjugação de todas essas regras – é sugerir ao Juiz da Infância e Juventude que conceda a remissão ao adolescente. E é exatamente essa sugestão que pode ter um dentre os dois conteúdos já mencionados, que, por sua vez, a remissão pode revestir: remissão pura e simples, ou remissão clausulada, isto é, remissão acompanhada de medida sócio-educativa.
Exigida que é a homologação judicial da remissão "concedida" pelo Ministério Público, venha ela ou não acompanhada da proposta de aplicação de medida sócio-educativa ao adolescente, bem se vê que o conteúdo da expressão "conceder" não corresponde a uma faculdade exclusiva, privativa, irrestrita e auto-executável do Ministério Público. Guarda ela os contornos de verdadeira sugestão.
Funciona, em verdade, como proposta de aplicação imediata de medida sócio-educativa ao adolescente, com o objetivo de evitar-se a instauração do procedimento subseqüente à oferta da representação.
Noutras palavras, na verdade, quem concede a remissão, seja ela pura e simples, seja acompanhada de medida sócio-educativa, não é o Ministério Público. Pela necessidade da homologação judicial, inclusive com a determinação do cumprimento da medida proposta (o § 1º do art. 181 do ECA emprega exatamente o termo "determinará", ao referir-se à decisão da autoridade judiciária sobre a medida sócio-educativa sugerida pelo Ministério Público, a par da remissão concedida), quem na verdade concede, em última análise, a remissão, é a própria autoridade judiciária. Do mesmo modo, é ela quem aplica a medida sócio-educativa proposta.
Outra coisa não é o que diz, convenha-se, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, no inciso II, de seu artigo 148, que cuida das atribuições da Justiça da Infância e Juventude.
Diz aquela regra:
“Art. 148. A
Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
(...)
II - conceder a
remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo”.
É bem verdade que a remissão "concedida" pelo Ministério Público se destina a evitar o processo que, do contrário, teria início com a oferta da representação. Já a remissão concedida pelo Juiz da Infância e Juventude é aquela destinada a suspender ou extinguir o processo por essa via já iniciado.
A primeira é referida pelo caput do artigo 126 do ECA, enquanto que a segunda encontra guarida inicial no parágrafo único daquele mesmo artigo.
Os dois dispositivos dizem o seguinte:
"Art. 126.
Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de
exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao
contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor
participação no ato infracional”.
“Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo”.
Todavia, embora se cuide de duas modalidades distintas de remissão, na realidade a diferença entre elas prende-se essencialmente ao momento em que são concedidas. Uma é proposta pelo Ministério Público, e pode ou não ser concedida pela autoridade judiciária, em lugar da deflagração, através da representação, do procedimento pleno para apuração do ato infracional.
A outra, concedida também pela autoridade judiciária, destina-se essencialmente a abreviar dito procedimento, tanto que, a teor do mencionado parágrafo único do art. 126 do Estatuto, importa em suspensão ou até mesmo em extinção do procedimento. Suspensão exatamente quando a remissão venha acompanhada de medida sócio-educativa diversa da simples advertência.
Nesse caso, o procedimento restará suspenso enquanto a medida é cumprida, sendo extinto depois. Extinção do procedimento, de outra parte, quando a remissão seja pura e simples, ou quando venha acompanhada apenas da medida de advertência, que será aplicada imediatamente.
No mais, todavia, as duas modalidades de remissão guardam semelhança. Inclusive no que diz com a possibilidade de conexão, a qualquer uma delas (aquela proposta pelo Ministério Público, em lugar da oferta da representação, ou aquela aplicada pela autoridade judiciária, para suspensão ou extinção do procedimento), de medida sócio-educativa.
Nessa vertente, da possibilidade de conexão de medida sócio-educativa tanto à remissão proposta ab initio pelo Ministério Público, quanto àquela sugerida (o termo na verdade não foi empregado aqui de modo casual) pelo Magistrado, depois de iniciado o procedimento, deve-se observar que o artigo 127 do Estatuto, que já foi transcrito linhas atrás, e que se segue, por óbvio, imediatamente ao art. 126, ao afirmar a eventual possibilidade da vinculação de medidas sócio-educativas à remissão, não distingue entre aquela proposta pelo Ministério Público, e aquela sugerida pelo Magistrado.
De resto, também o § 1º do art. 181 do ECA permite concluir pela possibilidade da vinculação de medida sócio-educativa à remissão proposta pelo Ministério Público. Aquele dispositivo diz que, aceito o arquivamento ou a remissão pelo Magistrado, será por ele homologada, sendo também determinado o cumprimento da medida, se for o caso. Por certo que o dispositivo, quando fala em cumprimento da medida, não se refere ao puro e simples arquivamento dos autos. Este, claro está, é inerente à decisão homologatória.
O parágrafo, em verdade, volta-se para o disposto no art. 127 do ECA, que permite a vinculação de uma medida sócio-educativa à remissão, sem distinguir entre a remissão proposta pelo Ministério Público e aquela sugerida pela autoridade judiciária, segundo já se viu.
A persistir o entendimento de que não cabe ao Ministério Público vincular à proposta de remissão a aplicação imediata de medida sócio-educativa ao adolescente, estará em verdade sendo reduzida à letra morta a parte final daquele § 1º do art. 181 do Estatuto, no que ordena que, homologada a remissão, seja determinado, conforme o caso, o cumprimento da medida.
A expressão "conforme o caso" significa, aliás, que o cumprimento da medida será determinado, quando tal medida for vinculada pelo Ministério Público à remissão, ou seja, quando esta não for pura e simples.
Com relação à remissão proposta pelo Juiz da Infância e Juventude, ela deve ser sempre precedida da ouvida do representante do Ministério Público.
É o que se acha ordenado pelo § 1º, do art. 186, do Estatuto da Criança e do Adolescente, de acordo com o qual, "se a autoridade judiciária entender adequada a remissão, ouvirá o representante do Ministério Público, proferindo decisão".
A esse respeito, e considerando que essa modalidade de remissão acontecerá depois de iniciado o procedimento judicial, pela oferta da representação para apuração do ato infracional atribuído ao adolescente, é preciso que fique registrado que, nesse procedimento, o Ministério Público, como parte no feito, tem o direito de obter uma decisão final de mérito, com a produção de todas as provas possíveis, para se chegar a um convencimento final sobre o proceder do adolescente. Disso resulta que não está o representante do Parquet vinculado à proposta de remissão partida já agora do Magistrado, nem pode este deferir a remissão, em caso de discordância do representante do Ministério Público, pena de malferimento ao princípio acusatório, que preside tais procedimentos, e pena de verificar-se também, por assim dizer, verdadeiro "cerceamento de acusação". Em resumo, discordando o Promotor de Justiça da Infância e Juventude da remissão sugerida pelo Magistrado, esta será tornada inviável, pena de malferimento ao direito que tem o Ministério Público de ver o procedimento conduzido em sua plenitude até o seu término, com produção de toda a prova, e aplicação, ou não, de medida sócio-educativa.
Esta afirmativa está sendo feita não com o objetivo de demonstrar ou induzir qualquer espécie de confronto entre o Ministério Público e o Poder Judiciário na condução dos assuntos relacionados à apuração de atos infracionais cuja autoria seja atribuída ao adolescente.
O que se procura salientar é apenas o fato de ser a remissão, dentro do sistema construído para ela pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, um instituto eminentemente vinculado a um sistema de Justiça consensualizada, que procura antes de tudo solver as controvérsias surgidas no ambiente social, através do entendimento, mediado por um órgão estatal.
A remissão, seja aquela partida do representante do Ministério Público, para excluir o procedimento judicial desde o seu início, seja aquela sugerida pelo Magistrado, para suspendê-lo, ou para extingui-lo, é figura jurídica que guarda todo o perfil dos institutos dessa Justiça consensualizada, como ocorre também, e para exemplificar, com a transação penal, em tema de infrações penais de menor potencial ofensivo, tais as definidas pela Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
A remissão, encarada sob esse prisma, permite que seja evitado um longo, acidentado e por isso mesmo penoso caminho para se chegar à eventual imposição de medida sócio-educativa ao adolescente havido por infrator.
Proposta pelo Ministério Público desde logo, inclusive com a vinculação a ela de uma medida sócio-educativa, devem sobre o tema ser consultados o adolescente, seu representante legal e, se o tiver, ou se desejar que um lhe seja nomeado previamente, o seu defensor.
A maior eficácia dessa espécie de proceder fica claramente evidenciada. O que se pode alcançar pelo consenso entre o representante do Ministério Público e o adolescente, seu representante legal e seu defensor, com a indispensável intermediação do Poder Judiciário, não se deve fazer esperar, para somente ser obtido depois de todo um longo procedimento.
Em suma, o que se sugere, a título de vertente exegética proveitosa e socialmente útil para o instituto da remissão como forma de exclusão do procedimento, proposta pelo Ministério Público, no Estatuto da Criança e do Adolescente, é o seguinte: a remissão ofertada pelo representante ministerial pode ser acompanhada de medida sócio-educativa, ressalvadas apenas aquelas expressamente proibidas pelo Estatuto, quais sejam, a semiliberdade e a internação. A proposta somente será concretizada, com aplicação da medida ao adolescente, se houver a concordância dele, de seu representante legal e de seu defensor, e, por sem dúvida, a homologação judicial, com aplicação efetiva da medida proposta.
Se houver a recusa do adolescente ou de seu representante legal em aceitar a proposta, esta não se concretiza, e o procedimento segue normalmente. Há que se analisar apenas, ao cabo, o que se pode chamar de sistema recursal para a matéria.
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, no § 2º de seu art. 181 que, em discordando o Magistrado da proposta de remissão apresentada pelo Ministério Público, submeterá a matéria ao Procurador-Geral de Justiça, que pode ofertar representação, designar outro membro do Ministério Público para fazê-lo, ou insistir na remissão ofertada, à qual, segundo aquele dispositivo, só então o Juiz estará obrigado a atender.
Nesse caso, se a remissão vier acompanhada de proposta de aplicação de medida sócio-educativa, havendo a recusa do Juiz, e a insistência do Procurador-Geral de Justiça, então sim chegar-se-ia à situação não pretendida pelo Estatuto, da aplicação de medida sócio-educativa pelo próprio Ministério Público.
Mas o sistema permite obviar-se esse inconveniente, sem qualquer ruptura de atribuições ou competências. Se a remissão for pura e simples, o tema ficará, em caso de recusa judicial, na órbita de atribuições do Procurador-Geral de Justiça. Se insistir na remissão, nada mais haverá que fazer, senão homologá-la.
Mas, se a remissão for clausulada, ou seja, se vier acompanhada de proposta de aplicação de medida sócio-educativa, em havendo recusa do Magistrado em aceitá-la, haverá que distinguir.
A recusa judicial pode referir-se à remissão como um todo. Nesse caso, o Juiz da Infância e Juventude haverá que submeter a matéria ao Procurador-Geral de Justiça. Este, porém, se entender que a medida sócio-educativa é necessária, haverá que ofertar a representação contra o adolescente, ou designar outro membro do Ministério Público para que o faça. Através desse procedimento, estará aberta a via para que se possa chegar, eventualmente, à efetiva aplicação da medida sócio-educativa. Mas, se também o Procurador-Geral entender que a remissão é possível, mas a medida sócio-educativa sugerida pelo Promotor da Infância e Juventude é dispensável ou descabida, insistirá na remissão pura e simples, excluindo a medida proposta. Nesse caso, surgirá espaço para a homologação judicial da remissão, e o procedimento de apuração do ato infracional ficará excluído.
Todavia, pode o Juiz insurgir-se não contra a remissão propriamente dita, mas sim contra a aplicação da medida, por entendê-la exagerada e, por isso, descabida, a despeito de haver ela sido aceita pelo próprio adolescente, seu representante legal e seu defensor. Relembre-se que esta aceitação deve ser considerada pressuposto para aplicação da medida, no contexto da remissão, posto que, do contrário, haverá constrangimento ilegal contra o adolescente, porque lhe será retirado o direito de ver o procedimento seguir seu curso normal, inclusive com a possibilidade de verdadeira "absolvição".
Nesse caso, quando a recusa judicial se refira apenas à medida sócio-educativa proposta pelo Ministério Público, e não à remissão em si mesma, o caso já não será de submissão da matéria ao Procurador-Geral de Justiça, mas sim de homologação parcial da remissão, com recusa da aplicação da medida sócio-educativa. Caso o Promotor de Justiça venha a discordar disso, poderá recorrer à instância superior, para que esta reveja a decisão judicial no tocante à medida sócio-educativa e, em vindo a entendê-la cabível e recomendável, imponha ao adolescente o seu cumprimento.
Nessa perspectiva, podem ser encarados recursos como aquele a propósito do qual tudo isso acabou por ser escrito. O representante do Ministério Público apresenta a proposta de remissão, acompanhada de medida sócio-educativa.
O magistrado decide a respeito. Se concordar, consultará o adolescente, seu representante legal e seu defensor, sendo caso. Concordando também eles, a remissão será homologada e a medida sócio-educativa será aplicada ao adolescente. Pode também ocorrer a consulta ao adolescente, seu representante legal e defensor, sendo caso, diretamente pelo Ministério Público, na indispensável audiência de apresentação do adolescente ao Promotor.
Se concordarem, tal será consignado no termo da audiência, sendo a remissão clausulada apresentada ao Juiz da Infância e da Juventude, para decisão. Pode homologá-la desde logo. Pode consultar novamente o adolescente, seu representante legal, e seu defensor, e então homologá-la, assim como pode rejeitá-la desde logo, ou após a referida consulta. A rejeição poderá ser plena, e nesse caso a matéria será submetida à apreciação do Procurador-Geral de Justiça.
Este não pode, por si mesmo, impor a medida ao adolescente. Nesse caso, se a entender de rigor, deverá oferecer representação ou designar outro membro do Ministério Público para que o faça. Mas pode entender a remissão cabível, embora dispensável a medida originalmente proposta.
Di-lo-á, então, e nesse caso o Magistrado apenas terá que homologar a remissão, já agora tornada pura e simples, desvinculada de qualquer medida sócio-educativa. Mas a rejeição judicial original poderá abranger apenas a medida sócio-educativa, e nesse caso surgirá simplesmente o espaço para que o próprio Promotor da Infância e Juventude interponha recurso, pleiteando a aplicação da medida pela segunda instância judiciária.
Interpretando-se dessa forma os diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente que tratam da remissão, em suas várias formas, respeitam-se por inteiro as atribuições do Ministério Público e também a competência judicial para aplicar medidas sócio-educativas a adolescentes havidos por autores de atos infracionais. Respeitam-se, além disso, os direitos e a autonomia da vontade do adolescente e de seu representante legal, com a necessária consulta ao defensor do primeiro.
Caminha-se, portanto, em terreno compreendido no campo abrangente daquela Justiça consensualizada a que já se aludiu. Com isso, ganha-se celeridade na solução de muitas controvérsias surgidas na sociedade.
Em verdade, não é despropositado dizer que essa forma de remissão, acompanhada da proposta de imediata aplicação de medida sócio-educativa, tudo proposto pelo Ministério Público, mas sujeito à homologação judicial, foi a precursora legislativa, no Brasil, da figura da aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, inerente à transação penal, ao depois introduzida no sistema judiciário-penal brasileiro dos adultos pela Lei nº 9.099/95.
Parece importante se reflita sobre essa possível vertente interpretativa do instituto da remissão no Estatuto da Criança e do Adolescente. Com ela certamente se abre caminho para maior celeridade no trato do assunto pelo sistema de Justiça da Infância e Juventude, entendido aqui em seu sentido amplo, compreendendo não apenas o próprio Poder Judiciário, mas também o Ministério Público, e ainda o adolescente, seu representante legal, e seu defensor.