APELAÇÃO N 1.476/00 – 5ª CÂM. - J. 06/06/2000
ESTABELECIMENTO
DE ENSINO. Indenização. Dano moral. Constrangimento sofrido por menor impúbere,
aluna do colégio, acusada de furto e submetida a revista com violação de sua
intimidade, dentro da sala de aula. Omissão dos responsáveis pela manutenção da
disciplina da escola, que se mostraram incapazes de coibir o abuso. Acidente de
consumo que induz a ocorrência de responsabilidade objetiva por culpa
presumida, sem embargo de configurada também a culpa subjetiva. Verba devida. E
o estabelecimento de ensino responsável pela incolumidade física e moral de
seus alunos, impondo-se, por isto, o dever de indenizar o dano moral decorrente
do constrangimento sofrido por menor impúbere, acusada de furto e submetida a
revista com violação de sua intimidade. Omissão dos responsáveis pela
manutenção da disciplina do colégio, que se mostraram incapazes de coibir o
abuso. Acidente de consumo que induz a ocorrência de responsabilidade objetiva
por culpa presumida, sem embargo de configurada também a culpa subjetiva, na
forma do art. 1.521, IV, do CC.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos
da Ap. Civ. 1.476/00 originários do Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da
Comarca de Nilópolis, em que figuram, como apelantes, S.S. e sua mulher,
D.V.V.S., por si e representando sua filha, P.V.V.S., e, como apelado, Colégio
Olindense, os Desembargadores que compõem a 5ª Câm. Cív. Do TJRJ acordam, por
unanimidade, negado provimento ao agravo retido, dar provimento à apelação, nos
termos do voto do relator.
Rio de
Janeiro, 6 de junho de 2000.
MARCUS
FAVER, pres.
CARLOS
RAYMUNDO CARDOSO, relator.
VOTO -
Relatório a f.
Prima Facie há que apreciar-se o agravo retido manifestado pelos
apelantes em face da decisão que, na declaração de saneamento, determinou a
produção de prova oral, argumentando os agravantes (f.) haverem os fatos
articulados na inicial sido admitidos pelo agravado, que reconheceu sua
ocorrência, razão por que se mostrava desnecessária a produção da referida
prova, impondo-se a prolação da sentença nos termos do art. 330 do CPC.
A objeção,
todavia, segundo bem destacado no parecer do Ministério Público, não procede
uma vez que, na contestação, o agravante admitiu a ocorrência apenas parcial do
fato, isto é, tão-somente reconheceu que a terceira agravante foi incomodada
pelos colegas, que a acusaram de furto e a revistaram, mas impugnou a imputação
de negligência de seus prepostos, encarregados da disciplina dos alunos.
Bem de ver,
portanto, que a alegação dos agravantes carece de sustentação e, considerados
os fundamentos deduzidos pelas partes, se impunha a comprovação dos fatos
controvertidos.
Sob tal
prisma, então, até porque ao Juiz incumbe determinar a produção das provas que
entender indispensáveis à formação de sua convicção, estou que a inquirição das
testemunhas era oportuna e, até, se mostra útil à compreensão do desfecho da
causa.
Por tais
motivos, meu voto é no sentido de se conhecer do agravo retido, mas a ele negar
provimento.
Superada a
discussão de natureza processual, quanto ao mérito da causa, temos que a mesma
envolve a discussão de dano moral decorrente de constrangimento a que foi
submetida a terceira autora por parte de seus colegas de colégio, sem que
houvessem intervindo para evitá-lo os prepostos do apelado responsável por
manter a disciplina dos alunos.
Pedindo
vênia à douta representante do Parquet que
interveio em 1º grau de jurisdição e à ilustrada sentenciante, as quais, após
laboriosa análise do contexto probatório, concluíram pela improcedência do
pedido deduzido pelos apelantes, penso que melhor sopesou os elementos de
convicção que vieram aos autos a preclara Procuradora de Justiça oficiante
junto a esta E. Câmara, cujo parecer, por sua correção, merece acatamento.
De fato. O
episódio envolvendo a terceira apelante, aluna do apelado, restou
incontrovertido, sendo fartamente demonstrado que ela foi, sim, acusada de
haver furtado R$ 1,00 (hum real) a um colega, e que, em razão disto, foi
submetida a uma constrangedora revista, em que lhe perscrutaram até as roupas
íntimas (cf. contestação de f., f. e depoimento de f.).
Do evento,
resultou para os autores indiscutível dano moral. Para os pais, representado
pela dor de saber sua filha injustamente acusada da prática de fato definido
como crime, e de vê-la submetida ao vexame de uma revista que atentou contra
sua intimidade; para a criança, representado pelo profundo trauma de ser
constrangida por seus próprios colegas, de quem era lícito esperar atitude
diametralmente diversa, o que importa extensa decepção, além da dor moral da
violência de que foi vítima, inclusive com a violação de seu pudor e recato.
Assim, não
me paira qualquer dúvida sobre a existência do fato, do dano e do nexo causal.
Quanto à
responsabilidade do apelado, aqui rogo vênia à douta Procuradora de Justiça,
subscritora do parecer antes referido, mas entendo que a hipótese sub examine configura acidente de
consumo, regulando-se pelo regime de defesa e proteção do consumidor.
De pronto
afaste-se qualquer objeção em razão de disto não haverem cogitado os apelantes
na inicial, só o fazendo em sede de apelo, à vista da aplicação do princípio iura novit curia.
Isto posto,
os apelantes mantinham com o apelado relação de consumo, calçada na prestação
de serviços educacionais. E aqui, data
venha da ínclita Procuradora de Justiça, estou que estes não se restringem
à mera transmissão de conhecimentos acadêmicos com a estrita observância do
currículo aprovado. Educação é algo mais amplo, que envolve a formação integral
da criança, levando-a ao conhecimento de si mesma e dos outros, de seus
direitos e de seus deveres.
Sob tal
prisma, o fato de que tratam os autos caracteriza exatamente o descumprimento
do contrato em indiscutível acidente de consumo, pois que demonstra ele a falha
do apelado na formação de seus alunos, eis que procederam eles a arbitrário
exercício de suas razões, em óbvia afronta aos mais elementares princípios de
cidadania.
Demais
disso, é o apelado responsável pela incolumidade física e moral de seus alunos,
devendo responder pelas lesões que lhes forem causadas enquanto estiverem sob
sua guarda, custódia e vigilância.
Penso,
destarte, que a hipótese é de responsabilidade objetiva por culpa presumida,
impondo-se o dever de indenizar.
Ainda que
assim não fosse, contudo, mesmo que se situe a discussão no campo da
responsabilidade subjetiva, ainda assim, consoante demonstrou com clareza solar
o escorreito parecer da Procuradoria de Justiça, da prova dos autos emerge a
responsabilidade civil do apelado, ante a absoluta negligência e incapacidade
de seus prepostos.
Restou
evidenciado que o enorme constrangimento a que se submeteu a terceira apelante
ocorreu após tumulto provocado por seus colegas, o que, se tivesse havido
exação por parte dos responsáveis pela manutenção da disciplina dos alunos,
certamente poderia ter sido evitado.
E não o foi
porque, como o confessa a Prof. ª ROSELI (f.), era ela ainda uma estagiária,
indevidamente colocada como substituta da professora licenciada, que não tivera
oportunidade de manter o controle dos alunos porque, ainda como esclarece em
seu depoimento, naquele dia, se achavam reunidas duas turmas, eis que faltara
uma das professoras.
Bem de ver,
pois, que, além da responsabilidade do apelado pela inércia de seus prepostos,
definida no art. 1.521, IV, do CC, ela ainda decorre da negligência do próprio
colégio, ao entregar a regência da turma a pessoa ainda despreparada para tanto
e, pior, colocando sob sua responsabilidade uma outra turma, porque não se mantinha
professor substituto capaz de suprir eventuais faltas.
Definido,
nestes termos, o dever de indenizar, há que se arbitrar o valor da reparação,
tarefa que não poucas polêmicas desperta, uma vez que, por se tratar de
ressarcimento de lesão imaterial, insuscetível de imediata mensuração
econômica, nunca se escapa de alguma dose de subjetividade.
Dificuldade,
porém, não quer dizer impossibilidade, ainda mais em se tratando de entrega da
prestação jurisdicional, razão porque a doutrina e a jurisprudência têm
elaborado parâmetros capazes de Orientar o arbitramento, como natureza e
extensão do dano, a condição social do ofendido, a capacidade de o ofensor
fazer face à indenização, sem esquecer da vertente sancionatória, o inevitável
caráter penal em razão do ato ilícito.
No caso,
embora tenha sido a lesão praticada contra criança, o foi também por crianças,
o que lhe reduz a extensão, mas não lhe diminui a gravidade, sobretudo porque
ocorrente onde se esperava estivesse a mesma a salvo de constrangimentos
São os
apelantes pessoas modestas, beneficiárias da gratuidade de justiça, como
modesto é também o apelado, à vista de seu contrato social (f.).
A conta,
pois, de tais considerações, considerando ainda o aspecto penal da reparação, é
que estabeleço o ressarcimento em 100 (cem) salários mínimos para o casal, pais
da criança, e 100 (cem) salários mínimos para ela própria.
Por todo o
exposto, meu voto é no sentido de dar-se provimento ao apelo para julgar-se
parcialmente procedente o pedido, e condenar o apelado a pagar ao casal
apelante e à sua filha importância correspondente a 100 (cem) salários mínimos
para cada qual, vigentes à data do pagamento, acrescida dos ônus da
sucumbência, com a verba honorária fixada em 15% sobre o valor da condenação.
Rio de
Janeiro, 8 de maio de 2000.
CARLOS
RAYMUNDO CARDOSO, relator.
PARECER DO
MIMSTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Responsabilidade
civil. Dano moral. Menor impúbere que, no interior do colégio em que estudava,
foi revistada pelos colegas, sob a consideração de que teria furtado pequena
quantia. Apelação contra a sentença que julgou procedente o pedido. Provado o
fato, que causou constrangimento à aluna e seus pais, e tendo ficado
demonstrado que houve omissão do dever de vigilância, por parte do educandário,
o parecer é no sentido do provimento do recurso, para que o responsável seja
condenado à reparação.
1. A espécie
é de ação ordinária proposta por casal e filha menor impúbere, contra
estabelecimento de ensino, objetivando reparação de dano moral. Pedem os
autores a condenação do réu no pagamento de 600 salários mínimos, à razão de
200 para cada um.
Para tanto,
alegam, em síntese, o seguinte: a) que, em junho de 1997, durante uma aula, um
dos alunos disse que havia sido furtado em R$ 1,00, o que causou um tumulto,
tendo sido acusada da subtração a autora P., que, em virtude disso, passou a
ser revistada por colegas da turma, não só nos bolsos de sua roupa, mas até
mesmo em suas vestes íntimas, na sala de aula e em presença da professora R.,
que a tudo assistiu, sem nada fazer para evitar a humilhação; b) que, depois de
tanto vexame, apurou-se que quem subtraíra o dinheiro tinha sido um dos alunos
que participara da revista; c) que, em razão do constrangimento a que foi
submetida, a terceira autora ficou muito traumatizada e não quis continuar no
colégio réu, tendo de ser transferida para outro educandário distante de casa;
e d) que esses fatos causaram-lhe um sofrimento moral que se estendeu aos pais,
os dois primeiros autores, daí a reparação postulada.
Processado o
feito, o pedido foi julgado improcedente, sob a consideração básica de que não
se pode afirmar que a professora tenha assistido passivamente aos atos dos
alunos e tenha se omitido em relação a eles (f.).
Irresignados,
os demandantes apresentaram tempestiva apelação (f.), requerendo,
preliminarmente, a apreciação de agravo retido interposto contra parte de
despacho proferido na audiência de conciliação, por intermédio do qual a Juíza
considerou necessária a produção de prova para exame de mérito, aprazando a
audiência de instrução e julgamento (f.). Quanto ao mérito, insistiram na
pretensão indenizatória, enfatizando que o caso é de responsabilidade objetiva,
pois se rege pelo Código de Defesa do Consumidor (f.).
Contra-razões,
em prestígio da sentença (f.).
A Promotora
de Justiça em atuação perante o Juízo a
quo opinou no sentido da manutenção da sentença (f.).
Nesse
estado, os autos foram remetidos a esta Procuradoria de Justiça, que passa a
emitir parecer nos itens que se seguem.
2. O agravo
retido foi interposto contra a decisão que considerou indispensável a produção
de prova testemunhal e determinou a realização de audiência de instrução e
julgamento. Entendiam os autores que, tendo o réu reconhecido os fatos narrados
na inicial, a sentença poderia ser proferida, desde logo.
É de se ver,
contudo, que não houve reconhecimento de tudo o que foi dito na peça inaugural,
pois se, em verdade, o réu não contestou a ocorrência da revista nas vestes da
autora P., não é menos certo que alegou “que a professora R. chamou a atenção
de toda a turma, no sentido de não constranger a aluna, e, ato Contínuo,
comunicou à direção do Colégio” (f.).
Diante
disso, justificava-se a colheita de provas, a fim de que os fatos pudessem ser
apurados em toda a sua extensão, o que, obviamente, afastava a possibilidade de
julgamento antecipado da lide, como queriam os autores.
Portanto, o
agravo apresenta-se infundado, sendo de acentuar, ademais, que os próprios
autores, indicando e produzindo prova testemunhal, enfraqueceram o oferecimento
do recurso.
3. Quanto à
apelação, observo inicialmente que, no presente processo, não está em jogo a
prestação de serviços, a ministração de aulas e sim um fato inteiramente
estranho a essa atividade, de forma que merece ser rejeitada a alegação de que
o caso se rege pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo a questão ser
apreciada e decidida à luz das disposições do Código Civil.
Assim
entendido, penso que assiste razão aos autores quando alegam a ocorrência de
sofrimento moral e pedem reparação de dano.
Com efeito,
é ponto incontroverso que a subtração de pequena importância em dinheiro (R$
1,00), acusada por um aluno, gerou um tumulto na sala de aula, tendo sido
imputada à apelante P., menor impúbere a autoria da subtração, em conseqüência
do que um grupo de alunos passou a fazer uma minuciosa revista em suas vestes,
com introdução das mãos nos bolsos de sua calça e no interior de sua blusa,
chegando ao ponto de abrir o zíper da calça para inspeção nas partes íntimas de
seu corpo.
Tal fato,
como é fácil concluir, causou à revistanda enorme constrangimento, que deveria
ter sido obstado em seu nascedouro, imediatamente, pela professora, já que tudo
ocorreu em sala de aula e em sua presença.
Colocada
nesses termos a questão, tem-se que, havendo reconhecido o fato constitutivo do
pedido, qual seja, a malsinada revista que provocou o constrangimento à aluna
P., o colégio réu teria de demonstrar, de forma induvidosa e iniludível, que
providenciara, de imediato, a cessação do mal, paralisando a revista, sendo de
observar-se que as escolas respondem pelos atos de seus alunos, durante o tempo
que sobre eles exerce vigilância e autoridade, como inscrito no inc. IV do art.
1521 do CC, que encerra uma hipótese de presunção de culpa, segundo
entendimento há muito consolidado.
No sentido
de demonstrar que houve vigilância adequada, nada diligenciou o educandário
réu, uma vez que a prova por ele produzida ficou limitada aos depoimentos como
informantes, da prof. ª R. e da coordenadora do colégio (f.), depoimentos estes
de pouca valia, pois o que disseram a favor do réu é de ser posto em dúvida,
face ao liame existente entre os depoentes e o réu.
Em tais
condições, impõe-se reconhecer que ficou provado mais do que era necessário no
caso, ou seja, que a professora, que a tudo assistiu, omitiu-se quanto ao dever
de impedir a revista vexatória a que foi submetida a aluna P.
A
circunstância de o fato ter sido levado pela professora ao conhecimento da
direção do colégio, e de ter a diretoria convocado os pais dos alunos para uma
reunião, apresentando-se destituída de qualquer efeito relevante para afastar a
responsabilidade do réu, porque, quando isso foi feito, a aluna já havia
passado pelo constrangimento de uma injustificada revista.
Nem se diga
que não teria havido tempo para evitar o acontecimento, ou que a revista foi
feita de forma irreversível e imprevisível, o que configuraria uma hipótese de
força maior. Não, isso só poderia ser dito se se tratasse de um fato
instantâneo, como, por exemplo, a subtração de um objeto, um empurrão ou uma
ofensa verbal, mas uma revista minuciosa e certamente demorada, feita por
diversos alunos, com introdução das mãos nos bolsos, na parte interna da blusa
e até no zíper da calça,
constituiu-se
procedimento que, indubitavelmente, demandou tempo suficiente para que a
professora e outras pessoas que estivessem trabalhando no colégio, na
oportunidade, interviessem para obstar o seu prosseguimento logo ao início,
pois o que diz nos autos, sem contestação, é que a revista seguiu-se a um
tumulto, o que, naturalmente, teria chamado a atenção de todos os que se
encontravam no local.
Por tudo
isso, parece-me que houve omissão que contribuiu de modo efetivo para o
constrangimento a que a aluna foi submetida, causando a esta e a seus pais um
sofrimento moral passível de reparação.
Contudo,
entendo que o valor pedido para a reparação, apresenta-se excessivo,
parecendo-me mais adequado à espécie a fixação em 200 salários mínimos para os
pais, os dois primeiros autores, e 200 salários mínimos para a menor, vítima
direta da ofensa.
4. Em face
do exposto, o parecer é no sentido do improvimento do agravo retido e do
provimento parcial da apelação, para condenar o réu a pagar indenização aos
autores, nos termos sugeridos no item anterior.
Rio de
Janeiro, 29 de fevereiro de 2000.
MARIA TERESA
MOREIRA LIMA
Procuradora
de Justiça