EXMA. SRA. DRA. JUÍZA DE DIREITO DO JUIZADO REGIONAL DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE URUGUAIANA – RS:

 

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO, no uso de suas atribuições legais, com base no expediente administrativo nº 50/2002, forte nos artigos 201, inciso X, e 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente, REPRESENTA contra ZERO HORA EDITORA JORNALÍSTICA S.A., situada na Avenida Érico Veríssimo, nº 400, Bairro Menino Deus, em Porto Alegre, na pessoa de seu representante legal, Diretor Geral Maurício Sirotski Sobrinho, pelo seguinte fato:

 

Na edição da data de 25 de agosto de 2002, às páginas 34 e 35, o jornal Zero Hora publicou notícia titulada "Crianças vendem droga em ponte internacional", veiculando matéria acerca da ocorrência de tráfico de drogas entre as cidades de Barra do Quaraí, Bella Unión (Uruguai) e Monte Casseros (Argentina), praticado por crianças e adolescentes, de autoria do repórter especial Carlos Wagner, onde exibiu fotografias de um menino que estaria realizando tal prática na ponte que liga Barra do Quaraí a Bella Unión. Vê-se, assim, que o jornal publicou foto de criança ou adolescente supostamente envolvido na prática de ato infracional, conforme se verifica no original da página de dita publicação, em anexo, fato este que está em afronta às normas de natureza administrativa firmadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, merecendo os responsáveis por tal fato as reprimendas previstas em lei.

 

Conforme dispõe o artigo 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

"É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional.

Parágrafo único – Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência."

 

Na senda de tal proibição, disciplina o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 247 e parágrafos, que:

 

"Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional:

Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

 

§ 1º Incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia de criança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração que lhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitir sua identificação, direta ou indiretamente.

 

§ 2º Se o fato for praticado por órgão da imprensa ou emissora de rádio ou televisão, além da pena prevista nesse artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como a publicação do periódico até por dois números."

 

A Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, adotou a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, já acolhida pelo artigo 227 da Constituição da República. Quando institui como infração de natureza administrativa a divulgação de dados referentes a crianças e adolescentes infratores, o legislador buscou preservar-lhes a privacidade, que deve ser respeitada em todos os seus estágios, para evitar-lhes prejuízo causado por publicação indevida ou por processo de estigmatização.

 

E é exatamente aquilo que as normas protetivas do Estatuto buscam evitar o que ocorreu em relação a M. R. de R. S.. As fotos publicadas no jornal, é verdade, não mostram o rosto do menino. Todavia, as duas fotos mostram todo o corpo, estando o menino vestindo o abrigo da Escola Nilza Corrêa, que é uma das duas únicas instituições de ensino do município. Ademais, a comunidade é muito pequena. Tudo isso possibilitou que o menino fosse identificado indiretamente, conforme termo de declarações do genitor e relatório de verificação realizado por Secretários de Diligências da Promotoria de Justiça de Uruguaiana.

 

E não há dúvidas da imputação de prática de ato infracional ao menino das fotos - que em Barra do Quaraí todos sabem tratar-se de M. R. -, uma vez que, abaixo delas, está escrito: "Flagrante: uruguaio se aproxima de menino (esquerda) ... e lhe estende dinheiro, apanhando em seguida a droga".

 

É de salientar que não é proibida a notícia do fato desde que não permita direta ou indiretamente a identificação da criança ou do adolescente. In casu, o jornal Zero Hora não só divulgou a ocorrência de tráfico na ponte internacional, como também exibiu a foto de M. de forma a permitir sua identificação.

 

É sabido que um jornal deve tratar dos mais variados assuntos, informando e noticiando. Que a narrativa da imprensa tem caráter de interesse público e a notícia constitui matéria sem o qual ele não vive e que nos é indispensável nos dias em que vivemos. Na imprensa comumente se encontra o animus narrandi. Não há, geralmente, a intenção de denegrir ou difamar. Inexiste, via de regra, o motivo pessoal, porque o jornal narra para quem lhe é estranho e fala de quem não conhece. Por outro lado, também é evidente que a amplitude que se concede à imprensa, informada pelo referido animus, tem limites, transpostos os quais, haverá abusos.

 

E cabe à empresa jornalística, ainda, realizar seu trabalho com responsabilidade, o que passa pelo conhecimento de que a notícia vai ser veiculada em todo o Estado, é verdade, mas também na pequena comunidade onde as fotos foram feitas, sendo muito provável a identificação indireta de um menino lá fotografado, como de fato ocorreu.

 

No que diz com o caso divulgado, o limite à informação é imposto pelo artigo 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A inobservância do preceito legal revela o abuso e tipifica a infração de natureza administrativa prevista no artigo 247 e seus parágrafos, do citado Estatuto, sendo de império a imposição da legal penalidade.

 

O que agrega mais gravidade à infração administrativa, no presente caso, é que, conforme apurado na comunidade, o menino fotografado - M. Roberto - sequer realiza a conduta que lhe foi imputada, tudo a tornar ainda mais injusto e condenável o processo de estigmatização a que foi submetido em razão da publicação jornalística questionada.

 

Ante o exposto, requer o Ministério Público a instauração do devido procedimento para a apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente e a conseqüente imposição da penalidade administrativa, nos termos do disciplinado pelo artigo 194 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente, citando-se a empresa representada na pessoa do seu representante legal, a fim de que se apresente, querendo, a defesa. Em sendo esta apresentada, requer a oitiva das pessoas a seguir arroladas em audiência de instrução e julgamento. Por fim, requer a integral procedência da representação, para que sejam aplicadas pena de multa e de suspensão da publicação do periódico, conforme previsão legal, ou, alternativamente à pena de suspensão, a publicação da sentença judicial em edição dominical do jornal suprimindo-se o nome de M. R. da publicação, dia em que foi veiculada a reportagem.

 

Uruguaiana, 15 de outubro de 2002.

 

 

 

Danielle Bolzan Teixeira
          Promotora de Justiça