EDUCAÇÃO PARA FAMÍLIA:
UMA PROPOSTA DE TRABALHO PREVENTIVO
Heloisa
Szymanski Gomes[1]
Profa. Dra. do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Educação.
Resumo:
Este artigo enfatiza o
papel educacional da família e aponta para a necessidade de instrumentá-la,
através de intervenções educativas, nessa sua função socializadora.
Esse trabalho de apoio pode ser realizado
pela Escola, Universidade e Serviço de Saúde, que somados ao desenvolvimento de
pesquisas na área e à formação de profissionais delineiam o campo de Educação
para a Família.
Palavras-Chave:
Família, Socialização,
Educação para a Família.
Summary:
This article
emphasizes the educational role of the family and points out the need to help
it through educational interventions, taking its socializing function into
consideration.
This intervention can be done by Schools, Universities
and Health Services and, added to the development of research in the area and
to the formation of professionals, outlines the field of Education for the
Family.
Key-words: Family, Socilization,
Education for the Family.
Este texto tem a finalidade de focalizar
a função educativa da família e, olhando-a nessa perspectiva, merecedora de uma
formação adequada para o exercício de tal função.
Antes, entretanto, gostaria de apresentar
alguns modos de pensar sobre a família que a responsabilizam pelo
desenvolvimento e educação das crianças e jovens, mas não apontam para a
necessidade de um processo de formação, nem para a realização de tal função
social.
Sociologicamente a família é vista como
um agente primário de socialização, ou seja, a primeira unidade social de um
ser humano. Psicologicamente a família, ao prover condições adequadas de
cuidados para com as crianças, aparece como condição fundamental para um
desenvolvimento psicológico saudável.
Por conta dessa responsabilidade social e
psicológica a família tem sido constantemente culpada, tanto pelo pensamento do
senso comum, como pelo pensamento psicológico, por uma série de
"desvios" no modo de agir de jovens e crianças, ou seja, esses
desvios decorrem da incompetência da família em desincumbir-se de suas
atribuições.
Faz parte de um discurso estereotipado
nas escolas, a responsabilização da família em casos de crianças que apresentam
problemas de aprendizagem e disciplina. Famílias "desestruturadas"
são apresentadas como as causadoras do baixo rendimento e comportamento
indisciplinado das crianças.
No discurso dos meios de comunicação, ao
analisar o fenômeno de meninos e meninas de rua, encontra-se sempre referência
à "desestruturação" da família como o fator causador do abandono do
lar.
O que passa desapercebido é que por trás
dessa "desestrutura" há uma "estrutura" que serve de
referência, há um modelo de família. O modelo é o da família nuclear burguesa e
a estrutura é a do pai, mãe e filhos com uma ordem hierárquica estabelecida e
com a divisão sexual do trabalho.
Tal modelo encontra-se tão arraigado que
é tido como a forma "natural", "certa" e "desejável"
de se viver. Num estudo sobre significado de família, GOMES SZYMANSKI (1988)
constatou a presença desse modelo em famílias de classes populares e
denominou-o " família pensada".
A família pensada seguia a proposta do
modelo de família nuclear burguesa, com a estrutura pai-mãe-filhos estável e
indissolúvel, dentro de uma hierarquia estabelecida segundo uma proposta
patriarcal de autoridade, sendo o pai o provedor material, a mãe a provedora
afetiva e os filhos os objetos principais de cuidados. Os valores de tal modelo
definiam o que era certo e bom. Para as família
estudadas estar fora deles era sinal de incompetência.
A família vivida, entretanto,
apresentou-se numa multiplicidade de formas, mostrando as mais variadas
estruturas e modos de relações. Estas diferentes famílias tinham em comum serem
pessoas que conviviam com uma proposta de ligação afetiva duradoura, incluindo
uma relação de cuidado entre os adultos e destes para com as crianças e idosos
que apareciam na situação. Esse vivido não era valorizado, era o que foi
possível construir diante das vicissitudes que aquelas pessoas foram
encontrando no decorrer de suas vidas.
"Família estruturada" quer
dizer aquele modelo da família pensada do estudo citado acima. Os outros são
"desestruturações" daquele. O termo traz associações imediatas com
desmantelamento e desordem. As alternativas vividas não são vistas como novas
ordens, novas estruturas, mas como uma quebra - o caos - a causa de todas as
dificuldades das crianças que não puderam ter uma socialização
"completa" em casa e não puderam ter condições "adequadas"
para um desenvolvimento psicológico "saudável".
Freqüentemente essa
"desestruturação" é atribuída à saída da mãe para o trabalho. Sendo a mãe, naquele modelo, a responsável
pela estabilidade afetiva da família, sua saída leva à perda do eixo afetivo
que, segundo esse ponto de vista, acarreta toda sorte de disfunções no
desenvolvimento emocional da criança [2].
Além do pressuposto de que a única
estrutura familiar capaz de prover as condições adequadas para o
desenvolvimento da criança é o da família nuclear, existe um outro que é o de
que todos os seres humanos nascem com uma capacidade "instintiva" de
serem pais provedores, mães afetuosas e filhos obedientes e amorosos. Dentro
dessa visão, quem foge a esse modelo deve ter um desvio qualquer na sua
"natureza" devendo ser tratado como "problemático"... É a
"naturalização" da família. Nessa perspectiva não tem sentido pensar
no desenvolvimento de habilidades para o desempenho das diversas funções dentro
de uma família.
Uma outra condição que torna a família um
alvo fácil de ser considerada culpada pelos males das crianças, é o fato dela
ter-se tomado uma instituição fechada para o público [3]. Não só não se tem
acesso ao que se passa dentro dela, como as pessoas têm a total liberdade de
escolher os mais diversos procedimentos no que diz respeito à educação dos
filhos.
Ao jogar a "culpa" pelos
problemas das crianças e adolescentes nesse vasto campo desconhecido e
inacessível, as demais instituições responsáveis pelo processo de socialização
eximem-se da parte de responsabilidade que lhes cabe.
Não há dúvidas de que a família, enquanto
grupo doméstico, "...constitui o marco social mais próximo de aceitação ou
recusa de condutas, de sanções (positivas ou negativas)..." [Nela]
"insere-se todo um mundo ideológico através de juízos sobre opiniões,
condutas e valores (adequado-inadequado, correto-incorreto, etc)"
(BORSOTTI & BRASLAVSKI, 1985 p. 213). As direções de ações que as famílias
seguem fazem implícita ou explicitamente "...a imagem dos resultados que
esperam obter, isto é, qual é o perfil de agente social que têm em relação aos
seus membros, assim como as trajetórias vitais dos mesmos" (ib. p. 216).
Não podemos nos esquecer, entretanto, de
que as famílias estão inseridas em "circuitos de satisfação de
necessidades em seu duplo caráter de sistemas tipicamente diferentes que
configuram e articulam relações sociais, por um lado, e por outro, de situações
nas quais os agentes sociais realizam aprendizagens sobre o lugar que ocupam na
sociedade e sobre os comportamentos "adequados"
a esse lugar (quem tem e quem não tem; quem sabe e quem não sabe; quem manda e
quem obedece, etc.)" (ib. p. 210).
BERGER & LUCKMANN (1985) chamam essa
abstração de papéis e atitudes de o "outro generalizado" (ib. p, 178)
e é o resultado final da socialização primária realizada pela família.
Trata-se, segundo esses autores, "... da interiorização da sociedade
enquanto tal e, ao mesmo tempo, o estabelecimento subjetivo de uma identidade
coerente e contínua" (ib, p, 178).
Como a criança não tem escolha, o mundo
que ela interioriza através dos outros significativos não lhe aparece como um
dos muitos mundos possíveis. "Interioriza-se como sendo o mundo, o único
mundo existente e concebível, o mundo tout court" (ib. p. 180).
Esses autores apontam para a força com
que esse mundo fica impregnado na consciência. "A socialização primária
realiza assim, o que (numa visão retrospectiva, evidentemente) pode ser
considerado o mais importante conto-do-vigário que a sociedade prega no
indivíduo, ou seja, fazer aparecer como necessidade o que de fato é um feixe de
contingências, dando deste modo sentido ao acidente que é o nascimento
dele" (ib. p. 181). Com certeza, modelo de família é um dos aspectos mais
fortemente aderidos nesse processo de socialização, reforçados posteriormente
por todas as demais instâncias socializadoras.
Além dessa inserção da criança na
sociedade, lembra Jerusa Gomes, a família também "promove a formação das
estruturas básicas da personalidade e da identidade". Contudo, não se
esgota nisso a ação socializadora familiar. Acrescente-se, ainda, o fato de
ela, no curso desse processo, "ensinar a criança a aprender" (GOMES,
1992, p. 96). Essa autora aponta para a importância da coerência entre a
família e demais agências socializadoras no que diz respeito às
"modalidades de aprender"[4].
Numa reflexão sobre o fracasso escolar, Borsotti e Braslavski apontam
para a desconsideração por parte das agências educacionais, das diferentes
definições de infância e estratégias de vida adotadas pelas famílias de diferentes camadas sociais, privilegiando os
setores médios e altos urbanos. Além do mais a escola, segundo esses autores,
legitima o fracasso escolar, através do seu processo de avaliação, ao mesmo tempo que oferece às crianças dos estratos
populares os circuitos mais deficitários do sistema de educação formal
(BORSOTTI & BRASLAVSKI, 1985, p. 220).
Por outro lado, esse processo de
socialização que se inicia na família não pode ser considerado sem o seu
componente emocional. Verden-Zöller aponta para o
fato de que "Em seu crescimento normal um menino ou menina adquire,
através de suas interações com sua mãe [5] e outros membros da comunidade em
que vive, o domínio consensual multidimensional de coordenações emocionais próprio de sua família e sua cultura"
(MATURANA & VERDEN-ZÖLLER, 1993, p. 92) (trad. da autora).
Situações de desencontros emocionais,
segundo essa autora, interferem tanto no seu desenvolvimento sensório-motor
como no desenvolvimento de sua consciência corporal e de si mesma e "...
consequentemente, cresce como um menino ou menina incapaz de participar em
relacionamentos interpessoais normais de mútua aceitação e respeito na vida
adulta" (ib. p. 92).
Segundo Maturana
é na intimidade do contato corporal entre os adultos e crianças, que o menino e
a menina aprendem o "...emocionar e a dinâmica relacional fundamental que
vão constituir o espaço relacional que ele ou ela irá gerar no seu
viver..." (ib. p. 10). Essa dinâmica opera no espaço relacional do
conversar, que, para Maturana é o “entrelaçamento do
linguajar” e do emocionar... e tudo o que fazemos (enquanto seres humanos) tem
lugar em conversações e redes de conversações" (ib.
p. 165).
Mas, como apontam Berger & Luckmann, a "...interiorização da sociedade, da
identidade e da realidade não se faz de uma vez para sempre. A socialização
nunca é total nem jamais está acabada" (BERGER & LUCKMANN, 1985, p,
184).
O que podemos observar é que há muito
conhecimento acumulado sobre processos de desenvolvimento, aprendizagem e
socialização da criança e sobre o papel das várias agências socializadoras. A
família, entretanto, com todo o peso de ser a responsável pela socialização
primária da criança ainda é freqüentemente tratada como se "por
natureza" detivesse as condições para o exercício de tal responsabilidade.
Ao se falar de educação para família não
se está pensando em definir modelos de atuação mas em usar os recursos
desenvolvidos a partir do conhecimento psicológico, sociológico e educacional
para assessorar as famílias na sua tarefa de socialização.
Nesse sentido, educação para família
focaliza práticas de socialização dirigiridas aos
adultos visando seu aprimoramento como educadores. Na definição de BERGER &
LUCKMANN (1985) socialização é um processo de "... ampla e consistente
introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor
dela". E socialização secundária "... é qualquer processo subseqüente
(à socialização primária) que introduz um indivíduo já socializado em novos
setores do mundo objetivo de sua sociedade" (p. 175).
Assim, o avanço nas áreas de conhecimento
que diz respeito ao desenvolvimento humano deve ser posto à disposição das
famílias e é nesse intercâmbio que a pesquisa deve se desenvolver.
Durming considera a educação para família (éducation familialle) como um
conjunto de preocupações e práticas sociais, que, num primeiro exame da
literatura produzida em países de fala francesa aparece como "...campo de
intervenções sociais, como prática de formação e como objeto de pesquisa"
(DURNING, 1988, p. 16).
Para esse autor as intervenções [6]
intrafamiliares não são deduzidas de uma análise de práticas educativas nas
famílias, mas sim, para responder a três fracassos atribuídos às famílias:
delinqüência juvenil, fracasso escolar e psicopatologia. São muitos os
programas de atuação que variam quanto aos objetivos, metodologia, filosofia e
população alvo.
Quanto à formação de pessoal para o
trabalho com a família, DURNING (1988) enfatiza três tipos de dificuldades: o
fato de muitas vezes ter-se que trabalhar em situações de crise (com decisões
urgentes, como por exemplo, a retirada de crianças da família); o contexto
psicológico e emocional extremamente complexo que pode ter uma ressonância na
própria vida emocional dos envolvidos nesse trabalho e o perigo de uma ação
autoritária (e irrefletida) frente às famílias.
Durning aponta que uma "...condição prévia
para a realização de práticas sociais inovadoras e justificáveis reside no
fortalecimento das relações entre intervenção, formação e pesquisa sobre
educação familiar" (ib. p. 22). Além disso são necessárias pesquisas que
visem à compreensão das transformações contemporâneas das relações pais-filhos e "...a redistribuição das
responsabilidades educativas entre a família e os órgãos públicos de
intervenção social" (ib. p. 23).
Tais pesquisas não podem deixar de lado,
segundo esse autor, nem as ciências fundamentais (psicologia, história,
sociologia, antropologia, direito, etc), nem uma articulação no campo da
intervenção, dando subsídios para a avaliação das intervenções sociais nesse
terreno. Outro ponto que merece grande consideração refere-se a questões
éticas: "respeito à intimidade do grupo familiar, modalidades de relações
que se desenvolvem junto às famílias..., qualidade e efeitos de testes e
medidas utilizados" (ib. p. 25).
Alguns pressupostos para um trabalho
educacional com famílias
O ponto de partida para o trabalho com
famílias é a compreensão, por parte do técnico [7], do próprio modelo de
organização familiar, com as crenças, valores e procedimentos que efetivamente
são adorados na sua vida em família ou aqueles que considera os "melhores"
ou os "certos". Igualmente importante é tomar conhecimento das
experiências, teorias, influências envolvidas no processo de construção desse
modelo.
A atuação do técnico deveria ser no
sentido de trabalhar com as possibilidades da família e recursos da comunidade
e não com suas incompetências e dificuldades.
Uma forma de trabalho que se mostrou
eficaz foi a de co-construção de planos de trabalho, da qual participam a
família a comunidade e profissionais, no sentido de
uma "...gestão compartilhada do poder entre o profissional e os pais"
(BOUCHARD, 1988). Se o profissional consegue não se sentir ameaçado no seu
poder, ele poderá usufruir dos saberes e recursos das
redes formais e informais de ajuda mútua.
Tais procedimentos visam reforçar o
sentimento de valor e competência dos pais, os encarregados pela sociedade de
realizar as tarefas educativas que constituem a socialização primária sem,
entretanto, negar as influências de fatores extra-familiares
como escolas, redes de saúde, serviços comunitários.
Tanto quanto é irreal considerar que a
família é "naturalmente" capaz de realizar tal tarefa socializadora o
é desconsiderar as influências das condições extra-familiares
no desenvolvimento das crianças e adolescentes. A educação para família vem
propor uma relação de parceria entre as várias agências educativas com a
família, que tem como efeitos tanto a construção de programas de intervenção
como o desenvolvimento de um campo de pesquisa [8].
BIBLIOGRAFIA
ARIÈS,
R; CHARTIER, R. História da vida privada. Da
renascença ao século das luzes. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, v. 3.
BERGER,
P. L.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. 9* Ed. Petrópolis, Vozes,
1985.
BORSOTTI,
C. A.; BRASLAVSKI, C. Hacia una teoria dei fracaso escolar en famílias de
estratos populares. In MADEIRA, F. R.; MELLO, G. N. Educação na América Latina.
São Paulo, Cortez, Autores Associados, 1985.
BOUCHARD,
J. De l'institution a la cammunauté. Los parents et los professionels: une relation que se construit In DURNING, P. £ducation
familiale: un panorama des rechetches internationales. Vgneux,
Editions Matrice, 1988.
DURNING, P.
Education familiale: un panorama dos recherches internationales. Vigneux, Editions Matrice, 1988.
GOMES,
J. Família e socialização. Família e educação. 3(1/2), 1992.
GOMES
SZYMANSKI, H. Um estudo sobre significado de família. São Paulo, 1988. [Tese de
Doutorado - PUC-SP].
MATURANA, H.;
VERDEN-ZÖLLER, G. Amor y juego. Fundamentos
olvidados de lo humano. Santiago, Editorial Instituto
de Terapia Cognitiva, 1993.
[1]. Profa. Dra. do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Educação – Pontifícia Universidade Católica/SP.
END: Rua Monte Alegre, 984, São Paulo - SP, CEP
05014-001 Fone: (011) 873.3499 ramal 219.
[2]. Desnecessário apontar o quanto esse
discurso implícito na maioria das análises da "desestruturação" da
família está assimilado pelas mulheres. Todos que trabalham com famílias já
ouviram os relatos cheios de culpa, das mães que querem ou têm que trabalhar
fora de casa.
[3]. Ao se definir entre os séculos XVI e
XVIII, "...uma nova forma de conceber, viver e preservar a vida
privada", Philipe Ariés
propõe como uma "figura fundamental da exigência de privatização ...a
redução da esfera do privado à célula familiar, que se toma sede privilegiada,
senão única do investimento afetivo e do reconhecimento íntimo" (ARIÈS,
P.; CHARTIER, R. p. 409). A criação da esfera privada foi resultado de uma
ruptura com a "sociabilidade anônima" (ib. p. 410) que definiam
instituições que "verificavam a conformidade das condutas individuais com
as normas aceitas (ib. p. 410). Tal movimento em direção à criação da esfera
privada teve como uma das conseqüências importantes, segundo esses autores, um
novo sentimento de infância, no sentido das crianças deixarem de ser
consideradas como um "rebento do tronco
comunitário" (ib. p. 313) e tomarem-se indivíduos insubstituíveis, cuja
educação seria responsabilidade da família e não da comunidade. A partir daí,
"os compactos dispositivos dessa vigilância por parte do coletivo vão
sendo recusados, desacreditados, denunciados" (ib. p. 411). Entretanto,
esse fechamento ao público levou ao extremo de abusos contra a criança, o jovem
e a mulher. Leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente redefinem as
responsabilidades do Estado, sem invadir o privado familiar.
[4].
Em nossa sociedade de classes são distribuídos de forma muito desigual os bens
e serviços à população. No que diz respeito à Educação, por
exemplo, as camadas populares recebem um atendimento da pior qualidade, tanto
no que diz respeito ao equipamento oferecido como aos conhecimentos
transmitidos. Além disso, a "modalidade de aprender" que a escola
exige não encontra eco nas crianças que vêm das camadas populares. A Escola não
cumpre adequadamente sua parte no processo de socialização no que diz respeito
a essas crianças. "Em conseqüência, o rendimento escolar das crianças dos
estratos populares estaria condicionado não só à especificidade do estrato e do
lar a que pertencem, mas também da escola e do circuito de escolarização de que
participam" (BORSOTTI & BRASLAVSKI, 1985, p. 219). E eu acrescentaria
de que seus pais já participaram antes, e do qual a maioria deles foi excluída.
[5].
Maturana define mãe como: “Mulher ou homem que
cumprem na convivência com um menino ou menina a relação íntima de cuidado que
satisfaz suas necessidades de aceitação, confiança e contato corporal, no
desenvolvimento de sua consciência de si e sua consciência social"
(MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 1993, p. 106) (trad. da autora).
[6].
Termo de inegável conotação autoritária. No texto em francês o termo é intervention. Segundo o dicionário Aurélio:" intervenção é o ato de intervir'. Interview, por sua
vez pede significar "interpor os seus bons ofícios". Eu proponho este
último significado (exceto, é claro em situações em que uma pessoa da família
esteja ameaçada na sua integridade física ou mental e uma ação autoritária seja
necessária).
[7].
Refiro-me aqui tanto a profissionais como ao pessoal leigo que trabalha com
família.
[8].
Atualmente, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da
PUC-SP, desenvolve-se uma pesquisa numa comunidade de baixa renda de São Paulo,
com o objetivo duplo de estudar a relação Escola-Família-Comunidade e construir
coletivamente um Programa de Educação para família.
Terminada
a etapa de contextos com as família e grupos de família,
para fins de caracterização, iniciou-se a fase, que ainda está em curso, de
formação de pessoas da comunidade (autodenominados de "grupos de
apoio") para o trabalho com famílias, bem como contatos com as escolas e
centros de juventude da região.
Pretende-se
com esse trabalho estudar a dinâmica familiar desse grupo, especialmente as
práticas educativas com o objetivo de desenvolver um trabalho preventivo, em
conjunto com profissionais dos serviços de atendimento de saúde e educação,
buscando um envolvimento dos membros da comunidade como um todo, e de
pessoas-referência em particular, no processo de educação das crianças e jovens
e no próprio desenvolvimento dos adultos.
Quanto
ao trabalho junto aos profissionais da área - professores e monitores do Centro
de Juventude, por ora - o foco é o estudo de suas próprias representações de
família e das famílias que atendem. Consideramos esse conhecimento como ponto
de partida para qualquer programa de atendimento às famílias, como uma forma de
evitar imposições de modelos familiares e críticas irrefletidas de diferentes
formas de se viver em família. Como a metodologia adorada nessa pesquisa é a da
pesquisa participante, o processo de intervenção (entendido como interpor os
nossos bons ofícios) vai ocorrendo na medida em que se desenrolam as
observações e descrições das formas familiares, práticas educativas das
famílias e suas representações de criança e adolescente, representações de
família por parte dos profissionais, a relação escola-família-comunidade.
Os
resultados serão apresentados oportunamente. O que se pretende apontar por ora
é a ênfase na função educativa da família e no intercâmbio entre aquela e as
demais instituições educacionais da sociedade-escola, universidade, atendimento
de saúde. O pressuposto que embasa tal procedimento é o de que o processo de
socialização é um continuum e as
agências educativas, a sociedade, com suas instituições, como
um todo, deve estar engajada nele.
Fonte
GOMES SZYMANSKI, H. Educação para
Família: Uma Proposta de Trabalho Preventivo. Rev. Bras. Cresc. Des. Hum., São Paulo, IV(1),
1994.