DIREITO PENAL JUVENIL - ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL - ATROPELAMENTO DE CICLISTA - HOMICÍDIO CULPOSO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE - AÇÃO DE PRETENSÃO SÓCIO-EDUCATIVA PRESCRITA. Apelação criminal numero 98.012388-7. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Relator: Des. Amaral e Silva. 27.10.98.

 

 

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

 

 

Tipo:                       Apelação criminal

Número:                 98.012388-7

Des. Relator:          Des. Amaral e Silva.

Data Decisão:        27/10/1998

Apelação criminal n. 98.012388-7, de Balneário Camboriú.

Relator: Des. Amaral e Silva.

    DIREITO PENAL JUVENIL - ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL - ATROPELAMENTO DE CICLISTA - HOMICÍDIO CULPOSO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE - AÇÃO DE PRETENSÃO SÓCIO-EDUCATIVA PRESCRITA

    Submetendo os infratores a princípios e normas penais comuns para a caracterização do ato infracional (ECA, art. 103), sujeitando-os a medidas restritivas de direitos e privativas de liberdade (CF, 227, § 3º, V), seria a negação dos princípios garantistas do Estatuto (arts. 6º e 110) e da Constituição (CF, 227) recusar-lhes benefícios e causas que extinguem a punibilidade.

    A ação de pretensão sócio-educativa que visa a imposição de medidas restritivas de direito e, até privativas de liberdade, à semelhança da ação de pretensão punitiva, é prescritível.

    Não admitir a prescrição na órbita dos atos infracionais implicaria tratar adolescentes inimputáveis penalmente com maior rigor que os adultos.

                 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 98.012388-7, da comarca de Balneário Camboriú, em que é apelante V. de L., sendo apelada a Justiça, por seu Promotor:

                 ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por unanimidade, de ofício, declarar a prescrição da ação de pretensão sócio-educativa, prejudicado o recurso.

                 Custas na forma da lei.

                 I - RELATÓRIO:

                 O Dr. Promotor ofereceu representação contra o adolescente V. de L., com 17 anos, por ter praticado a conduta tipificada no art. 121, § 3º, do Código Penal.

                 Segundo a vestibular:

                 "Conforme enunciado no incluso procedimento de apresentação de adolescente, deflagrado com base nas informações oriundas da DEPOL de Camboriú-sc (IP e ofício n. 106/95), no dia 16 de julho de 1995, por volta das 19:00 horas, o adolescente ora representado, pilotando a motocicleta, placas CG 308, chassis 400BR3017801, renavan 545283701, trafegava pela Rua Monte Agulhas Negras, bairro Monte Alegre, em Camboriú-sc, desenvolvendo velocidade excessiva totalmente incompatível para o local, sendo que ao iniciar uma manobra de curva, acabou colidindo com o ciclista Ari Francisco Marques, que também transitava pela aludida via pública.

                 "Em decorrência do violento impacto, a citada vítima Ari Francisco Marques, sofreu inúmeras lesões corporais, principalmente na parte da cabeça, vindo a falecer, consoante faz prova a certidão de óbito de fl. 12 e auto de exame cadavérico de fl. 11.

                 "Constata-se que no evento o ora representado agiu com manifesta negligência e imprudência, pois que ao pilotar a motocicleta que havia comprado, sem a devida habilitação (que por força legal não pode possuir), tinha plena ciência de que estava agindo contrário à lei e de que poderia causar danos materiais e ofender a integridade física de outrem, circunstância esta que realmente veio a se efetivar com o trágico evento que culminou com o falecimento da citada vítima.

                 "Ressalte-se, ainda, que após ter colidido com o ciclista, o ora representado evadiu-se do local, sem prestar qualquer socorro."

                 Regularmente processado, foi imposta a medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade, ficando sujeito a reavaliação em 06 (seis) meses, nos termos do art. 112, III c/c o art. 117 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

                 V. de L. alega, preliminarmente, nulidade da sentença porquanto deixou de apreciar uma das teses da defesa. No mérito, que deve ser absolvido, pois a culpa foi exclusiva da vítima, não podendo a falta de habilitação presumir culpa.

                 Também em síntese, sustenta o Dr. Promotor que a r. sentença deve ser mantida pelos próprios e jurídicos fundamentos.

                 A d. Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo conhecimento e provimento do apelo.

                 O recurso seguiu os trâmites legais.

                 II - VOTO:

                 1 - A ação de pretensão sócio-educativa está prescrita.

                 A sentença impôs prestação de serviços à comunidade.

                 Consoante o artigo 117 do Estatuto, o prazo de duração da medida não pode ultrapassar 06 (seis) meses.

                 A decisão foi publicada à 12 de maio de 1998. A representação recebida dia 07 de novembro de 1995.

                 Considerando o tempo de duração da medida - seis meses -, bem como a menoridade do agente e que, por isso, os prazos prescricionais são reduzidos pela metade, e que entre o recebimento da representação e a data da sentença, que transitou em julgado para a acusação, decorreu lapso de tempo superior a dois anos, resta prescrita a ação. Confira-se, artigos 109, VI, 110, § 1º, e 115, todos do Código Penal, combinados com os artigos 6º e 103 do Estatuto.

                 O Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 103, conceituando o ato infracional como "a conduta descrita como crime ou contravenção penal", não exclui os adolescentes das garantias das causas extintivas da punibilidade, sejam elas de caráter material ou formal.

                 A prescrição (a perda da pretensão punitiva ou executória) integrando as conseqüências da infração penal, vale dizer de crimes e contravenções, (= a ato infracional) não pode ser recusada aos adolescentes.

                 Ao conceituar o ato infracional como crimes e contravenções, criando a ação de pretensão sócio-educativa (ECA - art. 103 c/c os arts. 110, 148, I, 152, 180, III, 189 e 226) e a resposta através de medidas restritivas de direitos e privativas de liberdade (ECA art. 112 c/c o inc. V do § 3º do art. 227 da CF), admitiram claramente a Carta Política e a Lei Juvenil a invocação subsidiária dos princípios garantistas da Legislação Penal Comum, entre eles o instituto da prescrição.

                 Não teria sentido recorrer a normas penais comuns para restringir direitos e, até a liberdade, sem invocar causas ou institutos integrantes das referidas regras que beneficiam os adolescentes acusados de atos infracionais (= crimes e contravenções).

                 "Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional praticado por menor de 18 (dezoito) anos. Medidas sócio-educativas, de advertência e prestação de serviços à comunidade, aplicadas pelo prazo de 01 (um) ano. Aplicação das normas da parte geral do Código Penal. Inteligência do artigo 226 do referido Estatuto. Prescrição. Ocorrência entre a data do recebimento da representação e a da publicação do decisum condenatório. Decretação, de ofício, prejudicado o exame do mérito." (Ap. Crim. n. 30.496, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Alberto Costa)

                 "ATO INFRACIONAL ATRIBUÍDO A ADOLESCENTE - PENA CONCRETIZADA NÃO SUPERIOR A UM ANO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - PRECEDENTES DA CORTE." (Ap. Crim. n. 97.001631-0, de Rio Negrinho, rel. Des. Paulo Gallotti)

                 "APELAÇÃO CRIMINAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL CULPOSA E HOMICÍDIO CULPOSO. LEI ESPECIAL. AGENTE MENOR DE 18 ANOS À DATA DO CRIME. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO AGENTE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO NA MODALIDADE RETROATIVA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. EXEGESE DOS ARTS. 107, IV, 110, § 1º, 115 E 118, TODOS DO CP. INTELIGÊNCIA DO ART. 61, DO CPP, E 226, DA LEI N. 8.069/90. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA QUE PREJUDICA O EXAME DO MÉRITO RECURSAL." (Ap. Crim. n. 96.003854-0, de São Francisco do Sul, rel. Des. Jorge Mussi)

                 "ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL. APLICAÇÃO DAS NORMAS DA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 226 DO REFERIDO ESTATUTO. LAPSO PRESCRICIONAL DE DOIS ANOS ENTRE A REPRESENTAÇÃO E A ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL JÁ TRANSCORRIDO. RECURSO PROVIDO. PRESCRIÇÃO DECLARADA." (Ap. Crim n. 30.300, de Tubarão, rel. Des. Ernani Ribeiro)

                 "Processo especial. Ação delituosa praticada por menor de 18 (dezoito) anos - Decorrência de mais de 02 (dois) anos entre a data do conhecimento judicial do fato à da decisão - Pena inferior a 01 (um) ano - Extinção da punibilidade pela prescrição - Aplicação do artigo 226, do Estatuto da Criança e do Adolescente - Decretação de ofício." (Ap. Crim n. 30.422, de Tubarão, rel. Des. Márcio Batista)

                 Do paradigma:

                 "Não há qualquer dúvida que, tanto para definição do que seja ato infracional (art. 103, do ECA), quanto em relação aos crimes praticados contra criança e adolescente, aplicam-se as normas da Parte Geral do Código Penal (art. 226, do ECA), constituindo-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90 = ECA) em lex mitior em relação ao antigo Código de Menores, sob o qual foi praticada a pretensa infração (REVISTA DOS TRIBUNAIS, vol. 667/330).

                 "Assim, aplicam-se as regras pertinentes à punibilidade do Código Penal, como as causas que a extinguem; especialmente para o caso destaca-se a ocorrência da prescrição.

                 "É que, praticada a conduta definida como infração em 10.03.90, e não tendo a Portaria instauradora do procedimento investigatório a força de interrupção do lapso prescricional, tem-se que, quando prolatada a sentença definitiva aplicando a medida de prestação de serviços pelo prazo de 2 (dois) meses, já haviam decorrido 3 (três) anos, 3 (três) meses e 20 (vinte) dias, superando em muito o biênio prescricional previsto no art. 109, VI, do Código Penal, tendo em conta a medida sócio-educativa (= punição) imposta (arts. 109, VI, e 110, §§ 1° e 2º do CP).

                 "Por isto, de ofício (= art. 61, do CPP), declara-se extinta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, prejudicado o recurso interposto."

                 2 - Em que pese a corrente jurisprudencial que defende a imprescritibilidade das medidas sócio-educativas, tal como a ação de pretensão punitiva, a ação de pretensão sócio-educativa prescreve.

                 Não me canso de repetir:

                 O Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentando os artigos 227 e 228 da Carta Política, ao tempo em que conferiu direitos fundamentais e sociais a crianças e jovens, estabeleceu para os adolescentes responsabilidade penal juvenil, criando regime jurídico onde o adolescente passou a ter a dignidade de responder pelos seus atos, principalmente quando atentarem contra valores sociais tutelados penalmente: vida, integridade física, patrimônio, etc.

                 Essa nova responsabilidade (penal juvenil) tem sólidas bases doutrinárias na Carta Política (art. 227, § 3º, IV e V e 228) e nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Resolução 40/33/85 da Assembléia Geral), incorporadas pelo Estatuto Brasileiro, que no artigo 103 conceituou o ato infracional como "a conduta descrita como crime ou contravenção penal."

                 Vale dizer, remeteu o intérprete aos princípios garantistas do Direito Penal Comum, tendo como normas específicas, as complementares do Estatuto, que se referem apenas a natureza da resposta, ou seja, as medidas, que por serem sócio-educativas, diferem das penas criminais tão somente no aspecto predominantemente pedagógico e na duração, que deve ser breve, esta face o caráter peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento.

                 Bem por isso, o artigo 228 da Constituição, ao conferir inimputabilidade penal até os dezoito anos, ressalvou sujeição "às normas da legislação especial". Essas, por sua vez, estabeleceram, como dito, a chamada responsabilidade penal juvenil.

                 Não se confundindo imputabilidade e responsabilidade, tem-se que os adolescentes respondem frente ao Estatuto respectivo, porquanto são imputáveis diante daquela lei especial.

                 Sendo imputabilidade (derivado de imputare) a possibilidade de atribuir responsabilidade com base na violação de leis, sejam elas penais, civis, comerciais, administrativas ou juvenis, não se confunde, com a responsabilidade, da qual é pressuposto. (Ver De Plácido e Silva - VOCABULÁRIO JURÍDICO, Rio, Forense, 1982, p. 435)

                 Aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar (atribuir) responsabilidade frente a legislação penal comum. Todavia, podendo se lhes atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto próprio, respondem se submetendo a medidas socioeducativas de inescondível caráter penal especial.

                 Como as penas criminais, as medidas sócio-educativas podem ser restritivas de direitos ou privativas de liberdade.

                 Restringindo ou privando a liberdade é claro que, como as penas criminais, as medidas sócio-educativas prescrevem.

                 Como no Direito Penal Comum, no Estatuto predominam os princípios da despenalização, da descriminalização, do Direito Penal Mínimo, optando a lei juvenil pelas penas restritivas de direitos, como importantes alternativas a privação da liberdade.

                 Em suma, embora inimputáveis frente ao Direito Penal Comum, os apelantes são imputáveis diante das normas da lei especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente e, por isso, respondem penalmente, face o nítido caráter retributivo e socioeducativo das respectivas medidas, o que se apresenta altamente pedagógico sob o ângulo dos direitos humanos de vítimas e vitimizadores. Além disso, de boa política criminal, em que respostas justas e adequadas serviam como elementos indispensáveis a prevenção e repressão da delinqüência juvenil.

                 O que não se admite no Direito Penal Juvenil são respostas mais severas e duradouras do que em idênticas situações seriam impostas aos condenados adultos.

                 Os princípios da legalidade estrita, da retributividade (temperado pela possibilidade da remissão), do caráter predominantemente pedagógico e excepcional das medidas socioeducativas, constituem garantias de natureza penal (Direito Ciência e Norma), que não podem ser negadas aos infratores do Estatuto da Juventude, muito menos as causas de extinção da punibilidade.

                 Ora, se os adolescentes respondem por atos infracionais, submetendo-se a medidas restritivas de direitos e até privativas de liberdade impostas através de ação judicial, é claro que tem direito subjetivo à prescrição. Do contrário, seria admitir para os adolescentes sistema mais rígido do que o dos adultos.

                 A prescrição, garantia até de direito natural, não pode ser negada aos adolescentes sob o argumento de terem as medidas sócio-educativas caráter educativo e ressocializador, porquanto também tem essa característica as penas criminais.

                 Tenha-se presente: Estivesse o apelante submetido ao Código Penal, a ação estaria prescrita. Não prestaria serviços à comunidade.

                 Como admitir numa Lei de Proteção Integral que por ser adolescente, esteja o apelante submetido a restrição de direito que não sofreria se fosse adulto?

                 3 - Pelo exposto, declaro, de ofício, a prescrição da ação de pretensão sócio-educativa, prejudicado o recurso.

                 III - DECISÃO:

                 Acompanharam o relator. Declararam, de ofício, a prescrição da ação de pretensão sócio-educativa, prejudicado o recurso.

                 Participaram do julgamento com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Genésio Nolli e Paulo Gallotti, e lavrou parecer, pela d. Procuradoria-Geral de Justiça, o Ex.mo. Sr. Dr. Demétrio Constantino Serratine.

                 Florianópolis, 27 de outubro de 1998

Amaral e Silva

PRESIDENTE E RELATOR

 

                 APR nº 98.012388-7 

 

                 Gab. Des. Amaral e Silva - 2