APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRÉ-ESCOLA. OFENSA À INTEGRIDADE
FÍSICA DE ALUNO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL PELO DEVER DE GUARDA. DANO
ESTÉTICO. Responde a sociedade limitada prestadora de serviço de guarda de
crianças pela ofensa à integridade física de uma delas, ocasionada por outra,
em período de recreação. TJRS. Apelação parcialmente provida. Apelação Cível nº
598403392 – 6ª Câmara Cível – Caxias do Sul. Relator Antonio Janyr Dall’Agnol
Junior. 22.09.99.
Apelação Cível nº 598403392 – 6ª
Câmara Cível – Caxias do Sul
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRÉ-ESCOLA.
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA DE ALUNO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL PELO DEVER DE
GUARDA. DANO ESTÉTICO. Responde a sociedade limitada prestadora de serviço
de guarda de crianças pela ofensa à integridade física de uma delas, ocasionada
por outra, em período de recreação. Apelação parcialmente provida. Apelação Cível nº 598403392 – 6ª Câmara
Cível – Caxias do Sul.
Data
de julgamento: 22 de setembro de 1999.
L.
A. M., por si e representando sua filha, C. L. M., apelantes – P. B. P. E. e E.
M. M., apeladas.
ACÓRDÃO
Vistos,
relatados e discutidos os autos. Acordam, os Desembargadores integrantes da 6ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade, prover em parte
o apelo, o que decidem de conformidade e pelos fundamentos constantes das
inclusas notas taquigráficas que integram o presente acórdão. Custas na forma
da lei.
Participaram
do julgamento, além do signatário, o eminente Sr. Des. Osvaldo Stefanello,
Presidente, e a eminente Sra. Dra. Marilene Bonzanini Bernardi.
Porto
Alegre, 22 de setembro de 1999.
Antonio Janyr Dall’Agnol Junior, Relator.
RELATÓRIO
Des. Antonio Janyr Dall’Agnol
Junior – Trata-se de ação de indenização, por danos materiais e morais,
ajuizada por L. A. M., por si e representando sua filha menor, C. L. M. contra
P. B. P. E. e E. M., alegando que a autora, quando se encontrava no
estabelecimento da empresa-ré, aos cuidados de preposto desta, foi empurrada do
brinquedo denominado "brinquelância", caindo ao solo e fraturando o
braço esquerdo. Aduziram à responsabilidade objetiva da empresa, nos termos do
art. 37, § 6º, da CF.
A
ação foi julgada extinta em relação à ré Edi Mazzoti, com esteio no art. 267,
VI, do CPC, e improcedente no que tange à empresa demandada. Entendeu o
magistrado que acidentes, como o ocorrido com a autora, são absolutamente
comuns na infância e, no mais das vezes, inevitáveis mesmo por pais ou
responsáveis diligentes. Além do mais, em pré-escolas, existe uma pessoa para
atender a várias crianças e, nem sequer, há de se dizer que o brinquedo em que
a autora estava, quando caiu, era inadequado ou perigoso, pois comum em
residências, praças e escolas, foi instalado prudentemente a uma altura menor
do que a recomendada, conforme se infere da declaração da empresa que o produz.
Os autores foram condenados nas custas processuais e honorários advocatícios,
estes fixados em 15% sobre o valor da causa, atualizado. (fls. 321-323)
Apelam
os autores. Insurgem-se com a exclusão da proprietária da escola, sustentando
que é parte passiva legítima, devendo aplicar-se a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica ao caso. Invocam o art. 12 do CDC. Criticam a sentença,
alegando que a menor está parcialmente "aleijada para o resto da
vida", conforme laudo pericial, fl. 236, não-impugnado.
Argumentam
que se trata de menor, absolutamente incapaz, que está iniciando seus estudos,
e, em face do procedimento negligente da escola de E. M., teve e terá prejuízos
consideráveis na formação educacional, relacionamento com colegas, atividades
educacionais (ballet, flauta,
esportivas, etc.). No futuro, questionam, sem conseguir utilizar o braço
esquerdo, que profissão poderá desempenhar (médica, odontóloga, secretária, ballet, etc.).
Sustentam
que a escola feriu o disposto no art. 159 do CC e que o art. 1.521 do mesmo
Código se aplica às entidades educacionais, conforme art. 37, § 6º, da CF.
Alegam que o dano (perda parcial), conforme laudo pericial, foi de 35%, ou
seja, 50% de 70, que seria a perda total da função do membro superior esquerdo.
Aduzem à negligência da professora que, conforme depoimento prestado pela
menor, não se encontrava no pátio, porque estava arrumando a sala para uma
festa de aniversário. Pedem o provimento do apelo, com a procedência da ação
(fls. 325-335 e preparo à fl. 336v.). As apeladas contra-arrazoaram,
sustentando a sentença (fls. 339-349).
O
Ministério Público, no 1º grau, deixou de se manifestar sobre o mérito do
recurso, e, nesta instância, a Dra. Procuradora de Justiça, com assento nesta
Câmara, opinou pelo parcial provimento, mantendo-se a exclusão da ação da
proprietária da escola, devendo esta responder pelos danos materiais sofridos
pela autora (despesas com a doença, cirurgias, fisioterapias, etc.), bem como
dano moral a ser fixado em 150 salários mínimos (fls. 357-361). É o relatório.
VOTO
Des. Antonio Janyr Dall’Agnol
Junior – Eminentes Colegas. Tenho por desnecessário muita demora
sobre questões pertinentes à responsabilidade civil extracontratual ou mesmo ao
conceito de educação, permitindo-me fixar no que, para o fim de julgamento, se
imponha.
A
espécie cuida, indisfarçavelmente, de responsabilidade contratual, pois fundada
na relação, dessa natureza, entre o primeiro demandante e a primeira demandada
(Pinóquio Berçário e Pré-Escola Ltda., ut
fl. 84). O contrato entre eles estabelecido, conforme notório, era o de guarda
– no sentido lídimo do termo – de crianças de primeira infância. Em espécies
como esta, como sabido – e sem prejuízo da impertinente insistência de
aplicação do art. 159, quando o incidente é o art. 1.056 do CC – ao ofendido
cumpre provar o descumprimento, objetivamente, pois o encargo de desfazer a
presunção de responsabilidade daí decorrente é do outro figurante.
Aqui,
sem a menor sombra de dúvida, com a queda, provocada por outra criança, de um
brinquedo situado no pátio do estabelecimento, configurado restou o
descumprimento da primeira demandada – e não da segunda, a quem acertadamente
se afastou da relação processual, por ilegitimidade passiva, porquanto razão
inexiste para a desconsideração para com a pessoa jurídica contratante – pois
encargo seu era o de guardar a criança, isto é, de protegê-la, observá-la, por
ela zelar (De Plácido e Silva, "Vocabulário Jurídico", 1978, vol. II/749).
É
essa a principal finalidade do contrato, conforme o reconhece a própria
demandada, quando insiste que não é seu o dever de educar, dando ao verbo
sentido restritivo. Ora, o que esperam os pais das crianças que são confiadas a
berçários e que tais é justamente que bem as observem os prepostos,
devolvendo-se-as, ao final do expediente, tal e qual entregues. Não há, em
minhas expressões, nenhuma rudeza, se não que análise técnica, como convém.
Cuidando-se
de responsabilidade contratual, sabe-se, mesmo aos que não a distingue da
extracontratual diferença há "no tocante às exigências probatórias. Na
culpa extracontratual, incumbe ao queixoso demonstrar todos os elementos
etiológicos da responsabilidade: o dano, a infração da norma e o nexo da causalidade
entre um e outra. Na culpa contratual inverte-se o ônus probandi, o que torna a posição do lesado mais vantajosa...
"Quando
há contrato, existe um dever positivo do contratante, dever específico
relativamente à prestação, o que só por si lhe impõe responsabilidade. Basta ao
demandante trazer a prova da infração, para que se estabeleça o efeito, que é a
responsabilidade do faltoso, uma vez que os demais extremos derivam do
inadimplemento mesmo, pressupondo-se o dano e o nexo causal, a não ser que o
acusado prove a razão jurídica do seu fato, ou a escusativa da
responsabilidade". (Caio Mário da Silva Pereira, "Responsabilidade
Civil", 1989, p. 265)
Especificamente
no que respeita à responsabilidade do educador (lato sensu), ensina Rui Stoco, em conhecida obra: "Ao receber
o estudante menor, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou da
rede particular para as atividades curriculares de recreação, aprendizado e
formação escolar, a entidade de ensino fica investida no dever de guarda e
preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais
diligente vigilância, para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus
pupilos, que possam resultar do convívio escolar. Responderá no plano
reparatório se, durante a permanência no interior da escola, o aluno sofrer
violência física por inconsiderada atitude do colega, do professor ou de
terceiros, ou, ainda, qualquer atitude comissiva ou omissiva da direção do
estabelecimento, se lhe sobrevierem lesões que exijam reparação e emerja daí
uma ação ou omissão culposa". ("Responsabilidade Civil e sua
Interpretação Jurisprudencial", 2ª ed., p. 371)
Não
há por que, visto está, invocar-se dispositivo de nível constitucional, próprio
apenas quando houver intervenção de ente público como se daria se público o
estabelecimento. Se a essa conclusão se chega no exame do Direito Comum, a fortiori se invocado o Código de
Defesa do Consumidor, por inequívoco que aqui estamos a cuidar de relação de
consumo, fornecedora de serviço sendo a sociedade de responsabilidade limitada.
No âmbito desse, a responsabilidade é de caráter objetivo (art. 14, caput). E a ela, neste caso, não pode
safar-se a pessoa jurídica, quando a soma dos elementos fáticos demonstrados
depõe contra a sua conduta.
Fora
o dano – provado – resultado de um mero empurrão de colega, ao rés do chão,
eventualmente se poderia travar discussão mais proveitosa. Mas, aqui, não se
está a tratar disso, senão que de empurrão – consciente ou não, pouco importa,
cuidavam-se de crianças de menos de 06 anos! – de coleguinha, levado a efeito
em brinquedo de duvidosa utilização em estabelecimentos como o da demandada, em
momento em que, suposta a presença da recreacionista que ali deveria estar – o
que é negado, pela vítima –, desatenta estava justamente para com as crianças
que se divertiam no tal brinquedo. As providências médicas foram reputadas,
pela perícia, como "corretas" (fls. 237 e 241).
Tenho,
assim, por configurada a responsabilidade civil e, por via de conseqüência, o
dever de indenizar. Esse compreende, relativamente à pessoa do apelante, pai da
menor, no ressarcimento das despesas que vem tendo para tratamento da vítima;
e, relativamente a essa, na reparação do dano estético, cumpridamente provado
pela perícia levada a efeito.
Afasto
o pretendido dano moral puro, porquanto, conforme jurisprudência que se vem
formando nesta Câmara, apenas excepcionalmente se o há de reconhecer, em se
cuidando de ilícito relativo. De mais a mais, os incômodos de pai que vê
ofendida fisicamente a filha, de pouco resultando intervenção médica, se
ostentam dentro dos limites da própria ocorrência.
Compreendido
o dano estético na categoria de dano moral (Caio Mário da Silva Pereira, ob.
cit., p. 242), proponho se o fixe, de logo, em 200 salários mínimos. Quanto à eventual
e futura intervenção cirúrgica, prevista na perícia (fl. 244), encontrando-nos,
como nos encontramos, em sede de tutela repressiva, pouco adequado se exibe
estabelecer, agora, condenação.
Voto,
assim, por prover em parte a apelação, para o fim de julgar procedente em parte
a ação, afastando a pessoa física demandada, e condenando a pessoa jurídica a
ressarcir o autor as despesas que efetivou e a reparar à autora, pelo dano
estético, em valor equivalente a 200 salários mínimos.
Proponho
a distribuição dos encargos à razão de 30% para os autores e 70% para a
condenada, fixados os honorários do advogado daqueles em 15% sobre o valor da
condenação e do patrono da ré, excluída em 10 URHs.
O
Des. Osvaldo Stefanello e a Dra. Marilene Bonzanini Bernardi – De
acordo.