O LUGAR DO OLHAR: PRÁTICAS COTIDIANAS E FOTOGRAFIA COM
MENINOS E MENINAS EM VULNERABILIDADE SOCIAL
Marília Flores Seixas de Oliveira (1)
Em todo o mundo tem havido uma crescente
discussão sobre modelos alternativos de desenvolvimento, que se pautem pela
busca de maior eqüidade social e pela preocupação ambiental, uma vez que a
modernidade avançou em um vácuo ético (2) que ocasionou o
aumento brutal nas diferenças sociais e o perigo eminente de destruição dos
recursos naturais. Estas discussões passam, necessariamente, pela participação
popular na construção de alternativas locais de desenvolvimento que sejam
sustentáveis (3).
“muitas das atuais tendências de desenvolvimento resultam em um número cada vez maior de pessoas pobres e vulneráveis, além de causarem danos ao meio ambiente” (Nosso Futuro Comum, 1988:4).
A destruição do equilíbrio do ecossistema
planetário é uma realidade constatada na mídia, nos noticiários, e as
conseqüências ambientais estão em todo lugar: aquecimento do planeta,
alterações climáticas, efeito estufa, montanhas de lixo, poluição das águas,
desmatamento, uma lista interminável e assustadora. Por outro lado, a estrutura
moderna de distribuição do poder coloca na pauta do dia a subnutrição e a fome,
a pobreza endêmica e a exclusão social crescentes, as doenças provocadas tanto
pelo excesso de alimentos quanto pela mais absoluta falta destes, a
sofisticação tecnológica para a medicina de ponta e o aumento constante de
doenças causadas pela falta de condições mínimas de salubridade e de reprodução
dos meios de vida, enfim, a imensa desigualdade entre os homens.
O desafio do nosso tempo diz respeito à ética da solidariedade, tanto na perspectiva sincrônica, da contemporaneidade, quanto na perspectiva do futuro, com aqueles que ainda virão a existir. Neste contexto, a situação de miséria, violência, vulnerabilidade e risco pessoal e social enfrentada por crianças e adolescentes compromete as perspectivas de futuro. Esta realidade tem se agravado com a crise social de caráter mundial, traduzida pelo desemprego, pela exclusão social, pela segregação espacial e pela pobreza endêmica. A redução das desigualdades sociais torna imprescindível a discussão ética e a formulação de alternativas que garantam redistribuição da renda, inclusão, justiça e eqüidade social, que só podem ser conseqüentes se houver participação comunitária.
O homem moderno - preso às ambivalências de seu tempo, pautado no modelo arquetípico do homo economicus (4), orientado por uma subjetividade fundada no princípio do consumo e da individualidade -, apesar da perplexidade com que observa este contexto crítico, perdeu a sua capacidade de revolta e de surpresa e a sua vontade de transformação, paralisado pela subordinação e pelo conformismo (5). Conforme Milton Santos (2000), “o ponto de partida para pensar alternativas seria, então, a prática da vida e a existência de todos”. A construção de um futuro melhor dependerá do grau de consciência e de responsabilidade frente às mudanças necessárias para o surgimento de outras idéias, ações e uma nova forma de relação com o mundo. Para Bartholo Jr. (1996:235), “uma revisão leal do que ocorre tanto em nosso país quanto em outras partes do mundo nos levaria a ver com outros olhos o tema do desenvolvimento a toda brida e custe o que custar”.
Vitória da Conquista é um município baiano (6) que traz no nome uma síntese do processo de colonização do Brasil, em que a forma de ocupação do território dá o tom triste e violento. O topônimo se refere à vitória de colonizadores portugueses sobre os indígenas que viviam na região e foram exterminados ao final de sucessivos embates, quando então se deu a conquista do Sertão da Ressaca (7). Apesar dos indígenas terem sido silenciados, o lado brutal da história permaneceu registrado no topônimo: na vitória de uma conquista houve também uma derrota dos conquistados. Neste contínuo jogo de mostrar/esconder próprio da linguagem, ficou, implicitamente no nome, para os leitores das gerações futuras (que compreendem silêncios), o registro da violência do processo de colonização, pois, se coube, para alguns, a vanglória do nome, para os outros – mongoyós, aymorés e pataxós (8) - restou apenas a morte. Sobre esta base violenta se construiu o município, no sudoeste da Bahia.
Histórias de coronéis, vaqueiros e pistoleiros povoam até hoje o imaginário regional com personagens lendárias, que encontraram em Glauber Rocha sua expressão mais sintética e elaborada. A figura emblemática e contraditória da personagem Antônio das Mortes, oscilando entre o poder (coronéis, igreja) e o povo na luta pela terra, talvez seja a tradução mais fiel dos embates que caracterizaram o processo de ocupação do território.
Por sua localização
estratégica, desde os tempos de arraial a cidade exerce também a função de
ponto de paragem para viajantes, sendo constante a chegada de forasteiros. Esta
característica se acentuou após a abertura de rodovias, principalmente a
Rio-Bahia (década de 50), ocasião em que o município experimentou um
crescimento populacional, atraindo considerável número de imigrantes. A
convergência de estradas tornou a cidade um entroncamento rodoviário, com
estradas federais, estaduais e vicinais (9) interligando vários pontos
do país, convergindo migrantes de vários lugares.
No desenvolvimento do
município, a produção agrícola, complementar à pecuária
extensiva, assentou-se em grandes propriedades, numa estrutura fundiária
centralizada que dificultou o desenvolvimento da pequena agricultura familiar.
As práticas agrícolas históricas, vinculadas à monocultura e ao grande
latifúndio, associadas às dificuldades da vida rural dificultaram a permanência
da população no campo, causando êxodo e a conseqüente concentração urbana. Com
base econômica historicamente ligada à pecuária e à agricultura, Conquista
passou a ser um pólo comercial desde a abertura das estradas. A partir dos anos
70, foi implantado um pólo agrícola comercial, baseado na
monocultura do café, objetivando a expansão econômica do município. A
década de 80 marcou o crescimento do setor terciário (comércio e serviços), que
tem sido também o mais dinâmico da economia municipal. A cidade é o principal
centro regional na prestação de serviços especializados, com rede
hoteleira, escolar e médico-odontológica, além de serviços de consultoria,
publicidade e assessoria de empresas. Na década de 90, consolidou-se
como pólo educacional, com grande número de colégios de ensino médio, a
implantação de novos cursos na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e uma
proliferação (recente) de faculdades particulares.
O Nordeste brasileiro - com suas
particulares características ambientais, econômicas e sociais - ainda mantém
práticas político-administrativas tradicionais, baseadas no clientelismo e no
favor. Processos modernizantes não conseguiram romper com essas práticas
arcaicas e, ao contrário, quase sempre serviram de espaços para re-atualização
das formas de controle tradicionais. Embora esta política não possa ser
caracterizada como um coronelismo no sentido estrito do termo,
mantém elementos de clientelismo e de favor em sua forma de organização,
correspondentes a uma prática tradicional. Na Bahia, ao modelo autoritário da
política tradicional do Nordeste, somam-se problemas advindos da hegemonia das
forças políticas oligárquicas que administram o Estado, controlando, na
atualidade, 400 dos 415 municípios baianos.
Sendo parte integrante
do Nordeste do Brasil, Vitória da Conquista vivenciou, ao longo de sua história
política, práticas associadas ao estilo de poder das oligarquias baianas. Mas
esta política foi entrando em decadência, em degradação, porque foram se
consolidando alguns nichos de corrupção, de utilização da máquina governamental
para interesses particulares ou mesmo para a garantia de alianças e relações
políticas através de trocas de favores, atendendo a certos jogos de interesse
às vezes bastante escusos. Tal situação gerou o agravamento dos problemas de
infra-estrutura urbana, o aumento das diferenças sociais, o acúmulo de dívidas
públicas de forma insustentável.
Como a resistência
também é uma das decorrências do processo de colonização, os movimentos sociais
locais articularam-se contra esta conjuntura, fazendo jus à condição de luta da
gente sertaneja, confirmando também que o “sertão é onde o pensamento da gente se forma mais
forte do que o poder do lugar” (Guimarães Rosa, 1970). A partir da
organização de uma frente multipartidária (10) chamada Frente Popular,
aconteceu, nas eleições de 1996, uma mudança na trajetória política tradicional
do município e a eleição de um governo que tem à frente o médico e ex-deputado
estadual Guilherme Menezes de Andrade, do PT (11). Indicando, em seu
programa político, medidas como a inversão das prioridades e a luta contra as
desigualdades sociais, tal gestão municipal apresentou-se com a proposta de
inaugurar novas práticas, buscando fortalecer a participação popular.
Sob o prisma da “cultura
política”, esta gestão parece ter se constituído como uma possibilidade de
construção de novas formas de articulação, mais próximas da cidadania, da
participação, do estabelecimento de políticas públicas de direitos,
significando, potencialmente, uma mudança qualitativa da relação entre a
comunidade e a vida econômica, social e política da cidade, gerando uma mobilização maior, resultando numa espécie de dinamização
dos movimentos sociais, um campo mais propício à participação
popular, o que pode vir a romper com o que, com muita precisão, José de
Souza Martins (1994) chama de o poder do atraso, relacionado à
política da clientela e do favor anterior.
Entretanto, anos
anteriores de clientelismo e tutela acabaram por dificultar o
exercício da cidadania e a construção da democracia, que se tornam, assim, um
aprendizado coletivo e essencial. Um grande desafio é a consolidação da
noção de direito, que passa pela
participação popular, pela tomada de consciência da força política de pressão,
pela necessidade da comunidade assumir avanços sociais como direitos
e não como dádivas do poder público. Para Santos, B.(2001), “na área
dos direitos humanos e da dignidade humana, a mobilização de apoio social para
as possibilidades e exigências emancipatórias que eles contêm só será
concretizável na medida em que tais possibilidades e exigências tiverem sido
apropriadas e absorvidas pelo contexto cultural local.”
Na esfera municipal, os conselhos municipais se configuram como
mecanismos de garantia de participação popular na tomada de decisão política e
no controle da aplicação dos recursos públicos em projetos definidos como
relevantes pela comunidade, tendo composição paritária em sua maioria. O
relacionamento dos governos com os conselhos deliberativos tem sido um critério
para a avaliação de gestões públicas quanto à participação popular. O efetivo
funcionamento dessa forma de articulação tem encontrado várias dificuldades em
todo o Brasil, pelo desconhecimento da legislação, mecanismos de
operacionalização dos conselhos e pela dificuldade histórica de partilhar o
poder. No Nordeste, as dificuldades em se implementar práticas políticas
partilhadas se acentuam, ainda mais, somadas à tradição autoritária da
centralização, o que gera temor frente às formas mais democráticas de gestão.
Vitória da Conquista,
até 1997, não fugia ao modelo tradicional da política nordestina: os conselhos
funcionavam precariamente, sem articular ações significativas ou consolidar
políticas públicas sociais significativas. Segundo relatórios e documentos da
gestão municipal, o estabelecimento de prioridades, no início do governo (em
1997), deu-se mediante o fortalecimento dos Conselhos Municipais, permitindo a
participação comunitária. A imensa dívida herdada das gestões anteriores tornou
urgente o re-ordenamento financeiro e administrativo e a elevação das receitas.
Após quatro anos de gestão este governo municipal tem se destacado, recebendo
prêmios (12) nacionais e internacionais, por buscar desenvolver ações
voltadas para a redução das desigualdades sociais.
Considerando-se a relevância da criança enquanto ser humano em peculiar condição de desenvolvimento, depositário da cultura e dos bens simbólicos da sua comunidade e elemento perpetuador da espécie humana, a busca de políticas públicas nesta área, que visem à redução das desigualdades sociais, introduz, do ponto de vista ético, uma condicionalidade sustentável, compreendida enquanto solidariedade com as gerações presentes e com as gerações futuras. A criança deveria ser colocada no centro das atenções, por seu caráter vulnerável e por sua significação personificada do futuro e da capacidade humana de sonhar.
A criança simboliza coisas diferentes em cada sociedade, sendo sempre um testemunho do imenso potencial da vida. O homem é um dos poucos animais que, ao nascer, não tem plenas condições de vida, só estando pronto para sua experiência de existir ao se inserir na cultura: um recém nascido humano, se isolado, morre. A total dependência do outro caracteriza a humanidade e a criança recém-nascida (13), exposta, irremediavelmente, à vontade de outro, pode ser considerada ícone da dependência do outro e da responsabilidade primordial do homem, evocando o sentimento de perpetuação da espécie. A dependência contínua do homem a outro homem estabelece também a responsabilidade recíproca que permeia a relação entre as pessoas e a relação delas com o planeta e com aqueles que ainda nascerão. Entretanto, no espelho narcisista da modernidade, o homem não se volta ao diálogo com o outro, sem respeitar aquele que não pode ser chamado de eu.
Cada sociedade ou contemporaneidade poderia ser analisada pela maneira com que trata suas crianças. No Brasil, o que verificamos é um crescente contingente de meninos e meninas experimentando privações, em grave vulnerabilidade, muitos vistos e representados como pivetes, menores¸ cheira-cola, seres de rua, catalogados numa condição subumana: meninos e meninas de ninguém e de lugar nenhum. A percepção da gravidade da situação se acentua quando, para além da análise sociológica das condições de vida de classes sociais, nos defrontamos com indivíduos, meninos e meninas que vivem uma atualidade precária, em risco e vulnerabilidade constantes, cotidianas: quando deixamos de pensar em termos estatísticos e percebemos o outro em sua dimensão de sujeito único e insubstituível.
Compreendendo que a
dignidade e os direitos humanos precisam ser recambiados de um plano abstrato
para uma efetiva realidade, de maneira a se alcançar um patamar sustentável de
desenvolvimento, é necessária uma atenção especial aos grupos particularmente
vulneráveis, como as crianças e adolescentes em situação de risco. Os direitos
da criança e do adolescente constituem a base para a construção de sociedades
melhores, o que requer também o estabelecimento de uma ética que respeite todos
os meninos e meninas enquanto alteridades irredutíveis, considerando as suas
especificidades, tanto frente às necessidades e carências especiais, por se
tratarem de pessoas em desenvolvimento, quanto à peculiar forma de estar e
perceber o mundo que as cerca.
No Brasil, quanto às políticas públicas
que promovam e assegurem os direitos das crianças e dos adolescentes, o Estado
permaneceu, ao longo da história, (quando não ausente) com uma intervenção
caracterizada por ações repressivas, corretivas ou meramente assistencialistas.
A atuação governamental em Vitória da Conquista até 1996 não foi exceção. Na
área da infância e da adolescência em risco, não havia ações de garantia de
direitos, nem funcionavam os mecanismos estabelecidos no Estatuto da Criança e
do Adolescente/ECA (Lei 8079/90) (14). ONGs que trabalham com crianças e
adolescentes em situação de risco exerceram pressões frente aos governos
anteriores na tentativa de garantir o que o ECA
preconizava, em constante luta por ações efetivas de defesa de direitos.
Apesar das críticas que
podem ser feitas às novas feições que os movimentos sociais passaram a ter,
frente à dinâmica das relações de poder no contexto político contemporâneo, “transformando-se,
de movimentos contestatórios e de busca de garantias de espaços sociais, em agentes
de negociação, que atuam no âmbito da dinâmica da correlação de forças na
sociedade” (Boneti, 1989:24), o fortalecimento das entidades da
sociedade civil aumenta as potencialidades criativas de projetos de construção
de uma sociedade mais justa, contraposta ao ideário político-cultural
hegemônico. Os movimentos sociais viabilizam novas formas de inserção e luta
por direitos humanos, em dupla articulação: o fortalecimento destes movimentos
modifica a esfera da cultura política, inserindo múltiplos sujeitos na busca de
alternativas e a participação maior de vários sujeitos sociais acaba permitindo
a ampliação das concepções baseando-se em modelos locais não-hegemônicos.
Em Vitória da Conquista (em 1997), o trabalho na área de promoção dos direitos de crianças e adolescentes iniciou-se pela melhoria do funcionamento do Conselho de Direitos, pela implantação do Conselho Tutelar e pelo levantamento de dados (15). Esses dados revelaram, além do universo das ruas, grave quadro de trabalho infanto-juvenil (em pedreiras, depósito de lixo, olarias, casas de farinha, colheita de café, retirada de areia, etc.).
Depois, a partir de estudos e análise de propostas no Conselho de Direitos, foi elaborado e implantado (em setembro de 1997) o Programa Conquista Criança, como a principal ação governamental destinada às crianças e aos adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade, conforme o ECA. Atualmente a experiência tem servido de referência a municípios de todo o país e se ampliou ao integrar a Rede de Atenção e Defesa da Criança e do Adolescente (16), que reúne entidades governamentais e ONGs, configurando-se numa política pública que tem possibilitado a melhoria da ação em todo o município (17).
Trabalhando
com uma amostra representativa do contingente populacional que a ordem sócio-política coloca diariamente em situação de
vulnerabilidade, o Conquista Criança inaugurou uma ação social concreta ao
intervir na realidade de meninos e meninas em risco pessoal e social,
reconhecendo-os como sujeitos, procurando garantir-lhes direitos e proteção,
buscando transformar visões preconceituosas e eliminar estigmas sociais,
discutindo a responsabilidade coletiva na construção de uma sociedade mais
justa e democrática. À medida que parcerias foram firmadas e recursos garantidos,
a estrutura do Programa cresceu e aumentou o número de crianças e adolescentes
atendidos (atualmente com 370), funcionando hoje com uma estrutura composta de
quatro unidades de funcionamento, desenvolvendo: “atividades culturais, artísticas,
esportivas e profissionalizantes, propiciando o acesso a bens culturais e
simbólicos, visando ao crescimento pessoal, psicológico e social da criança e
do adolescente e sua inclusão social” (18), atuando também
nas ruas, com os Educadores de Rua. Garante-se a participação dos meninos
através de uma bolsa-incentivo semanal, o que diminui a pressão familiar para o
retorno às atividades de trabalho ou de rua, uma vez que muitas famílias
sobrevivem da produção das crianças.
Os
participantes do Programa experimentaram diferentes formas de sociabilidade, às
vezes, sem a satisfação de necessidades básicas. Apesar do número crescente de
crianças, a ação que ele representa ainda está longe de alcançar um patamar que
atenda às demandas do município. Apesar do aumento significativo do número de
crianças e adolescentes atendidos, levantamentos efetuados, entre dezembro de
2000 e janeiro de 2001 pelos educadores de rua, indicam um quadro ainda grave,
com um número alto de crianças e adolescentes nas ruas, principalmente à noite.
Dados sobre o trabalho infantil na zona rural apontam a presença de cerca de
150 crianças e adolescentes trabalhando em casas de farinha e um número alto de
meninos retirando areia. A tentativa de reversão desta situação é indissociável
da família, sua coletividade mais imediata, sendo este um dos problemas mais
sérios enfrentados.
Isto remete ao questionamento acerca da
real possibilidade das famílias assegurarem uma vida digna para seus filhos de forma
autônoma. A situação familiar é um problema básico de análise no
planejamento das políticas públicas voltadas para uma maior eqüidade social. A
dimensão sócio-familiar é o vínculo inicial de pertencimento comunitário, a
primeira instância de sociabilidade, portanto, rupturas neste plano representam
problemas que se refletem no âmbito da vulnerabilidade social imediata e futura
e na esfera individual, de construção de identidade. A impossibilidade de
muitos em assegurarem a proteção necessária aos seus descendentes remete aos
questionamentos sobre a responsabilidade do ser humano frente ao recém-nascido (19),
colocando também uma situação extremamente desigual quanto à condição dos
homens reproduzirem condignamente sua perpetuação cultural: enquanto para
alguns é possível garantir proteção e direitos aos filhos, para outros, a
vulnerabilidade social e econômica em que vivem coloca uma prévia frustração (20),
encontrando pais tão vulneráveis quanto os filhos recém-nascidos.
O processo de depauperação progressiva
das camadas mais pobres, com o aumento das desigualdades e da exclusão, colocou
as crianças e adolescentes em situações de risco cada vez mais graves. Nos anos
recentes, uma união de fatores - relacionados tanto ao regime político, ao
desemprego estrutural e às medidas econômicas quanto à rapidez do processo de
aumento das desigualdades - tornou mais visível este quadro. Passetti
(1999:347) afirma que: “a dureza da vida levou os pais a abandonarem cada
vez mais os filhos e com isso surgiu uma nova ordem de prioridades no
atendimento social”. Muitas vezes “o estigma que associa pobreza e
miséria a abandono e delinqüência” (ibidem:359) constroem uma visão
das crianças nesta situação como perigosas e descartáveis, fortalecendo a
exclusão social. Para Nascimento (1994), “os pobres, os ‘novos excluídos’, passam a ser vistos como economicamente supérfluos, socialmente
ameaçadores e politicamente incômodos”. O excluído é estigmatizado e
percebido pela sociedade como descartável, desnecessário, passível de ser
exterminado.
Buarque (1993:72-73), trabalhando com o
conceito de apartação - enquanto “aceitação da miséria ao lado da riqueza, separação
de classes, consolidação dos privilégios, exclusão” -, considera que
esta mudança na representação social, ligada a uma “ética e uma cultura que tolerem esse
estado de coisas”, tem acontecido no
Brasil:
“A visão de que os pobres são em princípio bandidos,
de que os nordestinos retirantes são uma ameaça, de que a modernidade é a
riqueza para poucos, e não o fim da pobreza para todos, e de que a cultura
pobre é ‘brega’ vai, aos poucos, criando uma maneira de pensar própria do apartheid. (...) Deseja-se eliminar o incômodo que os
pobres representam para os ricos, e não a degradação social que a pobreza
significa para os pobres.”
Para Escorel (1999:259), “pensar nas dimensões da exclusão social
permite associar os vínculos materiais e simbólicos, os processos de
constituição de identidades sociais, as representações coletivas e as
interações sociais”. A reflexão
sobre o que significa a dimensão simbólica da exclusão é pertinente, pois o que
distingue o homem dos demais animais é justamente sua natureza simbólica: os
símbolos são pré-requisitos para a experiência biológica, psicológica e social
do homem e sem eles não haveria humanidade (21).
“Não estando mais num universo meramente físico, o homem
vive em um universo simbólico. A linguagem, o mito, a arte e a religião são
partes desse universo. São os variados fios que tecem a rede simbólica, o
emaranhado da experiência humana.” (Cassirer, 1997: 48).
A dimensão simbólica do processo de
exclusão abrange a negação ou inversão dos valores dos excluídos, a indiferença
quanto ao outro enquanto sujeito de experiências culturais e a conseqüente
desqualificação do excluído como ser humano. Segundo Xiberras (1993, apud
Escorel, 1999:59),
“os excluídos não são rejeitados apenas fisicamente
(racismo) geograficamente (gueto) ou materialmente (pobreza), são excluídos
também das riquezas espirituais: seus valores não são reconhecidos e são
ausentes ou excluídos do universo simbólico. Quando surgem, esses valores
figuram como invertidos, atributos negativos que os situam na categoria dos
estigmatizados, a categoria negativa.”
Este processo de estigmatização é
facilmente verificável quando se trata de crianças e adolescentes. Os próprios
termos utilizados para designá-los estão carregados de preconceito,
evidenciando também a prática excludente e estigmatizadora do Estado,
determinada, sobretudo, pela visão da criança pobre como criança potencialmente abandonada e perigosa (Passetti,1999:355).
Por exemplo, a expressão “menor”, presente no discurso oficial
histórico, associa à infância e à juventude uma carga semântica ligada a algo que é inferior, que está abaixo de, numa posição subalterna ao
implícito maior, que, estando numa
posição de superioridade, seria capaz de definir quais seriam as necessidades
deles e de determinar-lhes uma sociabilidade autoritária: o menor é desconsiderado enquanto sujeito
e analisado pelos maiores enquanto
objeto.
Práticas
cotidianas, fotografia e diálogo
Este trabalho busca, no caminho inverso
ao destas práticas estigmatizantes, trazer à cena do diálogo acadêmico as
expressões de meninos e meninas que estão no Programa Conquista Criança e que
vivem no limiar entre exclusão/inclusão social. Para isto, propomos o desenvolvimento
de um experimento dialógico que utiliza a linguagem fotográfica como código,
como meio e suporte simbólico de expressão. Partindo da idéia de que a análise
das representações e apropriações da realidade elaboradas pelos meninos e
meninas participantes do experimento (em fotografias) estabelece uma situação
dialógica que permite a reflexão sobre a situação destes sujeitos, este
trabalho busca conhecer o universo das representações dos meninos fotógrafos,
no sentido de buscar compreendê-los em suas diferenças e singularidades,
contribuindo assim, para a construção da sua cidadania e identidade,
possibilitando a expressão das atribuições de sentido que dão à realidade que
os cerca.
O experimento dialógico é considerado em
si mesmo significativo como experiência pessoal de re-significação e realização
para os envolvidos, além de tornar-se um rico material de análise
(constituindo-se no corpus da
pesquisa (22)). Incluímos, como material de análise, não apenas as
fotografias resultantes do processo, mas o próprio experimento, as bases éticas
que o substanciaram, o momento de captura
da realidade que o ato de fotografar significa:
“o que é
importante para as Ciências Sociais não é a foto em si, mas a reflexão que pode
ser desenvolvida a partir de uma fotografia ou de uma série de fotografias
(...). E
a reflexão científica, é claro, deve começar no momento mesmo da tomada da
foto.” (Guran, 1998: 89).
O desenvolvimento do experimento
fotográfico criou a oportunidade de estabelecer relações dialógicas com os
meninos e meninas, possibilitando-lhes a expressão sobre suas identidades,
subjetividades e vidas, partindo do pressuposto de que as representações
elaboradas por eles através das fotografias podiam ser consideradas expressão
individual da sua relação com a realidade e o ambiente, contribuindo assim para
uma maior compreensão da forma como percebem a vida e o mundo que os envolve.
Lendo a introdução de Erich Schermann aos comentários de Tuiávii, chefe da
tribo Tiavéa nos mares do sul, encontramos a síntese da nossa proposta de
trabalho: “Com os olhos dele ficamos sabendo como nós mesmos somos, de um ponto de
vista que nos é impossível assumir.” (O Papalagui, s/d: 9).
O uso de imagens como instrumento de
pesquisa de campo vem sendo discutido academicamente há algum tempo, e a idéia
de utilizar a linguagem fotográfica no experimento dialógico encontrou respaldo
em Martin Buber (referencial teórico fundamental à pesquisa) quando afirma que
“na
casa da linguagem há muitos compartimentos” (1982:42) e que “nada pode se
recusar a servir de recipiente da palavra” (ibidem:43). Considerando
a imagem fotográfica como um objeto simbólico de construção de sentido sobre a
realidade, a proposta do experimento fotográfico pautou-se por princípios de
responsabilidade e de diálogo:
“O conceito da responsabilidade precisa ser
recambiado, do campo da ética especializada, de um ‘dever’ que flutua
livremente no ar, para o domínio da vida vivida. Responsabilidade genuína só
existe onde existe o responder verdadeiro” (ibidem: 49).
Martin Buber (principalmente em Do diálogo e do dialógico, 1982) tornou-se o ponto de partida ético que buscávamos e que orientou todo processo do experimento. Partindo de que “toda vida verdadeira é encontro” (Buber, s/d) e que as pessoas precisam entrar em relação dialógica com o mundo para realizar plenamente sua existência, buscamos criar uma situação que correspondesse ao que Buber chama de diálogo genuíno.
Em sua obra de referência, Eu e Tu (s/d), Buber apresenta a palavra como introdutora do homem na existência e a relação como fato primitivo: “No começo é a relação” (ibidem: 20). Como vida é relação, o homem, nessa relação, pode apresentar diferentes atitudes para com o que se relaciona. Essas atitudes, segundo Buber, se manifestam entre duas palavras-princípio, EU-TU e EU-ISSO: “Não há EU em si, mas apenas o EU da palavra-princípio EU-TU e o EU da palavra princípio EU-ISSO. “Quando o homem diz “EU”, ele quer dizer um dos dois”(ibidem:4). As duas palavras-princípio correspondem a duas formas possíveis do homem realizar sua existência: o reino do TU se configura como essencialmente dialógico e ontológico -“O homem se torna EU na relação com o TU” (ibidem: 38) – enquanto o mundo do ISSO é funcional, acontece no plano da utilização, da experiência, do confronto, da ordenação, sendo também fundamental à experiência humana, apesar de não ser definidor do homem:“o homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem” (ibidem: 39).
Vivemos imersos em linguagem e os signos nos cercam o tempo todo. Na sociedade moderna, sons, imagens e símbolos “dirigem-nos a palavra” ininterruptamente, o que acaba fazendo com que nós desenvolvamos uma proteção que sirva para afastar a profusão de signos que nos invade continuamente. Para Buber (1982:43), “cada um de nós está preso numa couraça, cuja tarefa é repelir os signos”. Presos nessas couraças, estamos menos sensíveis ao outro, pelo hábito de nos fecharmos às tantas falas que nos são dirigidas nas mais diversas linguagens, nos acostumando a ficar isolados, transformando em silêncio o que, a princípio, é o verbo. As couraças rechaçam as flechas (palavras que nos são lançadas) enviadas em nossa direção, protegendo-nos da invasão das linguagens e colocando-nos em redomas de silêncios, insensíveis às emanações do outro, vislumbrando e ouvindo apenas a nós mesmos.
Apenas em alguns momentos este filtro
impermeável se rompe. Segundo Buber (ibidem:43-44), “são apenas instantes que atravessam a
couraça e que incitam a alma à receptividade (...) As ondas
do éter vibram sempre, mas, na maioria das vezes, estamos com os nossos
receptores desligados”. Os eventos do mundo, as coisas que
acontecem, são palavras dirigidas aos homens, que podem, ou não, estar
disponíveis ao diálogo, que só acontece (genuinamente) quando envolve pessoas
receptivas, precisando restabelecer a reciprocidade da ação interior. Assim,
para o experimento alcançar e sentido de diálogo pretendido, era necessário que
as couraças fossem evitadas, que os filtros impermeáveis fossem rompidos e que
os receptores estivessem ligados, para o diálogo acontecer.
Desejando firmar com os meninos e meninas uma aliança que permitisse o diálogo, era preciso viabilizar uma ausência de reservas, que possibilitasse uma reciprocidade interior de todos, numa relação de parceria, com o respeito total à condição de sujeito dos envolvidos. “É este o fator decisivo: o não-ser-objeto” (ibidem:137-138). A primeira questão, então, era a natureza da relação estabelecida com os participantes, a condição de parceria, que se associava à manutenção da alteridade irrestrita dos envolvidos e suas experiências subjetivas. No diálogo verdadeiro, “cada um dos participantes tem de fato em mente o outro ou os outros na sua presença e no seu modo de ser e a eles se volta, com a intenção de estabelecer entre eles e si próprio uma reciprocidade viva” (ibidem:53-54).
“O principal pressuposto para o surgimento de uma conversação genuína é que cada um veja seu parceiro como este homem, como precisamente este homem é. Eu tomo conhecimento íntimo dele, tomo conhecimento íntimo do fato que ele é outro, essencialmente outro do que eu e essencialmente outro do que eu desta maneira determinada, única, que lhe é própria” (ibidem:146).
O autêntico diálogo é marcado, segundo Buber, por uma ausência de reserva e, apesar de hoje em dia ter se tornado raro, leva em si o testemunho da perpetuação do espírito humano. Foi preciso, assim, estabelecer mecanismos de percepção que se pautassem por princípios dialógicos, evitando a transformação do outro em algo a ser observado, buscando manter o respeito à alteridade. Os meninos e meninas participantes haviam experimentado realidades difíceis e até mesmo violentadoras, ao longo de suas vidas. Muitos dos adultos com quem tiveram contato foram exemplos de deslealdade, não sendo merecedores de confiança, representando, muitas vezes, “aquele campo aberto que se chama em primeiro lugar de egoísmo individual, depois de egoísmo coletivo e, finalmente, por seu verdadeiro nome, que é desespero” (ibidem: 89). Trazer o diálogo para o plano da vida cotidiana, dos acontecimentos diários, foi uma estratégia de aproximação que poderia romper com as couraças possíveis, sendo necessário, assim, transformar o diálogo em uma experiência a ser vivida.
Propor o diálogo como uma experiência concreta de resposta à vida, inseria como fundamento também os pressupostos de Austin (1990), em sua teoria dos atos de fala, quando afirma que falar é fazer, isto é, que nossos atos de fala não são apenas locuções: são atos de fala que estão situados num determinado contexto e não terminam em si, têm conseqüências. Assim, os atos de fala, sendo em si mesmo uma ação significativa, influenciam a ação dos outros, tendo decorrências: a palavra cria situações que não existiam, o discurso modifica as relações e a linguagem cria uma materialidade para nossa referência. Isto ampliou o sentido do experimento, passando a poder significar para os envolvidos um marco, um acontecimento.
Neste momento é que a escolha da linguagem a
ser utilizada no experimento foi de grande importância: a fotografia não é o
mero resultado do encontro entre evento e fotógrafo; tirar fotografias é, em si
mesmo, um acontecimento, com direitos cada vez mais líquidos e certos de
interferir,
invadir
ou ignorar
tudo que estiver ocorrendo ao redor (cf. Sontag, 1981). Ao ensinar-nos um novo
código visual, a fotografia transforma e amplia nossas noções sobre o que vale
a pena olhar e o que efetivamente podemos observar, constituindo-se,
assim, em uma gramática e, sobretudo, em uma ética do ver. Para Sontag
(ibidem:4), “fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. É envolver-se numa certa
relação com o mundo que se assemelha com o conhecimento e por conseguinte com o
poder”. A fotografia aparentemente não constitui depoimento sobre o
mundo, mas fragmento desse, miniatura de uma realidade que todos podemos construir
ou adquirir.
A fotografia pode ser considerada uma transparência
seletiva. Mesmo que, em
certo sentido, a câmera efetivamente capte a realidade e faça mais do que
interpretá-la, a fotografia constitui uma interpretação do mundo. A
fotografia não é um olhar inocente e o aparato tecnológico nunca assegura a
suposta objetividade, isenção ou neutralidade que possa parecer: embora se
preocupe a fundo em espelhar a realidade, o fotógrafo se vê perseguido por tácitas
imposições de gosto e consciência. A aparente passividade da fotografia é, em
essência, a “mensagem” fotográfica, o que Sontag chama de “seu conteúdo de agressividade”
(ibidem:7).
Assim, garantindo a expressão de cada
sujeito inserido em sua comunidade e dando-se condições para o livre exercício
de olhar, a presentificação de cada eu
participante estaria viabilizada. Além do mais, a atração que a fotografia
exerce sobre todos, maior entre crianças e adolescentes, poderia ser um recurso
adicional para romper as couraças, os filtros impermeáveis de que nos fala
Buber, proporcionando a tomada de conhecimento íntimo entre sujeitos e a
mobilização interior: a ação de fotografar mobiliza o fotógrafo como um todo.
A linguagem fotográfica também trazia para o experimento a questão da realidade e suas formas de representação/reconstrução, a partir da ruptura com o plano das coisas apenas acontecidas. O que se fotografa não é o mundo em si, mas fragmentos do mundo, selecionados e enquadrados por um olhar particular, subjetivo e único: a fotografia envolve sempre um processo criativo de leitura das coisas que nos cercam, havendo um corte com a existência em si. Esta ruptura se associa ao ato, à ação de tirar fotos. O sentido das coisas passa a estar ligado a um olhar que o fotógrafo oferece ao que escolhe registrar. Encontramos também em Buber (1982:71-72) reflexão sobre estes momentos de ruptura e o que eles significam na inserção do homem no cotidiano e nos significados:
“O
que me interessa é (...) a ruptura que liberta do estado de adversidade
impassível, de contrariedade e absurdo, onde vive o homem que eu destaco ao
acaso do tumulto, onde ele vive e com o qual ele pode romper e, às vezes,
rompe. Para onde? Para nada de sublime, de heróico, de sagrado, para nenhum
dilema, apenas para este pequeno rigor e esta pequena graça cotidianos, em que
chego a me relacionar precisamente com esta mesma ‘realidade’, cujo dever e
serviço me prendem de tal maneira que a experencio, olhar por olhar, sinal por
sinal, palavra por palavra, como ela oferecendo-se a mim e eu oferecendo-me a
ela, sendo uma palavra dirigida a mim e eu, uma palavra dirigida a ela”.
O experimento, criando uma situação inusitada para os meninos, destacando-os dos “tumultos” da vida, sendo em si um rompimento simbólico que os inseria justamente na “pequena graça cotidiana”, estabelecendo vínculos dialógicos com a realidade que se oferece, construindo sentidos neste diálogo que ocorreria entre cada um e as coisas oferecidas ao olhar. A fotografia é uma linguagem perfeitamente adequada à proposta:
“Se existe na fotografia uma força viva irresistível (...) é bem isso: com a fotografia, não nos é mais possível pensar a imagem fora do ato que a faz ser. A foto não é apenas uma imagem (...), é também, em primeiro lugar, um verdadeiro ato icônico, uma imagem, se quisermos, mas em trabalho, algo que não se pode conceber fora de suas circunstâncias, fora do jogo que as anima sem comprová-la literalmente: algo que é, portanto, ao mesmo tempo e consubstancialmente, uma imagem-ato, estando compreendido que esse ‘ato’ não se limita trivialmente apenas ao gesto da produção propriamente dita da imagem (o gesto da ‘tomada’), mas inclui também o ato de sua recepção e de sua contemplação.” (Dubois, 1994:15).
A fotografia insere, necessariamente, o fotógrafo no ato de fotografar, transformando-o em produtor. O experimento, assim, significou também um momento extra de “ensimesmamento” para as crianças e adolescentes, retirando-os de suas circunstâncias imediatas e colocando-os em um ato de produção de algo que, sendo supérfluo, pode significar bem-estar, e, conseqüentemente, uma necessidade humana prioritária. Para Ortega y Gasset (1963:19), “desde o princípio o conceito de ‘necessidade humana’ inclui indiferentemente o objetivamente necessário e o supérfluo”. Às vezes, quando se pensa sobre as necessidades dos que vivenciaram muitas situações de carência, sem acesso a condições dignas de existência, há o equívoco de atribuir-lhes necessidades meramente associadas à sobrevivência, como o alimento ou o abrigo, deixando de fora o que é considerado supérfluo, mas que se configura como fundamental ao homem: para Ortega y Gasset, “O homem não tem empenho algum por estar no mundo. No que tem empenho é em estar bem. (...) Portanto, para o homem somente é necessário o objetivamente supérfluo.” (ibidem:21).
A própria produção das fotos assumia uma dimensão contemplativa que elevava o produtor à imediata e concomitante posição de receptor do ato de fotografar, independente das imagens resultantes do processo.
A fase inicial do experimento (ligada à
produção das fotos) teve momentos distintos. Foi preciso organizar um
treinamento em linguagem, uma oficina de fotografia, já que muitos meninos
nunca haviam tocado numa câmera e precisavam ter possibilidades reais de êxito
com as fotografias, pois o resultado implicaria também em auto-estima. Noções
básicas de operacionalização foram trabalhadas previamente, com a ajuda de um
fotógrafo (como segurar a câmera, enquadrar, disparar, observar a iluminação,
abrir e fechar a lente, etc.). Depois disto, cada menino fotógrafo recebeu uma
câmera por alguns dias, escolhendo durante este período o que fotografar,
sabendo, de antemão, a quantidade de exposições que estaria à sua disposição
para poder planejar, individualmente e com antecedência, onde e em que gostaria
de utilizar cada foto.
Também foram dadas condições aos
fotógrafos de perambularem por seu ambiente, escolhendo livremente o que
registrar, criando trajetórias individuais de apreensão da realidade, com a
câmera fotográfica em mãos. Portanto, o experimento se efetuou, nas etapas
individuais, utilizando os instantes de ócio de cada um, quando estavam
senhores do seu tempo: o fim-de-semana tornou-se a melhor opção e a liberdade
de caminhar sem rumo certo apontava para uma ampliação dos repertórios de
escolha.
Certeau considera que caminhar pela
cidade é uma apreensão subjetiva do espaço urbano, pois “os jogos dos passos moldam espaços.
Tecem os lugares” (Certeau, 1996:176). Neste sentido, a escolha do
itinerário, a seleção de caminhos, o livre vaguear são construções individuais
que criam sentidos utilizando um “língua” espacial. O deslocamento do
caminhante (apesar de não ter receptáculo físico, sendo uma espécie de desenho
virtual inventado por cada um sobre os lugares), ao eleger um determinado
percurso - e não outro paradigmaticamente disponível - constrói um sistema que presentifica
a cidade, trazendo-a para o plano do aqui e do agora,
que são, em última análise, as instâncias definidoras das falas em primeira
pessoa. Em outras palavras, caminhando pela cidade, cada eu presentifica
espaço e tempo, construindo um discurso espacial subjetivo: “O ato de
caminhar está para o sistema urbano como a enunciação (o speech act) está para
a língua ou para os enunciados proferidos” (ibidem:177). As
fotografias, sendo pedaços de espaço e tempo, são espécies de testemunhas
destas enunciações subjetivas, revelando também intersubjetividades.
Assim, os participantes do experimento, estando com suas câmeras nas mãos, puderam circular livremente pela cidade no final de semana, indo e vindo, variando os percursos conforme desejassem, deixando alguns lugares em inércia, desaparecidos tanto de seu caminhar quanto de suas fotos. Estes momentos puderam significar para os fotógrafos a oportunidade de perceber a vida de outra maneira como confirma a fala de uma das meninas:
“Ah, pra escolher do que tirar retrato, a gente andou bastante (...). Então a gente viu que a vida da gente não tem só momento bom. Porque tem muita gente que passa por problemas muitos difíceis na vida. Então foi através da fotografia que eu vi que não é só eu, não só minhas irmãs e minha família que tem problema. Todo mundo tem problema, pouco, mas tem. E eu vi isso pela fotografia. Por isso que eu achei que é um trabalho legal, também, pra gente trabalhar.”
O experimento já contava com definições prévias, estabelecidas na elaboração do projeto. Uma delas referia-se ao número de participantes. Para traçar este limite, foi preciso considerar fatores de ordens diversas. Uma questão metodológica impunha definir quantas fotos cada participante poderia tirar. Levando em conta a média de aproveitamento de fotos em trabalhos fotográficos (1 foto aproveitada em cada 3 batidas), ficou decidido que seria disponibilizado um filme de 36 exposições para cada participante, garantindo assim uma possibilidade maior de expressão. O fato de muitos nunca terem tido nenhum contato anterior com a linguagem fotográfica levava à previsão de uma eventual perda de material por uso inadequado (ainda que utilizássemos câmeras de fácil manejo), necessitando uma margem de segurança na quantidade de filmes. A dimensão etnográfica e antropológica da proposta conduzia a uma análise de natureza mais qualitativa do material fotográfico produzido durante o experimento, que constituía o corpus da pesquisa. Até mesmo a opção por utilizar também procedimentos analíticos quantitativos (tratamento estatístico dos dados) carecia de observações prévias de caráter qualitativo. Assim, um número excessivo de fotografias poderia ser uma dificuldade metodológica adicional, o que parecia sensato evitar.
Por outro lado, não conseguimos recursos
externos para a viabilização do experimento, o que implicou também num limite
de ordem prática, pois os recursos eram poucos, e, aos gastos rotineiros de
pesquisa somavam-se os da linguagem fotográfica (filmes, câmeras, serviços de
revelação e ampliação). Só foi possível adquirir 4 câmeras fotográficas, de
fácil manejo e boa qualidade técnica. A quantidade de câmeras existentes
inseria no planejamento uma esfera temporal, acarretando a utilização das
máquinas em sistema de rodízio, com 4 fotógrafos por vez (por fim-de-semana).
Estas perspectivas, somadas aos fatores metodológicos, levaram à definição do
número de 21 participantes no experimento.
Levando em conta que o sujeito constrói
significados a partir de sua bagagem pessoal (repertório pessoal, memória, partilhas
lingüísticas, sentimentos, imaginações) e de sua bagagem comunitária (valores e
referências culturais das comunidades interpretativas a que pertence) e que os
meninos e meninas do Conquista Criança vivenciaram diferentes sociabilidades
antes de ingressarem no Programa, a escolha dos participantes levou em conta
esta variedade de situações, garantindo a diversidade das experiências dos
sujeitos envolvidos. Este foi o primeiro critério de escolha e o segundo foi a adesão à proposta do projeto, pois só poderia participar
quem, de fato, desejasse. A seleção dos participantes se deu com a ajuda da
equipe técnica do Programa, que conhecia as histórias de vida dos meninos.
Contamos com a ajuda de Orlando J. R. de Oliveira, arquiteto e fotógrafo, no planejamento da Oficina de Fotografia, ministrada por ele. Selecionamos alguns livros e revistas de fotografias para mostrar. As informações de ordem técnica incluíam desde o ato de abrir a lente a como guardar a câmara após o uso e as recomendações sobre o uso da iluminação (flash, estar de costas para o sol, etc.) foram dadas a partir de noções sobre a importância da luz no processo de impressão da imagem, de forma a permitir-lhes um entendimento maior sobre a linguagem fotográfica.
Para definir a escala de saída com as câmeras, optamos por um sorteio, como uma maneira justa que evitaria ciúmes. Sorteamos a ordem das saídas e não as datas, pois os recursos disponíveis para filmes e revelações eram poucos, o que tornava necessário alguns intervalos que permitissem entrada de salário. Após a revelação de cada filme, a catalogação e a organização das fotografias, marcamos horário com o fotógrafo para que pudesse ver o resultado. Nesta ocasião gravamos a conversa e os comentários sobre os acontecimentos que envolveram as saídas individuais. Cada fotógrafo escolheu as fotos que gostariam de guardar para si, copiadas posteriormente.
Ao longo das saídas individuais, aconteceram fatos surpreendentes, inclusive quanto à relação dos fotógrafos com o equipamento. Inicialmente chamava a atenção a seriedade com que cada um recebia a câmera, a segurava, checando na memória as orientações dadas na oficina, tirando dúvidas remanescentes, ainda mais que muitos só puderam fotografar meses após as aulas iniciais. Alguns fotógrafos, ao receberem as câmeras, já tinham feito planejamentos individuais do que iriam fotografar e até mesmo convidado amigos para os acompanharem nas saídas de fim-de-semana. Outros expressaram também o receio de serem importunados na rua com as máquinas ou mesmo roubados, o que interferiu inclusive no que (ou quem) selecionaram para fotografar:
“Eu não tirei [fotos] dos meus colegas, porque podia ter um que podia pegar a máquina e querer tomar... Os grandes podia querer tomar... Por isso, né? Que a vontade eu tenho, né, véio, de tirar foto deles, só que eles... eles vai tirar, eu não vou dar... eles vai ficar com raiva... Depois os mais grande vai lá e vai querer tomar da gente” (adolescente em situação de rua).
Um dos meninos (a despeito de todas as
explicações dadas acerca do funcionamento da câmera, com detalhes sobre a
película do negativo onde a luz gravava a imagem, o diafragma que abria e
fechava deixando a luz entrar, o processo revelação), após ter batido quase
todas as fotos, resolveu abrir a máquina e tirar o filme, acreditando encontrar
lá dento as fotos, ansioso para ver o resultado. Como não encontrou nenhuma
fotografia, abriu também o invólucro do negativo, demonstrando, de certa
maneira, uma percepção mágica do processo.
No entanto, situações semelhantes, que tornaram necessário viabilizar para o fotógrafo um novo filme e outra saída de fim-de-semana, aconteceram numa proporção menor do que inicialmente imaginamos. Em alguns casos, o material fotográfico era inutilizado pela ação de outros (amigos ou familiares), gerando no fotógrafo um sentimento de raiva, ou “revolta”, como disse um dos meninos:
“Eu achei bom fotografar,
mas...Eu fiquei um pouco revoltado, por causa do meu irmão. Foi assim... Eu
peguei e tirei a máquina da mochila, porque eu deixei no fundo e aí, pra não
machucar... Aí meu irmão pediu pra ver e eu emprestei. Ele falou que já sabia
mexer com isso...Altas idéias... Depois abriu a máquina, eu tomei logo da mão
dele e fechei, mas, no meu pensamento foi como se já tivesse queimado tudo”.
Alguns fotógrafos conferiram ao experimento um caráter profissionalizante que não tínhamos sequer imaginado, demonstrando, nas entrevistas, terem pensado na possibilidade de virem a seguir a carreira de fotógrafos futuramente, o que foi uma surpresa.
“Ah, eu adorei, porque pode ser que com
mais tempo, depois que eu sair daqui do Programa, (...) se eu achar que minha
profissão não é seguir a carreira de atriz, com a profissão de teatro, mas pode
ser com a profissão de fotografia. Eu adorei... Por isso achei que é um
trabalho legal, também, pra gente trabalhar”.
“Eu gostei de tirar retrato porque a gente aprende a profissão”.
O fascínio pela linguagem fotográfica esteve presente em todo o experimento, e continuou após seu término. Muitos já solicitaram empréstimo das câmeras para usarem em outros acontecimentos de suas vidas, como viagens, participação de torneios, festas familiares etc. Atualmente estamos em processo de leitura e análise das 679 fotografias resultantes do experimento e em fase final de elaboração de dissertação.
“E a fotografia pode, então, evidenciar formas de comportamento e de relações sociais geralmente banalizadas pela vida cotidiana, e com isso dar pistas seguras para a compreensão daquilo que se encontra guardado no mais impenetrável dos materiais, o ser humano.” (Guran, 1998: 90).
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Notas:
(1) Mestre em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília/UNB, Especialista em
Leitura: Teoria e Prática; Professora de Cultura Brasileira do Departamento de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia/UESB. Foi presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CMDCA) do Município de Vitória da Conquista, participando da
elaboração e da implementação do Progama Conquista Criança e Rede de Atenção e
Defesa da Criança e do Adolescente.
(2) Cf. BARTHOLO
JR., 1986.
(3) Considera-se desenvolvimento sustentável como aquele capaz de “garantir
que ele atenda as necessidades humanas do presente sem comprometer a capacidade
das gerações futuras atenderem também às suas” (NOSSO FUTURO COMUM, 1988: 9).
(4) Cf. SANTOS, B., 1999: 333.
(5) BUARQUE (1995:43)
afirma que: “Se a constatação da tragédia social do final do século chocaria os
habitantes do início do século, eles ficariam ainda mais chocados se
percebessem a brutalidade com que a tragédia foi banalizada, e em conseqüência
tolerada, pelos homens de hoje”.
(6) Com população de 262.585 habitantes e taxa de crescimento anual de 2,05%(IBGE 2000) é a 3ª maior cidade da Bahia, polarizando mais de 80 municípios, numa área de influência que abrange o norte de Minas Gerais.
(7) Antiga denominação da região.
(8) Cf. MEDEIROS, 1996: 94.
(9) Como, por exemplo, a BR 116, a BR 415, a BA 262 e a BA 265, dentre outras.
(10) Uma coligação composta, em 1996, pelos seguintes partidos PT, PCdoB, PSB, PV, PAN, PDT e PSDB.
(11) Após quatro anos de governo, esta gestão, autodenominada “Governo Participativo”, foi re-eleita com 60,8% dos votos nas eleições municipais de 2000, com a seguinte coligação partidária: PT, PcdoB, PV, PAN e PSB.
(12) Recebeu prêmios nacionais como o Prêmio Prefeito Criança 99 (da Fundação Abrinq pelos Direitos das Crianças), o Prêmio Gestão Pública e Cidadania 1999 (da Fundação Ford e Fundação Getúlio Vargas), o Prêmio Saúde Brasil (do Ministério da Saúde), o Prêmio Município Amigo da Criança (do CONASEMS e do UNICEF), o Prêmio Experiências Municipais Exitosas (do CONASEMS) e o CONIP - Excelência em Informática Pública, dentre outros.
(13) A ética da
responsabilidade, na perspectiva de H. Jonas, encontra no recém-nascido a sua
expressão arquetípica. Cf. BARTHOLO
JR., 1986: 113.
(14) Tais como: o
Conselho Tutelar, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente/CMDCA (que, em 1997, apesar de estar implantado em Conquista,
funcionava precariamente) e o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente, para aporte de recursos destinados às ações planejadas pelo CMDCA.
(15) Levantamentos feitos em 1997, com uma amostragem de
139 crianças e adolescentes encontrados nas ruas, apontavam 16% dormindo nas
ruas, 64% fora da rede escolar, 63% menores de 13 anos e 61%
exercendo atividades de trabalho nas ruas. A situação de risco social e pessoal
das crianças e adolescentes que dormiam nas ruas era agravada com exposição ao
uso de drogas, à prostituição e outras situações de risco.
(16) A Rede de Atenção e Defesa da Criança e
do Adolescente reúne 8 ONGS que atuam junto a crianças e adolescentes em
situação de risco, os dois conselhos e o Conquista Criança, alcançando cerca de
800 crianças.
(17) A Rede implantou uma Oficina de Informática,
parceria com a Fundação Telefônica, permitindo aos meninos destas entidades o
acesso a bens simbólicos antes inacessíveis. Também firmou convênio com o
BNDES, captando recursos (no montante de R$ 1.800.000,00) para a construção de
espaços apropriados ao desenvolvimento das ações, reformas e adequações de
imóveis, compra de equipamentos e instalação de oficinas, treinamento e
capacitação de pessoal, dentre outras coisas.
(18) Texto do documento inicial do Programa Conquista Criança, 1997.
(19) Cf. BARTHOLO JR. e H. JONAS, página 6 do Capítulo 1 Introdução.
(20) ESCOREL (1999:110) afirma que: “Os chefes de família que não conseguem prover os seus dependentes experimentam um questionamento de sua autoridade familiar e legitimidade social, daí advindo uma auto-imagem negativa”.
(21) Cf. CASSIRER, 1997.
(22)
Mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília / UNB.