DEMOCRACIA E DIREITO À EDUCAÇÃO

 

 

Professora Célia Linhares[1]

 

 

Numa época de espetáculos, em que o Império estadunidense esmaga as instituições internacionais, para concretizar uma violência contra outra violência e, ao fazê-lo, exibe o seu poder de fogo, forjando uma estética de amedrontamento e terror capaz de se espalhar pelo mundo a fora, é tempo de buscarmos reconhecer não só o desafio espantoso que vivemos, mas sobretudo, os instrumentos que dispomos para construirmos uma cultura de respeito, direito e paz.

 

Em primeiro lugar, não é desprezível considerar que, aproximadamente, 70% da população mundial discordou desta campanha bélica, mostrando que uma tecnologia de comunicação, mesmo avançada, está limitada por uma ética de afirmação da vida, perpassando afetos, valores, saberes e conhecimentos sociais.

 

Testemunhamos a virulência de uma metáfora belicista que nos acompanha – como um modelo prevalente de expansão de domínios – desde épocas remotas contra a possibilidade de usarmos as palavras, as diferentes formas de comunicação e de entendimento para resolvermos nossos conflitos e embates.

 

Se, para alguns a realização da guerra contra o Iraque demonstra que a força é mais eficaz do que a política, para nós ela é um sinal de que os dois campos: o das armas e o das comunicações, onde situamos a educação, estão num processo acirrado de confronto, mesmo quando as fronteiras entre eles são tensas e sem uma possibilidade de separação radical.

 

O bloco das armas derrama fogo, imagens destruidoras, convida para o prazer do extermínio – mesmo nos jogos infantis - e a esfera da comunicação investe numa empatia entre os humanos, que lhe permite desenvolver uma responsabilidade em defesa da vida, traduzindo-as em ações coletivas e organizadas consensualmente, sob o influxo de dissensos negociados.

 

È impossível prever qual dos dois “modus vivendi prevalecerá sobre o outro, mas estamos convencidos de que a vida é incompatível com a racionalidade bélica, que vem crescendo, e de modo progressivo, pelo controle cultural, tecnológico, científico, industrial  e econômico. Sabendo que esta opção entre a violência da força e o poder da educação não irá se resolver distanciada de nossa experiência cotidiana, precisamos, urgentemente, interligar nossas ações, reforçando o campo educacional.

 

Se todos os que acreditam no futuro e investem para que ele aconteça, instituindo outras formas de cultura mais solidárias e justas, impregnarem suas ações com expressões de respeito aos outros, mesmo sob fortes discordâncias, alguns passos decisivos estarão sendo dados.

 

E não estamos falando como uma prognose do que deve ser. Não se trata de um apelo abstrato. Pelo contrário, alegra-nos constatar que em muitos campos profissionais, em múltiplos espaços institucionalizados vão irrompendo organizações que se voltam para fazer da educação e da educação escolar um direito exercido segundo as necessidades, urgências e projetos das populações a que se destinam.

 

Hoje queremos homenagear o Ministério Público do Estado do Maranhão que vem exemplificando uma atuação fecunda, promovendo e socializando um debate sobre a educação e a educação escolar. Esta equipe constituída pelas Procuradoras de Justiça Eliza Neves dos Santos, Márcia Maia e Sandra Soares de Pontes e de jornalistas como Marcelo Amorim, o economista Valdemir Barros, a psicóloga Mary Adler e a advogada Eliza, vem procedendo com autonomia profissional, marcada por signos instituintes.

 

Se é algo tão vital instituir formas de vida e convivência, rompendo com a reprodução de hierarquias rígidas para tornar mais includente os circuitos dos direitos, importa distinguir como elas transcendem uma retórica tão retumbante quanto desgastada. O que me autoriza a definir como instituinte esta iniciativa do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (CEOP/IJ) é, em primeiro lugar, a opção por recusar atitudes voluntaristas e onipotentes. O CEOP/IJ não se isola em observatórios de intelectuais, nem se outorga a função de inspetores da sociedade. Pelo contrário, assume sua responsabilidade, procurando realizá-la o mais compartilhadamente possível. Daí uma estreita articulação com organizações como a Unicef e a Undime – Maranhão e com outros organismos voltados ao fortalecimento dos processos educativos, como um dos braços de uma democracia radical que não desconhece as exigências dos direitos, desde os econômicos e os financeiros até os culturais, afetivos e simbólicos. Mas, não são esses exclusivos. O CAOP/IJ alimenta uma rede de interlocutores e colaboradores que organizam e participam de suas atividades, com as quais ele busca equacionar o tempo da Infância e da Juventude maranhense com um percurso de desenvolvimento e participação em saberes e fazeres que os constitua existencial e politicamente.

 

Em segundo lugar, o CEOP/IJ busca tirar o debate educacional do corredor estreito ao qual foi lançado pelos burocratismos e tecnicismos que tentaram  engessá-lo num tipo de pensamento único, asfixiador das divergências e pluralidades. Neste sentido, os debates promovidos pelo CEOP/IJ exemplificam, e de forma magistral, relações nacionais – com rigorosas análises internacionais entrelaçando-se e tencionando-se em embates locais. Debatedores de diferentes instituições, e com uma diversidade de problemáticas considerável, voltaram-se para refletir e intervir na complexidade da educação escolar maranhense. Esta pluralidade não se restringiu aos que apresentaram discussões. O Programa de Teleconferências foi concebido com uma metodologia aberta: a das entrevistas semi-estruturadas que se foram concretizando como um convite aos tele- espectadores que nos mais diferentes pontos do Estado do Maranhão se reuniram para assistir, discutir e participar das discussões. Mas, a metodologia adotada ainda merece um destaque por não se limitar a uma única linguagem. A linguagem televisiva se conjugou com uma oralidade e com uma expressão escrita, uma vez que o CEOP/IJ organizou e distribuiu um Manual das Teleconferências, com artigos de todos os convidados.

 

Resta-nos, a todos os que acreditamos que o valor da palavra e da educação é um penhor diário com que modelamos a democracia e investimos no futuro de nossa sociedade, agradecer a abertura de um espaço público em que debatemos a educação, desejando que outros campos de atuação multipliquem experiências que revigorem o campo da política, da educação, do diálogo, da palavra e do direito, para que a tirania, a guerra e a violência possam ser minimizadas numa cultura de paz que juntos vamos gestando.

 

 

NOTA SOBRE O AUTOR:

 

[1] Doutora em Educação, com pós-doutorado na University of London e Universidad Complutense de Madrid. Titular de Política da Educação da Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora do CNPq.