MENOR. OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM CUSTEAR
TRATAMENTO MÉDICO. TRANSPLANTE DE MEDULA.
O art. 227 da Constituição
Federal obriga o Poder Público a assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, etc. O art. 4°• e art. 11 no
seu parágrafo segundo do ECA, estabelecem mesmo dever, assegurado atendimento
médico à criança e ao adolescente, incumbindo ao Poder Público fornecer
gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros
recursos para tratamento, habilitação ou reabilitação. Assim, deve ser mantida
a sentença que condena o Estado a custear a importação da medula óssea a ser
transplantada na menor, bem como as demais despesas atinentes. Por maioria,
confirmaram a sentença em reexame necessário, vencido o Relator que anulava o
processo. TJRS. REEXAME
NECESSÁRIO Nº 596035428 - OITAVA CÂMARA CÍVEL – ESTRELA. RELATOR
ELISEU GOMES TORRES, 06/08/96.
REEXAME NECESSÁRIO Nº 596035428 - OITAVA CÂMARA CÍVEL -
ESTRELA
APRESENTANTE: EXMO. SR. DR. JUIZ
DE DIREITO DA COMARCA DE ESTRELA
AUTOR : MINISTÉRIO
PÚBLICO
ACÓRDÃO
A Oitava Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por maioria, acorda confirmar a
sentença, em reexame necessário, vencido o Relator, que anulava o processo.
Custas ex lege
Participou do julgamento, além dos
signatários, o Exmo Sr. Des. Sérgio Gischkow Pereira.
Porto Alegre. 06 de agosto de 1996.
DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA,
Presidente/Relator/Voto Vencido.
DES. ELISEU GOMES TORRES,
Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
Tratam os presentes autos de uma ação
civil pública intentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra o ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL em favor de S.G., menor nascida em 14 de fevereiro de 1986, portadora de
patologia denominada “Síndrome de Franconi”, doença congênita que provoca
anemia, hemorragias freqüentes e resistência diminuída às infecções.
Visa a medida a compelir o Estado-réu
a suportar os encargos decorrentes do transplante de medula óssea - única forma de salvar a vida da menor
- , bem assim arcar com os remédios,
transporte para duas pessoas e as despesas hospitalares decorrentes do
transplante. Pede, ainda, a fixação de multa diária em 500 (quinhentos)
salários mínimos.
O Estado, em extensa contestação, aduz
preferencialmente ser o órgão agente carecedor de ação, pois ultilizou-se de
ação civil pública para tutelar direitos individuais, fundamentando o pleito em
matéria constitucional não regulamentada por ordinária.
Assim, não resta outra Sorte à ação,
do que a extinção do feito, sem julgamento do mérito, forte no artigo 167,
inciso VI e artigo 329, ambos do Código de Processo Civil.
No mérito, argumenta o Estado que a
saúde é um direito de todos, não restringindo o beneficio a um indivíduo
somente, em detrimento a toda a coletividade. O caso dos autos é excepcional, e
violaria literalmente o princípio constitucional da isonomia de tratamento dos
cidadãos.
Entende ainda o contestante que não
poderia haver intervenção do Judiciário no Executivo, no sentido de ser
constrangido a suportar os pedidos da peça vestibular, sob pena de comprometer
o atendimento da saúde a nível nacional.
Diz ainda o Estado-réu que restaram
inúmeras indagações a respeito da necessidade de dita cirurgia, dos meios de
realização e do valor exato, a ser dispendido com a cirurgia.
Por fim, refuta a pretensão inicial,
correspondente a multa, que não poderá ser suportada pelo erário público
estadual.
O feito teve regular tramitação,
sobrevindo sentença que o julgou procedente, excluindo-se a multa, tão-somente.
Subiram os autos a este Tribunal, em
virtude do recurso de oficio, manifestado pelo julgador singular.
Com vista à Procuradoria Geral da Justiça,
emitiu parecer o Dr. Procurador no sentido de ser confirmada a sentença.
É o relatório.
VOTO
Embora entre as obrigações do Estado
esteja a de assegurar a saúde de sua população, não é o culpado pela doença
genética que acometeu a pequena S.D.G.
A sentença, em sua essência, condenou
o Estado do Rio Grande do Sul a importar uma medula que ainda não foi
encontrada, em uma pesquisa internacional.
Sirvo-me da informação, via
telefônica, do Dr. Sérgio Roitmann, médico do corpo) clínico do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre responsável pelo centro de transplante de medula óssea
daquele hospital, no sentido de que no Hemocentro de São Paulo existe um
cadastro de possíveis doadores, facilmente localizáveis, através da
informática, que dentro de um período bastante breve de tempo, um ou dois dias,
poderá localizar uma medula compatível. Se não localizada a medula compatível
se fará a pesquisa no exterior, Estados Unidos, Países mais desenvolvidos da
Europa e Israel, que possuem registros internacionais de doadores voluntários à
disposição de todos.
No Estado do Paraná, para onde foi
encaminhada a menor S.D.G., não existe cadastro de doadores, e que somente está
se iniciando sob o patrocínio da Universidade de São Paulo, em’ ora o Dr.
Ricardo Pasquini, responsável pelo centro de transplante de medula óssea do
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná seja a maior autoridade
no assunto, em nosso País. Tudo segundo informações prestadas pelo Dr. Sérgio
Roitmann.
O Dr. Sérgio Roitmann ponderou que
efetivamente o tratamento adequado para o quadro clínico que apresenta a menor
S.D.G., afetada pela doença chamada “Anemia de Franconi”, é o transplante de
medula óssea, que inicialmente deve ser pesquisado entre os membros da família
, já descartados nos termos da declaração da filo, depois passa-se para uma
pesquisa a nível nacional, através dos cadastro existentes no Hemocentro de São
Paulo, para finalmente se buscar auxílio no exterior, cujos dados estão à
disposição de todos os Países do mundo, com pacientes necessitados de
transplante de medula óssea.
O risco de vida a que está sujeita a
menor S.D.G., quando acontecer a primeira menstruação, denominada menarca, é o
mesmo de todos aqueles pacientes que necessitam serem transplantados, enquanto
esperam um doador, o acidente pode acontecer.
O processo prenhe de citações
jurisprudências e doutrinárias, tanto de parte do Ministério Público como do
Estado do Rio Grande do Sul, não traz nenhuma informação a respeito da medula a
ser importada, nem sequer menciona o País de onde seria importada a medula
óssea, talvez dos Estados Unidos, nos termos da informação das lis. 90 e 94, ao
custo aproximado de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) ou R$ 60.000,00
(sessenta mil reais), mas não refere se a medula foi encontrada, nos registros
internacionais (Estados Unidos da América, Europa e Israel).
Sem um dado concreto de custos e de
pesquisa, não só nos Estados Unidos mas em outros centros internacionais, não é
possível substituir e condenação do Estado, só que tendo em vista o risco de
vida da menor S.D.G., em reexame necessário, entendo de cessar a sentença e
anular o processo a partir da audiência, cujo termo demora à fl. 98 a fim de
que o juiz processante melhor instrua os autos, com provas concretas de que no Brasil
não existam doadores compatíveis no Centro apontados na informação fl. 20, até
mesmo dirigindo-se ao Hospital de Clínicas, ao Dr. Sérgio Roitmann, responsável
pelo transplante de medula óssea neste nosocômio, já que o Sistema Único da
Saúde hoje suspendeu todos os tratamentos médicos no exterior, resta saber se
arcará com os custos de uma importação de medula, o que não está informado no
processo.
A Portaria n0. 1.236, de 14
de outubro de 1993, está revogada, cuja cópia demora à fl. 19, nos termos da informação
da li. 18.
Em reexame necessário, provejo o
recurso, para anular o processo a partir da li. 98, inclusive.
DES. ELISEU GOMES TORRES - RELATOR
PARA O ACÓRDÃO
Sr. Presidente, pedindo a máxima vênia,
nego provimento ao reexame necessário, divergindo de V. Ex.a. no sentido da
anulação do processo, uma vez que entendo que ele é hígido e deve ser mantido
íntegro, porquanto há um risco grave de que essa menor possa vir a morrer por
ocasião da primeira menstruação.
Atualmente, essa menor tem 10 anos
completos , e se não for feito o transplante antes da menarca, poderá sobrevir
uma hemorragia modal.
Então, atendendo a este fato e à
circunstância muito bem colocada pelo Ministério Público, autor da ação civil
pública, vislumbro a incidência do art. 227 da Constituição Federal, que obriga
o Poder Público, o Estado como um todo, a assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito-à-vida, à saúde , à alimentação, à educação,
ao lazer etc. No caso específico, o direito à vida.
Ainda, o art. 4°. do Estado da Criança
e do Adolescente diz que é dever sociedade em geral e do Poder Público
assegurar com prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,
à alimentação, etc. No seu parágrafo único, diz a garantia da prioridade
compreende a primazia em receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias.
Também o § do art. 11 do referido
Estatuto da Criança e do Adolescente assegura atendimento médico à criança e ao
adolescente por meio do SUS, garantindo o
acesso universal e igualitário às ações e serviços, incumbindo ao Poder
Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos,
próteses e outros recursos para tratamento, habilitação ou reabilitação.
No caso específico, tenho-me
preocupado, porque é constante e crescente o número de crianças que têm
demandado esse atendimento. E, aí, fico a me perguntar se aqueles milhões de
crianças que não têm assistência do Ministério Público, não seriam desfavorecidas
por esse tratamento privilegiado atribuído a alguém que se tenha valido desse
socorro ou dessa assistência por parte do Ministério Público.
No entanto, sabemos perfeitamente que
a nenhum de nós é dado o dom de salvar o mundo e de salvar todas as crianças
desvalidas. Salvemos, então, as poucas que consigamos salvar, o que já é alguma
coisa. Se, com a ação do Ministério Público, a sentença do Juiz e a nossa
decisão, pudermos ter contribuído para salvar uma criança, já teremos feito a
nossa parte.
Confesso, Senhor Presidente, que nutri
certa dúvida acerca da legitimidade do Ministério Público e da adequação da
ação escolhida. No entanto, o exame do ECA espantou de vez essas dúvidas. Com
efeito, o art. 208 inaugura o capítulo reservado pelo Estatuto à “Proteção
Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos”. E o art. 210
legitima, de forma concorrente, o Ministério Público, para o exercício das
ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos.
Busco em Cury, Amaral e Silva e Garcia
Mendez (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMENTADO), 1ª ed., 1992, p. 658, o arrimo para essa linha de entendimento:
“A nós sempre pareceu que o princípio
constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, hoje inscrito no
Inc. XXXV do art. 5° da CF, não
somente possibilita o acesso formal aos órgão judiciários como, também,
assegura a garantia contra qualquer forma de denegação da justiça. E isto
significa a toda evidência, a promessa de preordenação dos instrumentos
processuais adequados à concretização dessa garantia. E essa promessa,
evidentemente, é abrangente também dos tipos de provimentos e não apenas das
espécies de procedimentos. A esse texto constitucional e outros
infra-constitucionais soma-se, agora, o art. 212, caput, do Estatuto, para deixar estreme de dúvidas,
definitivamente, que o nosso sistema processual, para a tutela dos interesses e
direitos dos menores e adolescentes, é dotado de “todas as espécies de ações
pertinentes”. E o art. 213 atribui mais poderes ao Juiz (e também às próprias
panes, pois é através do seu pedido que os poderes do Juiz são ativados), para
conferir ao processo, mais especificamente ao seu provimento, mais plasticidade
e mais perfeita adequação às peculiaridades do caso concreto. Assim é que
poderá ele impor multa diária, independentemente do pedido do autor, caso seja
essa a solução suficiente e mais compatível com a obrigação, e poderá, ainda,
determinar a adoção de todas as providências legítimas e compatíveis à tutela
específica da obrigação ou ao atingimento do resultado prático correspondente
(art. 213, caput, e § 2°.).”
O presente caso ajusta-se
perfeitamente à lição acima. E me permitiria lembrar o enorme risco decorrente
da demora, caso optemos pela solução preconizada pelo emitente Relator. A sentença
não tem qualquer laivo de nulidade e as providências aventadas no voto do douto
Relator não excluem o provimento judicial que atende a um angustiante e
premente problema, vital para a criança protegida pela providência do
Ministério Público.
O voto, portanto, é no sentido de
manter a decisão de primeiro grau, para que se possa, de imediato, compelir o
Estado a prestar o socorro urgente e indispensável que o caso reclama.
DES. SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA
Com a devida vênia do Ilustre Relator,
acompanho o Eminente Des. Eliseu Gomes Torres. Havendo refletido sobre a
matéria, convenci-me que este foi correto em sua análise em suas conclusões.
Adoto os fundamentos do voto do Des. Eliseu Gomes Torres, integrando-os ao meu
voto; não vejo razão para repeti-los. Igualmente acolho e tenho como
integrantes de meu voto os fundamentos da sentença (fl. 118 a 121) e do parecer
do Dr. Procurador de Justiça (fls. 127 a 129). Não tenho acréscimos
argumentativos a fazer, para não ser redundante. Mantenho a sentença. É o meu
voto.