O QUE HÁ DE ESPECÍFICO NA DESIGUALDADE COM BASE EM
DIFERENÇAS ÉTNICAS
Professora da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Pelotas (RS).
Considerar
que as diferenças culturais são elementos importantes na análise dos fenômenos
educativos só mais recentemente vem sendo aceito nos meios acadêmicos,
especialmente no Brasil. Com o termo diferenças
culturais estou me referindo, de maneira muito genérica, a um conjunto de
atributos presentes em grupos humanos que compartilham valores, hábitos e
formas comuns de interpretar o mundo.
Tendo em
vista meus interesses de investigação, gostaria de demarcar que a questão das
diferenças culturais ganha seu sentido quando posso utilizá-la como ferramenta
para a análise de processos de desigualdade social. Além disso, cabe dizer,
também, que a posição desigual de alguns grupos, na sociedade, supõe relações
de distintos níveis e graus com o que chamamos de cultura majoritária, tal como nos explica FERNÁNDEZ ENGUITA (2000):
“Os grupos étnicos distinguem-se tipicamente uns dos outros por sua cultura, seja lá o que isso for; as classes sociais fazem parte de uma só sociedade e uma só cultura, ainda que possam – mas não necessariamente, todas, segundo qual conceito de classe utilizemos – alimentar variantes mais ou menos distintas da mesma, o que se costuma chamar de subculturas; homens e mulheres, entretanto, pertencem a uma mesma cultura e subcultura, diferenciando-se, de modo simples, pelos distintos papéis sociais que essas lhes atribuem” (p. 218).
Sobre o
caráter recente dos estudos, em nosso país, que se dirigem às diferenças
culturais em educação, GONÇALVES & SILVA (1998) apresentam um bom exemplo,
que vou aqui citar levando em conta os temas relativos às especificidades
étnicas. Os autores analisaram a produção de teses e dissertações nos Programas
de Pós-Graduação em Educação, entre 1985 e 1996, com base em dados da ANPEd
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). Tratando-se do
tema “educação e relações raciais”, focalizando a questão da educação de
crianças, jovens e adultos negros, foram encontradas 17 dissertações de
mestrado e 3 teses de doutorado. Quanto ao tema “educação indígena”, foram 17
as dissertações de mestrado encontradas, não sendo computada nenhuma pesquisa
de doutorado a respeito.
Ora, se o
número de trabalhos é restrito, pode-se imaginar que o debate teórico que
fundamenta as análises empíricas realizadas tampouco tenha se introduzido de
maneira mais ampla nos meios educacionais. Este estudo pretende, alicerçado em
contribuições provenientes do âmbito da sociologia, da antropologia e da
psicologia social, apresentar algumas notas que colaborem para a compreensão da
especificidade das desigualdades de caráter étnico e dos conflitos que a partir
daí possam surgir.
1. Do conceito de raça ao estudo das "relações
raciais"
Aclarar as
razões pelas quais diferenças de caráter étnico-racial podem conduzir a
conflitos de maior ou menor impacto, tem sido o objeto de estudo de inúmeras
obras. Entretanto, muitas delas realizaram tal investigação
mediadas pela categoria mais genérica da raça,
o que já indica algum grau de fixação à idéia de que supostas diferenças de
caráter biológico estivessem na base dos conflitos. Tal viés torna complexa a
tarefa de resenhar a evolução do campo conceitual do racismo.
Uma
estratégia muito utilizada na atualidade é entender o racismo como um
constructo social, isto é, considerar indiferente para os efeitos da sociologia
se é real ou imaginária a existência de distintas raças, mas reconhecer que a
crença nisto originou comportamentos sociais de coesão ou de repulsão, levando
ao aparecimento do racismo em alguns contextos históricos, marcados por determinadas condições sócio-político-econômicas (Rex, 1983;
Wieviorka, 1992).
Além disso, outro aspecto a ter presente é em que medida o pensamento social conseguiu examinar esses processos realizando, ao mesmo tempo, uma crítica de sua própria trajetória. Tal como sugere Wieviorka (1992), se o estudo de fenômenos racistas vem ocorrendo pelo menos desde a primeira metade do século XIX - baseado ou não na suposição de diferença entre raças -, a trajetória específica deste pensamento no sentido de autoconstituir-se numa sociologia do racismo é algo mais recente. Em síntese, temos o problema dos conflitos e desigualdades étnico-raciais e o problema do viés racista na análise destes.
A tarefa de
realizar uma reconstrução deste campo do saber já foi tentada por vários
autores[1], sendo o citado trabalho de
Wieviorka uma boa referência, ainda que ele anuncie pretender simplesmente
resgatar instrumentos para compreender o racismo nas sociedades atuais.
Em primeiro
lugar, Wieviorka acompanha o desenvolvimento da idéia de raça na Europa,
processo que subsume o aparecimento do racismo, posto que a raça passa a ser
uma categoria que "explica" a história. O auge da explicação por meio
da raça dá-se no século XIX[2], "com sua combinação de
colonialismo, de desenvolvimento da ciência e da indústria, de crescimento das
cidades, de imigração e mescla de populações, e, paralelamente, de
individualização e auge dos nacionalismos" (1992, p. 30).
Durante
este movimento, diversas disciplinas científicas apresentam contribuições ao
estudo da(s) raça(s), mas a idéia que está na base das contribuições é que não
apenas é possível, mas necessário, entender as diferenças de desenvolvimento
humano por meio de diferenças de caráter físico entre (supostas) raças. Somente
a revelação do horror dos campos de exterminação nazistas, ao final da IIª
Grande Guerra, veio a permitir que da raça passássemos ao racismo como objeto
de estudo.
O autor
sublinha as distinções e semelhanças entre a
trajetória da sociologia européia e a norte-americana no “descobrimento” do
racismo. Simplesmente destacarei a escravidão e posterior segregação de negros
nos Estados Unidos, e a imigração a partir de finais do século XIX e
posteriormente à Iª Grande Guerra, como aspectos que se adicionam à orientação
"biológica" da sociologia também neste país. Entretanto, a princípios
do século XX alguns teóricos começam um movimento de estudos contrários às
perspectivas racistas que conduz àquilo que, em seguida, constitui-se na
ultrapassagem em direção à análise do racismo.
"Por
um lado, [a sociologia norte-americana] tende a deslocar o marco de referência
da raça para a cultura, o que não a impede de seguir utilizando amplamente o
termo 'raça'. Por outro lado, não se preocupa tanto das características, inatas
ou adquiridas, de um determinado grupo humano, como das relações, sobretudo
interculturais, existentes entre grupos. O que foi se esboçando nos Estados
Unidos, a partir do começo do século XX, tornando-se preciso na década de vinte
... era uma sociologia das race
relations. Tratava-se, por fim, de estudar concretamente determinadas
realidades sociais e interculturais concernentes, entre outras coisas, às
relações entre brancos e negros no interior de uma sociedade que, desde essa
época, ainda excluindo os negros da concepção que tem de si mesma, mostra-se
vacilante à hora de considerar-se um melting
pot" (Wieviorka, 1992, p. 47-48).
Wieviorka celebra o relativo distanciamento que a escola das relações raciais estabelece com referência ao enfoque biológico dos problemas raciais, ao dirigir-se ao exame concreto destes conflitos num âmbito ecológico, analisando "uma série de contatos e conflitos reais: físicos, geográficos, territoriais, econômicos e culturais" (1992, p. 55). Não obstante, quando se leva em conta a definição de relações de raças apresentada por Park, figura de grande importância na área na primeira metade do século, certa debilidade fica a descoberto. Para ele, relações de raças são aquelas:
"entre
povos com marcas distintivas de origem racial, particularmente quando tais
diferenças raciais penetram na consciência dos indivíduos e dos grupos assim
identificados, determinando deste modo a concepção que
cada indivíduo tem tanto de si mesmo como de seu estatuto dentro da comunidade.
... relações de raças ... não são tanto relações entre indivíduos de diferentes raças como entre indivíduos conscientes dessas diferenças"
(Park apud Wieviorka, 1992, p. 52-53,
grifos acrescentados).
Como se vê,
aqui se volta a resgatar o conceito de raça, o que pode levar a uma
insuficiente análise do racismo como atitude sem base concreta, ao reforçar a
idéia de raça como realidade objetiva.
Por outro
lado, com o passar do tempo o enfoque das relações raciais ocupa-se também,
gradativamente, da estratificação social articulada a diferenças raciais. Nos
Estados Unidos, em especial, a posição de brancos e negros no sistema de
estratificação originou uma série de trabalhos. Com "Caste, Class and Race" Cox, em 1948, pretende superar as
proposições que vêem nas relações raciais uma estratificação baseada em castas
(isto é, per si sem conflitos),
sustentando que o racismo é uma estratégia da classe dominante no capitalismo,
na sua tentativa de "justificar e manter a exploração dos
trabalhadores" (Wieviorka, 1992, p. 188).
Como
veremos a seguir, a articulação entre problemas raciais e conflitos de classes
toma conta de parte da literatura sociológica que debate as classes sociais.
Contudo, como ilustração de recentes alternativas de investigação buscadas pela
abordagem das relações raciais, destacarei alguns aspectos apresentados no
livro de Rex (1983) "Race Relations
in Sociological Theory". Nele, o autor não apenas dialoga com várias
obras que tratam da questão, como, por meio deste diálogo, sistematiza seu
desenvolvimento pessoal no estudo das relações raciais. De acordo com ele, um
encontro de experts da UNESCO sobre a
natureza do racismo e do preconceito racista, realizado em 1967, tomou como
ponto de partida o fato de que o conceito de raça, tal como é usado pelos biólogos,
não apresenta relevância quando se trata das diferenças políticas entre os
homens. Nesta reunião procurou-se indicar quais tipos de problemas sociológicos
poderiam ser apontados como problemas de relações
raciais. O autor considera, entretanto, que a literatura sobre o tema é
ainda limitada, e portanto tenta oferecer sua definição do campo das relações
raciais, como será visto adiante.
O estudo
das relações raciais tem sofrido uma dependência da análise sobre as classes
sociais que, por sua vez, "tem sido dominada por idéias eurocêntricas
derivadas dos trabalhos de Marx e Weber", mais especificamente em
referência ao tema de "uma sociedade capitalista avançada estruturada
sobre o mercado de trabalho e/ou a exploração do 'trabalho livre'" (Rex,
1983, p. ix). Não obstante, os estudos de Rex sobre as sociedades coloniais
indicaram-lhe a inadequação dessas abordagens, que pretendem transferir a essas
sociedades a problemática da tradicional relação burguesia/proletariado.
Logo, Rex propõe distintos modelos de análise, caso se trate de
sociedades coloniais ou metropolitanas. Para ele, nas primeiras, importantes
problemas estruturais não têm relação com o tema das classes sociais, na ótica
marxista, weberiana ou outra qualquer, sendo necessário examinar outro tipo de
questões, "como o status legal
dos homens, suas relações com o poder político, os efeitos da etnicidade e o
processo de aculturação" (Rex, 1983, p. xi). Por isto foi acusado de
"teórico da sociedade plural". Contudo, tenta definir sua posição
como totalmente sustentada por uma análise de classe; ainda que reconheça
outras formas de agrupação, seus significados são reinterpretados em termos de
classe.
O autor
propõe algumas variáveis utilizáveis na construção de uma teoria geral das
sociedades coloniais: as variáveis relativas à constituição de sistemas sociais
coloniais e as concernentes a distintos processos de desenvolvimento. As
primeiras variáveis referem-se (1) a diferentes formas sociais pré-coloniais;
(2) a diferentes 'modos de produção' ou, mais estritamente, modos de exploração
econômica; e, (3) a diferentes sistemas de estratificação que terminam por
organizar a esfera social de forma distinta da pura divisão econômica do
trabalho. Quanto ao segundo tipo de variáveis, ou seja, aos processos de
desenvolvimento, há que considerar (1) as variações nos processos de
independência política; (2) a ultrapassagem de um capitalismo mais primitivo ao
de livre competição; (3) o grau de incorporação da antiga sociedade colonial à
ordem econômica internacional; e (4) os processos de luta de classes e
revolução dentro da ordem neocolonial (Índia, África, Caribe e América Latina).
Já as
sociedades capitalistas desenvolvidas estruturaram-se, política e socialmente,
por um processo de luta de classes. Há tréguas sociais sustentadas por períodos
de tempo relativamente grandes, nas quais burguesia e proletariado estão de
acordo sobre a necessidade de planejamento econômico, pleno emprego e um mínimo
de bem estar social (moradia, saúde, educação, seguridade social, etc.). Na
Europa estes direitos foram obtidos pelos partidos trabalhistas e socialistas
com base nos trabalhadores nativos, e os imigrantes não necessariamente
alcançaram estes benefícios. Na América do Norte tais direitos foram
conseguidos por partidos com base em grupos de imigrantes mais privilegiados,
sendo que demais grupos como negros, latino-americanos e indígenas somente mais
tarde obtiveram os benefícios do sistema, embora haja ainda enormes
desigualdades sociais entre estes e os brancos de origem européia.
O referido
modelo afasta-se da concepção marxista clássica sobre as classes porque assume,
primeiramente, que a trégua descrita pode prolongar-se por muito tempo; e, em
segundo lugar, que a luta de classes se expressa por inúmeras disputas por
recursos (emprego, moradia, oportunidades educacionais). Pelo menos até o
começo da recessão mundial, a partir da década de 70, com a intenção de estimar
a posição estrutural das minorias de imigrantes provenientes das colônias,
"poder-se-ía e dever-se-ía assumir uma relativa estabilidade da estrutura
principal de classe baseada na trégua de classes" (Rex, 1983, p. xiv).
Seus
estudos, então, levaram-no a perguntar se há suficientes evidências empíricas
da exclusão de imigrantes dos recursos sociais para que se possa
caracterizá-los como uma infraclasse,
no que concerne aos países de capitalismo avançado. Se isto não é ainda
possível, o que há é uma certa concentração destas minorias em empregos pobres
e inseguros, em guetos e em escolas
subprivilegiadas para que se possa admitir um tipo ideal de infraclasse a ser
comprovado empiricamente. Além disto, a competição por recursos de todos os
gêneros coloca em oposição os trabalhadores autóctones e os imigrantes, mesmo
que a política oficial seja de pluralismo cultural em relação a diferenças e
proteção de distintos grupos étnicos[3].
Em todo
caso, o uso que Rex faz de tal conceito é distinto do que faz Myrdal. Este se
refere à infraclasse como uma massa afastada da
estrutura de oportunidades da sociedade norte-americana, e Rex crê que a
infraclasse pode, em termos marxistas, "tornar-se uma
'infraclasse-para-si', isto é, não desaparecer, mas organizar-se na esfera
cultural e para a ação política" (1983, p. xv).
Mas os marxistas
não aceitam tal análise de classe, ainda que seu ponto de vista não se refira a
se as minorias imigrantes estão em uma posição estrutural distinta da maioria
dos trabalhadores. Eles simplesmente argumentam que, independentemente da
posição atual de uns e outros, o desenvolvimento da crise do capitalismo os
levará à unidade da classe trabalhadora. Rex responde dizendo que tal hipótese
deve ser empiricamente provada. As ideologias e estruturas da infraclasse de
imigrantes parecem ter base não simplesmente em uma falsa ou verdadeira
consciência de sua posição na sociedade metropolitana, e sim "refletem o
papel destas minorias na estrutura do sistema econômico mundial ou na estrutura
do império nos últimos 40 anos" (Rex, 1983, p. xv-xvi).
Portanto,
delimitando sua posição, esclarece que o que está em discussão quanto às relações raciais é um grupo de situações
de severa exploração econômica e opressão política, o que encaminha a localizar
o estudo das relações raciais sob determinado tipo de análise de classe,
caracterizado por três aspectos principais: quando sucedem "situações de
relações raciais" (1) se estão produzindo fenômenos de exploração
econômica, opressão política e conflito entre distintos grupos étnicos, nos
quais a etnicidade implica em desvantagem para um dos grupos envolvidos. (2) As
relações raciais ocorrem mais entre grupos que simplesmente entre indivíduos,
ou seja, não há mobilidade social entre grupos, e estes são anteriores ao
conflito. (3) O grupo dominante elabora teorias de caráter discriminatório, que
justificam ideologicamente a dominação (as principais, nos séculos XIX e XX,
foram as teorias genéticas).
Finalmente,
é importante sublinhar um aspecto chave para a continuidade das investigações
sobre a matéria. Considerando a definição de situação de relações de raça com
base em suas três características definidoras, Rex argumenta pela necessidade
de substituir a noção de raça pela de etnicidade:
"Wallman, por exemplo, seguindo Barth, enfatiza que a
etnicidade é essencialmente situacional e, ainda que algumas vezes possa
constituir-se em desvantagem, pode também ser utilizada como um recurso. De
acordo com o paradigma adotado aqui, uma situação de relações de raça sempre
implica que a etnicidade é uma desvantagem para um dos grupos envolvidos"
(Rex, 1983, p. xviii-xix).
A discussão
precedente revelou duas questões que merecem maior atenção: a situação das
minorias étnico-raciais na divisão social do trabalho e as características dos
grupos étnicos, temas que serão analisados a seguir.
2. Localização das desigualdades étnicas nas teorias
das classes sociais
Como já se
anunciou, os estudos que pretendem compreender a situação das minorias
étnico-raciais na esfera econômica estão intimamente articulados aos que tratam
das tipologias das classes sociais. O que está em discussão é: é possível
analisar-se as desigualdades étnicas na estrutura econômica da sociedade com
base nas teorias de classe?
Wieviorka destaca que o desenvolvimento do
pensamento sobre o assunto assumiu várias nuanças. Uma delas, na linha já
apresentada por Cox, ocupou-se em ver no racismo uma estratégia da classe
dominante para melhor ampliar a acumulação de capital[4];
outros, quiseram realizar estudos "menos ambiciosos ..., e colocar
questões geralmente mais precisas: os grupos dominados socialmente e definidos
pela raça, formam um estrato inferior da classe operária ou um mundo à parte,
que se desprende da mesma classe operária para constituir uma underclass[5] ...? São ditos
grupos uma fração de classe ou um exército de reserva para o capital? O racismo
funciona como uma ideologia autônoma das relações de classes, que ao mesmo
tempo serve para legitimar a reprodução destas últimas? Ou melhor, não é o
produto dessas relações? Etc."
(Wieviorka, 1992, p. 189).
Também Parkin (1984) realiza uma revisão da localização dos grupos
étnicos na teoria de classes, num meticuloso trabalho no qual se ocupa em
identificar as falhas do neomarxismo, quando este tenta atualizar as teses
marxistas mantendo seus pressupostos originais. Não obstante, sua obra
afasta-se bastante da orientação presente nos estudos referidos por Wieviorka.
Parkin encontra certa proximidade entre o pensamento marxista e os modelos de
classe burgueses quando compõem os limites entre as classes baseados na posição
que os indivíduos ocupam na divisão do trabalho, isto é, sem ter em conta a
ação coletiva como variável na composição de tais limites. Tal perspectiva traz
problemas teóricos para o marxismo, sempre que os trabalhadores não atuam
contra seus "inimigos de classe", fazendo com que seja necessário
justificar seu comportamento em função de influências ideológicas que, se
espera, sejam passageiras. Neste sentido, Parkin adverte que:
"a
debilidade mais grave de qualquer modelo de classes que relega as coletividades
sociais à condição de meros ocupantes de determinadas posições, ou de
encarnação de forças sistêmicas, é que não pode dar adequada conta do tipo de
complexidades que surgem quando ocorrem divisões raciais, religiosas, étnicas e
sexuais tangencialmente às divisões formais de classe. As sociedades marcadas
por conflitos entre comunidades religiosas ou raciais não apresentam o mesmo
tipo de estrutura de classes que as carentes de ditos conflitos, apesar das
similaridades que possam haver em seu sistema
ocupacional e nas relações de propriedade" (1984, p. 17).
Para
responder a essas dificuldades, depois de discorrer acerca das distintas
formulações do marxismo e da sociologia clássica em torno do fator étnico nas
divisões de classe, o autor dilata a concepção de Weber de fechamento social. Para este, tal conceito significa "o
processo mediante o qual as coletividades sociais buscam ampliar ao máximo suas
recompensas, limitando o acesso aos recursos e oportunidades a um número
restrito de candidatos" (Parkin, 1984, p. 68)[6].
Parkin assinala que por meio da exclusão os
positivamente privilegiados pretendem assegurar sua posição
subordinando outros grupos (uso do poder para baixo), enquanto que os negativamente privilegiados buscam, por
meio da usurpação, neutralizar os
privilégios daqueles que tentam excluí-los dos recursos (uso do poder para
cima): aqui podemos localizar as relações entre maiorias e minorias na área da distribuição.
Como é
evidente, tal classificação traz conseqüências para a conotação que se costuma
dar ao conceito de exploração, dado
que esta, agora, não ocorre apenas com base na extração da mais-valia, e sim
quando um grupo busca privar outro do acesso a determinados bens e
oportunidades.
Enfim, é
preciso mencionar a tese do fechamento
social dual, pela qual um grupo pode usar, ao mesmo tempo, táticas de
exclusão e de usurpação:
"normalmente
os operários organizados acodem a formas duais
de fechamento social: as atividades de usurpação contra os
empregadores e o Estado, combinadas com práticas excludentes contra grupos mais
ou menos organizados de trabalhadores, incluindo minorias étnicas e
mulheres" (Parkin, 1984, p. 132).
Sem espaço
para reproduzir em detalhe essa discussão, me ocuparei, por fim, da
contribuição de Fernández Enguita[7].
Como parte de sua tentativa de propor um marco de referência para a análise das
desigualdades sociais que complemente as carências das teorias de classes, este
sociólogo afirma que as relações étnicas (junto às de gênero e grupos de idade)
não se encontram sob o constructo teórico das classes sociais e exploração, por
mais injustas que possam ser. Para ele são relações
de privilégio, que podem determinar "as oportunidades dos indivíduos
de converterem-se em exploradores ou explorados, mas que não são por si mesmas,
de modo algum, relações de exploração" (1992, p. 62).
Na verdade,
tal definição faz parte de uma revisão mais ampla das proposições marxistas
sobre a atual preponderância do modo de produção capitalista e sua conseqüente cisão
da sociedade em duas grandes e fundamentais classes. Farei um breve relato da
trajetória de seu raciocínio. O autor principia (1989) afirmando a coexistência
conflituosa de quatro modos de produção e distribuição, que mantêm entre si
relações de competição: o capitalista,
o burocrático, o doméstico e o mercantil.
O último é o único onde não há opressão de um grupo sobre outro. Neste texto o
autor ainda usa o termo exploração (do trabalho) para referir-se também às
relações de gênero que ocorrem no modo de produção doméstico, ainda que já
reconheça as dificuldades de tal uso, dado que no trabalho doméstico
(principalmente feminino) "a relação econômica se funde com outras".
Portanto, "parece prudente não empregar a palavra classe" (p. 91).
A seguir,
Fernández Enguita (1992) pretende estabelecer uma teoria geral das classes a
partir da utilização conjunta de três categorias já bastante conhecidas, mas em
geral tratadas de modo exclusivo: a propriedade,
a qualificação e a autoridade (centrais, respectivamente,
na tradição marxista, weberiana e de Dahrendorf). Aqui me interessa apenas
estabelecer um fluxo com o texto anterior, portanto vou assinalar que o autor
afirma, primeiro, que mercados e organizações, cenários nos quais são
protagonistas estas três categorias, não são excludentes; e, segundo, que é a
articulação entre mercados e organizações que configura as características dos
distintos modos de produção, mas que no modo de produção doméstico estão
ausentes tanto os mercados como as organizações.
Por meio da
combinação não excludente da propriedade, qualificação e autoridade, nos
mercados e organizações, o autor estabelece o grau de exploração que determina
as diferentes classes sociais (admitindo a possibilidade de que um mesmo
indivíduo possa ser explorador ou explorado, dependendo de sua localização em
cada uma das categorias).
Mas o que
me importa é destacar que no aspecto dos
tipos de relações que ficam fora da teoria de classes, encontram-se as que
ocorrem entre grupos étnicos, ao lado de, como já foi dito, aquelas que têm
lugar no modo de produção doméstico, e entre os distintos gêneros e grupos de
idade.
Esta idéia
será desenvolvida em outro artigo, que trata mais diretamente das desigualdades
sociais (Fernández Enguita, 1993).
Na sua
evolução histórica a humanidade teve que utilizar diferentes formas de
organização dos recursos para garantir sua sobrevivência. Tal evolução se
caracteriza pela especialização destas formas de organização, chamadas, num
sentido amplo, de redes econômicas,
de modo que os lares e os estados no transcorrer do tempo cederam
parte de suas atribuições às organizações
e aos mercados. Enquanto os dois primeiros tipos de rede são inclusivas (de
pertinência), os dois últimos são redes voluntárias (de filiação).
Já se indicou
[onde? página anterior] que é no espaço dos mercados e organizações que as
relações de exploração entre os indivíduos podem ser enquadradas, de forma a
constituírem-se as distintas classes sociais; as categorias utilizadas para
definir a(s) posição(ões) dos indivíduos são a
propriedade, a qualificação e a autoridade. Assim, para fechar este aspecto e
passar ao problema que quero sublinhar, é necessário repetir a
existência de tipos de desigualdade não configuradas pela exploração do
trabalho e que são chamadas de relações de privilégio:
"Entendemos
por tais as que dividem as pessoas por características de inscrição como o
gênero, a idade, a raça, a língua, a religião ou a nacionalidade. Uma
característica geral destas desigualdades é que podem ser consideradas como
projeções sobre as redes voluntárias - organizações e mercados - de outras que
têm sua origem e seu cenário próprio nas redes inclusivas - lares e estados -,
e que, ocasionalmente, podem inclusive haver perdido vigência nestas, mas
conservá-las ainda naquelas." (1993, p. 63-64).
Apontarei
com mais ênfase os aspectos relativos aos privilégios étnicos, por
relacionarem-se diretamente com o objeto deste estudo. Fernández Enguita define
desigualdades étnicas como aquelas
baseadas em atributos de caráter cultural, mesmo que reconheça as dificuldades
em estabelecer limites entre diferentes culturas[8].
As diferenças culturais passam a constituir-se num problema quando, no âmbito de
um Estado determinado, existe uma etnia sem base territorial própria (mesmo nos
casos em que no passado tal território lhe pertencera), ou seja, um grupo étnico ao qual não é permitido,
por sua situação dentro do Estado, o acesso a oportunidades de vida e trabalho
oferecidos pelos mercados e organizações. Assim, as desigualdades étnicas, tal
como as demais relações de privilégio, têm suas raízes nas redes sociais
inclusivas, projetam-se sobre a economia aberta, e são
justificadas mediante estereótipos sustentados nas diferenças culturais.
Na esfera
econômica o lugar do indivíduo no processo de exploração do trabalho é adquirido
mediante sua posição em relação à propriedade, à qualificação e à autoridade;
sem esquecer as quase infinitas conexões que podemos fazer entre esses três
elementos, é desta forma que definimos as classes
sociais. Ao contrário disto, as relações de privilégio são inscritas com base nas diferenças
étnicas, de gênero e geracionais, dando origem a categorias, outra face da desigualdade social.
Neste
sentido, Fernández Enguita tenta avançar sobre determinadas posições de origem
marxista que enquadram as desigualdades sofridas pelos grupos étnicos na
sociedade capitalista no conceito de "classe trabalhadora", à falta
de um qualificativo mais explícito. Busca um marco de referência para os
indivíduos pertencentes aos grupos étnicos que os posicione e caracterize como
grupos desprivilegiados ainda antes de
proceder-se à exploração da mais-valia, isto é, esclarecendo que o
privilégio negativo do coletivo étnico é anterior ao ingresso do indivíduo no
mercado de trabalho.
Em síntese,
"Poderíamos
dizer, pois, que a relação de privilégio é uma relação de 'exploração
weberiana' (diferentes oportunidades) que se superpõe à 'exploração marxista'
(transferência de trabalho excedente), melhorando as probabilidades dos
positivamente privilegiados de converterem-se em exploradores (ou, quando
menos, em explorados mas incorporados) e dobrando a dos negativamente
privilegiados de converterem-se em explorados (ou, no
pior dos casos, em excluídos) (Fernández Enguita, 1993, p. 78).
Pelo que se
viu nas páginas precedentes, distintas elaborações no âmbito das ciências
sociais pretenderam dar conta do tipo de desigualdade que afeta a existência
dos grupos étnico-raciais, pelo menos no período mais recente das sociedades
ocidentais. Todavia, se existe um acordo acerca de que esta desigualdade possui
características específicas, as variáveis usadas para tipificá-la variam muito.
Ainda assim, podemos perceber as seguintes concordâncias: que a existência de
preconceitos colabora nos processos de marginalização dos grupos étnico-raciais
dos bens que são disputados na sociedade; que existe algum tipo de segregação
étnico-racial (e/ou de especialização profissional) no mundo do trabalho,
apresentando seus reflexos sobre a distribuição do poder na sociedade.
Afora o
problema relativo a quando as diferenças transformam-se em desigualdade, há que
pensar sobre como se “criam” tais diferenças. Observe-se que no transcorrer do
texto utilizei o termo étnico-racial,
o que pode abrir espaço para o questionamento sobre a orientação racista que o
uso de tal termo apresenta[9].
Entretanto, a intenção foi dar conta tanto dos casos em que a referência a uma
cultura prévia é o elemento constitutivo no reconhecimento da diferença de um
grupo, como de situações nas quais a fabricação de diferenças se produz sobre
aspectos externos (como a cor da pele) que, no transcorrer do tempo, podem
adquirir o caráter, para o grupo afetado, de identidade cultural[10]. Por outra parte, definir cultura por si
só é uma tarefa bastante difícil, considerando os diferentes marcos teóricos
que podem ser utilizados. Neste sentido, tomo a seguinte definição de cultura,
que creio ser suficientemente ampla para poder dar conta da discussão que vem a
seguir:
“Por
cultura entendemos os princípios de vida compartilhados e característicos de
cada classe, grupo ou ambiente sociais. As culturas se produzem quando os
grupos encontram o sentido de sua existência social no curso de sua experiência
cotidiana. Neste sentido, a cultura está intimamente unida ao mundo da ação
prática. Como norma geral, basta para organizar a vida de cada dia. Mas, dado
que este mundo cotidiano é em si mesmo problemático, a cultura se vê forçada a
adotar formas complexas e heterogêneas, ‘nem sempre livres de contradições’”
(Clarke et alii, apud Giroux et alii,
1990, p. 193).
3. "Conteúdos" versus "limites" culturais na permanência dos grupos
étnicos
Dentro da
sociologia a definição que deu Weber a princípios do século ao que seja grupo étnico é considerada satisfatória:
"...
chamaremos grupos ‘étnicos’ àqueles grupos humanos que, em virtude de
semelhanças no habitus externo ou nos
costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de colonização e migração,
nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se torna
importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se
existe ou não uma comunidade de sangue efetiva" (1994, p. 270).
Como se vê,
os argumentos do autor em relação às comunidades étnicas significaram um avanço
em relação às perspectivas biológicas no estudo das diferenças étnico-raciais,
já que sua análise (1) resgata a importância do habitus acima de possíveis determinantes raciais quando (2)
encaminha-se a entender como ocorrem
interações entre comunidades. Assim, por exemplo, ele defende que:
"A
maior ou menor facilidade do nascimento de uma comunidade de intercâmbio social (no sentido mais amplo possível da
palavra) está vinculada a aspectos extremamente exteriores das diferenças no
modo de viver habitual, ocasionadas por alguma casualidade histórica, assim
como à herança racial" (1994, p. 269).
Dois
aspectos da contribuição do autor sobre a matéria merecem maior atenção. Em
primeiro lugar, Weber descreve como acontece a criação de diferenças
étnico-raciais. Afirma que os elementos aprendidos historicamente são mais
fortes que os geneticamente herdados; estes também podem, de fato, existir.
Mas, se as diferenças raciais são menos significativas que as condições
econômicas e políticas que dão origem aos grupos, por outro lado o que
sobrevive na memória coletiva é a crença numa afinidade sangüínea, não importa
se real ou imaginária.
Ele destaca
várias vezes como sendo fundamental na constituição e permanência dos grupos
étnicos esta crença no parentesco, e como signos externos terminam por ser muito importantes na identidade. Realiza
um exercício pelo qual vai retirando, paulatinamente, aspectos que fazem parte
da idéia de uma procedência comum para ver o que subsiste:
"Se
tentamos verificar, de modo geral, as diferenças ‘étnicas’ que restam quando
prescindimos da comunidade lingüística, que nem sempre coincide com a
consangüinidade objetiva ou subjetiva, e da crença religiosa comum, também
independente dessa consangüinidade, bem como, até o momento, do efeito de
destinos políticos comuns e suas lembranças - que, pelo menos objetivamente,
nada tem a ver com a consangüinidade –, temos, então, de um lado ..., as
diferenças esteticamente marcantes do habitus
exteriormente manifestado e, de outro, absolutamente equiparáveis àquelas, as
diferenças evidentes nas formas de vida
cotidiana" (1994, p. 271).
No
transcorrer do tempo, o significado originário das características do modo de
vida cotidiano é esquecido, e subsistem somente os rituais, as convenções.
Todavia, a consciência comunal se mantém graças à crença na existência do grupo
étnico.
Assim,
sobre a interação entre diferentes comunidades, pode ocorrer que um costume
distinto evoque a idéia de "sangue distinto", mesmo que isto não
possua correspondência com a realidade objetiva. Em última instância, para
simplificar a discussão, podemos sublinhar dois pontos relativos ao intercâmbio
social. Primeiro, assinalar que o indivíduo que não compreende determinado
costume de um grupo não consegue com ele relacionar-se; a "honra
étnica" é alimentada pela "convicção da excelência dos próprios
costumes e da inferioridade dos alheios" (1994, p. 272), o que
caracterizaria um gênero de etnocentrismo. Segundo, dizer que esta falta de
intercâmbio só adquire caráter conflituoso quando as diferenças étnicas são
usadas como argumentos nas disputas pelos recursos econômicos (incluindo a luta
– política - por um território).
O segundo
aspecto digno de atenção especial - que infelizmente apenas será mencionado - é
a orientação metodológica que nos dá Weber em relação ao exame da ação comunal
baseada na etnia, posto que nela muitos fenômenos apresentam-se mesclados. Para
ele, haveria que se estudar, separadamente:
"a efetiva ação subjetiva dos ‘costumes’, condicionados, por um lado, pela disposição hereditária e, por outro, pela tradição; o alcance de todos os diferentes conteúdos dos ‘costumes’, um por um; a repercussão de uma comunidade lingüística, religiosa ou política, antiga ou atual, sobre a formação de costumes; o grau em que semelhantes componentes, cada um por si, despertam atração ou repulsão e, especialmente, a crença na comunidade ou distinção de sangue; as diferentes conseqüências dessa crença para que as ações em geral, as distintas formas de relações sexuais, as possibilidades das diversas formas de ações comunitárias se desenvolvam sobre o fundamento da comunidade de costumes ou da crença na consangüinidade ... . Fazendo isto, arremessar-se-ía definitivamente pela borda o conceito coletivo de ‘étnico’. Pois é um coletivo completamente inútil para toda investigação realmente exata" (1994, p. 275).
Hoje em dia
uma das vertentes de estudo dos grupos étnicos os definem com base em sua
participação numa cultura comum, utilizando categorias semelhantes às de Weber,
tal como se pode exemplificar pelas citações seguintes:
"Um
grupo étnico é um conjunto de pessoas de características peculiares, inserido
numa sociedade mais ampla, cuja cultura difere, no geral, da cultura desta
última. Aqueles que pertencem a tal grupo sentem-se, estão ou se considera que
estão unidos pelos laços comuns de raça, nacionalidade ou cultura"
(Morris, 1975, p. 253).
"Podemos
definir uma comunidade étnica, ou etnia, como um específico grupo humano que
reivindica uma terra natal e compartilha mitos de
antepassados comuns, memórias históricas e uma cultura distinta" (Smith,
1992, p. 438).
Contudo,
uma proposição bastante distinta é apresentada a partir do trabalho de Barth
(1976). A contribuição de Barth e seus colegas à antropologia
social refere-se ao estudo de uma temática ainda não tratada por esta
disciplina, a questão dos limites entre
os grupos étnicos. Barth parte da concepção de Narroll como a idéia
corrente para definir os grupos étnicos:
"O termo grupo étnico é utilizado geralmente na
literatura antropológica... para designar uma comunidade que:
1.
em grande medida se autoperpetua biologicamente;
2.
compartilha valores culturais fundamentais, realizados com unidade manifestada
em formas culturais;
3. integra
um campo de comunicação e interação;
4. conta
com membros que identificam a si mesmos e são identificados por outros e que
constituem uma categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem." (Barth, 1976, p. 11)".
Em seguida,
aponta as limitações deste raciocínio, sempre que a cultura comum é destacada
como tema fundamental a estudar no processo de análise de um grupo étnico
determinado, reduzindo a investigação à simples descrição das características de cada cultura. Evidentemente isto
leva a "distinguir os grupos étnicos pelas características morfológicas
das culturas de que são portadores" (Barth, 1976, p. 12). Contrário a
isto, Barth opina que muito lucraríamos se encaminhássemos os estudos em
direção ao ponto 4 da lista de Narrol, isto é, a ênfase na investigação sobre
as etnias necessita recair sobre os limites
entre uns e outros grupos, ainda que
haja trânsito de indivíduos entre eles. Os grupos não subsistem por seu
isolamento, e sim apesar do intercâmbio.
Realça-se, logo, menos o conteúdo cultural, e mais a inscrição e a
autoinscrição no grupo, entendendo a identidade étnica como algo que se torna
visível quando um grupo encontra "outro".
Mais ainda,
Barth explica como ocorre a filiação a
ou a exclusão de um grupo:
"A
identificação de outra pessoa como membro do mesmo grupo étnico entranha uma
co-participação de critérios de valorização e de julgamento. ... Por outro
lado, a dicotomia que converte outros em estranhos e em
membros de outro grupo étnico, supõe um reconhecimento das limitações
para chegar a um entendimento recíproco, diferenças de critério para emitir
juízos de valor e de conduta e uma restrição da interação possível a setores
que pressupõem comum acordo e interesse" (1976, p. 17-18).
Entretanto,
os grupos persistem mesmo quando se produzem contatos com outros, e Barth
esclarece como:
"Quando
interagem pessoas pertencentes a culturas diferentes, espera-se que suas
diferenças se reduzam, já que a interação requer e gera uma congruência de
códigos e valores; em outras palavras, uma similitude ou comunidade de cultura.
... Por tal motivo, a persistência dos grupos étnicos em contato implica não só
critérios e sinais de identificação, mas também estrutura de interação que
permita a persistência de diferenças culturais. O aspecto organizacional que
sustentarei deve ser geral para todas as relações interétnicas, é um conjunto
sistemático de regras que regula os encontros sociais interétnicos" (1976,
p. 18).
Assim, esta
perspectiva se reveste de grande importância porque permite trabalhar a interação entre distintos grupos.
Entretanto, não foi esta também uma das contribuições de Weber ao estudo dos
grupos étnicos?
Costuma-se
dizer que aqueles que resgatam a importância dos conteúdos culturais para a
identificação dos distintos grupos étnicos são primordialistas, enquanto os que aderem à posição defendida por
Barth et alii são chamados de circunstancialistas ou situacionalistas (Fernández Enguita,
1996, p. 67; Giménez Romero, 1994, p. 180-181; Rex, 1983, p. xviii-xix,
supracitado)[11].
Tendo em conta esta classificação, há quem considere que Weber e Barth encontram-se em oposição:
"...
Barth translada o foco da investigação, dos conteúdos culturais do grupo étnico
aos limites étnicos que definem o grupo, o que é uma mudança fundamental com
respeito a posições mais generalizadas, na linha de Max Weber, que enfatizavam
o sentido da descendência comum, a solidariedade política, e a existência de
língua, costumes, religião e valores também comuns" (Moreno, 1991, p.
605).
Enquanto
outros percebem exatamente o oposto:
"A
opção pela (auto)inscrição como elemento determinante
da etnicidade, frente ao conteúdo da cultura, identifica-se hoje com Barth, mas
é justo dizer que se encontra já em Weber" (Fernández Enguita, 1993, p.
67).
Como se
pode perceber, a matéria objeto de análise está longe de ter sido esgotada.
Considerando as limitações deste trabalho, deixarei de lado uma discussão mais
profunda sobre estas divergências, bem como sobre outras relativas a distintos significados dados aos termos etnia, grupo étnico,
etnicidade, etc.
4. A respeito das teorias sobre o grupo racista
Nesta
seção, direi algo sobre os estudos que se orientam ao comportamento do
indivíduo ou do grupo racista. Há controvérsia em relação à importância teórica
de enfoques deste gênero, na medida em que alguns deles tendem a deslocar a
centralidade das relações desiguais na estrutura social em direção às atitudes
do ator racista. Contudo, de acordo com o já mencionado Wieviorka, do ponto de
vista do desenvolvimento de uma sociologia do racismo, a passagem do item raça para o preconceito constitui um avanço, sempre que algumas destas teorias
permitem retirar importância de supostas diferenças entre raças: "isto o
afirma também Sartre, à sua maneira, quando diz, numa fórmula
célebre, que o judeu vem definido pelo olhar do outro: ‘É o anti-semita
quem cria o judeu’" (Wieviorka, 1992, p. 70).
Ademais, é
possível levantar mais dois fatores que justificam a importância do
conhecimento desta classe de teorias. Em primeiro lugar, ainda segundo
Wieviorka (baseado, entre outros, em Touraine e Taguieff), é preciso entender
que a opressão econômica, política e social que sofrem
determinados grupos é garantida pela utilização alternada ou conjunta
dos argumentos sobre a desigualdade ou diferença dos mesmos. Por isso, pode ser
importante compreender como a discriminação é produzida e como ela pode ser
utilizada, em distintos contextos históricos, para colaborar nos processos de
exploração e/ou extermínio[12].
Em segundo lugar, existem projetos educativos que, por meio do desenvolvimento de atitudes de tolerância às diferenças, pretendem promover uma relação mais igualitária entre as pessoas. Esses projetos possuem seu grau de importância na luta contra a desigualdade sempre que conseguem ter influência sobre coletivos infantis e juvenis impedindo que, neles, se multipliquem os preconceitos que garantem o desenvolvimento de atitudes racistas; motivo pelo qual é preciso entender a lógica da produção do racismo no indivíduo.
Logo, o
principal alvo dos estudos citados poderia ser expresso pela questão: quando e
por que o preconceito alcança o nível do racismo, justificando a desigualdade?[13]
Como
ilustração comentarei algumas das idéias de Agnes Heller (1989) sobre os
preconceitos. Para ela estes são categorias elaboradas no cotidiano, servindo
como juízos provisórios que dirigem o comportamento diário das pessoas. Não
obstante, nem todos os juízos provisórios levam a preconceitos negativos,
somente aqueles que são falsos juízos
provisórios. A possibilidade de colocá-los a prova existe, sempre que o
indivíduo não se deixe levar pelo conformismo e não seja predisposto aos
preconceitos. Mas os preconceitos socialmente importantes são elaborados pelos
grupos dominantes, e assimilados pelos indivíduos que os aplicam de forma
espontânea a situações objetivas, por processos de mediação, identificando
estereótipos.
Deste modo,
em geral são as classes dominantes as encarregadas de elaborar teorias
discriminatórias, consideradas por Agnes Heller sistemas de preconceitos ("o camponês húngaro que se lançou
com entusiasmo na Primeira Guerra Mundial, ou o operário alemão que se entregou
de corpo e alma a Hitler, foram tipos humanos manipulados através de sistemas
de preconceitos" [p. 54]). Não obstante, a autora explicita que isto só
ocorre como um fenômeno típico a partir da aparição da sociedade burguesa,
suficientemente instável desde seu nascimento para buscar coesão por meio de preconceitos de grupo ("os
preconceitos nacionais, raciais, étnicos" [p. 55]).
Pode-se
destacar, também, que as atitudes discriminatórias são historicamente
aprendidas. Agnes Heller cita o psicólogo social norte-americano Allport para
descrever o processo histórico e o processo de assimilação, pelo indivíduo, dos
preconceitos (explicação essencial, por exemplo, para o estudo de relações
interétnicas na escola):
"Allport construiu a seguinte gradação no que se refere aos
preconceitos negativos: ressentimento, racionalização (autojustificação)
estereotipada, comportamento estereotipado (desde a discriminação até o
extermínio, passando pela tortura física). A gradação histórica não varia quando se trata da explicação social de um preconceito, ainda que nem
todo preconceito atravesse todas as fases indicadas. Mas a gradação costuma se
inverter na configuração dos preconceitos no indivíduo. A primeira coisa observada pela criança são os modos de
comportamento preconceituoso estereotipados e as racionalizações ou
justificações dos mesmos feitas pelos adultos; só
depois é que começa a sentir o ressentimento correspondente" (Agnes
Heller, 1989, p. 50).
A
propósito, podemos recordar a concepção de Goffman (1986) em relação ao estigma:
"O
termo estigma será utilizado, pois, para fazer referência a um atributo
profundamente desacreditador; mas o que na realidade se necessita é uma
linguagem de relações, não de atributos. Um atributo que estigmatiza a um tipo
de possuidor pode confirmar a normalidade de outro e, conseqüentemente, não é
nem honroso nem ignominioso em si mesmo" (p. 13). "Um estigma é,
pois, realmente uma classe especial de relação entre atributo e estereótipo"
(p. 14).
Isto é: o
atributo só adquire importância quando, por meio de processos de elaboração de
preconceitos, torna-se um estereótipo.
Por fim,
abordagens de caráter psicoanalítico trabalham sobre as relações do indivíduo com
o diferente ou com o semelhante. Discutindo o papel do Outro na construção do
Eu, Nair (1994) afirma sua necessidade enquanto projeção da diferença. Do mesmo
modo, indaga se as sociedades podem viver sem seus inimigos, e explica: para o mundo desenvolvido, concretamente para Europa e Estados Unidos,
quem ocupará o lugar do regime comunista no papel do Outro?
"A
figura do Outro radical se desloca do comunismo ameaçador para o que fazia
possível o comunismo; a pobreza, a miséria. ... Esta ameaça surge por toda a parte ... . Já não é ideológica e política. É social,
étnica, cultural e religiosa. Ganha rosto, é claro, num espaço: o do Sul."
(Nair, 1994, p. 232).
Desta
forma, elabora-se um discurso no qual o Outro não é só a projeção e a negação,
mas também a dejeção. O discurso racista nega a universalidade do ser humano e
baseia-se na projeção de nossos preconceitos. Unicamente pode ser enfrentado
por meio do reconhecimento da universalidade tanto do Outro como do Eu.
Mas
igualmente é possível que a negação do Outro devenha de nossa incapacidade de
aceitar-nos, tal como pensa Julia Kristeva: "Quando fugimos do estranho ou
o combatemos, não fazemos outra coisa que lutar contra nosso inconsciente"
(apud Wieviorka, 1992, p. 71).
5. Desigualdades étnicas e educação
Os estudos a respeito das
desigualdades étnicas vêm iluminando aspectos dos fenômenos educacionais que
nos permitem perceber em que medida os ideais pregados pela visão majoritária
de escola já se apresentam enviesados desde sua origem. De fato, se esses
ideais se referem, de forma genérica, à ampliação das oportunidades
educacionais, permitindo a todos o alcance de condições mínimas para disputar
um lugar ao sol - pelo menos nas sociedades de livre mercado e democracia
participativa -, a desconsideração das especificidades dos grupos
desprivilegiados surge, de imediato, como um obstáculo no alcance dessas
condições – isto é, denotam de per si
a falácia da “escola para todos”.
Não obstante, é preciso lembrar que
a ampliação de oportunidades educacionais e a reivindicação de uma escola mais
conforme aos interesses dos segmentos desprivilegiados não ocorre sem a luta e
pressão dos mesmos, em distintos momentos históricos e em diferentes países do
globo. A visibilidade do fenômeno de atenção às “minorias”, então, surge porque
as próprias, no plano político, ousam fazer-se ouvir. Por conseguinte, no plano
acadêmico, tornam-se um problema digno de ser examinado. Como já explicitei em
outra ocasião,
“se até bem pouco tempo se
privilegiava o estudo das desigualdades de classe, isso não significa,
primeiro, que os demais tipos de desigualdade não existissem e, segundo, que,
hoje, essas últimas estejam por cima
das desigualdades de classe. Na verdade, o que ocorre é um aprimoramento das
categorias de análise” (FERREIRA, 2000, p.228).
Por outro lado, essa visibilidade,
tanto no espaço sócio-político quanto no plano acadêmico, vem acontecendo ao
lado de uma multiplicidade de situações que, hoje, tornam mais complexa a
tarefa de examinar os processos de desigualdade e de conflitos étnico-raciais,
na escola e fora dela.
Vimos assistindo, nos anos
recentes, a manifestações etnocêntricas de variados tipos. Filtradas por uma
divulgação, na imprensa, entediante e banalizadora, elas revelam formas de
racismo diferenciadas. No meu entender, infelizmente, pela falta de
enfrentamento político mais radical, essas manifestações de racismo foram, por
assim dizer, “naturalizadas”. Vão desde as guerras nacionalistas, já
corriqueiras em algumas partes do planeta, à ascensão de líderes nazistas pela
via das eleições democráticas[14], como
é o caso de Jorg Haider, do “Partido da Liberdade”, na Áustria, cujos
resultados eleitorais lhe permitiram abocanhar, desde o passado mês de
fevereiro, metade dos ministérios no atual governo. Na França, o
ultradireitista Partido da Frente Nacional, liderado por Jean-Marie Le Pen,
recebeu 8% dos votos nas eleições de 1993.
Frente ao avanço
da organização das “minorias”, certos grupos conservadores voltam-se
para uma estratégia diferenciada, “como sustenta o novo relativismo cultural da
nova direita: todo o mundo é magnífico desde que fique em sua casa” (FERNÁNDEZ
ENGUITA, 2000, p. 220). BLOOM (1989 p. 43), por exemplo, argumenta que “hoje,
evidentemente, só tipos patológicos das classes inferiores defendem as opiniões
racistas”, que incluiriam a suposta inferioridade dos negros.
Não obstante, sabemos que conflitos
racistas, especialmente nos países democráticos, vêm se multiplicando
geometricamente[15], e é difícil aceitar
que sejam iniciativas procedentes exclusivamente dos “tipos patológicos” acima
mencionados. Mais fácil de aceitar é a hipótese de diferenciadas expressões
racistas de acordo com a esfera de intervenção: os parlamentos, os grupos
econômicos, as ruas, e, no caso da educação, as reformas educacionais e as
práticas pedagógicas. Estas últimas, mais sutis, continuam merecendo estudos
para que se possa aprofundar o conhecimento a respeito de como o fracasso
escolar dos grupos desprivilegiados é tecido no cotidiano, oferecendo-lhes como
alternativa, o abandono de sua identidade (FERREIRA, 1997).
No caso do Brasil, o mito da
democracia racial dificulta que se perceba o impacto das diferenças
étnico-raciais sobre as situações de desigualdade, porque “os ‘sujeitos’ das
políticas públicas foram sempre designados por termos genéricos tais como:
camadas populares, classe operária, classe trabalhadora” (GONÇALVES &
SILVA, 1998, p. 32). Isto é um problema das políticas sociais, mas os
educadores não podem negar que é um problema, também, proveniente de nossa
incapacidade analítica, que pretendeu a todos subsumir na categoria de
desigualdade econômica.
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Versão
modificada do capítulo 2 de minha tese de doutorado em Sociologia (FERREIRA,
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incertezas. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 111-136.
Sobre a
autora:
Márcia Ondina Vieira
Ferreira, doutora em Sociologia
pela Universidade de Salamanca (Espanha), é
professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (RS). No
curso de Mestrado em Educação dessa Faculdade vem investigando e orientando
alunos sobre os temas escola e
diversidades sociais e culturais e profissão
docente. No curso de Graduação em Filosofia atua na área de formação de
professores. É co-organizadora do livro Fragmentos da globalização na educação; uma perspectiva comparada. (Porto Alegre, Artes Médicas, 2000).
Notas:
[1] Do ponto de vista do
paradigma das relações raciais, boa síntese pode ser encontrada em Van Den
Berghe, 1971, p. 11-75.
[2] Interpretação com base argumentativa
distinta, mas interessante, é apresentada por Foucault (1992), em especial o
capítulo (lição) 11, tal como pode dar uma idéia a seguinte citação:
"Em primeiro lugar
pode-se compreender o vínculo que rapidamente se estabeleceu entre a teoria biológica
do século XIX e o discurso do poder. No fundo, o evolucionismo entendido em
sentido amplo, isto é, não tanto a teoria de Darwin como o conjunto de suas
noções (hierarquia das espécies na árvore comum da evolução, luta pela vida
entre as espécies, seleção que elimina os menos adaptados), chegou a ser com
toda naturalidade, no curso de alguns anos, não só um modo de transcrever o
discurso político em termos biológicos, e não só um modo de ocultar sob uma
cobertura científica um discurso político, mas um modo de pensar as relações
entre colonização, necessidade das guerras, a criminalidade, os fenômenos da
loucura e a enfermidade mental, a história das sociedades com as diferentes
classes" (p. 266).
[3] Sobre a discriminação de
minorias em países desenvolvidos, o autor diz que "... as minorias
poderiam buscar a coexistência pluralista, a assimilação, desejar afastar-se ou
buscar derrocar a ordem existente e estabelecer seu próprio domínio. Por outro
lado, a sociedade hospedeira poderia seguir uma das variedades de políticas:
(1) Assimilação: (a) forçada, (b) permitida; (2) pluralismo; (3) proteção legal
de minorias; (4) transferência de população: (a) transferência pacífica, (b)
migração forçada; (5) sujeição contínua; (6)
extermínio." (Rex, 1983, p. 123-124).
[4] Veja-se, por exemplo,
Wallerstein: "Precisamente por ser uma doutrina antiuniversalista, o
racismo ajuda a manter o capitalismo como sistema. Ele justifica que um
segmento importante da força de trabalho receba uma remuneração muito inferior
a que poderia justificar o critério meritocrático" (1991, p. 34). A mesma
argumentação é aplicada ao trabalho de mulheres, jovens e pessoas de idade
avançada.
[5] Veja-se a posição de Rex apresentada
na seção passada.
[6] Veja-se Weber (1994),
especialmente no primeiro capítulo da Primeira Parte o parágrafo 10
("Relações abertas e relações fechadas") e no segundo capítulo da
Segunda Parte o parágrafo 2 ("Relações econômicas 'abertas' e
'fechadas'").
[7] Aqui, me ocuparei de uma série de
trabalhos do autor sem ter em conta o texto "Recursos y
oportunidades" (1997), no qual Fernández Enguita realiza uma crítica
justamente ao desenvolvimento que faz Parkin da noção de fechamento social,
incluindo as conseqüentes divergências em torno do conceito de exploração.
[8] Na próxima seção este assunto será
tratado com maior atenção.
[9] En
passant, é preciso dizer que a expressão é de uso comum em muitas obras,
inclusive está presente no título da importante Revista Ethnic and Racial Studies.
[10] Este é o caso, ao menos em parte, dos afro-descendentes nos Estados Unidos e Brasil.
[11] Outros, ainda, introduzem uma
terceira possibilidade ademais dos fatores primordiais ou situacionais como
fonte da continuidade do fenômeno étnico, como é o caso de Yinger (1986, p.
27), que destaca a existência do fator caracterológico (characterological factor), pelo qual diferentes
experiências de vida conduzem pessoas com semelhantes posições estruturais e
culturais a assumirem sua identidade étnica de forma diferente.
[12] Neste sentido, Wieviorka
matiza a discussão, explicando que "para destacar claramente a separação
das condutas e do preconceito e afirmar a primazia da estrutura frente à
subjetividade, alguns autores propuseram uma terminologia específica; assim,
Ambalavaner Sivanandan distingue entre o que chama de 'racismo', ideologia
explícita da superioridade racial, e 'racialismo', tratamento desigual das
diferentes raças" (Wieviorka, 1992, p. 149).
[13] Naturalmente que há distintos graus
de elaboração sobre o tema. Assim, por exemplo, um trabalho da ordem de "An American Dilemma", de Myrdal,
examina a questão enquanto um problema moral, buscando
entender como a sociedade norte-americana, que reconhece a si mesma como
a sociedade da democracia e igualdade, pode sobreviver aceitando a opressão do
negro; enquanto que as elaborações de Adorno sobre a personalidade autoritária
pretendem desvelar como se produz o racismo no processo de formação da
personalidade.
[14] Cabe lembrar que, em janeiro de 1933,
Hitler alçou-se ao poder na Alemanha, com 33,1% dos votos.
[15] Como exemplo disso posso citar o
caso da Espanha, país onde realizei meus estudos sobre desigualdade étnica.
Desde 1995, ano em que retornei ao Brasil, as forças de segurança estimam que o
número de integrantes de grupos racistas violentos tenha se multiplicado por
cinco. Já na apreciação do Movimiento
contra la Intolerancia, responsável pela pesquisa, o número de “carecas”
multiplicou-se por nove devido “à atitude dos
tribunais,... que não estão lutando contra o racismo com todas as armas que a
lei põe em suas mãos”. (EL PAÍS DIGITAL. 5 ago. 1999, n. 1189).