EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE SALTO DO LONTRA.

 

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO vem, por seu Promotor de Justiça em exercício perante este juízo, no uso de suas atribuições legais e com fundamento no artigo 129, incisos II e III da Constituição da República; artigo 25, IV, alínea “b” da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e artigos 139 e 201, V, da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/C PEDIDO DE LIMINAR em face do conselheiro tutelar D.D., encontrado junto à sede do Conselho Tutelar de Salto do Lontra, à rua Idanir Canello, s/n0, centro, pela prática reiterada dos fatos, omissões e arbitrariedade narrados no curso da presente ação.

 

 

1. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

1.1 – A legitimidade ad causam do Parquet decorre de sua própria origem e tem como primeiro alicerce o próprio texto Constitucional que atribui à instituição o dever de proteção aos interesses difusos e coletivos, em sua concepção mais ampla.

 

1.2 - Especificamente, o legislador infraconstitucional da Lei 8.069/90, além de explicitar os direitos genericamente prometidos pelo Poder Constituinte Originário à infância e à juventude, também criou um conjunto de medidas judiciais para a garantia destes direitos, ameaçando, com sanções, aqueles que não cumprirem os comandos normativos destinados, em especial, a quem mais precisa: as crianças e os adolescentes.

 

1.3 - Para conferir real efetividade a todo este sistema voltado à tutela dos direitos difusos e coletivos, o legislador atribuiu ao Ministério Público o dever de agir, com prioridade, na defesa desta parte da sociedade em especial. E nem poderia ser diferente, pois somente o Ministério Público concebido como Instituição permanente e essencial à função jurisdicional, é que poderia fazer frente ao manifesto descaso dos demais Poderes Públicos na área da infância e da juventude.

 

1.4 - O novo perfil institucional pós 1.988 colocou em linha de prioridade a atuação Ministerial em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nos termos do artigo 127, caput da Constituição. Além disso, compete também ao Ministério Público, por expressa determinação do Poder Constituinte Originário, a função de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 129, II).

 

1.5 - Justamente para viabilizar uma atuação satisfatória e de vanguarda neste particular é que consta no texto maior como função institucional do Parquet a promoção do inquérito civil e ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, dentre os quais se incluem os referentes à criança e ao adolescente (art. 129, III da CF/88 e art. 201, VIII da Lei 8.069/90).

 

1.6 - Diante desse quadro de transformação e de lutas democráticas, pode a sociedade perceber que o compromisso do Ministério Público deixou de ser simplesmente o de despachar processos e de instaurar ações penais, passando a ser, então, a busca incessante de uma sociedade justa, livre e solidária. Para tanto, mudou-se a ótica de atuação, passando o Ministério Público a atuar na frente desta transformação, em posição de vanguarda, mas sempre em defesa da sociedade, última destinatária de seus serviços.

 

1.7 - Como se não bastasse toda a cristalina permissividade decorrente do texto constitucional, referente à atuação do Ministério Público nesta seara, o legislador infraconstitucional, com o nítido propósito de dissipar eventuais dúvidas, inseriu no texto da Lei 8.069/90 a legitimidade do Ministério Público para as ações relacionadas à defesa dos direitos em questão, conforme artigo 210, inciso I, do ECA.

 

 

2.       DOS FATOS

 

2.1 - Ao assumirmos a titularidade da Comarca de Salto do Lontra, nos deparamos com uma situação drástica no que se refere ao Conselho Tutelar. Fomos procurados por inúmeras lideranças comunitárias e políticas da sociedade local, que solicitaram do Ministério Público uma atuação frente à situação caótica do Conselho.

 

2.2 - Imediatamente, na qualidade de representante do Ministério Público na Comarca, solicitamos a designação de data para audiência pública na Câmara Municipal e, posteriormente, recepção no gabinete do Prefeito, o que de fato ocorreu a contento. Nas referidas oportunidades, dentre outros assuntos, a atuação do Conselho Tutelar foi a grande preocupação. Na mesma ocasião, houve a formalização de alternativas para viabilizar a atuação do Conselho, em sintonia com o disposto na Lei 8.069/90 e uma unanimidade entre os integrantes da comunidade: o conselheiro D. não possui condições de exercer o cargo que ocupa.

 

2.3 - De fato, ante a gravidade da situação e a qualidade do serviço prestado pelo conselheiro D., inúmeras reclamações começaram a chegar a esta Promotoria de Justiça, todas documentadas e anexadas a essa ação, com o carimbo da Promotoria de Justiça e devidamente numeradas. (documentos de 01 a 14).

 

2.4 - Da análise da documentação colhida pelo Parquet desde abril de 1.997, chegamos à conclusão de que o referido membro em atuação não possui o discernimento e a didática necessários ao exercício do cargo - vejamos o teor da documentação em anexo:

 

Doc. 1: ofício do Sr. Prefeito Municipal solicitando providências ante o desempenho insatisfatório do conselho.

 

Doc. 2: declaração da secretária municipal de ação social informando que a comunidade não se encontra satisfeita com os serviços prestados pelo conselho; que desde o dia 22 de abril, o conselho decretou greve, medida que vem prejudicando substancialmente o atendimento às crianças e as atribuições referidas no artigo 136 do ECA e que no dia 15 de maio, o conselheiro D.D., no exercício de suas funções, mordeu uma criança de 11 anos.

 

Doc. 3: declaração do Presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de teor semelhante ao contido no doc. 2.

 

Doc. 4: certidão da delegacia de polícia atestando que o conselheiro D.D. apreendeu o menor J. B. de apenas 11 anos e que o mesmo levou mordidas do referido conselheiro.

 

Doc. 5: termo de promessa legal para a realização de exame de lesões corporais na criança J. M. B.

 

Doc. 6: laudo de exame de lesões corporais realizado na criança J. M. B., que comprovou documentalmente a agressão praticada pelo conselheiro D. (vide resposta aos quesitos no verso).

 

Doc. 7: recorte do Jornal de Beltrão, onde, no dia 21.05.97,foi veiculada a notícia que o conselho tutelar de Salto do Lontra paralisou os atendimentos.

 

Doc. 8: declaração da professora estadual Sra. Z. M., informando a esta Promotoria de Justiça que perdeu a confiança no conselho; que seus membros não têm aptidão para o exercício da função; que o conselho é inerte e apático e que sempre que precisa do auxílio deste órgão se vê obrigada a recorrer a esta Promotoria ou à Polícia.

 

Doc. 9: cópia autenticada extraída dos autos de nº 01/97, em que se pode observar a qualidade do trabalho prestado pelo conselho desta cidade. Na oportunidade, o Ministério Público determinou a realização de estudo social para que se pudesse aferir a adaptação da criança ao novo lar, mas o conselho apresentou o relatório ora em anexo como resposta; sendo que o mesmo foi desconsiderado pelo Ministério Público ante a sua total ausência de qualidade.

 

Doc. 10: documento autenticado pelo Cartório Cível e extraído dos autos nº 07/97, em que o diretor do hospital reclama da maneira com a qual D. se relaciona com a comunidade local, sempre tentando impor seus métodos de atuação. Diz, ainda, que o referido conselheiro é temperamental, ríspido e deseducado (doc. autenticado em anexo).

 

Doc. 11: declaração de três integrantes do Conselho Tutelar de Salto do Lontra, atestando que D. não cumpre determinações do Presidente do órgão; não compartilha assuntos referentes ao exercício do cargo com os outros integrantes; não permite a utilização de material e de documentos arquivados no Conselho pelos outros membros; retém a chave dos arquivos em seu poder, impedindo o trabalho dos demais e que seu comportamento representa um entrave ao bom desempenho do órgão.

 

Doc. 12: cópia da Lei Municipal que permite a nomeação pelo Prefeito de Conselheiro ad hoc.

 

Doc. 13: solicitação de providências do Presidente do Conselho Municipal para Assuntos da Criança e do Adolescente, em relação ao comportamento do conselheiro D..

 

Doc. 14: solicitação dos demais conselheiros ao Presidente ...

 

(...)

 

... cas básicas: (a) indeterminação do sujeito; (b) indivisibilidade do objeto; (e) intensa litigiosidade interna; e (d) tendência à mutação no tempo e no espaço. Percebe-se, portanto, que a tutela dos interesses difusos independe de prévia existência de texto normativo, mas tão somente de sua relevância social.

 

Já os interesses coletivos diferem-se dos difusos, pois têm como titulares grupos determinados ou indeterminados, mas determináveis. Neste caso, existe relação jurídica servindo de alicerce e que vincula os integrantes deste grupo.

 

3.4 - Diante do texto doutrinário acima transcrito, fácil é a conclusão de que os direitos inerentes às crianças e aos adolescentes se adequam ao conceito de interesses difusos; sendo certo que se a tutela de tais interesses independe de prévia regulamentação legal, bastando sua comprovada relevância social, com muito mais razão se justifica a presente ação, que conta com amplo suporte legal; que, diante do exposto, ganha contornos de mera supletividade.

 

3.5 - Superada a questão da legitimidade e do suporte legal, passemos à análise das provas documentais desde já produzidas.

 

3.6 - A documentação juntada com a inicial é exauriente de forma, inclusive, a dispensar maiores incursões. A paralisação das atividades do Conselho, por exemplo, fere a Constituição da República, que é clara ao impor limites ao direito de greve, o que se atesta com a simples leitura do artigo 37, VII.

 

3.7 - Além disso, a atividade do conselho pode ser qualificada como essencial, o que agrava ainda mais a atitude irresponsável de seu membro D.. A doutrina, comentando o tema é taxativa ao dispor:

 

“Pelo Princípio da Continuidade do Serviço Público, entende-se que sendo esta a forma pela qual o Estado desempenha funções essenciais ou necessárias à coletividade, não podem as mesmas parar” (MARIA SÍLVIA ZANELLA DI PIETRO; Direito Administrativo, 8ª ed., Atlas, pág. 67).

 

3.8 - Entendemos, nesse particular, que o direito de greve é relativo e não absoluto, tanto é assim que as decisões do Tribunal Superior do Trabalho têm exigido a manutenção do mínimo necessário das atividades no período de greve, de forma a não prejudicar a população, dado o grau de essencialidade do serviço prestado. Tal analogia se aplica ao serviço prestado pelo conselho.

 

 

4.       DA CONCLUSÃO

 

4.1 - A análise do contexto apresentado permite, inegavelmente, a conclusão no sentido de que a permanência da atual situação vem trazendo enormes prejuízos à comunidade local e ao serviço de assessoria ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, nas respectivas funções processuais. A qualidade dos relatórios apresentados pelo conselho e os docu­mentos em anexo constituem prova exauriente desta notória deficiência.

 

4.2 - O que se percebe é que o conselho tutelar somente existe formalmente nesta comarca, vez que sua atuação, além de tumultuar as relações entre os diversos ramos da coletividade, se mostra apática e incapaz de conferir efetividade às determinações do Estatuto; tudo com enorme prejuízo aos destinatários imediatos deste serviço.

 

4.3 - É verdade que as condições de trabalho do conselho não são boas; todavia, tais dificuldades não justificam as atitudes que vêm sendo tomadas por parte do Conselheiro D., que, inclusive, chega a trancar as dependências do Conselho, para impedir que os outros membros possam exercer suas funções, conforme documento 11.

 

4.4 - Todo o conjunto probatório existente, por si só, já justifica a propositura desta ação por parte do Ministério Público, pois é a única instituição que não pode quedar-se inerte frente aos fatos ora noticiados. O compromisso para com a sociedade, firmado no pacto constitucional de 88, não lhe permite!

 

4.5 - Recentemente a Prefeitura Municipal e a Câmara de Vereadores do Município desenvolveram trabalho conjunto, com o intuito de viabilizar juridicamente o presente pedido, o que culminou com a elaboração da Lei Municipal de número 39/97, sancionada aos 23 dias de outubro de 1997.

 

 

5.       DO PEDIDO FINAL

 

5.1 - Por todo o exposto e exaustivamente justificado, considerando-se a análise da documentação produzida desde já com esta ação e com fundamento nos artigos mencionados no preâmbulo desta inicial e na Constituição da República, requer o Ministério Público:

 

a)                       o deferimento do afastamento liminar do conselheiro D.D., por manifesta inaptidão para o exercício do cargo; devendo, em seguida, oficiar-se ao Sr. Prefeito Municipal para que após declarar a vacância do cargo, nomeie substituto ad hoc, até a realização de eleições, conforme prevê a Lei Municipal número 25/91.

 

b)                       a citação do referido conselheiro para que apresente defesa tempestiva e produza as provas necessárias ao pleno esclarecimento da situação.

 

e)                       citação do Sr. Prefeito Municipal e do Presidente do Conselho Municipal, para que tomem, desde já, ciência da presente ação.

 

d)                       a oitiva das testemunhas abaixo arroladas para que, no momento oportuno, venham a Juízo depor sobre os fatos ora noticiados.

 

e)                       a observância do procedimento traçado na Lei 7.347/85.

 

6 - Dá-se à causa, para fins meramente fiscais, o valor de 500,00 reais.

 

7 - Por fim, requer o Ministério Público a conclusão imediata ao Dr. Juiz para a apreciação do pedido liminar, sob pena de perda do objeto.

 

Salto do Lontra, 02 de março de 1998

 

 

Marcio Pinheiro Dantas Motta

Promotor de Justiça

 

TESTEMUNHAS:

 

N.M., Prefeito Municipal

 

J.M., Secretária Municipal de Ação Social

 

C.D., Conselheiro Municipal da Criança e do Adolescente

 

J.B.C., conselheiro tutelar

 

S.P., conselheira tutelar

 

D.S., conselheiro tutelar

 

R.L., conselheiro tutelar