DA NATUREZA JURÍDICA DO CONSELHEIRO TUTELAR: VÍNCULO
JURÍDICO [1]
Newton de Lavra Pinto Moraes
Assessor Superior do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
Elaborado em razão de
consulta da Dra. Ivana Kist Huppes,
Promotora de Justiça de Erexim, RS.
Ab initio, pertinentes breves análises no que concerne à previsão, de índole Constitucional do Conselho Tutelar à municipalização de tal responsabilidade.
Trata-se de modo de descentralização das atividades estatais, a partir do regramento insculpido no art. 204 da CF/88, que prevê o princípio da descentralização político-administrativa, aliada à participação da população na elaboração de estratégias políticas e controle das ações nos níveis administrativos.
"Quando a
Constituição se refere à descentraliazção
política, nada mais está dizendo senão que a União transfere titularidade para
outras pessoas jurídicas de direito público, como os Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal.
(...)
A importância da
municipalização decorre dos problemas enfrentados no dia-a-dia, ocorrendo
sempre numa área física, geográfica, onde as pessoas estão concretamente
próximas umas das outras e onde a solução dos problemas locais tem reflexos
diretos nos seus membros. Assim, buscar respostas e soluções dentro de uma
mesma comunidade, com participação de pessoas que vivenciam a realidade
diariamente, resulta em maior eficiência e eficácia que a antiga verticalização adotada pelos órgãos do governo federal, de
forma centralizada.”[2]
Na esteira do disposto no Art. 131, do Estatuto da Criança e do Adolescente, define a doutrina:
"Antes de mais nada, o
Conselho Tutelar caracteriza-se por um espaço que protege e garante os direitos
da criança e do adolescente, no âmbito municipal. É uma ferramenta e um
instrumento de trabalho nas mãos da comunidade, que fiscalizará e tomará
providências para impedir a ocorrência de situações de risco pessoal e social
de crianças e adolescentes".[3]
Quanto à natureza jurídica do Conselho Tutelar, tem-se que é:
"... uma instituição de direito público, de âmbito
municipal, com características de estabilidade e independência funcional,
desprovido de personalidade jurídica, que participa do conjunto das
instituições brasileiras, estando, portanto, subordinado às leis vigentes no
país".[4]
Do funcionamento
Tendo-se presente a previsão de que, em razão da descentralização política referida, há de ser criado por Lei Municipal, que fixará os critérios de funcionamento.
Nessa esteira, analisando "as
atribuições do Conselho Tutelar (art. 136 do ECA) e a
relevância do serviço público prestado, concluímos que ele deve funcionar todos
os dias da semana, incluindo-se domingos
e feriados.
"Confirmando a assertiva de que o Conselho Tutelar é o
responsável direto pela atenção primeira à criança e ao adolescente em situação
de risco pessoal e social, temos que, quanto ao horário de seu funcionamento,
deve ser integral, ou seja, em dois turnos durante o dia, além de plantões para
o atendimento das ocorrências, reclamações e denúncias efetuadas durante a
noite, aos domingos e feriados, pois o desrespeito aos direitos infanto-juvenis
não tem hora para acontecer..."
No que concerne à natureza jurídica do conselheiro tutelar, palmilhando-se a doutrina e a jurisprudência pátria, embora não unânime, percebe-se majoritário posicionamento no sentido de que se tratam de servidores públicos, em sentido amplo.
Em se tratando de desempenho de ação estatal, é pertinente a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello[5], classificando, pois, os agentes públicos em três grupos: agentes políticos, servidores públicos e particulares em atuação colaboradora com o Poder Público.
Diz o autor:
"Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais
à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem
o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do
poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado."
Em tal classificação, enquadram-se o Presidente da República, Senadores, Deputados Federais, Governadores, Deputados Estaduais, Prefeitos e Vereadores, bem como os Magistrados e Agentes do Ministério Público, qualificados ao exercício pela qualidade de cidadãos, titulares de direitos e de responsabilidades na condução da res publica, exercendo as funções estatais, não em caráter técnico, mas traçando a orientação superior a ser cumprida por meios técnicos, pelos demais agentes.
Em seqüência, tem-se os servidores
públicos como sendo "todos aqueles
que mantêm com o Poder Público relação de Trabalho, de natureza profissional e
caráter não eventual".
Por derradeiro, a terceira categoria, abarcada pelos
particulares em colaboração com a Administração Pública. "Aqueles particulares que prestam um serviço ou missão pública
(jurados, convocados pela justiça eleitoral, serviço militar etc)”.
Sob o âmbito da Lei nº 8.069/90 - ECA, o artigo 131 prevê o
Conselho Tutelar como "órgão
permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”, complementado pelo disposto no
artigo 135, indicador de que "o
exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade
moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento
definitivo".
Guilherme Freitas de Barros Teixeira, Promotor de justiça do Estado do Paraná, leciona:
"Verifica-se,
pois, que a função de conselheiro tutelar, embora seja retribuída com
remuneração paga pelo Município, não pode ser incluída na categoria do servidor
público (em sentido estrito), mas assemelhada à definição de agente honorífico.
CONCLUSÃO: Pelo exposto, conclui-se que inelegibilidade
referente aos servidores públicos não se estende aos membros dos Conselhos
Tutelares, ao menos em uma interpretação literal da Lei Complementar nº 64/90.
Esse entendimento, aliás, foi consagrado em Resolução
expedida pelo Tribunal Superior Eleitoral, analisando consulta formulada por um
deputado federal, acerca da necessidade ou não de desincompatibilização de
membro do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente." (TSE, Resolução nº 14.625, de 19.04.94. Rel. Min.
Walter Medeiros, in JTSE 6/388).
Em sentido contrário, considerando, pois, a natureza jurídica do cargo/função de conselheiro tutelar, o Culto Parecer da lavra do Dr. Francisco de Assis Vieira Sanseverino:
"(...) vínculo jurídico com órgão municipal de
caráter administrativo. Não se trata de agentes
políticos, os quais integram os órgãos superiores do governo (...). O
Conselheiro titular não é agente político, nem é possível – 'data venia' do entendimento contrário – equipará-lo a tanto, na
medida em que não integra órgão superior do Governo Municipal. Trata-se de agente administrativo por integrar órgão da
Administração Pública; é servidor público, em sentido amplo, porque mantém
vínculo jurídico com órgão que integra a administração pública municipal.
"É verdade que não é funcionário público, "stricto sensu",
na medida em que não se vincula a estatuto próprio de servidor. Não é servidor
regido por regime da CLT. Ainda no ensinamento de Celso Antonio Bandeira de
Mello." (op. cit.)
"Embora não possua vínculo de
dependência, o Conselheiro Tutelar exerce serviço público relevante, de forma
temporária, mas não eventual. Em contrapartida aos serviços prestados, recebe
remuneração paga pelos cofres da Administração Pública Municipal. Destarte é
lícito afirmar que se trata de servidor público em sentido amplo.
Com efeito, ele exerce função pública, em alguns casos
remunerada pelo poder público municipal (dependência de Lei Municipal), podendo
ser considerado servidor público, em sentido amplo. O que impõe a incidência
das mesmas restrições aos direitos políticos aplicadas aos servidores públicos.”
Conclui o Parecerista:
"Em relação ao
questionamento, deverá o conselheiro tutelar afastar-se da função
para concorrer a cago eletivo. O prazo é de até três meses antes do pleito e a
hipótese é de afastamento remunerado".
Cabe fazer constar brado do Desembargador Luiz Melíbio Uiraçaba Machado, quando do julgamento do Processo CI. VII, nº 08/96, citado no parecer referido:
"O vínculo do
Conselheiro Tutelar é mais intenso com a política partidária do que o dos
outros funcionários. E o que se pretende é evitar que alguém, no exercício da
função pública, se valha da função para fazer sua campanha eleitoral. O
afastamento parece ser de toda conveniência, principalmente no Conselho
Tutelar. Neste particular, não precisaríamos entrar no aspecto jurídico do tipo
de vínculo que o Conselheiro tem com o município. O certo é que exerce uma
função pública".
Na mesma senda, a Informação Técnico-Jurídica nº 001/00, de origem do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público do Estado de Goiás:
“(...)
Exercendo o Conselho Tutelar, parcela do Poder Público, o seu integrante – conselheiro tutelar –
é muitas vezes e para fins específicos equiparado a servidor público.
A simples atribuição do Conselho Tutelar de promover a
execução de suas decisões, podendo para tanto requisitar serviços públicos nas
áreas da saúde, educação, serviço social etc. leva alguns Doutos a afirmar
que exercendo ... uma parcela do poder (não jurisdicional), o Conselho Tutelar
tem autoridade para promover a execução de suas decisões, requisitando serviços
públicos ...omissis... ou representando ao juiz em
caso de injustificada DESOBEDIÊNCIA; para expedir notificações e para
requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente..." (grifos originais).
A equiparação do Conselheiro Tutelar a agente (funcionário/servidor) público é utilizada para vários fins, tais como os seguintes:
- em caso de ser desacatado em razão de suas funções legais, o agressor pode incorrer no crime de desacato;
- em caso de alguém desobedecer, sem justificativa, uma ordem legal de um conselheiro tutelar, aquele poderá incorrer no crime de desobediência;
- caso o conselheiro tutelar aproprie-se de algum valor ou outro bem móvel do Conselho Tutelar, pode ser processado pela prática do crime de peculato.
A questão de equiparação do Conselheiro Tutelar a servidor público ou a funcionário público se dá para fins de aplicação das demais legislações infraconstitucionais.
Cita-se, entre tantas outras, a definição contida na Lei Federal nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), a qual define agente (funcionário/servidor) público da seguinte maneira:
“Art. 1º Os atos de improbidade
praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a Administração
direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de
Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para
cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma
desta Lei.
Parágrafo único: Estão também sujeitos às penalidades
desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que
recebe subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício,
de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão
do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta
Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração por
eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de
investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades
mencionadas no artigo anterior."
Presente na mesma peça, abordagem do âmbito Penal, nos seguintes termos:
"Com relação ao Código Penal, o legislador ditou que considera-se (sic) funcionário público, para os efeitos
penais quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego
ou função pública, ex vi do artigo 327, daquele diploma legal especial.
A doutrina pátria leciona que agentes públicos são ‘... todas as pessoas físicas
incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma
função estatal ...’ e que
aqueles se dividiram em agentes políticos, administrativos, honoríficos e
delegados, pelo que a própria doutrina define que os servidores públicos ‘... constituem subespécie dos agentes públicos adminsitrativos ...’
Conclui-se, finalmente, que o membro do Conselho Tutelar exerce função pública, sendo aquele um órgão público
executor da municipalização do atendimento à criança e ao adolescente, pelo que
o conselheiro tutelar tem sua natureza jurídica – anômala diga-se de passagem –
equiparada a servidor (funcionário) público para variados fins legais."
Análise do vínculo sob o prisma celetista
Pertinente aprofundamento no que concerne ao vínculo do Conselheiro com o Município, tendo em vista a propositura de Reclamatórias Trabalhistas, colaciona-se inteiro teor de Acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, apto a dirimir eventual controvérsia de tal natureza Fonte: Site Oficial do TST.
"TRIBUNAL:4ª Região
Tipo: RO Número: 96.017459-1 ANO: 1996
EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. CONSELHEIRO TUTELAR. MEMBRO ELEITO
PELOS CIDADÃOS LOCAIS, PARA O CONSELHO TUTELAR DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE, CUJAS ATRIBUIÇÕES ESTÃO ELENCADAS NO ART. 136 DA LEI Nº 8.069/90,
AINDA QUE O EXERCÍCIO EFETIVO DA FUNÇÃO DE CONSELHEIRO CONSTITUA SERVIÇO
PÚBLICO RELEVANTE, NÃO DETÉM A SITUAÇÃO JURÍDICA DE EMPREGADO DO MUNICÍPIO, NO
CURSO DE SEU MANDATO.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO,
interposto de decisão da MM. 1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Passo
Fundo, sendo recorrente JORGE LUIZ COSTA e recorrido MUNICÍPIO DE PASSO FUNDO.
Da sentença de fls. 218/221, recorre, por via ordinária, o reclamante,
consoante razões às fls. 225/226, buscando o reconhecimento de vínculo
empregatício com o Município recorrido e, por conseqüência, o deferimento das parcelas
trabalhistas pleiteadas na petição inicial. Diz o recorrente que, no exercício
das funções de membro titular do Conselho Tutelar dos Direitos da Criança e do
Adolescente, no período de 08.10.92 a 07.10.95, teria mantido relação jurídica
de emprego, e não de natureza administrativa, com o recorrido, porque presentes
os requisitos do art. 3º da CLT. Refere que a Lei nº 8.069/90, que instituiu os
Conselhos Tutelares, não tratou de definir a natureza jurídica dos seus membros
no desempenho das funções em relação ao Poder Executivo Municipal. Aduz que a Lei Municipal nº 2.998/95, em seu art. 41, "caput" e
parágrafo único, prevê a concessão de férias aos conselheiros, o que, na
espécie, não foi observado. Assim, na pior das hipóteses, teria direito à
indenização de férias relativas ao período citado, por tratar-se de parcela
trabalhista. Contra-razões às fls. 230/232. O Ministério Público do Trabalho,
em parecer de fls. 236/237, opina pelo não-provimento do recurso. É o
relatório.
ISTO POSTO:
PRELIMINARMENTE Não merece acolhida a prefacial de intempestividade do recurso,
argüida em contra-razões, pelo recorrido. Embora seja certo que as partes foram
previamente cientificadas da publicação da sentença no dia 31 de maio de 1996,
às 10h20min, conforme consta da ata de fl. 215. Ocorre que nenhuma das partes
compareceu à audiência em que foi prolatada a sentença e, na ocasião, o órgão
julgador determinou a notificação de ambas, como se observa no final da ata
respectiva (fl. 221). Desse modo, não cabe presumir a ciência da sentença na
data da sua publicação, até porque não há qualquer elemento a indicá-la, não
servindo para tanto a circunstância de o autor ser advogado e estar atuando em
causa própria. Tem-se, assim, que a notificação, expedida em 05.06.96, quarta-feira,
e não constando, do comprovante de entrega do SEED (fl. 222), a data do seu
recebimento, presume-se que este ocorreu dois dias depois da expedição, ou
seja, em 07.06.96, sexta-feira, à luz do Enunciado nº 16 do TST. Logo, o prazo
recursal teve início em 10.06.96, terça-feira, e término em 18.06.96,
terça-feira, como consta da certidão de fl. 222v. O recurso interposto em
17.06.96, segunda- feira, é manifestamente tempestivo.
MÉRITO. Insiste o recorrente em sua pretensão ao
reconhecimento de vínculo empregatício com o Município de Passo Fundo, no
período de 08.10.92 a 07.10.95, em que foi membro titular do Conselho Tutelar
dos Direitos da Criança e do Adolescente, com sede naquele município, alegando
presentes os requisitos previstos no art. 3º da CLT. É fato incontroverso nos
autos que o exercício da função de Conselheiro Tutelar, pelo recorrente, deu-se
em razão de ter sido ele eleito por voto direto dos cidadãos locais, para
mandato de três anos, de acordo com as normas aplicáveis à espécie. De início,
cabe analisar as características e funções do Conselho Tutelar e de seus
membros à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Lei nº 8.069, de 13 de
julho de 1990, que dispõe sobre o referido Estatuto, em seu art. 131, define o
Conselho Tutelar como sendo um órgão permanente e autônomo não jurisdicional,
encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e
do adolescente. O Conselho é formado por cinco membros, eleitos pelos cidadãos
locais para mandato de três anos, permitida uma reeleição (art. 132), cabendo
ao Município estabelecer o processo eleitoral a ser realizado sob a presidência
de juiz eleitoral e a fiscalização do Ministério Público (art. 139). Dispõe o
Estatuto que o exercício efetivo da função de conselheiro constitui serviço
público relevante (art. 135), incumbindo à Lei Municipal dispor sobre eventual
remuneração de seus membros (art. 134). O Município recorrido regulamentou a
instituição do Conselho Tutelar, nos termos da Lei nº 2.679, de 29.09.91,
alterada pela Lei nº 2.998, de 06.01.95 (fls. 13/30). O primeiro diploma legal,
em seu art. 18, parágrafo 1º, invocado na petição inicial, dispõe que os
membros do Conselho Tutelar receberão, através do CMDCA (Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente), com recursos do Fundo Municipal, sob a
forma de gratificação, o correspondente ao CC-5 do Quadro de Funcionários do
Executivo Municipal. O Regimento Interno do Conselho Tutelar, aprovado em
Reunião Pública realizada no plenário da Câmara Municipal de Vereadores de
Passo Fundo (fls. 98/108), esclarece, no art. 32, que na qualidade de membros
eleitos por mandato, Conselheiros não serão funcionários do quadro da
Administração Pública Municipal, embora percebam, sob a forma de gratificação,
o valor previsto no já citado § 1º do art. 18 da Lei nº 2.679/91. Diante das
normas legais mencionadas, o Conselheiro Tutelar, eleito pelos cidadãos locais,
segundo processo eleitoral próprio, com mandato por tempo determinado, como
membro do órgão permanente e autônomo, encarregado pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, nada obstante sua função
constitua serviço público relevante, não detém a situação jurídica de empregado
do Município. Nem se vislumbra, na hipótese dos autos, a presença dos elementos
integrantes da definição de emprego contida no art. 3º da CLT, tendo em vista
que o próprio recorrente afirma, na peça exordial,
que as suas atribuições eram aquelas elencadas no art. 136 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, pois estas são, exatamente, as atribuições do
Conselho Tutelar. Ainda que assim não fosse, e estivessem delineados todos os
elementos característicos das situações de emprego e de empregador nos termos
da legislação trabalhista, não poderia vingar a pretensão ao reconhecimento de
vínculo de natureza empregatícia com o município recorrido. Isso porque não
estaria atendido o princípio constitucional da acessibilidade a cargos e
empregos públicos mediante concurso público, consagrado pelo art. 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988, diante do
qual sucumbe o princípio da primazia da realidade que informa o Direito do
Trabalho. Diante do que preceitua o § 1º do citado dispositivo constitucional,
a contratação de empregado por órgão da administração pública
direta, indireta e fundacional, sem prévia
habilitação em concurso público, de provas ou de títulos, é nula de pleno
direito e, portanto, não implica a formação do vínculo jurídico de emprego.
Impõe-se, portanto, a confirmação do julgado de origem quando declara a
inexistência de vínculo empregatício entre as partes. Logo, não há que se
cogitar de direitos decorrentes do desempenho da função de conselheiro tutelar,
como o de férias, com fundamento no art. 41, "caput", e parágrafo
único da Lei Municipal nº 2.998/95, que é invocado nas razões recursais.
Ante o exposto, ACORDAM os Juízes da 3ª Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da 4ª Região: PRELIMINARMENTE, por unanimidade, EM
REJEITAR A PREFACIAL DE INTEMPESTIVIDADE DO APELO. NO MÉRITO, por unanimidade,
EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Intimem-se. Porto Alegre, 27
de novembro de 1997. JOSÉ FERNANDO EHLERS DE MOURA - Presidente NIRES
MACIEL DE OLIVEIRA - Relatora MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ACÓRDÃO
96.017459-1 RO Fl.1.”
No mesmo sentido, Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino[6] defendem, escorados na lição de Edson Sêda:
"O conselheiro tutelar é um servidor público cuja
função relevante (art. 135 do ECA) dura enquanto durar
seu mandato de três anos, renovável por mais três. Mesmo remunerado, o trabalho
que executa não gera vínculo empregatício com a Municipalidade. Não é regido
pelas leis trabalhistas, porque não é empregado. Sua função relevante é regida
por norma geral federal (Estatuto), e pode, nos termos dessa mesma norma geral,
nem ser remunerado. A lei municipal deve prever (art. 134, parágrafo único, do
ECA) no orçamento recursos para a manutenção do Conselho, aí incluída a função
gratificada de conselheiro.
O conselheiro tutelar não terá regime funcional
qualificado como estatutário ou de prestação de serviços de terceiros, porque é
escolhido pela comunidade, com mandato certo.
A ninguém ficará subordinado administrativamente. Prestará
seu trabalho de acordo com a determinação legal, e só a ela estará obrigado.
Contudo, seu trabalho poderá ser fiscalizado pelo Ministério Público e pela
autoridade judiciária."
Ainda na seara jurisprudencial:
TSE
Número do Processo Tipo do Processo 16878 RESP - RECURSO
ESPECIAL ELEITORAL Tipo do Documento Nº Decisão Município - UF Origem Data 1 -
ACÓRDÃO 16878 PATO BRANCO - PR 27/09/2000 Relator NELSON AZEVEDO JOBIM Relator
designado Publicação PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/09/2000
Ementa REGISTRO DE CANDIDATO. CONSELHEIRO TUTELAR.
MUNICÍPIO. ELEIÇÃO PROPORCIONAL. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. O conselheiro tutelar
do município que desejar candidatar-se ao cargo de vereador deve
desincompatibilizar-se no prazo estabelecido no art. 1º, II, "l", c/c
IV, "a" , da LC nº 64/90. Não-conhecimento.
Indexação Necessidade, desincompatibilização, membros,
conselho, tutela, direitos, criança, adolescente, prazo, trimestre,
anterioridade, eleições, candidatura, cargo, vereador, reconhecimento,
qualidade, servidor público; distinção, diversidade, órgãos, âmbito, município,
previsão, estatuto da criança e do adolescente. (ISO)
Decisão Por unanimidade, o Tribunal não conheceu do
recurso.
Referência Legislativa
Leg.: FEDERAL LEI
COMPLEMENTAR Nº.: 64 Ano: 1990 (LC - LEI DE
INELEGIBILIDADES)
Art.: 1 -
Inc.: 2- Let.:Art.: 1 - Inc.: 4 - Let.:
A
Leg.: FEDERAL LEI ORDINARIA
Nº.: 8069 Ano: 1990
Art.: 88
- Inc.: 2
Art.: 131
Art.: 134
Art.: 135
Art.: 136
Art.: 137
Art.: 139
Número do Processo Tipo do Processo 15237 REC - RECURSO
CIVEL Tipo do Documento Nº Decisão Município - UF Origem Data 1 - Acórdão 136318
SP 24/08/2000 Relator José Reynaldo Peixoto de Souza Relator designado
Publicação PSESS - Publicado em Sessão, Data 24/08/2000
Ementa REGISTRO DE CANDIDATO - MEMBRO DE CONSELHO TUTELAR PREVISTO NO ESTATUTO DA
CRIANCA E DO ADOLESCENTE - AFASTAMENTO PARA CONCORRER A CARGO ELETIVO -
DESNECESSIDADE. REGISTRO DE CANDIDATO, IMPUGNACAO, INDEFERIMENTO, FUNDAMENTO,
AUSENCIA, CARACTERIZACAO, FUNCIONARIO PUBLICO, CARGO, MEMBRO, CONSELHO TUTELAR, CRIANCA, ADOLESCENTE,
DESNECESSIDADE, DESINCOMPATIBILIZACAO, RECURSO, DESPROVIMENTO, REGISTRO,
MANUTENCAO, DEFERIMENTO.
Jurisprudência do TRE-MG Número do Processo Tipo do
Processo 6522000 CONS - CONSULTA Tipo do Documento Nº Decisão Município - UF
Origem Data 1 - ACÓRDÃO 322/2000 BELO HORIZONTE - MG 22/05/2000 Relator JOÃO
SIDNEY ALVES AFFONSO Relator designado Publicação DJMG - Diário do Judiciário-Minas Gerais, Data 07/06/2000, Página 70
Ementa Consulta. Desincompatibilização de ocupantes de
cargos em Conselhos Tutelares da Criança e do Adolescente, Conselhos de Saúde,
Conselhos da Habitação e assemelhados. Desnecessidade. Falta de previsão legal.
Ressalva quanto aos cargos cujo exercício possa influenciar no resultado das
eleições. Equiparação a servidores públicos. Prazo de desincompatibilização de
3 meses anteriores ao pleito. Consulta conhecida.
Jurisprudência do TRE-PR Número do Processo Tipo do
Processo 898 RE - RECURSO ELEITORAL Tipo do Documento Nº Decisão Município - UF
Origem Data 1 - ACÓRDÃO 24154 RIBEIRÃO DO PINHAL - PR 28/08/2000 Relator DR. FREDY HUMPREYS Relator designado Publicação PSESS -
Publicado em Sessão, Data 28/08/2000 Ementa REGISTRO DE CANDIDATO. MEMBRO DE
CONSELHO TUTELAR - DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - NECESSIDADE. Como o membro de
Conselho Tutelar ocupa cargo público, deve ser considerado servidor público e,
assim, para candidatar-se a vereador, deve obedecer ao que dispõe o art. 1º,
inciso I, alínea "l", da Lei Complementar nº 64/90, afastando-se de
suas funções até 03 (três) meses antes do pleito. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Catálogo EL0188: MANDATO ELETIVO – CASSACAO Indexação RECURSO, REGISTRO DE
CANDIDATO, MEMBRO, CONSELHO, DESINCOMPATIBILIZAÇÃO, PRAZO, NECESSIDADE,
AFASTAMENTO, SERVIDOR PÚBLICO, CANDIDATO, VEREADOR, PRESIDENTE, DIRIGENTE,
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Decisão à unanimidade de votos, em
conhecer do recurso, para, no mérito, dar-lhe provimento.Observação
Diferenciação: Conselho Tutelar x Conselho Municipal Dtos.
da Criança
Jurisprudência do TRE-PR -RE - RECURSO ELEITORAL Tipo do
Documento Nº Decisão Município - UF Origem Data 1 - ACÓRDÃO 24104 PATO BRANCO -
PR 23/08/2000 Relator DES. ROBERTO PACHECO ROCHA Relator designado Publicação
PSESS - Publicado em Sessão, Data 23/08/2000 Ementa REGISTRO DE CANDIDATURA -
CANDIDATO A VEREADOR - MEMBRO DO CONSELHO TUTELAR MUNICIPAL - DESINCOMPATIBILIZAÇÃO
- NECESSIDADE. Como o membro do Conselho Tutelar ocupa cargo público, deve ser
considerado servidor público e, assim, para candidatar-se a vereador, deve
desincompatibilizar-se mediante afastamento com o prazo antecedente de três meses
em relação ao pleito (art. 1º, inc. I, alínea l, da Lei Complementar nº 64/90).
Decisão à unanimidade de votos, em conhecer do recurso, para, no mérito,
negar-lhe provimento. Observação No mesmo sentido Acórdãos
nº 24.105/00 e nº 24.106/00 TRE PR.
Do regime de dedicação
Para tal análise, colhe-se o constante do Parecer nº 789/94, elaborado pela Dra. Andrea Teichmann Vizzotto, Procuradora do Município de Porto Alegre, vazado, com base na legislação municipal da capital gaúcha disciplinadora do Conselho Tutelar e seus membros:
"Segundo o nosso entendimento, ao
longo da história do serviço público o regime de dedicação exclusiva, como a
própria expressão já denota, pretende que o servidor exerça as suas atividades
exclusivamente para o serviço público, ao qual está vinculado. Para tanto
remunera o servidor para que omesmo dedique-se
integralmente às suas funções.
(...)
Não parece ter sido outra a intenção do legislador
municipal ao exigir que o trabalho do conselheiro tutelar seja exercido com
cunho de exclusividade. Tamanha a sua responsabilidade e tantos são seus
afazeres que – afora alguma impropriedade jurídica que não cabe ser aqui
analisada – foi correta a solução encontrada pelo elaborador da lei.
Está claro o objetivo do legislador e, segundo nosso
entendimento, a dedicação exclusiva sobrepõe-se até mesmo às atividades
exercidas sem remuneração, tal foi a preocupação de
deixar consignada na lei esta exigência de dedicação integral.
(...)
Embora a respeitável posição do mestre (Hely
Lopes Meirelles), entendemos que as funções do conselheiro tutelar estão
mais para a definição de trabalho exercido em regime de tempo integral. Não se
trata de impedir que o conselheiro tenha outras atividades, que nem remuneradas
serão, mas de, com tal medida, serem dispersadas e até
mesmo relevadas a segundo plano em função das ocupações do conselheiro tutelar.
Trata-se, também, de medida de cautela, eis que se trata
de questão recente.
ANTE O EXPOSTO, com as ressalvas do início, é nosso
entendimento que quaisquer outras atividade, quer
sejam remuneradas ou não, são incompatíveis com a função de conselheiro
tutelar."
Pertinente o contido no Parecer da lavra da Dra. ROSANE HEINECK SCHMITT, Auditora Substituta de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul[7].
“De qualquer sorte, porém, em nenhuma das duas acepções
possíveis para tais cargos, seja como ‘nova forma de trabalho público’, como
entende a Procuradoria-Geral do Estado, seja como exercício de mandato eletivo,
como se posiciona o citado parecer da Auditoria desta Casa e o Tribunal de
Justiça do Estado - entendimento com o qual comungo - não é possível o acúmulo
de cargo/emprego/função pública municipal com o cargo de Conselheiro Tutelar
por absoluta incompatibilidade de carga horária: o Conselheiro tem que estar
sempre disponível para dar atendimento integral à criança e ao adolescente, nos
termos do art. 225, caput, e § 3º e incisos, da Carta Federal, e do art. 1º do ECA.
(...)
Cabe ao Município, nos termos dos arts.
29, caput, e 30, incisos I e II, da Constituição Federal, regrar e tratar de
seus próprios interesses e, pois, as matérias que lhe dizem respeito. Desta
forma, e uma vez que o acúmulo de cargos ocorrerá na esfera municipal, porque é
no Município que o servidor (federal, estadual, municipal) foi eleito para
exercer o cargo eletivo de Conselheiro Tutelar, cabe ao Município apontar o
acúmulo."
Conclusão
Realizado, pois, passeio breve pela doutrina e jurisprudência, conclui-se:
Tendo em vista a importância do Conselho Tutelar, em face das matérias e atribuições que lhe são afeitas, a natureza jurídica dos Conselheiros Tutelares é de servidores públicos, em sentido amplo, agentes administrativos, em sentido estrito, de caráter honorífico, remunerado ou não, atendidas as especificidades da lei municipal, por integrar órgão da Administração Pública, porque mantém vínculo jurídico com órgão que integra a administração pública municipal, não empregado, pois, o que impõe a incidência das mesmas restrições aos direitos políticos aplicadas aos servidores públicos.
No que respeita à desincompatibilização à concorrência de cargos eletivos, afigura-se de toda conveniência, independentemente do aspecto jurídico do tipo de vínculo que o Conselheiro tem com o município, pois exerce, sem dúvida, uma função pública, sendo o mesmo entendimento no que concerne à desincompatibilização daquele exercente de função pública e candidato a integrar o Conselho.
Em relação ao regime de dedicação e à cumulação de exercício com outras funções, quer sejam remuneradas ou não, dá-se em regime integral, sendo quaisquer outras incompatíveis com a função de conselheiro tutelar.
É o parecer, smj.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2001.
Homologo o parecer e adoto
os posicionamentos constantes do texto, para que sirva de orientação do Centro
de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude do Estado do
Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 18 de dezembro de 2001.
SIMONE MARIANO DA ROCHA,
Promotora de Justiça,
Coordenadora do CAO-IJ.
Notas:
[1] Homologado pela Dra. Simone Mariano da Rocha, Procuradora de
Justiça, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude
do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, em dezembro de 2001.
[2] Wilson Donizeti Liberati e Públio
Caio Bessa Cyrino. "Conselhos e Fundos no
Estatuto da Criança e do Adolescente". Malheiros, pág. 63.
[3] Ib idem, pág. 103.
[4] Op. Cit., pág. 107.
[5] Regime Constitucional dos Servidores Públicos da Administração
Direta e Indireta – RT, 1991.
[6] Op. Cit., pág. 139.
[7] PARECER 6/2001, Processo nº 1132-02.00/00-6, aprovado pelo Tribunal
Pleno do TCE/RS, em sessão de 16/05/01.