PROJETO GARANTIA DA CIDADANIA ATRAVÉS DO ALEITAMENTO MATERNO

 

 

Newton José de Oliveira Dantas

Promotor de Justiça

 

 

“Demo-nos as mãos... Salvemos o mundo pela criança, para a criança – prioridade absoluta”. (Ir. Maria do Rosário Leite Cintra - integrante da Pastoral do Menor).

 

 

 

O século XX é o século da descoberta, valorização, defesa e proteção da criança. Formulam-se os seus direitos básicos, através dos quais se reconhece que a criança é um ser especial em desenvolvimento, devendo ser respeitadas as suas características, fase a fase, assegurando-lhe os direitos que lhe são inerentes.

 

O processo de criação dos direitos das crianças tem suas raízes fixadas nos movimentos de progressiva emancipação do homem e da mulher enquanto seres humanos.

 

Nos séculos XVII e XVIII tem-se a formulação dos Direitos Naturais do Homem e do Cidadão. Tais direitos evoluíram e sofreram a incorporação de tantos outros direitos, dando, assim, origem às chamadas gerações de Direitos Humanos.

 

A primeira geração, denominada “direitos da liberdade”, ou “direitos civis e políticos”, ou “direitos individuais”, nasceu no momento de opressão das monarquias.

 

Uma segunda geração é determinada pela Revolução Industrial, em meio à exploração das classes operárias. Surgem, então, os direitos de igualdade.

 

No século XX, em face de outras opressões, não menos importantes que as anteriormente relacionadas, nasce a terceira geração de direitos: direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e aos direitos dos consumidores.

 

Para o novo milênio, uma quarta geração de Direitos Humanos já é ventilada. Fala-se, com freqüência, no direito à democracia. Mais do que apenas um sistema de governo, a democracia é um direito dos povos e dos cidadãos. É a garantia da vida digna na sua plenitude.

 

Neste contexto foram surgindo os instrumentos legais que asseguram os direitos humanos. Em 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que visa alcançar o homem propugnando por sua felicidade e bem-estar, subordinando o privado ao público. Valoriza a família, a comunidade, os interesses, as necessidades e aspirações sociais da coletividade. Trabalha com a ética e garante a todas as pessoas condições de verdadeiros cidadãos.

 

O conceito de cidadania é bem destacado, centrando-se no conjunto de direitos e responsabilidades necessárias para garantir a cada um a plena participação na sociedade.

 

Com a evolução das ciências no século XX, descobre-se a necessidade de formular os direitos das crianças em face da sua especificidade, enquanto seres em desenvolvimento.

 

Em 1923 a INTERNATIONAL UNION FOR CHILD WELFARE, organização não-governamental, estabeleceu os princípios dos Direitos da Criança. No ano seguinte, em Genebra, a Liga das Nações incorporou tais princípios e fez publicar a primeira Declaração dos Direitos da Criança.

 

Em 1959, as Nações Unidas proclamaram a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Mais recentemente, em 1989, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos promoveu a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

 

Os direitos consagrados na Convenção de 1989 são abrangentes, e nela está definido, como criança, qualquer pessoa com menos de 18 anos, garantindo-lhe o direito à vida, à saúde e à alimentação.

 

O Brasil assinou a Convenção logo em 1989. Antes, porém, já estavam positivados no seu texto constitucional (1988), principalmente nos artigos 227, 228 e 229, os princípios estatuídos naquela Convenção.

 

Os princípios constitucionais em favor da infância, fundados na Declaração dos Direitos Humanos e na Declaração dos Direitos da Criança, foram primorosamente disciplinados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Seguindo-se a este diploma legal, outros vieram a se incorporar no ordenamento jurídico pátrio, v.g., Lei nº 8.242/91 (criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA) e Lei n. 8.642/93, que criou o Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e Adolescente (PRONAICA), para articular e integrar programas de apoio.

                                           

Enfim, o Brasil dispõe de normas e organismos integrativos para uma ação exemplar em defesa da criança brasileira. A democracia restaurada cria condições ideais para essa ação plena, já que todas as declarações de direitos humanos proclamam direitos imprescritíveis à liberdade, solidariedade, igualdade, dignidade, à saúde, respeito e paz.

 

Ora, a positivação jurídica dos direitos fundamentais na ordem constitucional acaba por gerar garantias. O direito à saúde e a uma vida saudável tem sua validade condicionada à inteligência do sistema legal, assim considerando o Estado de Democrático de Direito e a cidadania dele decorrentes, como fundamentos da República Federativa do Brasil.

 

O aleitamento materno, infelizmente, ainda tem a sua importância diminuída na sociedade, deixando de ser reconhecida pela população e, em especial, pelos profissionais e autoridades da Saúde Pública.

 

As altas taxas de mortalidade infantil verificadas na maioria dos municípios brasileiros, por exemplo, poderiam ser menores se a prática da amamentação infantil fosse promovida e apoiada. Várias pesquisas científicas comprovam que o leite materno exclusivo até seis meses de idade, e ministrado de forma complementar e continuada a partir desta idade até dois anos ou mais, é fundamental para combater a desnutrição precoce e a mortalidade infantil. Além disso, previne alergias, fortalece o vínculo afetivo mãe/filho e proporciona melhor desenvolvimento da inteligência.

 

A partir dos anos 70, iniciou-se uma mobilização mundial para resgatar a tradição de alimentar os bebês exclusivamente no seio até os seis meses de idade. O envolvimento do Ministério da Saúde, dos governos estaduais e municipais, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização Mundial da Saúde (OMS), de organizações não governamentais e de grupos comunitários na promoção do aleitamento materno resultará na mudança de condutas prejudiciais à criança nos vários segmentos da sociedade.

 

Neste contexto, relevante e indispensável a participação do Ministério Público, já que se trata de uma instituição que tem por objetivo, entre outros, a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, além de velar pela fiel aplicação da lei, garantindo a efetiva existência do Estado Democrático de Direito.

                                     

Vários são os fatores que incentivam a interrupção do aleitamento materno precocemente. O uso indevido de chupetas, bicos, madeiras e a existência de alimentos infantis comercializados em desacordo com as normas vigentes (papinhas e leite-em-pó, p.ex.) são os principais.

 

Tais produtos possuem a sua fabricação, distribuição e comercialização disciplinada na Resolução nº 32/92 do Conselho Nacional de Saúde, e na Portaria nº 2050/01 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), instrumentos legais muito pouco conhecidos, principalmente entre os integrantes das áreas de saúde, direito e comércio de alimentos para lactentes.

 

O objetivo da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Paraguaçu Paulista foi, dentro das suas atribuições, fortalecer a existência de um mecanismo que possibilitasse contribuir para a efetiva melhoria da saúde das crianças, resgatando-lhe a cidadania, de forma a garantir o seu primeiro direito após o nascimento: aleitamento materno, para, em conseqüência, propiciar meios de desenvolver-se de acordo com o seu peculiar estado de criança.

 

Para a consecução do trabalho, indispensável foi aliar-se à IBFAN – INTERNATIONAL BABY FOOD ACTION NETWORK, rede internacional, fundada em 12 de outubro de 1979, depois de uma reunião conjunta entre a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a UNICEF (Fundo das Nações Unidas pela Infância), em Genebra. Trata-se de uma organização mundial presente em mais de noventa países através de grupos autônomos que realizam contatos através de seis representações regionais e três escritórios centrais (Penang-Malásia, Genebra).

 

Ao longo dos anos, a rede IBFAN vem recebendo sucessivos apoios de agências mundiais como DIA (Dutch Interchurch Aid), GIFA (Geneva Infant Feeding Association), WABA (Word Alliance for Breastfeeding Action) e ICDC (International Code Documentation Center). Na esfera nacional, recebe apoio direto do Ministério da Saúde e Educação, Vigilância Sanitária, serviços de saúde estaduais e municipais, hospitais, bancos de leite humano, universidades e da Sociedade de Pediatria e Obstetrícia.

 

O trabalho iniciou-se com a realização de palestras para os segmentos da Saúde Pública e comerciantes de alimentos e acessórios infantis. O objetivo maior era levar ao conhecimento de todos a existência das normas que regulam a comercialização destes produtos, bem como as sanções por elas impostas. Buscou-se, também, a conscientização dos profissionais a respeito da importância do aleitamento materno.

 

Destas reuniões, formou-se um grupo de monitores voluntários, agregados à IBFAN, com os seguintes objetivos:

 

  1. Promover e defender a amamentação através de legislação apropriada;
  2. Vigiar o cumprimento da legislação através de monitoramento periódico e denúncias da sua violação;
  3. Capacitar pessoal quanto ao conteúdo, aplicação e fiscalização da legislação;
  4. Elaborar material informativo e de capacitação sobre amamentação, ressaltando as conseqüências da disseminação da alimentação artificial;
  5. Divulgar local e regionalmente as diversas formas de luta e os resultados obtidos quanto à amamentação, buscando, com intercâmbio de informações, o reforço e a solidariedade entre seus membros e outros que lutem pelos mesmos fins;
  6. Ministrar palestras de sensibilização a comerciantes e entidades locais e regionais, a fim de esclarecê-los sobre o cumprimento da legislação apropriada e solicitação de parceria nas atividades preventivas;
  7. Realizar conjuntamente com outras entidades locais a SEMANA MUNDIAL DO ALEITAMENTO MATERNO.              

 

As irregularidades levantadas são comunicadas à Vigilância Sanitária municipal para as providências cabíveis. A Promotoria de Justiça, por sua vez, participa em palestras explanando os aspectos jurídicos da matéria, orientando no que for necessário e articulando as atividades na comarca. Recebe, também, a comunicação das irregularidades e toma as medidas legais que se fazem necessárias.

 

O trabalho, em Paraguaçu Paulista, vem ganhando grande relevância. O grupo de monitores IBFAN tem superado as expectativas. Encontrou-se grande apoio da Associação Comercial local. Os comerciantes mostraram-se sensibilizados pelo assunto e estão adaptando os seus estabelecimentos às normas legais. Soube-se, inclusive, de um proprietário de farmácia que se recusou a comprar mamadeira que não estava dentro das normas legais, fazendo com que o vendedor procurasse um dos monitores IBFAN para saber o que estava acontecendo na cidade.

 

Procura-se, com este trabalho, desenvolvido em parceria, garantir a cidadania das crianças e dos adolescentes. Afinal, ser Promotor de Justiça da Infância e Juventude é não perder a capacidade de se indignar com a privação dos direitos da criança e não perder a esperança na utopia de ver todas as crianças com família, escola e saúde, brincando nas praças, trabalhando nas oficinas educacionais, tendo sempre um adulto como retaguarda e uma cidade inteira para acolhê-las; é ser amigo das crianças e lutador por um direito de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento.

 

         

NOTA SOBRE O AUTOR:

 

Promotor de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Paraguaçu Paulista/SP