INFRACIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO REMISSÃO CUMULADA COM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA.
IMPOSSIBILIDADE DE MODIFICAÇÃO DA MEDIDA PELO JULGADOR. 1. Cabe ao órgão do Ministério
Público, titular da ação pública socioeducativa, conceder a remissão
como forma de exclusão do processo, que pode ser cumulativa com medida
socioeducativa não privativa de liberdade, caso em que deve haver anuência do
adolescente e de seu representante legal, constituindo autêntica transação. 2.
Compete ao julgador homologar a remissão, caso com ela concorde, ou remeter o
feito ao Procurador-Geral de Justiça, a quem compete modificar ou convatidar o
ato administrativo, caso em que a homologação é imperiosa. Inteligência do art.
181, §2° do ECA. 3. Não pode o Juiz de Direito
modificar os termos da remissão concedida, pois importa solução híbrida, extra petIta, sendo nula. Recurso
provido. Apelação Cível - Sétima Câmara Cível N° 70
003 408 952 — Canoas. RELATOR DES. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.
20.02.02.
Apelação Cível - Sétima Câmara Cível
N° 70 003 408 952 — Canoas
Ministério Público — Apelante
G. D. A. - Apelado
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento ao
recurso.
Custas, na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores
Desembargadores Maria Berenice
Dias, Presidenta, e Luiz Felipe Brasil Santos.
Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2002
DES. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, RELATOR.
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves - Relator — Trata-se da
irresignação do MINISTÉRIO PÚBLICO com a sentença de fl. 46 que homologou em
parte a remissão concedida ao menor G. D. A., substituindo a medida
socioeducativa de prestação de serviços à comunidade e a medida protetiva de
tratamento para a drogadição e aplicando a medida socioeducativa de advertência
por ter praticado o ato infracional tipificado no art. 16 da Lei n° 6.368/76.
O recorrente, em suas razões, preliminarmente, (1) prequestiona a
nulidade da decisão de primeiro grau que homologou em parte a remissão
concedida pelo órgão ministerial, modificando a medida socioeducativa de
prestação de serviço à comunidade pela de advertência, aduzindo que o ato de
concessão da remissão, cumulada com a aplicação de medida socioeducativa, na
fase pré-processual, é de legitimidade exclusiva do Órgão ministerial, por
força do disposto no art. 180, inc. II, c/c o art. 181, §1° e §2° do ECA (2) a nulidade da decisão por ausência de
fundamentação quanto aos motivos da alteração da medida e (3) prequestiona a
nulidade ante a ausência do devido processo legal, não cabendo ao juiz
modificar os termos a remissão ajustada entre o Ministério Público, adolescente
e responsáveis na fase pré processual corre do, assim, negativa de vigência dos
arts. 180 e 181 do ECA e ofensa ao art. 5°, LIV, da Constituição
Federal. No que tange ao mérito, sustenta que postula a alteração da medida por
entender não ser esta a medida mais adequada ao adolescente, em face ao ato
infracional praticado — posse de entorpecentes - e das circunstâncias pessoais
do adolescente, determinantes para que se aplicasse uma medida de maior cunho
educativo, a fim de proporcionar-lhes a oportunidade de fazer algo bom e útil
para a comunidade, além de servir-lhe como reprimenda pelo ato praticado e
redireciona do seus valores, buscando afastá-Io do
universo da drogadição. Alega que ao contrário do argumentado pelo Defensor
Público, a prestação de serviços à comunidade é medida expressa e legalmente
prevista no ECA, para o fim de socioeducativa, sendo
expressa a possibilidade de cumulá-Ia com a remissão e somente nos casos de
semi-liberdade e de internação é exigida a sentença de mérito. Requer o
provimento do recurso par que seja homologada a remissão ministerial ou,
entendendo em contrário, submetê-la ao Procurador-GeraI de Justiça, ou,
subsidiaria ente, no mérito, manter-se a medida.
O apelado apresentou contra-razões, através de Defensor Público, dizendo
sendo cabível o magistrado apreciar e modificar, total ou parcialmente, medida
socioeducativa imposta pelo Ministério Público como condição para o deferimento
da remissão, segundo o verbete n° 108 o STJ, afastando, ainda, as preliminares
de falta de fundamentação da decisão e do fato de nem o juiz e nem o defensor
terem tido contato pessoaI com o adolescente, que ficaram superadas com a
realização da a diligência coletiva de fl. 60. No mérito, sustenta que a medida de prestação de serviços à comunidade imposta nos moldes
e pelo tempo como foi, é medida socioeducativa mais severa que poderia ser
imposta ao adolescente se o processo fosse a é o fl. , enquanto que a
advertência se presta justamente a alertar o adolescente que, se volta a
incidir e atos infracionais, ser-lhe-á aplicada medida mais severa. Pugna pela
manutenção do decisum.
Mantida a decisão, subiram os autos e, com vista à ilustre Procuradora
de Justiça, esta opinou pelo acolhimento das preliminares e, no mérito, pelo
provimento do apelo, para que seja homologada a remissão, com a aplicação da
medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade, cumulada com a medida
de proteção prevista no art. 101, VI, do ECA.
E o relatório.
VOTO
Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos
Chaves - Relator
— Estou acolhendo a pretensão recursal no sentido de desconstituir a
decisão recorrida.
São duas, basicamente, as questões que afloram no presente recurso e
que, de certa forma, se interpenetram: primeiro, a possibilidade de o
Ministério Público, juntamente com a remissão, e de forma cumulativa,
estabelecer a aplicação de medida socioeducativa não privativa de liberdade;
segundo, se o julgador pode afastar ou modificar a medida aplicada pelo órgão
ministerial.
A primeira questão é nodal pois, se for possível compreender que o
julgador tem a faculdade de modificar a medida concedida pelo Promotor de
Justiça, então será descabida a remessa ao Procurador-Geral, pois nesse caso,
ainda que a Chefia da Instituição insista na remissão concedida, não estará o
julgador a ela adstrito... Salvo, no entanto, se entender que não é caso de
remissão, caso em que o Chefe do Ministério Público deverá deliberar se é ou
não caso de oferecimento de representação. Em caso contrário,
entendendo-se que o Órgão do Ministério Público tem a faculdade de
aplicar a medida, quando dela o juiz discordar, deverá remeter ao
Procurador-Geral a decisão sobre se foi correta a aplicação ou, então, se é
caso de oferecimento de representação.
São essas as intrincadas questões legais que estão a
merecer pormenoriza o exame, mas já adianto que trilho o entendimento de
que compete ao Órgão do Ministério Público a concessão de remissão pura e
simples e também de forma cumulativa com medida socioeducativa não privativa de
liberdade. E, quando dela o juiz discordar, deve remeter o feito ao
Procurador-Geral de Justiça, a quem compete a decisão
sobre se o ato administrativo do Promotor foi correto e a medida adequada ou,
então se é caso de oferecimento de representação ou até de arquivamento.
Inicio, pois, lembrando que o art. 180 do ECA
estabelece que o representante do Ministério Público depois de adotar as
providências do art. 179, que lhe conferem os dados necessário e indispensáveis
a um exame criterioso da situação fática e das condições pessoais do
adolescente infrator, poderá (a) promover o arquivamento dos autos, (b)
conceder a remissão ou (c) oferecer representação à autoridade judiciária para
a aplicação de uma medida socioeducativa.
Ora, a exemplo do que ocorre no processo penal, o arquivamento dos autos
deve ter lugar quando ficar demonstrada, desde logo, a inexistência do fato, ou
este não constituir infração penal ou, ainda, quando restar comprovado que o
infrator não praticou nem concorreu para a prática do fato.
Já a remissão, porém, constitui forma de exclusão do processo e tem
lugar sempre que recomendarem as circunstâncias e as conseqüências do fato, bem
como o contexto social e a personalidade do infrator e, sobretudo, o grau de
sua participação do fato, consoante estabelece o art. 126.
Essa medida foi instituída, segundo lembra JÚLIO FABRIINI MIRABETE (in
“Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado”, 3ª ed. Malheiros Editores, pág. 411), “para evitar ou atenuar os efeito negativos da instauração ou
continuação do procedimento na administração da Justiça de Menores, como, por
exemplo, o estigma da sentença”. Nesse sentido, pois, a recomendação do
item 11.2 das Regras Mínimas tias Nações Unidas para a administração da Justiça
de Menores.
A remissão é providência que pode ser concedida de maneira pura e
simples como diz expressamente o art. 127, eventualmente, incluir a
aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em
regime de semiliberdade e a internação.
Consoante letra expressa do art. 181, § 1°, do Estatuto, a medida não
limitativa de liberdade que eventualmente seja incluída na remissão somente
produzira efeito depois da homologação judicial, e também somente será
executada por determinação da autoridade judiciária.
Portanto, a remissão, como forma de exclusão de processo, constitui ato complexo, que tem início com a atividade do órgão do
Ministério Público, através de termo fundamentado, e concluído pela autoridade
judiciária, mediante sentença homologatória.
Ainda assim, “a medida aplicada
por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo,
mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do
Ministério Público”, consoante dispõe o art. 128 do Estatuto.
Portanto, se não fosse dado ao órgão ministerial, além da remissão
concedida, cumular com medida socioeducativa não privativa de liberdade, esse
dispositivo legal seria letra morta pois a medida somente seria aplicável
através de decisão em processo judicial, nunca como forma de exclusão de
processo.
Como já foi dito, o art. 181 estabelece que a remissão pode ser concedida
pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado que,
depois, deve ser submetido à autoridade judiciária para homologação.
Essa faculdade legal foi deferida ao órgão do Ministério Público (art.
201, inc. I, ECA) por ser ele a instituição encarregada
de, ao mesmo tempo, defender os interesses sociais indisponíveis, entre os
quais o direito à segurança pessoal, e também os interesses individuais
igualmente indisponíveis, entre os quais a liberdade desponta como um dos mais
relevantes.
Dispõe, pois, de forma taxativa o § 2° do art. 181 do
ECA que, “discordando, a
autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça,
mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro
membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou
a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar”.
Para que o ato complexo se perfectibilize, porém, é preciso que o órgão
ministerial encaminhe ao julgador um termo fundamentado (art. 205 do ECA e art. 129, inc. VIII, da Constituição Federal) com
resumo dos fatos e indicação dos fundamentos jurídicos que embasam sua
convicção, onde deve indicar a medida aplicada cumulativamente com a remissão.
A concessão da remissão contendo medida não privativa de liberdade tem o
mérito de antecipar a execução de medida socioeducativa, dispensando o procedimento formal de apuração, tendo baixo custo e sendo
marcado pela celeridade, ficando sujeita a concessão à concordância do
adolescente e do seu representante legal, consistindo, em si, numa forma de
transação.
São evidentes as vantagens dessa solução administrativa, pois a remissão
é forma de exclusão do processo, deixando de invocar a tutela jurisdicional e o
desenvolvimento de todo um percurso formal, que por vezes é traumático para o
adolescente.
Além disso, não abdicou o legislador do fator segurança pois não afasta
o controle judicial, o qual se efetiva tanto através da homologação como também
na possibilidade de revisão prevista no art. 128 do ECA.
Dessa forma, o legislador inovou estabelecendo uma relativa
disponibilidade da ação socioeducativa pública, buscando a promoção de uma
justiça mais célere e efetiva, sem prescindir do valor segurança.
Precisamente em função do valor segurança é que há exigência de
homologação da remissão, pois implica controle judicial não apenas da
necessidade, mas, sobretudo, da adequação e proporcionalidade da reprimenda
administrativa concedida pelo agente do Ministério Público.
Assim como os atos judiciais são passíveis de recurso para a instância
superior, também os atos do agente do Ministério Público são passíveis de
revisão pela Procuradoria-GeraI de Justiça.
Nesse passo, quando o julgador não concorda com os termos da remissão,
evidentemente não está obrigado a homologá-la, mas deve fazer a remessa dos
autos ao Procurador-Geral.
Essa prática importa provocação de uma revisão administrativa, no âmbito
da própria instituição do Ministério Público, de providência que visa excluir o
processo, mas sim o Estado deixaria de dar uma resposta pronta e imediata ao
infrator pelo ato que praticou.
Quando se cuida da remissão antes do processo, o âmbito de atuação é,
ainda, do Ministério Público, o quanto não buscou, ainda, a prestação
jurisdicional, permanecendo na sua esfera de disponibilidade da ação
socioeducativa pública, da qual é o titular.
Assim, como é facultado ao órgão ministerial postular o arquivamento,
pode ele também pedir a remissão pura e simples, ou cumulativa com medida
socioeducativa não privativa de liberdade, com a qual devem concordar tanto o
adolescente como seu representante legal, sendo espécie de transação, cuja
eficácia depende, vale enfatizar, de homologação judicial.
Se o Juiz de Direito não concordar, pode deixar de homologar o pedido do
Promotor de Justiça, caso em que deve remeter os autos ao Procurador-Geral de
Justiça, já que é o Ministério Público quem detém a titularidade da ação e,
portanto, discricionariamente pode decidir sobre a conveniência e oportunidade
de oferecer ou não a representação.
Se o Procurador-Geral de Justiça confirmar a medida concedida pelo
Promotor de Justiça, validando o ato administrativo, está o julgador obrigado a
homologá-la. Mas, ainda assim, a medida concedida não fica excluída de
apreciação pelo Poder Judiciário pois é possível, a qualquer tempo, que o
adolescente, seu representante legal ou o próprio Ministério Público peçam a
sua revisão judicial, consoante faculta o art. 128 do ECA.
Não há, porém, previsão legal para a decisão hostilizada, onde o
julgador acolheu o pedido de remissão, estabeleceu medida socioeducativa
diversa daquela pretendida pelo agente do Ministério Público. Ou o julgador
acolhe a remissão concedida, nos termos em que foi posta e que resuItou de uma
transação, como forma de exclusão do processo, ou remete o feito ao
Procurador-Geral de Justiça.
Não há previsão legal para uma solução híbrida
Não é possível remissão sem assentimento do infrator e de seu
representante legal, nem pode o julgador de ofício, antes de postulada a tutela
jurisdicional, nem decidir extra e ultra
petita.
Nessa linha de entendimento, destaco, pois, alguns precedentes
jurisprudenciais do nosso Tribunal de Justiça, in verbis:
“ATO INFRACIONAL.
MENOR. REMISSÃO. MEDIDA SOCIOEDUCA TIVA. Sentença nula, pois que não
fundamentou devidamente o indeferimento da homologação de remissão e não
determinou remessa do assunto ao Procurador-Geral de Justiça.
(Apelação Cível n° 596 026 245,
Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: DES. SERGIO GISCHKOW
PEREIRA, julgado em 02/05/96)”
“ECA. ATO INFRACIONAL. SUBSTITUIÇÃO
DE MEDIDA SOCIOEDUCA TI VA. REMISSÃO. Descabe a substituição da medida
socioeducativa de prestação de serviços à comunidade por outra menos gravosa,
quando a aplicação daquela se deu de acordo com as condições pessoais de cada
um dos infratores. A concessão da remissão é mera liberalidade do Ministério
Público. (Apelação Cível n° 70 000 027 607, Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: DES. JOSE CARLOS TEIXEIRA
GIORGIS, julgado em 20.10.99)”
ISTO POSTO, dou provimento
ao recurso ministerial e desconstituo a decisão recorrida determinando sejam os
autos remetidos à douta apreciação da Procuradoria-Geral de Justiça.
DESA. MARIA BERENICE DIAS — De acordo.
DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS — De acordo.
DESA. MARIA BERENICE DIAS — PRESIDENTA — Apelação Cível n°70003408 952,
de Canoas.
“PROVERAM. UNÂNIME.”
JUIZ A QUO: Dr. Paulo Augusto
Oliveira Irion.