AÇÃO CIVIL PUBLICA. PRECEITOS COMINATÓRIOS. OBRIGAÇÃO DE
FAZER. INSTALAÇÃO DE ABRIGO E ELABORAÇÃO DE PROGRAMAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E
AOS ADOLESCENTES EM REGIME DE ABRIGO. IMPROCEDÊNCIA. DECISÃO CONFIRMADA. 1. Em
razão do princípio da discricionariedade, que rege a atividade do Executivo,
este “goza de total liberdade para eleger as obras prioritárias a serem
construídas”. 2. Assim, não podendo a Administração Pública destinar imóvel,
para instalação de abrigo de menores, dotando-o de recursos materiais e humanos,
sem prejuízo das demais atividades municipais, improcede a ação proposta,
destinada a obrigar o Município à efetivação daquela obra. RECURSO DE APELAÇÃO DE MENORES Nº. 105-9, DE CAMBARÁ. RELATOR: DES. ACCACIOCAMBI.
09.02.98.
RECURSO DE APELAÇÃO DE MENORES Nº. 105-9, DE CAMBARÁ.
APELANTE: MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO
DO PARANÁ
APELADO: MUNICÍPIO DE CAMBARÁ
RELATOR: DES. ACCACIOCAMBI
ACORDÃO Nº 7910
VISTOS, relatados e discutidos estes
autos de RECURSO DE APELAÇÃO DE MENORES N0. 105-9, de Cambará, em
que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, e apelado MUNICÍPIO DE
CAMBARÁ.
1. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ ajuizou ação civil pública, em face do MUNICÍPIO DE CAMBARÁ, para obter
a proteção de interesses difusos e coletivos afetos à Infância e à Juventude,
alegando que, na comarca, há um crescente número de crianças e adolescentes em
estado de abandono ou sem possibilidade de reintegração familiar, o que faz
mister a criação e manutenção, pelo requerido, de “abrigos”, que os
adolescentes e as crianças, por não terem condições de desenvolver-se sadia e
harmoniosamente em suas famílias, ficam perambulando pelas ruas e partem para a
prática de ato infracional, o que foi constatado pelo Conselho Tutelar, que
solicita a aplicação da medida de abrigo, mas como não há casas disponíveis,
não é atendido; que o Município é responsável pela organização de programa de
proteção aos menores, o que não foi realizado. Requereu a tutela antecipada,
para que o réu, em cinco dias, destinasse imóvel em condições satisfatórias
para a instalação de abrigo e para que organizasse equipe técnica, destinada a
avaliar, junto a entidade não - governamental do Município (Lar de Caridade
Alice), de cada caso de criança e adolescente abrigado, visando aferir-se,
efetivamente, é necessária a medida, e, a final, que seja determinado ao réu
que, em conjunto com o Conselho Municipal, formule programas de proteção
destinados a crianças e adolescentes em regime de abrigo, mantendo equipe
técnica.
Citado o réu e ouvido o Prefeito
Municipal, em audiência (f. 42), o réu contestou a ação. sustentando: mantém,
dentro da verba orçamentária, destinações as várias entidades assistenciais;
sempre apoiou as referidas entidades, fornecendo condições para o funcionamento
das mesmas e evidenciando a total assistência aos menores carentes do
Município; presta ajuda às entidades assistenciais, empregando funcionários,
fornecendo bens materiais e locomoção e pagando diversas despesas por elas
contraídas; enfim, vem cumprindo sua missão dentro das possibilidades do
Município.
Indeferida a tutela requerida e
instruído o processo em audiência de instrução, as partes apresentaram suas
alegações finais. Na seqüência, o Dr. Juiz julgou improcedente a ação.
Inconformada com tal decisão, recorreu a Dra. Promotora de Justiça.
Na apelação, a recorrente pretende a
reforma da sentença, renovando os argumentos já expostos.
O apelado respondeu ao recurso,
pedindo a manutenção da sentença.
A douta Procuradoria Geral de Justiça
emitiu parecer, pelo provimento do recurso(f. 173/183).
2. Não assiste razão ao
apelante.
Trata-se de ação civil pública,
ajuizada pela Promotoria de Justiça, que visa obrigar o Município de Cambará:
a) destinar um imóvel para a instalação de abrigo de menores, dotando-o de
recursos materiais e humanos necessários e b) formular programas de proteção
destinadas a crianças e adolescentes em regime de abrigo, com oferecimento
regular de vagas.
É sabido que a Constituição Federal
(art. 227: “É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão”) e o Estatuto da Criança e do Adolescente-
ECA (art. 7º.: “A criança e o adolescente
têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas
sociais públicas que permitam o nascimento o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência”), impõem ao Poder Público o
dever de prestar toda assistência à criança e ao adolescente, inclusive no caso
de necessitar de preleção especial, pela aplicação da medida de abrigo.
Para tal finalidade, a Lei Municipal n0.
907, de 18.12.90, dispondo sobre a política municipal de atendimento dos
direitos da criança e do adolescente, em Cambará-PR, prevê que “O Município poderá criar os programas e
serviços” (art. 4º) relativos a “política e programas de assistência social,
em caráter supletivo e serviços especiais” (art. 2º., inciso II e III).
Em cumprimento dessa norma, o
Município “mantém verbas orçamentárias para os menores carentes e adolescentes
da comarca”, prestando auxílio às entidades assistenciais, mediante emprego de
funcionário, fornecimento de bens materiais (pagamento de despesas) e de
locomoção.
O Município, porém, recusa-se a tomar
a iniciativa da construção de abrigos para menores, sob a alegação de que isto “poderá levar a não mais distribuir as
receitas públicas de modo a prejudicar toda uma estrutura que sempre foi
mantida pelo Poder Público Municipal.” (f. 109).
Em tal circunstância, não se pode
obrigar a Municipalidade a atender àquelas medidas - destinar um imóvel para
instalação de um abrigo, dando-lhe recursos materiais e humanos essenciais -,
quer porque ela demonstrou não ter, no momento, condições para efetivar a obra
pretendida, sem prejudicar as demais atividades do Município, quer porque, face
ao princípio da discricionariedade, de que goza o Chefe do Executivo Municipal,
este tem total liberdade para eleger as obras prioritárias a serem construídas.
Nessa linha de pensamento, anote-se
julgado do STJ verbis:
“Constitucional e Administrativo. Constituição dirigente a programática.
Estatuto da Criança e do Adolescente. Ação civil pública para obrigar o governo
goiano a construir um centro de recuperação e triagem. Impossibilidade
jurídica. Recurso Especial não conhecido. I... II - A Constituição Federal e em sua
águas a Constituição do Estado de Goiás são “dirigentes e “programáticas “.
Têm, no particular, preceitos impositivos
para o Legislativo (elaborar leis infra-constitucionais de acordo caiu as
“tarefas” e “programas” preestabelecidos) e para o Judiciário (“atualização
constitucional”). Mas, no caso dos autos, as normas invocadas não estabelecem,
de modo concreto, a obrigação do Executivo de construir, no momento, o Centro.
Assim. haveria uma intromissão indébita do Poder Judiciário no Executivo,
único em condições de escolher o momento oportuno e conveniente para a execução
da obra reclamada. III - Recurso
especial não conhecido. Decisão recorrida mantida “. (RSTJ. n0.
85, p. 38/389)
De resto, como bem destacou o Dr. Juiz
a quo, na r. sentença apelada:
“...mandar o Réu destinar um imóvel para a construção de abrigo e
destinar equipe especializada para mantê-lo, na atual conjuntura, certamente
não atenderia, consoante pretende o Ministério Público, à sociedade, pois a
Prefeitura já destina parte considerável de sua verba orçamentaria aos menores
carentes, não tendo condições de ampliar essa ajuda. que, diga-se de passagem,
é sua atribuição e está sendo cumprida. Revela-se a circunstância de entidades
já realizarem esse trabalho, com apoio da Administração Pública local, sem
comprovação de ser ineficaz. (f. 116)
Por isso, mantém-se a r. decisão
impugnada, que julgou improcedente a ação proposta. pelos seus próprios
fundamentos.
3. Diante do exposto, ACORDAM os
Desembargadores integrantes do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça
do Estado do Paraná, por unanimidade de
votos, em negar provimento à apelação.
Participaram do julgamento e
acompanharam o voto do Relator os Senhores Desembargadores NEWTON LUZ e DILMAR KESSLER.
Curitiba, 9 de fevereiro de 1998.
NASSER DE MELO
Presidente
ACCÁCIO CAMBI
Relator