laudo da equipe
interprofissional. anulação do processo. A ausência de relatório da equipe
interprofissional, para a orientação da medida socioeducativa mais adequada
para a recuperação do adolescente, leva a anulação do processo com a cassação
da sentença. Processo anulado. Sentença cassada. PRELIMINAR REJEITADA, POR
MAIORIA. APELAÇÃO CÍVEL. ECA. A medida socioeducativa de
internação, sem a possibilidade de realização de atividades externas, mostra-se
por demais severa diante do ato infracional praticado. Substituição da medida
socioeducativa aplicada pela prestação de serviços à comunidade, cumulada com
liberdade assistida. APELO PROVIDO. (Apelação
Cível nº 70006805428, Oitava
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Dês. Antonio
Carlos Stangler Pereira, Julgado em 28/08/2003)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os
autos.
Acordam os Desembargadores
integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por
maioria, rejeitar a preliminar, vencido o Des. Relator. No mérito, à
unanimidade, dar provimento, ao apelo, para aplicar ao apelante medida
socioeducativa de prestação de serviços à comunidade cumulada com liberdade
assistida, devendo ser submetido a tratamento psiquiátrico.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além
do signatário, os eminentes Senhores Des. José S. Trindade e Des. Alfredo
Guilherme Englert, Presidente.
Porto
Alegre, 28 de agosto de 2003.
Des. Antonio Carlos Stangler Pereira,
Relator.
RELATÓRIO
Des.
Antonio Carlos Stangler Pereira (Relator) –
Inicialmente, adoto o relatório de fls. 97/99:
“O Ministério Público ofereceu representação contra E.V.C, pela prática
do ato infracional semelhante ao tipificado no artigo 147, c/c artigo 61,
inciso II, alínea “e”, todos do Código Penal.
Após sobreveio sentença que julgou procedente a representação, aplicando
ao infrator medida socioeducativa de internação, sem atividade externa.
Inconformado com a decisão, o representado interpôs recurso de apelação.
Preliminarmente, alega o representado a nulidade da sentença pela
ausência de relatório social, que enquadra a medida socioeducativa adequada
para o menor. No mérito, considera a medida socioeducativa imposta
desproporcional para o ato infracional cometido, pois o crime de ameaça é
regulado pela Lei 9099/95, considerado de menor potencial ofensivo, não sendo
recomendado a pena de reclusão. Assim, a aplicação da
medida imposta fica desproporcional com o ilícito praticado, mesmo que tomarmos
por base que se trata de um procedimento de Processo Civil. Neste passo, a
medida aplicada infringe dispositivo Constitucional, eis que, se para um adulto
a pena recomendada não fica próxima da reclusão, não é correto a pena de
internação para um adolescente, pois de longe se nota que o adolescente não pode
ser mais penalizado que um adulto.
Sustenta, ainda, que o objetivo da medida é a educação e a
ressocialização do adolescente, porém, diante da realidade vivenciada dentro da
FEBEM/CASE, tal medida teria conseqüências nocivas.
Assevera, também, que, conforme reconhece o Dr.
Juiz de Direito, o adolescente é portador de distúrbio de personalidade, sendo
recomendado internamento em Clínica Psiquiátrica Especializada.
O recurso foi contra-arrazoado, pelo Ministério Público de primeiro
grau.
Mantida a decisão, foram remetidos os autos a esta instância.
O Dr. Procurador de Justiça, com vista do
processado, opinou pelo improvimento do recurso”.
Em sessão realizada em 21 de
novembro de 2002, decidiram os eminentes Desembargadores, por maioria, em cassar
a sentença e anular o feito a partir da audiência de apresentação, por não
estar o representado, naquele momento, assistido por advogado.
Renovadas as audiências de
apresentação e de oitiva da vítima, foi encerrada a instrução, sobrevindo
decisão que reprisou os argumentos da decisão anteriormente proferida,
condenando o representado a medida de internação, sem possibilidade de
atividade externa.
Interpôs o representado recurso de
apelação, aduzindo, em suma, que a medida de internação mostrou-se muito gravosa
em relação ao delito cometido.
O Ministério Público de primeiro
grau manifestou-se pela retroação da medida progressiva concedida ao apelante
após a apelação, tendo o representante ministerial, em segundo grau, se
manifestado pelo desprovimento do apelo.
É o relatório.
VOTO
Des.
Antonio Carlos Stangler Pereira (Relator) –
Inicialmente, tenho que a análise do pedido feito pelo representante do Ministério Público de primeiro grau cabe ao juiz a quo competente pela análise das questões relativas às medidas executivas concernentes à Vara da Infância e Juventude da Comarca de Ibirubá, e não a este Des. Relator, pelo que deixo de apreciá-la.
O Ministério Público ofereceu
representação contra Ernandes V. C., pela prática de ato infracional semelhante
ao tipificado no artigo 147, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea “e”,
ambos do Código Penal.
O laudo existente dos autos (fls.
105/107), não supre a exigência do disposto no artigo 186, parágrafo 4º, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, porque se destina a informar uma
progressão de medida, motivo pelo qual insisto na realização do relatório da
equipe interprofissional, conforme já me manifestei em decisão anteriormente
proferida, quando do julgamento realizado em 21 de novembro de 2002, nos seguintes
termos (fls. 99/103):
“Não existe nos autos relatório
da equipe interdisciplinar, para o exato cumprimento do § 4º, do art.
186, do ECA,
com a seguinte redação: “Na audiência em continuação, ouvidas as
testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia, cumpridas as
diligências e juntado o relatório da
equipe interprofissional, será dada a palavra ao representante do Ministério
Público e ao defensor, sucessivamente, pelo tempo de vinte minutos para cada um,
prorrogável por mais dez, a critério da autoridade judiciária, que em seguida
proferirá decisão.”
Escreve Maria Josefina Becker: “As Regras Mínimas das Nações Unidas para
a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing) referem-se à
necessidade de que seja ‘efetuada uma investigação completa sobre o meio social
e as circunstâncias de vida do menor e as condições em que se deu a prática da infração’, antes da decisão, para facilitar a
decisão justa da autoridade judiciária (regra 16.1, cujo comentário prevê a
existência de serviços sociais que preparem relatórios especializados).” (
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, sob a coordenação de Munir
Cury, Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio García Mendez, Malheiros
Editores, p.451).
A autora, em referência, complementa a sua observação: “Nos casos de
apuração de ato infracional, cabe à equipe técnica emitir parecer a respeito da
medida sócio-educativa (v. art. 112) mais adequada para a recuperação do
adolescente, levando em conta, além do ato praticado, as condições de personalidade
e as circunstâncias familiares, sociais e culturais.” (Ob. cit., p. 452).
Daí a importância da manifestação
da equipe interprofissional, para a aplicação da medida socioeducativa, visando
o melhor interesse do adolescente. Aliás, o ECA incorporou
as recomendações das Regras de Beijing e os princípios da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU/1989.
Diz Tânia da Silva Pereira, em
“O Melhor Interesse da Criança”:
“As Convenções contêm regras de procedimentos flexíveis e adaptáveis às mais
diversas realidades, delineando políticas legislativas a serem adotadas pelos
Estados-Partes. Estes têm a obrigação de, não só respeitar os direitos
reconhecidos nas convenções, mas também garantir o livre e pleno exercício dos
mesmos. Conseqüentemente, os Governos têm tanto deveres positivos como
negativos.” (O Melhor Interesse da Criança: um debate
Interdisciplinar, Editora Renovar, ps.4/5).
Por último acrescento a doutrina de Edson Passetti: “Os técnicos das
entidades assistenciais ou de órgãos do próprio governo municipal e estadual,
da FEBEM e do Poder Judiciário, denominados no ECA por
‘equipe interprofissional’, possuem identidades de propósitos com as
solicitações dos promotores e as decisões dos juízes, constituindo, assim, a
tríade punitiva do ECA.” (Violentados, Crianças, Adolescentes e Justiça, 2ª
Edição, Editora Imaginário, p. 110).”
O processo da Comarca de Ibirubá
está na área territorial do Juizado Regional da Infância e da Juventude com
sede em Passo Fundo, Comarca esta onde se encontrava recolhido o adolescente,
até o seu desligamento da instituição, em 27 de fevereiro de 2003, conforme
termo de audiência de fls. 110.
Anulo o processo, cassando a
sentença a partir das fls. 134.
Des. José s. trindade (REVISOR) – Sr. Presidente, voto
no sentido de não anular o processo e, por conseqüência, não cassar a sentença,
tendo presente que tem sido decidido reiteradamente, nesta Câmara e no Grupo,
que a feitura do laudo pela equipe interprofissional é uma faculdade do Juiz, e
não uma obrigatoriedade. Então, supero a preliminar de ofício argüida pelo
eminente Relator.
Des.
Alfredo Guilherme Englert – Acompanho
o Des. Trindade.
Des.
Antonio Carlos Stangler Pereira (Relator) –
Vencido na preliminar passo ao exame do mérito.
A medida socioeducativa de
internação, sem a possibilidade de realização de atividades externas, aplicada
por ocasião da sentença (fls. 36/40), mostra-se por demais severa diante do
fato praticado, que se encontra assim descrito na inicial oferecida pelo agente
ministerial:
“No dia 09 de junho de 2002, por volta da 01 hora, na RS 223, Km 53,
nesta Cidade, o representado Ernandes V. C., por não concordar com os conselhos
que sua mãe estava lhe dando, de posse de uma faca de mesa, ameaçou a vítima
Janete A. V., sua mãe, em duas oportunidades, prometendo-lhe causar mal
futuro, injusto e grave, ao dizer que lhe cortaria o pescoço.”
Paulo Lúcio Nogueira em sua obra
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, assim preleciona:
“A internação corresponde ao regime fechado na esfera penal, reservado
aos criminosos que apresentem periculosidade e tenham praticado crimes punidos
com penas acima de oito anos (CP, art. 33, § 2º, a), pois se a pena for
superior a quatro e não exceder a oito será cumprida em regime semi-aberto (CP,
art. 33, § 2º, b), e em regime aberto se a pena for igual ou inferior a quatro
anos, desde que o condenado não seja reincidente (CP, art. 43, § 2º, c).
A referência à lei penal torna-se necessária para servir de parâmetro no
tratamento ao adolescente, que não pode ser mais penalizado que o adulto,
mormente levando-se em conta o seu desenvolvimento mental.” (Editora Saraiva, p. 159).
João Batista da Costa Saraiva, a
respeito da cumulação das medidas socioeducativas de prestação de serviços à
comunidade com liberdade assistida assim preleciona: “A experiência tem revelado a conveniência, em muitos casos, de cumular
Liberdade Assistida com Obrigação de Reparar o Dano, ou aquela ou esta com
Prestação de Serviços à Comunidade, máxime porque a carga pedagógica de uma e
outra Medida se faz diversa.” (Adolescente e Ato Infracional, Garantias
Processuais e Medidas Socioeducativas, Editora
Saraiva, p. 94).
Mais adiante o mesmo autor:
“Sobre a cumulação de medidas socioeducativas em meio aberto, oportuno
destacar aqui parte de voto lançado pelo eminente Des. Eliseu Gomes Torres, na
época Presidente da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, ao decidir apelação oposta à sentença que aplicou
cumulativamente as medidas de LA e PSC:
‘Conforme incansavelmente tenho defendido nesta Câmara, a medida de
internação só deve ser aplicada em casos extremos, graves, até porque, todos os
aspectos dele devem ser observados, dentre os quais, o caráter de excepcionalidade
insculpido no § 2º do art. 122 e o da brevidade” (art.
121, ambos do ECA).
Com efeito, em nenhuma hipótese aplica-se a
internação havendo outra medida adequada.” (ob.
cit., ps. 95/96).
Por fim, consoante informação
constante nos autos às fls. 105/109, o menor vem apresentando sensível melhora
em suas atitudes, tendo, inclusive, acolhido o pedido de progressão, uma vez
que apresentou sensível melhora nas questões atinentes à família e à sociedade.
Provejo o apelo, a fim de que seja
aplicada ao adolescente medida socioeducativa de prestação de serviços à
comunidade cumulada com liberdade assistida, bem como para que este seja
submetido a tratamento psiquiátrico, nos termos do artigo 101, inciso V, do ECA.
Des. José
s. trindade (REVISOR) – De acordo.
Des.
Alfredo Guilherme Englert – De acordo.