MM. Juiz:
O jovem já se encontra privado de
liberdade há um ano e um mês.
A Fundação, através de estudo
multidisciplinar, já narrou a absoluta viabilidade de se pôr fim ao regime de
segregação, por mais de uma vez. Na primeira oportunidade, em 06/07/2001,
competentes profissionais de serviço social e psicologia, após detalhado exame
de fatores pessoais, individuais e de desenvolvimento ao longo do regime
recomendaram o encaminhamento do jovem para clínica de tratamento para
drogadição (fls. 47/52). Tal proposta, aliás, foi lastreada em imposição da
própria sentença (fls. 14), ratificada expressamente pelo Juízo de Execução
(fls. 44). Curiosamente, a proposta técnica motivada por ordens judiciais expressas
foi rechaçada pelo próprio Juízo, a pedido do Ministério Público.
Determinou-se, assim, avaliação psiquiátrica “diante do requerimento apra
suspensáo da execução e realização de tratamento de drogadição em local
especializado (fls. 60). Ou seja, solicitou-se ao psiquiatra que se
pronunciasse acerca da pertinência de se enviar o jovem para o centro
terapêutico sugerido. Ele, contudo, como chegou a anotar o próprio Parquet
(fls. 70), extrapolou sua missão e não se conteve em rotular o jovem como portador
de um transtorno catalogado no Código Internacional de Doenças: Personalidade
Dissocial (F60.2). Em face do inesperado
proceder – extra petita – do médico, as partes postularam esclarecimentos
suplementares, através de quesitos (fls. 70/76). Não se compreende por qual
motivo, houve por bem o Juízo, indeferindo a solicitação das partes (fls.77),
ordenar avaliação do caso pelo IMESC, Instituto de Medicina Social e
Criminológica de São Paulo. Mais incompreensivelmente ainda, ao cumprir a ordem
judicial, que determinava a avaliação
pelo Instituto, o funcionário responsável pela expedição do ofício fez nele
constar que a ordem judicial era para avaliação psiquiátrica.
Pois bem, logo após a requisição da
avaliação, enviou a Fundação novo parecer multidisciplinar, desta feita com
sugestão de progressão para liberdade assistida com tratamento psicoterápico e
antidrogas (fls. 97/91). Sem fundamentação, negou-se a sugestão técnica,
ordenando-se que se aguardasse a avaliação do Imesc, cuja antecipação solicitada
pela defesa também não se deferiu, malgrado o que dispõe o art.4º “b” do ECA (fls. 95 e v.).
Finalmente aportou aos autos a tão
esperada avaliação pelo Imesc (fls.
99/102) a qual, após tecer algumas pobres considerações concluiu, acerca
do caso: “não cremos que tenha condições na progressão de seu regime de
reeducação, devendo manter-se em regime fechado” (fls. 101).
Com lastro nas conclusões do
Instituto, o Ministério Público, sem fundamentar, postula a manutenção da
medida de internação (fls. 103), solicitando seja o jovem inserido em
psicoterapia, assim como sua genitora (fls. 92 e v.).
Nesta oportunidade manifesta-se a
defesa, tentando demonstrar a este Juízo que a desinternação do jovem se impõe
como melhor forma de aplicação da lei ao caso concreto.
De fato, o minucioso estudo de fls.
87/91, revela, à saciedade, os indicadores necessários à conclusão judicial de
que a medida de internação não tem mais motivos para ser mantida. J., dizem os
técnicos que com ele convivem há quase um ano, cumpre com adequação a medida
imposta. Cursou a sétima série, com bom desempenho. Realizou diversos cursos e
atividades esportivas. Seu comportamento institucional é tão favorável hoje em
dia que tem prestado serviços de manutenção na psicina do quadrilátero (fls.
89). De fato participou de um ato de vandalismo no interior da unidade, quando
dos primórdios de sua segregação (fls. 30 – há quase um ano), mas nos demais
momentos de tensão coletiva manteve-se distante e equilibrado. Tal
comportamento é mostra eloqüente de que encontra-se mais fortalecido com
relação à influenciabilidade. Do ponto de vista pessoal demonstra ser jovem
afetuoso, alegre, que não denota
estruturação infracional severa. Mantém sua impulsividade e agressividade sob
controle, demonstrando capacidade de refletir antes de agir (fls. 89/90) e
criticidade amadurecida em face dos delitos praticados no passado (fls. 51). A
genitora é pessoa bastante presente e capaz de dedicar ao jovem a atenção que
necessita. Alguns problemas inerentes ao vínculo, formandos ao longo da
história de vida entre mãe e filho – que
convergem em certa postura de superproteção – devem ainda se trabalhados, mas,
advertem os técnicos, em regime de liberdade assistida (fls. 86). A postura da
genitora, frise-se apenas para argumentar, não pode de maneira alguma
justificar o encarceramento do jovem. Implicaria, como não raro acontece, punir
a vítima, uma teratologia absolutamente afrontosa ao mais singelo conceito de
Justiça. O que importa, e a avaliação multidisciplinar deixa isto claro, é que
o jovem encontra-se hoje mais fortalecido internamente, ou seja, a postura
protetora da mãe, ao contrário do que se dava no passado, já não mais se mostra
fator ensejador de transgressão.
A medida de internação, regida pelos
princípios da excepcionalidade e brevidade, não mais se justifica. Seu objetivo
foi alcançado e deve cessar.
Transbordam, por conseguinte, motivos
mais do que suficientes para se devolver a liberdade a J., não se devendo
emprestar qualquer valor às avaliações psiquiátricas lançadas nos autos, tanto
a oriunda da FEBEM quanto aquela
subscrita pelos peritos do IMESC.
Sua natureza, seu discurso, seu formato, seu conteúdo, seu cotejo com os
demais elementos dos autos, tudo enfim impede que se as considere
como subsídio para decisão judicial. É o que se buscará, humildemente,
demonstrar a seguir. Os argumentos, que
se interpenetram, apenas para efeito didático serão divididos por seu caráter
mais geral (I) ou por seu caráter mais específico (II).
As características do regime de
privação de liberdade a que se submete o jovem excluem por completo a chamada
do profissional psiquiatra para opinar nos autos.
Não se vai aqui cuidar de criticar o
trabalho do psiquiatra enquanto médico.
Os profissionais que manejam os instrumentos desta relevantíssima parte da
medicina em busca de aliviar o sofrimento físico ou psíquico das pessoas de
fato doentes, de modo humanitário, desprendido, ético, merecem nossas
homenagens e profunda admiração. A censura que se lança doravante atinge o
trabalho do psiquiatra enquanto
criminólogo, enquanto profissional chamado a investigar padrões (nomeados
transtornos) de conduta ou personalidade indicadores de maior ou menor
periculosidade, atividade que guarda pouco, muito pouco com a medicina e sua
missão.
Assim o que se repudia, aqui, são as
considerações deste profissional como alguém que:
a) se
vê capacitado classificar o ser humano, através da metodologia utilizada
(exame psíquico singelo), em uma categoria nosológica complexa, verificada pela
presença simultânea de diversos sinais;
b) se vê capacitado a, com tal
classificação, dizer que tal ser humano é perigoso, ou seja apresenta
indiscutivelmente alta probabilidade de,
em liberdade, vir a cometer novo crime, sendo o mais recomendável, portanto,
mantê-lo encarcerado;
c) se vê capacitado a, num prognóstico
fechado, dizer que o indivíduo assim classificado é praticamente intratável, ou seja, nunca mais vai se livrar
desta sua condição de infrator perigoso.
A atuação do psiquiatra no desempenho deste papel recebe críticas no interior da própria
Psiquiatria.
A investigação histórica dá conta de
que o conceito psicopatia (modernamente rotulado de transtorno anti-social ou
dissocial de personalidade) emergiu em um momento
preciso, “momento histórico de
afirmação da Psiquiatria (ou medicina mental) em torno de duas das figuras mais
destacadas do “desvio”- o louco/alienado e o criminoso e, mais do que isto, seu
cruzamento na figura do “criminoso alienado», particularmente, na entidade
nosográfica proposta por Esquirol (em 1838) da «monomania homicida» e
constatação, por este alienista, da existência de formas de loucura cujo único sinal evidente seria uma «desordem moral»,
sustentadora da prática de crimes” (...) “será a «monomania homicida» — a
grande invenção da Psiquiatria do sec. XIX, segundo as palavras de M. Foucault
(1981) — a porta, simultaneamente, de individualização deste ramo do saber,
face à medicina, e de penetração progressiva no fechado domínio do jurídico,
particularmente do Direito Penal. Entidade
estranha e paradoxal, caracterizadora de um crime que não é senão e
inteiramente uma forma de loucura e uma loucura que não se revela senão através
do crime (ibidem), a «monomania homicida» revelar-se-á, de
facto, a grande arma da Psiquiatria, na medida em que, enquanto doença mental,
vai passar a exigir um perito da alienação para proceder ao seu adequado
diagnóstico e eventual prognóstico, apelar à especificidade de um saber médico
da alienação que instaurará e reforçará novas relações de poder entre estes
dois domínios e seus representantes. ” [1]
Vê-se, assim, que a inclusão das psicopatias no
terreno da psiquiatria deveu-se, historicamente, a interesses de afirmação de poder,
muito mais do que em razão de pertinência científica a este ramo da medicina,
então em construção.
A inclusão destas categorias no
interior da medicina, mais por razões ideológicas do que científicas, explica a contradição – tida como aparente,
mas de fato real – de ter o Sr. Psiquiatra às fls. 68 concluído que “o
jovem não apresenta quaisquer sinais ou sintomas de distúrbios psíquicos”
para depois diagnosticá-lo como portador de um transtorno catalogado no CID-10
(F 60.2).
O próprio avaliador reconhece, assim,
tratar-se, pois, de um distúrbio que não é distúrbio, de uma doença que não é
doença, de fato, como diz o grande Foucault, uma entidade estranha e paradoxal[2].
Neste contexto, assim, não são poucos
os que advogam o expurgo de tal categoria – entre outras – do território da
patologia mental de cunho médico. A propósito:
“Es campo de
estudio del biólogo la variabilidad de la especie humana (raro – común); del
sociólogo el ajuste del individuo en el grupo (adaptado – inadaptado); del
moralista (religioso, ético) valorar lo bueno y lo malo; del legista juzgar las
responsabilidades; del psicólogo las motivaciones de la conducta individual. El
médico debe limitarse a su estricto campo que consiste en evaluar si una
persona está sana o enferma. Y, el psicópata, puede ser raro, inadaptado,
malvado, delincuente o tener una conducta incomprensible, pero, no es un enfermo.( Hugo Marietán, in Personalidades psicopáticas Publicado
na revista Alcmeón, Volume 7, Nº 3,
Novembro de 1998).
“O conceito médico de
doença deve envolver algum processo biológico auto-prejudicial (Scadding,
1967). Psiquiatria é medicina psicológica. Nós podemos dizer que para uma
pessoa ser classificada como “paciente psiquiátrico” ela deve apresentar
efeitos de um processo biológico auto-prejudicial em seu modo de pensar, sentir ou comportar-se
(..) De acordo com este ponto de vista, pessoas anti-sociais devem ser
consideradas como apresentando problemas psiquiátricos apenas quando cometem
crimes auto-prejudiciais ... como tentar roubar na presença da polícia.
Indivíduos anti-sociais que se abstêm destes comportamentos auto-prejudiciais
devem ser considerados criminosos “normais”. Eles devem preocupar o sistema de
justiça criminal mas não médicos ou comunidade médicas (...)..Se os
profissionais de doença mental não prestam atenção a estes questionamentos, nós corremos o risco de confundir
problemas médicos com problemas morais. Tal confusão trará apenas
consequências deletérias tanto para os médicos quanto para o sistema de justiça criminal (in
Caixeta, M. A. Critical Look at
Current Concepts of Personality Disorders: Moral vs. Medical Aspects. Int J Psychopath Psychopharmacol
Psychother 1996, 1 (1). URL http://www.psycom.net/ijppp.v1n1.html).
Embora pareça a priori temerário afirmar com convicção, há no mínimo dúvidas
sobre a sustentabilidade de uma avaliação de transtorno de personalidade
anti-social ou dissocial no âmbito da Psiquiatria considerando os termos
da Resolução
do Conselho Federal de Medicina nº 1.408/94:
Artigo 2º - O diagnóstico de que uma pessoa é
portadora de um transtorno mental deve ser feito de acordo com os padrões
médicos aceitos internacionalmente e não com base no status econômico, político
ou social, orientação sexual, na pertinência a um grupo cultural, racial ou
religioso, ou em qualquer outra
razão não diretamente relevante para o estado de saúde mental da pessoa.
Parágrafo 1º - O diagnóstico de um transtorno
mental não será determinado pelos seguintes fatores quando isoladamente:
conflitos familiares ou profissionais, a
não conformidade com valores morais, sociais,
culturais ou políticos, com as crenças religiosas prevalentes na comunidade da
pessoa, ou uma história de tratamento ou hospitalização psiquiátricos
anteriores.
Parágrafo 2º - Nenhum médico pode
diagnosticar que uma pessoa é portadora de um transtorno mental, fora dos
propósitos diretamente relacionados ao problema de saúde mental ou suas
conseqüências. (destaquei)
Vê-se, portanto, que o trabalho do psiquiatra enquanto
perito nestes autos representa atividade essencialmente distinta daquela
atribuída ao médico, em sentido estrito. As resposta do Sr. Perito avaliador a
vários dos quesitos da defesa não deixam dúvida. Confira-se o que disse ele nos
itens 8.2 e, especialmente 8.4 (fls. 102). Fica evidente, pelas próprias
palavras do avaliador, que seu trabalho não
tem qualquer finalidade clínica,
terapêutica ou estatística. Aliás, um diagnóstico para tais objetivos – que
são os objetivos da ciência e disciplina médica por excelência – como diz o Sr.
Perito é destituído de valor médico-legal.
Confirma-se
então a total diferenciação, estranheza, do médico-legal em relação ao médico
em geral. Paradoxalmente, ao responder ao quesito 8.3, de forma enfática, o
Sr. Perito insiste que, apesar da singularidade do trabalho que faz em relação
a todo o resto da medicina, sua tarefa é
essencialmente médica. Todos os demais profissionais seriam legal e
tecnicamente incompetentes para realizá-la.
Não é bem assim.
Tal como os autores acima mencionados
enfatizam, não havendo enfermidade, não havendo comportamento auto-prejudicial,
não estamos dentro do terreno próprio da medicina. Ingressamos no território da
criminologia, mais especificamente da criminologia clínica, aplicada a um caso
concreto. O médico que avalia este
adolescente está num papel atípico, de médico-criminólogo. Para dizer se o caso
se encaixa nas categorias do CID, pode até ser que somente ele se encontre
habilitado do ponto de vista técnico ou legal. Todavia, para dizer se os jovem
apresentam sinais ou sintomas que compõem o quadro, é evidente que outros
profissionais também se mostram tecnicamente preparados. SE um psicólogo não for
capaz de dizer se alguém é ou não indiferente aos sentimentos alheios; se desrespeita ou não normas, regras e
obrigações sociais; se tem ou não capacidade de manter relacionamentos; se tolera ou não a frustração, se culpa ou
não os outros por seus comportamentos, etc.; então o psicólogo não é capaz de
nada, vez que a subjetividade é seu objeto de estudo, e a avaliação da
personalidade uma de suas tarefas por excelência, tendo exclusividade no manejo
de testes para a elaboração do psicodiagnóstico.
Mas, que valor se dá para a assertiva
de que o jovem é portador de um transtorno de personalidade dissocial? Quase
nenhum. Como estamos no terreno da criminologia, ciência interdisciplinar por
natureza, opiniões acerca do caso podem e devem ser lançadas por profissionais
de outras áreas do conhecimento, como a psicologia, a sociologia, a disciplina
do serviço social, a genética, a nutrição, a pedagogia, etc. Sim porque, além da hipótese de que a pessoa
infraciona por ser portadora de um transtorno mental, há na criminologia,
escolas – aliás bem mais modernas e rigorosas – apontando causas psicológicas,
políticas, hereditárias, educacionais, econômicas, etc., como os reais móveis
da contuda trasgressora.
É por isto que a determinação incial
de V. Exa., no sentido de que o jovem fosse avaliado pelo IMESC e não
simplesmente avaliado psiquiatricamente pelo IMESC seria muito mais
correta. Ao responder ao quesito 1 da
defesa, o perito alude ao exame criminológico como um exame mais amplo – do
qual o parecer psiquiátrico é apenas um elemento – realizado para maiores
imputáveis. Ora, se os adultos fazem jus a um exame desta natureza, que vai
além do singelo exame psiquiátrico, como negá-lo aos adolescentes? Nada
justifica o tratamento desigual, deixando o adolescente em mãos e de uma visão
escoteira e parcial do ser humano.
Em suma, ao contrário do que, sem
fundamentar, o Sr. perito fez constar no laudo, não atuando como médico em
sentido estrito, o psiquiatra opera em campo de investigação no qual outros
profissionais também transitam.
Assim, não se aceita o argumento de
que um laudo psiquiátrico somente admitiria refutação por outro laudo
psiquiátrico. Esta assertiva não vale para o laudo psiquiátrico para fins
médicos legais, com caráter de investigação criminológica.
De outro lado, não se deve emprestar
à avaliação médico-criminológica a mesma deferência que os leigos debitam ao
saber médico em geral.
De qualquer maneira, ainda que se
aceitasse com tranquilidade o fato de que a tarefa de avaliação criminológica
se insira na atividade psiquiátrica em geral, incontáveis críticas continuam
direcionáveis em face do trabalho apresentado
Todo diagnóstico psiquiátrico é, por
natureza, IMPRECISO (1). Não fosse
impreciso, não ensejaria discussão. Contra certezas científicas rigorosas
demonstradas, não se pode fechar os olhos.
Contudo, a imperiosidade de se rejeitá-lo não advém apenas da
imprecisão, caso em que as avaliações psicossociais também deveriam ser
desconsideradas, posto que também contingentes. A necessidade de descartar o
diagnóstico e prognóstico psiquiátrico assenta-se em razões legais, decorrentes
do fato de ter ele um conteúdo ideológico
inescondível, absolutamente conflitante com as diretrizes inspiradoras de nossa
legislação atual que cabe a este Juízo, nunca é demasiado lembrar, confirmar em
cada momento decisório (2). Exemplificativamente, diagnósticos da natureza
daqueles lançados sobre o jovem afrontam o princípio constitucional e legal da
consideração do adolescente como pessoa em desenvolvimento (3), subverte os
objetivos da medida sócio-educativa (4)
e contribui inegavelmente para a reincidência criminal, comprometendo
interesses de defesa social (5). Mais, não fosse pela impertinência de se pedir
a opinião destes examinadores, ainda que
algum valor se emprestasse ao discurso psiquiátrico destes moldes, no caso dos
autos a fragilidade em concreto das avaliações pode ser constatada por qualquer
leigo (II). Por fim, mesmo que por hipótese se confiasse no que disseram os
senhores doutores médicos, no caso dos autos a liberação se impõe posto que,
segundo a lei em vigor, no curso do processo de execução da medida de
internação a dúvida beneficia o jovem cidadão cativo (III).
1. DA IMPRECISÃO DO DIAGNÓSTICOS
PSIQUIÁTRICO
Ensina-nos Hume que nada nos permite
dizer que amanhã, ao atirarmos uma pedra para o alto, ela cairá. Não é
rigorosamente lógico predizermos o futuro com base no que aconteceu no passado
e no que acontece hoje. Se nem mesmo no terreno das ciências da natureza,
supostamente governada por leis físicas capturáveis pelo conhecimento, os
vaticínios são logicamente seguros, dúvida não resta quanto a absoluta
imprecisão dos juízos lançados acerca do comportamento e da natureza do homem. A realidade humana é absolutamente
complexa e as ciências que a estudam, naturalmente contingentes. Não que não se
possa lançar qualquer juízo sobre a espécie ou sobre um indivíduo em
particular. O que não se pode é aceitar de forma acrítica afirmativas que não
se coloquem de antemão cautelosas de seu alcance cognitivo, humildes quanto a
sua cobertura compreensiva .
{O que pede a defesa a este Juízo é que lance um olhar crítico sobre os
saberes que lhe são apresentados. Não aceite a fala do psicólogo como verdade
absoluta. Não aceita a fala do assistente social como verdade absoluta. Não
aceite a fala do Dr. Psiquiatra como verdade absoluta. Porque de verdade
absoluta não se tratam. O que pede a defesa a este magistrado é que reconheça
que, sob o manto dos discursos sobre o homem, estão escondidas visões de
mundo, posições valorativas bem
demarcadas, que todos nós temos enquanto cidadãos juízes, psiquiatras e
defensores. E que tendemos a aceitar, nos fenômenos e nos discursos sobre eles,
a interpretação que mais se encaixa em nossa grade de afinidades. Apropriar-se
disto, Sr. Magistrado, mostra-se indispensável para se separar o exercício da
jurisdição do exercício da opinião pessoal, decidindo-se os casos conforme o
que acredita a maioria representada no processo legislativo e não conforme
aquilo no que os valores pessoais fazem o homem juiz acreditar.}
Neste contexto, qualquer discurso que
aceite predizer o futuro, ou emitir juízos acerca do comportamento humano
futuro de forma tão segura a ponto de sugerir que se mantenha o cativeiro
de um ser humano deve ser recebido com reservas, com muitas
reservas.
É o que fizeram os senhores
psiquiatras. Disseram que J. teria transtorno de de personalidade. Não revelaram este
diagnóstico ao jovem. Não prescreveram tratamento. Não o aconselharam. Como esclareceu
o Sr. Psiquiatra do IMESC, a finalidade de sua avaliação não é curativa, nem
estatística, nem preventiva. Sua finalidade é extrair as consequências
médico-legais do exame, que no caso foram aquelas apontadas às fls. 101: o jovem não tem condições de progressão de
seu regime de reeducação. É curioso observar que esta conclusão decorre do
fato de o jovem ter sido diagnosticado como portador de transtorno anti-social
ou dissocial, sendo “natural” no discurso do Sr médico a conclusão de que o
possuidor de tal “problema” não pode viver em liberdade. Por quê? A resposta é
implicita, porque irá cometer novo crime.
Estamos assim, pois, diante de
profissionais que diagnosticam para predizer o futuro. Um futuro sombrio para
J..
Ora, ainda que em termos de
probabilidade, é inaceitável que se proclamem prognósticos desta natureza.
Estatisticamente todos que passaram pelo regime carcerário têm alta
probabilidade de reincidência (basta que o magistrado pesquise o grau de
reincidência do jovens que liberou nos últimos anos) porque o sistema
carcerário – FEBEM incluída, é claro – produz a reincidência.
Falar que o jovem tem alta ou baixa
probabilidade de infracionar não significa nada. Inaceitável que se credencie
com algum valor o discurso médico-criminológico sob argumento de que não fala
certezas, mas se limita a emitir probabilidades. As dificuldades de predizer o
futuro com certeza são as mesmas que impedem dizê-lo com certeza de alta ou
baixa probabilidade. Aliás trocar a predição certa por mera probabilidade
significa isentar-se de responsabilidade por seu discurso, que jamais poderá
ser infirmado através do crivo da realidade. Formulada desta maneira, a
assertiva torna-se confirmável de qualquer forma, sendo, pois, anti-científica
por natureza. Se o jovem não infracionar, a hipótese confirmou-se, sendo
explicável pela pequena chance de não recidiva. Se o jovem infracionar, por
outro lado, isto confirmará a predição.
A boa lógica, a rigorosa ciência,
pois, não aceitam que se fale em probabilidade para emprestar-se valor ao
discurso do perito psiquiatra..
Na verdade, estas assertivas de
futuro são informuláveis. São recusadas por um grupo cada vez maior de
profissionais. Construir um discurso que afirme ou não a probabilidade de
reincidência (periculosidade) é tarefa inviável, desumanizadora, que tende ser
expelida do próprio sistema penal onde foi gestada e desenvolveu-se.
Os profissionais com um mínimo de
consciência crítica acerca dos instrumentos que manejam falam hoje em avaliação
do desempenho do preso segundo os objetivos da medida que lhe foi ministrada,
como o adimplemento, de sua parte, do pacto firmado no início do regime.[3]
Se os psiquiatras consultados não
atingem seus saberes com um juízo crítico mínimo, então que o magistrado o
faça. É o mínimo que se espera.
Muito não é preciso para demonstrar a
relatividade de um diagnóstico psiquiátrico. A dificuldades começam pela
própria conceituação de doença (ou distúrbio,
ou transtorno) mental[4].
Passa pela definição de um modelo diagnóstico e os diversos tipos de patologia
e, por fim, pelas técnicas necessárias para emprestar objetividade à subsunção
dos sinais/sintomas a estes modelos preorganizados. Todas estas questões são objeto de intenso
debate no interior da medicina mental, bastanto que se consulte qualquer manual
para divisá-las.
Francisco Lotufo Neto, Laura Helena
Silveria Guerra de Andrade e Valentim Geral Filho, todos psiquiatras do
Instituto de Psiquiatria da USP - aos
quais não se pode atribuir qualquer pecha de radicais reformistas - editaram um manual para graduandos[5] no qual fazem consignar, com
relação ao diagnóstico psiquiátrico, que:
a) Tem sofrido continuadas críticas ao
longo de sua história;
b) Para Cooper é uma construção
ideológico-política[6]. ;
c) Tenta centrar-se em categorias
confiáveis, mas que carecem, em grande parte, de validação;
d) Ainda não conseguiu construir-se como
um sistema que leve em consideração as características; individuais e faça
justiça à riqueza da pessoa humana, evitando toda espécie de reducionismo;
e) Carece em geral de confiabilidade. Ou seja, com freqüência, dois psiquiatras, examinando o
mesmo paciente não formulam o mesmo diagnóstico. Isto porque, os profissionais
podem ter diferentes concepções teóricas, diferenças na experiência
profissional e no lidar com os processos de transferência e
contratransferência, diferentes influências interpessoais e, em especial, serem
de classe social diversa da de seus examinados. Além disto, no processo
diagnóstico podem ser utilizadas diferentes técnicas de entrevista, diferentes
percepções da patologia do paciente, atribuição de pesos diferentes a
determinados sintomas e a outros dados da história, e diferentes sistemas de
classificação;
f)
Carece
em geral de validade, ou seja, de
garantia de que a categoria utilizada de fato identifica o fenômeno em questão,
diferenciando-o dos outros membros de sua classe. Esta dificuldade se deve
porque a validade coincide com o grau de vinculação do diagnóstico com a
etiologia da doença. Todavia, somente uma pequena classe dos transtornos
psiquiátricos – os orgânicos - tem
etiologia definida e precisável. Os de personalidade não tem em absoluto
etiologia unívoca precisável. A etiologia, quando conhecida, é multifatorial
. Aliás, as classificações que conduzem
aos grandes protolocos diagnósticos (DSM e CID), como bem se sabe, justamente
por não se basearem nas causas, mas por
terem de se valer de critérios sindrômicos, ou seja, agrupamento de sintomas
arranjados de forma não rara por questões históricas, ligadas aos interesses
particulares dos pesquisadores, e que, no final acabam por compor categorias
específicas pouco definidas, sem limites claros e heterogêneos;
g) Apresenta, como dificuldades, baixa confiabilidade na detecção dos
sintomas, uso idiossincrático da terminologia com grande confusão conceitual.
As técnicas de entrevista são variáveis e sua abrangência pode ser incompleta.
Erros sistemáticos podem ocorrer, como o efeito
halo e o erro de contraste. No efeito halo a impressão geral inicial que o
médico tem do paciente pode desviar toda a avaliação posterior. Além disso,
diagnósticos recebidos anteriormente pelo paciente podem influenciar o
julgamento do estado atual.
Ora, se os próprios psiquiatras
duvidam da precisão de seus diagnósticos, como o Sistema de Justiça pode
depositar, nele, credibilidade bastante para manter sob cárcere um cidadão?
Tal como na psicologia, também na
Psiquiatria subsistem vários modelos de abordagem. A Psiquiatria Kraepeliana,
geratriz dos grandes catálogos de transtornos (CID e DSM), está longe de
representar a última palavra, a versão mais depurada da verdade psiquiátrica[7]. É apenas um dos enfoques
possíveis, subsistindo diversas outra correntes igualmente representativas de
um saber sustentável, contudo ainda distante de nossos principais centros de
formação[8].
Mas há que se ir mais fundo. Não
bastasse a inconsistência geral do diagnóstico psiquiátrico não etiológico,
quando se ingressa no terreno dos
transtornos de personalidade as críticas ganham proporções. O descarte
grosseiro das diferenças individuais, a própria indefinição do que seja
personalidade[9], as diversificadas
heranças taxonômicas, a inexistência de instrumentos confiávies de avaliação[10], etc, tornam este solo ainda mais
pantanoso e , via de consequência,
desenraizados seus conceitos e conclusões.
Assim, informam os professores acima
indicados sobre esta categoria:
“ Dentre
diversos modelos de abordagem dos transtornos psiquiátricos, o CID-10 adotou o
modelo tipológico. Nele, as pessoas são agrupadas em categorias discretas,
tentando-se explicar os comportamentos
baseado em alguns tipos de personalidade. Apesar de sua operacionalidade, é
certo que a personalidade é algo bem mais complexo para ser estudado de maneira
tão simplista. É que muitos indivíduos não apresentam todas as características
do tipo extremo, mas algumas delas e, outras vezes, características de vários
tipos de personalidade” [11]
Em outro momento, assinalam:
“Defensores
de um modelo interacionista negam que os traços ou as situações em que as
pessoas se encontrem sejam responsáveis pelo comportamento, de modo isolado.
Contudo, o comportamento individual é modificado continuamente através de um
feedback entre o indivíduo e a situação”. (p. 250)
Para, por fim, arrematarem:
“A
baixa confiabilidade e a falta de validade das classificações categoriais como
a CID 10 e o DSM-III-R são patentes e aguardam futuras sistematizações. As
deficiências destas classificações
incapacitam a sua operacionalidade e a sua utilidade clínica, além de
invalidá-las parcialmente como critério diagnóstico. Assim, um transtorno de
personalidade permanece, muitas vezes, como rótulo estigmatizante do indivíduo,
por comunicar pouca informação acerca do mesmo, incapaz de preditividade
clínica”[12] (....)
“A confiabilidade diagnóstica baixa, considerando a superposição de
vários traços de personalidade no mesmo indivíduo, sem estabilidade temporal
tem levantado oposições ao uso de categorias de personalidade, preferindo-se
uma abordagem dimensional”. (p. 256).
O próprio CID 10, humildemente, adverte a seus
usuários que:
“Em todas as classificações psiquiátricas atuais, transtornos de
personalidade em adultos incluem problemas graves, cuja solução requer informação
que pode vir apenas a partir de investigações extensas e que consomem muito
tempo. A diferença entre observações e interpretação se torna
particularmente problemática quando são feitas tentativas de redigir diretrizes
ou critérios diagnósticos detalhados para esses transtornos e o número de
critérios que têm que ser preenchidos antes que um diagnóstico seja considerado
como confirmado, permanece um problema não solucionado à luz do conhecimento
atual (World Health
Organization – Classificação de Transtornos
mentais e de comportamento da CID-10, Porto Alegre, Artes Médicas,
1993, p. 17)
A jornada no sentido de mostrar a
relatividade do discurso psiquiátrico não pára aqui. Se o diagnóstico
psiquiátrico em geral é duvidoso, se os transtornos de personalidade consistem
categoria altamente imprecisa, em situação ainda pior em termos de consistência
científica encontra-se o transtorno anti-social ou dissocial de
personalidade.Vejamos:
a) a dificuldade já começa com a própria
inclusão desta categoria no terreno da Psiquiatria e da medicina, como se
mostrou acima;
b) Nunca é por demais lembrar a absoluta
diversificação e, assim, imprecisão, que o diagnóstico de psicopatia e sua
versão mais modernizada, o transtorno de personalidade anti-social ou
dissocial, encontrou e encontra na literatura especializada. Tanto que, como
nos lembra Odon Ramos Maranhão, “a conceituação de psicopatia foi
progressivamente se comprometendo, sofrendo críticas e alcançando um sentido
quase pejorativo, a ponto de levar Leo Kranner fazer um comentário jocoso: um psicopata é alguém de quem você não
gosta” ( in Psicologia do Crime, São Paulo, Malheiros, 1995, 2ª
edição, p. 80.[13]) Ora, num terreno
tão impreciso, assusta que ainda emprestemos algum valor elucidativo da pessoa
humana a um diagnóstico de tal natureza e mais, que persistam pessoas crendo-se
capaz de identificar delinqüentes compulsivos através destas técnicas de
etiquetagem, mormente no terreno da medicina.
c) Não existe confirmação estatística
por um conjunto de estudos reconhecidamente sério no sentido de que os
indivíduos avaliados como portadores de transtorno de fato tendem a infracionar
de maneira mais significativa de que outros fora deste grupo. Garcia-Pablos de
Molina aponta que “quanto às
investigações empíricas, destinadas a comprovar a relação entre a psicopatia e
a criminalidade, seus resultados, equívocos, desconcertantes e até mesmo
contraditórios ensejam toda sorte de interpretações. A discussão científica
sobre o tema continua aberta”(op. cit. p. 185). Haveria legitimidade, pois, em reter ainda mais o
jovem sob custódia plena considerando-se a escassa validade científica dos
conceitos que recomendam, em tese, tal solução?
Não se trata de negar qualquer valor
aos estudos que buscam cruzar as características de uma pessoa com prática
criminosa. O que se tenta aqui é chamar à atenção para a incrível fragilidade
do modelo de investigação a ser eventualmente eleito por este juízo como guia
da decisão judicial. Como as palavras do defensor são usualmente recebidas com
reservas, pela suposta parciliadade de seu discurso, invoca-se, neste aspecto,
a lição de Celina Manita, jogando uma pá de cal sobre aqueles que crêem
desavisadamente no valor revelador de
diagnósticos – com seu natural prognóstico de periculosidade - do tipo
daquele observado a fls. 101:
“Não
pretendemos (...)retirar às teorias da
personalidade criminal toda a importância histórica e científica de que se
revestem. Apenas demonstrar que estes
fenómenos são demasiado complexos para que se possa supor que um constructo
teórico tão simples e fixo como o de traço (geralmente unidimensional) de
personalidade os possa englobar, compreender ou explicar adequadamente (...)
Da mesma forma e por razões similares, não nos parece aceitável que o conceito
de perigosidade, tal como tem sido definido, possa ser acriticamente assumido por todo um sistema de acção e intervenção
junto dos delinquentes, realizando-se a sua prognose e mensuração, através de
instrumentos e conceitos que, na sua maioria, resultam (e estamos de novo num
ponto de encruzilhada) das referidas abordagens da personalidade criminal
enquanto conjunto de traços específicos. Por tudo isto nos pareceu tão
importante salientar aqui o quanto as
concepções mais ingénuas, estáticas, lineares e deterministas da personalidade
criminal e dos respectivos traços, bem como da noção de perigosidade, ao
simplificarem excessivamente a nossa visão do real, poderão tornar-se
«perigosas» elas mesmas, se aceites e aplicadas directamente, e admitidas como
«reais» sem passar pelo crivo de uma crítica teórica, metodológica, empírica e
epistemológica. É que, afinal, a ironia maior de todo este processo acabou
por ser a de a criminologia positivista ter pretendido (e se ter vangloriado
de) realizar o estudo de fenómenos reais e científicos, por oposição à
«abstração normativa» do Direito Penal Clássico e acabar por cair nessa ficção de realidade que se revelam as
entidades clínicas com que pretende ver determinada a criminalidade do sujeito
transgressor: perigosidade e personalidade criminal” (op. cit).
2. O CONTEÚDO IDEOLÓGICO DA AVALIAÇÃO
PSIQUIÁTRICA E SEU CONTRASTE COM OS VALORES CONSAGRADOS NA LEGISLAÇÃO EM VIGOR
As considerações já tecidas acima
sinalizaram que a abordagem psiquiátrica da problemática infracional surgiu
como demanda do modelo criminológico positivista. Tal modelo criminológico tem,
entre seus pilares de sustentação: a) modelo científico causal-explicativo; b)
concepção do criminoso como subtipo humano, diferente dos demais cidadãos
honestos; c) ausência de postura crítica frente ao ius puniendi estatal, propugnando um claro anti-individualismo que sobrepõe a rigorosa defesa da ordem
social frente aos direitos do indivíduo; d) diagnose do delito com simplistas
atribuições a fatores patológicos (sobretudo do indivíduo) que exculpam de
antemão a sociedade[14]; e) inclusão
de uma ideologia terapêutica como estratégia de intervenção em face de sujeitos
inimputáveis (menores e loucos).
Ao se cotejar estes poucos princípios
com o elenco de valores, métodos e concepções do Estatuto da Criança e do
Adolescente ver-se-á o quão antagônico se revela o modelo positivista em
relação à legislação em vigor da qual o
magistrado, num Estado de Direito, é supremo guardião[15]. É por isto, portanto, por ser guardador do Estado de Direito
e dos valores consagrados no ordenamento jurídico que este magistrado deve
distanciar-se da opinião dos psiquiatras lançada nestes autos. Veja-se:
a) o modelo científico causal-explicativo do positivismo colide com a
tônica multidisciplinar que permeia o Estatuto.
Como já se destacou, a lei em vigor parte
da concepção de ser humano como uma realidade complexa, dotada de múltiplas
dimensões. O art. 2º do ECA enumera algumas destas dimensões
(física, mental, moral, espiritual e social) e o art. 150 estabelece como
serviço auxiliar do magistrado uma equipe interprofissional. Estabelece, outrossim, o art. 94, IV, que os
centros de internação deverão realizar periodicamente avaliação pessoal e
social. Assim, segundo entende a lei, para que se possa compreender este ser humano
multifacetado, imperioso se promova uma aproximação multidisciplinar do objeto.
E assim não poderia deixar de ser, posto que inter, multi ou
transdisciplinariedade, especialmente a última
consiste no paradigma epistemológico das ciências humanas na atualidade[16]. Exigir o aporte de diversos
saberes implica perceber o objeto de forma complexa, refutando explicações
derivadas do singelo modelo clássico, causalista, que conforma um dos pilares
do positivismo, como apontado.
Não se pode deixar aqui de anotar
quanto a avaliação psiquiátrica lançada contraria o atual modelo imperante de
conhecimento nas ciências humanas. Sozinho por opção, ou melhor agregado a um
parceiro com idêntica visão de mundo – era-lhe lícito consultar outros
avaliadores, psicólogos e assistente social - o profissional se sente capaz de
dizer, com convicção, o que uma pessoa é como ela se comportará no futuro.
Parece não entender a exigência de rigor científico embutida do novo
paradigma. Mais, refuta qualquer aporte
de saberes de outra linhagem como capazes de emprestar mais rigor às suas
deduções (a propósito, veja-se a recusa, expressa, na resposta ao quesito 8.3,
de confrontar a avaliação “com aspectos psicológicos, vivenciais e
sociológicos”- fls. 102). Esta pureza, é patente, ao invés de emprestar
validade ao discurso, compromete-o, em sua essência.
b)
a consideração do adolescente infrator como um subtipo de jovem, diferente dos
demais, colide frontalmente com a doutrina da proteção integral.
No revogado modelo legislativo,
pessoas menores de dezoito anos em situação irregular eram menores e, nesta
condição – que as distinguia quase que
ontologicamente dos outros seres humanos desta idade – ganhavam um estatuto
legal e existencial diferenciado. Conforme escreveu João Ricardo W. Dornelles[17] “O “menor” era um subtipo da
categoria de criança e adolescente. Estes últimos eram aqueles que penetravam
no sistema educacional e que, durante a infância e adolescência se dedicam à
formação intelectual e moral para desempenharem, no futuro, como adultos,
papéis de dirigentes da sociedade”.
Segue o mencionado autor destacando que “Os demais, menores, correspondiam a toda criança e adolescente oriundos
de famílias consideradas incapazes de
suprir as necessidade básicas para a sua existência. Seriam, assim, crianças e
adolescentes provenientes de famílias carentes e como tal considerados
perigosos para a ordem existente. Para a prevenção e controle deste seguimento
potencialmente transgressor/desviante/resistente/delinqüente criaram-se os
reformatórios, os internatos, os orfanatos, como uma orientação correcional
imposta pelo padrão cultural dos setores dominantes”. Com o advento do
Estatuto da Criança e do Adolescente, segue o estudioso, a situação
modificou-se: “A nova lei parte de uma concepção
diametralmente oposta à concepção
tradicional”. Não cria categorias especiais. Trata da criança e do adolescente
em geral. Define uma proteção integral a
todas e quaisquer crianças e adolescentes e declara seus direitos”
Vê-se, por conseguinte, que o modelo
do ECA é inclusivo, que tem como valor
ordenador não distinguir seres humanos em categorias preconcebidas de
pertencimento, em especial naquelas que tragam consigo um estigma direcionador
de controle social. É exatamente o que faz o diagnóstico psiquiátrico ora
lançado, ainda que por outra via.
Destarte, nada mais se precisa para
mostrar que o modelo positivista é o modelo do Código de Menores e que a
abordagem psiquiátrica lançada sobre J. repristina a malfadada doutrina da
situação irregular banida há bom tempo de nosso ordenamento com o advento do
ECA. Por isto, porque afronta valor fundamental da lei, o diagnóstico
psiquiátrico deve ser desprezado. O jovem não pede que o magistrado seja
clemente, apenas que aplique a lei e seus princípios.
c) a ausência de postura crítica diante da pretensão punitiva estatal,
típica do positivismo criminológico, contraria
frontalmente o modelo proposto pela doutrina da proteção integral.
Talvez uma das mais marcantes conquistas no
novo sistema legal foi o reconhecimento do caráter punitivo (não confundir, por
favor, caráter com objetivo) da medida sócio-educativa, que trouxe consigo o
acesso do jovem processado todo arsenal de instrumentos para se opôr à
pretensão estatal de controle sobre sua pessoa. Os artigos 110 e 111 do ECA
falam por si. No modelo positivista clássico, era ilimitado o poder do Estado
de interferir na esfera de autodeterminação do sujeito em busca da
neutralização da “periculosidade”, conceito forte do sistema. . No sistema do Estatuto
a ingerência estatal na pessoa do jovem sentenciado sofre limitações, marcadas
sobretudo pelo respeito à sua dignidade de pessoa. O modo assimétrico como é produzida, a
submissão incontestada exigida do examinando, a suposição de que a subjetividade
possa ser vasculhada tão rapidamente com tamanha precisão, o desprezo à
autonomia individual, a facilidade com que um ser complexo e único é reduzido a
uma categoria abstrata genérica, entre outros fatores, faz da avaliação
psiquiátrica e do modelo criminológico que a inspira algo incompatível com os
limites evidentes impostos pelo ECA ao interesse punitivo estatal de controle
sobre o cidadão transgressor. Limite
este centrado, pelo menos, no respeito à dignidade humana.
A invasão da psiquiatria na rotina de
execução da medida sócio-educativa converte-a em medida de segurança, substitui
a pretensão pedagógica por outra, quase
ilimitada, centrada na lógica abstrata da ideologia terapêutica, como
veremos, a estratégia positivista de fortalecer o direito do Estado de ingerir
– em nome de um suposto tratamento – nos rincões mais profundos da intimidade
humana.
O mais grave nisto é que, taxado de
perigoso, o jovem vai ser mantido preso não pelo que fez, mas sim por aquilo
que poderá vir a fazer. Sim, a medida perde o caráter de responsabilização
pelos atos transgressores acontecidos no passado passa a operar em função de infrações que
virtualmente podem vir a ocorrer no futuro. O Estado todo-poderoso,alimentado
pelo vaticínio dos alienistas, reserva-se no direito de antecipar a punição.
Como um Leviatã totalitário investe-se no direito de punir o jovem por aquilo
que ele não fez...[18]
d) a tendência a considerar o delito como produto de patologia individual
afronta a visão criminológica do Estatuto, que reconhece nos fatores ambientais
a gênese primordial do crime.
Não há qualquer dificuldade para demonstrar
esta hipótese. Primeiro porque o ECA, evidentemente, assenta suas raízes na
Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas magistralmente traduzida na
Convenção Internacional dos Direitos da Criança e, em especial, nas Diretrizes das Nações Unidas Para a
Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad) que já proclamavam, em
1988: “para ter êxito, a prevenção da
delinqüência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que
garantam um desenvolvimento harmônico dos adolescentes e que respeitem e
promovam a sua personalidade a partir da primeira infância. (...) É necessário
que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas
progressistas de prevenção da delinqüência (...) voltadas à criação de meios que permitam satisfazer às
diversas necessidades dos jovens e que sirvam de marco de apoio para velar pelo
desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que
estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que
necessitem um cuidado e uma proteção especiais”. Não é por outro motivo que
a política criminal do ECA traduz-se primordialmente na oferta de políticas
sociais de base e de assistência social (prevenção primária – art. 86, I e II)
além de programas de proteção especial para jovens e famílias em situação de
especial dificuldade (prevenção secundária – art. 101 e 129)[19]. O fato de a lei debruçar-se
demoradamente em regulamentar a prevenção terciária (medidas sócio-educativas)
não faz desta, obviamente, a estratégia mais prestigiada de defesa social. A regulamentação mais específica, pelo
contrário, pelo seu conteúdo evidentemente garantista, visa justamente
restringir seu âmbito de aplicação e diminuir a discricionariedade judicial
quanto à forma de aplicação dos regimes.
Pois bem, o positivismo
criminológico - e sua convidada especial
nestes autos, a avaliação psiquiátrica - ao conferir primazia a fatores de ordem
pessoal na prática delitiva, atribuindo à deformação individual a origem
prevalente da transgressão, traduz visão criminológica absolutamente divorciada
daquela consagrada no ordenamento. A patologização do ato transgressor, tratado
como uma categoria nosológica, ao centrar no indivíduo supostamente “doente”
toda etiologia da ação “desviada”, busca
na verdade isentar o sistema social e suas instituições formadoras e
correcionais da grande responsabilidade
que têm na produção e no fomento da delinqüência. A aceitação cega da hipótese
de que o jovem transgride por causa de sua personalidade converte o Judiciário em mero reprodutor,
mais do que isto, mantenedor eficiente
das estruturas responsáveis pela exclusão social da grande maioria da
população. Este, por certo, não é o papel que nosso ECA reserva a este tão
nobre Poder[20].
O Professor Álvaro Aguiar, em texto
magistral, como poucos fizeram, demarcou com clareza como a visão
psicopatológica atropela a ética e a estética incorporadas em nosso Estatuto, sintetizando
todos os argumentos pelos quais a investigação psiquiátrica, para fins
criminológicos, não médicos, deve ser banida dos feitos da Infância e
Juventude:
Diz ele que
“o Código de Menores enunciava um
tipo de sujeito de fonte. Um sujeito em que nele se localizam defeitos. Era um
sujeito informado pelo Direito, desde uma Psiquiatria, uma psicanálise, uma
Psicologia psicopatologizante. Era o menos, mesmo em si, desde sua
personalidade, nascido criminoso, violento, psicótico, sociopata”.
Invocando Foucault(“A genealogia do Racismo”) o professor descreve os meandros
da ciência que fundamenta este discurso, que enuncia “como vontade de verdade aquilo que é vontade de poder” e que “constitui
boa parte dos saberes psi e, fundamentalmente os saberes psicopatológicos”.
Uma lógica que “demarca territórios, que
classifica, que inclui e exclui, que coloca acima, abaixo, hierarquiza (...)
que exclui do seu Território o Outro (...), que demarca fronteiras, que
qualifica qualificados, que desqualifica os classificados, que coloca fora da
territorialidade tudo aquilo que não é igual” (...). Em nome destes saberes, em
nome da verdade, em nome da ciência, invetamos desde aí, homens abstratos,
generalizados. Classificamos estes abstratos. Classificamos os saberes que
falam desses abstratos. Incluímos, como diz Foucault, os saberes que fazem ‘passar por natureza aquilo que é conceito,
por liberação de uma verdade o que é reconstituição de uma moral’.
Em total oposição a este modelo,
continua Álvaro, “O Estatuto da Criança e
do Adolescente veio anunciar outro sujeito. Um sujeito que não é mais pura
autonomia. Um sujeito que não é a expressão de sintomas de si próprio. O ECA
enuncia um sujeito que é efeito. Efeito de lugares, práticas, racionalidades. É
um sujeito que deve ser protegido e que não deve ser submetido a
constrangimentos, nem rotulado. Deve ser protegido daqueles efeitos que não
constituem nele uma positividade (...). São sujeitos sujeitados e a última
coisa que eles precisam é que conste, no meu lado jurídico, um rótulo de
psicótico, um estigma tal qual a Psiquiatria o tem feito e que na maioria das
vezes produz a ausência de um trabalho
que nos tire de seu sofrer psíquico[21]. .
d) inclusão de uma ideologia terapêutica como estratégia de intervenção em
face de sujeitos inimputáveis (menores e loucos) contraria o caráter educativo
da medida.
A consideração deste aspecto
mereceria várias laudas[22]. Em
drástico resumo, quer-se lembrar que a classificação de adolescentes como
inimputáveis – sobretudo aos olhos do operador que estudou manuais de Direito
Penal mas não se debruçou demoradamente sobre Direito da Infância e Juventude
- tradicionalmente os coloca na mesma
categoria que os loucos (doentes ou deficientes mentais incapazes de entender
e/ou de agir conforme a lei), aos quais a legislação penal reserva a abjeta
“medida de segurança”, praticamente uma pena indeterminada cuja cessação
depende do aval dos doutores psiquiatras. A inimputabilidade não os tornaria
culpáveis, passando sua contenção a reger-se segundo critérios de
periculosidade e com o escopo de tratamento
do perigoso (que afinal seria doente). Considerando que a medida de
sócio-educativa, tal como a medida de segurança, também não teria tempo determinado, vai o raciocínio
desavisado supor então que o marco final do regime de internação dependeria,
como se dá com esta última, da constatação
da cessação de periculosidade do condenado. Nesta analogia – operada no mais das vezes em nível não
consciente - parece residir o incrível
poder delegado a psicólogos e sobretudo psiquiatras – porta-vozes históricos
do diagnóstico da perigosidade - no
curso do processo de execução de medida sócio-educativa.
Se a revogada legislação permitia
sustentar tal raciocínio, é absolutamente desconforme com o ECA fazer-se
qualquer aproximação neste sentido. Com o
novo paradigma reconhece-se que os adolescentes são capazes de
culpabilização e sujeitos a responsabilização com inescondível caráter
punitivo, embora não penal.
Adolescentes não são débeis mentais, lembra Amaral e Silva[23], e não podem ser tratados como
tal. É isto que vem dizer o ECA.
Rompendo-se com a tradição anterior traz-se os adolescentes, assim, para um âmbito declarado de incidência de um
sistema penal – é óbvio que um sistema de controle ajustado à suas condições de
pessoas em desenvolvimento que, sem esconder o caráter notoriamente aflitivo
(punitivo) de suas medidas atribui-lhe
tarefa e escopo educativo. Este sistema é absolutamente diverso daquele das
medidas de segurança, e não opera com o conceito (?) de periculosidade. Não se
cuida de tratar o jovem infrator,
que não é doente. Estamos no terreno
do pedagógico onde a Psiquiatria criminológica não tem (ou ao menos não deveria
ter) nem vez nem voz. Doentes mentais, conforme o ECA- e toda normativa internacional diga-se de
passagem - não cabem no sistema sócio-educativo (art. 112, parágrafo 2º
da Lei). Estas são premissas da lei, dogmas aos quais o magistrado deve se
curvar enquanto profissional, aceite-os ou não para si enquanto pessoa.
A prova mais acabada que estas
categorias de transtorno de personalidade não se ajustam de forma alguma na
legislação vigente, que recusa este modelo de categorização do ser humano é que
nenhum jovem pode permanecer recluso por mais de três anos (art. 121, parágrafo
3º do ECA). Ora, admitisse a lei a existência de criminosos
compulsivos incuráveis, psicopatas incorrigíveis, é óbvio que criaria
mecanismos para mantê-los afastado mais tempo de convívio social[24].
E a lei não admite esta categoria,
baseada na própria psiquiatria. O CID-10 classifica o transtorno imputado ao
jovem como TRANSTORNO DE PERSONALIDADE EM ADULTO, ressaltando: “é improvável
que o diagnóstico de transtorno de personalidade seja apropriado antes da idade
de 16 ou 17 anos” (op. cit. p. 197). Assim, baseada na própria cautela da
medicina, recusou a lei, por sua sistemática, a atribuição do diagnóstico
lançado a qualquer adolescente autor de ato infracional e o fez por presunção
legal absoluta, à qual devem, senão os médicos, pelo menos os julgadores se
curvarem. Neste sentido, esclarecendo qual é a ótica do legislador, o festejado
consultor do UNICEF, Mário Volpi, declara:
“Não
há escala precisa para a aferição da periculosidade, o que torna o conceito
altamente subjetivo e inadequado. Seria necessário falarmos, então, em tipos de
comportamentos que podem ser identificados como normais ou patológicos,
elaborados a partir de estudos sérios do comportamento e da agressividade ou
passividade do adolescente. Entretanto,
estudiosos desta temática, como Eric Erikson e Donald Winnicot consideram
difícil estabelecer uma fronteira entre o “normal e o patológico” na
adolescência. O fato de a própria adolescência constituir-se como uma
espécie de crise normativa, em que a estruturação da identidade do indivíduo
está se definindo, revela que é preciso que o “mundo adulto” dê um tempo ao
adolescente e sugere a paciência e o apoio são as melhores formas de se
acompanhar seu desenvolvimento” (op. cit. p. 28)
3 - CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM
DESENVOLVIMENTO
Como se viu, filiada ao modelo
criminológico positivista, a avaliação psiquiátrica para fins de classificação
dos infratores atenta contra os mais básicos pressupostos da lei em vigor.
Todavia, é por negar frontalmente o princípio rector por excelência de toda
a legislação infanto-juvenil vigente – a
saber, o da consideração da criança e do adolescente como pessoa em
desenvolvimento - que o diagnóstico
psiquiátrico lançado (transtorno anti-social ou dissocial de personalidade)
deve ser recusado com veemência pelo juiz.
O art. 6º da lei 8069/90 estabelece que
“na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e
coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento”. Mais adiante, quando trata das respostas legais
dirigidas a jovens que infracionam, volta o Estatuto a frisar que a aplicação
da medida privativa de liberdade sujeita-se aos princípios de “brevidade, excepcionalidade
e respeito
a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (art. 121, caput)
Trata-se de norma tão relevante, tão fundamental que, com o mesmo teor,
foi inscrita na Constituição Federal (art. 227, § 3o, V), diretriz
máxima de organização jurídico-política de nossa sociedade.
Considerar o adolescente como pessoa
em desenvolvimento implica reconhecê-lo,
sempre, em meio a um processo de
contínua transformação. Um processo continuado de definição de rumos,
assentamento de valores, construção da
identidade e da autonomia. Implica reconhecer que tudo nele é de certo modo provisório e sujeito a
modificações. Daí porque acontecimentos significativos, perdas, experiências
traumáticas podem definir, de uma hora para outra, mudanças profundas no modo
de ver o mundo e lidar com ele. Em suma, o operador do direito deve trabalhar
com a idéia de que o jovem, pessoa em transformação, é capaz de modificar-se.
Modifica-se, em verdade, sempre, porque sua natureza é dinâmica. Encontra-se em
contínuo aprendizado do mundo e da vida. E o tempo da mudança é psicológico,
individual, incapaz de ser padronizado ou previsto em termos cronológicos.
Pois bem, o diagnóstico de transtorno social de
personalidade nega o princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento
na medida em que fecha um prognóstico,
uma sentença rotuladora definitiva, irrecorrível, atribuindo-lhe um quadro do
qual não se livrará mais. Sim, porque os transtornos psiquiátricos, como se
sabe, não têm cura, no máximo, com algum
esforço seus sintomas remitem-se por algum tempo. Ao dizer que J. tem personalidade anti-social
ou dissocial o senhor avaliador prediz que se trata de alguém que está aderido,
de forma indescolável, de seu destino criminoso. Alguém que foi assim na
infância, assim na adolescência e assim será
por toda a vida. Alguém aprisionado num esquema de ser e de viver, refém
de uma forma de ver o mundo e de agir diante dele. Alguém cujo Mal entranhou-se
definitivamente em seu interior, fez morada, irremovível. Alguém congelado,
paralisado, acabado, estacionado nesta forma de existir. Alguém que não se
desenvolve, não avança.
Se para os psiquiatras criminólogos
pessoas, adolescentes, podem ser assim, para o ECA, não. Adolescentes são
pessoas plenas de potencial de auto-transformação. Algum desavisado pode dizer que o Direito não
pode negar a realidade revelada pela ciência. Ora, o diagnóstico psiquiátrico,
sobretudo dos transtornos de que ora cuidamos, muito pouco, quase nada têm de
científico, como já se mostrou. Indo um pouco além, vale lembrar, que mesmo a
infância e a adolescência, Sr. Juiz, não são
categorias ontológicas, não são
um conjunto de características específicas de evolução biológica. Infância e adolescência são categorias
historicamente construídas[25].
Portanto, não há neutralidade na concepção e na representação do outro. Não há
verdade científica. A crença em qualquer discurso sobre o outro depende de uma
opção de valor. Depende da filiação a uma ética. A ética da Psiquiatria
criminológica não é e ética do ECA. Não pode ser, assim, a ética da que deve ser a ética da decisão.
Aceitar que J. seja aquilo que diz o
Sr. Psiquiatra implica subverter a lei. Implica decidir de acordo com os
valores pessoais e não de acordo com os valores consagrados do Estado de
Direito. Implica instituir o arbítrio.
4. O DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO
ANTI-SOCIAL OU DISSOCIAL DE PERSONALIDADE COLIDE COM OS OBJETIVOS DA MEDIDA
SÓCIO-EDUCATIVA
Na medida em que se recusa a
possibilidade de educar – ou mesmo de se “tratar” - o jovem infrator, o regime de internação passa
a operar-se em nome exclusivo da contenção. Ora, na sistemática da lei, a
contenção, por si somente, enquanto algo que começa e acaba em si mesmo, não
tem lugar. A privação de liberdade para alguém que cometeu um crime com menos
de dezoito anos existe e se justifica somente enquanto instrumento para o
alcance de outro objetivo. Se se admite
uma categoria de pessoas insensível a qualquer intervenção - mesmo sob a forma mais drástica da reclusão
- perde razão de ser a privação de
liberdade. Os centros de internação não são depósitos de pessoas esperando
correr o prazo pelo qual o Estado achou
legítimo privá-las do convívio social. Se os recolhidos não estiverem se submetendo
a intervenção da qual se espera um mínimo de resultado, a segregação não se
legitima. De outras estratégias deve
lançar mão o Estado no intuito de promover a segurança cidadã. Estas
estratégias, todavia, não estão previstas. Assim, simplesmente porque não há,
na opção do legislador, uma categorias de pessoas insensível à intervenção.
Pois bem, esta dedução banal de um
estudo ainda que superficial do ECA é outra prova cabal que a legislação não
compactua com diagnósticos psiquiátrico-criminológicos do tipo transtorno
anti-social ou dissocial de personalidade para as pessoas a ele
submetidas.
5. PROFECIA AUTO-REALIZADORA: A
CONTRIBUIÇÃO DA PSIQUIATRIA CRIMINOLÓGICA PARA O AUMENTO DA CRIMINALIDADE.
Ainda que por mero amor à
argumentação aceitarmos que existem pessoas no mundo dos fatos conforme
apresentam-se aos olhos do Sr. psiquiatra criminólogo, a dispensabilidade deste
diagnóstico para os jovens submetidos ao regime legal do Estatuto da Criança e
do Adolescente continuaria perfeitamente sustentável. A lei não permite que
tais “pessoas perigosas” fiquem recolhidas por mais de três anos. Ou seja,
estes criminosos em breve retornarão ao mundo.
E praticarão – segundo o sombrio prognóstico dos psiquiatras
criminólogos – novos crimes. Assim, do ponto de vista da defesa social, com a
qual este Juízo sempre se mostrou muito preocupado, qual a diferença entre
liberar-se o “bandido compulsivo” hoje ou daqui a há seis meses? Absolutamente
nenhuma. Aliás, como a previsão é que mais cedo ou mais tarde fará novas
vítimas e se incorporará ao sistema
penitenciário, que se o liberte logo para que o quanto antes se cumpra o seu
destino. Cada mês de privação de liberdade, inútil, custa ao Estado quase dois
mil reais. Assim, qual a utilidade prática de se diagnosticar que o adolescente
é portador de personalidade anti-social ou dissocial se a lei não permite
recolhê-lo por mais de três anos? Nenhuma. Absolutamente nenhuma.
Continuemos a raciocinar admitindo
que o transtorno exista e acometa jovens. Ao admitirmos a existência do quadro,
admitimos que seu diagnóstico é complexo, envolvendo diversas variáveis, posto
que ninguém nega tal característica. Ora, se o diagnóstico é complexo, existe a
possibilidade de erro. Nenhum problema aceitar-se tal fato, posto que falha no
diagnóstico é possível em qualquer quadro patológico de qualquer ramo da
medicina, quanto mais no terreno da Psiquiatria. Pois bem, caso o jovem seja
diagnosticado erroneamente com tal transtorno, o prejuízo a ele será patente.
Sabendo-o um criminoso compulsivo, a sociedade – afinal, Sr. Juiz, a população
ordeira não deveria ter o direito a saber quem a ameaça? - fechar-lhe-á todas portas, do emprego, do
estudo, do lazer, da vida familiar e comunitária. Não será aceito a não ser nos
subgrupos criminosos. Tenderá, por causa
de um diagnóstico impreciso, a tornar-se
criminoso para sempre. De outro lado, o que pensará o jovem dele mesmo, de seu
futuro quando for informado – a final, Sr. Juiz, não tem o detido o direito a
saber por que não é liberado? – de que sua imagem no espelho reflete alguém
inelutavelmente condenado a um destino de crimes, de roubos, mortes, infrações,
etc.? Que seu projeto de vida de constituir família, estudar, trabalhar
honestamente é pura ilusão porquanto previamente traçado está o seu destino:
matar, morrer, ser preso, etc.? Esta pessoa com certeza desistirá de lutar,
perderá qualquer incentivo, menor que seja,
para reconstruir uma vida minimamente ajustada às expectativas sociais.
Esta pessoa tenderá, por causa de um diagnóstico impreciso, a tornar-se
criminoso para sempre.
Assim, vimos que, se verdadeiro, o
diagnóstico de transtorno anti-social ou dissocial de personalidade nada
acrescenta de útil em termos de defesa social. Todavia, se não verdadeiro, tal
transtorno muito tem a acrescentar de negativo. Condenará ao crime alguém que
tinha condições reais de não reincidir.
EM UMA PALAVRA, a Psiquiatria
criminológica e suas categorias – no terreno em que o cidadão não pode ficar
mais de três anos recolhido – converte em Psiquiatria criminógena. Somente tem
uma contribuição a dar: incentivar a delinqüência.
Este ciclo acima descrito não é
nenhuma novidade. A criminologia psiquiátrica opera dentro do que se
convencionou chamar, na psicologia da aprendizagem, de profecia auto-realizadora. Vale dizer, o fator principal, senão
único, para que a previsão se confirme é
a própria previsão. Por exemplo, porque alguém nunca aprenderá, não se vai
perder tempo para ensiná-lo, aí ele de fato não aprenderá e a profecia se
cumpre. Porque eu nunca vou aprender, não me esforço, aí não aprendo mesmo, e o
vaticínio confirma-se.
Como nos ensinou o inigualável
Antonio Carlos Gomes da Costa, no terreno da pedagogia para jovens infratores,
é PRECISO CRER PARA VER[26]. O
psiquiatra criminólogo, e bem assim os que o seguirem, desacreditando a priori da capacidade de J. transitar pacificamente em liberdade
ajudarão, sem dúvida, a vê-lo, num futuro pouco distante, trangredindo a lei. E
ainda dirão: tínhamos razão!
Às razões já explanadas, somam-se outros
argumentos mais específicos a denunciar a absoluta fragilidade da avaliação
promovida pelo IMESC. Ou melhor, a análise mais específica da avaliação levada
a efeito em face de J. confirma, na
prática, a consistência dos argumentos já apresentados.
Desde logo consigne-se aqui que não
se imputa de forma alguma incompetência ou má-fé aos Psiquiatras subscritores
da perícia. A crítica dirige-se à sua produção e não a ele. Seu esforço, aliás,
em responder aos quesitos da defesa é digno de louvor. Fica consignado nosso
respeito para com este o profissional,
que busca desempenhar sua missão com o máximo de eficiência dentro daquilo que
acredita.
Muitas são as linhas possíveis de
impugnação.
Como bem se sabe, é a descrição
minuciosa da metodologia parte fundamental do laudo pericial e o Sr. perito
pouco se demorou em demonstrar a forma pela qual apurou a ocorrência do
transtorno. Daí porque todo seu laudo resta comprometido.
A metodologia implica pelo menos três
dimensões: as fontes utilizadas nas coletas de dados e a maneira como tais dados de fato foram
subsumidos às categorias de sinal ou sintoma de um quadro sindrômico
configurador do transtorno.
Sobre as fontes de dados, respondendo
ao quesito 3 da defesa o Sr. perito
esclarece que se valeu de entrevista com o periciando, exame psíquico,
relatórios técnicos , experiência do perito, e
da própria forma de execução do ato infracional segundo relatado pelo
adolescente. Considerando que o exame psíquico decorre também de informações
colhidas diretamente do examinando, as fontes foram duas: postura e
verbalização do jovem ao perito e relatórios apresentados aos autos.
Dos relatórios produzidos pelos
técnicos não psiquiatras (a avaliação do outro médico foi mencionada duas
vezes) nada parece ter influenciado o Sr. Perito. Não há qualquer menção a eles
na fundamentação do exame. Nenhum esforço para explicar contradições. O que
disse e como se portou o próprio jovem na entrevista, sim, foi este o grande
material no qual se baseou o Sr. Perito.
Ora, parece evidente a precariedade
do material primário sobre o qual trabalhou o Sr. Perito.
a) J. estava privado de liberdade. Sua
saída externa, monitorada, para a entrevista, já lhe causou impacto
significativo no comportamento; o momento em que foi examinado, permeado por
ansiedade, foi excepcional. Aliás, como esclarece a resposta ao quesito 2 da
defesa (fls. 101), o setting da avaliação – tido como ideal – consistiu no
encontro do jovem com dois peritos
estranhos em uma sala de exames também estranha. A atipicidade do momento
avaliatório, tornou atípico, certamente, o resultado exame.
b) J. sabia que a avaliação seria
decisiva para sua liberdade, que tanto almeja. Provavelmente foi orientado a
portar-se de determinada forma pelos técnicos da FEBEM, e assim deveria ser.
Provavelmente foi orientado por seu defensor a dizer algumas coisas e negar
outras, e assim deveria ser. Provavelmente foi instruído por outros internos a
portar-se de determinada diante do psiquiatra e assim deveria ser. Ou seja,
como qualquer pessoa saudável tentou conduzir a entrevista no sentido de
alcançar seu objetivo. Isto é algo absolutamente natural em qualquer situação
de prova. Qualquer selecionador de RH bem sabe disto. Tentar agradar o
entrevistador é algo humano. Tentar atingir um objetivo desejado é sinal de
saúde. Isto não torna o candidato a emprego um mau-caráter, ou o examinando um
psicopata manipulador. ( A não ser que o objetivo da entrevista seja meramente
confirmar uma hipótese já preestabelecida- efeito halo, já apontado acima).
c) Assim, dizem os peritos que o jovem
“tende a controlar as situações e com isto passar imagem não compatível com sua
realidade interna ao observador mais leigo” (fls. 101). Ora, como dito, é
sintoma de saúde mental tentar buscar a aprovação do avaliador, dizendo o que
dele se espera ouvir. De outro lado, supõe o Sr. Perito dispor da capacidade de perceber coisas que o leigo não
percebe, porquanto, ao contrário deste último, teria ele o poder de acessar a verdadeira “realidade interna” do
avaliando para além das aparências de seu discurso. Isto, contudo, não é
possível. Como nos recorda Dorothy Rowe: “Trata-se
realmente do desejo de possuir um poder sobre-humano de conhecer a Verdade Absoluta, de perceber a
realidade diretamente, desimpedida das interpretações que os seres humanos
comuns tem de fazer acerca daquilo que se encontra o tempo todo além de seu
domínio” (op. cit)[27].
d) Todavia, como não raramente acontece,
supondo que os examinandos apresentarão evasivas, preocupado em não deixar-se
enganar pelas respostas prontas, o examinador às vezes interpreta a
espontaneidade das respostas como estratégia de dissimulação. O viés no
resultado do exame é enorme.
e) Talvez porque confuso, talvez porque cansado,
talvez também porque desconfiado das pessoas que com ele não estabelecem
previamente vínculos mas o bombardeiam de perguntas invasivas, o jovem
transpareceu alguma irritabilidade diante dos Peritos. Confira-se: “Mantém-se a maior parte do tempo em situação
de certo desprezo pela entrevista, denotando irritabilidade e impaciência,
respondendo as perguntas de forma bastante programada e fria” (fls 100).
Certa labilidade de humor, irritabilidade, postura desafiadora são
características típicas de adolescentes.
Sobretudo diante de estranhos que lhes lançam perguntas provocadoras. A
irritação é um mecanismo de defesa, de resto saudável. Se o rapport
não for bem estabelecido – o laudo deixa de consignar qualquer esforço neste
sentido - entre examinador e examinando é natural que este último – que não
pediu para estar lá – se canse, se revolte.
Esta postura de J. na entrevista parece ter sido fruto conjuntural da
entrevista. Não se trata de traço de personalidade generalizável. Ainda que
fosse, irritabilidade e menosprezo a questionamentos pessoais não podem se
traduzir em sintoma de criminalidade compulsiva.
f)
quesitado
pela defesa (n. 6), o Sr. Perito afirma que realizou apenas uma entrevista.
Ora, Mackinnon e Yudosfsky, in A
avaliação psiquiátrica na prática clínica – Porto Alegre, Artes
Médicas, 1988, p. 44 ensinam que “Uma
única entrevista com um paciente permite apenas um estudo geral. Portanto, é
boa estratégia planejar rotineiramente dois encontros, dando alguns dias de
intervalo entre a perimeira e a Segunda
entrevista”. Como também parece óbvio, ensina Dr. Rubio
Larrosa, Presidente da ‘Sociedad Española para el Estudio de los Trastornos de
la Personalidad” que “otra dificultad es
la relativa a que identificar un patrón de conducta es difícil mediante una
única entrevista[28]”. Responderia a esta objeção os Srs.
Peritos afirmando que a avaliação psiquiátrica com finalidades clínicas, sim, é que necessita de mais de uma entrevista. Aqui
cuidar-se-ia de avaliação para fins médico-legais.
Ora, se o diagnóstico clínico e o médico-legal implicam a verificação da mesma
constelação de sintomas (descritos em
F60.2 do CID), por que o primeiro
reclamaria maior rigor que o segundo em seu delineamento? Não há explicação
racional plausível, a não ser que se considere o recluso um cidadão de segunda
categoria em relação ao paciente comum, sem direito a um exame mais rigoroso de
seu quadro...
g) O Sr. Perito, indagado pela defesa
(quesito 3), esclarece que não entrevistou a família. Não conversou com outros
técnicos. Os dados de base, como destacados, vieram todos da mesma fonte.
Mackinnon e Yudosfsky, in op. cit,
entretanto, destacam que “Um exame de estado mental é significativo
apenas no contexto de outros dados de base”. Ou seja, sem outros
informantes, em especial algum familiar
que conviveu com o jovem, fornecesse “um outro lado” para os fatos verbalizados
pelo jovem, a investigação de sinais e sintomas perde de fato consistência.
Parafraseando os autores citados, no caso dos autos, portanto, o exame de
estado mental não foi significativo. Nem
se diga que a entrevista com familiares é dispensável por se tratar de perícia
médico-legal. Reporto-me às poderações a respeito lançadas no item “f” supra.
h) Ao ser indagado pela defesa (quesito
8.3) sobre colheita de subsídios com profissionais de outras áreas, os peritos
responderam somente exames psiquiátricos foram realizados, e não PSICOLÓGICOS (o destaque foi deles –
fls. 102). Os Srs. Peritos acrescentam, ainda, que o diagnóstico é
essencialmente médico, estranho pois ao âmbito psicológico. Ora, o
fato de se tratar de uma avaliação psiquiátrica em nada impede que o médico
avaliador sirva-se de testagem psicológica para conferir maior confiabilidade
ao seu diagnóstico, refinando os dados de base no qual apóia a perícia. O
próprio IMESC, ao qual o Sr. Expert já dirigiu (fls. 99) em sua página a
internet esclarece que “O Núcleo de Perícias Psiquiátricas tem por
atribuição realizar exames periciais de Psiquiatria Forense, bem como elaborar
os laudos.A Psiquiatria Forense é um ramo da Medicina Legal
que se propõe a esclarecer os casos em que alguma pessoa, pelo estado especial
de sua saúde mental, necessita de consideração particular perante a Lei.
Independente da utilização clínica dos métodos psicológicos, no que diz
respeito à peritagem forense psiquiátrica, em alguns casos, atualmente,
é indispensável proceder ao estudo da personalidade mediante métodos -
principalmente a Prova de Rorschach e o Exame Neuropsicológico de Luria
- que demonstrem, objetivamente, sua estrutura e alterações”
(...) “As avaliações psiquiátricas no IMESC, em geral, quando se trata de
pedidos judiciários para avaliação de medida de segurança, periculosidade e
sanidade mental, requerem um aprofundado estudo da personalidade. A utilização
do método de Rorschach [teste de uso privativo de psicólogos] tem
sido um recurso, absolutamente necessário, no sentido de complementar a
avaliação.” (www.imesc.org.br). É lógico que cabe ao profissional a
livre escolha de seus instrumentos de investigação. Solicitar apoio do
psicólogo seria, assim, facultativo. Todavia, a dispensa não explicada do exame
que daria maior confiabilidade – por vezes de maneira absolutamente necessária,
como diz o próprio IMESC - aos resultados da avaliação psiquiátrica é
sinal, sem dúvida, de sua fragilidade.
i)
Sr.
Psiquiatra avaliador, outrossim, deixou claro ao responder quesitos da defesa
(n. 8.4), que não se utilizou de qualquer roteiro de entrevista semi-estruturada, informando que tais
instrumentos seriam utilizados para finalidades clínicas ou terapêuticas. Ora,
sabendo-se que as entrevistas semi-estruturadas são esforços para garantir
confiabilidade ao diagnóstico psiquiátrico e que o Sr. Perito delas não se
valeu, a autoridade de seu laudo resta comprometida. Será que não existe nenhum
protocolo de entrevista semi-estruturada padronizado para fins médicos-legais? Como já assinalado, há que se perguntar como
pode ser que as técnicas para se chegar a um mesmo diagnóstico (existência ou
não de um transtorno de personalidade) variem conforme o uso que se vai fazer
deste diagnóstico (forense, clínico ou estatístico). Ou jovem é portador do transtorno
ou não é. Acrescente-se, por derradeiro,
que embora não se discuta a experiência larga dos o Srs. Peritos, isto não
significa nem pode significar que seu diagnóstico seja, por isto, mais
confiável. Sobretudo porque, como se sabe, os laudos produzidos para a Justiça,
salvo iniciativa pessoal dos próprios avaliadores, não foram submetidos a
confirmação empírica. Vale dizer, não se sabe se os diagnósticos e prognósticos
produzidos – por um método próprio, pessoal (fls. 102, ponto 8.4) passaram por
outros crivos que lhes verificassem a exatidão. Experiência, assim, não é
necessariamente garantia de confiabilidade.
j)
Aliás,
quando questionado sobre eventual necessidade de se submeter seu diagnóstico a
outros crivos, especialmente exames neurológicos, como recomenda a mais
autorizada doutrina (quesito 8.7 – fls. 76), o Sr. Psiquiatra busca
desautorizar o autor da recomendação, simplesmente um dos mais proeminentes
estudiosos da área, cujo manual, de larga utilização, compreende um capítulo
especial nomeado “Psiquiatria Forense” (p. 1088). O argumento de autoridade,
sabe-se, pouco valor intrínseco contém. Todavia, deveriam os Srs. Peritos
motivarem racionalmente porque discrepam de Kaplan, não simplesmente
desautorizá-lo por “não ser do ramo”. A recomendação, aliás, como esclarece o
autor, baseia-se no fato de os pacientes com transtorno anti-social de
personalidade normalmente exibirem EEG anormais e leves sinais neurológicos
sugestivos de dano cerebral minimo na infância” (p. 692).
k) Quando indagado pela defesa (quesito
8.8) acerca do ajuste recomendado por Kaplan, Sadock e Grebb
para evitar distorções decorrentes de classe social, sexo e cultura na
definição do diagnóstico de transtorno anti-social de personalidade,
SURPREENDENTEMENTE os Srs. Peritos responderam que não realizaram diagnóstico de transtorno de personalidade anti-social
(fls. 102). De fato, observando-se o laudo, vê-se que o diagnóstico foi transtorno de personalidade dissocial
(fls. 101). Por tal motivo, não responderiam o quesito. O mais curioso é que,
quando o Ministério Público perguntou em
seu quesito 3 de fls. 70 se o jovem seria portador de personalidade
anti-social, os Srs. Peritos responderam SIM.
Ora, como se sabe, o próprio CID-10 (p. 200) esclarece que Transtorno de
Personalidade Anti-social INCLUI personalidade dissocial. Ou seja, por não ser
significativamente distinto um do outro, os quadros foram equiparados na atual compilação (F60.2 –
resposta ao quesito 8.1 da defesa). O quesito, pois, era pertinente também para
o caso de se Personalidade Dissocial, e o Sr. Perito não o respondeu porque não
o quis, ou, mais provavelmente, para evitar críticas à perícia. Também não respondeu aos quesitos 8.6 e
8.10, porque não quis. Nada impede a formulação de um quesito genérico, desde
que voltado a esclarecer característica relevante do parecer lançado. De outro
lado, não se trata de crítica à FEBEM considerar que o jovem, em seu interior
permanecerá na companhia de outros internos. É mera constatação de realidade. E
mostra-se absolutamente pertinente esclarecer se tal convívio agrava, atenua ou
é indiferente ao transtorno identificado.
A postura do Sr. Perito, julgando os quesitos da defesa, escolhendo os
que responde ou não, mostra-se inaceitável. No mínimo, revela incômodo diante
de qualquer questionamento, ainda que singelo e despretensioso, como o que
decorre das perguntas de fls. 74/76. No mínimo revela absoluta impermeabilidade
à crítica, o que não se admite no território do contraditório e da ampla
defesa.
l)
De
qualquer maneira, deve ser melhor explorado o apontamento do caso como
personalidade dissocial, ao invés de personalidade anti-social. Historicamente
a diferença entre um tipo e outro era assim marcada:
·
Personalidade anti-social – delinquencia caracterológica por
má constituição - defeito do caráter – delinquência psicopática –
semi-imputabilidade
·
Personalidade dissocial – delinquencia caracterológica por
má formação – desvio do caráter – delinquência essencial – imputabilidade[29]
Viável, então, a hipótese de que o psiquiatra atestou
apenas um “desvio” do caráter, que nesta condição pode ser corrigido, como já o
vem sendo feito desde o ingresso do jovem no regime de privação de liberdade e
como continuará sendo feito, através
quando o jovem retornar para a comunidade.
m) O LAUDO NÃO SE ENCONTRA FUNDAMENTADO. Muito curiosa revela-se a resistência do Sr. perito
em revelar de forma mais concreta os dados de fato que conduziram à suas
conclusões. Em seu quesito 7
(fls.75), talvez o mais importante deles, a defesa indagou ao experto “com base
em que dados de fato, em que informações concretas – transcrevendo-se as
respostas dadas pelo jovem na entrevista – tirou o Sr. Perito conclusões acerca
de algumas funções psíquicas”. A
resposta do perito foi absolutamente estranha à solicitação da defesa.
Quando se pediam dados concretos, o Sr. Psiquiatra respondeu com um singelo e
deslocado “SIM” (fls. 101). Não revelou
as informações concretas nas quais apoiou seu diagnóstico. Inviabilizou a
impugnação mais específica de seus juízo de valor sobre tais fatos. Outra
vez aqui se revela, clara, a fragilidade do estudo que não se abre à plena
cognição de seus motivos pelas partes.
n) De qualquer forma a resposta mais
significativa de todas e que permite à defesa, no mérito, contestar as
conclusões da perícia de forma mais aberta foi aquela apresentada ao quesito
8.1. Primeiramente, aponte-se que o Sr.
perito deixou de responder à primeira parte do quesito. Não apontou as diretrizes diagnósticas
gerais para transtorno de personalidade[30], limitando-se a enumerar as
diretrizes específicas. Assim, aparentemente, não investigou ou não
indicou, como deveria fazê-lo, o Sr. perito se o jovem apresentou evidência
clara de pelo menos três destes traços a) atitude e condutas marcantemente
desarmônicas envolvendo em várias de funcionamento; b) padrão anormal de
comportamento permanente c) padrão anormal de comportamento invasivo e
claramente mal adaptativo para uma série ampla de situações pessoais e sociais;
d) manifestações desde a infância e adolescência, continuando pela vida adulta;
d) se o transtorno leva à angústia pessoal considerável ou se e) o transtorno é
usualmente associado a problemas significativos no desempenho ocupacional e
social. Na parte do quesito de fato respondida pelo perito, indica ele que o
diagnóstico baseou-se na presença das seguintes diretrizes de F60.2 da CID-10:
Desprezo das obrigações sociais. Não apontou o Sr. Psiquiatra qual seria o indicador fático deste
sintoma. Todavia, o exame dos autos contradiz esta assertiva. Como reportam os
relatórios, o jovem no passado, trabalhou com seu pai e cursou a escola. No
interior da FEBEM retomou a escolarização e realizou cursos
profissionalizantes. Nada sugere persistência no desprezo generalizado de suas
obrigações sociais.
Falta de empatia (embotamento afetivo). Outra vez aqui silencia o Sr. Psiquiatra para os
fatos concretos que o conduziram a presenciar tal característica em J.. Mesmo
assim, a análise dos autos contrasta tal descrição. J. mantém forte ligação com
a família, permeada por afeto, a revelar capacidade de manter relacionamentos
estáveis. O próprio Psiquiatra da FEBEM (fls. 67), indicou que seus “nexos
afetivos encontram-se preservados”. Às fls. 51, anotou-se que ele revela ‘bom
relacionamento com outros jovens e funcionários”. Finalmente, o psicólogo fez
consignar, às fls. 87 que se cuida de jovem “extrovertido, alegre e afetuoso
estabelecendo bom contato interpessoal”.
Desvio do comportamento com as normas sociais
Tal característica decorre do fato de
J. ter infracionado. Este foi o motivo que o levou à avaliação. Trata-se de
indicador tautológico, sem valor cognitivo. De toda sorte, outros profissionais
avaliadores já chegaram a concluir que “o adolescente em tela não tem estrutura
infracional severa” (fls. 89)
Ausência de sentimento de culpa (fala de seu delito de forma
absolutamente fria)
O Jovem narra de forma objetiva o que se passou. Não se
mostra razoável que derrame lágrimas todas as vezes que contar o que fez.
Aliás, centenas de vezes ao longo de todo este período de segregação já foi
inquirido sobre o que houve, algo que tende a mecanizar a resposta, é óbvio. A
aparente “frieza” decorre de seu estilo narrativo, não podendo ser sinal patente de ausência de sentimento de
culpa. O relatório de fls. 51 anota que o jovem revela “maior criticidade,
portando com amadurecimento frente a seus atos delinquenciais”. Por fim, vale ressaltar que a aparente
“frieza” com o que o jovem narra seus delitos vem do fato de que, embora
transgredisse a lei e tivesse ciência disto, ELE NUNCA DE FATO PÔS EM RISCO A
INTEGRIDADE FÍSICA DE QUALQUER DAS VÍTIMAS. NUNCA PRATICOU UM ROUBO COM USO DE
ARMA DE FOGO, A DENOTAR QUE JAMAIS COGITOU EM VULNERAR FISICAMENTE UM SER
HUMANO PARA SUBTRAIR SEU PATRIMÔNIO. Nunca se envolveu o jovem em nenhuma
infração especialmente grave, mostrando que a fragilidade de seus valores é
apenas relativa. Não aceita ultrapassar determinado patamar de transgressão,
por conta, evidemente, de um barramento ético que os Peritos teimam em não
verificar.
Seu bom comportamento institucional
revela que tem tolerância à frustração e também que é capaz de submeter-se a
disciplina, aceitando regras num contexto de marcada heteronomia revelado que
marca o cotidiano institucional. Há apenas um registro de falta disciplinar,
dano patrimonial havido há quase um ano. Lembram os técnicos que com ele
conviveram que “em outras intercorrências disciplinares envolvendo o grupo de
adolescentes, manteve-se à parte, posteriormente tecendo críticas em relação a
estes atos e aos danos que vem a causar
a si” (fls. 89). Quem suporta com
resignação a disciplina do cárcere evidentemente tolera frustações. De qualquer
maneira, o Sr. Psiquiatra não explicou os motivos que o levaram a convencer-se
do contrário. Não merece crédito.
Tendência a culpar os outros pelos seus atos
Outra vez não explicam os peritos as
razões de seu convencimento. Em nenhum momento, nenhuma circunstância trazida
seriamente aos autos permite inferir tal característica. Quase que
invariavelmente, sempre que ouvido sobre as infrações praticas, J. as assume.
Diz que roubo alegando motivos pessoais (necessidade de comprar droga, pagar
dívida em bar). Nunca se viu qualquer alegação de sua parte transferindo a
responsabilidade de suas ações a terceiros. Todavia, se dissesse que o roubo
era consequência de sua estadia nas ruas, nada estaria dizendo de equivocado.
Não se pode entender a explicação
que o jovem dá para ter cometido certos atos com eventual justificação que daria para suas condutas. Tratam-se de coisas
absolutamente distintas.
Estão afastados, por conseguinte,
todos os sinais que ensejaram a convicção do psiquiatra acerca do transtorno
apontado. A ausência dos demais, não citados, nem precisa ser posta em
evidência, deixando-se consignado simplesmente que o jovem sem dúvida, apontam
os autos, aprendeu, e muito, com a experiência da punição.
A consideração da medida de
internação como medida de exceção e
breve (conforme art. 227da CF, 121 do ECA e 37.b.3 do Decreto
99.710/90),tem como conseqüência processual, na fase de execução, a regra do in dubio pro reo, ou seja, ao
adolescente internado cabe o benefício da dúvida[31]. Se a medida deve ser breve e somente pode ser aplicada em
último caso, é óbvio que ela somente pode ser mantida inexistindo qualquer
dúvida de sua pertinência.
Não se sabe com base em que
fundamento, contudo, os julgadores têm invertido este princípio, alegando que a
“liberação pressupõe convicção segura de aptidão ao retorno social”. Ora, tal
convicção segura nunca será alcançada, não sendo lícito aguarde eternamente o
jovem um evento absolutamente incerto para resgatar sua liberdade de locomoção.
Não se legitima, pois, negar a
liberação em nome da necessidade de um
consenso interprofissional a recomendar a soltura. A lei não exige isto e ainda
que exigisse, “os psiquiatras e psicólogos, por mais experiente
capacitados que sejam, não tem condições plenas de estabelecer certeza sobre a
readaptação perfeita do detento ao convívio social e certeza de que, solto,
nunca mais tornará a delinqüir” (Boletim Mensal de Jurisprudência do TACRIM/SP :
78/2). Daí porque “A evolução
para quaisquer dos regimes mais brandos, como é intuitivo, sempre se reveste de
acentuada carga de risco consciente. O absoluto, indiscutível e definitivo
merecimento dela só o tempo há de indicar” (TJSP RA
82.924 – rel. Canguçu de Almeida). Na mesma linha: “A decisão judicial que defere pedido de
progressão de medida sócio-educativa imposta a adolescente infrator carrega
inevitavelmente uma certa dose de risco, pois não tem o magistrado o dom
sobrenatural de prever o futuro (...). Desta forma, considerando que a
internação deve obedecer os princípios da brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 121do ECA),
tais informações permitem, sem dúvida, o deferimento da progressão pleiteada pelo
adolescente” ” (Ag. Inst. 064.695.0/9-00 – rel. Gentil Leite. – j. em
10.02.2000 – Cam. Esp. TJSP.)
Diante do exposto, requer:
a) seja determinada imediata
desinternação do jovem, tendo em vista impugnação lançada às avaliações
psiquiátricas desfavoráveis;
b) seja, caso não acolhido o pleito
inicial, designada audiência para oitiva do jovem, que deseja ser ouvido
pessoal pela autoridade, neste momento, caso não liberado, como lhe faculta o
art. 111, V do ECA.
c) Seja negado o pedido ministerial no sentido
de que este Juízo ou a FEBEM obrigue a genitora a submeter-se à psicoterapia. A
genitora não é parte neste Processo. Se algo deve ser a ela determinado deve
sê-lo através da instância legítima, o Conselho Tutelar, único legitimado a
aplicar medidas do art. 129 do ECA.
São Paulo, 10 de fevereiro de 2002
FLAVIO AMERICO FRASSETO
Procurador do Estado
QUESITOS PARA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA GERAL
1. A avaliação psiquiátrica promovida
tem caráter de exame criminológico?
2. Em caso positivo, tem o profissional
avaliador formação específica em criminologia?
3. A avaliação se deu em condições
ideais? Em caso negativo, por que?
4. Qual foram as fontes de dados das
quais derivou a avaliação produzida? Houve entrevista com familiares?
5. Houve discussão do caso com os técnicos
– psicólogo e assistente social - que já acompanham o caso?
6. Em caso negativo, por que?
7. Colheu-se as impressões sobre o
comportamento cotidiano do jovem junto com agentes de educação, agentes de
proteção ou pedagogos?
8. Os informes prestados pelo jovem
durante a entrevista são confrontados com outras fonte de informação constante
em sua “pasta social” ou prontuário? Em caso positivo, quais foram, no caso
avaliado, especificamente os documentos analisados para fins de confronto (ex.
Boletim de Ocorrência, Representação do Ministério Público, Sentença,
avaliações psicossociais, etc – indicar um a um)
9. Quantas entrevistas foram realizadas
com o avaliando? Qual o tempo de duração de cada uma delas? Qual o intervalo
havido entre elas?
10. A entrevista de avaliação foi aberta
ou fechada? Houve utilização de algum instrumento padronizado para a pesquisa,
como SCAN, PSE, etc.? Em caso negativo, quais foram as técnicas utilizadas para
garantir a confiabilidade (no sentido técnico) do diagnóstico?
11. Com base em que informações
concretas, apoiado em que dados de fato
(transcrevendo-se as respostas
eventualmente dadas na entrevista) tirou o Sr.
Psiquiatra conclusões acerca das seguintes funções ou subfunções
psíquicas do avaliando: a) crítica; b) impulsividade; c) afetividade, incluindo
ressonância e coerência afetiva?
12. Caso o jovem negue a prática
infracional, leva em consideração o Sr. Psiquiatra, ao analisar a função
psíquica da crítica, ou do juízo crítico, que ele tem o direito, previsto no
art. 40.2.b.iv do Decreto 99.710/90, a não se “declarar culpado”? Leva também
em consideração o Sr. Psiquiatra a possibilidade de o jovem, de fato, não ter praticado o crime e ter sido
vítima de um erro judiciário? Leva também em consideração o Sr. avaliador o
fato de que o caso pode não ter sido definitivamente julgado, havendo
eventualmente recurso de apelação pendente de decisão?
13. Caso o jovem procure justificar a
prática infracional ou minorar sua participação, ao analisar a função psíquica
da crítica, ou do juízo crítico, levou em consideração o Sr. avaliador que ele
de fato pudesse ter agido sob circunstâncias atenuantes ou que sua participação
pudesse de fato ter sido menos importante?
14.
QUESITOS ESPECÍFICOS PARA O IMESC
1. Houve aplicação de teste de
personalidade? Em caso positivo, qual
foi o teste e qual o nome e o número de
registro profissional do psicólogo que o aplicou?
2. No que a metodologia de avaliação
deste jovem, sob medida sócio-educativa, difere da metodologia empregada pelo
avaliador ou pelo Instituto na avaliação de adultos em cumprimento de
pena?
QUESITOS PARA REAVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA QUANDO HOUVE INDICAÇÃO
PRÉVIA DE TRANSTORNO ANTISSOCIAL DE PERSONALIDADE
1. A) Considerando o diagnóstico ou hipótese
diagnóstica lançado, pergunta-se ao Sr. Perito: a) quais dentre as diretrizes
diagnósticas gerais do CID 10 para transtornos de personalidade (em geral),
foram identificadas no avaliando; b) quais dentre as características de
transtorno de personalidade anti-social (F60.2) foram identificadas no
avaliando?
2. Considerando a recomendação da
boa técnica no sentido de que “o relatório psiquiátrico deve ser descritivo
ao invés de impressionista”[32],
quais foram os dados de fato específicos (as informações concretas recolhidas
ou apuradas de outras fontes e as respostas literalmente apresentadas pelo
jovem na entrevista) que levaram o Sr. Psiquiatra a identificar presentes cada
uma das diretrizes para transtorno de
personalidade em geral e as características específicas de transtorno de
personalidade anti-social apontadas no quesito 1?
3. Considerando que o jovem já foi
avaliado por equipe multidisciplinar, houve discussão dos indicadores de
diagnóstico apurados no exame psíquico com os outros profissionais que
atenderam e avaliaram o caso? Em caso negativo, por quê?
4. Utilizou o Sr. Psiquiatra, para o
diagnóstico, algum roteiro de entrevista estruturada ou semi-estruturada, como
o PAS de Tyrer, ou IPDE de Jablensky?
5. Dentro da Psiquiatria, qual o grau de
confiabilidade de um diagnóstico de transtorno de personalidade (baixo, médio,
alto)? Em outras palavras, caso o jovem fosse avaliado por outro profissional,
qual o probabilidade de que este diagnóstico seja confirmado?
6. Qual o índice de prevalência do
transtorno na população em geral e na população carcerária?
7. Considerando a afirmação de Kaplan[33] no sentido de que “uma
investigação diagnóstica completa deve incluir um exame neurológico minucioso”,
procedeu-se, no caso avaliado, a tal exame? Em caso negativo, por quê?
8. Considerando a afirmação de Kaplan[34] de que, no diagnóstico de
transtorno de personalidade antisocial é importante fazer um ajuste para
contemplar os efeitos causadores de
distorção da classe social, antecedentes culturais e sexo, com suas manifestações”,
no caso concreto avaliado, estes fatores de distorção foram considerados. Em
caso positivo, de que forma? Em caso negativo, por quê?
9. Considerando que Organização Mundial
da Saúde (que edita o CID), não considera apropriada a diagnose do transtorno
de personalidade antes dos 16/17 anos,
em que medida, estando o jovem no limiar desta faixa etária, esta
condição interfere na confiabilidade do diagnóstico?
10. O psiquiatra, neste caso concreto,
devolveu ao avaliado o resultado de sua avaliação?
11. A permanência do jovem no ambiente em
que se encontra atualmente (FEBEM) de alguma forma pode contribuir para o
alívio do transtorno?
12. A permanência do jovem em ambiente
institucional, que agrega infratores dos mais diversos perfis, pode de alguma
forma interferir no reforçamento ou consolidação do transtorno?
13. A psicoterapia é indicada como
tratamento? Em caso positivo, dispõe a FEBEM de condições para ministrá-la? A
condição de institucionalização do jovem de alguma forma interfere
negativamente na eficácia do tratamento?
14. Há indicação de terapia
medicamentosa, ainda que direcionada para algum dos sintomas identificados? Em
caso positivo, qual o sintoma e qual o
medicamento?
ATENÇÃO, AFORA ESTES QUESITOS GENÉRICO, OUTROS MAIS
ESPECÍFICOS PODEM SER LANÇADOS.
A) Aqueles ligados ao ato infracional e
a versão do jovem sobre ele (ex.quesitos gerais 12 e 13 supra)
B) Se o jovem tem histórico de
drogadição, é bom indagar se o psiquiatra investigou se o consumo de drogas
precedeu, foi concomitante ou posterior ao comportamento anti-social.
C) Como o Psiquiatra explica as
divergências entre aspectos do jovem apurados na sua avaliação e os mesmos
aspectos avaliados diferentemente nas avaliações técnicas da FEBEM ou Equipe do
Juízo.
Notas:
[1] Celina Manita in Personalidade criminal e perigosidade: da «perigosidade» do sujeito
criminoso ao(s) perigo(s) de se tornar objecto duma «personalidade criminal»...
in URL: http://www.smmp.pt/celina.htm
(destaquei)
[2] Tratam-se, aqui, de entidades nosológicas
que se sustentam, como nos adverte a psiquiatra inglesa Dorothy Rowe, num
argumento circular: Porque a pessoa se
comporta desta maneira? Porque é portadora deste transtorno mental. E por que é
portadora deste transtorno mental? Porque se comporta desta maneira (cf.
Introdução à Edição Britânica do livro “Making
Us Crazy”, de Herb Kutchins e
Stuart Kirk, acessível in URL
http://www.dorothyrowe.com.au/)
[3] Confira-se, a propósito, o que ensina Elza Ibrahim no artigo Previsibilidade do comportamento do
apenado: uma missão impossível, in revista do IBCCRIM 28:253.
[4] Delimitar
os condeitos de saúde e de enfermidade mental não é tarefa fácil – como
tampouco o é definir a noção de saúde e
de normalidade mental -. Se no campo da medicina somática tais noções são
conflitivas, mais problemas suscitam ainda na Psiquiatria, pois as fronteiras
entre saúde e enfermidade, normalidade e anormalidade parecem, em boa medida,
circunstanciais, relativas e mutantes. Sem incorrer nos excessos da
antiPsiquiatria, [e obvio que o conceito de nrormalidade psíquica admite
diversas e contrapostas acepções: a médica (ausência de sintomas), a estatística (saúde média), a psicodinâmica (equilíbrio
intrapsíquico), a subjetiva (percepção da própria saúde) a processual
(seguimento do do desenvolvimento vital), a médico-legal (valoraçào judicial),
etc.... Referido conceito, ademais, está inevitavelmente condicionado pelo
contesxtosociocultural histórioco e pro certos processos sociais de interação”
( Antonio Garcia-Pablos de Molina, Criminologia, Uma introdução a seus
fundamentos teóricos, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1992, p.183)
[5] Francisco Lotufo Neto, Laura Helena Silveria Guerra de Andrade e
Valentim Geral Filho, in Diagnóstico e
Classificação – Psiquiatria Básica org. por Mario Rodrigues Louzã Neto,
Thelma da Motta, Yuan-Pang Wang e Hélio Elkis, Porto Alegre, Artes Médicas,
1995, p. 23-31
[6] Anota
Dorothy Rowe que Benjamin Rush, o pai da Psiquiatria Americana cunhou a doença
mental da “anarquia” para pessoas que não estavam satisfeitas com a estrutura
política da América do Norte. Ele descobriu que as pessoas mais propícias para
apresentarem a doença eram negros e brancos pobres, de forma bastante similar
ao que na União Soviética chamou-se de “desilusão paranóica quanto à reforma do
Estado”. (op. cit).
[7] Os manuais
de diagnóstico atuais parecem tomados pela preocupação de se constituir uma
língua comum entre psiquiatras de todo o mundo, como um esperanto que pudesse
terminar com o malentendido próprio à comunicação. Baseados no ideal da
visibilidade e na dualidade saúde versus transtorno, os manuais dão a impressão
de se pretenderem um instrumento que associa o máximo da descrição (um paciente
pode receber vários números correspondentes a múltiplos diagnósticos) dentro de
um margem mínima de erro com o ideal de transmitir um modelo médico para a
psiquiatria. Se o próprio médico fosse fazer, a titulo de exercício, seu próprio
diagnóstico com franqueza e sem pudor, ele certamente encontraria muitos
números que Ihe cabem. E assim, como, Simão Bacamarte, generalizaria a tal
ponto os diagnósticos que eles perderiam totalmente seu valor clinico. Os
manuais de diagnóstico são deliberadamente a-teóricos, voltando se para uma
descrição que seja partilhada pela maioria dos psiquiatras do mundo. Assim toda
e qualquer hipótese etiopatogênica é excluída, como também desaparece o próprio
conceito de doença, uma vez que esta não deixa de estar vinculada a um processo
do qual se espera conhecer, um dia, seus elementos e sua dinâmica. Fundar uma
prática de diagnóstico baseada no consenso estatístico de termos relativos a
transtornos, que por conseguinte devem ser eliminados com medicamentos, é
abandonar a clinica feita propriamente de sinais e sintomas que remetemauma
estrutura clínica, que no caso, é a estrutura do próprio sujeito” Antonio
Quinet, A ciência psiquiátrica nos
discursos da contemporaneidade, in URL http://www.geocities.com/HotSprings/Villa/3170/EG.htm
[8] Entre
diversas obras que questionam amplamente os grandes catálogos de transtornos
mentais, larga e acriticamente utilizados por nossos psiquiatras, destaca-se,
como clássico, o livro de Herb Kutichins e Stuart Kirk, Making Us Crazy: DSM : The Psychiatric Bible and the Creation of
Mental Disorders”, no qual vêm consignadas, entre muitas outras, as
seguintes observações:
a) de sua primeira edição, em 1952 para
a última versão de 1994, o catálogo de doenças aumentou de cem para novecentas
páginas. Nada explica tão drástico salto, a não ser que, além da ampliação dos
quadros patológicos na sociedade contemporânea, os próprios médicos acabam
“criando” as doenças que registram;
b) a inclusão e a exclusão de vários
transtornos no catálogo são cercadas de severos debates, movidos por interesse
os mais variados, tornando o manual “um repositório de uma estranha mistura de
valores sociais, compromissos políticos, evidências científicas e material para
atendimento de demandas de seguradoras” (quando não da indústria
farmacêutica). Não raro a presença de uma categoria decorre de pressão política,
como aquela que ensejou, na edição de 1972 da exclusão do homossexualismo como
patologia mental;
c) A hipertrofia de catálogos como este decorre
de “uma tendência crescente de se medicalizar problemas que não são médicos, de encontrar
psicopatologia onde há apenas “pathos” e
de compreender fenômenos simplesmente emprestando-lhes um rótulo e um código
numérico” O DSM ultrapassa seus limites
de descrever transtornos que atormentam pessoas e famílias, “passando a definir
o que nós devemos pensar acerca de nós mesmos, como devemos reagir a uma
situação de stress, quanto de ansiedade ou de tristeza podemos sentir, como e
quando podemos dormir ou expressar nossa sexualidade” numa clara tendência de
expandir seus julgamentos médicos para
toda nossa vida cotidiana.
d) Trata-se de um livro construído a
partir de acordos entre comunidades internacionais. Ocorre que acordos não
estabelecem verdades. Se dez pessoas concordarem que a terra gira em torno do
sol, isto não se converterá em realidade.
e) A validade de um transtono mental não
é levada em conta. O DSM evita o problema da validade ignorando as prováveis
causas dos transtornos mentais. Não se discute a causa nem a cura. Assim,
desprezam-se os modelos de mundo que cada paciente constrói, privilegiando
certos eventos à revelia do que tais eventos significam para as pessoas que os
protagonizam. Ora, o que determina o comportameto das pessoas não são os eventos,
mas sim a interpretação que se faz deles.
[9] “Gostaríamos apenas de
chamar a atenção para o facto do conceito de personalidade ser, por si próprio,
um conceito problemático e que nos levanta dificuldades várias. Pois se este
conceito foi, durante muito tempo, considerado central nas «ciências do
comportamento» e gozou de um prestígio particular, hoje em dia ele é objecto de
diversas críticas que salientam quer o seu carácter estático e simplista, quer
a sua ambiguidade e dificuldade de definição consensual, quer ainda a
linearidade e determinismo causal presentes na maioria dos modelos teóricos
propostos” (Celita Manita, in op. cit)
[10] En la actualidad los
instrumentos diagnósticos para evaluar los trastornos de la personalidad se han
visto incrementados en su numero y también en su especificidad,
fundamentalmente siguiendo las orientaciones diagnosticas de las
clasificaciones internacionales de más frecuente uso.De cualquier manera
estamos todavía lejos de alcanzar métodos de evaluación que sean plenamente
satisfactorios. La propia complejidad de los trastornos de la personalidad, las
diferentes orientaciones, no siendo aventurado afirmar que lo que se conoce de
los trastornos de la personalidad es aún escaso y poco preciso y, por ello, el
desarrollo de las técnicas de evaluación y de intervención es así mismo muy
precario.Otra dificultad es la relativa a que identificar un patrón de conducta
es difícil mediante una única entrevista, la influencia de los valores culturales, hacen que estos deformen la información, tal y como
ocurre en las escalas de evaluación del trastorno antisocial de la personalidad
que por estar realizado dentro de parámetros de la cultura calvinista-protestante, los criterios diagnósticos están muy criminalizados si los comparamos con
nuestro entorno.
http://usuarios.discapnet.es/border/tlprubio.htm
[11] Thelma da Motta, Yuan-Pang Wang e Mario Rodrigues Louzã
Neto, in op. cit. p. 250)
[12] Eillen Walkenstein, in Bitolando pela Psiquiatria, a desumanização na terapia, São
Paulo, Brasiliense, 1980, de forma enfática, reforça esta análise: “Um diagnóstico psiquiátrico é como uma
condenação prisão, um registro permanente em seu prontuário e que o segue onde
quer que você vá. Apear de os psiquiatras saberem quão pouco valem seus
diagnósticos, teimam em representar o papel de juízes e vem baixando sentenças
irrecorríveis” (...). Uma condenação para toda a vida, uma condenação que ataca
e substitui a vida a despeito de a experiência nos dizer ser impossível que
dois psiquiatras concordem com um determinado diagnóstico, qualquer que sejam
as circunstâncias em que foi elaborado” (p.33)
[13] Garcia-Pablos
de Molina confirma: “No momento de
verificar possíveis conexões entre anomalias ou transtornos psíquicos e crime,
o conceito de psicopatia ocupou um papel fundamental, apesar de que sua
delimitação não estimule consenso algum (com razão já se disse que não existe
‘o’ psicopata nem dois psicopatas iguais (...). Em meados do presente século
mais de duzentas expressões distintas e inclusive contrapostas eram utilizadas como sinônimas de
psicopatias, atribuindos-se quase sessenta características diversas à
personalidade psicopática e mais de três dezenas de comportamentos chegaram a
se associar a esta anormalidade, conforme Cason (in op. cit., p. 183).
[14] Indicadores
a, b, c e d extaídos de Garcia-Pablos de Molina, op.cit. p. 116
[15] A
missão do juiz, pois, não é proteger o “cidadão de bem” da sanha dos
criminosos. O nobre desembargador aposentado Alberto da Silva Franco, in Crimes Hediondos, São Paulo, RT,
1994, p. 54 ensina: “No Estado de Direito, o Juiz Criminal não tem (...) o
encargo de bloquear a maré montante da violência ou de refrear a criminalidade
agressiva ousada: o Estado
verdadeiramente democrático reservou, para tais fins, outros órgãos de sua
estrutura organizacional. A missão do Juiz Criminal é bem outra: é exercer a função criativa nas balizas da norma
incriminadora, é infundir, em relação a determinadas normas punitivas, o sopro
do social; é zelar para que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial
dos direitos do cidadão; (...) é, em resumo , ser o garante da dignidade da
pessoa humana e das estrita legalidade do processo”.
[16] A
propósito, consulte-se a “Carta de Transdisciplinariedade”, adotada no 1º
Congresso Mundial da Transdisciplinariedade em Portugal, 1994, onde se
questiona “qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e
dissolvê-lo nas estruturas formais”; advogando-se a necessidade do
“reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade regidos por
lógicas diferentes” (in URL www.cetrans.futuo.usp.br/cartadastransport.html)
[17] In Direitos Humanos e Infância no Brasil
hoje: Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Tania da Silva Pereira (coord.), Estatuto da
Criança e do Adolescente. Estudos Sócio-Jurídicos. Rio: Renovar, 1992, pp.
119/122.
[18] “A atuação jurídica, no caso em que estão
envolvidos doentes mentais surge no discurso de juristas como preventiva,
desprovida de aflição, determinada com base na periculosidade e voltada para um
crime futuro(Oliveira e Silva, 1942; Hungria & Fragoso, 1978; Delmanto,
1991; Cohen, 1996a). O ato cometido não apresenta uma relação direta com a
medida de segurança estabelecida, sendo considerado um sintoma do estado
perigoso” (Hungria & Fragoso, 1978) in Maria Fernanda
Tourinho Peres; Antônio Nery-Filho e Alberto Soares Lima-Jr. A
estratégia da periculosidade: psiquiatria e justiça penal em um hospital de
custódia e tratamento *
Disponivel em URL: htt:/www.psychiatryonlinebrazil.com/
[19] Sobre a ótica criminológica embutida na nova lei, sugerimos a leitura de A criança e o adolescente em conflito com a lei da lavra do Desembargador Antonio Fernando do Amaral e Silva, atual presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina in URL http://www.tj.sc.gov.br/cejur/artigos/doutrina/conflito.htm
[20] “A produção deste mito da periculosidade
desvia a atenção do centro da problemática e das variáveis econômicas, sociais,
políticas e culturais para reduzi-la a uma análise comportamental, como se o
ato infracional cometido fosse apenas o resultado de um distúrbio da
personalidade. Desta forma, remete-se a responsabilidade ao indivíduo, sem
questionar as relações sociais, os valores, a moral, a distribuição das
riquezas e a sociedade como um todo, enfim”. ( VOLPI, Mário in “O adolescente e o ato infracional”,
Revista do ILANUD, n. 14, p. 27)
[21] in
Psicologia Jurídica no Brasil, URL http://www.psicologia-online.org.br/aaguiar.html
consultado em 8.02.99.
[22] A
propósito confira-se o texto Punição:
Paradoxo de uma Sociedade Democrática, URL
http://www.abmp.org.br/sites/frasseto.
[23] Antonio
Fernando do Amaral e Silva In Reduzir
a maioridade penal não é solução, http://www.tj.sc.gov.br/cejur/artigos/doutrina/
[24] Não
cabe dizer-se cinicamente que a lei falhou até porque, como melhor se explorará
abaixo, a própria Psiquiatria recusa diagnóstico de transtorno de personalidade
para adolescente.
[25] Confira-se,
a propósito, a obra clássica de Philippe
Aries – História Social da Criança e da Família. Rio: LTC, 1981, 2ª
ed.
[26] “Educar é
sempre uma aposta no outro. Ao contrário do ceticismo dos que querem “ver para crer”,
costuma-se dizer que o educador é aquele que buscará sempre “crer para ver”. De
fato, quem não apostar que existam, nas crianças e nos jovens com quem
trabalhamos, qualidades que muitas vezes não se fazem evidentes nos seus atos,
não se presta, verdadeiramente, ao trabalho educativo” Pedagogia da Presença, in URL www.abmp.org.br, acessado em
21.03.99.
|
[27] Geraldo
José Ballone, in o Diagnóstico em
Psiquiatria ( URL http://www.psiqweb.med.br/) nos ensina que um
poderoso critério de definição do diagnóstico
psiquiátrico, ao lado do estatístico e valorativo, é o “intuitivo”. Pode-se
conjecturar, pois, que o recurso a esta fonte de conhecimento (válida como
instrumento de pesquisa, mas nunca para fundamentar determinada conclusão) –
com sua natural ruptura do processo lógico de construção do saber – passa a ser
o instrumento que confere ao
Psiquiatra e saber sobre-humano. Neste sentido, chama a atenção a notória
importância emprestada pelos profissionais à “experiência” profissional como consolidadora da
confiabilidade da perícia – confiram-se itens 3, 6, 8.4 e 8.5. Ora, uma decisão
judicial não pode assentar-se em fundamentos não racionais. Parece
óbvio.
Diagnostico de los trastornos de la
personalidad,
cit.
[28] Maranhão,
O. R., op. cit, pp. 78/79.
[29]
Confiram-se quais são estas diretrizes diagnósticas gerais na p. 198 da citada
edição do CID.
[30] Idêntico
é o posiconamento da melhor jurisprudência no próprio âmbito da execução
criminal: “No processo de execução
onde existe dúvida quanto à satisfação ou não dos requisitos do réu para a
progressão de regime, deve esse ser favorecido e não a sociedade, pois os
princípios norteadores do processo de conhecimento também se aplicam na
execução (TACRIMSP – RA – Rel. Silva Pinto – RJD 13/29)
[31] Mackinnon
e Yudosfsky, A avaliação psiquiátrica na prática clínica – Porto Alegre, Artes
Médicas, 1988, p. 89
[32] Harold
Kaplan, Benjamin Sadock e Jack Grebb – Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1997, p. 693
[33] Harold
Kaplan, Benjamin Sadock e Jack Grebb – Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1997, p. 693