FUI AVALIADO. E AGORA?
Uma análise dos mecanismos da avaliação escolar
Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Maranhão. Pedagoga, Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ceará.
Um dos temas centrais que
vem permeando a discussão sobre o trabalho docente, no atual contexto da
realidade educacional brasileira, é sem dúvida a avaliação do rendimento
escolar. Claro que este tema não subsiste sozinho. Vem sempre acompanhado de
outras discussões, como por exemplo o planejamento educacional, a metodologia
docente, a aprendizagem escolar, a democracia na escola, na educação, dentre
outros.
A primeira reflexão que
emerge refere-se aos motivos que levam os professores e demais profissionais da
educação a se preocuparem tanto com a avaliação escolar. Será que a escola
hodierna está satisfeita com a avaliação desenvolvida? Os professores têm
clareza do que avaliam? Para que avaliam? Por quê avaliam? Será que a atual
prática avaliativa não é mais do que repetição da avaliação feita no tempo em
que os professores eram estudantes? O comportamento dos alunos, sua postura
perante a forma como são avaliados, reflete uma verdadeira insatisfação com uma
atividade que deveria fazer parte do cotidiano escolar de uma forma tranqüila e
prazerosa.
Se nos detivermos sobre as
nossas atividades corriqueiras, veremos que tudo o que fazemos em nossa vida
requer planejamento, execução e avaliação. Se, por exemplo, vamos fazer uma
viagem, primeiramente iniciamos a fase de planejamento. Traçamos nossas metas,
com o fito de alcançarmos nosso objetivo. Primeiro pensamos para onde ir. Nesta
fase, projetamos nossos sonhos. Chegamos mesmo a imaginar como será aquele
local almejamos conhecer. Logo depois, confrontamos nosso sonho com nossas possibilidades. Temos tempo suficiente
para fazer a viagem sonhada? Temos recursos materiais necessárias para isso?
Nossa disponibilidade financeira permitirá conhecer tal lugar? Passamos então a
uma Segunda fase. Apesar do sonho, nossa realidade não nos permitirá ir a este
lugar sonhado, pelo menos por enquanto. E aí passamos a adequar o sonho à
realidade. Elegemos um local possível de ser conhecido e aí, sim, elaboramos
todo o planejamento. Período de viagem, gastos com passagens, hospedagem,
alimentação diária, principais pontos a serem visitados, amigos ou parentes a
serem contatados, compras a serem feitas, etc. Após
esta fase, iniciamos a fase de execução. É hora de viver o sonho possível. De
curtir com encantamento o que foi planejado. Fotografias, filmagens, diário de
bordo. São os registros da viagem. Por fim, passamos à última fase. É hora de
avaliação. É hora de analisar a distância percorrida entre planejamento e
execução. Do que foi planejado, o que não foi executado? O que poderia ter sido
feito para aproveitar ao máximo a viagem realizada? Quais os locais mais
visitados? O que valorizamos mais: a cultura, os pontos históricos, o turismo,
as pessoas novas que conhecemos? Os registros realizados retratam de fato o que
de mais importante aconteceu? E aí começamos novos planejamentos. Damos sabor
ao que fazemos. Viabilizamos nossos sonhos. Construímos de forma planejada a
realidade que podemos e que queremos viver.
No campo da avaliação do
rendimento escolar, docentes e discentes deveriam preocupar-se inicialmente com
o planejamento. É preciso, igualmente, traçar metas, com o fito de alcançarmos
os objetivos propostos. Nesse planejamento das atividades de ensino e de
aprendizagem, professores e alunos devem estabelecer o mínimo de conteúdo
necessário a ser efetivamente aprendido e ainda o mínimo de condutas
indispensáveis para se viver a cidadania. Nesse
sentido, manifesta-se o educador baiano Cipriano Luckesi:
(...) Então, o médio
não pode ser o médio de notas, mas um mínimo de aprendizagem em todas as
condutas que são indispensáveis para se viver e se exercer a cidadania, que
significa a detenção das informações e a capacidade de estudar, pensar e
refletir e dirigir as ações com adequação e saber. Com o processo de
estabelecer os mínimos, os alunos que apresentassem a aprendizagem do mínimos necessários seriam aprovados para o passo
seguinte de sua aprendizagem. Enquanto não conseguirem isso, cada educando
merece ser reorientado. Alguns certamente, ultrapassarão os mínimos, por suas
aptidões, sua dedicação, condições de diferenças sociais definidas dentro de um
sistema capitalista, mas ninguém deverá ficar sem as condições mínimas de
competência para a convivência social(..) (LUCKESI, 1995, p.45)
Assim, nesta fase de planejamento, muito mais do que nas atividades do cotidiano, criamos o sonho e traçamos metas para alcançá-lo.
Após o delineamento do
planejamento, segue-se a fase de execução, onde o professor exerce a função de
ensinar e de estimular a criação de novos conhecimentos e o aluno preocupa-se
em aprender e em gerar novos conhecimentos. É hora de viver o sonho, dando
sabor à tarefa de ensinar e de aprender. É preciso codificar a aprendizagem.
Daí a importância dos registros. Cadernos, livros, trabalhos, tarefas
domiciliares, pesquisas, confrontos interativos, utilização de recursos
tecnológicos. São os registros do presente, confrontados com os registros
feitos por outros aprendizes. Tudo isso exige uma organização metodológica, uma
disciplina firme e persistente no sentido de se buscar a aprendizagem. A tarefa
de aprender requer disciplina, perseverança, envolvimento e compromisso.
Professores e alunos devem promover um processo de sedução recíproca para
conseguirem tal intento.
Em seguida, chegamos à etapa
da avaliação. É também a hora de analisar a distância percorrida entre
planejamento e execução. Do que foi planejado, o que foi aprendido e o que não
foi ainda aprendido? O que poderia ter sido feito para aproveitar ao máximo o
processo de ensino-aprendizagem? Após, o momento formal da avaliação (aplicação
dos instrumentos, resultados emitidos): o que será feito para se aprender o que
ainda não foi aprendido? Assim, observa-se que a avaliação não tem um fim em si
mesma. A escola não existe para fazer avaliação. Ela faz parte de um processo.
Também não é uma etapa final. No dizer de Jussara Hoffmann,
a ação avaliativa deve
ser encarada na perspectiva de uma das medidas pela qual se encorajaria a
reorganização do saber. O termo mediação refere-se ao que está ou ao que
acontece no meio, ou entre duas ou mais coisas separadas no tempo e/ou no
espaço. O movimento se realiza por
mediações que fazem passagem de um nível a outro, dentro daquela
realidade. Transferindo essas colocações para a ação avaliativa, poderemos
vislumbrá-la na perspectiva de que a avaliação, enquanto mediação, far-se-ia
presente justamente no interstício da etapa de construção do conhecimento do
aluno e a etapa possível de produção, por ele, de um saber enriquecido,
complementado (HOFFMANN,
1993, p.114).
Reorganizado o saber,
planejadas novas ações que tenham como norte reforçar a construção do que ainda
não foi aprendido, novos planejamentos, novas execuções e
novas avaliações se sucedem. É o círculo maravilhoso da construção da
aprendizagem. Professores e alunos exercem neste processo papéis fundamentais.
Ninguém deve ser excluído. Todos devem ser seduzidos e incluídos de acordo com
a sua realidade. Assim, a avaliação do rendimento escolar, além de ser um ato
amoroso, deve servir de diagnóstico para avaliar a distância entre o ensinado e
o aprendido. Comungando com esse raciocínio, o professor Luckesi
(1995), em seu estudo sobre avaliação da aprendizagem escolar, assim se
manifesta:
O ato amoroso é aquele que
escolhe a situação na sua verdade (como ela é). Assim, manifesta-se o ato
amoroso consigo mesmo e com os outros. O mandamento “ama o teu próximo como a
ti mesmo” implica o ato amoroso que, em primeiro lugar, inclui a si mesmo e,
nessa medida, pode incluir os outros. O ato amoroso é
um ato que acolhe atos, ações, alegrias e dores como eles são: acolhe para
permitir que cada coisa seja o que é neste momento. Por acolher a situação como
ela é, o ato amoroso tem a característica de não julgar, [...]. O acolhimento
integra, o julgamento afasta. Todos necessitamos do acolhimento por parte de
nós mesmos e dos outros. Só quando acolhidos, nos curamos. O primeiro passo
para a cura é a admissão da situação como ela é, [...]. Em síntese, o ato
amoroso é acolhedor, integrativo, inclusivo, [...]. Transpondo essa compreensão
para a aprendizagem, podemos entender a avaliação da aprendizagem escolar como
um ato amoroso, na medida em que a avaliação tem por objetivo diagnosticar e
incluir o educando, pelos mais variados meios, no curso da aprendizagem
satisfatória, que integre todas as suas experiências de vida. (LUCKESI, 1995, p.171-173).
Assim, não basta fazer
avaliação e dizer como tem se manifestado a aprendizagem dos alunos. É preciso
ir além. A avaliação é mediação, é diagnóstico. Portanto, pressupõe a
construção de novas etapas no processo de ensino-aprendizagem. O mínimo de
conteúdos e de condutas indispensáveis para se viver a
cidadania precisam ser alcançados. Neste ponto, a escola necessita ter a
clareza de seu projeto educativo, de sua proposta pedagógica e curricular. A
avaliação necessita ser planejada, executada e avaliada por todos os que fazem
a comunidade educativa. Se professores e alunos estiverem envolvidos
neste processo de forma democrática e comprometida, com certeza o
processo de ensino-aprendizagem não vai parar na avaliação, e, por conseguinte,
pais e mestres não estarão discutindo de quem é a culpa ou o mérito pelo
fracasso ou pela consecução da aprendizagem. Assim, estaremos transpondo as
barreiras de um processo avaliativo que se encerra em si mesmo. Fui avaliado, e
agora? Muita coisa precisa ser feita. Quem apresenta um bom nível de
aprendizagem deve ser encorajado a avançar cada vez mais. Quem está com
dificuldades deve ser constantemente reorientado, na busca constante da
superação. Daí a importância da pesquisa, da leitura, das monitorias.
É nesta avaliação que acreditamos. E vocês, professores, alunos, pais o que acham das idéias expostas? O que tem sido feito na sua escola, no sentido de avaliar a avaliação? Existe segurança no processo de avaliação colocado em prática em sua realidade? O que o processo de ensino aprendizagem tem proporcionado ao aluno, após a aplicação dos instrumentos avaliativos?
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