ATO INFRACIONAL PRATICADO NO AMBIENTE ESCOLAR E AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS

 

 

 Paulo Frota

Juiz da Infância e Juventude de Belém - 24ª Vara Cível.

 

 

I - Violência na família com reflexos na escola

 

A família e a escola, historicamente, sempre foram considerados  locais de  inquestionável harmonia e segurança.  O mundo exterior era o do perigo, da  ameaça, da violência, do desrespeito aos direitos das pessoas, especialmente os mais fragilizados, como crianças, adolescentes e as mulheres de qualquer faixa etária.

 

Em plena chegada do novo milênio, infelizmente, nem sempre é assim.  No mundo todo a situação vem  dando sinais preocupantes de alteração deste quadro de tranqüilidade.

No que concerne à família, inúmeros países vem editando leis para proteger seus membros mais fragilizados.

 

O relato de docentes, diretores e orientadores educacionais  é indicativo de que  a violência no âmbito da família está se constituindo em um potente vetor de violência no ambiente escolar, justamente porque os alunos, angustiados, tensos e totalmente assustados e traumatizados pela violência que sofrem dentro do lar, principalmente por parte dos próprios pais, padrastos, avós e irmãos, acabam por ter comportamentos igualmente violentos na escola, como reflexo do que estão sofrendo em suas  casas.

 

Todos sabemos que a resistência é importante para a engenharia, pois se tal não fosse a construção de uma casa e, principalmente, de um edifício de muitos andares poderia desabar, justamente porque os materiais precisam ser resistentes para suportar tanto peso, tanta pressão. Mas, para a psicologia, a resiliência é que é fundamental, ou seja, o indivíduo deve ser preparado para adotar posturas resilientes, para superar os obstáculos que considera no seu psiquismo intransponíveis em seu quotidiano, inclusive o  familiar.

 

Mesmo em uma família, as pessoas não são iguais, os sentimentos divergem, as sensações e reações a um determinado problema  não são necessariamente as mesmas entre os filhos, mesmo que  biologicamente oriundo do mesmo pai e da mesma mãe, motivo pelo qual uns conseguem contornar e conviver com as situações críticas e conflituosas entre seus pais, adotando mecanismos de controle, defesa e superação,  mas outros não, e, neste caso, ficam  sensíveis a uma série de fatores de violência, quando não são seus próprios autores, sendo que em alguns casos, fazendo o possível e o impossível para chamar a atenção dos  pais, com a  seguinte desculpa em seu inconsciente: “ou chamo atenção de meu pai ou de minha mãe, dizendo que sou o Presidente do Brasil, ou vou chamar  fazendo ver que sou o maior bandido do Brasil”.

 

As estatísticas dos Conselhos Tutelares, dos SOS  Criança,  das Promotorias e dos Juizados da Infância e da Juventude, mostram que é cada vez maior a ocorrência de situações em que os direitos da criança e  do adolescente são ameaçados ou violados por ação ou omissão de seus próprios pais ou responsável, mesmo diante da  determinação constitucional e da legislação infraconstitucional, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)  e a  Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no sentido do dever da família, especialmente dos pais, com a educação dos filhos.

 

Em recente pesquisa realizada em Belém pela Secretaria Municipal de Educação, com apoio do UNICEF sobre “O sucesso e o Fracasso na Educação Básica”, os pesquisadores concluem que “a escola não está preparada para trabalhar com alunos (as) que fogem do convencional. Neste caso, opta pela exclusão do aluno.  Parece que os seus profissionais têm se negado a enfrentar essas questões, deixando de reconhecer que talvez muitas das causas da evasão podem advir das condições sociais dos alunos”,  transcrevendo, para ilustrar o asseverado, o depoimento de uma professora: “Na maioria  das vezes os pais se separam e as crianças são distribuídas na casa dos avós e tios e deixam de freqüentar as aulas.  Eu tive um aluno que faltou durante três meses, e até pensei que ele tinha se evadido, mas depois a mãe veio dizer que se separou do marido e as crianças não tinham onde morar, mas que agora já dava para o seu filho retornar à escola” (prof. 2 - Escola Bem-te-vi)”(7)

 

A Constituição Federal dispõe que é dever da família assegurar, com prioridade absoluta,  o direito à educação dos filhos ( C. F.  art. 227 e 205), dispondo, da mesma forma, no artigo 229 que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores de idade.

 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação  Nacional (Lei n.º 9.394, de 20.12.1996), realça,  igualmente, o dever da família com a promoção da educação de  seus membros, conforme se constata no que está expresso nos arts.1º e 2º, dentre outros. É importante ressaltar, que a LDB, chega mesmo a dispor que “compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União, zelar, junto aos pais ou responsáveis pela freqüência à escola” (LDB, art. 5º, § 1º e seu inciso III), dispondo, igualmente que “É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir de sete anos de idade, no ensino fundamental” (LDB, art. 6º).

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente reza também,  o dever dos pais ou responsável  não somente com o sustento e a guarda, mas também com a educação dos filhos ( ECA  arts.22 e  55),  sendo que uma das medidas que podem ser aplicadas pelo Conselho Tutelar aos genitores ou responsável  pela criança e pelo adolescente, nos termos do art. 136, II, é, justamente, a obrigação não somente de matricular o filho ou pupilo, mas também acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar (art. 129, V).

 

Como se constata à vista do texto constitucional e da legislação infraconstitucional (ECA e LDB),  é dever dos “pais”,  no plural.

 

Aliás, a legislação refere a “pais”, no plural, não somente quando trata dos deveres de ambos com a educação dos filhos, mas, também quando dispõe sobre os direitos dos mesmos neste aspecto, como se vê no ECA que reza: “É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais” (ECA, art. 53, Parágrafo Único).

 

A LDB por sua vez, dispõe sobre o dever dos estabelecimentos de ensino de articular-se com as famílias  (LDB, art. 12, VI), bem como “Informar aos pais ou responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica” (LDB, art. 112, VII), expressando também, como uma das incumbências dos docentes, colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias dos educandos (LDB, art. 13, VI).

 

Mesmo que o casal esteja separado de fato ou judicialmente, ou mesmo divorciado,  o dever  continua sendo de ambos os genitores, justamente porque a separação ocorre entre marido e mulher; nunca entre pais e filhos.  Aliás o ECA  não deixa dúvida no sentido de que o pátrio poder será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe (art. 21), além do que, como dispõe também o ESTATUTO, o estado de filiação é personalíssimo, indisponível e imprescritível (art. 27).

 

Além do mais, mesmo que haja a separação dos pais, a família - que tem o dever com a promoção da educação - não se dissolve quanto aos pais em relação a seus filhos, mesmo porque a Constituição Federal define a entidade familiar como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (artigo  226, Parágrafo 4º). O que termina com a separação judicial e o divórcio é a sociedade conjugal, nunca a relação entre pais e filhos.

A propósito, o  Código Civil não deixa dúvida quando expressa que a separação judicial não altera as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito, que aos genitores cabe de terem em sua companhia os filhos (art. 381).

 

Por outro lado,  a Lei n.º 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que trata da separação judicial e do divórcio, dispõe que a separação judicial somente põe termo aos deveres da coabitação, fidelidade recíproca e do regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido (art. 3º).

 

A separação judicial, consensual ou litigiosa, importa na separação de corpos e na partilha de bens  (Lei do divórcio, art. 7º). Entretanto, os pais continuam  confundindo partilhar bens com partilhar filhos, como se estes fossem simples objetos.

 

Igualmente no que concerne ao divórcio, pois neste caso, só se fina o casamento e os efeitos civis do matrimônio  religioso (Lei do Divórcio , art. 24). Nunca o estado de filiação e os deveres inerentes ao pátrio poder que, aliás, deve ser exercido no interesse dos filhos menores de idade e não  no de seus pais;  e só  se extingue pela morte, pela emancipação, pela aquisição da maioridade civil e em face da adoção nos termos da lei civil. A propósito, a  mesma Lei  do Divórcio expressa,  sem deixar dúvida,  que “O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”  (art. 27). Infelizmente muitos pais continuam desinformados sobre essa circunstância, o que acaba sendo uma postura de violência contra seus próprios filhos, com reflexos reais no ambiente escolar.

 

Causa perplexidade certas situações que ocorrem no  quotidiano de uma escola, de um Conselho Tutelar, de uma Promotoria ou Juizado da Infância e da Juventude como, por exemplo,  um caso que chegou à consideração do Superior Tribunal de Justiça, a nível de recurso, em que os pais foram chamados à Promotoria da Infância e da Juventude para resolverem assunto relacionado com a educação da prole mas, simplesmente, recusaram-se a comparecer e, diante da decisão do Ministério Público de determinar a condução coercitiva dos mesmos para referida finalidade,  preferiram gastar tempo e dinheiro com a impetração de habeas corpus preventivo, chegando até à superior instância, que tomou uma decisão sábia, mesmo reconhecendo  que se tratava de um constrangimento dos pacientes.

 

Com efeito, decidiu o STJ que diante da injustificada resistência dos pais para comparecer em juízo, a condução coercitiva dos mesmos  pode até se constituir em constrangimento, mas não pode ser qualificado de ilegal ou abusivo, justamente porque a educação, especialmente dos filhos, é um direito fundamental que deve ser garantido, cabendo legitimidade  ao Ministério Público para fiscalizar e propor as medidas necessárias ao asseguramento desse direito (Acórdão: RHC 3716/PR; Recurso Ordinário em Habeas Corpus (94/0017737-2;  DJ de 15.08.1994; relator: Ministro Jesus Costa Lima; data da decisão 29.06.1994. STJ- 5a Turma. Decisão unânime).

 

Existem pais que mesmo com a possibilidade de responsabilização por crime de abandono  intelectual (Código Penal, art. 246),  perda e  suspensão do pátrio poder  na esfera cível (Código Civil e ECA) e pagamento de multa pelo descumprimento, dolosa ou culposamente, dos deveres inerentes ao pátrio poder  (ECA, art. 249), continuam em posição neutral, omissos, diante do dever legal de promoverem a educação dos filhos.

 

 Podem ser encontrados inclusive,  aqueles pais que consideram ter cumprido o dever com a educação dos filhos, apenas matriculando-os na escola, o que é outro absurdo.  A participação da família com a educação não se restringe ao ato da matricula, evidentemente.   Com efeito, a Constituição Federal define como  finalidade da educação, dever da família e do Estado, “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205), o que é repetido pela LDB (art. 2º) e pelo Estatuto  da Criança e do Adolescente (art. 53) que, igualmente,  expressa que  uma das medidas impostas aos pais pelo Conselho  Tutelar,  não é somente matricular mas também,  “acompanhar a freqüência e aproveitamento escolar” ( ECA art.129, V).

 

II - A mídia noticia os casos

 

No ambiente escolar da mesma forma, as posturas de ameaça ou violação dos direitos das pessoas,  os atos de violência física ou psicológica, com agressões de toda ordem, estão preocupando a todos: educadores, educandos, pais ou responsáveis, juristas e toda a comunidade. Em muitos casos, como reflexo da própria violência familiar. As manchetes da mídia noticiando violência no âmbito escolar, causam perplexidade. Por exemplo, em 1998, o jornal “Proteção Integral” de n.º 17, da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, trouxe como manchete de capa: “Crescem atos infracionais nas escolas”, dando notícia de uma pesquisa realizada em todo o  país pelo Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), constatando que um velho problema  típico das escolas públicas, “e que poucas vezes foi abordado com seriedade, está se transformando em um grande problema da sociedade: o vandalismo”, acrescentando que “Não são incomuns relatos de casos de alunos barrados  na entrada das escolas portando revólveres calibre 38. E já se registram estupros praticados contra professoras em escolas brasileiras, o que já demonstra que a violência vai além de danos ao bem público”. (11)

 

Na mesma matéria, noticia que “o crescimento do registro de ocorrências de atos infracionais nas escolas fez com que o Ministério Púbico do Estado de São Paulo, através da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude tomasse a iniciativa de criar um  instrumento de comunicação destes atos às autoridades competentes.  Trata-se de um modelo de ofício baseado nas ocorrências policiais no qual a diretoria da escola informa e descreve o ocorrido diretamente à Promotoria, indicando os fatos e testemunhas e pedindo o devido encaminhamento da questão”. (11)

 

III - Interesse dos educadores pela questão

 

Os educadores mostram-se cada vez mais sequiosos por informações em como proceder diante de atos infracionais, conflitos interpessoais e situações constrangedoras ocorridas no ambiente escolar entre alunos e entre estes e seus professores, diretores e demais funcionários da escola. Da mesma forma quanto à violência doméstica como conseqüência de muitos comportamentos agressivos dos educandos.

 

Nos cursos de capacitação e reciclagem para educadores  crescem as indagações dos mesmos sobre a violência no âmbito da escola, inclusive no que concerne aos encaminhamentos que devem ser dados às situações  envolvendo adolescentes em conflito com a lei penal.

 

As indagações são do tipo: o Estatuto da Criança e do Adolescente protege o adolescente que comete um ato infracional? Quais os procedimentos que devem ser tomados pelo diretor diante de uma queixa de um aluno de que sofreu uma violência física ou psicológica por parte do colega,  professor ou funcionário?  Qual o procedimento da escola diante de um furto na escola? O diretor pode obrigar o aluno a pagar o patrimônio  da escola que destruiu?  A polícia pode invadir a escola em busca de um adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional? Quais as sanções que um adolescente pode receber  pelos atos infracionais que cometer? Como deve agir o educador quando o aluno for flagrado portando uma arma na escola? Como agir diante da  exigência dos pais de um aluno que foi vítima de um colega para que a escola  puna o agressor, inclusive ameaçando o diretor se este não tomar estas providências? Qual seria o correto encaminhamento durante uma violência, o que fazer primeiro e a quem procurar? O que fazer quando é descoberto que um aluno faz tráfico de drogas dentro da escola? Como agir se um aluno é apanhado usando substância entorpecente no ambiente escolar? O que deve ser feito quando um professor  pratica uma violência física ou moral contra um aluno? E quando é o aluno que pratica contra o professor? É uma atitude correta o diretor que pegou o aluno quebrando carteira da sala de aula mandar os pais pagarem as carteiras quebradas? Está correto a direção da escola obrigar o aluno a lavar e pintar a parede do banheiro da escola que pichou?  O que é um Conselho Tutelar e como ele pode ajudar no problema da violência na escola? Que medidas de prevenção podem ser eficazes para  evitar atos infracionais praticados por adolescentes no ambiente escolar?

 

IV – Causas banais provocam violência

           

É impressionante como simples esbarrões, um olhar ou uma atitude de um colega mal interpretados e outras situações banais, podem   despertam o furor de um jovem, ao ponto de provocar,  até  mesmo no colega de sala de aula, lesões corporais e traumas psicológicos graves. Em alguns casos sem que nunca tenham tido qualquer rixa ou desentendimento entre si, e até  sendo companheiros de  esporte e lazer.

 

Ouvidos em audiência, no Juizado da Infância e da Juventude, os adolescentes não titubeiam em responder que praticaram o ato infracional porque  “ele olhou esquisito para mim”, “ele é muito metido”, “não gostei do jeito dele”, “ele é puxa-saco”, “ele só quer ser”, “disseram que ele falou mal de mim”, “pisou no meu pé de propósito”, “sentou na minha cadeira”, “estava tentando tomar meu namorado”, “não sei o que deu na minha cabeça”.

 

Eis um exemplo, onde um simples incidente de um esbarrão provocou tanta violência entre colegas de uma escola, levando a  Promotoria da Infância e da Juventude a representar o adolescente, narrando os atos de violência por motivo fútil: “Consta nos autos que a adolescente Waleska encontrava-se no pátio do Colégio em seu momento recreativo, por volta das 10,30 horas, quando o adolescente representado pisou no pé da colega, ocasião em que esta o chamou de “pomba lesa”, resultando em uma discussão banal, vindo o adolescente representado revidar a agressão verbal sofrida, jogando na colega um sanduíche que trazia, desferindo-lhe, ainda, quatro tapas.  Por sua vez, para defender-se, a vítima jogou no representado seu copo de suco, ocasião em que aquele tentou agredi-la com um soco, somente não conseguindo porque a vítima colocou os braços no rosto. Ocorre, porém, que a pulseira do relógio do representado chegou a arranhá-la, conforme exame de corpo de delito de fls. 8”. (Processo arquivado na 24ª Vara da Infância e da Juventude de Belém. Fevereiro de 2000)

 

Ouvido no Juizado da Infância e da Juventude, o adolescente confirmou, em audiência, a banalidade de como tudo começou:  “... que estava no Colégio de costas quando fez um movimento brusco e sem querer esbarrou na vítima, sendo que esta ficou aborrecida, e mesmo o depoente pedindo desculpas duas vezes para ela, a colega passou a ofendê-lo moralmente, chamando-o de “pomba-lesa”...”. (Processo arquivado na 24ª Vara da Infância e da Juventude de Belém. Fevereiro de 2000)

 

Na pesquisa “O Sucesso e o  Fracasso na Educação  Básica”,  realizada pela Secretaria Municipal de Educação de Belém com o apoio  do UNICEF,  no período de maio de 1997 a dezembro de 1998, “com o objetivo de  identificar fatores que interferem  no desempenho dos alunos da Rede Municipal de ensino”, as conclusões sobre o item violência escolar impressionam.  A começar pelo percentual de 85,72% das escolas pesquisadas com depoimentos de professores, direção e funcionários revelando atos de violência, “entre os próprios alunos”.

 

Na publicação da pesquisa, foi selecionado o depoimento de uma das diretoras que  confessa : “Eu tive de transferir dois alunos do turno da noite porque eles brigavam dentro da escola.  Um deles trouxe uma faca e queria matar o outro... a escola nesse dia foi um tumulto... tiveram que desarmar o adolescente e chamar a família... O adolescente  que possuía  arma sempre deu problemas na escola... um outro adolescente o enfrentou para defender um colega de faixa etária menor que  estava em desvantagem. Eu fiquei com pena de dar a transferência deste aluno, pois nunca deu problemas antes, porém fiquei com medo devido ao outro adolescente pertencer a gangues e ameaçar que iria invadir a escola com sua turma para matar o colega” (Diretora da Escola Uirapuru). (7)

 

Comentando a atitude da diretora, concluem os pesquisadores: “Esta atitude demonstra a insegurança da direção para administrar esses problemas. Reconhece que comete injustiça quanto ao tratamento/encaminhamento, mas prefere transferir a outrem o problema, omitindo-se de assumir uma ação preventiva em sua escola.  Constatamos, assim, que a escola não se organiza para trabalhar os diversos tipos de situação que se apresentam em seu cotidiano.  Neste caso, a diretora não procurou alternativas para abordar o problema, e acabou  optando por dar a transferência dos alunos, como uma forma de proteger a escola de uma situação que atualmente faz parte de sua realidade”.  (7)

 

É também impressionante que foi constatado que somente em 14,28% das escolas pesquisadas houve depoimentos revelando a existência de relacionamento solidário entre os alunos e entre estes e seus professores.

 

Concluíram, ainda, os pesquisadores:

“Algumas escolas apresentaram a preocupação constante com a segurança de seus alunos e funcionários, pois são freqüentes os assaltos às suas proximidades; rivalidade entre alunos do turno da noite das escolas próximas; investidas de bandidos que chegam, às vezes, a molestar e abusar sexualmente dos alunos, entre outros. Algumas escolas estão localizadas em áreas com alto índice de violência e são desprovidas de serviços de segurança pública. Foi possível identificar, nos depoimentos, que vários funcionários, professores e alunos já foram vítimas de algum tipo de violência, como relata uma funcionária de uma das escolas: “Quando iniciei na escola no ano de 1997, não estacionava meu carro na escola, deixava-o a duas quadras da mesma, em frente a uma residência e pedia para alguma pessoa da casa reparar, pois a área próxima à escola é muito perigosa” (Funcionária 1 - Escola  Rouxinol). Outra funcionária da mesma escola complementa dizendo “fui rendida por um assaltante que colocou a faca em meu pescoço”. Esses dados e outros coletados no decorrer do estudo revelam que a violência, sob diferentes formas, é realidade no entorno e também no interior das escolas.  Esta situação tem contribuído para deixar alunos(as), professores e demais profissionais da escola apreensivos e preocupados com a defesa pessoal”. (7)

 

Na mesma pesquisa, também foi constatado que o tratamento dispensado aos alunos, nem sempre é cordial, sendo que um  professor  chegou a responder que “...as salas de aula fedem demais... fedem a suor dos alunos... eles fedem, tem piolhos...”( Professor 2 - Escola Arara Azul). (7)

 

Da mesma forma,  foi verificado que  “... em uma das escolas, algumas crianças que chegaram bem antes da hora da entrada -15:00 h  - tiveram uma recepção um tanto agressiva por parte de um funcionário de apoio que as mandou de volta para casa, a fim de retornarem só no horário. Quando questionados sobre tal comportamento, nos justificaram dizendo:  “Elas são mandadas, antes da hora, pelas próprias mães que não querem ser perturbadas em casa”  (Funcionária 1 - Escola Arara Azul). (7)

 

Continuam os pesquisadores: “outro aspecto observado, segundo depoimentos de quatro professoras de duas escolas, está relacionado à utilização de reforço negativo – punição -  como estratégia para garantir a aprendizagem, o que pode ser verificado nos depoimentos:  “No meu tempo era assim, quando estudava fazia dez vezes a palavra que tinha errado e não morri por isso.  Passo muita cópia para as crianças, embora a supervisora não concorde com o meu método” (Prof. 3  -  Escola Bem-te-vi) “......Eu nunca abandono o velho para assumir o novo, mas sempre tento mesclar esses dois aspectos em meu trabalho em sala de aula. Eu procuro estabelecer o diálogo e a afetividade com meus alunos, pois minha experiência comprovou que se não trabalhar esses dois aspectos, não adianta, pelo fato de eu não ser bonita, de não ser jovem e de não ser branca, tenho  de  cativar meus alunos pela afetividade” (Prof.  4 - Escola Bem-te-vi)”. (7)

 

V – Manifestações Legislativas

 

Os legisladores  nacionais  vem se preocupando com a questão  da violência na escola, adotando como fundamento, inclusive, que estão se antecipando a um problema  de maiores proporções que pode acontecer se nada for feito, a exemplo do que  acontece  hoje, nos Estados Unidos.

 

O Deputado  Zenaldo Coutinho, por exemplo, apresentou  projeto, na Câmara Federal (Projeto de Lei n.º 723/99)  para que o trote acadêmico vire crime, com a previsão de pena de  até seis anos “para quem usar o trote para humilhar, maltratar ou ferir novos estudantes”.

 

A iniciativa do Deputado  Federal decorreu, segundo justificativa, do trote mortal tendo como vítima o estudante Edson Hsueh, morto em abril de 1999 durante o trote da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O deputado, dizendo-se  “indignado com a crescente onda de violência contra os estudantes”,  fez a seguinte assertiva que considero  de grande relevância:  “Não podemos  mais conviver com essa atitude.  As universidades são locais para estudo e crescimento pessoal.  Passar no vestibular é uma vitória e constitui momento de alegria.  Infelizmente, muita gente está se aproveitando para fazer desse instante de alegria um momento de sofrimento e de liberação de maus instintos” (6).

 

Desde 1995, tramitam na Câmara Federal  mais de vinte e três projetos de lei sobre o trote escolar, dentre outros relacionados com  violência no ambiente escolar.

Em vários Estados, tramitam projetos de lei no mesmo sentido.

 

VI – A violência de educadores contra alunos

 

A violência não ocorre  somente entre alunos, mas também, partindo destes contra seus próprios educadores, aí incluindo-se docentes, diretores, orientadores educacionais e todo o pessoal de apoio administrativo de uma escola que devem ter, igualmente, a função de educadores (porteiros, motoristas, serventes, seguranças, copeiros, etc.). É possível encontrar, também, posturas violentas partindo dos próprios educadores contra os educandos, o que  é motivo de perplexidade, especialmente em se considerando o dever redobrado que  eles têm de agir, com competência, quando houver ameaça ou lesão a direitos de crianças e adolescentes.

 

Assim, a violência se instala no ambiente escolar  vetorizada não somente por educandos, mas também  por educadores. São de natureza física e psicológica e funciona com efeito “bumerangue”, no que concerne à violência praticada por alunos contra seus próprios educadores.

 

A mãe de um adolescente, ao qual se atribuía autoria de ato infracional, deixou registrado, em seu depoimento prestado em juízo, a confirmação das declarações  de seu filho: “...  que a diretora chamou a mãe do depoente na diretoria dizendo que ele estava expulso da escola e disse textualmente “ladrãozinho não estuda na escola”; que durante um mês ficou impedido de estudar e que só conseguiu voltar para a escola quando o Promotor da Infância e da Juventude exigiu da diretora o seu retorno...”. (Processo arquivado na 24ª Vara da Infância e da Juventude de Belém)

  

A situação chega a tal absurdo, de ameaça aos direitos dos educandos, que um Secretário Estadual de Educação, substituto, dirigiu oficialmente um expediente ao então  Secretário Especial de Estado de Promoção Social do Pará, solicitando medidas para que os infratores não freqüentassem as escolas públicas do Estado, chegando mesmo a rogar providências junto ao Juizado da Infância e da Juventude, para que adolescentes infratores não fossem encaminhados à rede pública estadual, dizendo, inclusive, que a SEDUC não tem competência para atender este tipo de adolescente. No expediente expressa, dentre outras coisas, após narrar o caso de uma aluna acusada de ameaçar uma professora estadual o seguinte: “... Complementarmente, rogamos, também, o empenho de Vossa Excelência, junto ao Juizado da Infância e da Juventude, demonstrando que a finalidade da SEDUC, não vai além dos limites do ensino convencional, mesmo para alunos excepcionais, e que a parte referente a menores com sérios desvios de conduta e necessitados de escolas com características de reeducação, readaptação e correção, embora sejam da competência do Estado, não o são desta  Secretaria”.(A) Secretário Estadual de Educação, Substituto. (Of. SEDUC n.º 2.762/G.S., de 12.11.1999).

 

O curioso é que esta não vem sendo a posição adotada pela titular da Secretaria Estadual de Educação em suas manifestações e encaminhamentos. Do mesmo modo, o Governador do Estado tem tido concepção e postura diferente da que foi exposta por seu Secretário substituto, a começar por sua elogiável atuação, quando Senador, durante o processo de votação do Estatuto da Criança e do Adolescente, pregando, nas manifestações públicas, a necessidade da inclusão, e não da exclusão, para a reinserção social e familiar do adolescente autor de ato infracional, inclusive como forma de evitar a reincidência.

 

Da mesma forma como se posiciona  o Secretário Estadual de Educação substituto, existem professores e diretores de escolas públicas que insistem na pedagogia da exclusão ao se recusarem a receber adolescentes infratores, sob o argumento de que a escola não é “para este tipo de aluno”. Em alguns casos é necessário mandado judicial e ameaça de processamento criminal pelo crime de desobediência, dentre outros, para que o infrator seja aceito na escola, o que é lastimável partindo de um educador.

 

O educador precisa ter sempre em mente que toda criança e adolescente tem o direito fundamental a um desenvolvimento sadio e harmonioso (ECA, art. 7º), e que posturas como esta podem provocar nos mesmos, danos irreparáveis, sob o ponto de vista bio-psico-social.

Causa maior perplexidade, impressiona mais, quando são os próprios educadores os autores da prática de violência contra os educandos no ambiente escolar, invocando o argumento de “correção”, “disciplina”, infligindo castigos corporais e psicológicos, inclusive impregnados de muita violência e crueza, como se vê, por exemplo, na ementa de uma decisão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: “Ementa: Estatuto da Criança e do Adolescente – submissão de criança a vexame ou constrangimento. Agente que obriga criança a ficar nua com roupa suja de fezes na cabeça durante palestra em sala de aula. Configuração. Alegada intenção de correção. Irrelevância. Incorre nas penas do art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o monitor da FEBEM que obriga criança a ficar nua com a roupa suja  de fezes na cabeça durante palestra em sala de aula, não o socorrendo a alegação de que agiu sem dolo, apenas com a intenção de corrigi-la” (Apelação n.º 941.495/2, Julgado e, 14/06/1995, 6ª Câmara, Relator: Ivan Marques. RJDTACRIM 26/80). Fonte JUIS – Jurisprudência Informatizada Saraiva (16), pg. 1.

 

Aliás, a história social da infância é repleta de relatos de atos e decisões revestidas de extrema violência e injustiça, contra a criança. Naquele tempo praticadas com o fundamento de protegê-la,  em nome do amor, da compaixão, da caridade, da justiça, de seu melhor interesse. Isto vem se repetindo por entre os séculos. No Brasil, mesmo com o surgimento, depois de 1960, do Estado do Bem-Estar  do Menor, ainda se constata no quotidiano das pessoas, inclusive no ambiente familiar e escolar, ameaça ou violação dos direitos de crianças e adolescentes, não obstante a existência de uma legislação que  proíbe  atos de violência e pune severamente os infratores,  bastando a simples ameaça ou suspeita, sem necessidade de se esperar pela confirmação, definindo mesmo a lei que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (ECA, art. 70), o que  torna real a possibilidade de colocar qualquer um no pólo passivo de uma responsabilização por ato criminal, por ilícito civil  e decorrente de uma infração administrativa, tendo como vítima uma criança ou um adolescente.  Afinal, a Constituição Federal é bem clara no sentido de que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança  e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, á saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Constituição Federal, art. 227, “caput”), o que corroborado pela lei infraconstitucional que é o Estatuto da Criança do Adolescente (art. 4º), que , inclusive elenca - de forma exemplificativa e não exaustiva em face do texto constitucional abrangente -  a atenção e o atendimento que deve ser dado com prioridade absoluta, aliás, um princípio que pela primeira vez surgiu no direito constitucional brasileiro.

 

VII – Boas leis e a mudança de mentalidade

 

O Brasil possui, no seu direito positivo, um arcabouço legal de boa qualidade no que diz respeito à educação, com princípios e normas impregnadas de concepções modernas, em geral elogiadas pela melhor doutrina especializada.  Basta  ver a Lei n.º 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente  e a Constituição Federal, dentre outras  manifestações legislativas relevantes ao aprimoramento da qualidade do ensino.

 

Entretanto, não bastam leis  exemplares para que se tenha uma prática educacional  competente.  Temos  exemplos,  no país,  de excelentes leis, que pouco ocorrem na prática, situação que alguns definem como o “Brasil legal e o Brasil real”.

 

Por exemplo, ainda é possível encontrar escolas cujo maior avanço pedagógico foi a mudança da cor do quadro: de negro para verde. Ou do giz, que passou a ser antialérgico, ao lado das melhorias no prédio da escola. Entretanto, a proposta pedagógica continua ultrapassada ou mal aplicada, sem atrativo aos alunos, desprovida de eficácia e modernidade, inclusive sem qualquer recurso audiovisual e de informática, sem internet. Em alguns casos, até mesmo por falta de convencimento dos próprios professores sobre a indispensabilidade da utilização destes recursos no processo educacional. O mesmo acontece com os temas transversais, diante do fato de que existem educadores que ainda não se convenceram da importância de sua imediata adoção nas escolas.

 

É evidente que uma escola não se faz somente pela existência de avanços tecnológicos, nem pela boa construção e admirável arquitetura de seus espaços físicos. A construção do conhecimento impõe, principalmente, um relacionamento pessoal competente, realmente educativo, harmonioso, participativo, solidário, impregnado de fraternidade entre educador e educando, não somente na sala de aula mas também, em todas as demais atividades escolares, inclusive extra-curriculares, com a inarredável participação da família e da comunidade, como determina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional (LDB e ECA).

 

Para que se verifiquem avanços no processo educacional,  é fundamental que exista também, mudança de mentalidade dos operadores sociais e do direito, dos educadores e dos próprios educandos, assim como de seus pais ou responsáveis, devendo também, a comunidade, estar convencida de seu dever legal e  constitucional de participar, de forma competente,  da promoção da educação.

 

A  mudança de  mentalidade deve começar pela correta concepção de que educação não é só pedagogismo.  É também direito. E com todo o “status” de direito fundamental.

 

Infelizmente, existem educadores que ignoram esta verdade.  Como conseqüência, no ambiente escolar, acabam adotando posicionamentos totalmente equivocados, ilegais, e até mesmo com grave violação aos direitos humanos dos alunos. Os argumentos para estas posturas, são os mais variados, como “fazer justiça”, “impor a lei”, “estabelecer disciplina”, “corrigir o aluno”, dentre outros.  Existem até mesmo os que juram que estão agindo no melhor interesse do educando.

 

Um procedimento disciplinar efetivado pela direção da escola ou pelo serviço de orientação educacional pode ser algo extremamente injusto, ilegal e violador dos direitos humanos do aluno caso não sejam tomadas certas precauções, ao passo que um procedimento policial e judicial para apurar ato infracional atribuído ao adolescente, se obedecida a legislação pertinente, garante o respeito aos direitos individuais e às garantias processuais do aluno a quem se atribua autoria de ato infracional, inclusive a garantia do contraditório e da ampla defesa.

 

Aliás, documentos internacionais que o Brasil ratificou, e por isto mesmo se obriga a cumpri-los nos termos do que dispõe a Constituição Federal (C.F., art. 5º, § 2º, parte final) vedam violência contra o educando a título de disciplina escolar. Um destes documentos, é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, que dispõe: “Os Estados Parte adotarão todas as medidas necessárias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade com a  presente Convenção” (art. 28, n.º 2).

 

Da mesma forma as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad), dispõe que: “Os sistemas de educação, além de suas possibilidades de formação acadêmica e profissional, deverão dar atenção especial ao seguinte:...evitar medidas disciplinares severas, particularmente os castigos corporais” (n.º 20, letra “g”).

 

Existem orientadores  educacionais, que têm conseguido o milagre  de atrair a repulsa e até o ódio de todos os personagens do processo educacional: alunos, professores e pais de alunos ou responsável. Estes profissionais podem ter cursos até de mestrado e doutorado nas melhores universidades, mas não conseguem realizar seu verdadeiro papel de orientação educacional, justamente porque são obrigados a ter  a postura equivocada e indevida de juizes e policiais diante de um problema envolvendo os alunos, por exigência da direção da escola e dos próprios pais dos educandos que se julgam vítimas ou prejudicados pela ação do  colega.

 

Infelizmente, ainda hoje, mesmo diante de um arcabouço legal modelar no que concerne  à educação, ainda é possível encontrar orientadores educacionais, especialmente de certas escolas públicas, que só  são  acionados  para definir e aplicar sanções disciplinares aos alunos que estejam em conflito com a lei penal, que  estejam tendo  atitudes conflitivas com colegas e  educadores, que estejam com comportamento na escola  em desalinho com as regras sociais estabelecidas, ou mesmo quando o educando descumpre as normas do Regimento Escolar. Além disso, ainda há o problema de existir, em geral, apenas um educador educacional  para centenas e até milhares de alunos. Muitos serviços de orientação educacional são sinônimos de locais de punição aos chamados  “maus alunos”.

Esta  situação irregular persiste, pela concepção e  prática ainda arraigada em muitos educadores de que o serviço de orientação educacional, deve ser convocado  para responsabilizar o  aluno  pela prática de ato infracional.

 

Especialistas confirmam este entendimento no sentido de que:  “... na plena vigência da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n.º 9.394, de 20.12.1996), com seus princípios e normas modernas, a conclusão mais evidente é que o equivocado suporte teórico que fundamentou a Orientação Educacional, ou seja, o estrutural-funcionalismo, ao invés de trabalhar o educando com a visão total do bio-psico-social, ainda hoje, em pleno período de virada do século, salvo exceções, insiste em reduzir seu trabalho ao atendimento aos “casos-problemas”, especialmente em determinadas escolas públicas. Na mesma linha de raciocínio, pode-se dizer que a tradição, o conservadorismo, a falta de reflexão crítica sobre a prática profissional e, basicamente, as circunstâncias histórico-ideológicas nas quais foram baseadas suas funções, explicam porque, ainda hoje, o orientador educacional em muitos casos, privilegia a atenção ao chamado aluno irregular, ao aluno tido como problema, ao aluno irrequieto, ao “criador de conflito” no ambiente escolar”(2).

 

No quotidiano de uma escola, principalmente por causa do desconhecimento da  legislação e dos procedimentos, existem educadores que acabam adotando posicionamentos pedagogicamente incorretos, em desalinho com a legislação pertinente e, em alguns casos, servem até mesmo como vetores do aumento da violência entre os próprios alunos e praticados por estes contra educadores. Daí porque é necessário que nos cursos de pedagogia, seja considerada obrigatória a disciplina “Direito da Criança e do Adolescente”, que, não é somente o Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

É possível encontrar  os que não sabem nem mesmo  que estão  obrigados a comunicar ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais, os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes (ECA, art. 13). Da mesma forma, existem dirigentes de estabelecimentos de ensino fundamental que ignoram seu dever de comunicar ao Conselho Tutelar casos de “maus-tratos envolvendo seus alunos;  reiteração de faltas injustificadas e de evasão escolar, esgotados os recursos escolares e elevados níveis de repetência” (ECA, art. 5º e seus incisos), desconhecendo até mesmo que se constitui  infração administrativa,  com a previsão de multa, o professor ou o responsável pelo estabelecimento de ensino fundamental, pré-escola ou creche que não comunicar  à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra crianças e adolescentes (ECA, art. 245), aplicando-se os dispositivos tanto no caso de escolas públicas como particulares, uma vez que a lei não diferencia o tratamento. E nem poderia fazê-lo.

 

É oportuno lembrar que o educador que tenha uma posição omissa não somente diante de suspeita ou confirmação  de maus-tratos envolvendo seus alunos, mas também em toda e qualquer situação que os coloquem em risco, pode ser responsabilizado, inclusive criminalmente, sem prejuízo da ação cível de indenização.

 

Com efeito, dispõe o Código Penal de forma bem clara, que é preciso a relação de causalidade para imputar a uma pessoa, a quem lhe deu causa, o resultado de que depende a existência do crime, sendo que “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (CPB, art. 13).

 

Por outro lado é importante ressaltar que o aluno, no ambiente escolar, está sob os cuidados, a proteção e a vigilância dos educadores, daí porque estes não podem adotar postura omissa, pois fica criada a hipótese de risco da ocorrência  do resultado, aplicando-se, no caso, a hipótese também prevista no Código Penal no sentido de que: “A omissão é penalmente relevante quando o emitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado” (CPB, art. 13, § 2º, letras “a”, “b” e “c”).

 

Os educadores precisam saber que, a omissão pode até mesmo ser tipificada como crime de tortura. Com efeito, dispõe a Lei n.º 9.455, de 7 de abril de 1997, que é punida com a pena de reclusão de dois a oito anos a pessoa que submete alguém sob sua guarda, poder ou autoridade (como é o caso do professor e do diretor de uma escola com referência aos alunos do estabelecimento educacional), com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo; sendo que todo aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos e, se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; aplicando-se a pena de reclusão de oito a dezesseis anos ocorrendo morte; aumentando-se a pena de um sexto até um terço, se o crime é cometido por agente público e tem como vítima criança, gestante, deficiente e adolescente, sendo que o crime de tortura – cujo condenado não tem direito a fiança, graça ou anistia e cumprirá a pena em regime fechado – acarreta para seu autor inclusive a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

 

Além do mais, o educador (que, não é somente o docente, o diretor e o orientador educacional, mas também todos os servidores de apoio administrativo, como porteiros, seguranças, vigias, copeiros, serventes e todos os demais que exerçam alguma função na escola) que adotar atitude omissa diante de ameaça ou lesão a direito dos alunos, inclusive, evidentemente, no que concerne à violência física ou moral, pode também, ser acionado no juízo cível, com ação de indenização decorrente do ato ilícito por ter se omitido. Neste caso, não somente por danos materiais como por danos morais, podendo inclusive, haver cumulação de pedidos, desde que oriundos do mesmo fato, como permite a Súmula n.º 37 do Superior Tribunal de Justiça, assim como entende a melhor doutrina. Com efeito, dispõe o Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (art. 159 do CC).

No dia-a-dia das escolas, diante de um ato infracional praticado por um adolescente, tem acontecido, em muitos casos, que o educador assume, indevidamente, o papel de policial ou juiz. Em outros casos, limita-se a realizar os procedimentos pedagógicos, encaminhando o aluno somente a uma conversa com o orientador educacional, ou a uma audiência de advertência na diretoria, omitindo-se das demais providências impostas por lei. Alguns casos concretos ilustram muito bem a situação.

 

Há casos  que impressionam e preocupam. São situações que se julgava impossível de acontecer diante dos avanços da pedagogia, como puxar a orelha do aluno  como forma de castigo corporal pela prática de  indisciplina na escola.

 

Outro caso concreto pode ser invocado para demonstrar os equívocos cometidos que violam os direitos humanos dos alunos, além de se constituir em uma afronta à pedagogia moderna:  uma professora, ao receber a queixa de um aluno de que tinha sumido sua caneta, no término da aula, fechou a porta da sala, não deixando ninguém sair e passou a revistar a todos em busca do objeto que teria desaparecido dizendo que  precisava “descobrir o aluno ladrão” porque  a escola era só “para pessoas honestas”, o que criou constrangimento a todos, inclusive pela forma de como foi feita a revista nos objetos e no corpo dos educandos, quando o educador deveria ter aproveitado para discutir com seus alunos a questão da honestidade, do respeito aos direitos das pessoas, dos direitos da vítima, o processo de apuração da autoria do ato infracional e a responsabilização do infrator, sem prejuízo do encaminhamento da vítima à orientação educacional para ser informada de seus direitos e orientada em como exercê-los.

 

Em um processo que tramitou pela 24ª Vara Cível da Infância e da Juventude de Belém, uma aluna de 13 anos narrou o seguinte:  um colega de turma costumava  dizer para ela palavras obscenas, chegando mesmo a convidá-la para saírem juntos, o que era constantemente negado, tendo, certo dia, este colega de 17 anos tocado em seu seio de forma proposital.  Sentindo-se  coagida e ofendida moralmente procurou a diretoria para denunciá-lo, pedindo providências. A diretora mandou chamá-lo e apenas o advertiu de que não repetisse o ato sob pena de sua mãe ser chamada ao colégio e de ser suspenso.  Logo após a conversa  na diretoria o aluno retornou à sala de aula e dirigindo-se à colega vítima de seus atos disse: “Estás vendo? De que adiantou tua queixa na diretoria ?  Nada aconteceu comigo e nem vai acontecer”.  A aluna queria saber o que fazer diante do fato de que ele continuava com suas atitudes indevidas e ilegais para com ela. E agora com muito mais confiança pois comentava com todos os demais colegas o fato, dizendo mais que de nada valeu a queixa da colega porque nada lhe tinha acontecido, o que provocava, frases irônicas,  risadas e deboches de todos os demais da sala.

 

Em outra situação, um segurança de um colégio público importante de Belém, assediou  sexualmente uma aluna, por diversas vezes. Esta, incomodada com o agravamento do assédio, procurou a diretoria e denunciou o vigilante. O servidor, com muito tempo de serviço na escola, foi chamado pela diretora, recebendo apenas uma advertência de que não deveria repetir o ato, e que deveria ter vergonha do que fez principalmente porque era um senhor de cabelos brancos e a aluna tinha apenas 12 anos de idade. Segundo o relato da professora que acompanhou de perto o problema, teria influenciado na decisão da diretora de apenas ameaçar o servidor e não tomar os demais encaminhamentos previstos na lei,  a defesa do vigilante de que a aluna é quem o estava provocando, inclusive usando saias curtas e blusas decotadas, além do que o acusado era um servidor muito antigo na escola, pontual, querido por todos os funcionários por sua gentileza e educação, prestando-se, inclusive, a realizar pequenos mandados, como  comprar  lanches para os professores,  além do que  teria sido a primeira vez que se envolvia com este tipo de ato.

 

Atitudes omissas como estas de um educador que não fez os encaminhamentos legais para a responsabilização dos infratores, são totalmente equivocadas e ilegais, violando, inclusive, os direitos humanos do educando, além de ser um péssimo exemplo, um atestado de incompetência e irresponsabilidade. Um verdadeiro desserviço à educação.

 

Nos debates com educadores não é raro ouvir a confissão de muitos de que realmente desestimulam seus alunos – vítimas de violência física ou moral na escola - a tomar qualquer providência legal, mesmo tendo sofrido agressão grave, porque consideram que basta a conversa de diretoria e o caso está encerrado. Em  um depoimento registrado em audiência, a diretora da escola chegou a dizer, que fez de tudo para impedir que a pequena vítima fizesse os encaminhamentos legais pertinentes, chegando ao absurdo de condenar   o aluno pela iniciativa de procurar a Delegacia de Polícia especializada, mesmo diante da vítima ter sofrido violenta agressão com socos em seu rosto que, inclusive lhe quebrou o óculos. Em seu depoimento prestado no Juizado da Infância e da Juventude, arrolada pelo Ministério Público como testemunha, disse também, que chegou a argumentar com a vítima e seus familiares de que  deveriam recuar porque, no futuro, as posições poderiam se inverter, ou seja, a vitima poderia ser o acusado, além de ter criticado os familiares  da vítima por ter consultado a criança sobre se desejava processar seu agressor, dizendo,  a educadora que dirige a escola, textualmente: “... que não concordou com a iniciativa do responsável pela vítima em consultá-la, porque acha que a opinião de uma criança não deve ser levada em conta”. (Processo arquivado na 24ª Vara da Infância e da Juventude de Belém)

 

No caso em tela,  a conversa de diretoria só fez aumentar a agressividade do adolescente representado que passou, inclusive, a debochar da vítima diante dos colegas, indagando, ironicamente,  quem tinha feito aquela marca em seu rosto, como a seguir se vê: “... Que, como diretora, quando ocorre este tipo de incidente na escola, costuma chamar as partes na diretoria para aconselhar, resolvendo tudo lá mesmo, sendo que não concorda em que os envolvidos procurem a polícia, motivo pelo qual ficou surpresa com a iniciativa da vítima de processar o colega; Que em sua opinião esse problema da lesão corporal poderia ter parado ali mesmo na diretoria, porque desentendimento entre alunos é uma coisa que ocorre todo dia; ...Que quando soube que os familiares da vítima e a própria vítima tinham procurado a polícia para processar o representado, procurou  os pais para que voltassem atrás e retirassem a queixa na polícia, mas recebeu, como resposta, que a vítima já tinha sido consultada e que a própria vítima estava decidida a processar o representado; Que a depoente, como diretora e educadora considera que isto trouxe uma série de problemas para o representado e sua família, submetendo-os a procedimentos cansativos, sendo que, como disse, tudo poderia ter sido resolvido na sala da diretoria, sem os procedimentos junto à polícia e no Juizado da Infância e da Juventude; Que a depoente chegou mesmo a observar aos familiares da vítima  - como um dos argumentos para tentar fazê-los desistir do processo - que um dia, no futuro, os papéis poderiam estar invertidos, ou seja, a hoje vítima poderia estar na posição de acusado, e ai, certamente,  não gostaria de ter um processo na Justiça; ... Que não concordou com a iniciativa do responsável pela vítima em consultá-la porque acha que a opinião de uma criança não deve ser levada em conta...”. (Processo arquivado na 24ª Vara da Infância e da Juventude de Belém)

 

A pequena vítima deu uma lição de cidadania, inclusive à diretora, ao dizer em audiência que “...acha importante o processo porque caso não fizesse isto o adolescente representado poderia ficar incentivado a repetir a agressão com outro colega porque, certamente, iria achar que nada aconteceria com ele, e que apenas haveria a conversa na diretoria e sua  suspensão”. (Processo arquivado na 24ª Vara da Infância e da Juventude de Belém)

 

As desculpas de um educador para desestimular, e até impedir, que seu aluno, vítima de um colega, de um funcionário da escola ou mesmo de um professor, - inclusive omitindo-se de fazer os encaminhamentos devidos para que a vítima seja informada de seus direitos e orientada em como exercê-los – são as mais variadas e esdrúxulas; evidentemente que insustentáveis, desprovidas de qualquer sentido lógico e em grave descumprimento dos objetivos da educação, conforme previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na LDB, com todas as conseqüências de natureza penal e civil em face da postura omissa.

 

Uma das justificativas invocadas, é  a de que não é educativo o adolescente infrator sofrer os vexames de responder, judicialmente, pelo ato praticado, submetendo-se a constrangimentos de ir à delegacia para prestar depoimentos e  ficar na posição de réu em um processo, com a possibilidade de uma condenação, mesmo sendo em um Juizado da Infância e da Juventude. Defendem esses educadores que basta a conversa com a diretora ou com o orientador educacional, onde os infratores são aconselhados, e até mesmo advertidos. No máximo poderão ser suspensos ou mesmo expulsos do colégio, se o caso for gravíssimo.

 

Este entendimento é insustentável, por vários motivos, dentre os quais o fato de que esta postura do educador pode ensejar a fragilização da vítima e o fortalecimento do agressor. Por outro lado, esta atitude pode representar um forte vetor de mais violência na escola, especialmente, porque os alunos podem ficar impregnados de perigosa sensação de impunidade. Além do mais, é uma concepção em desalinhave com a lei.

 

A responsabilização do adolescente infrator, com todos os procedimentos policiais e judiciais corretamente realizados em obediência à legislação pertinente, é educativo tanto para o infrator como para a própria vítima.

 

É importante lembrar que um Juiz da Infância e da Juventude, julgando procedente uma representação formulada pelo Ministério Público, quando  impõe ao adolescente que praticou um ato infracional, uma sanção, dentre as elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente está, na verdade, aplicando ao mesmo uma medida que tem a natureza sócio-educativa, estando obrigado, por lei, a levar em conta, no momento da decisão, “...as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários” (ECA, art. 113 c/c art. 100).

 

Por outro lado, nos termos do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – art. 112, VII) fica oportunizada a aplicação cumulada (ECA – art. 113 c/c art. 99) ao mesmo adolescente infrator de uma ou mais medidas protetivas referidas no art. 101, I a VI do ESTATUTO (encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial e, finalmente, inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos), ficando, o magistrado prolator da sentença, igualmente vinculado, em sua fundamentação, às necessidades pedagógicas. Neste caso, é competência do Conselho Tutelar providenciar o cumprimento da(s) medida(s) protetiva(s) imposta(s) judicialmente pelo Juiz ao adolescente infrator (ECA, art. 136, VI), aí incluindo-se o monitoramento e acompanhamento de sua correta execução.

 

 Um outro aspecto positivo de todo o sistema é que, constatado na instrução processual relacionada com o adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional, que os próprios pais ou responsável são pessoas que estão com problemas pessoais e familiares, inclusive, com prejuízos ao desenvolvimento bio-psico-social dos filhos, especialmente do adolescente sentenciado, - o que poderá, inclusive, dificultar ou impedir sua reinserção social e familiar - o magistrado promove o imediato encaminhamento dos pais ou responsável ao Conselho Tutelar da respectiva localidade para que eles sejam atendidos e aconselhados; podendo, inclusive, referido Conselho, aplicar aos mesmos (ECA, art. 136, II) as medidas previstas no art. 129, I a VII do Estatuto da Criança e do Adolescente ( I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos; III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV – encaminhamento a cursos ou programas  de orientação; V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII – advertência). Com o magistrado fica a competência exclusiva da decisão quanto à perda da guarda, destituição da tutela e suspensão ou destituição do pátrio poder (ECA art. 129, VIII a X), o que só pode ocorrer em casos gravíssimos, e, assim mesmo em processo judicial, assegurado aos pais ou responsável o contraditório e a ampla defesa em procedimento judicial previsto no próprio ESTATUTO.

 

Considera-se ainda, que um procedimento não excluí o outro, ou seja, a conversa de diretoria ou com o orientador educacional, não pode representar um impeditivo para que a vítima receba todas as informações sobre seus direitos e orientada em como exercê-los. Muito pelo contrário, pois a orientação educacional não pode perder a oportunidade da conversa pedagógica com os alunos envolvidos – vítima e infrator – para vincular a educação às práticas sociais e dar significativa colaboração para prepará-los ao autêntico exercício da cidadania, que são objetivos da educação em face da legislação pertinente.

 

Essas providências não significam transformar as escolas em delegacias de polícia. O efeito pretendido é exatamente o inverso, uma vez que os educadores, deixarão de ter atitudes policialescas, o que ainda hoje se verifica em muitas escolas diante de um adolescente em conflito com a lei penal. Além do mais, o educador não pode se recusar a cumprir a lei, inclusive informando a vítima de alguma violência física ou moral, mesmo na forma tentada, sobre seus direitos, bem como orientando em como exercê-los corretamente, cabendo ao serviço de orientação educacional o dever de tomar essa providência, fazendo inclusive, os encaminhamentos respectivos, caso esse seja o desejo da vítima.

 

No que se refere ao adolescente infrator, além dos aconselhamentos pedagógicos, das advertências e das demais sanções disciplinares adotadas pela direção da escola em face do Regimento Escolar - que não contrariem, evidentemente, o direito à educação do adolescente infrator e de seus  outros direitos fundamentais, inclusive de  expressão e ampla defesa, assegurado o contraditório nos procedimentos disciplinares -   tem inegável  efeito educativo para o aluno infrator que ele, também, seja informado das eventuais conseqüências do ato infracional,  independentemente  da  respectiva responsabilização  cível pela prática do ato ilícito.

 

Portanto, para ambos, - infrator e vítima - tal encaminhamento é extremamente educativo.

A decisão de processar o adolescente infrator, aluno da escola, é somente de sua vítima, mesmo sendo esta uma criança ou um adolescente, pois são sujeitos de direito e não simples objetos de intervenção da sociedade, da família e do Estado.  A direção da escola, o docente ou o orientador educacional não têm legitimidade para decidir pelo aluno, se este for a vítima.   E muito menos, pode  impedi-lo de tomar as medidas previstas em lei, sendo defeso, além disto, omitir informações tanto ao infrator como à sua vítima sobre as conseqüências  legais que poderão advir do ato praticado, tanto na esfera cível como na infracional, com os respectivos procedimentos previstos em lei. Assim, a conversa com a diretora e com  o pessoal da orientação educacional são bons momentos para essas reflexões, informações e orientações, ao lado dos encaminhamentos  referentes aos aconselhamentos e sanções disciplinares que vierem a ser adotadas no âmbito escolar.

 

A responsabilização do adolescente infrator não está, como alguns pensam, em desalinho com a educação. Muito pelo contrário, pois significa preparar o educando para a  convivência humana de forma harmoniosa e saudável, com o respeito aos direitos  individuais e sociais, com uma perfeita consciência de  todos os  seus deveres.

 

A Constituição Federal e a legislação infraconstitucional deixam bem claro, como finalidades da educação, o pleno desenvolvimento da pessoa para o correto exercício da cidadania e das práticas sociais.

 

Com efeito, dispõe  a Lex Fundamentalis: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Constituição Federal, art. 205).

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, igualmente, assevera que: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (ECA, art. 53).

A Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece  as diretrizes e bases da  educação nacional, em vários dispositivos  deixa claro que a educação abrange os processos formativos,  também no que concerne à convivência humana, exigindo que o educando seja preparado para o correto exercício da cidadania, além de obrigar que o ensino seja ministrado com base na vinculação entre a educação e as práticas sociais. É o que se constata pela simples leitura  da  LDB:

 

 “Artigo 1º  -  “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”..........................

Parágrafo 2º -   “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”.

Artigo 2º  -  “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”

Artigo 3º - “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:...............................

Inciso  XI -  “Vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.”.

 

Com fundamento na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional citada, um educador tem o dever legal de vincular a educação escolar às práticas sociais, ao pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para o correto exercício da cidadania, sendo-lhe vedado dificultar ou impedir que um aluno, que foi vítima de uma violência física, psicológica ou moral no ambiente escolar,  seja corretamente informado - na própria escola como parte de seu  processo formativo - acerca de seus direitos,  bem como que seja  orientado em como exercê-los, inclusive, no que concerne à responsabilização do adolescente infrator de quem foi vítima, não somente na área infracional, mas também na esfera  cível, no que diz respeito à indenização por dano moral e material  decorrente do ato ilícito praticado pelo infrator, podendo haver inclusive, cumulação de pedidos, desde que oriundos do mesmo fato, como permite a Súmula n.º 37 do Superior Tribunal de Justiça,  utilizando-se, neste caso o Código Civil para a definição das obrigações resultantes do ato ilícito se o agente for  menor de idade  (vide Código Civil, art. 156 , Parágrafo Único do art. 1.5l8 e art. 1.521, incisos I e II).

 

Uma outra desculpa corrente para desestimular ou não permitir que a vitima - aluno ou professor -  tome as providências legais se  vítima de algum tipo de ameaça ou lesão a seus direitos no ambiente escolar como  violência física ou  moral, é a de que se o assunto vazar para a imprensa, o “nome da escola fica manchado”, o que é uma outra  justificativa inaceitável, justamente porque o direito dos indivíduos a ser assegurado é preponderante ao da pessoa jurídica.

 

Em se tratando de criança e adolescente o ECA é bem claro no  sentido de que “Nenhuma criança ou adolescente  será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (art. 5º),  sendo um “dever de todos prevenir a ocorrência  de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente” (art. 70).

 

No quotidiano forense são várias as denúncias de que educadores têm sido vítimas de alunos, mas são  proibidos pela direção da escola (especialmente se particular) de tomar as providências decorrentes da violência física ou moral que receberam.. O principal argumento da direção da escola é de que o bom conceito da escola não pode ser afetado, o que é um absurdo.

 

Em um dos casos, o aluno  de  l7 anos jogou, propositadamente, um portão de ferro no rosto da professora simplesmente porque se aborreceu com o pedido dela para que retornasse à sala de aula, deformando sua face.  A diretora da escola ameaçou a professora: estava proibida de registrar queixa na polícia especializada e muito menos ingressar com ação cível de indenização por dano material e moral, sob a justificativa de que iria prejudicar o bom nome da  escola. E advertiu: caso fizesse isto perderia o emprego e não teria seu testemunho contra o aluno, mesmo tendo a diretora assistido toda a cena de violência do aluno contra a professora.

 

Em outro caso, o aluno de l5 anos ofendeu moralmente uma professora da raça negra com apelidos depreciativos, configurando-se racismo, que é um ato infracional gravíssimo, sujeitando, seu autor, a uma sanção rigorosa, sem prejuízo da responsabilização na área cível, em decorrência do dano moral sofrido. A direção da escola teve a mesma postura ilegal com a vítima, ou seja, impediu que a educadora adotasse as providências legais pertinentes.

 

 Nestes casos, o procedimento correto, altamente  educativo, em alinhave com as práticas sociais e de grande significado à formação do educando para o correto exercício da cidadania e de harmoniosa convivência humana, objetivos da educação nacional como dispõe a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a LDB, seria  os professores  promoverem a responsabilização do aluno, não somente na área infracional, mas na cível, no que concerne à indenização por dano moral que pode ser cumulada com a de dano material, conforme  a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.

 

Um outro argumento arrolado por alguns educadores para desestimular a vítima, e até impedi-la de proceder a responsabilização do adolescente infrator, até mesmo omitindo informações à ela sobre seus direitos e orientações em como exercê-los, inclusive sobre os procedimentos a serem tomados, ao lado das explicações ao infrator das possíveis conseqüências de seu ato infracional, é o de que agir deste modo seria dar a si próprio um atestado de incompetência, um reconhecimento de fracasso como educador que não soube resolver o conflito estabelecido entre os alunos pelas vias disciplinares.

 

Igualmente é impossível concordar com essa concepção totalmente equivocada. A começar pelo fato de que não se trata apenas de um simples conflito em decorrência da relação interpessoal, mas da prática de um ato infracional, que o ECA define como crime ou contravenção (art. 103), com a respectiva tipificação prevista no Código Penal e legislação correlata; e com a previsão legal no que concerne aos procedimentos a serem adotados para apuração de ato infracional atribuído a adolescente ( ECA, arts.171 a 190).

 

Na verdade, um educador que adota esta postura equivocada e ilegal, ao contrário do que acredita, não está sendo um educador competente. A começar porque está descumprindo as normas constantes do direito positivo nacional no que concerne à educação, especialmente a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a LDB que obrigam vincular a educação às práticas sociais, bem como a cumprir a finalidade do pleno desenvolvimento do educando e seu preparo para o exercício da cidadania, inclusive no que se refere à convivência e solidariedade humana.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.009, de 13.07.1990)  está completando dez anos de vigência no direito positivo nacional. Mesmo assim, muitos teimam em desconhecê-lo, inclusive achando que ele é somente para o carente, o abandonado, o infrator, quando se sabe que é para toda e qualquer criança ou adolescente, rico ou pobre, infrator ou não, sendo uma lei  moderna e eficaz, que é forte na prevenção, superando a visão do direito limitada à solução de conflitos, trazendo mecanismos interessantes de responsabilização quando houver ameaça ou lesão à direito individual, individual homogêneo, difuso ou coletivo, por ação ou omissão, bastando a simples suspeita (portanto, não precisando esperar pela confirmação) para que todos estejam obrigados a agir como, inclusive, dispõe o art. 70 do ECA, dentre outros.

 

Mesmo assim, ainda  é possível  encontrar aqueles, até mesmo educadores, que  ignoram o ECA ou têm uma visão distorcida de seu conteúdo, chegando mesmo a garantir que o ESTATUTO protege o adolescente que pratica  ato infracional.  Dizem que por este motivo não  informam  aos alunos, vítimas de alguma violência física ou moral, sobre seus direitos, nem os orientam sobre os procedimentos que podem  tomar diante da ameaça ou lesão de seus direitos, especialmente no que concerne  à responsabilização do adolescente infrator, porque “com menor não pega nada” e por este motivo, acrescentam,  a vitima  não deve perder seu tempo.

 

No Brasil, insiste-se no absurdo de culpar a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente para justificar a delinqüência juvenil.  Algumas pessoas chegam até mesmo a indagar: “e porque os Estados Unidos tem pena de morte para adolescentes?”. Neste caso é preciso retornar à pergunta, indagando do interlocutor: “Os EEUU têm conseguido  diminuir a violência juvenil gravíssima, mesmo com penas tão  graves?”  Na verdade,  os americanos não têm um ECA para colocar a culpa pelo aumento preocupante de violência, especialmente nas escolas. Em vários países da Europa, como Portugal, Espanha e Itália, a delinqüência juvenil vem preocupando as autoridades destes e de outros países, e lá eles também não possuem o ECA para culpar.

 

A concepção errônea de que o ECA é o “Evangelho da Impunidade”, de que é uma “arma nas mãos do adolescente infrator”, de que é uma “lei só de direitos sem nenhum dever”,  pode provocar até mesmo a justiça privada contra o adolescente a quem se atribua a autoria de ato infracional,  praticada pelas  pessoas com  as próprias mãos, e em alguns casos até ressuscitando  a Lei do Talião,  do olho por olho, dente por dente. A imprensa vez por outra noticia um adolescente flagrado pichando que é amarrado em um poste, recebe uma surra, tem a cabeça raspada e ainda é obrigado a engolir a tinta que estava usando na pichação, com as pessoas ao seu redor vibrando e aplaudindo a “lição”, “correção” aplicada a ele, quando o procedimento justo, legal e racional seria apresentá-lo à autoridade policial para os procedimentos previstos em lei e a devida responsabilização pelo ato praticado.

 

A comunidade desinformada  não pensa assim. Da mesma forma o policial. Tão grave é, que o próprio adolescente, também se considerando protegido pelo ECA, acaba praticando violência,  e só descobre que está equivocado, infelizmente, quando já está sentenciado ao cumprimento de uma sanção, que pode ser, inclusive, a privação de sua liberdade, dependendo da gravidade do ato infracional praticado.

 

Na verdade, esta concepção  deturpada de quem  nem leu o ECA, acaba se constituindo em um potente vetor de violência  não somente praticada pelo  adolescente, como contra ele próprio, quando se sabe que o ECA não é o “Evangelho da Impunidade”.

 

No próprio texto do ECA, está bem claro que não somente os direitos, mas também os deveres devem ser observados, ao dispor que: “Na interpretação desta lei levar-se-á  em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos...”. (ECA, art. 6º)

 

É imperdoável desconhecer que os direitos individuais e as garantias processuais de um adolescente  a quem se atribua autoria de ato infracional, são absolutamente iguais a de um adulto que comete um crime. Basta cotejar o que dispõe, a respeito, o ECA e a Constituição Federal.  Aliás,  mesmo que o ESTATUTO não trouxesse o elenco dos direitos individuais e garantias processuais, esses adolescentes já os teriam assegurados pelo texto constitucional.

 

O adolescente que pratica um ato infracional estará sujeito a processo contraditório, assegurada sua ampla defesa, podendo receber, no julgamento, uma medida sócio educativa.

 

Adultos e adolescentes acusados da prática de ato infracional têm os mesmos direitos individuais e garantias processuais em face ao que consta no direito positivo nacional.

No que concerne aos DIREITOS INDIVIDUAIS:

 

“Nenhum adolescente será privado de sua liberdade, senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.” (ECA - art. 106, sendo que a Constituição Federal dispõe a toda e qualquer pessoa: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente” ( C.F - art. 5º, LXI).

 

 “O adolescente tem direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão, devendo ser informado acerca de seus direitos”  (ECA, art. 106, Parágrafo Único). A Constituição Federal  dispõe: “O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial” (C.F. art. 5º LXIV, ); “O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado” (C.F. , art. 5º, LXIII).

 

“A apreensão de qualquer adolescente e o local onde se encontra recolhido serão incontinente comunicados à autoridade judiciária competente e à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada” (ECA, art. 101).  Na Constituição Federal:  “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada” ( C.F. art. 5º , LXII).

 

“Examinar-se-á, desde logo e sob pena de responsabilidade, a possibilidade de liberação imediata” (ECA,  Parágrafo Único do art. 107).  Dispõe a Constituição Federal: “A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” ( C.F. art. 5º, LXV).

 

“O adolescente civilmente identificado não será submetido à identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada” (ECA, art. 109). Na Constituição Federal: “O civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”  (C.F., art. 5º, LVIII).

 

Da mesma forma quanto  às GARANTIAS PROCESSUAIS, como a seguir se vê, são as mesmas para o adolescente a quem se atribua autoria  de ato infracional e ao adulto acusado de um crime ou contravenção:

 

“Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal” (ECA, art. 110).  Na Constituição Federal: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (C. F., art. 5º, LIV).

 

Ao adolescente é assegurada “assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei” (ECA, inciso IV do art. 111). Na Constituição Federal: “O Estado prestará assistência jurídica integral  e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (C.F., art. 5º , LXXIV).

 

O adolescente tem a garantia processual de ter a “defesa técnica por advogado” (ECA, inciso III do art. 111);  O adolescente tem “direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento” (ECA, ECA,, inciso VI do art. 111). Na Constituição Federal: “O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado” (C.F., art. 5º, LXII); “O advogado é indispensável à administração da Justiça...” (C.F., art. 133 e art. 2º do Estatuto da OAB).

 

O adolescente tem a garantia processual de “igualdade na relação processual,  podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa” (ECA, inciso II do art. 111). Na Constituição Federal: “Aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (C.F.,  art. 5º, inciso LV).

 

Finalmente, o adolescente tem a garantia processual de ter “pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente”  (ECA, inciso I do art.111), tendo, igualmente, o “direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente” (ECA,  inciso V do art. 111), sendo que na Constituição Federal  está expresso que “ninguém  será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (C. F., art. 5º LIII); dispondo o  Código de Processo Penal sobre a oitiva do acusado adulto pela autoridade competente, seja na fase policial ou judicial, além de expressar, também, a respeito da obrigatoriedade da citação inicial do mesmo  (CPP, art. 351 ao 369); assim como  das  conseqüentes intimações dos atos processuais subseqüentes (CPP, art. 370 a 372).

 

VIII – Medidas Sócio-Educativas e seu caráter pedagógico

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente contém sanções eficazes que podem ser impostas a adolescentes infratores. São as chamadas medidas sócio-educativas, que podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo (ECA,  113 c/c art. 99), e que são: advertência, obrigação de reparar o dano,  prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,  semiliberdade e internação  (ECA, art. 112, I a VI).

 

Os especialistas em direito penal estão cada vez mais atentos para o que está ocorrendo de positivo na área das medidas sócio-educativas. Prova disto é que estão pregando sanções a adultos semelhantes às que já são previstas no  ESTATUTO.

 

É verdade que existem profissionais incompetentes na área de segurança pública e justiça e que, não se posicionam como determina o ECA.  Consequentemente, liberam o adolescente autor de ato infracional cometido mediante grave ameaça e violência à pessoa, ou não tomam as medidas legais corretas para que o mesmo se veja processado. De outro lado, adotam  decisões extremamente gravosas ao adolescente, desproporcional ao ato praticado, o que igualmente é lastimável. Se isto acontece é evidente que o problema não é da lei, mas do profissional. Tanto é irresponsável o operador do direito que libera todo e qualquer infrator, como aquele que adota como regra apreender todos, justamente porque, cada caso é um caso, cada situação é uma situação, com todas as suas peculiaridades. Afinal não se pode ignorar o que dispõe o ECA no sentido de que “A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias  e a gravidade da infração” ( ECA - art. 112, § 1º).

 

Não é demais reafirmar que a natureza das sanções aplicáveis a adolescentes infratores, é sócio-educativa, daí porque o magistrado tem  o dever legal,  ao  aplicar a  medida, de levar  em conta em sua sentença, “as necessidades pedagógicas, preferindo aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários” (ECA, art. 100), sendo que em nenhuma hipótese,  será aplicada a internação, que é a mais grave das sanções, havendo outra medida adequada (ECA, art. 122, §2º).

 

A medida sócio-educativa depende de alguns aspectos para estar revestida do efeito pedagógico. O primeiro deles é que o magistrado precisa ter a competência e a sensibilidade para a dosimetria correta  quanto à escolha da sanção apropriada em face do caso concreto.

 

Uma aspirina aplicada a quem tem câncer não tem o poder de curar e, se não forem tomados os procedimentos médicos corretos, certamente, a morte do paciente será acelerada.  Da mesma forma quem tem um simples resfriado que tomar uma droga pesada, pode  sofrer desnecessários efeitos colaterais, inclusive com prejuízo à saúde.

 

Assim, por exemplo, se o ato infracional for de pequena gravidade,  será uma prova de incompetência e irresponsabilidade  aplicar ao adolescente infrator uma internação, a mais grave das medidas sócio-educativas,  que só pode ser adotada pelo magistrado quando se  tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves, ou pelo prazo máximo de três  meses ocorrendo descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (ECA - art. 122, incisos I, II e III), sendo vedada a aplicação da sanção de internação havendo outra medida adequada  ao caso concreto  (ECA - art. 122, § 2º).

 

A ADVERTÊNCIA, a mais branda das medidas sócio-educativas, que só pode ser aplicada se houver prova de materialidade e indícios  suficientes da autoria (ECA. Parágrafo Único do art. 114), consistindo na admoestação verbal, ao contrário do que alguns pensam, tem um efeito pedagógico relevante.

 

Para que isto ocorra é preciso que sejam adotados certos procedimentos, a começar pela realização de audiência formal, com a presença do Ministério Público e do defensor do adolescente, assim como de seus pais ou responsável, reduzindo a admoestação verbal a termo, com a assinatura dos presentes, inclusive, evidentemente, do adolescente.

 

É verdade que, segundo o ECA, sendo outra a medida aplicada ao adolescente infrator que não a internação e a semiliberdade, “a intimação far-se-á unicamente na pessoa do defensor” (ECA, art. 190, § 1º). Entretanto, se não ocorrer a audiência formal presidida pelo magistrado, não é de se desprezar a hipótese de que fica comprometido o efeito pedagógico do sancionamento através da Advertência.

 

Não pode vingar a assertiva de que aplicar Advertência a um adolescente infrator é pura bobagem, sem qualquer efeito prático o que é uma concepção equivocada. Há casos que só cabe mesmo a medida sócio-educativa da Advertência.

 

Em um caso cometido, uma adolescente de 12 anos foi processada por ter chamado uma colega de “farinha de feira”. Para uma  adolescente de certas regiões do Pará, ser chamada de “farinha de feira” pode ser ofensivo, porque,  no Pará, é costume  vender farinha nas feiras públicas, acomodadas em sacas que ficam expostos em barracas, sendo que as pessoas costumam passar pelas barracas, meter a mão nas sacas e sair provando a farinha para descobrir qual é a mais torrada e gostosa. Assim, chamar uma adolescente de “farinha de feira”  pode representar que todo mundo pega, mete a mão na menina e “come”, como ocorre  com a farinha da feira.

 

Em um outro, uma adolescente se sentiu ofendida por ter sido chamada de “Índia” que, no Pará, para algumas pessoas é  tratamento ofensivo, porque muitos consideram a índia uma pessoa preguiçosa, gorda, descabelada, suja, que anda sempre descalça, sem traquejo, o que aliás é uma injustiça para com nossas índias. Nestes casos só caberia mesmo, no máximo, uma Advertência.

 

Os penalistas  sabem da importância da sanção da Advertência, mesmo aplicada a adultos. Prova disto é que o Projeto de lei  em tramitação no Congresso Nacional que dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão ao tráfico e ao uso indevido de substâncias entorpecentes e drogas afins, dispõe sobre “medidas educativas” como sanções  aos infratores, dentre as quais elenca a Advertência.

 

Um outro aspecto que serve para neutralizar o argumento de alguns de que a ADVERTÊNCIA é “água com açúcar” para o adolescente infrator, sem força sancionatória e, consequentemente, desprovida de qualquer natureza educativa, é o fato de que em diversos países a admoestação é reconhecida como pena alternativa até mesmo para os adultos.

 

Portugal é um desses exemplos. O novo Código Penal daquele país, que entrou em vigor no direito comparado, em 01.01.l993 (Lei nº24, de 23.08.1982), avançou positivamente quanto às penas alternativas, chegando a dispor no art. 71, que o Tribunal  deve priorizar a pena não privativa de liberdade “sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinqüente e satisfaça às exigências de reprovação e a prevenção do crime”, sendo que no art. 59 prevê a ADMOESTAÇÃO, constituindo-se em uma censura solene, realizada em audiência pelo Tribunal, a indivíduos culpados de faltas leves, ou por serem delinqüentes primários ou por estarem impregnados de real sentimento de dignidade própria, não havendo necessidade de outra  pena mais grave.

 

Com efeito, dispõe o Código Penal Português que se a pessoa for julgada culpada pela prática de crime que corresponda à pena de prisão, com ou sem multa, que não ultrapasse a três meses, ou somente pena de multa até o mesmo limite,  pode o Tribunal optar pela aplicação de uma ADMOESTAÇÃO, objetivando a rápida recuperação do delinqüente, o dano tenha sido reparado e não exista necessidade de  penas  mais gravosas ao mesmo.

 

Da mesma forma o novo Código Penal Francês, que entrou em vigor no ano de 1993 traz, também, a ADMOESTAÇÃO, que se configura por uma declaração de culpa do infrator seguida de advertência ao mesmo, sendo que na Europa, este tipo de alternativa vem sendo adotada na maioria das legislações penais dos países.

 

Os países árabes reconhecem os efeitos negativos do aprisionamento do homem, não somente pelas conseqüências danosas ao mesmo em face do isolamento a que é submetido na cela, mas, sobremodo pela ineficácia na recuperação do mesmo, daí porque eles têm dado prevalência às alternativas à prisão adotando nas respectivas legislações penais, a repreensão ou advertência pública,  até mesmo para jovens infratores de 7 a 18 anos de idade, objetivando despertar, a atenção do infrator para que reflita sobre seu próprio ato e não mais repita a agressão à ordem pública, sendo que no Iraque, a advertência pública é  bastante utilizada. Nos Emirados Árabes e na Tunísia, a repreensão ou advertência somente é aplicada a menores de idade que tenham praticado atos infracionais leves.

 

Na Austrália, o Programa de Advertência ao Furto em Lojas, implantado em 1986 e levado a efeito  pela  Polícia daquele país, é uma das alternativas à prisão, que tem obtido resultados positivos, pois a própria polícia tem competência para advertir oficialmente pessoas apanhadas cometendo pequenos furtos em lojas, evitando, com isto, a instauração de processo criminal, o que só ocorrerá se houver a reincidência quando, então, o infrator será levado ao Tribunal, oportunidade em que os juizes podem aplicar a pena de advertência como punição aos acusados  de delitos leves. Neste caso,  a advertência pode ser aplicada sem qualquer exigência ao sentenciado, como também pode estar  acompanhada de uma série de  regras de comportamento, como ficar sujeito a uma supervisão oficial,  ou mesmo obrigá-lo a comparecer periodicamente ao Tribunal, durante determinado tempo, sendo que só será penalizado com sanções mais rígidas, inclusive  mandado  à prisão, se descumprir  as exigências que lhes foram impostas.

 

Na Costa  Rica , o Projeto de Lei de Reforma do Código Penal, apresentado ao Parlamento em 1993, traz como pena alternativa à prisão, a admoestação, que consiste em uma adequada e solene censura  oral, feita pessoalmente pelo magistrado em audiência pública.

 

Como se vê, em vários países considerados do primeiro mundo, desenvolvidos, a pena alternativa da advertência é adotada, inclusive para adultos. E não poderia ser diferente no Brasil, principalmente para adolescentes infratores, dada sua característica pedagógica conforme o ato infracional praticado.

 

É preciso não esquecer que, no Brasil, a sanção de ADVERTÊNCIA, prevista no Parágrafo Único do art. 114 e art. 115 do ECA, a exemplo das demais medidas sócio-educativas, pode ser aplicada isoladamente, ou de forma cumulada com outra ou outras medidas sócio-educativas, desde que compatíveis entre si;  bem como pode ser  substituída, a qualquer tempo, por outra (ECA, art. 113 c/c 99);  podendo, também, ser cumulada com  uma ou mais medidas protetivas, dentre as elencadas no art. 10l, I a VI);  executada, neste caso, pelo Conselho Tutelar da respectiva localidade ( ECA, ART. 136, VI), o que garante o efeito extremamente pedagógico da Advertência ao adolescente que praticou ato infracional leve.

 

A outra medida sócio-educativa de grande relevância para a reeducação do adolescente que tenha praticado ato infracional com reflexos patrimoniais é a OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO (ECA, art. 116 e seu Parágrafo Único), com a imposição ao mesmo por parte do Juiz da Infância e da Juventude, evidentemente,  após o devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa, a obrigação de restituir a coisa, promover o ressarcimento do dano ou, por outra qualquer forma, compensar o prejuízo da vítima;  possibilitada a troca da medida por outra adequada, caso o infrator não  tenha condições de cumprir a sentença.

 

A sanção de obrigação de reparar o dano existe em inúmeros países, como forma de substituição da pena de prisão, sendo a alternativa mais utilizada nos países da Europa, podendo, também ser encontrada em outros, dentre os quais os Estados Unidos.

 

É interessante observar que em vários casos é possível o pagamento a título de reparação do dano em prestação, inclusive de comum acordo com a vítima. No Brasil, a lei não veda esta providência de parcelamento.

 

Não é demais referir que uma das vantagens no caso de reparação do dano é que o valor pago pelo adolescente infrator não vai para o Estado, o que aconteceria se fosse simples multa, mas sim para a  vítima como forma de reparação do dano que ela sofreu, além de existir outras possibilidades para que a reparação  aconteça, como prevê o ECA, em seu art. 116:  “... restituição da coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima”, o que é extremamente pedagógico, inclusive para a vítima, especialmente se esta for comunicada pela escrivania do Cartório de Execução das Medidas Sócio-Educativas, sobre a decisão judicial que sentenciou o adolescente a reparar o dado, justamente porque possibilita que ele promova a execução da sentença.

 

A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE é igualmente, uma medida sócio-educativa reconhecida em todo o mundo como altamente educativa e, segundo o ECA, consiste “na realização de tarefas gratuitas de interesse geral por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”, as quais devem  obedecer as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas em jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência  à escola e ao trabalho.

 

Algumas considerações precisam ser feitas sobre  a execução  judicial e administrativa desta medida, com advertência de que se não forem cumpridas corretamente certos procedimentos básicos, o  cumprimento da sanção pode se constituir em um ato de violência contra o adolescente  sentenciado, inclusive com graves violações de seus direitos humanos, perdendo, consequentemente, o caráter pedagógico que toda medida sócio-educativa deve estar revestida.

 

Em primeiro lugar é preciso  notar que a lei fala claramente em serviços “à comunidade” e não para a Entidade.

 

O magistrado, como responsável pela execução judicial, deve estar bem atento para que o adolescente não seja obrigado a fazer atividades insalubres, perigosas, aviltantes, pesadas, enfim com ameaça ou risco efetivo à sua saúde física, mental ou psicológica.

 

O órgão do Estado ou Prefeitura incumbido da execução administrativa, deve estar vigilante para que tal não aconteça, informando ao Juiz em caráter de urgência, mesmo sem esperar pelo momento do relatório mensal, qualquer suspeita ou confirmação de situações perigosas e constrangedoras ao adolescente. Conforme a gravidade da situação deve, inclusive, agir diretamente, com rapidez e eficiência para que cesse, de imediato, a ameaça ou violação dos direitos do adolescente, sem prejuízo da respectiva responsabilização penal do agente.

 

É verdade que o texto do art. 117 do ECA fala da possibilidade do adolescente cumprir a sanção em “hospitais... e outros estabelecimentos congêneres”, mas é preciso chamar atenção para o fato de que pode ser extremamente perigoso deixar um adolescente cumprindo esta medida em um hospital ou congênere como, por exemplo, pronto-socorro e postos de saúde, justamente pelos grandes riscos de que o mesmo possa contrair algum tipo de vírus ou enfermidade em contato com pessoas enfermas.

 

Mesmo com a existência de convênios entre o Poder Judiciário, o órgão de execução administrativa e as entidades que recebem adolescentes para cumprimento de PSC, é vital que a vigilância seja constante para que os sentenciados não sejam obrigados a realizar atividades impróprias, perigosas e insalubres.

 

Infelizmente, na mente de muitos a idéia da crueza para recuperar o infrator ainda é a tônica, daí porque os adolescentes eram obrigados à realizar estas atividades, burlando a fiscalização, para serem submetidos a trabalho sujo, pesado e perigoso, justamente aqueles que  os funcionários se recusavam a realizar.

 

Não é seguro para a saúde do adolescente que cumpre PSC ficar em hospital, posto de saúde, pronto socorro, etc.  É ideal que o cumprimento da medida sócio-educativa de Prestação de Serviço à Comunidade ocorra em ambientes saudáveis, como por exemplo, em atividades na área do meio ambiente, como bosque e museu,  onde possam manipular flores, plantas,  peixes e outros pequenos animais, além de receberem noções sobre meio ambiente.

 

Assim, caso a execução administrativa e a judicial sejam bem feitas, com atenção redobrada para que o adolescente sentenciado não seja usado  para trabalho forçado, com a existência de bons convênios, acompanhamento competente de quem tem o dever para a execução administrativa, bem como com a execução judicial, adotando posturas céleres e competentes no acompanhamento do sentenciado, a medida sócio-educativa de PSC tem tudo para ser extremamente educativa ao infrator.

 

Para ter o caráter pedagógico, a execução administrativa e a judicial do cumprimento da PSC, não pode se limitar a verificar se o adolescente sentenciado está comparecendo pontualmente à Entidade para prestar serviço à comunidade, mas sim, deve  haver atenção para outros aspectos como matricula, freqüência e aproveitamento escolar, a qualificação profissional, lazer, esporte, atividades solidárias na comunidade, relacionamento com a família e amigos e tudo o mais que se fizer necessário para avaliação dos progressos ou regressões do adolescente, que é um ser que deve ser sempre atendido com atenção redobrada e integral quanto aos aspectos bio-psico-social, ou seja, no seu aspecto holístico.

Também é importante ressaltar que a Prestação de Serviço à Comunidade não pode ser confundida com qualificação profissional.  Consequentemente, os  momentos de atividades têm de ser diferentes.  Se assim não for corre-se o risco do adolescente infrator ficar impregnado da sensação equivocada de que está recebendo um prêmio pela prática do ato infracional  representado por um curso de qualificação profissional que, se não estivesse em conflito com a lei penal dificilmente conseguiria  cursar.

 

Por outro lado, como em qualquer outra medida sócio-educativa o trabalho com a família do adolescente sentenciado é fundamental para o sucesso pedagógico do cumprimento da sanção que lhe foi imposta.

 

Portanto, perderá o caráter pedagógico se a crueza estiver presente nas atividades a que for submetido o adolescente julgado a cumprir a PSC. Daí porque, o magistrado ao aplicar ao adolescente a medida sócio-educativa de Prestação de Serviço à Comunidade, deve deixar expresso, na sentença, o tipo de atividade que o adolescente irá realizar, pois é muito perigoso, além de ilegal, deixar esta decisão para o chefe ou encarregado da  entidade.

 

Se o responsável pela Entidade onde o adolescente for cumprir a PSC for uma pessoa serena, tranqüila, justa, lógica, competente, dificilmente haverá problema. Caso contrário pode arrebentar o adolescente – física e psicologicamente -, com posturas violentas contra o mesmo, inclusive de desrespeito a seus direitos humanos e como pessoa em processo de desenvolvimento bio-psico-social.  Existe profissional despreparado que, sem regras e freios preestabelecidos pelo magistrado ou pelo convênio, pode descarregar todas as suas inclinações e concepções equivocadas e violentas no adolescente que está cumprindo a PSC  na repartição ou setor que dirige.  Aliás, este é mais um motivo pelo qual no convênio, o tipo de atividade a ser desempenhada pelo adolescente sentenciado deve estar expressa de forma detalhada e bem clara, com as respectivas sanções ao servidor se ocorrer o  descumprimento do que foi conveniado entre a Entidade e o Juizado da Infância e da Juventude; ou qualquer outro que esteja promovendo a celebração do convênio.

 

Não é igualmente pedagógico obrigar o adolescente infrator usar durante o cumprimento da PSC, como acontece em alguns países, camisas com inscrições de que está cumprindo a sanção, ou roupas que o identifiquem como  infrator.

 

Da mesma forma é inconcebível e sem qualquer revestimento de atitude pedagógica criar  carteira de identificação do infrator, e muito menos expedir ao adolescente carteira atestando que cumpriu corretamente sua medida sócio-educativa.  Em face da lei, a identidade de qualquer pessoa, infratora ou não, é sua carteira de identidade expedida pela Secretaria de Segurança Pública, CPF, Carteira Profissional e demais documentos previstos na legislação.

 

É fundamental, também, que as atividades a serem  desenvolvidas pelo adolescente que esteja sentenciado a cumprir a medida sócio-educativa de Prestação de Serviços à Comunidade não o coloque em ridículo, não seja motivo de chacota, de expiação e curiosidade pública, como alguns exemplos mostram.  A Prova da Vergonha que os  Estados Unidos passaram a adotar, como pena alternativa a jovens delinqüentes, não nos interessa, justamente pelos seus efeitos nocivos à personalidade e ao desenvolvimento do adolescente.

 

Assim, a decisão do magistrado que determinar, na sentença, que o adolescente, como Prestação de Serviço à Comunidade, deva varrer a porta da igreja do seu bairro, no horário que as pessoas estão saindo da missa, inclusive seus familiares, sua namorada e amigos, é absolutamente um contra senso, uma postura de irresponsabilidade, de crueza e uma atitude altamente anti-pedagógica ao adolescente infrator, com a possibilidade de que o mesmo fique para o resto de sua vida traumatizado, desesperançado e até mesmo muito mais violento com o desejo de vingança contra as pessoas pela humilhação sofrida.

 

Da mesma forma, o Juiz da Infância e da Juventude que determine como Prestação de Serviço à Comunidade ao adolescente, que ele rodeie o prédio do Fórum, oito horas por semana , durante os seis meses, com palitinhos de fósforos, para a gargalhada de todos os funcionários do Fórum e passantes, e logo depois que o mesmo adolescente retire os palitinhos para nova rodada, é uma cretinice e uma prova de incompetência que não comporta qualquer justificativa.  Neste caso, quem precisaria de uma sanção seria o próprio magistrado, inclusive interdição, pela maluquice praticada em nome da Justiça.

 

Segundo o ECA, somente no caso de internação e semiliberdade, é exigida a intimação da sentença ao adolescente e ao seu defensor, sendo que, se o adolescente não for encontrado, está autorizada a intimação da sentença a seus pais ou responsável, sem prejuízo do defensor (ECA, art. 190, I, II ).

 

Sendo outra a medida sócio-educativa aplicada (Advertência, Reparação do Dano, Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade), expressa o ECA, que a intimação da sentença far-se-á unicamente na pessoa do defensor  (ECA, art. 190, § 1º).

Entretanto, o magistrado deve ter em mente que é extremamente pedagógico ao adolescente, que em toda e qualquer medida sócio-educativa, - e não apenas na internação e semiliberdade - ele seja intimado a comparecer em Juízo para que o próprio Juiz da Infância e da Juventude diga de viva voz a ele sua decisão e os elementos de convicção de seu julgamento. Isto em audiência formal, no Juizado da Infância e da Juventude, com a presença de seu defensor, do Ministério Público e de sua família, fazendo o magistrado, as observações e advertências de praxe e até mesmo desejando sucesso ao adolescente no cumprimento da sanção que lhe foi imposta, além de colocar-se à disposição para qualquer esclarecimento ou denúncia de algum problema que ocorra no decorrer do cumprimento. É importante que o adolescente sinta o interesse do Juiz na sua mais rápida reinserção social e familiar e que evite a reincidência.  E até mesmo perceba que o magistrado está torcendo por seu sucesso no cumprimento da sanção a que foi sentenciado.

 

É, igualmente, de grande efeito educativo o cumprimento do disposto no  Parágrafo  2º do art. 190 do ECA, no sentido de que “Recaindo a intimação na pessoa do adolescente, deverá este manifestar se deseja ou não recorrer da sentença”. 

 

Da mesma forma, o momento do desligamento de qualquer medida sócio-educativa, mesmo o ECA não prevendo, deve ser um ato solene, em audiência realizada no Juizado da Infância e da Juventude, com a presença do defensor, do Ministério Público,  dos familiares do adolescente e dos técnicos sociais do órgão responsável pela execução administrativa, bem como do Juizado, prolatando, o Juiz, o despacho de enceramento do processo em sua própria presença e de sua família, não esquecendo, o magistrado, de uma atitude simples, mas de grande efeito positivo: a congratulação pelo cumprimento correto da medida que lhe foi imposta.

 

A  LIBERDADE ASSISTIDA,  é uma medida sócio-educativa prevista no ECA (arts.118 e 119), que deve ser aplicada quando se  configurar a mais adequada, a fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

 

Este tipo de sanção existe em inúmeros países, aplicável tanto para adulto como para jovem. É a chamada probation, com as características próprias de cada sistema legal, conforme analisaremos em trabalho que estamos concluindo sobre o assunto.

 

A  LA , como é conhecida a Liberdade Assistida em sua forma abreviada, é qualificada por alguns de “medida-mãe” dentre as medidas sócio-educativas elencadas no  ECA.

 

Não é correta esta colocação. Não porque a LA não seja uma “medida-mãe”, mas porque não se pode desqualificar as demais sanções previstas no ECA, também como “medidas -mãe”. Pensar o contrário é desmerecê-las  como sócio-educativas

 

Na verdade, cada caso é um caso, e a medida sócio-educativa deve ser aplicada levando em conta não somente a capacidade do adolescente cumpri-la, mas também as circunstâncias e a gravidade da infração (ECA, art. 112, § 1º ).  Assim, por exemplo, se o ato infracional é cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, especialmente se há reiterado cometimento de outras infrações graves, a “medida-mãe” não pode ser a Liberdade Assistida, mas a Internação ou a Semiliberdade. Por outro lado, se o ato infracional praticado não for grave, não se justifica a privação de liberdade, mas uma medida sócio-educativa em regime aberto, que pode ser a Liberdade Assistida, que no caso, ai sim, é a “medida-mãe”.

 

Uma das grandes vantagens da Liberdade Assistida é que não objetiva controlar, mas transformar o comportamento do adolescente, com o acompanhamento do orientador que pode ser um profissional da Entidade  governamental de atendimento ao infrator.

 

O Orientador pode ser, também, pessoa da comunidade, designada pelo magistrado na sentença, desde que esteja capacitada para acompanhar o caso (ECA, art. 118, § 1º ), a  fim de que sua ação no acompanhamento e orientação do adolescente seja competente, eficaz e sem risco de qualquer atitude de violência contra o mesmo, com total respeito à legislação pertinente e aos direitos humanos. Esta é a hipótese da Liberdade Assistida executada pela comunidade que, no Pará, funciona muito bem, inclusive a executada pela comunidade universitária (Universidade da Amazônia - UNAMA e Universidade do Estado do Pará -UEPA).

 

É importante observar que o ECA ordena que o Juiz “designará pessoa capacitada”, o que significa dizer que, na sentença o magistrado já deve vincular o orientador ao adolescente, seja a LA executada pela  Entidade governamental, seja pela comunidade.

 

A Liberdade Assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra sanção dentre as previstas no ECA,  sendo obrigatória, neste caso, a oitiva do orientador, do Ministério Público e do defensor.

 

Em caso de descumprimento da medida de LA, - como qualquer outra, não privativa de liberdade - o magistrado nunca deve pura e simplesmente decretar a substituição da medida  ou convertê-la para uma mais gravosa, no caso a internação e semiliberdade, sem ouvir o adolescente, porque, pode acontecer que ele não esteja cumprindo por motivos alheios à sua vontade. Por exemplo, em muitos casos, ele não possui sequer o vale transporte. Em outros, está doente (até mesmo baleado), a gangue rival não o deixa passar e outros motivos que se constatam no quotidiano de um Juizado. Daí porque a audiência de advertência se impõe.

 

A propósito, o ECA dispõe que uma das possibilidades de decretar a internação é ocorrendo “o descumprimento reiterado e injustificável da media anteriormente imposta” (ECA, art. 122, III), o que leva à conclusão de que o adolescente tem o direito de ser chamado perante o Juiz para justificar-se, ou não, em face do descumprimento. Assim, a conversão não é automática.  A lei exige uma audiência onde o adolescente  tenha a oportunidade de se explicar. Além disto, esta providência tem um potente efeito pedagógico, da mesma forma como ocorre com a intimação da sentença feita pessoalmente pelo Juiz ao adolescente sentenciado, em audiência formal, com a presença do Ministério Público, do defensor, e dos pais ou responsável, com a respectiva observação ao adolescente, nessa mesma ocasião, de que tem o direito de recorrer da sentença, devendo manifestar-se se deseja ou não adotar a postura recursal, como dispõe o § 2º do art. 190 do ECA.

 

O ESTATUTO elenca no art. 119, as atribuições do orientador, que devem ser exercidas  com o apoio e a supervisão da autoridade competente, mas, é importante observar que a relação contida nos incisos deste artigo é apenas exemplificativa e não exaustiva, uma vez que o texto deixa bem claro a incumbência do orientador com os encargos ali enumerados  “dentre outros”. Entretanto, isto não implica dizer que o orientador possa ter atitudes, tomar decisões e realizar encaminhamentos em relação ao adolescente equivocados, violentos, ilógicos e que ameacem ou violem seus direitos, por ação ou omissão, porque, então, quem está precisando de orientação, auxílio e acompanhamento é o próprio orientador, quando então, ele deve ser substituído ou reciclado.

 

Um dos casos típicos de orientador da comunidade  desinformado ocorreu com um que  deixou expresso no relatório que o adolescente precisava ser internado, em conversão de medida, porque estava acordando tarde,  todos os dias;  ignorando, entretanto, seus avanços de retornar à escola, freqüentar curso de qualificação profissional, sair da gangue e abandonar  o consumo de bebida alcoólica.  Além do mais ele não estava preparado para saber que todo adolescente gosta de dormir até mais tarde, motivo pelo qual pesquisas americanas estão  concluindo que os alunos que estudam pela parte vespertina conseguem as melhores  avaliações.

 

Os relatórios dos orientadores da comunidade não precisam ser datilografados ou digitados. Podem ser escritos do próprio punho, sendo importante, apenas o conteúdo, para  uma perfeita avaliação do adolescente.  Deve, também, anexar cópia dos boletins escolares e fazer referência às atividades esportivas, lazer e espiritualidade do adolescente, além de sua participação na comunidade, dentre outras observações que possam levar o magistrado e sua equipe técnica a realizar uma execução judicial com competência.

 

A perfeita simbiose das ações do orientador com os professores, diretoria e orientação educacional da escola sobre o adolescente são de fundamental importância, tendo-se o cuidado para que a condição de infrator não seja difundida na escola.

 

O regime de SEMILIBERDADE é, igualmente uma medida sócio-educativa eficaz, desde que tomadas certas cautelas para que sua execução seja competente, inclusive no que se refere à escolarização e qualificação profissional, utilizando-se preferencialmente os recursos existentes na comunidade, como deve ocorrer com as demais medidas sócio-educativas.

 

Por último, a INTERNAÇÃO.  A mais grave medida sócio-educativa de privação de liberdade, que deve obedecer os princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, e que somente deve ser aplicada quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves, havendo, também, a possibilidade de ser decretada se houver descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta, sendo que neste caso não poderá  ultrapassar a três meses. (ECA, art. 122, I, II, III)

A gravidade  e os efeitos de  uma internação na pessoa de um adolescente que está em processo de desenvolvimento bio-psico-social e espiritual exige do magistrado, atenção e sensibilidade redobrada não somente no momento de optar por esta medida máxima, mas também na fase da execução judicial. Da mesma forma, a entidade de atendimento na execução administrativa da sanção.

 

Assim como ocorre nas demais medidas sócio-educativas, constitui-se em potente vetor pedagógico que o adolescente tome ciência da sentença que decidiu por sua privação de liberdade, em audiência formal e solene, no Juizado da Infância e da Juventude, com a presença do magistrado, do Promotor de Justiça, do defensor e de seus pais, oportunidade em que o Juiz deve explanar de forma mais simples possível os fundamentos de sua decisão, explicando ao sentenciado como se convenceu da necessidade de aplicar a sanção de internação. Deve também permitir que o adolescente indague sobre as dúvidas que tiver não somente no que se refere à sentença mas sobre a execução. Este é o momento em que a interpretação da medida se impõe, podendo o Juiz, inclusive, se valer de técnicos sociais do Juizado para tal atividade de informação e orientação.

 

O ECA dispõe que a intimação da sentença que aplicar medida de internação ou de semiliberdade deve ser feita, obrigatoriamente, ao próprio adolescente e ao seu defensor (ECA, art. 190, I ); e, quando o sentenciado não for encontrado, a intimação deve ser feita a seus pais ou responsável, sem prejuízo do defensor (ECA, art. 190, II). Não é correto proceder a intimação da sentença de internação ao adolescente pela escrivania, em cartório, mas sim em audiência formal e solene.

 

É também de grande efeito pedagógico que seja dada oportunidade ao adolescente para se manifestar se deseja ou não recorrer da sentença como manda proceder o ECA (§ 2º do art. 190). Caso seja vontade do adolescente recorrer da sentença o magistrado deve encaminha-lo, assim como sua família, à assistência judiciária ou a um dos serviços de prática jurídica das universidades que possuam curso de direito para a proposição do recurso em favor do adolescente; caso o mesmo não possua recursos financeiros para contratar um advogado particular.

 

É preciso ressaltar que a manifestação do adolescente sentenciado deve ser colhida em audiência formal, no mesmo momento e com as mesmas autoridades que participam do ato judicial da intimação da sentença, sendo obrigatório ficar expresso no respectivo Termo sua manifestação de vontade.

 

É importante também que o magistrado faça ver ao adolescente sentenciado de que esta sua ação de recorrer não é um ato contra a pessoa do Juiz, mas sim uma correta atitude de sua parte na luta por seus direitos e, por esse motivo, não deve ficar temeroso em tomar a iniciativa acreditando que vai contrariar ou aborrecer o magistrado, justamente porque este operador do direito, em geral, tem sólida formação jurídica e entenderá perfeitamente este tipo de ação do adolescente. Aliás isto significa que o adolescente tem a perfeita consciência de que é sujeito de direitos, mesmo sentenciado a cumprir medida sócio-educativa de internação.

 

Recebido o recurso, o Juiz deve estar atento para o disposto no ECA no sentido de que a apelação será recebida em seu efeito devolutivo, mas o magistrado deve ter a sensibilidade e a competência judicante para também conferir ao recurso o efeito suspensivo sempre que houver perigo de dano irreparável, ou de difícil reparação ao adolescente sentenciado (ECA, art. 198, VI).

 

Nessa audiência o magistrado deve explicar de forma simples ao adolescente não somente sobre sua convicção pessoal como julgador que decidiu pela internação, como também repassar ao mesmo a informação de que o Juiz não é seu inimigo nem tem a intenção de ser cruento ao optar pela internação, pois considerou a medida sócio-educativa mais apropriada para o caso concreto, diante da gravidade e das circunstâncias do ato infracional praticado, objetivando a reinserção social e familiar do adolescente infrator, evitando sua reincidência.

 

Nessa audiência o Juiz deve informar ao sentenciado que se encerra o processo de conhecimento mas que se inicia um outro que é o de execução judicial da medida sócio-educativa, sendo que nesse caso o Juiz estará sempre vigilante para o assegurar seus direitos durante o tempo em que estiver cumprindo a medida de internação, inclusive fazendo visitas mensais às casas de internação, realizando avaliações colegiadas e tornando efetivo o acesso à justiça com a possibilidade inclusive de correspondências em carta lacrada entre o adolescente, o magistrado, o Ministério Público e seu defensor. Deve também dizer ao sentenciado que o magistrado passará  a ter atenção redobrada para o correto e eficaz cumprimento de referida medida sócio-educativa, adotando ações e programas, no âmbito da execução judicial, para que o cumprimento da sanção seja um sucesso.

 

Existe uma Lei de Execução Penal aplicável a adulto sentenciado pela prática de crime. Essa lei, não obstante considerada de boa qualidade, ainda é descumprida na prática.

No caso do adolescente sentenciado pela prática de ato infracional não existe uma lei de execução das medidas sócio-educativas.

 

A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos provocou um debate nacional sobre a necessidade e a oportunidade da existência desta Lei de Execução, inclusive porque haviam denuncias de ocorrência de ameaça e violação dos direitos humanos dos adolescentes sentenciados ao cumprimento de medidas sócio-educativas, justamente pela inexistência dessa lei.

 

A partir daí vem ocorrendo debates sobre o assunto em todo o País, sendo que a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, no último Congresso Nacional da categoria ocorrido em Gramado-RS, em novembro de 1999, aprovou que é necessária e oportuna a existência de uma Lei de Execução das Medias Sócio-Educativas, tendo sido constituída uma comissão de juizes e promotores da infância  e da juventude para elaborar um esboço para ser apresentado ao debate de toda a sociedade brasileira.

 

A inexistência dessa lei tem provocado uma série de ameaças e violação dos direitos dos adolescentes sentenciados, inclusive com atitudes de extrema  violência, como por exemplo um adolescente ser punido com a proibição de jantar pelo fato de ter se recusado a ir para a escola em uma casa de internação; ou o caso do adolescente que fica na contenção por tempo indeterminado sem os devidos procedimentos legais utilizando, equivocadamente, o educador, como fundamento o art. 125 do ECA que dispõe “è dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”, dentre outras situações constrangedoras e de violência ocorridas na execução administrativa das medidas sócio-educativas.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que deve ser permitida a realização de atividades externas de adolescente que cumpre a sanção de internação, a critério da equipe técnica da entidade, salvo quando o Juiz, na sentença, determinar o contrário. Por falta de uma Lei de Execução das Medidas Sócio-Educativas existe até mesmo magistrado que alegando que o ECA não define o que sejam atividades externas deixa expresso na sentença de internação que todos os adolescentes ficam proibidos de qualquer atividade externa. Por outro lado existem distorções até mesmo no processo de avaliação periódica dos adolescentes que cumprem medida sócio-educativa. Há casos, inclusive, em que, não obstante o ECA disponha que “o prazo máximo e improrrogável para a conclusão do procedimento estando o adolescente internado provisoriamente, será de quarenta e cinco dias, ainda é possível encontrar operadores do direito que decidem prorrogar o prazo que o próprio texto da lei diz que é “máximo e improrrogável”.

 

Como se vê, os operadores do direito tem um papel fundamental na garantia dos direitos dos adolescentes que cumprem medida a fim de que a sanção aplicada não perca seu caráter sócio-educativo, não deixe de ser pedagógica, para que ocorra a mais rápida reinserção do adolescente na família e na comunidade e que o mesmo não volte a reincidir no ato infracional.

 

A  REMISSÃO, que não é uma medida sócio-educativa, - nem tem a natureza jurídica de perdão, como querem alguns - deve estar revestida, também, de natureza pedagógica, podendo ser aplicada mesmo sem o reconhecimento ou comprovação de responsabilidade, não prevalecendo para efeito de antecedente.

 

A remissão  pode incluir, eventualmente, a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, salvo a colocação em regime de semiliberdade e a internação, quando concedida  durante o procedimento judicial; havendo, igualmente a possibilidade de ser concedida pelo Ministério Público como forma de exclusão do processo, atendendo  às circunstâncias e consequências do  fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional, sujeita, nesse caso, à homologação judicial.

A sentença de remissão não faz coisa julgada material, só formal, justamente porque pode ser revista judicialmente, a qualquer tempo, ocorrendo pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.

 

Para que fique assegurado o caráter  educativo da remissão, é de vital importância que toda sentença de remissão seja proferida em audiência formal, na presença do Ministério Público, do defensor, do adolescente e de seus pais ou responsável, explicando, o magistrado, sobre o significado e  o por quê da remissão, bem como as conseqüências que podem advir para o caso de se fazer necessária a revisão judicial para a retomada do processo anteriormente suspenso.

 

Para que todo o sistema de responsabilização do adolescente infrator não perca o caráter educativo, é  fundamental que haja cuidado redobrado, exista competência e experiência não somente na dosimetria correta no que concerne à escolha apropriada da medida sócio-educativa, da opção  mais pedagógica ao caso concreto, bem como que a execução administrativa e a judicial, esta feita pelo Poder Judiciário, seja eficaz,  atenta, com rigoroso respeito à legislação pertinente, para  garantir a  célere e segura  reinserção social e familiar do adolescente infrator, evitando a reincidência. É necessário, igualmente, que os procedimentos policiais e judiciais sejam momentos de reflexão  para o adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional, constituindo-se em processo educativo ao mesmo, a começar pela postura e tratamento que deve dispensar às autoridades  encarregadas de presidir os respectivos atos.

 

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