DA IMPRESCINDIBILIDADE DA ACEITAÇÃO VOLUNTÁRIA DA MEDIDA DE PROTEÇÃO OU SÓCIO-EDUCATIVA

 

Ruth Duarte

 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente atribui ao Ministério Público, de forma exclusiva, a titularidade da ação sócio-educativa pública.

 

Em verdade, diante de cada caso concreto, incumbe ao Promotor de Justiça formar um juízo acerca da conveniência de deduzir qualquer pretensão, tendo em vista que o supracitado diploma legal, adotou o princípio da oportunidade, quando estabeleceu o instituto da remissão.

 

Destarte, antes de iniciado o procedimento formal, o Representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo-se às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior e menor participação no ato infracional, nos termos do contido no artigo 126, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

A legitimidade do Ministério Público é patente. Decerto, quisesse o legislador que as medidas sócio-educativas fossem aplicadas exclusivamente pelo juiz, não teria utilizado a expressão autoridade competente, mas empregaria a frase autoridade judiciária (artigo 112, da carta menorista).

 

A remissão constitui eficaz instrumento de proteção integral do adolescente, evitando-se a estigmatização decorrente do procedimento formal, que por não ser célere, não raras vezes, desatende aos interesses dos adolescentes.

 

Reforçando tal entendimento, transcrevo o seguinte posicionamento:

 

"o interesse de defesa social assume valor inferior àquele representado pelo custo, viabilidade e eficácia do processo”

(Paulo Afonso Garrido de Paula, in Direitos do infrator merecem respeito, O Estado de São Paulo de 24.04.91).

 

 

Portanto, a remissão possui o mérito de antecipar a execução da medida sócio-educativa, quando esta é cumulativa, sem necessidade de instauração de procedimento específico de apuração do ato infracional.

 

Forma-se um título executivo extrajudicial, passível de execução relativa a uma advertência, reparar um dano, prestar serviços à comunidade, participar de programa de auxílio, freqüentar estabelecimento de ensino, etc.

 

Assim, diante de uma contravenção ou infração leve atribuídas a adolescentes primários, os quais estão integrados à família e à sociedade, o Parquet, após a oitiva informal, poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, sujeitando-se, à homologação do juiz.

 

A propósito. A título de ilustração:

 

“A aplicação de medidas socio-educativas ao adolescente pela prática de ato infracional é da competência exclusiva do juiz”

(Súmula 108, do STJ).

 

 

Com efeito, o Ministério Público apenas faz a concessão da remissão cumulada com medida sócio-educativa não privativa de liberdade, conforme expressa determinação legal, cabendo a autoridade judiciária a efetiva aplicação na fase da execução.

 

A exclusão do processo e conseqüente baixa de praxe ocorrerá tão somente com o efetivo cumprimento da medida, motivo pelo qual o consenso do adolescente e de seus pais ou responsáveis é imprescindível.

 

Deste modo, as medidas resultantes da remissão não têm caráter repressivo, mas educativo.

 

Cabe destacar que mesmo nas hipóteses das remissões próprias, há o caráter pedagógico, posto que a orientação sempre está presente na concessão, bem como traz conseqüências jurídicas, como o impedimento de uma nova remissão.

 

Todavia, a remissão não implica o reconhecimento da culpabilidade ou vale como antecedentes, tendo em vista a ausência das garantidas fundamentais insculpidas na Carta de 1988.

 

Similarmente ao suso exposto, nos Juizados Especiais Criminais, dentro da nova política das tutelas constitucionais diferenciadas, estabeleceu-se a transação penal.

 

Desta feita, considerando que a remissão trata-se de um negócio bilateral, tanto na forma pura ou na cumulativa, como condição do não-processar, há a necessidade da presença do adolescente e de seus pais ou responsáveis legais.

 

Assim, vislumbrando o Representante do Ministério Público a possibilidade da concessão da remissão e, estando o adolescente em lugar incerto e não sabido, referida benesse legal afigura-se impossível juridicamente.

 

Com efeito, a ausência do exame do mérito pela autoridade judiciária somente é cabível com a aceitação voluntária da remissão, com ou sem a cumulação de medida de proteção ou sócio-educativa.

 

Se o Promotor de Justiça concedesse a remissão, verificando apenas os antecedentes do adolescente, referida medida representaria imposição, mas não ajuste.

 

Nesse diapasão, a Lei nº 9.099/90 destaca que quando o agente estiver em lugar incerto e não sabido, o procedimento deverá ser remetido ao Juízo Comum, tendo em vista que a jurisdição em tela pauta-se de consenso (jurisdição consensual) e, deste modo, institutos especificamente previstos restariam inaplicáveis.

 

De igual modo, em que pese o Estatuto da Criança e do Adolescente não estabeleça solução explícita à questão, haja vista a doutrina da proteção integral e a sistemática do instituto da remissão, o caminho mais acertado é o oferecimento da Representação, sendo que posteriormente, desde que cabível, a remissão poderá ser concedida pelo magistrado, como forma de suspender ou extinguir o processo.