ESTÁGIO: LEI 6.494/77 E DECRETO 87.497/82

 

 

                                                                                             Adélia Augusto Domingues

Procuradora do Trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região/ SP.

 

 

Sumário

O estágio de estudantes de nível superior deve estar inserido no currículo, tendo as instituições de ensino obrigação legal de acompanhamento pedagógico. O estagiário precisa exercer um aprendizado, caso contrário, a relação estabelecida é meramente de emprego e deverá ser regida pela CLT. A fraude às leis trabalhistas pode gerar a responsabilidade solidária do agente de integração, bem como configurar crime contra a organização do trabalho. 

 

 Temos nos deparado, atualmente, com um assustador número de casos de desvirtuamento de estágio de estudantes de nível superior, ou seja, a utilização por empresas  de trabalhadores, rotulados de estagiários que, na verdade, estão substituindo mão-de-obra, já que, na grande maioria dos casos, inexiste a correlação obrigatória entre o curso freqüentado e a atividade exercida.

 

O que se verifica é que essa fraude consegue ser perpetuada em razão da negligência das instituições de ensino no acompanhamento pedagógico do estágio de nível superior, aliás reclamado pela própria lei de estágio, somado com o descaso dos agentes de integração, que não se preocupam, realmente, em estabelecer o nexo de causalidade entre as funções inerentes à vaga oferecida pela empresa e o curso freqüentado pelo estudante que se oferece para preenchê-la.

 

As instituições de ensino superior, por sua vez, defendem-se alegando que só estariam obrigadas a proceder ao acompanhamento pedagógico no caso de estágios “curriculares”, e, conseqüentemente, estariam desobrigadas de fazê-lo nas hipóteses de estágios “extra curriculares”, muito embora participem formalmente destes, intervindo nos respectivos termos de compromisso, formalizados com fundamento na Lei 6.494 e seu regulamento.

 Ora, o estágio de nível superior previsto na Lei 6.494, regulamentada pelo Decreto 87.497, só pode ser entendido como aquele integrante do currículo universitário, em vista, inclusive, de sua finalidade que é formativa e não produtiva.

 

O estagiário, tido como tal de acordo com a lei específica, oferece sua força de trabalho à instituição cedente em troca, apenas, de aquisição de aprendizagem prática, relacionada, logicamente, ao curso teórico que freqüenta.

 

Em nenhum momento, o legislador fez referência ao tido “estágio extra-curricular”, razão pela qual a sua existência no plano fático constitui relação de emprego e não relação de estágio.

 

Vale dizer, o Decreto 87.497, regulamentador da Lei 6.494, apenas tratou do estágio curricular e não disciplinou qualquer outra relação jurídica, mesmo que de interesse social.

 

Se a instituição de ensino participa da formalização do estágio, firmando, inclusive, o Termo de Compromisso previsto na Lei 6.494 e no Decreto 87.497, com todos os requisitos por ela exigidos, está, certamente, participando de uma relação jurídica de estágio curricular, devendo, por isso, diligenciar para que todos os demais requisitos exigidos pelo legislador sejam também satisfeitos, dentre eles o acompanhamento pedagógico e, principalmente, a fiscalização dessa relação.

 

Lembre-se que o estágio curricular, “como procedimento didático-pedagógico, é atividade de competência da instituição de ensino a quem cabe a decisão sobre a matéria” (art. 3º do Decreto 87.497) e, também, é de sua competência a sua regulamentação, dispondo sobre a “sistemática de organização, orientação, supervisão e avaliação do estágio curricular” (letra “d” do art. 4º do Decreto 87.497).

 

Se a instituição de ensino cumprisse sua obrigação de fiscalização, certamente, não ocorreria o desvirtuamento do estágio.

 Em estudo a respeito do assunto, publicado na Revista LTR 60-05/635, a Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região-RS, Dra. Carmen Camino, expõe seu pensamento, com o qual, aliás, concordamos plenamente, no seguinte sentido:

 

 “O estágio profissional tem sido instrumento generalizado de fraude aos direitos sociais. Não raro encobre contratos de trabalho, não só pelo concurso doloso dos sujeitos-cedentes que nada mais querem do que contar com a força do trabalho sem os ônus sociais, como pela negligência das instituições de ensino que se limitam a cumprir os requisitos formais, sem se preocuparem com o acompanhamento pedagógico, equiparando-as a meras intermediadoras de mão-de-obra.

 

Temos sustentado, com fundamento do art. 1518 do Código Civil, a possibilidade de responsabilização solidária da escola e do sujeito-cedente quando demonstrado o conluio para a exploração pura e simples da força de trabalho do estudante. A fraude às normas tutelares constituem o ilícito trabalhista, agasalhado no art. 9º da CLT, daí a possibilidade de responsabilização solidária de ambos os agentes que, em concurso, ensejam o prejuízo do trabalhador, travestido de “estagiário”. Tal responsabilidade pode se estender, inclusive, ao agente de integração, se provado que este também concorreu para a ilicitude.

 

Assim, nos casos em que a instituição de ensino e o agente de integração, a par de, sob o ponto de vista formal, valerem-se da Lei 6.494 e do Decreto 87.497, mas considerarem o estágio “extra-curricular”, eles estariam agindo como intermediadores de mão-de-obra, já que os estudantes, rotulados de estagiários, são empregados e, em razão disso, estariam sendo  afastados dos mesmos direitos trabalhistas irrenunciáveis.

 

Essa atitude, além de ferir a ordem jurídica trabalhista, poderia caracterizar crime contra a organização do trabalho, já que estariam sendo frustrados, mediante fraude, direitos assegurados pela legislação trabalhista (art. 203 do Código Penal).

 

É necessário, pois, que as instituições de ensino assumam o seu verdadeiro papel nessa relação que, aliás, deve ser incentivada e preservada, já que todos sabemos da importância do estágio no desenvolvimento pedagógico do estudante, o qual será o profissional de amanhã.