UMA REGRESSÃO DO (NO) ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)
Mario Romera
Procurador de Justiça no Rio Grande do Sul.
1 - Introdução. 2 - Remissão.
3 - Acordo de vontades na remissão. 4 - Regressão.
5 - As medidas sócio-educativas. 6 - As medidas
de privação de liberdade em sede de remissão. 7 - A remissão
segundo as Regras de Beijing. 8 - Conclusão.
Um assunto trazido à discussão no Conselho de Procuradores e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude – CONPPIJ, da Procuradoria-Geral de Justiça, foi o da possibilidade da aplicação de medida (sócio-educativa ou protetiva) mais gravosa, em face de descumprimento de medida sócio-educativa acordada em sede de remissão. A essa decisão de troca tem sido dado o nome de regressão.
Explicitando o caso, de forma mais clara, seria a imposição de medida sócio-educativa mais drástica, inclusive a de internação, por força do inciso III Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I...
II...
III. por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. , do art. 122, do ECA, quando o adolescente não cumpre medida, mesmo sem privação de liberdade, oriunda de remissão concedida, ministerial ou judicialmente.
O ECA estabelece no Art. 126: Antes
de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional,
o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de
exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao
contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor
participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da
remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do
processo.
Art. 127. A remissão
não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da
responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir
eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a
colocação em regime de semiliberdade e a internação.
Esse instituto/benefício da remissão, ministerial ou judicial, atua, no primeiro caso, como forma de exclusão do processo, e no segundo, como forma ou de suspensão ou de extinção do processo.
A remissão pode ser pura e simples, sem aplicação de qualquer medida, ou condicionada, quando acompanhada de uma ou mais medidas previstas em lei, o que deve ser entendido por aquelas do art. 112, incisos de I a VII, chamadas de medidas sócio-educativas e, em face do disposto neste último inciso, as medidas protetivas dos incisos I a VI, do art. 101. Ressalte-se, aqui, que é despicienda a discussão, sobre a aplicação ou não da Súmula n.º 108 A aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é de competência exclusiva do juiz., do STJ, que afirma que as medidas somente podem ser aplicadas pelo Magistrado, excluindo a possibilidade de ser atribuição ministerial. É clara, outrossim, a previsão legal de que a remissão concedida não implica em reconhecimento ou comprovação da responsabilidade do adolescente e não prevalece para efeitos de antecedentes.
Por fim, as medidas aplicadas, por concessão de remissão, poderão ser objeto de recurso judicial, sem prazo para tal, das partes: adolescente ou de seu representante legal ou Ministério Público, segundo o Art. 128. A medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público. Porém, neste caso, se ocorrer a substituição, somente será por outra, desde que não seja uma das privativas de liberdade.
3. Acordo de vontades na remissão
A remissão, como forma de perdão ou diminuição de rigor no
agir contra o adolescente autor de ato infracional,
não pode ser vista como fato punitivo, por si só. O caráter terapêutico não
pode ser afastado. Por isso, o Estado, por seus órgãos, ameniza a situação,
levando em conta a vontade do adolescente, que compõe, com o acerto de uma
medida, ou não, que será satisfatória para o caso concreto, no entender das
partes. O Estado-Juiz participa do ato com a sua homologação e a execução da
medida acertada, se houver.
O fato de o adolescente não cumprir com sua parte no acordo, não gera o direito
de o Estado, infringindo a norma expressa, alterar o acordo unilateralmente, o
que é ilegalidade ou abusividade.
O Estado não pode querer vingar-se do adolescente, com imposição de medida privativa de liberdade, que não é permitida na concessão de remissão, porque ele desrespeitou o avençado. Sua posição de pessoa em desenvolvimento demonstra a sua incapacidade para o ato de vontade, segundo, inclusive, a lei civil.
Outra solução pode ser aventada, que não é objeto deste trabalho, porém a imposição de medida de privação de liberdade, por descumprimento de outra acordada, portanto, aceita, não é correta doutrinária e legalmente, visto que o princípio da proteção integral está sendo descumprido integralmente, com a figura penal da regressão.
Ato ou efeito ou efeito de regressar, de voltar, retorno (ao lugar donde se partiu), regresso (Novo Dicionário Aurélio); Retornar a um estado anterior, voltar ao ponto de partida (Dicionário Houaiss da língua portuguesa)
O ECA nada regra sobre a aplicação do Direito Penal ou Processual Penal, ou mesmo da Lei de Execução Penal, no tocante à apuração de ato infracional atribuído a adolescente e execução de medida aplicada, seja em razão de procedimento específico, instaurado a partir de representação ministerial, seja em face de remissão concedida, visto que a matéria, aplicação e execução de medidas, foi normatizada suficientemente no Estatuto. Ressalte-se, porém, que nada impede que lei nova venha regrar sobre o assunto, o que desfiguraria o atual sistema do Estatuto, com retorno ao sistema penal vigente, no tocante ao imputável.
O diploma atual menorista, palavra que abrange, sem preconceito, pessoas desde o nascimento até os 18 anos de idade incompletos, apenas traz um possível suprimento de lacuna, quanto ao procedimento previsto, porém, claramente, de forma subsidiária e restrita às normas gerais previstas na legislação processual vigente.
Art. 152. Aos procedimentos regulados nesta Lei
aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual
pertinente.
É de ser lembrado, ainda, que o legislador do ECA, quando quis a aplicação desses instrumentos legais, de forma expressa o fez, como no art. 226, ao tratar dos crimes em que criança e adolescente, em termos gerais, direta ou indiretamente, são vítimas de atos cometidos por imputáveis.
Art. 226. Aplicam-se aos crimes definidos nesta Lei as
normas da Parte Geral do Código Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao
Código de Processo Penal.
Nesse enfoque, criança e adolescente não são autores de ato infracional, ocupando, tão-somente a posição de ofendidos.
E a regressão onde está prevista?
O instituto, que é de direito material, está inserido, como adequado, no Direito Penal, segundo o Código Penal, em seu Título V – Das Penas (art. 32 e seguintes), ao tratar das penas e suas espécies CP, art. 32. As penas são:
I- privativas de liberdade;
II- restritivas de direitos;
III- de multa, e no tocante às penas privativas de liberdade:
Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em
regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime
fechado....
§2º As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso.
E, seus regimes de cumprimento (fechado, semi-aberto e aberto) CP, art. 33.
...
§ 1º. Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média; b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado. (grifado).
Regime de cumprimento de pena, para o Direito Penal é o regime inicial da execução da pena privativa de liberdade estabelecido na sentença, segundo leciona Mirabete[1], segundo adequação ao Código Penal e à Lei de Execução Penal. Deve ser dito que tal sistema de execução em três regimes de cumprimento de pena adentrou no direito penal pela Lei n.º 6 416, de 1977, reformando o Código Penal existente.
Desta forma, no tocante à troca de regimes de cumprimento de penas privativas de liberdade, de reclusão ou detenção, surgem a progressão e, ao contrário, a regressão. Constitui-se esta na transferência do condenado para qualquer dos regimes mais rigorosos, segundo MIRABETE[2]. A primeira surge como a troca de regime de cumprimento de pena mais rigoroso para mais brando (fechado - semi-aberto, semi-aberto -aberto), enquanto que a segunda trata do contrário: troca de regime de cumprimento de pena privativa de liberdade – do mais brando para o mais rigoroso (aberto - semi-aberto, semi-aberto - fechado) (grifado). Assim, a pena é a mesma, porém há a mudança de regime de seu cumprimento.
Regressão é a transferência do condenado de um regime para outro.[3]
A lei penal não regra sobre este instituto nos demais sistemas de penas: restritivas de direitos e de multa. Para as primeiras, como substitutivas das privativas de liberdade, pode ocorrer, nos termos da lei, a conversão nas originárias – ex.: privativa de liberdade substituída por restritiva de direitos e esta convertida na originária (privativa de liberdade). Para a de multa, hoje não há mais conversão, existindo somente a execução da dívida de valor CP, art. 51.
Pode-se concluir que a regressão, objeto do direito material – penal, regra sobre a execução de penas privativas de liberdade e seus regimes de cumprimento e as migrações do condenado nesse regimes, segundo seus méritos. Desta maneira, somente uma medida privativa de liberdade, no caso uma pena privativa de liberdade, pode gerar a regressão ao condenado, fazendo trocar de regime de cumprimento dessa pena.
A Lei de Execução Penal disciplina a questão da regressão no art. 105 e seguintes, assegurando a oitiva prévia do condenado (art. 118, § 2º).
Art. 118
…
§ 2º. Nas hipóteses do inciso I (praticar crime doloso ou falta grave) e do parágrafo anterior (frustrar os fins da execução), deverá ser ouvido previamente o condenado.
Acórdãos têm tomado posição clara e definida de que a regressão cautelar é inviável[4], ou seja, sem o devido processo legal, com presença do contraditório.
Donde se conclui que regressão sem o devido processo legal, com o contraditório e ampla defesa assegurado, é ato que atenta até direito fundamental.
5. As medidas sócio-educativas
O ECA trata de um sistema variado de medidas aplicáveis ao adolescente autor de ato infracional – desde a simples advertência até a internação. No exemplo anterior, inexiste uma pena somente, como no Direito Penal – privativa de liberdade (reclusão ou detenção), podendo variar a sua execução segundo o regime de cumprimento dessa pena. No Direito da Infância e da Juventude, as penas são múltiplas devendo ser executadas individualmente, muito embora possam ser cumuladas. A troca de uma medida sócio-educativa por outra se trata de uma substituição e não de regressão, que trata de pena e seu regime de cumprimento.
O Estatuto expressamente regra sobre a substituição de medida.
Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão
ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como
substituídas a qualquer tempo.
Art. 113. Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100.
(pena do Direito Penal, para comparação, simplesmente) e não sobre regressão, que é a manutenção de uma medida e a variação por regime de execução dessa medida, pois inexistem esses regimes de cumprimento de medida sócio-educativa.
Desta forma, a troca de medidas, e não a manutenção da mesma medida com regime de cumprimento diferente, é nomeada de substituição de medida, pela legislação estatutária, o que é literal e conceitualmente diferente de regressão (grifado).
Em matéria penal essa substituição recebe o nome de conversão, que implica na alteração de uma pena para outra (a detenção, não superior a dois anos, pode ser convertida em prestação de serviços à comunidade, a limitação de fim de semana pode ser convertida em detenção). "A conversão, isto é, a alternatividade de uma pena por outra no curso da execução, poderá ser favorável ou prejudicial ao condenado", afirma BENETI[5]. Para a conversão, é necessário o cumprimento do devido processo legal, com o oferecimento da possibilidade de defesa ao sentenciado[6].
6. As medidas
de privação de liberdade em sede de remissão
A remissão, ao ser concedida, ministerial ou judicialmente, pode estar condicionada a uma medida sócio-educativa e a seu cumprimento. O Estatuto veda, expressamente, a aplicação de medida que implique em privação de liberdade – colocação em regime de semiliberdade e internação. Essa restrição é reiterada no art. 114, do ECA.
Por outro lado, a remissão é ato consensual, bi-lateral, e não imposto ao adolescente, unilateral, portanto. Ou seja, o adolescente deve anuir com a condição, que é a aplicação de uma ou mais medidas sócio-educativas, com vistas ao seu cumprimento, de uma ou mais, porém de determinadas medidas, com exclusão de qualquer uma que prive o adolescente de liberdade. A alteração unilateral do ajustado, com substituição de uma medida acordada por outra medida, não aceita previamente pelo adolescente, fere o acordo de vontades, deixando de ser consensual para ser medida imposta.
Todavia, em sede de remissão, a medida não pode ser determinada, pois a imposição de medida, somente é aplicada através do procedimento de apuração de ato infracional atribuído a adolescente, e só ocorre com a procedência da ação sócio-educativa, segundo o artigo 114.
Art. 114. A imposição das medidas previstas nos incisos II a VI do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art.127. e 122, III.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
...
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta., como exemplo.
Assim, na imposição de medida, em presença do devido processo legal, e em presença obrigatória de defensor, quando gerar privação de liberdade.
Art. 186 ....
§ 2º - Sendo o fato grave, passível de aplicação de medida de internação ou colocação em regime de semiliberdade, a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo, audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e estudo de caso., é possível a sua substituição, o que deve ocorrer, ao ser substituída, segundo as cautelas legais. Afirma Mirabete que "para ser imposta medida de regime de semiliberdade ou intervenção deverá ser instaurado o procedimento pertinente ao devido processo legal (arts. 110, 111 e 182 a 190) ou, se estava suspenso ou extinto (Sic), a ele se dará prosseguimento na forma regular[7]. Aqui, por inconteste, a representação do Promotor de Justiça dá início, com sua aceitação judicial, com a ação sócio-educativa pública, o que é diverso da remissão.
Agora, em sede de remissão, concedida com anuência do adolescente, em que ele participa do ato, com a aceitação de medida a ser cumprida por ele, salvo as privativas de liberdade, não pode existir outra imposta unilateralmente a ele. Essa outra medida, imposta em substituição à transacionada, não pode subsistir, ainda mais quando a substituta for mais gravosa que a aceita pelo adolescente anteriormente. Aquela situação, segundo os penalistas, retrata uma reformatio in pejus, não aceita quando somente o réu recorre, o que, no caso a remissão, instituto do ECA, é a aceitação de medida certa e determinada, com impossibilidade de restrição da sua liberdade, total ou parcialmente.
7. A remissão segundo as Regras de Beijing - Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração das Justiça de Menores – Resolução 40/33, de 29 de novembro de 1985, da Assembléia-Geral da ONU.
As regras de Beijing, quando refere aos objetivos da justiça de menores, expressam: O sistema de justiça de menores enfatizará o bem-estar do menor e garantirá que qualquer decisão em relação aos menores infratores será sempre proporcional às circunstâncias do infrator e da infração - Regra 5.1 (grifado). Assim, qualquer medida imposta ou acordada deve levar em conta não só o infrator, como também a infração. Deste modo, por fato brando é impossível, por inadequada, a aplicação de medida forte, enérgica.
Já, no item 11.3, regra: Toda remissão que signifique encaminhar o menor a instituições da comunidade ou de outro tipo dependerá de consentimento do menor A remissão é oriunda da diversion (a via não processual), e não a representação. A diversion dependerá do consentimento do menor, segundo o que afirma Jason Albergaria in Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Rio de Janeiro: Aide, p. 138., seus pais ou tutores, entretanto a decisão relativa à remissão do caso será submetida ao exame de uma autoridade competente, se assim for solicitado" (grifado). Donde se conclui que o instituto da remissão depende de consentimento do adolescente. E, por evidente, adolescente algum admitirá medida supressiva de sua liberdade, mesmo que parcial.
A remissão, portanto, deve se restringir ao adolescente autor de ato infracional cuja ação anti-social seja leve, simples, de pouca ou nenhuma repercussão social, e que ele seja dotado de problemática sócio-afetiva suave, moderada.
A concessão da remissão, por conseqüência, não deve ocorrer para atos infracionais cuja gravidade provoque clamor público e para os adolescentes com criminalidade que o torne inelegível para o benefício. Segundo o que destaca Conceição A. Mousnier, in O Ato Infracional à luz da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e das Regres Mínimas de Beijing[8].
O ECA trata do assunto no art. 126, in fine: ... conceder a remissão... atendendo às circunstâncias e conseqüências do
fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior
ou menor participação no ato infracional.
A norma estatutária não permite a aplicação de normas de Direito Penal e de Execução Penal ao adolescente autor de ato infracional, o que impede a utilização do instituto de repressão social que é a regressão, fruto do direito material penal.
A regressão visa a transferência de apenado de regime de cumprimento de pena mais brando para mais enérgico, quando da execução de pena privativa de liberdade, ou seja, a pena é a mesma, porém com mudança do regime de cumprimento dessa pena.
O acordo de vontades, na concessão da remissão, como forma de perdão e de redução da rigidez do processo e da medida a ser aplicada, não pode ser alterado unilateralmente, com prejuízo ao adolescente, com a substituição da medida, com possibilidade de até privação de liberdade (semiliberdade e internação), o que poderia não ocorrer em sede de procedimento judicial para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, a partir de representação ministerial.
Somente a medida imposta, com procedência da ação sócio-educativa, com presença de defensor, pode ser substituída por outra, segundo o devido processo legal, com aplicação do art. 122, do ECA, com a ressalva de que a mais adequada deve ser a substituta. A medida não-imposta, isto é, acordada por vontade das partes (adolescente e Promotor de Justiça ou Juiz de Direito) na remissão, se substituída por outra mais gravosa, gera prejuízo ao adolescente que a ele não deve se obrigar, a critério exclusivo da outra parte. A sua vontade e a da lei não era, e não é, a da privação de liberdade, a primeira, por óbvio, e a segunda, por expressão do legislador.
Em remissão concedida, quando aplicada alguma medida, ou mais de uma, nela não poderão ser incluídas as que privem a liberdade do adolescente, por expressa disposição da lei protetiva. Da mesma forma, a revisão judicial proposta pelo Ministério Público, ou pelo adolescente ou por seu representante legal, não permite seja ela, ou elas, substituída por alguma que prive o adolescente de liberdade[9], por óbvio e razoável, por se tratar de situação revisional da originária aceitação de medida. Nesse sentido: Jurandir Norberto Marçura, Munir Cury e Paulo Afonso Garrido de Paula[10]. Tal revisão não pode ocorrer ex officio. Segundo o princípio ne procedat judex ex officio, o juiz não pode determinar a revisão da medida imposta em remissão.
O erro em que obraram o agente ministerial e a autoridade judicial, ao conceder remissão a quem não a merecia ou porque o fato era de maior repercussão, não deve ser motivo para que o Estado busque a restrição da liberdade do adolescente.
E, por fim, o adequado, na concessão de remissão, como formas de exclusão ou de extinção, é que sejam aplicadas, quando condicionadas, medidas que se esgotem em si mesmas, satisfatórias. Enquanto que as demais, exceto as vedadas por lei, sejam acordadas na remissão como forma de suspensão do processo, pois, se não adimplidas, o processo pode ser reativado, sem discussão sobre coisa julgada ou substituição de medida.
Notas
[1] MIRABETE, Julio Fabbrini,
Execução Penal, São Paulo: Atlas, 1987, p. 287
[2] idem, p. 304. (grifado).
[3] BENETTI, Sidnei Agostinho, Execução
Penal, São Paulo: saraiva, 1996,
p. 128.
[4] (Agravo n.º 508/96, da 2ª Câm.
Crim. do TACr.-RJ, Rel.
Juiz Erié Sales da Cunha, j. 19/6/96; Agravo n.º
540/96, da 3ª Câm. Crim. do
TACr. – RJ, Rel Juiz Alberto Mota Moraes, j.
28/11/96.)
[5] Sidnei Agostinho, in Execução Penal, São Paulo:
Saraiva, 1996, p. 129.
[6] RJDTA Crim SP,
6:201, Rel. Silva Pinto.
[7] Júlio Fabbrini
Mirabete, in
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e
Sociais Coord. Munir Cury,
Antônio Fernando do Amaral e Silva e Emílio García Mendez),
São Paulo: Malheiros, 1992, p. 387.
[8] Rio de Janeiro: Editora
Líber Júris Ltda., 1991, p. 89.
[9] Roberto João Elias, Comentários ao
Estatuto da Criança e do Adolescente, São Paulo: Saraiva, 1994, p.198.
[10] in Estatuto
da Criança e do Adolescente Anotado, São Paulo: Ed. RT, 1991, p. 69.