Ação Civil Pública. Trabalho da Criança e do Adolescente. O Brasil, gradativamente, vem enquadrando-se na política internacional de proteção dos direitos humanos, inclusive dos direitos das crianças e adolescentes, tendo, para tanto,  ratificado a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959,  e a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24.09.90. Na esteira da tendência dos debates internacionais, o Brasil fez incluir importantes dispositivos na Constituição Federal de 1988, dentre os quais os arts. 203, 227 e 228. Ainda, foram promulgados o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº  10097/2000. Todo esse arcabouço jurídico enfatiza a concepção de que crianças e adolescentes devem ter resguardados a primazia na prestação de socorros, a precedência de atendimento nos serviços públicos, preferência na formulação e execução de políticas sociais e, por derradeiro, privilégio da destinação de recursos públicos para a proteção infanto-juvenil. O estímulo à aprendizagem, em termos de formação técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular por parte do adolescente. De conseqüência, proliferam entidades, ainda que com boas intenções, espalhando o trabalho infantil e realizando verdadeira intermediação de mão de obra, sob os auspícios de realizarem atividades filantrópica e social, reduzindo a incidência de menores de rua  e de marginalidade infantil, encaminhando-os ao mercado de trabalho, sem qualquer proteção e cumprimento desse arcabouço jurídico. O trabalho educativo é aquele em que a dimensão produtiva está subordinada à dimensão  formativa. Distingue-se do trabalho stricto sensu, subordinado, por não restar configurada, precipuamente,  a sua finalidade econômica e, sim, uma atividade laborativa, que se insira no contexto pedagógico, voltada mais ao desenvolvimento pessoal e social do educando. Não encontradas essas características, a entidade está descumprindo os ditames legais, devendo abster-se dessas práticas, pelo que tem pertinência a Ação Civil Pública. (RO nº 01001-1999-007-15-00-8, Recurso Ordinário Da 1ª Vt De Americana, Recorrente: Ministério Público Do Trabalho – Procuradoria Regional Do Trabalho Da 15ª Região, Recorrido: Soma – Serviço De Orientação De Menores De Americana)

 

 

ACÓRDÃO Nº.

PROCESSO TRT/15ª. REGIÃO Nº. 01001-1999-007-15-00-8 RO(02136/2002-RO-0)

RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VT DE AMERICANA

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO

RECORRIDO: SOMA – SERVIÇO DE ORIENTAÇÃO DE MENORES DE AMERICANA

 

EMENTA: Ação Civil Pública. Trabalho da Criança e do Adolescente.  O Brasil, gradativamente, vem enquadrando-se na política internacional de proteção dos direitos humanos, inclusive dos direitos das crianças e adolescentes, tendo, para tanto,  ratificado a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959,  e a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24.09.90. Na esteira da tendência dos debates internacionais, o Brasil fez incluir importantes dispositivos na Constituição Federal de 1988, dentre os quais os arts. 203, 227 e 228. Ainda, foram promulgados o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº  10097/2000. Todo esse arcabouço jurídico enfatiza a concepção de que crianças e adolescentes devem ter resguardados a primazia na prestação de socorros, a precedência de atendimento nos serviços públicos, preferência na formulação e execução de políticas sociais e, por derradeiro, privilégio da destinação de recursos públicos para a proteção infanto-juvenil. O estímulo à aprendizagem, em termos de formação técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular por parte do adolescente. De conseqüência,  proliferam entidades, ainda que com boas intenções, espalhando o trabalho infantil e realizando verdadeira intermediação de mão de obra, sob os auspícios de realizarem atividades filantrópica e social, reduzindo a incidência de menores de rua  e de marginalidade infantil, encaminhando-os ao mercado de trabalho, sem qualquer proteção e cumprimento desse arcabouço jurídico. O trabalho educativo é aquele em que a dimensão produtiva está subordinada à dimensão  formativa. Distingue-se do trabalho stricto sensu, subordinado, por não restar configurada, precipuamente,  a sua finalidade econômica e, sim, uma atividade laborativa, que se insira no contexto pedagógico, voltada mais ao desenvolvimento pessoal e social do educando. Não encontradas essas características, a entidade está descumprindo os ditames legais, devendo abster-se dessas práticas, pelo que tem pertinência a Ação Civil Pública.

 

 

Da R.Sentença de fls. 454/460, cujo relatório adoto, que julgou improcedente o pedido, recorre o Requerente, tempestivamente (fls. 484/508), pretendendo a reforma da julgado, a fim de que a Requerida deixe de intermediar trabalho de adolescentes, abstendo-se de encaminhar menores de 16 anos, de despedir menores grávidas, e proceder descontos nos salários, bem como seja excluída da condenação custas processuais.

Fls. 513 – Contra-razões pela Requerida, argüindo, preliminarmente, intempestividade do recurso, ilegitimidade ativa do Ministério Público, deserção do recurso pelo não recolhimento das custas processuais e a inépcia da inicial.

Fls. 524/526 – Opina o Ministério Público do Trabalho, por parecer, pela reautuação dos autos, visto a inexistência de Remessa Oficial, pelo conhecimento e  provimento do apelo.

Representação processual regular.

Alçada permissível.

 

 

VOTO

 

 

Em contra-razões, a Requerida alega, preliminarmente, a intempestividade do recurso ordinário, aduzindo que a intimação ocorrera com a publicação no Diário Oficial, sendo inadmissível a data aposta pelo MP, quando do recebimento de autos, através de remessa (20.07.01).

Nos termos previstos pela Lei Complementar 75/93, art. 18, “h”, é prerrogativa processual dos membros do Ministério Público a intimação pessoal. Outrossim, a   Consolidação das Normas da Corregedoria deste Regional prevê a intimação do Ministério Público mediante a remessa dos autos àquele órgão, o que se dera em 13.07.01.

Insta-se salientar, a despeito das razões veiculadas pela Requerida, que a remessa dos autos se dera da cidade de Americana para a cidade de Campinas, cujo serviço de malote se verifica, somente, uma vez por semana. Portanto, plenamente plausível o prazo transcorrido entre a remessa e o recebimento dos presentes autos pela Procuradoria, não havendo que se falar em intempestividade na interposição.

Invoca, ainda, a Requerida deserção recursal, diante da ausência do recolhimento de custas processuais.

Em que pese a condenação pela R.Sentença, o art. 18 da Lei 7.347/85, que  disciplina a Ação  Civil Pública, expressamente prevê a impossibilidade de tal condenação à Autora, salvo comprovada má-fé.

Assim, incabível a exigência do pagamento de custas processuais por parte do Requerente, como pressuposto de admissibilidade do presente recurso, afastando-se a deserção.

Estabelecidas essas premissas, conheço o recurso interposto, eis que preenchidas as exigências legais.

 

Argui a Requerida a ilegitimidade ativa do Ministério Público e inépcia, matérias essas não abordadas em defesa(fls. 224 e segs.).

Embora as condições da ação se constituam matéria de ordem pública, repita-se, a matéria fora ventilada pela Requerida, somente, em sede de contra-razões. É cediço que o efeito devolutivo dos recursos devolve ao ad quem a totalidade das questões postas em Juízo, inclusive as não analisadas pela Instância inferior, mas discutidas pelas partes. Assim, se a Requerida opõe duas defesas ao pedido, mas o Juiz acolhe somente uma delas, o recurso devolverá à Instância Superior o conhecimento de ambas as defesas, podendo manter a improcedência, por exemplo, pelo outro fundamento.

O que não pode ocorrer é a dilação defensiva, através das contra-razões.

Não conheço, pois, das preliminares de ilegitimidade de parte e inépcia da inicial, argüidas pela Requerida.

 

No mérito, temos questão de alta indagação, tratada internacionalmente, consistente na tutela e proteção ao menor.

Destacamos que a legislação tutelar do menor remonta ao Século XVIII e encontra sua origem nos países industrializados, onde se buscou vedar seu trabalho em locais perigosos, insalubres, diminuir a jornada  de trabalho, dentre outras normas protetivas.

As Nações Unidas, através da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959, ratificada pelo Brasil, demonstrara a preocupação com a preservação, em especial, dos direitos das crianças,  em decorrência de sua imaturidade física e mental, anteriormente, objeto de deliberação na Declaração dos Direitos da Criança, em Genebra, de 1924, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança, estabelecendo princípios, dentre os quais:

 

A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas.

 

             Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.

Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.

 

A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma.

Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

 

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1934, vislumbrou-se maior preocupação com o menor, estabelecendo-lhe limites para admissão ao trabalho.

A Constituição Federal de 1988, pródiga no que tange aos temas sociais, mas atual nas questões internacionalmente debatidas, sobretudo no que tange aos direitos humanos, trata a questão da criança com respaldo sem precedentes, adotando a teoria da proteção integral. Vários dispositivos destacam o compromisso do Estado com os direitos da criança e do adolescente, principalmente, o art. 227, ao dispor que "...o Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não-governamentais...".

Assistência esta reafirmada no artigo 203, ao prever a sua prestação a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, com ênfase no amparo às crianças e adolescentes carentes.

Na mesma linha, como a educação constitui um ponto nodal de toda e qualquer política infanto-juvenil, a Constituição Federal detalha, no artigo 228, os deveres próprios do Estado:

"I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

III – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

IV – oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

V – atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde."

 

Para integrar esse arcabouço jurídico,  a Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.89, adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24.09.90, em cujo artigo 28 os Estados-partes se comprometem:

“...

a)                                                                                 tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos;

b)                                                                                 estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade;

c)                                                                                 ...

d)                                                                                 tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças;

e)                                                                                 ...”

 

Também, no art. 32, o Brasil se comprometeu:

 

“Artigo 32 – 1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou seja nocivo para saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.

2. Os Estados-partes adotarão medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente artigo. Com tal propósito, e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais, os Estados-partes deverão, em particular:

a)                                                                                 estabelecer uma idade ou idades mínimas para a admissão em empregos;

b)                                                                                 estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego;

c)                                                                                 estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do presente artigo.”

 

Na esteira do texto Constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,  promulgado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990,  regula muitas das conquistas consubstanciadas pela Carta Magna em favor da infância e da juventude. O Estatuto introduz inovações importantes no tratamento dessa questão, sintetizando mudanças, deslocando a tendência assistencialista  prevalecente em programas destinados ao público infanto-juvenil para o âmbito sócio-educativo, de cunho emancipatório.

Além disso, no campo do atendimento a crianças e adolescentes em condição de risco pessoal e social, o Estatuto rejeita as práticas subjetivas e discricionárias do direito tutelar tradicional e introduz salvaguardas jurídicas, de forma a  conferir à criança e ao adolescente a condição de sujeito de direitos, frente ao sistema administrador da justiça para a infância e juventude.

Institucionalmente, o ECA criou os Conselhos Tutelares (art. 131), com o intuito de garantir a aplicação eficaz das propostas estatutárias. Órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, são encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes. Sempre que esses direitos forem violados, por ação ou omissão do Estado ou da sociedade, caberá aos ditos Conselhos Tutelares adotar medidas de proteção cabíveis, interpondo, quando necessário, representação junto à autoridade judiciária.

Além de constituir um marco legal inédito sobre a temática em apreço, o ECA buscou assegurar às crianças e aos adolescentes o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Permeia, ainda, o Estatuto, a concepção de que crianças e adolescentes devem ter resguardados a primazia na prestação de socorros, a precedência de atendimento nos serviços públicos, preferência na formulação e execução de políticas sociais e, por derradeiro, privilégio da destinação de recursos públicos para a proteção infanto-juvenil. Essas prioridades reiteram os preceitos constitucionalmente previstos.

Nessa esteira, o ECA, também, regula o direito à profissionalização e proteção ao trabalho.

O estímulo à aprendizagem, em termos de formação técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular por parte do adolescente. Nessa esteira, voltada para a regulamentação do instituto do trabalho educativo previsto no ECA e destinado ao adolescente entre 14 e 18 anos, de modo a conciliar atividades educativas com a inserção desse grupo no mercado de trabalho, foi promulgada a Lei nº 10097/2000.

E, ainda,  a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), promulgada em 7 de dezembro de 1993 (Lei nº 8.742), que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição, estabelece o sistema de proteção social para os grupos mais vulneráveis da população, por meio de benefícios, serviços, programas e projetos.

Em seu art. 2º, estabelece que a assistência social tem por objetivos, dentre outros: I) a proteção à família, à infância e à adolescência; II) o amparo às crianças e adolescentes carentes.

Integrado ao combate de erradicar o trabalho infantil, o Governo brasileiro tem participado, de forma intensa, de conferências internacionais, que abordam a temática sobre as mais diversas perspectivas. O Ministério do Trabalho esteve presente na Conferência de Amsterdã (fevereiro 1997), na qual se discutiu com mais de 30 países, representantes de empregadores e empregados e organizações não-governamentais, medidas de combate às mais intoleráveis formas de trabalho infantil. Embora o trabalho infantil seja um dado nacional, em alguns ramos de atividades assume uma dimensão internacional. Nessa linha, a Conferência foi um marco fundamental para fortalecer a cooperação internacional e regional em torno da temática.

Por ocasião da Primeira Reunião Ibero-americana Tripartite de Nível Ministerial sobre Erradicação do Trabalho Infantil (Cartagena das Índias, maio de 1997), o Governo brasileiro, representado pelo Ministério do Trabalho, assinou a Declaração de Cartagena, que reitera o compromisso dos países signatários de reconhecer os direitos da infância como fundamentos dos direitos humanos. Para implementar as políticas, todos concordaram a se empenhar em: I) promover o crescimento econômico, que resulte na mitigação da pobreza; II) redobrar os esforços para erradicar o trabalho infantil, através de estratégias que agreguem e comprometam os diversos atores sociais; III) criar comitês nacionais, para desenhar e implementar um Plano Nacional de Ação para Erradicação do Trabalho Infantil; IV) estabelecer um acompanhamento sistemático desses comitês, bem como um sistema regional de informações.

A preocupação do governo brasileiro se encontra lastreada em dados estatísticos a demonstrar mais de 3 milhões de crianças  e adolescentes menores de 16 anos (Anuário Estatístico do  IBGE) trabalhando durante o dia para garantir o sustento próprio e da família, ao invés de participar de atividades de socialização, brincadeiras e de ter tempo para o estudo. Trabalham nas mais diversas atividades em prejuízo de sua educação e desenvolvimento físico e psicológico.
                           O trabalho infantil é um fenômeno complexo, principalmente, quando consideradas as contingências culturais, econômicas e sociais predominantes atualmente em nosso país.

A idéia prevalecente, no âmbito de nossa sociedade, consiste em manter o menor inserido no mercado de trabalho, como forma de contribuir para o aumento da renda familiar e evitar seu ingresso na marginalidade.

De forma alguma, fomentam-se idéias no sentido de uma ação social, que possibilite a essa família uma renda mínima adequada, excetuando-se o atual programa bolsa-escola, e permita manter seus filhos na escola, de modo que nos afigura cada vez mais natural a situação do menor trabalhando.

De conseqüência,  proliferam entidades, mesmo com a melhor das intenções, como a Requerida, propalando o trabalho infantil, realizando verdadeira intermediação de mão de obra, sob os auspícios de realizarem atividades filantrópica e social, reduzindo a incidência de menores de rua  e de marginalidade infantil,  encaminhando-os ao mercado de trabalho.

Entretanto, verifica-se, quando de eventual fiscalização, como no caso  dos autos,  que os preceitos constantes do art. 68, do Estatuto da Criança e do Adolescente, em hipótese alguma, encontram-se observados.

O trabalho educativo, no dizer de Oris de Oliveira, é aquele em que a dimensão produtiva está subordinada à dimensão  formativa. Distingue-se do trabalho stricto sensu, por não restar configurada, precipuamente,  a sua finalidade econômica e, sim, uma atividade laborativa, que se insira no contexto pedagógico, voltada ao desenvolvimento pessoal e social do educando.

Nessa linha, a Recomendação  117 da OIT, sobre a formação profissional, estabelece:

 

A preparação pré-profissional deverá proporcionar aos jovens que ainda não tenham uma atividade profissional, uma  iniciação a uma variedade de tipos de trabalho, nunca, porém, em detrimento da educação geral, nem como substituto da primeira fase de formação profissional .

A jornada completa de oito horas diárias de trabalho é incompatível com o processo de escolarização, que é um direito Constitucionalmente  assegurado às crianças e adolescentes, além de ser prejudicial ao seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor. A aprendizagem profissional não deve substituir a escolarização de primeiro grau, que, inclusive, forma trabalhadores mais aptos a se inserirem no mercado formal de trabalho.

 

No caso em tela, foram constatadas e verificadas pelo Conselho Tutelar  de Americana a inobservância do estatuído pela Lei nº 8069/90, no tocante ao trabalho do menor e trabalho educativo, tais como o labor em jornada de 7:30 horas, sem qualquer vínculo empregatício com as chamadas conveniadas, ou, em verdade, tomadoras, inexistência de complementação ou reforço escolar ou de um programa adequado de  preparação e capacitação dos menores, condições de higiene deficitária, o  desligamento do programa, quando da gravidez das adolescentes ou quando em idade de alistamento militar, ausência de qualquer contato com a família do adolescente, conforme constante do item “c” do Capítulo I, do  seu Estatuto, e, ainda, imposição de multas e penalidades vexatórias aos adolescentes.

Instaurado o Inquérito Civil Público, não se logrou êxito em firmar um termo de ajuste de conduta(fls. 161/164), recusando-se a Requerida-SOMA a providenciar regularização da situação trabalhista e previdenciária dos menores.

Aliás, extrai-se da cópia de Ata de Reunião (fls. 289/291), a relutância da Requerida em  reconhecer a necessidade de adequação da instituição aos preceitos do ECA.

Os elementos constantes dos autos demonstram que o labor dos menores ocorria, em verdade, na forma de autêntica relação empregatícia subordinada, nada se vislumbrando acerca dos elementos caracterizadores do trabalho educativo alegado pela Requerida.

Somente a jornada a que se submetem os menores, já impossibilita sua freqüência em qualquer outra atividade de cunho educativo ou de capacitação profissional, cujo fornecimento é inerente ao conceito de trabalho educativo.

Demais disso, o labor desses adolescentes se encontra à margem, ante os termos dos convênios estipulados pela Requerida e empresas conveniadas, de qualquer legislação trabalhista, seja na modalidade de aprendizagem ou mesmo na modalidade de estágio profissionalizante.

A situação dos menores, indubitavelmente, é de total desproteção legal, no tangente ao trabalho desempenhado, ao arrepio do Direito Internacional, dispositivos Constitucionais, infra-constitucionais previdenciários e Estatuto da Criança e do Adolescente.

Por outro lado, as assertivas da Requerida, quanto a  promover um atividade de cunho social, encaminhando menores ao trabalho, recolhendo-os da rua e, mesmo no sentido de possuir um programa educacional, não podem prevalecer.

Outrossim, o argumento sórdido de, diante da realidade social do país, a forma de encaminhamento praticada é preferível à marginalidade, não obstante se revista de forte apelo emocional, não se sustenta juridicamente, sob pena de o Judiciário compactuar com  um continuísmo desregrado e desgarrado dos compromissos internacionalmente firmados pelo nosso País,

Destarte, impõe-se o provimento do recurso interposto, devendo, sim, a Requerida se abster de intermediar o trabalho de adolescentes e com idade inferior a 16 anos ao trabalho, salvo na condição de aprendiz, de desligar adolescentes grávidas, de descontar da remuneração dos adolescentes quantias destinadas a uniforme, salvo autorização legal, de reter salários, para compelir os adolescentes a apresentarem atestado escolar.

 

Isto posto, decido conhecer o recurso interposto, para lhe dar provimento e julgar procedente em parte a Ação Civil Pública, determinando à Requerida que se abstenha de intermediar trabalho subordinado de adolescentes em empresas, inclusive com idade inferior a 16 anos, salvo na condição de aprendiz, sem que lhes assegure todos os direitos trabalhistas e previdenciários, inclusive registro em CTPS, e sem a efetiva formação profissional acompanhada pela entidade-Ré, através de profissionais especializados, abstenha-se, também, de desligar adolescentes grávidas, abstenha-se de efetivar descontos nos salários dos adolescentes, especialmente a título de uniformes, salvo autorização legal, abstenha-se de reter salários, sob a condição de ser apresentado atestado escolar, sob pena de ser cominada multa diária, nos termos da Lei nº 7347/85, ora arbitrada em R$ 20,00 por adolescente em situação irregular, reversível ao FAT(Lei nº 7998/90), devendo ser oficiado o Ministério do Trabalho, para fiscalização do cumprimento da presente. Custas a cargo da Requerida, calculadas sobre o valor ora arbitrado em R$ 10.000,00, no importe de R$ 200,00.

 

 

 

LUCIANE STOREL DA SILVA

Juíza Relatora