MANDADO DE SEGURANÇA - LEGITIMAÇÃO PASSIVA - LEGITIMIDADE PARA RECORRER. No mandado de segurança, “legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que esteja no exercício de atribuições do poder público”, a qual é citada mediante a notificação da autoridade coatora para a finalidade única e exclusiva de prestar informações. Segue-se, daí, que legitimada para recorrer ou para contra-arrazoar o recurso é a essa mesma pessoa jurídica, e não a autoridade coatora. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CANDIDATURA AO CONSELHO TUTELAR - REQUISITOS. Ao lado dos três requisitos estatuídos pelo ad. 133 da Lei nº 8.069, de 13.7.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, a Lei Municipal, com supedâneo no seu ad. 139, poderá estabelecer outros, como a reco­nhecida experiência no trato com crianças e adolescentes. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar está confiado à responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não poderá este, contudo, instituir requisito para a mencionada candidatura, o que somente é deferido à Lei Federal e à Lei Municipal. (Apelação Cível e Reexame Necessário nº 75303-7, Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Relator: Des. Pacheco Rocha, Julgado em 15/06/1999).

 

 

APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO Nº 75303-7 DE PINHÃO

APELANTE: PRESIDENTE DO CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE RESERVA DO IGUAÇU - COMDICARI

APELADOS:   J. M. R. e OUTROS

REMETENTE: DOUTOR JUIZ DE DIREITO

RELATOR: DES. PACHECQ ROCHA

 

 

MANDADO DE SEGURANÇA - LEGITIMAÇÃO PASSIVA - LEGITIMIDADE PARA RECORRER. No mandado de segurança, “legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que esteja no exercício de atribuições do poder público”, a qual é citada mediante a notificação da autoridade coatora para a finalidade única e exclusiva de prestar informações. Segue-se, daí, que legitimada para recorrer ou para contra-arrazoar o recurso é a essa mesma pessoa jurídica, e não a autoridade coatora.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CANDIDATURA AO CONSELHO TUTELAR - REQUISITOS. Ao lado dos três requisitos estatuídos pelo ad. 133 da Lei nº 8.069, de 13.7.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, a Lei Municipal, com supedâneo no seu ad. 139, poderá estabelecer outros, como a reco­nhecida experiência no trato com crianças e adolescentes. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar está confiado à responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não poderá este, contudo, instituir requisito para a mencionada candidatura, o que somente é deferido à Lei Federal e à Lei Municipal.

 

ACÓRDÃO N.º 16540 –1ª Câmara Cível

ApCvReex - 0075303-7

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível e Reexame Necessário n0 75 303-7 de Pinhão, em que figuram como Apelante, Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Reserva do Iguaçu - COMDICARJ e, como Apelados, J. M. R. e outros, sendo Remetente o Doutor Juiz de Direito.

 

1. Trata-se de apelação e reexame necessário da sentença que concedeu a segurança impetrada por J. M. R. e outros contra ato do Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Reserva do Iguaçu -COMDICARI, que os considerou inaptos a concorrerem à eleição para conselheiros do Conselho Tutelar do Município de Reserva do Iguaçu, pelo fato de não atingirem a nota mínima na prova escrita, pré-requisito estabelecido pela Resolução n0 00 1/98.

 

As razões recursais sustentam que as Resoluções nº 001 e 002/98, as quais fixaram as normas relativas aos procedimentos de escolha, “foram editadas em perfeita sintonia com as normas aplicáveis, notadamente no que se refere à competência de atuação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, competência essa também outorgada pela Lei Federal nº 8.069/90 (art. 139)” (f. 145) e devidamente publicadas, atendendo ao princípio da publicidade dos atos administrativos. Ademais, invocando o art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), afirmam ser “pacifico e unânime o entendimento de que a prova escrita é imprescindível à escolha dos membros dos Conse­lhos Tutelares, porquanto é somente através dela que poder-se-à avaliar as reais qualidades dos candidatos, se estes são aptos para desenvolver os trabalhos que se requer um conselheiro tutelar” (f. 147).

 

Remetidos os autos a este Tribunal, a Procuradoria Geral de Justiça opinou pela manutenção da sentença apelada.

 

2. Não se pode tomar conhecimento, porém, da apelação visto que a autoridade coatora não tem legitimidade para recorrer. Como discorre a Titular de Direito Administrativo da USP, Prof. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (in DIREITO ADMÍNISTRATIVO Edit. Atlas, 4ª ed., 1994, p. 516), no mandado de segurança, “legitimado passivo é a pessoa jurídica de direito público ou a de direito privado que esteja no exercício de atribuições do poder público. A matéria é controvertida porque, para alguns, sujeito passivo é a autoridade coatora, já que ela é que presta as informações e cumpre o mandado; no entanto, esse entendimento deve ser afastado quando se observa que a fase recursal fica a cargo da pessoa jurídica e não do impetrado e que os efeitos decorrentes do mandado são suportados pela pessoa jurídica e não pela autoridade coatora”.

 

Essa posição tem sido prestigiada há longa data, segundo registra o Prof. CELSO AGRÍCOLA BARBI:

 

“A nosso ver, a razão está com SEABRA FAGUNDES. CASTRO NUNES E TEMÍSTOCLES C’AVALCANTI, a parte passiva no mandado de segurança é a pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade apontada como coatora. Como já vimos anteriormente, o ato do funcionário é ato da entidade pública a que ele se subordina. Seus efeitos se operam em relação à pessoa jurídica de direito público. E, por lei, só esta tem capacidade de ser parte no nosso direito processual civil, A circunstância de a lei, em vez de falar na citação daquela pessoa, haver se referido a ‘pedido de informações a autoridade coatora’ significa apenas mudança de técnica, em favor da brevidade do processo; o coator é citado em juízo como representante’ daquela pessoa, como notou SEABRA FAGUNDES e não como parte.” (In MANDADO DE SEGURANÇA, Forense, 1993 7a ed n0 157, p. 154-155.)

 

Por isso mesmo, a legitimidade para recorrer, no mandado de segurança, é da pessoa jurídica e não da autoridade coatora, tal como reiterado pelos Tribunais, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 105/404, 114/1225, 118/377), sendo prestadia a referência:

 

“Mandado de Segurança. Legitimidade para recorrer. - O coator é notificado para prestar informações, não tendo legitimidade para recorrer da sentença deferitória do mandamus. A legitimação para recorrer cabe ao representante da pessoa jurídica interessada.” (RE 97.282-PA, 1ª Turma do STF, rel. Min.. SOARES MUNÕZ, in RTJ 105/404.)

 

“Administrativo. Mandado de Segurança. Legitimidade para recorrer. E da pessoa jurídica interessada, no caso o Estado de Rondônia, e não da autoridade coatora, a Legitimidade para recorrer.” (RE 105.731 -RO, 2ª Turma do STF, rel. Min.. DÉCIO MIRANDA, in RTJ 114/1225.)

 

Em suma, como parte passiva na ação de mandado de segurança é a pessoa jurídica, representada pela autoridade coatora tão somente para prestar informações, segue-se que somente a pessoa jurídica, e não a autoridade coatora, está legitimada tanto para recorrer quanto para contra-arrazoar o recurso interposto pela parte adversa. Não se conhece, por conseguinte, da apelação interposta pela Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Reserva do Iguaçu - COMDICARI.

 

3. Merece integral confirmação, porquanto submetida que se encontra a reexame necessário, por força do ad. 12 da Lei nº 1.533, de 31.12.51, a sentença exarada pelo eminente Magistrado, Doutor GLAUCIO MARCOS SIMÕES, que escorreitamente examinou o thema decidendum, por isso sendo prestadia a sua transcrição:

 

“Cuida o presente mandado de segurança de questão relativa ao direito dos impetrantes em participar da eleição para o Conselho Tutelar de Reserva do Iguaçu.

 

O impetrado excluiu do pleito os impetrantes, a traves do ato de fls. 91. Apresentou como motivação o fato de não terem os impetrantes atingido a nota mínima na prova escrita prevista no art. 12 da Resolução n0 01/98 do COMDICARI (fls. 26).

 

Os impetrantes se insurgem contra tal ato, pois entendem que não há previsão legal que autorize o impetrado a somente permitir que concorram à eleição os candidatos com nota mínima em prova escrita. A questão a ser resolvida, portanto, resume-se em reconhecer ou não a legalidade da exigência de nota mínima em prova escrita para candidatar-se a conselheiro tutelar de Reserva do Iguaçu.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 133 estabelece três requisitos para a candidatura ao cargo de conselheiro, quais sejam. reconhecida idoneidade moral, idade superior a vinte e um anos e residir no Município. Sem dúvida alguma podem os Municípios, atendendo às suas peculiaridades locais, e através de lei, estabelecerem outros requisitos para a candidatura ao cargo em comento (Art. 30, inciso II da CF).

 

E foi nesse passo que andou o Município de Reserva do Iguaçu. Com a edição da Lei Municipal n0 029/97 estabeleceu, além dos requisitos previstos no ECA, a reconhecida experiência no trato com crianças e adolescentes.

 

Esta mesma Lei atribuiu ao Conselho Municipal da Criança e do Adolescente a regulamentação das eleições para o Conselho Tutelar. Para este fim o Conselho Municipal editou a Resolução n0 001/98 (fls. 25/2 7).

 

Acontece que esta Resolução em seu capítulo IV estabeleceu um novo requisito para candidatar-se à eleição de conselheiro tutelar. Trata-se da prova escrita ora impugnada, destinada a avaliar as qualificações do candidatos.

 

Note-se que tal requisito não foi previsto nem no ECA, nem em Lei Municipal. Nem se diga que está relacionada com a exigência da reconhecida experiência no trato com crianças e adolescentes pois esta, a própria Resolução nº 001/98 tratou de explicitar o seu conteúdo, dispondo em seu art. 2º inc. IV a forma com que ficaria demonstrada (declaração ou documento que comprove a atividade ou exercício da função, com no mínimo um ano de experiência).

 

Resta concluir que a Resolução em tela do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Reserva do Iguaçu inovou o ordenamento jurídico ao prever uma nova exigência para candidatar-se ao Conselho Tutelar.

 

O COMDICARI é órgão público. A atuação de seus agentes deve pautar-se pela observância das normas de direito público, em especial os princípios constitucionais informadores da atividade administrativa. Entre estes princípios sobressai-se o da legalidade. O COMDICARI não tinha competência para criar um novo requisito para candidatar-se à eleição em questão. Sua competência esta restrita à regulamentar o processo eleitoral previsto na Lei n0 029/97. Cabia ao COMDICARI simplesmente, explicitar o conteúdo do diploma legal já mencionado, e jamais criar novo requisito não previsto em lei.

 

É cediço na doutrina e jurisprudência que no Brasil não há regulamentos autônomos, ou seja, com poderes de inovar o ordenamento jurídico, criando obrigações não previstas em lei. Ao editar a Resolução nº 01/98, exigindo a habilitação em prova escrita para concorrer ao Conselho Tutelar, o COMDICARI agiu de forma ilegal, pois tal requisito não fora previsto no ECA, nem mesmo na Lei Municipal 029/97.

 

Desta forma, o ato de exclusão dos impetrantes do pleito, pelo fato de não atingirem nota mínima na prova escrita, fere direito público subjetivo dos mesmos, pois motivada por exigência ilegal.

 

3  DISPOSITIVO

 

Isto posto, julgo procedente o pedido inicial, concedendo a segurança.

 

Mantenho a decisão liminar de fls. 35/37, reconhecendo o direito dos impetrantes de se candidatarem e de serem eleitos para o Conselho Tutelar de Reserva do Iguaçu, no pleito de 3 0/04/1998.

 

Declaro a nulidade do ato administrativo praticado pelo impetrado que determinou a exclusão das candidaturas dos impetrantes para o pleito em tela(Sentença, f. 133/135).

 

Em suma, ao lado dos três requisitos estatuídos pelo art. 133 da Lei nº 8.069, de 13.7.90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, a Lei Municipal, com supedâneo no seu art. 139, poderá estabelecer outros, como a reconhecida experiência no trato com crianças e adolescentes, estando o processo para a escolha sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não poderá esta, contudo, instituir outro requisito para a mencionada candidatura, o que somente é deferido à Lei Federal e à Lei Municipal. De conseguinte, irretocável o dispositivo sentencial, cumpre seja mantida a sentença sob reexame necessário.

 

EX POSITIS, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer da apelação, confirmando a sentença reexaminada.

 

Participaram do julgamento, acompanhando o voto do Relator, os Senhores Desembargadores ULYSSES LOPES e J. VIDAL COELHO.

 

Curitiba, 15 de junho de 1999

 

 

Des. PACHECO ROCHA

Presidente e Relator