MENOR.
AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHAR. DESCABIMENTO DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.
Tendo em vista que a situação da apelada não se subsume nas hipóteses elencadas no art. 405, § 3º, letras a e b, da CLT, falece-lhe interesse de agir em face
da ausência de previsão legal de exigência de intervenção judicial para tanto.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 60 a 69, não exige a
autorização judicial para que o menor a partir dos 14 e até os 16 anos trabalhe
na condição de aprendiz. Tal legislação por si só, uma vez preenchidos os
requisitos nela elencados, já autoriza o trabalho do
menor aprendiz, sendo desnecessária a intervenção do Judiciário nesse sentido.
Recurso provido. (Apelação Cível nº 70005877253, Oitava Câmara Cível do TJRS,
Relator: José S. Trindade, Julgado em 27/03/2003).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os
autos.
Acordam os Desembargadores
integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à
unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos dos votos a seguir
transcritos.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além
do signatário, os eminentes Senhores Des. Alfredo
Guilherme Englert, Presidente, e Des.
Rui Portanova.
Porto
Alegre, 27 de março de 2.003.
Des. José S. Trindade,
Relator.
RELATÓRIO
Des. José
S. Trindade (Relator) –
Partes. Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO nos autos do pedido de alvará proposto por N. da S. G. em prol de sua filha D. de M. G., visando autorização para que esta possa trabalhar na função de auxiliar de costura.
Sentença recorrida. O decisum de fl. 14 v. julgou procedente o
pedido.
Razões recursais. Preliminarmente, alega o
apelante: a) que, em virtude do disposto no art. 405, § 3º, da CLT, a
competência para conhecer do pedido de autorização e concedê-la é da Justiça do
Trabalho; b) que a única hipótese que exige autorização judicial para o
trabalho de adolescentes é a prevista no art. 405, § 3º., da CLT e o acaso dos
autos não se enquadra nesta, não se visualizando interesse da apelada em requerer
a tutela para algo que a lei não exige. Assim, é de ser extinto o processo sem
julgamento do mérito, por que configurada a falta de interesse de agir. Quanto
ao mérito, argumenta que a Constituição Federal, no art. 7º, XXXIII, com a
redação da emenda nº 20/98, assim como o art. 60 do ECA,
proíbe o trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
dos 14 anos de idade (fls. 16/26).
Contra-razões. Ao contra-arrazoar, pugna a apelada pela confirmação da sentença
recorrida (fls. 31/40).
Mantida a decisão (fl. 41), foram
remetidos ao autos a esta Corte.
Ministério Público. Em parecer de fls. 44/46, o Procurador de Justiça opinou pelo provimento
do recurso.
É o relatório.
VOTO
Des. José
S. Trindade (Relator) –
Recurso em condições de ser conhecido, porquanto próprio e tempestivo.
Cuida o processo trazido à deslinde de pedido de autorização formulado pela menor
apelada D. de M. G., de 16 anos de idade, representada por sua mãe N. da S.
G., perante o Juizado Regional da
Infância e Juventude da Comarca de Caxias do Sul. Anexado ao pedido, veio
declaração do empregador no sentido de que a adolescente trabalharia na função
de “auxiliar de costura” (fl. 03).
As duas preliminares se confundem
com o mérito e juntamente com ele serão examinadas.
A argüição de incompetência do
juízo fica superada pelo exame e solução dada ao mérito.
Pretende o insurgente a extinção
do feito sem julgamento do mérito.
Entendo que assiste razão ao
apelante.
Com efeito, pelo compulsar dos
autos, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que a autora/apelada é efetivamente carecedora de ação.
Isto porque, os únicos casos para
os quais é exigida a chancela judicial, mas não da Justiça Comum, constam do
art. 406 da CLT, que fazendo remissão às letras a e b do § 3º do art. 405
da CLT, versa, na verdade, sobre hipóteses de trabalho prejudicial à moralidade
do menor (letra a -trabalho prestado
de qualquer modo em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés “dancings” e estabelecimentos análogos; letra b - em empresas circenses, em funções de
acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes).
No caso sub judice, à evidência que a pretensão
da recorrida não se enquadra em nenhuma das duas situações destacadas supra e,
por conseguinte, falece a apelada de interesse em vir ao Poder Judiciário
pleitear autorização para situação não prevista em lei. Essa autorização já é
dada pela lei, preenchidos certos requisitos.
É dizer, o processo está a merecer
sua extinção sem julgamento do mérito.
Como paradigma vale transcrever
precedente deste Tribunal no sentido ora esposado, ex vi da Apelação Cível n.º 70002987154 – 7.ª Câmara Cível, relator
o Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, assim ementado:
“PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA TRABALHO DE MENOR NA CONDIÇÃO DE
APRENDIZ. Não há qualquer previsão legal que exija intervenção judicial para
autorizar o trabalho de menor na condição de aprendiz. A fiscalização dessa
atividade é tarefa que incumbe ao Ministério do Trabalho, não estando afeta ao
Poder Judiciário. Extinguiram o feito, de ofício.”
Ainda:
“PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA TRABALHO DE MENOR
NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. NÃO HÁ PREVISÃO LEGAL QUE
EXIJA INTERVENÇÃO JUDICIAL PARA AUTORIZAR O TRABALHO DE MENOR NA CONDIÇÃO DE
APRENDIZ. CABE AO EMPREGADOR A OBSERVÂCIA DA LEGISLAÇÃO E AO MINISTÉRIO DO
TRABALHO A FISCALIZAÇÃO DA ATIVIDADE, HAVENDO FALTA DE INTERESSE DE AGIR QUANDO
O EXERCICIO DE DIREITO É ASSEGURADO POR LEI. APELO DESPROVIDO.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº
70004536264, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DES. JOSÉ
CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 21/08/02)
Nessa perspectiva, não se pode
perder de vista que em casos como o presente, a conclusão pela falta de
interesse de agir da autora/recorrida não se traduz
em falta de emissão de prestação jurisdicional. Apenas esta é desnecessária e
descabida, porquanto a autorização para o trabalho do menor, na condição de
aprendiz, decorre da própria lei.
O Estatuto da Criança e do
Adolescente nos artigos 60 a 69, regula o direito à profissionalização e à
proteção no trabalho do menor entre 14 a 16 anos, na condição de aprendiz,
considerando-se a nova redação dada pela Emenda Constitucional 20, que alterou
a original do inc. XXXIII do art. 7.º da Constituição Federal.
A lei menorista
seja em qualquer desses dispositivos elencados, não
exige a autorização judicial para que o menor a partir dos 14 e até os 16 anos
trabalhe na condição de aprendiz.
É que a própria legislação em
comento, uma vez preenchidos os requisitos nela elencados,
já autoriza o trabalho do menor aprendiz, sendo desnecessária a intervenção do
Judiciário nesse sentido.
Com efeito, uma vez concedido ao
menor a partir dos 14 anos o direito à profissionalização, ou seja, de
trabalhar na condição de aprendiz, despicienda a
autorização judicial, cabendo ao Judiciário Estadual intervir somente no caso
de descumprimento das regras estabelecidas nos art. 60 a 69 do
ECA quando invocado para tal, seja através do Conselho Tutelar ou do
Ministério Público.
Nesse sentido, vale transcrever o
ensinamento de ORIS DE OLIVEIRA in “Estatuto
da Criança e do Adolescente Comentado – Comentários Jurídicos e Sociais”, na atualizada 3.ª edição, pág. 197, ao tratar do art. 61 que
dispõe sobre a proteção ao trabalho dos adolescentes, que diz:
“Quando o adolescente trabalha
como empregado, de modo regular ou irregular e, também, abaixo da idade mínima
legal, a fiscalização administrativa é do Ministério Público do Trabalho e do
Juízo Trabalhista. Os Juízos da Infância e da Adolescência não têm
competência jurisdicional voluntária ou contenciosa em matéria trabalhista
para, por exemplo, expedir autorização de fornecimento de Carteira do Trabalho,
sobretudo para trabalhadores abaixo da idade mínima legal, ou autorizar que
adolescentes, como empregados, trabalhem em determinadas condições...
(sublinhei). Após a criação da Justiça do Trabalho a competência para decidir
sobre tudo o que tenha a ver com relação de emprego, de crianças, de
adolescentes e de adultos é do juízo trabalhista.
Todavia, as modalidades não empregatícias
não estão desprotegidas. Ocorrendo, por exemplo, desobediência às normas
específicas ou às genéricas de proteção acima apontadas, cabe administrativa ao
Conselho Tutelar, e no campo da administração da Justiça, ao Ministério Público
e ao Juízo da Infância e da Adolescência, tomar as providências cabíveis,
exigindo freqüência à escola, proibindo a continuação em trabalhos insalubres,
perigosos, penosos, noturnos, que prejudiquem a formação moral ou social.” (sublinhei).
Na verdade, o pedido de
autorização para o trabalho do adolescente remonta ao antigo Código de Menores,
quando cabia ao “Juiz de Menores” tal autorização.
Diante do exposto, o voto é pelo
provimento do apelo.
Des.
Alfredo Guilherme Englert (presidente e revisor) – De acordo.
Des. Rui
Portanova – De acordo.
Julgador(a) de 1º Grau: Maria Olivier.