A INFÂNCIA E A JUVENTUDE NO BRASIL

 

 

Márcio Pires de Mesquita

 

 

Breve histórico

 

A história da infância e juventude no Brasil divide-se, grosso modo, em duas fases distintas, uma anterior e outra posterior ao advento da Constituição Federal de 1988, seguida da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em julho de 1990. Anteriormente à vigência desses dois diplomas legais, os “menores” no Brasil, notadamente aqueles pertencentes às classes sociais menos favorecidas, eram objeto da intervenção do mundo adulto, sem que seus reais interesses fossem considerados no trato das diversas relações jurídicas que, de alguma forma, se lhes atingissem.

 

Somente com o advento da Carta Magna de 1988 tal quadro se modificou, nascendo, para os referidos “menores”, uma gama de direitos e garantias que foram disciplinados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual, a par de efetivar os princípios norteadores dos interesses afetos à infância e à juventude, quais sejam, proteção integral, prioridade absoluta, condição peculiar da pessoa em desenvolvimento e participação popular, cuidou de regulamentar as principais relações jurídicas entre as crianças e adolescentes, que passaram a ser considerados titulares autônomos de interesses juridicamente tutelados e subordinantes em face da família, sociedade, comunidade e o do Estado, titulares de interesses jurídicos subordinados.

 

Partindo dos princípios afetos à área da infância e da juventude e a fim de centrarmos um ponto de abordagem no presente ensaio, optamos por desenvolver o denominado princípio da participação popular, consagrado na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual a democracia participativa deve possibilitar à comunidade uma efetiva intervenção na formulação das políticas públicas de atendimento na área da infância e da juventude, permitindo, ainda, à população, através de mandatários eleitos para tal fim, a própria execução destas políticas.

 

A fim, pois, de dar plena efetividade a esse princípio, o Estatuto da Criança e do Adolescente, atendendo às disposições Constitucionais relacionadas às diretrizes de participação da população na implementação das políticas de assistência social, disciplinou a participação da comunidade organizada na formulação das políticas de atendimento na área da infância, bem como a própria execução de parte destas políticas.

 

Através dos CONSELHOS DE DIREITOS a sociedade participa na formulação das políticas de atendimento e através dos CONSELHOS TUTELARES participa  na execução dessas políticas.

 

Constituição Federal - Princípios básicos:

 

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivo:

I – proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – amparo às crianças e adolescentes carentes;

 

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

As disposições constitucionais retro mencionadas consagram o princípio da participação popular e aplicam-se, indistintamente, tanto ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, como ao Conselho Tutelar.

 

CONSELHOS DE DIREITOS

 

Estatuto da Criança e do Adolescente - regramento normativo:

 

Art.86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

 

Art.87. São linhas de ação da política de atendimento:

I—políticas sociais básicas;

II—políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitam;

III—serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vitimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão:

IV—serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;

V—proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

 

Art.88. São diretrizes da política de atendimento:

I—municipalização do atendimento;

II—criação de conselhos municipal, estadual e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurando a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

IV—manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente;

VI—mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.

 

Art.89. A função de membro do Conselho Nacional e dos conselhos estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente é considerada de interesse público relevante e não será remunerada.

 

Definição:

 

Os Conselhos de Direitos, sejam eles da União, dos Estados ou dos Municípios, caracterizam a instância na qual a população, através de organizações representativas, participará oficialmente da formulação da política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente e do controle das ações em todos os níveis.

 

À maneira do sistema de freios e contrapesos, a norma contida no Estatuto da Criança e do Adolescente, embasada nas disposições do já mencionado artigo 204 da Constituição Federal, instituiu três princípios para a participação na formulação da política de atendimento à infância:

1. O princípio da deliberação - governo e sociedade adotam, conjuntamente, deliberações acerca de como se aplicarão as disposições do art. 207, da CF;

 

2. O princípio do controle da ação - governo e sociedade se unem para comparar as ações levadas a efeito na área da infância com as normas do Estatuto e verificar se há desvio. Havendo, deliberam sobre formas, meios e modos para a sua correção;

 

3. O princípio da paridade - junção de dois atores sociais coletivos - governante e governados - a fim de deliberar e controlar as ações na área da infância, no intuito de garantir o caráter de freio ao arbítrio, bem como de contrapeso ao desvio da norma, o que se dá através do equilíbrio do número de membros no Conselho.

 

Criação:

 

A criação dos Conselhos de Direitos depende da existência de lei federal, estadual ou municipal (ECA, art. 88, II, "in fine"). O Estatuto da Criança e do Adolescente apenas traça as diretrizes básicas para a criação dos Conselhos.

 

Iniciativa:

 

Defendemos que a lei para a criação dos Conselhos de Direitos, por não gerar despesas às pessoas de direito público interno (União, Estados e Municípios), pode ser tanto de iniciativa comum como do Chefe do Poder Executivo.

 

Aplica-se, à evidência, a regra constante do artigo 30 da Constituição Federal[1], que reserva ao Município a competência para legislar acerca de assuntos de interesse local, notadamente no que respeita à organização de serviços públicos.

 

Paridade:

 

Os Conselhos devem garantir a participação popular paritária, por meio de organizações representativas. Dessa forma, o número de conselheiros eleitos pela população deve ser equivalente ao número de conselheiros representantes do poder público, cuja nomeação é feita livremente pelo Chefe do Executivo.

Nesse aspecto cumpre salientar que os conselheiros representantes do poder executivo exercem verdadeiros cargos em comissão, podendo, portanto, ser destituídos e nomeados a qualquer tempo pelo chefe do Executivo.

 

Composição e forma de escolha dos conselheiros:

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente não disciplina a composição dos Conselhos, nem a forma de escolha de seus membros, o que deve ser disciplinado nas leis que os criam. Todavia, deve ser observado o critério da PARIDADE, porquanto a participação popular se dá através da eleição de conselheiros escolhidos mediante pleito realizado por ORGANIZAÇÕES REPRESENTATIVAS da sociedade (Constituição Federal, artigo 204).

 

Por tal razão a doutrina entende que a lei de criação do conselho não pode delegar a escolha dos representantes da sociedade civil ao Poder Público, sob pena de violação ao referido dispositivo constitucional.

 

Sem embargo da posição daqueles que defendem que a participação popular se dê somente através de organizações voltadas à área da infância e da juventude, não se vislumbra, seja na Constituição Federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente qualquer menção à segmentação pretendida, determinando a lei que a participação seja popular.

 

Desse modo parece-me razoável que a participação de toda e qualquer entidade representativa da população - sindicatos patronais e de empregados, associações sem fins lucrativos (Rotary, Lyons, etc), pastorais e demais movimentos das diversas religiões, sociedades de amigos de bairro, dentre outros - configura a forma mais adequada de se garantir a participação social na elaboração das políticas voltadas à área.

 

O modo como a eleição se dará para escolha dos membros que representam a sociedade deve vir definida na lei que o criar, porquanto os conselheiros representantes do poder público são de livre escolha do chefe do executivo. É importante frisar que referida lei deve prever a existência de suplência, bem como os casos de cassação e substituição dos conselheiros, sob pena da inviabilidade de funcionamento do órgão nos casos de vacância ou mesmo improbidade de seus membros.

 

Quanto à duração dos mandatos dos Conselheiros não há disciplina específica no Estatuto da Criança e do Adolescente, cabendo, da mesma forma, à lei de criação dos Conselhos, a disciplina a respeito.

 

Por fim, em virtude de expressa disposição legal, a função de conselheiro não é remunerada e é considerada de relevância pública.

 

Atribuições do Conselho

 

Cabe ao Conselho de Direitos, através de deliberações, o traçado das políticas de atenção à infância e juventude, incumbindo-lhes o controle das ações realizadas na área. É, também, função do conselho a fixação de critérios para utilização dos fundos da criança e do adolescente, bem como o registro das entidades e programas na esfera municipal.

 

Fundo Especial

 

Há previsão no art. 88, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, da criação de FUNDOS nacional, estaduais e municipais, vinculados aos respectivos Conselhos de Direitos.

 

Tais fundos especiais encontram amparo na Constituição Federal, artigo 167, IX, que impõe a edição de lei para a sua criação. Nos termos do inciso IV, do mesmo dispositivo constitucional, é vedada a vinculação de impostos ou tributos para a composição de tais fundos especiais.

 

A Constituição Federal (art. 165, § 9°) exige, ainda, que o regramento e estabelecimento de condições gerais para a instituição e o funcionamento de fundos especiais devam se dar por meio de lei complementar. Todavia, até o presente momento a referida lei complementar não foi editada, entendendo a doutrina que, na ausência da referida lei complementar, aplicam-se disposições da Lei n° 4.320/64, que, nos artigos 71 a 74, disciplina a administração dos fundos especiais.

 

Lei n° 4320/64 - Dos Fundos Especiais

 

Art. 71 - Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.

 

Art. 72 - A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.

 

Art. 73 - Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.

 

Art. 74 - A lei que instituir fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem, de qualquer modo, elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

 

Nos termos do art. 71, da Lei 4320/64, devem estar previstas na lei de criação do fundo especial quais as verbas que o comporão (doações, multas, bilheterias de shows, incentivos fiscais, etc.), ressaltando-se a vedação de vinculação a tributos, que detém caráter compulsório.

 

O artigo 72 disciplina que a aplicação das verbas vinculadas ao fundo se faz em função de previsão orçamentária, sendo que o eventual saldo credor deve permanecer à disposição do mesmo fundo ao final do exercício financeiro, sendo vedadas movimentações de numerário para outras finalidades (art. 73).

 

Por fim, o artigo 74 do mesmo diploma legal abre a possibilidade para a instituição de normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas das aplicações, sem prejuízo do controle levado a efeito pelo Tribunal de Contas.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente impõe que as verbas a serem aplicadas nos programas de assistência na área, sejam geridas e fiscalizadas pelos Conselhos de Direitos, nos diversos níveis da administração, cabendo, também, ao Ministério Público a determinação da forma de fiscalização da aplicação das parcelas carreadas ao fundo, que forem fruto de deduções do imposto de renda, nos termos do art. 260, § 4°, ECA.

 

Estas são, em linhas gerais, as diretrizes que informam a existência dos Conselhos de Direitos da criança e do adolescente, inovação do legislador constituinte, consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que permite a participação democrática da população na formulação das políticas de atendimento voltadas à infância e juventude.

 

CONSELHOS TUTELARES

 

Estatuto da Criança e do Adolescente

 

Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei.

 

Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, sendo permitida uma recondução.

 

          Art. 132 com nova redação dada pela Lei nº 8.242, de 12-10-1991.

 

Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos:

          I - reconhecida idoneidade moral;

          II - idade superior a 21 (vinte e um) anos;

          III - residir no município.

 

Art. 134. Lei Municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto a eventual remuneração de seus membros.

Parágrafo único. Constará da Lei Orçamentária Municipal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar.

 

Art. 135. O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo.

 

CAPÍTULO II

Das Atribuições do Conselho

 

Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:

          I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos art. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

          II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;

          III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:

          a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;

          b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações;

          IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;

          V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;

          VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;

          VII - expedir notificações;

          VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;

          IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;

          X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;

          XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.

 

Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.

 

CAPÍTULO III

Da Competência

 

Art. 138. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de competência constante do art. 147.

 

CAPÍTULO IV

Da Escolha dos Conselheiros

 

Art. 139. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público.

          Art. 139 com redação dada pela Lei nº8.242, de 12-10-1991

 

CAPÍTULO V

Dos Impedimentos

 

Art. 140. São impedimentos de servir no mesmo Conselho marido e mulher, ascendentes e descendentes, sogro e genro ou nora, irmãos, cunhados, durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado.

Parágrafo único. Estende-se o impedimento do conselheiro, na forma deste artigo, em relação à autoridade judiciária e ao representante do Ministério Público com atuação na Justiça da Infância e da Juventude, em exercício na Comarca, Foro Regional ou Distrital.

 

 

Definição:

 

Os Conselhos Tutelares caracterizam, também, instância de participação democrática, através da qual a população, na qualidade de órgão de execução implementa as políticas da infância e juventude.

 

São três as características do conselho tutelar:

 

1. É órgão permanente, ou seja, não eventual ou temporário;

 

2. É órgão autônomo - seus membros gozam de independência na sua atuação funcional, não podendo suas decisões ficarem submetidas a escalas hierárquicas no âmbito da administração, sendo passíveis de revisão judicial;

 

3. É órgão não juriscional, eis que as funções exercidas são de natureza executiva;

 

O fundamento para a criação dos Conselhos Tutelares nasceu da constatação que a maioria dos casos levados à decisão do “Juiz de Menores” eram casos de assistência social, e não de lides propriamente ditas, os quais não dependiam da valoração jurídica mais significativa. Entendendo o legislador que tais casos teriam solução mais rápida e adequada se submetidos à apreciação de pessoas escolhidas pelo povo, idealizou a existência de um Conselho Tutelar, composto de pessoas eleitas para o fim específico de cuidar da execução de políticas na área da infância e da juventude.

 

Atualmente são três as formas mais conhecidas de organização, pertinente a quem é reservada a “decisão/implementação”, das ações de assistência social na área de proteção à infância:

 

1 - “Jurisdicional”: que se caracteriza pela submissão de todo e qualquer caso envolvendo interesses de crianças ou adolescentes ao “juizado de menores”.  Este foi o sistema adotado no Brasil até o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente;

 

2 - “Administrativo ou Executivo”: que se caracteriza pela existência de um corpo técnico, formado normalmente por assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, geralmente vinculados ao Poder Executivo;

 

3 - “Comunitária”: no qual se dá a participação direta de pessoas escolhidas pela comunidade - nosso sistema atual - que tem por premissa a idéia de que a representatividade que a eleição confere aos conselheiros tutelares, dota-os de maior agilidade na articulação dos meios disponíveis na comunidade para  a solução de cada problema concreto.

 

Criação:

 

            A criação dos Conselhos Tutelares depende da existência de lei municipal, art. 134 - ECA, que deverá dispor acerca do local, dia e horário de funcionamento do conselho, inclusive quanto a eventual remuneração de seus membros.

 

Iniciativa:

 

A lei para a criação do Conselho Tutelar é de iniciativa exclusiva do Prefeito, nos termos do artigo 134 do Estatuto da Criança e do Adolescente, porquanto sua implementação demanda gastos para o Executivo .

 

Composição e forma de escolha dos conselheiros:

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 132) determina que em cada município haverá pelo menos um Conselho Tutelar, que deve ser composto por 5 (cinco) membros, escolhidos pela comunidade, para um mandato de 3 anos, permitida uma recondução.

 

A forma de escolha dos conselheiros não vem disciplinada no Estatuto da Criança e do Adolescente. Seu regramento deve ser estabelecido em lei municipal. A escolha pode se dar por eleição direta ou mesmo por eleição indireta, ou outra forma de indicação. É importante salientar que os membros devem ser escolhidos pela comunidade (art. 132 - ECA, 204 da CF), de modo que não podem ser indicados pelo poder público.

 

O processo eleitoral, estabelecido em lei municipal, é realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, com a fiscalização do Ministério Público aplica-se “in casus”, os mesmos princípios de fiscalização previstos no Código Eleitoral.

 

Requisitos

 

            Para ser candidato a conselheiro tutelar é exigido (art. 133 - ECA):

a) reconhecida idoneidade moral

b) idade superior a 21 anos

c) residir no Município

Há quem defenda que, além destes requisitos, lei municipal poderão acrescer outros, tais como prova de conhecimento, experiência em determinadas funções, vinculação com áreas específicas da infância, etc. Parece-nos, entretanto, que a inclusão de qualquer exigência para a candidatura, além daquelas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, padecem do vício da inconstitucionalidade, na medida em que a participação comunitária deve ser ampla e isonômica (art. 37, da CF), caso fosse outra a idéia do legislador a função teria sido criada para preenchimento mediante a realização de concurso público e não por critério eletivo.

 

Atribuições do Conselho

 

As atribuições do Conselho Tutelar são aquelas previstas no artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente, compreendendo, dentre outras, a) o atendimento das crianças e adolescentes quando em situação de risco; b) o atendimento e aconselhamento dos pais ou responsável; c) a fiscalização das entidades de atendimento.

 

Considerando a forma de escolha de seus membros, bem como o modelo adotado pelo legislador pátrio (participação democrática), não se pode conceber a existência de um conselho tutelar aparelhado de corpo técnico que realize o atendimento dos casos concretos, sob pena de descaracterização do sistema de participação democrática para o sistema administrativo ou executivo, anteriormente mencionado.

 

Prerrogativas

 

O exercício da função de conselheiro constitui serviço público relevante, estabelecendo presunção de idoneidade moral e assegurando prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo (art.135 - ECA).

 

O artigo 262 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que, enquanto não forem instalados os Conselhos Tutelares, as atribuições a eles conferidas serão exercidas pelo Juiz da Infância e da Juventude.

 

De tudo o quanto foi exposto, observa-se que o legislador pátrio, de forma ousada e moderna, estabeleceu uma instância popular de participação na vida e evolução dos direitos da criança e do adolescente, delegando à população, por intermédio dos Conselhos de Direitos e Tutelares, a tarefa de intervir nas questões sociais que diuturnamente se apresentam para solução. Cabe-nos, operadores do Direito, nos encarregarmos da aplicação e aperfeiçoamento desse sistema, a fim de possibilitarmos a transformação da “democracia programática” numa realidade efetiva, em benefício aqueles que, por ora e por um período máximo de vinte e um anos, não podem exercer seus direitos à plenitude.

 

 

Notas

[1] Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;