O CONTROLE JUDICIAL DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS
SÓCIO-EDUCATIVAS
Antonio Fernando do Amaral e
Silva
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
"Em que pese a Carta
Política, a Convenção e o Estatuto – adolescentes infratores, em muitos casos, continuam
sendo tratados com mais rigor do que, em iguais circunstâncias, jovens adultos
penalmente imputáveis, não se lhes reconhecendo, por exemplo, o direito à
prescrição, às excludentes e dirimentes. Hipóteses em que adultos não seriam
internados, como nos delitos de bagatela ou de menor potencial ofensivo,
adolescentes resultam, muitas vezes, privados de liberdade".
Generalidades
Questão tormentosa e
desafiante, a eficácia da sentença na jurisdição dos atos infracionais não
teve, ao que se saiba, pesquisa científica capaz de certificar o resultado da
intervenção judicial.
Embora não se possa avaliar
com a necessária segurança, o fato é que informações disponíveis deixam antever
a probabilidade de se prosseguir com resultados pouco animadores.
A inexistência ou a oferta irregular de propostas pedagógicas; a falta de programas de preservação ou restabelecimento de vínculos familiares e comunitários; a carência de pessoal técnico e de instalações físicas adequadas; a omissão de envolvimento com os pais ou responsável e a falta de medidas a eles aplicadas; a deficiência na escolarização e na profissionalização; a falta de programas de preparação para o desligamento e a ausência de acompanhamento de egressos podem ser apontadas como as principais causas da ineficácia do sistema.
As práticas usuais de
reintegração, ressocialização e reeducação persistem como mitos convenientes,
legitimadores do controle social da pobreza.
A incompletude ou os resultados negativos da sentença na fase executória, no final do processo, tem como causas não só o desaparelhamento do sistema administrativo, mas a interpretação equivocada de normas estatutárias.
Em muitos casos, a imposição de medidas sócio-educativas continua embasada nos princípios enviesados da "Doutrina da Situação Irregular".
Promotores, advogados, técnicos, e juízes persistem no viés da "tutela", da "proteção", do "melhor interesse", sem atentar para as novidades das garantias constitucionais e processuais. São ignorados os princípios da legalidade, da proporcionalidade, da individualização da medida, bem como a desmistificação do "sistema protetivo".
Operadores do Direito e executores administrativos, geralmente, não consideram o estigma da sentença que impõe medida sócio-educativa. Também, não levam em consideração o caráter punitivo, claramente visualizado nas restrições à liberdade e ao direito à convivência familiar e comunitária.
A inexistência ou a oferta irregular de propostas pedagógicas faz com que as medidas sócio-educativas resultem impostas apenas no aspecto repressivo e, o que é pior, sem observância do critério da proporcionalidade.
Adolescentes infratores, em muitos casos, são ainda tratados com maior rigor do que jovens adultos penalmente imputáveis. Esses credores de benefícios inacessíveis dos adolescentes, como prazos reduzidos de prescrição, de substituição de penas privativas de liberdade por simples restrições de direitos, etc...
A garantia da fundamentação
e a da individualização da medida, geralmente, não constam das sentenças,
faltando referência à alternativa meramente protetiva.
Também as sentenças e o respectivo processo restringem-se ao adolescente, sendo raras as hipóteses de aplicação simultânea de medidas aos pais ou responsáveis.
Continua pálida a participação do advogado e as defesas surgem muito deficientes, insistindo-se, ainda, que o advogado deve ter uma atuação diferente, limitada. Olvida-se o secular princípio da presunção de inocência e tudo é tratado com muita singeleza.
Tais vieses contribuem à falta de boa jurisprudência, principalmente no que tange às garantias do habeas corpus e do devido processo legal.
A defesa verdadeiramente técnica persiste inacessível à maioria dos jovens em conflito com a lei.
A Lei Penal, geralmente invocada para a conceituação do ato infracional, é abandonada quando se trata do exame da culpabilidade e das respectivas excludentes, matérias que beneficiariam o adolescente, livrando-o de restrições de direito e até da privação da liberdade.
Pretensos infratores são punidos com medidas sócio-educativas, quando não passam de portadores de doença ou deficiência mental, credores de tratamentos especializados.
Impõe-se assumir o novo
modelo do Estatuto responsabilizante e garantista, o que implica desmistificar
o caráter exclusivamente protetor das medidas sócio-educativas, reconhecendo a
índole punitiva que lhes é imanente. Punição pedagógica, justa e adequada, sem
caráter vexatório, constrangedor, humilhante.
Uma boa interpretação do Estatuto não dispensará a comparação com o sistema repressivo dos adultos, no qual estes gozam da substituição de medidas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana), inclusive do direito ao sursis. Medidas que não são facultativas, mas imperativas.
Na comparação, tenha-se presente que o adulto primário de bons antecedentes, condenado por furto, lesão corporal, etc..., normalmente não responde com a liberdade.
A eficácia da sentença depende de vários fatores, entre eles a correta interpretação do Estatuto, que inclui princípios garantistas do Direito Penal (ciência e norma). Trazer do Direito Penal as garantias, os benefícios para os adolescentes, salvo, é claro, a pena criminal, substituindo-a pela medida sócio-educativa.
No interesse dos direitos humanos surge necessário reconhecer que as medidas sócio-educativas, implicando em limitações de direitos e até da liberdade, têm também aspecto repressivo, que deve ser minimizado, valorizando-se o caráter educativo.
A perfeita execução exige que o traço repressivo seja contrabalanceado por apropriada proposta pedagógica. O envolvimento da família e da comunidade também é indispensável.
A execução
Execução eficaz e perfeita pressupõe sentença hígida, portanto completa, objetiva e subjetivamente, formando um silogismo perfeito, onde a fundamentação (artigo 93, IX, CF) surja relevante.
Sendo subsidiário, é invocável o Código de Processo Penal. Os requisitos formais do artigo 381 são indispensáveis. Também é exigência de validade o atendimento do disposto no artigo 189 do Estatuto.
Os defeitos extra petita, ultra petita e in pejus maculam a sentença.
As hipóteses são de garantia; portanto, invocáveis.
Tenha-se presente o caráter garantista do Direito Processual, colocado no Estatuto, artigos 110 a 111; 112, § 1º, 152, 182, 184, § 1º e 207.
Como na jurisdição penal, a execução sócio-educativa objetiva efetivar as disposições da sentença, "proporcionando condições para a harmônica integração social do condenado e do internado" (art. 1º da LEP).
A execução se desenvolve na órbita administrativa sob controle jurisdicional, caracterizada pela participação ativa do Ministério Público e do defensor.
Execução é processo e
pertence ao Direito Judiciário, envolvendo, claro, Direito da Criança e do
Adolescente (O Estatuto), Direito Penal, Processual Penal e, por analogia,
enquanto não se editar uma lei de execução, a Lei de Execução Penal, (ECA, art.
152).
O recurso à Lei dos Adultos tem por objetivo tornar a execução juvenil menos gravosa, proporcionando, por exemplo, progressão de medidas com perfeita individualização.
Hoje a execução de medidas fica praticamente a critério do juiz e da equipe técnica. É preciso dar legitimidade ao Ministério Público e à defesa para recursos, possibilitando o reexame de decisões por uma segunda instância. Critérios objetivos que para serem obrigatórios precisam constar de lei.
A assistência jurídica desponta relevante. Confira-se a Lei 7.210, de 11.07.84, artigos 3º, 10, 11, 15, 22, 24 e 59.
Do Estatuto são invocáveis, entre outros, os artigos 5º, 6º, 7º, 15, 19, 53, 58, 69, 90, 92, 94, 99, 100, 121, 123, 124 e 125.
A execução é processual para
garantia dos direitos do "reeducando". Não pode ser mais
"pesada", "opressiva", do que em iguais circunstâncias
seria imposta a um jovem adulto pelo sistema de resposta penal ou
penitenciária.
O controle jurisdicional terá em conta, por exemplo, a necessidade dos laudos técnicos e a restrição do § 2º do art. 112. Também as cautelas do parágrafo único do artigo 117 e os encargos do artigo 119, todos do Estatuto.
No que tange à internação, são cogentes os princípios da "brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento" (art. 121). É preciso dizer em que consiste a brevidade, impedindo seja subjetivamente considerada. Não é possível continuar com a interpretação própria do antigo Código de Menores, onde a "proteção", justificava tudo, principalmente a opressão.
Entre os incidentes da execução, surge relevante a progressão de regimes: internação para semiliberdade. Desta, para liberdade assistida. Da medida sócio-educativa, para a de proteção. Incidentes que hoje não têm disciplinação própria.
A lacuna reclama regulamentação que só pode ser feita adequadamente através de uma lei de execução de medidas sócio-educativas.
É inafastável a garantia da reavaliação periódica, visando à progressão de regimes.
Os seis meses do § 2º do artigo 121 constituem prazo máximo. Ultrapassado, surge o direito ao habeas corpus.
Todos os incidentes se submetem ao princípio do contraditório, principalmente a internação prevista no item III do artigo 122.
A medida tem natureza cautelar, mas só pode ser imposta facultada justificativa em despacho fundamentado, onde se demonstre a necessidade imperiosa da restrição que pode ser suspensa uma vez o adolescente se disponha a cumprir a medida anteriormente imposta.
Enquanto não editada lei de execução (CF, art. 24, XV e parágrafos), as Corregedorias Gerais de Justiça poderão normatizar procedimentos no sentido de garantir os direitos do sentenciado, regulando, por exemplo, a espécie de documentos que devem acompanhar o adolescente quando determinada a internação ou outra medida: sentença, laudo da equipe técnica, certidões de registro civil e da escola, trânsito em julgado, ou, até, fotocópia da íntegra do processo. A cautela facilitará a individualização do tratamento.
É necessário terminar com o arbítrio que a lacuna de uma lei de execução permite.
Onde não há regras objetivas
e coercitivas tudo pode acontecer, principalmente a injustiça.
Conclusões
1 - A eficácia da sentença, portanto da intervenção judicial relativamente aos adolescentes em conflito com a Lei, depende da execução.
2 - A execução das medidas sócio-educativas é jurisdicionalizada para garantia dos direitos do adolescente, por isso que a resposta, mesmo nas hipóteses de simples restrição de direitos, como na liberdade assistida, tem inescondível caráter punitivo, retributivo.
Há que minimizar tal caráter, priorizando o aspecto educativo. O que só pode ser feito com segurança através de um plano pedagógico de execução, disciplinado através de regras claras e precisas, que para serem coercitivas dependem de lei.
A desmistificação do aspecto tutelar, reconhecendo que as medidas sócio-educativas representam sanções, é indispensável à consciência da responsabilidade social do jovem, sendo vantajosa às autoridades judiciárias que se redobrarão em cuidados, restringindo as medidas sócio-educativas às hipóteses de absoluta necessidade.
3 - Reeducação e
ressocialização persistem como mitos convenientes, legitimadores do controle
social da pobreza. É necessário esclarecer que os infratores se submetem a
regime de execução imposto pelo Estado e que a limitação de direitos é um mal
necessário. E assim, não pode ser arbitrária, subjetiva, mas baseada em
critérios objetivos, estes sendo positivos, dependem de lei.
4 - É imprescindível abrir mão do enfoque da "tutela", proveniente da chamada Doutrina da Situação Irregular, para assumir o novo paradigma, responsabilizante e garantista, da Doutrina da Proteção Integral, reconhecendo que o adolescente tem responsabilidade sócio-educativa.
5 - Em que pese a Carta Política, a Convenção e o Estatuto, adolescentes infratores, em muitos casos, continuam sendo tratados com mais rigor do que, em iguais circunstâncias, jovens adultos penalmente imputáveis, não se lhes reconhecendo, por exemplo, o direito à prescrição, às excludentes e dirimentes.
Hipóteses em que adultos não seriam internados, como nos delitos de bagatela ou de menor potencial ofensivo, adolescentes resultam, muitas vezes, privados de liberdade.
A tanto contribui a pálida participação do advogado, atuando o defensor, geralmente, com os vieses da antiga doutrina na qual a defesa era limitada.
Também a falta nas entidades de Internação, da necessária assistência jurídica, obrigatória nos estabelecimentos penais (LEP artigos 11, III e 15), muito contribui para o "tratamento" mais rigoroso.
6 - A eficácia da sentença depende de processo hígido, portanto caracterizado pelas garantias onde os motivos da resposta sócio-educativa estejam claramente colocados, possibilitando o recurso à segunda instância e à jurisdição especial e extraordinária.
7 - A execução, para ser eficaz, depende da proposta pedagógica, que deve envolver a família e a comunidade.
Lamentavelmente, na maioria dos casos, tal proposta, ou não existe, ou é incompleta. A irregularidade transforma a medida sócio-educativa em simples punição. Há que se disciplinar com regras objetivas a proposta pedagógica e a maneira do seu desenvolvimento, deixando claro que a sua inexistência ou oferta irregular implicará em constrangimento ilegal, sanável inclusive através do habeas corpus.
8 - Enquanto não editada lei de execução sócio-educativa, seria interessante disciplinar as cautelas do encaminhamento de adolescentes. A medida permitiria que a autoridade administrativa pudesse melhor individualizar, humanizando o "tratamento", com resposta justa e adequada.
9 - As respostas sócio-educativas, para ser, mesmo, justas e adequadas, devem se caracterizar pela brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento, preferindo alternativas à privação de liberdade.