A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA

 

 

Carlos Alberto Valera*

Membro do Ministério Público de Minas Gerais.

 

 

1) Introdução:

A década de 90 foi marcada pela preocupação dos povos com a efetivação dos chamados “direitos humanos”.

Nesse período surgem variados diplomas, pactos, convenções, declarações, disciplinando inúmeros direitos.

 

Dentre eles, nos idos de 1989, surge, por iniciativa das Nações Unidas, a “Convenção Sobre os Direitos da Criança”, instrumento que no dizer do Prof. José Augusto Lindgren Alves: “... tem sido o documento normativo com maior capacidade mobilizadora desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948”.(“A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos” – pág. 162).

 

O texto citado também tem o mérito de mudar o então paradigma vigente, elevando as crianças à figura de “sujeito de direitos”, tendo em vista que a citada parcela populacional é hoje a que mais goza de atenção e interesse pelo conjunto de seres humanos do Planeta.

 

 

2) Da luta pela implementação da Convenção:

 

A aprovação da Convenção Sobre os Direitos da Criança foi antecedida de grande luta, no campo diplomático e ideológico.

 

A ONU – Organização para as Nações Unidas, capitaneou os trabalhos que perduraram por mais de 10 (dez) anos.

 

Nesse interstício, ainda vivíamos sobre a chamada “Guerra Fria” e os dogmas orientais e ocidentais se conflitavam, bem como, as ideologias capitalista e comunista também se chocavam.

 

Contudo, com a queda do muro de Berlim e o final da “Guerra Fria” foi possível a aprovação do texto em 1989.

 

O texto atual possui como pedra basilar à antiga Declaração dos Direitos da Criança de 1959, a qual, estabelecia dez princípios básicos, os quais deveriam ser seguidos por todos, dentre a sociedade civil, família, Estado, etc.

 

O Brasil, seguindo o modelo da proteção integral já imposta por força dos artigos 227 e 228 da Carta Magna de 1988, rapidamente assinou a Convenção de 1989, tendo o então Presidente da República, Fernando Collor, comparecido a Cúpula Mundial Sobre a Criança, realizada em Nova York, na data de 26 de janeiro de 1990.  Após a assinatura a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo 28, de 14 de setembro de 1990 e a promulgação interna do texto se deu pelo Decreto 99710, de 21 de novembro de 1990, encontrando-se em plena e total vigência.

 

3) Da composição do texto:


O texto da Convenção, como ensina-nos o Prof.  José Augusto: “... compõem-se de treze considerandos fundamentadores e referenciais e cinqüenta e quatro dispositivos, divididos em três partes: a Parte I (Artigos 1. º a 41), definidora e regularizadora, dispõe em substância sobre os direitos da criança; Parte II (Artigos 42 e 45) estabelece o órgão e a forma de monitoramento de sua implementação; a Parte III (Artigo 46 a 54) traz as disposições regulamentares do próprio instrumento”. (Ob. cit. – p. 166)

 

Já no Artigo 1. º a Convenção dá a definição jurídica de criança:

 

“Artigo 1. º - todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a Lei aplicável à criança, a maioridade seja aplicada antes”.

 

Como se vê o texto, dada a grande luta ideológica travada, traz válvula de escape, prevendo a possibilidade dos Países, por força da soberania, aumentarem ou reduzirem a idade fixada.

 

A gama de direitos que a Convenção 1989 se dispõe a assegurar é tão variada que visando sua observância, a ONU, promovendo campanha mundial de divulgação sintetizou os aspectos mais importantes de cada parte da Convenção.

 

Da Parte I, destaca-se:

Toda criança tem o direito inerente à vida e os Estados assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança;

Toda criança tem, desde que nasce, direito a um nome e a uma nacionalidade;

Quando os tribunais, as instituições de bem-estar social ou as autoridades administrativas adotarem medidas concernentes a crianças, deverão levar em consideração primordial o interesse superior da criança, dando atenção as suas próprias opiniões;

Os Estados garantirão às crianças o pleno gozo de seus direitos, sem qualquer forma de discriminação ou distinção;

As crianças não deverão ser separadas de seus pais, exceto quando as autoridades competentes determinarem que a separação é necessária ao seu bem-estar;

Os Estados facilitarão a reunião familiar, permitindo, para tanto, que a criança e seus pais entrem e saiam dos respectivos territórios;

Cabe aos pais a responsabilidade primordial sobre a criação dos filhos. Os Estados prestarão assistência apropriada aos pais e criarão instituições para assistência às crianças;

Os Estados protegerão a criança contra as agressões físicas ou mentais, a negligência e o abandono, inclusive o abuso, violência e exploração sexual;

Os Estados garantirão às crianças sem família proteção alternativa e conveniente. O processo de adoção será meticulosamente regulamentado, devendo os Estados procurarem celebrar acordos internacionais que assegurem garantias e legalidade aos procedimentos pertinentes quando os pais adotivos tencionarem levar a criança para fora de seu país de origem;

As crianças portadoras de deficiências físicas terão direito a tratamento, educação e cuidados especiais;

As crianças têm direito ao nível mais elevado possível de saúde; os Estados garantirão cuidados médicos a todas as crianças, conferindo prioridade a medidas preventivas, à educação sanitária e a redução da mortalidade infantil;

O ensino primário será obrigatório e gratuito. A disciplina escolar deve respeitar a dignidade da criança. A educação terá por objetivo preparar a criança para a vida dentro de um espírito de compreensão, tolerância e paz;

As crianças terão tempo para o descanso e o lazer, bem como acesso a atividades culturais e artísticas em condições de igualdade;

Os Estados protegerão a criança contra a exploração econômica e contra todo o trabalho que comprometa sua educação ou possa ser nocivo a sua saúde e bem-estar;

Os Estados protegerão a criança contra o uso ilícito de drogas e contra a sua participação na produção e no tráfico de drogas;

Tomar-se-ão todas as medidas necessárias para a impedir o seqüestro e o tráfico de crianças;

Não serão impostas nem a pena capital, nem a de prisão perpétua, para delitos cometidos por infratores com menos de dezoito anos de idade;

As crianças em detenção devem ser separadas dos adultos e não serão submetidas a torturas ou outros tratamentos e penas cruéis, desumanos e degradantes;

Nenhuma criança menor de quinze anos de idade participará de ações militares; as crianças afetadas por conflito armado receberão proteção especial;

As crianças que pertençam as populações minoritárias ou indígenas terão direito a sua própria vida cultural, à prática de sua religião e ao uso livre de sua língua;

As crianças implicadas em delitos penais têm o direito a tratamento que contribua para o desenvolvimento de seu sentido de dignidade e valor pessoal e vise capacita-las para a reintegração social.

 

Na segunda parte da Convenção que vai do artigo 2  ao 41, os destaques estão relacionados com a não-discriminação e outros comandos dirigidos ao Estado e,  obviamente, a toda Sociedade, visando assegurar a gama de direitos alhures citados.

 

Por fim, a terceira parte, artigos 43 a 45, faz menção aos Órgãos de controle para implementação da Convenção.

 

O citado órgão é sintetizado em um Comitê, denominado “Comitê dos Direitos da Criança”, o qual é composto por dezoito peritos, todos eleitos pelos Estados-partes.

 

O empecilho a maior atuação do órgão implementador relaciona-se com a ausência de atribuições investigatórias e semijudiciais, porém, tem-se se tentado suprir todas falhas com uma inter-relação entre os variados órgãos externos que cuidam da matéria, chegando-se a conclusão que a Convenção tem funcionado de forma satisfatória e apresentado vários avanços.



4) Dos reflexos da Convenção no Brasil: 


Como assinalado acima, felizmente, a ratificação da Convenção Sobre os Direitos da Criança no Brasil, só veio reforçar uma tendência que já havia sido determinada pelo Legislador Constituinte de 1988.

 

O texto Constitucional, em especial nos artigos 227 e 228, “destruiu” a antiga rotina das crianças em “situação irregular”, onde suas opiniões eram postergadas e o Estado/Juiz definia, de forma absoluta, seus destinos, para construir a moderna doutrina da “proteção integral”, onde, de fato, as crianças passaram a ser sujeitos de direitos e não meros espectadores dos deslindes do Estado sobre suas vidas.

 

Nessa linha de pensamento, em 1990, veio a lume a Lei Federal 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhecido, inclusive, pela ONU como uma das legislações mais modernas e avançadas de proteção à criança e a adolescência.

 

Esses três diplomas legais, ou sejam, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Convenção Sobre os Direitos da Criança compõem um valioso instrumental jurídico para a proteção da criança e do jovem, possibilitando a diminuição das mazelas que afligem essa vulnerável parcela da população.

 

Contudo, não podemos ser bisonhos a ponto de acreditar que a simples criação de instrumentos jurídicos poderá mudar o flagelo da exclusão e da injustiça social, é preciso uma mudança de comportamento de toda a Sociedade, mudança esta que tem como ponto nevrálgico à educação e a cultura do povo, aliados a já tardia Justiça Social, sob pena de nos olvidarmos do inesquecível alerta feito por Gabriela Mistral:

 

“Somos culpados de muitos erros e muitas falhas, mas nosso pior crime é abandonar as crianças, desprezando a fonte da vida. Muitas das coisas que precisamos podem esperar, mas a criança não pode pois é exatamente agora que seus ossos estão se formando, seu sangue é produzido e seus sentidos estão se desenvolvendo. Para  ela não podemos responder Amanhã, seu nome é HOJE"



* Professor de Direito Constitucional da Universidade de Alfenas-UNIFENASCampi Poços de Caldas/MG  Mestrando em Direito Público.