TRABALHO EDUCATIVO - O trabalho educativo previsto no ECA faz do menor um educando, ficando relegado o aspecto do exercício da atividade profissional - o objetivo é a educação e não apenas a entrada no mercado de trabalho, sem qualquer qualificação para tanto.Assim, não é toda atividade laboral capaz de ser tomada como educativa. Apenas aquela que, inserindo-se como parte de projeto pedagógico, vise ao desenvolvimento pessoal e social do educando. (RO - 8616/01, Segunda Turma do TRT da 3ª Região, Relator : Juiz Ricardo Antonio Mohallem, Data de Publicação : 17/10/2001)

 

 

 

                                      Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recursos Ordinários, interpostos de decisão da MMª Vara do Trabalho de ARAGUARI, em que figuram como Recorrentes VARA DO TRABALHO DE ARAGUARI(EX OFFICIO) (1), MUNICÍPIO DE ARAGUARI (2) e FLÁVIA RODRIGUES ALVES E OUTROS (3) e, como recorridos, OS MESMOS (1) e CMBEM CONSELHO MUNICIPAL DO BEM ESTAR DO MENOR(2).



                                      RELATÓRIO.

 

                                      Pela r. sentença de fs. 412-419, o d. Juízo da Vara do Trabalho de Araguari/MG julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando os reclamados, solidariamente, a pagar aos reclamantes aviso prévio; férias proporcionais + 1/3; 13º salário proporcional referente aos anos de 1999 e 2000; FGTS + 40%; multa do art. 477 da CLT; saldo de salários referente ao mês de julho de 2000, em dobro; diferenças salariais e reflexos das diferenças sobre aviso prévio, férias acrescidas de 1/3, 13º salário e saldo de salário.

 

                                      Reconheceu o vínculo empregaticio com o Município de Araguari (f. 417), embora não tenha determinado a respectiva anotação na CTPS. Remessa necessária, conforme comando de f. 419.

 

                                      Recurso voluntário do segundo reclamado, fs. 420-425, por meio do qual sustenta que a relação havida entre as partes não foi de emprego, mas de iniciação ao trabalho; não houve fraude na pactuação; reconhecer a relação como de emprego implica ofensa ao princípio da legalidade; no máximo, se mantido o vínculo reconhecido na origem, a condenação deve se limitar ao saldo de salário (4 dias de julho/2000); o interesse público deve prevalecer
sobre qualquer outro; é incabível a responsabilidade solidária; não é aplicável à espécie o pagamento dobrado de saldo de salários.

 

                                      Contra-razões, fs. 427-431.

 

                                      Recurso adesivo interposto pelos reclamantes, fs. 432-434,
pugnando pelo reconhecimento de quebra antecipada do contrato de trabalho por culpa exclusiva dos reclamados, o que impõe a condenação ao pagamento das parcelas relativas ao salário e consectários legais, até o limite de 18 anos de cada recorrente, conforme estabelecido no convênio celebrado. Contra-razões do Município de Araguari, fs. 437-439.
Manifestação do Ministério Público do Trabalho, fs. 441-445, sugerindo o conhecimento da remessa oficial, do recurso voluntário e do recurso adesivo, com o provimento parcial apenas da remessa necessária e do recurso voluntário do Município, para limitar a responsabilidade deste ao grau subsidiário.

 

                                      É o relatório.

 

 

                                      VOTO.

 

1.      ADMISSIBILIDADE.

 

                                      Conheço da remessa oficial, por imperativo legal (DL nº 779/69). Conheço do recurso voluntário do segundo reclamado (Município), porque em boa ordem.
O recurso adesivo é tempestivo. Desafia conhecimento apenas com relação ao Município de Araguari. O recurso adesivo é incidente recursal e subordina-se ao recurso principal. No caso, apenas o Município recorreu e somente este é o recurso principal. Não é o caso de conhecer do recurso adesivo dos reclamantes, no que direcionado a agravar a condenação imposta ao CMBEM, que não recorreu.

 

                                      A análise do recurso voluntário e da remessa oficial será procedida em conjunto.



2.      MÉRITO.

 

2.1      REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO VOLUNTÁRIO DO MUNICÍPIO DE ARAGUARI

 

 

                                      O Município de Araguari não se conforma com a condenação imposta, sobretudo com a solidariedade impoosta. Sustenta que a relação havida entre as partes não foi de emprego, mas apenas de iniciação ao trabalho. O interesse municipal foi de implementar programa de orientação, assistência e desenvolvimento da juventude urbana e rural. A fraude
trabalhista não se configurou e, por fim, o reconhecimento do vínculo com a municipalidade afronta o princípio da legalidade. É verdade que o Município de Araguari instituiu o Programa
Mineiro de Amparo à Criança e ao adolescente PROMAM, Lei nº 3.035/95, fs. 80-82. O objetivo era alcançar os adolescentes (faixa etária de 14 a 18 anos), em situação de risco pessoal e social, facilitando-lhes e/ou promovendo-lhes atendimento, de maneira a prepará-los ou encaminhá-los a empresas para o trabalho de aprendizagem. O Programa foi desenvolvido em parceria com o
Conselho Municipal do Bem Estar do Menor (CMBEM, primeiro reclamado).

 

                                      Insta conferir o funcionamento do programa, tendo em vista a prova dos autos, além das disposições legais regedoras do trabalho do menor.

 

                                      Neste sentido, confira-se:

                                      Lei nº 3.035, fs. 80-82:

 

"Art. 1º - Fica criado, no Município de Araguari, o PROMAM Programa Municipal de Atendimento à Criança e Adolescente em situação de Risco Pessoal e Social, conforme diretrizes do Governo do Estado de Minas Gerais.
Art. 2º - O PROMAM compreende trabalho integrado dos três subsistemas seguintes:

I Sub-Sistema de Iniciação ao trabalho, conforme proposta do PROMAM-MG, em cumprimento ao Estatuto da criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90;

II Sub-Sistema de Proteção à Criança e ao Adolescente;

III Sub-Sistema Sócio-Educativo.

Art. 3º - DAS FINALIDADES

I O Sub-Sistema de Iniciação ao Trabalho visa a preparação e o encaminhamento de adolescentes na faixa etária de 14 a 18 anos, em situação de risco pessoal e social, para a aprendizagem profissional diretamente no local de trabalho em: empresas, órgãos e entidades públicas e privadas 'Trabalho Aprendizagem';

(.. )Art. 5º

(...) Parágrafo único Será constituído o Núcleo local de Coordenação e Operacionalização do PROMAM, com as seguintes atribuições: I Identificar e cadastrar adolescentes na faixa de 14 e 18 anos em situação de risco pessoal e social;

II - Facilitar e/ou promover o atendimento bio-psicopedagógico do Adolescente tendo em vista a sua preparação e encaminhamento à empresa para o 'Trabalho Aprendizagem';

III Articular junto à Polícia Militar ou outra instituição, sua participação no processo de preparação do adolescente para o encaminhamento à empresa;

III Mobilizar empresas e/ou órgãos públicos para negociação de vagas para o Trabalho-Aprendizagem e captação de bolsa-auxílio;

V Elaborar plano de Trabalho identificando número de adolescentes em preparação e/ou em condições de encaminhamento ao 'Trabalho-Aprendizagem', identificando necessidades pertinentes a esse processo;

VI Acompanhar e avaliar o processo de abordagem, preparação, encaminhamento ao Trabalho-Aprendizagem, desligando e encaminhando a emprego.

 

                                      A prova oral, a começar pelo depoimento do Diretor de Recursos Humanos da Prefeitura de Araguari, Levi de Almeida Siqueira, f. 12, revela que:

 

"...muitos dos autores foram encaminhados a PMA de diversas formas: a pedido dos pais, pedidos de autoridades pública onde havia necessidade dos serviços dos menores dirigidos ao Secretário de Administração, por autoridades como Promotores do Fórum, Delegados de
Polícia, segundo o conhecimento do depoente, mas encaminhados ao Secretário da Administração, pedidos estes que eram repassados ao Departamento de Recursos Humanos para atendimento dos mesmo com o encaminhamento dos menores, via CMBEM." (Depoimento, f. 12)

 

                                      Já o depoimento de Cid Rosa de Oliveira, fs. 392-393, é no
seguinte sentido:

 

"...Nas atividades relativas a execução do convenio CMEBEM/MA, sua função era receber pedidos de contratação de menores e encaminhar estes menores aos seus locais de prestação de serviços após passagem pelo CMBEM para a formalização burocrática da contratação; foi responsável por aproximadamente 99% das decisões de contratação e encaminhamento de menores aos devidos locais de trabalho. Atendeu indiscriminadamente a todos os pedidos que lhe foram dirigidos, porque acha que independentemente da posição social todos devem ter oportunidade de aprender trabalhando, porque entende que sua função é servir ao povo de Araguari.

(...) A decisão era tomada pelo depoente com o conhecimento do Sr. Prefeito Municipal. Ressalta que quando assumiu a função do Secretário de Administração, por força do costume tais decisões eram da competência do Secretário de Administração, embora não haja qualquer ato normativo formal que lhe confira tal delegação, como tal função antes era centralizada na Secretaria de Administração assim continuou sendo a partir do momento em que assumiu a função . O limite da contratação era o da necessidade e a decisão era discricionária do depoente; ou seja, na medida em que os pedidos iam surgindo pressupunham-se a existência da necessidade, embora o depoente jamais discutisse a real necessidade ou não do pedido, considerando-se a origem de tais pedidos que via de regra eram provenientes de autoridades pública.

5 CRITÉRIOS DE CONTRATAÇÃO

Inexistiam critérios objetivos, o critério era o da indicação ou do pedido, vale dizer, o critério era o de quem indicava o menor para a contratação. Além disso o próprio depoente por critérios subjetivos decidia sobre a contratação, inclusive do critério da amizade que o depoente
mantinha com o solicitante. Ressalta que jamais discriminou quem quer que seja e que muitos pedidos eram dirigidos pelos pais dos menores.

(...) 7 NATUREZA DAS FUNÇÕES DOS MENORES, CONDIÇÕES DE TRABALHO E ACOMPANHAMENTO DE SEU DESEMPENHO

O depoente, embora tivesse a preocupação com o aprendizado dos menores e com a observância do horário de trabalho de 06 horas, não tomava conhecimento das funções exercidas pelos menores em seus locais de trabalho, nem das condições em que eram exercidas, nem do
desempenho dos menores, nem da influência do trabalho na sua formação pessoal. Não havia acompanhamento do trabalho dos menores por parte do município, nem orientação, salvo no caso daqueles que trabalhavam na sede do municipio, que tinham acompanhamento quanto a freqüência escolar, assiduidade e no aprendizado de suas funções.
(...)É da opinião de que o programa deve continuar uma vez que o desemprego é crescente no município e porque o programa tem bom resultado com a recuperação de alcolatras de menores aqui citados pelo depoente; o programa dá oportunidade a todos os menores de trabalhar
aprendendo..."" (Sic. Transcreveu-se, destacando-se)

 

                                      A legislação relativa ao trabalho do menor, no Brasil, evoluiu. A matéria tem por fonte legal a CLT (arts. 80; 134, § 2º; 402-441), Decreto nº 94.338/87; Lei nº 8.069/90 (ECA); CF/88, art. 7º, XXXIII, EC nº 20.

 

                                      A CF/88 deu novos contornos à proteção do menor, sobretudo
visando a que ele não seja explorado ou afastado do seu desenvolvimento normal como pessoa e profissional. Assim foi que, expressamente, o art. 7º, XXXIII proibiu qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz. A Emenda Constitucional nº 20, de 15.dez.1998, aumentou essa idade mínima para 16 anos (aprendiz, 14). Toda contratação de menor, a partir da edição da EC/20/98 tem que atender ao requisito de idade ali estabelecido.

 

                                      Com a edição da Lei nº 8.069/90 (ECA), não mais existe a possibilidade de contratação de menores a título de mera iniciação ao trabalho, o que era possível quando vigente o Decreto nº 94.338, de 18.maio.1987 (que regulamentava a iniciação ao trabalho do menor assistido, instituindo o Programa Bom Menino). Este Decreto foi revogado pelo Decreto S/N, de 13/maio.1991. A partir daí, ou a contratação de menores se dá como
aprendizes, ou se implanta o regime de trabalho educativo, não obstante o cunho assistencialista que possui a Lei nº 8.069/90 (em menor escala que o famigerado Decreto nº 94.338/87). Não há que se cogitar de mera iniciação ao trabalho. O legislador intencionou, assim, tratar com dignidade os menores que trabalham seja em programa educativo, seja sob o regime de aprendizagem propriamente dito.

 

                                      Merece nota que a iniciação ao trabalho que o Programa Bom Menino regulava (Decreto nº 94.338/87) não qualificava os menores ao mercado de trabalho. E não era raro, sob o seu manto, haver distorções, com fornecimento de mão-de-obra a baixo custo, sem tributação. Já no ECA, prevalece o intuito educativo que, desaguando no profissional, o que traduz lição cidadã.

 

                                      O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, no art. 68, dita as bases do trabalho educativo:

 

"O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não- governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.
§ 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto
produtivo.

§ 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo."

                                     

                                      O trabalho educativo previsto no ECA , faz do menor um educando, ficando relegado o aspecto do exercício da atividade profissional - o objetivo é a educação e não apenas a entrada no mercado de trabalho, sem qualquer qualificação para tanto.

 

                                      Assim, não é toda atividade laboral capaz de ser tomada como educativa.

 

                                      Apenas aquela que, inserindo-se como parte de projeto pedagógico, vise ao desenvolvimento pessoal e social do educando. Entendimento em sentido diverso levaria ao que Oris de Oliveira chamou de " inversão de meios e fins, por um programa preestabelecido" (LTR, 63-04-461, Trabalho Educativo).

 

                                      Para atender a fins realmente sociais e educativos, trabalho e escola devem estar conjugados, harmonizados, de forma a se complementarem.

 

                                      De outro modo, ter-se-ia apenas uma imposição desarrazoada de tarefas ao menor que poderia levar exatamente ao sentido oposto, qual seja, exaurimento e desgaste.

 

                                      O Município implementou o PROMAM - Programa Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente em situação de Risco Pessoal e Social, com os objetivos já transcritos linhas atrás. Mas não levou a sério aquelas metas, sequer se interessando em fiscalizar o cumprimento dos objetivos básicos. A isto se chega pela simples leitura dos destaques que fiz no depoimento transcrito linhas transatas, de Cid Rosa de Oliveira.

 

                                      O que poderia ter sido um belíssimo projeto social, desnaturou- se. Virou porta aberta a atendimentos políticos, naturalmente pautado pelo subjetivismo. Os menores em situação de risco pessoal e social continuaram expostos a fatores danosos e/ ou perigosos e desamparados, uma vez que nem todos possuem "padrinhos" para indicá-los ao preenchimento das vagas disponíveis para o Programa.

 

                                      A adoção de medidas capazes de levar à conclusão de que, de fato, houvesse empenho em amparar os menores desassistidos e da existência de, pelo menos, critérios para a escolha e o encaminhamento dos requerimentos não foram demonstrados pelo Município. Também não foram observados os objetivos de trabalho-aprendizagem, sendo os adolescentes
disponibilizados para trabalhar como "office boys", sem receber orientações e o necessário acompanhamento emocional, social ou pedagógico, de maneira que se favorecesse, efetivamente, ao crescimento da personalidade. Diante disso, nem o caráter educativo, nem o social, nem o pedagógico foram observados.

 

                                      Como bem anotado no parecer e fs. 441-445, não conseguindo assumir o recrutamento e administração do pessoal, o Município transferiu à CMBEM a função de cuidar da " burocracia" (formalizar a contratação e repassar o salário oriundo da Prefeitura). O desvio de finalidade resultou patente, ("não houve a preocupação de manter o programa ao menos próximo dos objetivos originais"), com a conseqüência de o CMBEM ter passado a servir de mero intermediador de mão-de-obra dos menores arregimentados para o Município de Araguari ("Sob o pálio do convênio, sobretudo do louvável objetivo a que se propunha, o último passou a contar com mão-de-obra barata e ilimitada fornecida pelo primeiro, sem nenhum compromisso social para com o menor.")(transcrito de f. 444)           

 

                                      Em tais termos, e, em síntese, após o ECA, a contratação de menores, em o intuito de aprendizagem ou educação, caracteriza fraude aos direitos trabalhistas (art. 9º da CLT). Esta foi, aliás, a razão da revogação do Decreto nº 94.338/87.

 

                                      A espécie versa sobre o reconhecimento da relação de emprego com a municipalidade, o que também não é possível, tendo em vista o art. 37, II da CF/88, que prevê a realização de concurso público, para esse fim. Ainda que a opção do Município fosse a do regime celetista, seria indispensável o certame. Sem a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, é nula a contratação de pessoal. Esse entendimento é majoritário na
jurisprudência, como indica o Enunciado 363/TST:

 

"A contratação de servidor público, após a Constituição Federal de 1988, sem a prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II e § 2º, somente conferindo-lhe direito ao pagamento dos dias efetivamente trabalhados segundo a contraprestação pactuada."

 

                                      Assim, nos autos, temos, à época das admissões (todas após a
edição da EC nº 20/98) menores com mais de 16 anos (Flávia, Kênia e Fabiano, respectivamente com 16 anos,e 16 dias, 16 anos, 8 meses e 12 dias e 17 anos, 1 mês e 13 dias) e menor com mais de 14 ( Adalberto, admitido com 15 anos, 7 meses e 16 dias). Temos também a Vanessa, admitida antes da edição da Emenda Constitucional nº 20/98, quando contava 15 anos, 7 meses e 5 dias (na admissão, frise-se).

 

                                      Os primeiros, embora pudessem firmar contrato de emprego, em razão da idade mínima legal, não o fizeram. A relação se deu com a administração pública que somente está autorizada a admitir mediante prévio concurso de provas e/ou de provas e títulos. Os reclamantes não se submeteram a qualquer certame público ( e nem poderiam, porque, para tanto, exige-se a idade mínima de 18 anos). O Adalberto somente estava apto a ser admitido na condição especialíssima de aprendiz, o que não ocorreu e já foi analisado retro. A Vanessa, embora admitida antes da edição da Emenda, contava 15 anos na sua admissão, a ela se aplicando o mesmo que se aplicou aos primeiros, qual seja, embora pudesse firmar contrato de emprego (pela idade mínima legal), não o fez, porque contratou com a Administração Pública
sem se submeter ao concurso público.

 

                                      Diante disso, sob todos os ângulos por que se analisem os fatos, a
contratação dos menores foi nula de pleno direito.

 

                                      Não impressiona o CBEM ter anotado a CTPS dos reclamantes e o fato de ele ser, segundo o estatuto, documento de fs. 86-97, sociedade civil, de caráter beneficente promocional, sem fins lucrativos. O convênio deveria ter atendido aos objetivos sociais típicos da municipalidade: " encaminhamento de adolescentes (...) em situação de risco pessoal e social, para a aprendizagem profissional diretamente no local de trabalho em empresas, órgãos e entidades públicas e privadas - ' trabalho Aprendizagem' ". A busca era de tratar da sociedade, socializando e afastando possíveis riscos ao convívio social, com a presença daqueles menores (difíceis ou apenas sem muitas oportunidades).

 

                                      Se a sociedade civil aderiu à proposta, nem por isso chamou a si os encargos municipais. Neste sentido, esta d. 2ª Turma já decidiu, no RO 20102/99, sob a relatoria do Exmo. Juiz Antônio Fernando Guimarães. Peço vênia para transcrever trecho daquele voto que, embora versasse sobre a saúde, como função do Estado, tem incidência também aqui, quando o tema é socialização de menores e sua integração ao meio:

 

"Daí a verificação de ser dada à Fundação a natureza jurídica de pessoa de direito privado, sem ins lucrativos (Estatutos, art. 1º, fls. 83).

Atente-se bem às disposições antes mencionadas, de que "são de relevância pública as ações e serviços de saúde (...) devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado" (art. 197), e a exigência de que "as instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde (...) mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos".

 

                                      A grande questão jurídico-legal que a tudo isto diz respeito, para que seja desvendada a espécie, recebe da doutrina lição irreparável.

 

                                      Chamo a colação a citação feita por Homero Sena e Clóvis Zobaran Monteiro (Fundações No Direito Na Administração, Fundação Getúlio Vargas, 1ª ed., 1970) a propósito do parecer do Eminente Jurista FRANCISCO CAMPOS sobre a natureza jurídica do antigo Instituto Mineiro do Café, que se afirmava ser pessoa de direito privado porque assim se havia definido nos seus atos constitutivos, todos eles realizados segundo a lei civil :

 

"As formalidades, pois, é que determinam a natureza do ato e as suas conseqüências - ironiza CAMPOS - para quem todo o direito, em tal doutrina, se reduz "a uma formalística de natureza mágica, pois a forma do ato, de livre escolha das partes, é que determina a natureza ou a substância do ato e, portanto, os seus efeitos ou as suas conseqüências"

 

                                      Acentuando, a seguir, que o negocio será o mesmo, qualquer que seja o nome que lhe dêem as partes, ou a construção jurídica que os contraentes em relação a ele hajam formulado, ensina:

 

"O direito, se existe ou para que existe, pressupõe que os atos que ele regula tenham a sua natureza e os seus efeitos determinados independentemente do capricho das partes em lhes atribuir o nome ou em os revestir desta ou daquela forma, ao sabor do seu arbítrio ou da sua fantasia. O nomem juris não pode ser, portanto, da essência do negócio. O erro em que, em relação a ele, incidem as partes, não poderá influir na essência do negócio e, conseguintemente, determinar a sua natureza.

(...) Quando, portanto, as partes, erradamente, mas desnecessariamente, dão ao negócio entre elas estipulado um nome jurídico, ou o capitulam em uma determinada categoria jurídica, não é ao nome que se atende, mas à substância do negócio, para interpretá-lo ou formular a sua construção jurídica."

 

                                      Mais adiante, parecendo, à primeira vista, proclamar o óbvio, mas estabelecendo, na verdade, distinções fundamentais, observa:

 

" Há, por conseguinte, pessoas jurídicas de direito privado, que são as pessoas morais, cuja capacidade não difere da capacidade comum aos particulares, e pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas morais revestidas da competência de direito público ou que exercem, mediante delegação do Estado, direitos de poder público. (...) O campo de atividade da pessoa de direito privado. é o lícito jurídico, isto é, o domínio da livre atividade individual. No domínio do lícito jurídico, o que é juridicamente facultado ao Estado o é, igualmente, às pessoas físicas ou às pessoas jurídicas de direito privado. Assim, todas as fundações que é lícito ao Estado instituir, podem ser, igualmente, instituídas por particula- res."

 

                                      Transpondo este conhecimento para o âmbito da Fundação primeira Reclamada, constata-se a natureza pública de sua constituição. Formada para o exercício de dever público indeclinável, as atividades na área do sistema único de saúde não poderiam ser desempenhadas por pessoas de direito privado, posto que apenas complementariamente
assim poderiam atuar, ainda assim sob contrato de direito público, ou convênio (§ 1º, art. 199/CF).

                                      O exercício de poder de império, para alcançar as suas finalidades, é que faz distinguir pessoas de direito privado, e dá à Fundação o atributo de personalidade de direito
público.

                                      Nesse sentido, uma vez mais, busca-se o ensinamento do Mestre Francisco Campos, citado por aqueles autores :

 

"Para que o Instituto do Café pudesse ser considerado pessoa jurídica de direito privado, necessário seria que sobre a economia do café, que ele continuava encarregado de administrar, não exercesse mais nenhum poder de polícia, ou que, em relação a ela, seus poderes fossem os que cabem a todos os indivíduos, isto é, o poder de contratar, de transigir e de livremente se comprometer. Assim, públicas não poderão deixar de ser as pessoas jurídicas instituídas pela União, os Estados ou os Municípios, desde que a elas confiada a administração de um serviço público e investidas, para este fim, de competência de direito público ou de direitos de poder público, isto é, de poderes que somente alguma daquelas entidades de direito público possa exercer. A simples personificação de um serviço público não o desclassifica, portanto, de público para privado; para que tenha este efeito, necessário é, sem dúvida, que o Estado, personificando o serviço, manifeste a vontade de abandoná-lo à iniciativa individual ou ao domínio da livre atividade dos particulares, para o que destituirá o serviço dos poderes ou da competência de direito público, colocando-o em igualdade de condições com outros serviços congêneres que venham a ser organizados por particulares. Desde, porém, que, personificando o serviço, o Estado invista na pessoa jurídica incumbida da sua administração poderes ou competência de direito público, isto é, império ou faculdade de tomar deliberações obrigatórias ou de expedir regras à atividade ou à conduta individual, a personalidade outorgada ao serviço é uma personalidade de direito público, representando a personificação apenas um processo ou uma técnica de organização de serviço público, imposta por motivos de ordem moral, econômica ou política, mas sem nenhuma influência sobre a natureza do serviço e a espécie de competência postulada pelo caráter público do serviço."

 

                                      Então, a Fundação, atuando no exercício do dever legal da saúde, constituída para tal, insere-se na orla do desvio, afrontando ditames principiológicos impostos à Administração Pública (CF, art. 37, "caput").

 

                                      Como assevera CRETELLA JÚNIOR, desvio de poder, também denominado desvio de finalidade, "é o uso indébito ou indevido que o agente faz do poder para atingir fim diverso do que a lei lhe conferiu".

                                      De toda sorte, assento que Pessoa de Direito Público não pode criar "pessoa" de direito privado, e um engendramento de tal ordem, ainda que sob os auspícios de autorização legislativa, efetivamente não conduz àquela situação, até porque no Direito Público, contrariamente ao Direito Civil, o permitido é tão só o assim prescrito pelo ordenamento jurídico, que alcança não apenas as prescrições normadas, mas também os princípios que são base e fundamento da atuação do Poder Público.

 

                                      A achega da irreversibilidade da árvore genealógica da pessoa natural propicia melhor se apreenda o que está a ser dito.

 

                                      Prosseguindo, mais evidente se torna aquela mácula na constatação da obrigação do Município de "efetuar o pagamento mensal aos funcionários e médicos através de
folha de pagamento, inclusive, férias, 13º salário, indenização etc., através de repasse de verba para tal fim" (convênio, cláusula 2ª, nº 1, fls. 150), o que torna patente a elucubração de "contornar" a impositiva submissão ao critério da contratação de pessoal exclusivamente mediante aprovação em (prévio) concurso público (inciso II, art. 37/CF).

 

                                      A "facilidade" de escolha de pessoal, inclusive Médicos, pela via transversa da Fundação constituída, é grave ofensa a outro primado constitucional, donde ser irreversível a conclusão de que, d.v., não se pode convolar em legítimo o
que sempre foi da máxima ilegitimidade.

 

                                      As condutas da Administração Pública são parametradas pelo rigor insuperável da ordem legal, e tratando-se de princípios e preceitos constitucionais, inviável, de jure, se possa arrematar por qualquer adminículo.

 

                                      Bem por isto, lembrando que matéria de ordem legal deve ser aplicada ainda que não alegada (art. 131/CPC) - se bem que aqui há dedução condutora dessa captação -, chega-se, inexoravelmente, à conclusão de que não há contrato de trabalho válido (admissão em 1º.06.1995; inicial, fls. 09, item 2.1), pela ofensa ao art. 37, inciso II, da Carta Magna,
certo que a nulidade absoluta está prescrita pelo § 2º deste dispositivo.

 

                                      Sem prejuízo do entendimento pessoal no sentido da nulidade do ato de contratação alcançar a sua origem e, em conseqüência, não produzir qualquer efeito jurídico,
cabendo, se for o caso, o ressarcimento de qualquer prejuízo e a punição de autoridade responsável em instância diversa, que não a trabalhista, tem prevalecido nesta Turma
o entendimento de ser aplicado, em casos que tais, a Orientação Jurisprudencial 085, da Seção de Dissídios Individuais do E. Tribunal Superior do Trabalho :

 

" CONTRATO NULO. EFEITOS. DEVIDO APENAS O EQUIVALENTE AOS SALÁRIOS DOS DIAS TRABALHADOS. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público encontra óbice no art. 37, II, da CF/88, sendo nula de pleno direito, não gerando nenhum efeito trabalhista, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados."

 

                                      Deste modo, a única condenação que subsiste é a dos salários retidos, stricto sensu, vale dizer, os valores fixos dos meses de junho a dezembro de 1998, que não foram
quitados à Reclamante."

 

                                      Também constato natureza pública na constituição do Conselho Municipal do Bem Estar do Menor do Município de Araguari, não obstante o nome jurídico que lhe atribuem seus estatutos.

 

                                      O CMBEM anotou a CTPS dos reclamantes, pagando-lhes verbas trabalhistas. Daí não se infere legalidade, já que o órgão é mero instrumento utilizado pelo Município de Araguari para suprir falta de servidores municipais em suas repartições, bem como distribuindo-os por outros órgãos públicos, com os mesmos objetivos. Anotou a r. sentença:

 

O CMBEM transformou-se em mero 'intermediário' ou 'longa manus' da prefeitura e foi definitivamente relegado ao plano inferior de servir de mera fachada para contratação de menores pela prefeitura para alocação em diversos órgãos do município, mediante baixo custo com recursos humanos e suprimento de cargos em diversos órgãos carentes de recursos humanos, os quais deveriam ser preenchidos pelos critérios constitucionais de investidura em cargos públicos, principalmente o concurso público, com oportunidade de concorrência aberta a todos." (transcrito de f. 416)

 

                                      O desvio de finalidade dos objetivos do CMBEM macula o relacionamento havido entre os litigantes.

                                     

                                      Perquirir sobre a existência de prejuízo aos menores, pelo não pagamento aquelas verbas de natureza trabalhista (aviso prévio, férias, 13º, FGTS + 40%) é outro ponto interessante. Resumidamente, o quadro fático pode ser assim delineado: Os menores, quando foram encaminhados ao Município de Araguari, objetivavam ser agasalhados pelo "Programa Mineiro de Amparo à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco Pessoal e Social", cujas metas já foram transcritas linhas transatas. Não esperavam ser empregados, nos moldes celetistas. O convênio, aliás, é claro, dispondo que os menores executarão serviços com base nos preceitos do ECA (f. 83, final da primeira cláusula). Assim, era esta a expectativa que poderiam ter. Frustradas, como de fato foram, não lhes é lícito buscar o direito a vínculo empregatício,
com o conseqüente deferimento de verbas trabalhistas. O pagamento mensal pelo labor realizado foi satisfeito, à exceção de quatro dias de julho/2000. As providências para eventual punição das autoridades municipais que desvirtuaram o Programa já foram determinadas, acertadamente, pela r. sentença.

 

                                      Assim, remanesce apenas o direito ao pagamento de salário (stricto sensu), ou seja, saldo de salário do mês de julho/2000. não incide a dobra do art. 467 da CLT, em razão da controvérsia que se travou. Também é de ser provido o apelo quanto ao valor do salário
pago, tendo em vista que os reclamantes não trabalhavam oito horas diárias.

 

                                      Recebiam a proporcionalidade devida, tomando-se por base o salário mínimo.

 

                                      O procedimento é legal.

 

                                      Em se tratando de contratação pela Administração Pública, após a CF/88, era essencial a realização de concurso público, repita-se, o que não se verificou. E, ainda que realizada por interposta pessoa, ente da própria administração, a contratação se afigura nula de pleno direito, não gerando efeitos trabalhistas, salvo quanto ao pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados, nos temos da orientação jurisprudencial consubstanciada no Precedente nº 85 da SDI/TST.

 

                                      Quanto à responsabilidade do Município, devido à fraude, é mesmo solidária. Nada a prover neste aspecto.

 

 

 

                                      2.2- RECURSO DOS RECLAMANTES

                                     

                                      Os reclamantes pugnam pelo reconhecimento de quebra
antecipada do contrato de trabalho por culpa exclusiva dos reclamados, o que impõe a condenação em parcelas relativas ao salário e consectários legais, até o limite de 18 anos de cada recorrente, conforme estabelecido no convênio celebrado.

                                      Diante do que se decidiu no recurso voluntário e na remessa necessária, o apelo dos reclamantes afigura-se prejudicado.

 

 

 

                                      3 - CONCLUSÃO.

 

                                      Conheço da remessa oficial e do recurso voluntário do segundo reclamado e também do apelo adesivo dos reclamantes (apenas em relação ao Município e Araguari). No mérito, provejo apenas a remessa necessária e o recurso ordinário interposto pelo Município de Araguari, para limitar a condenação dos reclamados ao pagamento do saldo de salário (mês de julho/2000), como se apurar em execução, observado o salário efetivamente
pago a cada um dos autores. Prejudicado o recurso adesivo dos reclamantes.

 

                                      Reduzo o valor da condenação para R$3000,00, com custas de
R$60,00.

 

                                      Fundamentos pelos quais,

 

                                      ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da
Terceira Região, pela sua Segunda Turma, unanimemente, em conhecer dos recursos oficial e voluntários, do reclamante apenas em relação ao Município de Araguari; sem divergência, em dar provimento parcial à remessa necessária e ao recurso do reclamado para limitar a condenação ao pagamento do saldo de salário do mês de julho de 2000, como se apurar em execução, observado o salário efetivamente pago a cada um dos autores, prejudicado o apelo adesivo dos reclamantes. Reduzido o valor da condenação para R$3.000,00, com custas de R$60,00.

 

                                      Belo Horizonte, 09 de outubro de 2001.

 

 

ANTÔNIO FERNANDO GUIMARÃES

Presidente


RICARDO ANTÔNIO MOHALLEM

Relator


TRT - 3a. REG. - 2ª Tª - RO/8616/01 Fl.______