Direito à Vida e à Saúde

 

 

 

Constitui a vida o direito primordial que se projeta como essência para garantia de todos os demais direitos. Mas a vida não pode ser assegurada sem que, à condição vital de cada ser humano, seja garantido o direito à saúde. Na Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Criança, 1989, cujos princípios estruturadores foram assimilados na Constituição Federal e na Lei no.8069/90, está consignada a exigência de se conceder a máxima prioridade à população infanto-juvenil.  Na sua condição de seres humanos, as crianças e os adolescentes têm direito a todos os direitos humanos assegurados para todas as pessoas e a outros direitos especiais decorrentes da natureza desta fase em que vivem. No Preâmbulo da Convenção identifica-se que a normativa internacional assevera esta condição ontológica. Pode-se afirmar, pois, que crianças e adolescentes são pessoas humanas em fase peculiar de crescimento e desenvolvimento. Nesta circunstância específica de maturação física e psíquico-social as crianças e os adolescentes não são capazes de exercitarem, em todos os níveis, a defesa de seus próprios direitos.

 

A prioridade na defesa do direito à saúde deste grupo populacional  não se limita a uma afirmação retórica mas assume, no plano do ordenamento jurídico nacional,  a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas além da  destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Esta prioridade corresponde a um  princípio ético com a dimensão onto-genética. A saúde é um direito humano e sua garantia, juntamente com a de outros direitos desta natureza, se vincula à própria dignidade da pessoa humana. A defesa do direito à saúde da criança e do adolescente está vinculada à garantia da defesa da sua personalidade, dimensão de onde se projetam diversos direitos-garantias.Os direitos humanos, que são universais e indivisíveis, são acionáveis e exigíveis. A defesa da dignidade humana – e do seu direito à vida com saúde - permeia, assim, o reconhecimento da jurisdicionabilidade e da exigibilidade. Os direitos sociais, e entre estes o direito à saúde, correspondem à conquista da afirmação e do respeito ao patrimônio individual e coletivo.  A positivação do direito à saúde, consagrada na Constituição Federal no art. 196  implica em dever do Estado que deverá garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a  redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Somente com a assimilação da saúde como direito e não como “necessidade” é possível empenhar esforços para demandar, seja em processo de mobilização, de negociação ou mediante ação judicial, a sua garantia e a sua exeqüibilidade. É da positivação do direito à saúde que decorre o reconhecimento da sua exigibilidade. 

 

Não obstante a positivação do direito à saúde seja um passo, não logra, por si só, a mudança da realidade. A evolução científico-tecnológica e o desenvolvimento social ainda não foram capazes de assegurar uma condição de vida digna para todas as crianças e todos os adolescentes no Brasil. Ainda são constantes e intensas as discriminações de ordem econômica, social, cultural, étnica, racial, sexual, entre outras, que afetam este segmento populacional. O impacto tanto da pobreza quanto da iniqüidade refletem sobre o desenvolvimento da infância-adolescência afetando a sua saúde. A superação do risco de óbitos por mortes evitáveis de crianças implica em um empenho de operadores jurídicos, de conselheiros municipais, de gestores públicos, de cidadãos. A superação de uma concepção reducionista do direito à saúde com ênfase na perspectiva “hospitalocêntrica” ou curativa implica, para os operadores do direito, em um exercício de caráter interdisciplinar, capaz de alcançar o eixo do paradigma da proteção integral. É nesta vertente que o princípio da integralidade se plasma, igualmente, com aquele previsto no Sistema Único de Saúde (SUS). E assim ocorre porque, além de integral, esta garantia do direito à saúde também deve ser universal – e, como tal, extensiva ao segmento mais prioritário: o das crianças e adolescentes. A família, a sociedade em geral e o Poder Público são co-responsáveis pela tutela deste direito. Para a efetiva operacionalização desta agenda comum há que se fortalecer o processo da democracia participativa através das novas institucionalidades democráticas: os conselhos municipais de direito da criança e do adolescente, os conselhos municipais de saúde, os de serviço social e os de educação. Cada um destes, com os conselhos tutelares no plano da exeqüibilidade, têm atividades objetivas para garantir de forma articulada o direito à saúde da população infanto-juvenil.

 

Neste CD, particularmente na área do direito à saúde, a seleção de artigos diversos, de jurisprudência, de modelos e experiências, assim como de legislação específica, ainda está muito distante do propósito de instrumentalizar os operadores jurídicos, os conselheiros, os profissionais de educação e de saúde, entre outros, para enfrentar e discutir, agir e implementar a garantia do direito à saúde da população infanto-juvenil.

 

Entendendo a experiência do CD como uma iniciativa pioneira, sabe-se que as questões dos Distritos Sanitários Indígenas, das condições de saúde dos jovens em cumprimento de medidas sócio-educativas, das exigências de defesa dos direitos dos portadores de necessidades especiais, dos desafios na organização dos conselhos municipais de saúde, das doenças sexualmente transmissíveis, da relação entre o direito à saúde e meio ambiente, da questão da violência como problema de saúde pública, entre outros tantos assuntos, serão elementos para próximas iniciativas desta natureza.

 

O fundamental, todavia, é superar a concepção de saúde como bem estar físico e assimilar uma visão promocional, muito além das idéias curativas e preventivas que ainda são apresentadas em setores jurídicos. Adotou-se assim, o conceito sobre direito da criança e do adolescente à saúde como sendo o direito ao desenvolvimento integral do seu ser, sem restrição de qualquer espécie à sua potencialidade, com efetivo acesso a todos os meios, serviços e programas que assegurem e promovam a sua saúde, com respeito e integração do seu acervo étnico, familiar, cívico, cultural no projeto que poderá cultivar para a sua vida pessoal e comunitária, resignificando a sua existência pelo compromisso com as gerações futuras.

                                                             

                                                           Isabel Maria Sampaio Oliveira Lima

Juíza de Direito