AGRAVO DE
INSTRUMENTO - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL EM PROCEDIMENTO
PARA APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM ENTIDADE NÃO GOVERNAMENTAL - AFASTAMENTO
PROVISÓRIO DA DIRETORIA - DECISÃO FUNDAMENTADA CERCEAMENTO DE DEFESA JNRXIS
FENTE RECURSO IMPROVIDO. A autoridade judiciária pode determinar o afastamento
provisório de dirigente de entidade não governamental, a teor do disposto no
art. 191, do ECA. A medida provisória impugnada foi
tomada com base em elementos também preliminares, os quais, de maneira segura,
apontavam, como ainda apontam, para sua premente necessidade. A ‘valoração da
prova’ com vista a tomada dessa providência cautelar
foi efetuada de forma absolutamente escorreita, com base nos critérios legais
aplicáveis a situações semelhantes.
(Agravo de Instrumento nº 93.560-0, Primeira Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, Relator: Juiz
Conv. Milani de Moura, Julgado em 16/11/2000).
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 93.560-0, DE CURITIBA
1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.
AGRAVANTE: B.V.T.
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RELATOR: JUIZ CONV. MILANI DE MOURA
-
A
autoridade judiciária pode determinar o afastamento provisório de dirigente de
entidade não governamental, a teor do disposto no art. 191, do
ECA.
-
A
medida provisória impugnada foi tomada com base em elementos também
preliminares, os quais, de maneira segura, apontavam, como ainda apontam, para
sua premente necessidade.
- A
‘valoração da prova’ com vista a tomada dessa
providência cautelar foi efetuada de forma absolutamente escorreita, com base
nos critérios legais aplicáveis a
situações semelhantes.
ACÓRDÃO Nº 12768 1ª Câmara Criminal
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Agravo de instrumento nº 93.560-0,
de Curitiba – 1ª Vara da Infância e
da Juventude, em que é agravante B. V. T. e agravado o Ministério Público do
Estado do Paraná.
1. Trata-se
de agravo de instrumento, interposto em termos tempestivos, com pedido de
efeito suspensivo, extraído por B. V. T., devidamente qualificado nos autos de
Representação nº 1999-268-1J, formulada pelo Ministério Público,
contra a decisão da MM. Juíza de Direito da V’
da Vara da Infância e da Juventude desta Capital, que concedeu liminar em
medida cautelar incidental, afastando o ora agravante da Presidência do
Instituto Paranaense dos Cegos, bem como os demais membros da diretoria da
referida entidade, nomeando interventor.
Alega, em resenha,
que a decisão agravada é ilegal, pela incorreta valoração das provas, por
ausência de motivos e de previsão para o afastamento, pela não fixação do prazo
de afastamento, pela ausência de especificação das atribuições do interventor
nomeado; por não ter sido oportunizado o direito de defesa; e, por deficiência
de fundamentação.
A inicial
(fls. 2/22) veio instruída com os documentos de fls. 23/587 (vols. 1/3).
Indeferida a
liminar pleiteada (vol. 3, fls. 593/594),
foram requisitadas e prestadas as informações de estilo (vol. 3, fls.
603/606), apresentando resposta o representante do Ministério Público (vol. 3,
fls. 609/231).
A douta
Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer, opinando pelo conhecimento e
desprovimento do agravo interposto (vol. 3, fls. 636/649).
É, em
essência, a necessária exposição.
2. O recurso
não comporta provimento, pois a decisão agravada, ao contrário do que sustenta o agravante, não está contaminada por qualquer ilegalidade.
É o que
demonstra o judicioso parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça
oficiante - Dr. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO, o qual, por abordar a
matéria com proficiência, adota-se como razão de decidir, in verbis:
“Antes de qualquer outra consideração, não se
convém perder de vista que a análise do presente recurso, bem como da
legalidade e cabimento da medida judicial por ele impugnada, haverá de ser
efetuada à luz do princípio da proteção integral insculpido
no art. 227, caput, da Constituição Federal e art. 1º, da Lei nº 8.069/90,
juntamente com a regra de interpretação contida no art. 60, também do Estatuto
da Criança e do Adolescente, segundo os quais os superiores interesses das
crianças e adolescentes (que, diga-se desde logo, procurou-se proteger com a
intervenção decretada), por sua natureza pública e abrangência, devem sempre
prevalecer sobre os interesses particulares que restaram eventualmente
contrariados.
De fato, quando se fala em proteção integral à
criança a ao adolescente, regra que norteia toda e qualquer ação ou iniciativa
tomada com fundamento na Lei 8.069/90, não se concebe possa ser essa frustrada
por qualquer razão ou artificio.
Com a Lei nº 8.069/90, o legislador
pretendeu criar um sistema de garantias destinado especificamente à essa proteção integral de crianças e adolescentes, razão
pela qual cabe ao intérprete buscar na aplicação da lei o atingimento
desse ideal, ainda que para tanto tenha de revelar eventuais imperfeições
legislativas, que de outro modo poderiam comprometer a eficácia da norma,
contrariando seus objetivos declarados.
Assim sendo, não restam dúvidas que a atuação do
Juiz da Infância e da Juventude, em procedimentos como o ora analisado, não
pode ser jamais equiparada à de um Juiz investido da jurisdição cível (ou mesmo
criminal) comum, pois, invariavelmente terá por finalidade primordial, senão
única, impedir que crianças e adolescentes atingidos pela prestação
jurisdicional tenham ameaçados ou violados quaisquer
de seus direitos fundamentais expressamente protegidos pela Lei n.º 8.069/90 e
Constituição Federal, para o que deverá a autoridade judiciária valer-se de
todos os mecanismos legais existentes.
Na hipótese dos autos, verifica-se o Ministério
Público do Estado do Paraná, usando da atribuição que lhe foi conferida pelo
art. 95, da Lei nº 8.069/90 e em fiscalização realizada junto ao
Instituto Paranaense de Cegos, entidade não governamental sediada nesta Capital
que atende crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais,
inclusive em regime de abrigo, constatou a presença de graves irregularidades
envolvendo sua diretoria que, por inescusável omissão, colocava diversos
adolescentes - que freqüentavam suas
instalações ou lá se encontravam abrigados -
em situação de risco, na forma do disposto no art. 98, do citado Diploma
Legal.
De início, foi tentada a superação dos problemas
encontrados pela via administrativa, porém, ante a injustificada resistência
dos dirigentes da entidade em cumprir as determinações legais e recomendações
efetuadas, não restou altemativa outra além da deflagração
do procedimento especifico previsto no art. 191 usque
193, da Lei nº 8.069/90, com o conseqüente afastamento cautelar de
toda sua diretoria e nomeação de um interventor.
Em que pesem os argumentos em contrário do agravante, claro está que a medida judicial respectiva,
embora severa, não apenas era juridicamente possível, mas também se faria
necessária diante dos elementos trazidos aos autos, que apontavam?) para a desordem imperante na
entidade sob a gestão da diretoria afastada, inclusive, face à falia de
controle sobre internos e freqüentadores, colocando em sério risco o patrimônio
a integridade física e mesmo a vida dos adolescentes atendidos.
Respeitadas as opiniões divergentes que existem a
respeito do tema, forçoso concluir que o afastamento provisório dos dirigentes
de entidade não governamental é medida expressamente autorizada pelo art. 191, par. único, da Lei nº 8.069/90, resultando tal
assertiva decorrente da constatação de que o caput do mesmo dispositivo se
refere ao procedimento para apuração de irregularidades tanto em entidade
governamental quanto não governamental e, por princípio básico de hermenêutica,
a matéria versada no parágrafo se subordina ao teor da cabeça do artigo, dai
resultando a dedução lógica que aplicação da medida naquele prevista é cabível
para ambas situações.
O fato de o afastamento provisório dos dirigentes
de entidades não governamentais não constar da relação de medidas previstas no
art. 97, inc. II, da Lei nº 8.069/90, ao contrário do que ocorreu em
relação às medidas aplicáveis às entidades governamentais, não modifica o
entendimento acima exposto, pois nitidamente resultou, como já mencionado na
manifestação ministerial de fls. 610 usque 631, de
mera desatenção do legislador, devendo assim prevalecer a
regra procedimental especifica, que se destina a regular a forma de apuração de
irregularidades tanto em entidades governamentais quanto não governamentais.
E nem poderia ser diferente, pois a interpretação
da Lei nº 8.069/90 deve sempre ocorrer da forma que melhor garanta a
proteção integral de crianças e adolescentes, que não podem ficar a mercê das omissões, desmandos ou abusos cometidos por
dirigentes de entidades governamentais ou não - onde
são atendidos.
Vale mencionar que mesmo as entidades não governamentais
(ou ‘privadas “, como disse o agravante,)
e em especial os programas de atendimento por elas desenvolvidos, por
integrarem o supramencionado sistema de garantias estabelecido pela Lei
8.069/90 com vista à proteção integral de crianças e adolescentes, assumem
verdadeira natureza pública. tanto que sujeitas a regras próprias estabelecidas
pela citada Lei Federal (‘como é o caso da obrigatoriedade de seus registros
junto ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente,
prevista nos arts. 90, par. único e 91, caput, bem
como dos princípios relacionados no art. 92, todos do Estatuto da criança e do
Adolescente), bem como à permanente fiscalização, por parte não apenas do
Ministério Público ma, também pelo Poder Judiciário e Conselho Tutelar (art. 95
também da Lei nº 8.069/90).
O próprio funcionamento das entidades não
governamentais está sujeito ao prévio registro junto ao Conselho Municipal de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, que por sua vez pode denegá-lo
caso presente alguma das situações contidas no art. 91, parágrafo único da Lei nº
8.069/90, dentre as quais destacamos, para fins da presente exposição, a falta
de “instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade,
higiene, salubridade e segurança”, de um
“plano de trabalho compatível com os princípios desta lei” e que ‘tenha em seus
quadros pessoas inidôneas”.
Uma vez deferido o registro, caso qualquer das
situações acima relacionadas venha a ocorrer, é lógico que podem os
legitimados, dentre eles o Ministério Público, demandar junto ao Poder
Judiciário para ver melhor apuradas e posteriormente
sanadas as irregularidades, sendo o afastamento provisório dos dirigentes da
entidade medida muitas vezes necessária para impedir, no curso do procedimento
instaurado especificamente com tal finalidade, que as crianças e adolescentes
atendidas tenham qualquer de seus direitos fundamentais ameaçados e violados.
Jamais se pode esquecer que a medida judicial
impugnada é de natureza eminentemente provisória e cautelar,
restando sua duração condicionada à tramitação do procedimento onde foi
decretada, ao final do qual serão aplicadas medidas outras, relacionadas
no art. 97, inc. II, alínea d, da Lei nº 8.069/90, dentre as quais
se encontra a cassação do registro da entidade junto ao Conselho Municipal de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, sem o qual não poderá
funcionar.
Como o objetivo primordial do procedimento não é a
aplicação dessa medida extrema, mas sim a remoção das irregularidades
existentes, em situações como a versada nos autos o afastamento provisório dos
dirigentes da entidade se faz necessário até mesmo para evitar que, ao final,
tenha-se de tomar tão drástica decisão. Isto ocorre porque, consoante restou
apurado e pode ser facilmente visualizado da singela leitura dos autos, as
irregularidades existentes no Instituto Paranaense de Cegos já vinham ocorrendo
há muito tempo, sendo que - pela falta de comando na
instituição - maus hábitos foram criados e desenvolvidos entre
internos, freqüentadores e mesmo funcionários/atendentes
da entidade, que não se submetiam às regras existentes e faziam o que bem
entendiam diante da inexistência de cobrança nesse sentido e/ou
de controle sobre suas ações.
Ora, em que pese ser uma entidade ‘privada” o fato de atender crianças e adolescentes, integrando a
rede destinada a garantir a proteção integral destes, bem como de receber
verbas públicas, como reconheceu o próprio agravante (embora tenha ele alegado
a insuficiência dos recursos repassados), torna obrigatória a observância de
uma série de regras e exigências legais, não podendo ser assim administrada de
qualquer modo, deforma irresponsável ou segundo o puro arbítrio daqueles que,
ocasionalmente, ocupam os cargos de sua diretoria.
E este é outro ponto a ser considerado, pois, ao
contrario do que parece acreditar o agravante, o
Instituto Paranaense de Cegos não pertence a seus eventuais dirigentes, mas sim
- por sua tradição e importante papel que desempenha no atendimento dos
portadores de deficiência visual neste Estado deve ser considerado um
verdadeiro patrimônio da sociedade paranaense, que até mesmo em função disso
não pode ser administrado com desleixo nem ver amesquinhada a qualidade do
trabalho que sempre procurou desenvolver.
Nesse contexto, estamos convictos que a medida
judicial tomada era necessária como última altemativa
a sanear o Instituto Paranaense de Cegos, tarefa que, não é preciso dizer e
especificar em detalhes, cabe à interventora nomeada, empenhando-se inclusive em
modificar algumas práticas equivocadas e a própria mentalidade que, nos últimos
tempos, enraizou-se junto a alguns de seus internos, freqüentadores,
funcionários e dirigentes, comprometendo sobremaneira o atendimento prestado, a
segurança e mesmo a integridade mental e física em especial das crianças e
adolescentes que precisam da entidade.
Caso não tivessem sido afastados os dirigentes da
entidade, continuaria a imperar a situação irregular e indesejada que o
Ministério Público vinha tentando resolver, sem êxito, pela via administrativa,
fazendo com que ao final do procedimento tivessem de ser tomadas medidas de
gravidade ainda maior, eventualmente importando na própria cassação de seu
registro junto ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente desta Capital, que por sua vez impediria continuasse ela a atender a população infanto-juvenil necessitada, que assim acabaria
prejudicada.
Maiores ponderações acerca da legalidade,
conveniência e oportunidade da medida judicial impugnada se tornam a nosso ver
absolutamente desnecessárias, em especial diante das bem articuladas razões
expandidas pelos eminentes subscritores do pronunciamento de fls. 610 usque 63] e pelo douto Juízo a quo, às quais nos reportamos, por brevidade.
Posto isto, no que diz respeito a
alegada falta de oportunidade para defesa e incorreta valoração da prova, além
de terem sido matérias também abordadas e devidamente rebatidas com maestria
nas contra-razões de recurso e despacho de sustentação da decisão, são de improcedência
flagrante, a primeira em rapto da própria dicção do citado art. 191, par. único
e seguintes da Lei no 8.069/90, onde resta claro o caráter sumario da medida
que, diante da gravidade da situação apresentada, deve ser tornada
incontinenti, sem necessidade de previa oitiva do(s) dirigente(s,) afastado(s), providência que por sinal sequer, foi
prevista na lei. Ainda, segundo a legislação procedimental especifica, apenas
após ter sido determinado o afastamento liminar é que será o dirigente da entidade
citado para oferecer resposta escrita, razão pela qual não há que se falar
tenha a decisão impugnada de qualquer modo violado o sagrado e constitucional
direito do agravante ao contraditório e à ampla
defesa.
Consoante já mencionado, a maior agilidade do
procedimento tem por escopo justamente evitar ou minorar os prejuízos a
crianças e adolescentes decorrentes da situação irregular que reclama a intervenção judicial, que deve ocorrer ante a simples
ameaça de violação de direitos de crianças e adolescentes, numa atuação
eminentemente preventiva que é, afinal, uma das características mais marcantes
da doutrina da proteção integral adotada pela Constituição Federal e Lei n
8.069/90.
Ao arremate, resta apenas mencionar que a medida
provisória impugnada foi tomada com base
em elementos também preliminares, que de mane ira segura apontavam, como ainda
apontam, para sua premente necessidade.
A “valoração da prova” com vista à tornada dessa
providência cautelar foi efetuada de forma absolutamente escorreita, com base
nos critérios legais aplicáveis a situações semelhantes.
Uma análise de mérito mais aprofundada somente se
fará possível ao final do procedimento, após a completa apuração dos fatos,
razão pela qual, por hora, os elementos trazidos aos autos são mais do que
suficientes para justificar o decreto e a manutenção da decisão agravada”.
De sorte
que, solução outra não se impõe a discutida
controvérsia recursal, senão, a manutenção da combatida decisão recorrida.
Nessa
conformidade:
Acordam os
Desembargadores e o Juiz Convocado, integrantes da Primeira
Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de
votos, em conhecer e negar provimento ao recurso interposto.
Presidiu a
sessão o Desembargador OTO SPONHOLZ e participaram do julgamento os
Desembargadores MOACIR GUIMARÃES e CLOTARIO PORTUGAL NETO.
Curitiba, 16
de novembro de 2000.
JUIZ CONV.
MILANI DE MOURA
Relator