EDUCAR EM VEZ DE PUNIR

LIBERDADE ASSISTIDA AMAPÁ

 

 

Bezinha Lopes da Cunha Soares,

a partir de relatórios oficias do Programa
 

 

Crianças e adolescentes carentes e em condições de risco são vistos quase sempre como um grande problema a ser resolvido. Em geral, a solução é punir os autores de ato infracional e relegar às próprias crianças e adolescentes a culpa pela situação em que se encontram. E nada muda, apesar dos avanços registrados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Para mudar esta realidade, o Governo Estadual do Amapá implantou uma política de reformulação de todo o seu sistema de atendimento voltado para os adolescentes, especialmente os autores de ato infracional, buscando encarar de outra forma estes adolescentes, considerando-os sujeitos de direitos.


Esta política se efetivou no Programa de Medidas Socioeducativas da FCRIA (Fundação da Criança e do Adolescente), inserida no Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá. A principal meta é atender crianças e adolescentes demandantes de proteção especial, principalmente aqueles sentenciados ao cumprimento das medidas socioeducativas previstas no ECA.


O Programa vai alem de simplesmente cumprir o que está no ECA, buscando estabelecer uma nova mentalidade norteadora de comportamentos no trato com os adolescentes, priorizando a educação e não mais a punição.


Dentro do objetivo de fazer cumprir o ECA, o Programa de Medidas Socioeducativas busca principalmente a ressocialização dos adolescentes. Para tanto, acompanha os sentenciados ao cumprimento das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação promovendo seu desenvolvimento pleno, visando seu retorno ao convívio familiar e social. Garante a matrícula do adolescente na rede formal de ensino, oferece capacitação para o mercado de trabalho, promove atividades culturais, esportivas e de lazer, e busca fortalecer o vínculo familiar do adolescente, envolvendo sua família neste processo de ressocialização.
O Programa também oferece defesa técnica dos adolescentes, por meio da defensoria pública, mantendo o adolescente informado a respeito de sua situação processual. Com tudo isto, amplia-se a garantia de direitos, utilizando o máximo possível de serviços da comunidade no atendimento ao adolescente.



GESTÃO COMPARTILHADA


Um ponto que diferencia este Programa de vários programas similares é a sua condução: foi escolhida a gestão compartilhada por ser a mais adequada aos preceitos do PDSA para fazer valer o ECA e estabelecer com os adolescentes uma relação democrática; busca promover o desenvolvimento pleno do adolescente, proporcionando-lhe saúde, educação, bem-estar, segurança e dignidade.


Os adolescentes são encaminhados ao Programa por determinação de autoridade judiciária competente para o cumprimento de medida socioeducativa de semiliberdade ou de internação. Conforme o caso, vão para a Casa de Semiliberdade ou para o Centro Educacional Aninga,.


Ambas as casas adotam a gestão compartilhada, isto é, todo o planejamento e todas as decisões são tomadas com a participação de todos (servidores, técnicos, educadores socioambientais, professores e adolescentes) e, a cada três meses ocorre uma avaliação, também nestes moldes. Nas avaliações, discutem- se, entre outras coisas, a organização do espaço físico e as atividades para os próximos três meses.


Na rotina das casas há oficinas de integração e responsabilidades. Nestas oficinas são tomadas as decisões a respeito das normas de convivência, dos procedimentos jurídicos, das questões escolares e de trabalho, dos direitos e deveres para com seus pares e para com a instituição.


Há também a Oficina da Palavra que funciona como um canal de escuta dos problemas de cada adolescente, suas relações familiares, suas angústias, sugestões e reclamações. Estas oficinas ocorrem uma vez por semana e são realizadas com a presença de psicólogos da Fundação.


Os adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa de semiliberdade freqüentam a rede escolar da própria comunidade e os adolescentes privados de liberdade com a medida socioeducativa de internação freqüentam a escola que funciona dentro da Casa de Internação.


Também são oferecidas algumas atividades lúdicas aos adolescentes, como judô, capoeira, música, artes, passeios e festas, uma vez que o objetivo das medidas socioeducativas é promover o desenvolvimento do adolescente e não simplesmente puni-lo.


Há também cursos de formação profissional ministrados pelo SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), realizados dentro e fora das Casas, priorizando a colocação dos adolescentes no mercado de trabalho, por meio de convênios com instituições públicas e privadas.


Quanto à assessoria jurídica prestada aos adolescentes, a Defensoria Pública garante a defesa técnica e acompanha os processos na pessoa de uma advogada da Fundação.
O Programa conta com um cronograma de metas para o ano todo. Com base neste cronograma, foi implementado um planejamento participativo trimestral. Neste planejamento são definidas as ações e as atividades de cada trimestre; uma equipe de assessores realiza supervisões e monitoramento das ações em cada unidade operacional e a cada trimestre confecciona um relatório técnico. É a partir deste relatório que se faz o planejamento para o próximo trimestre.


O Programa atende 74 adolescentes (59 em cumprimento de internação e 15 de semiliberdade), correspondendo a toda a clientela encaminhada pelo sistema de justiça.
O custo anual do Programa é da ordem de R$ 430 mil. Estes recursos vêm do Fundo de Participação dos Estados.



PARCERIAS
O Programa estabelece
diversas parcerias. Algumas voltadas para o funcionamento das casas, outras para o desenvolvimento de atividades educacionais e profissionais, e outras, ainda, voltadas para a garantia dos direitos dos adolescentes.


Para o funcionamento das casas:


Polícia Militar - responsável pela segurança externa das casas e pela atuação em caso de rebeliões, fugas e tumultos (toda a conduta dos PMs é definida em conjunto com a FCRIA).


Capta - Centro Amapaense de Atendimento ao Usuário de Substância Química realiza

atendimento ambulatorial e terapêutico ao adolescente e sua família.


Secretaria de Saúde - presta serviços na área de saúde (exames, consultas médicas, etc.) nos Centros e Postos de Saúde da comunidade.


Para o desenvolvimento de atividades educacionais e profissionalizantes:


Alvo - Empresas de Serviços Gerais - nelas o adolescente desenvolve atividades administrativas como controle de ponto, folhas de pagamento, escala de vigia.


Moselli Veículos – é uma revendedora de automóveis que desenvolve atividades de capacitação do adolescente ao serviço de oficina mecânica.


Studio Rose - dá oportunidades aos adolescentes que demonstrem interesse em se desenvolver na dança, podendo até fazer parte da Companhia de Ballet Clássico.


Federação Amapaense de Judô - responsável pela atividade de Judô.


Secretaria de Estado do Trabalho e Cidadania oferece cursos de formação profissional.
Departamento de Desportos e Lazer oferece atividades esportivas aos adolescentes dentro e fora das casas.


SENAI - oferece cursos de formação profissional e colocação dos adolescentes capacitados no mercado de trabalho.


Para a garantia dos direitos:


Defenap garante a defesa técnica dos adolescentes e atua nas audiências.
Vara da Infância e Juventude e Ministério Público viabilizam audiências semanais com as equipes técnicas das unidades.



DIFICULDADES
Uma das dificuldades enfrentadas é a falta de conhecimento do ECA por parte da comunidade. Para superar este problema, a FCRIA participa ativamente das ações de governo, discutindo e divulgando o ECA e o papel da própria FCRIA.
Uma outra questão foi a resistência e a falta de conhecimento do que é e de como funciona uma gestão compartilhada. Muitos servidores não estavam acostumados com este modelo de gestão em que ambos os lados do processo – agora pedagógico e não mais punitivo – têm participação e voz ativa na tomada de decisões. A partir do momento em que foram tomando conhecimento do processo e se envolvendo mais com os adolescentes, discutindo e tomando decisões sobre as atividades e as normas de convivência, a resistência foi diminuindo. Ainda há resistência por parte dos funcionários cedidos por outras Secretarias de Estado ou pelo Governo Federal que participam do Programa esporadicamente.
Havia também dificuldades para se obter defensores públicos que garantissem a defesa dos adolescentes nas audiências e que, ao mesmo tempo, mantivessem um canal aberto para discutir com os adolescentes as suas condições processuais. Para superar mais este problema, a FCRIA, junto com o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Belém-PA realizou um curso de capacitação para defensores públicos, aproximando advogados e adolescentes.



RESULTADOS
Um dos principais resultados do Programa da FCRIA é a mudança de uma lógica de punição para uma lógica de educação. Embora isto esteja previsto no ECA, nem sempre se encontra um desenho institucional que garanta esta mudança de mentalidade.
Além disso, promove a gestão compartilhada, que é verdadeiro exercício de democracia tanto para as crianças e adolescentes quanto para os adultos que com eles se dispõem a trabalhar. Coloca na prática, desta forma, o significado do que seja um sujeito de direitos. A gestão compartilhada permite capacitar a população para efetivamente participar na tomada de decisões.


Além de ampliar as oportunidades de acesso das crianças e adolescentes a diversos equipamentos, serviços e decisões públicos, integra-os num processo mais amplo, que é o Programa de Desenvolvimento Sustentável de toda a região.


Além destes resultados, há que se considerar que os índices de aprovação na escola melhoraram e a continuidade da escolarização na rede formal da comunidade foi garantida. Desde 1995 o índice de reincidência na Casa de Semiliberdade é de 0% e o da Casa de Internação de 9%.


Um outro grande resultado deste Programa é que ele também garante ao adolescente que sua medida socioeducativa seja reavaliada trimestralmente.


O Programa utiliza o máximo possível de serviços na comunidade, abrangendo todas as políticas setoriais, no atendimento aos adolescentes, para garantir a efetivação de seus direitos.

 

 

  Extraído de www.polis.org.br