Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de ......................-ES

 

 

 

 

“A criança é inocente , vulnerável e dependente. Também é curiosa, ativa e cheia de esperança, seu universo deve ser de alegria e paz, de brincadeiras, de aprendizagem e crescimento. Seu futuro deve ser moldado pela harmonia e pela cooperação. Seu desenvolvimento deve transcorrer à medida que amplia suas perspectivas e adquire novas experiências.

Mas para muitas crianças a realidade da infância é muito diferente. ( Encontro Mundial de Cúpula pela Criança – ONU, New York-EUA, em 30/09/90).

 

 

 

 

 

 

O Ministério Público  do Estado do Espírito Santo, por seu Promotor de Justiça in fine assinada, no uso de uma de suas atribuições legais, com fulcro nos art. 129, incisos II e III e 227, da Constituição Federal, e artigos 201, inciso V e 208, da Lei  federal n.º 8.069/90 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, respeitosamente vem à presença de Vossa Excelência para propor a presente

 

 

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

 PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.

COM PEDIDO DE LIMINAR

 

 

 

Por oferta irregular de serviços relevante à proteção dos direitos da criança e do adolescente, relacionados com a falta de condições operacionais da DELEGACIA DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, visando compelir o Poder Estadual, através da Secretaria de Estado da Segurança Pública, a viabilizar seu perfeito e eficaz desenvolvimento, em face do ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, pessoa jurídica de direito público interno, com sede na ..................................., que deverá ser citado na pessoa de sua Procuradoria-Geral, na Rua........................., pelas razões e fatos de direito que passa a expor:

 

1-      DA COMPETÊNCIA:

 

Dispõe o artigo 148, IV, da Lei Federal n.º 8.069/90, que a Justiça da Infância e Juventude é competente para conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos e coletivos afetos à criança e ao adolescente.

 

O objeto da ação, como veremos a seguir, reside no interesse difuso de todas as crianças e adolescentes e da sociedade civil do Estado do Espírito Santo em terem garantido o atendimento a crianças e adolescentes, principalmente os considerados autores de ato infracional, dada a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art. 71 do ECA).

 

Dispõe ainda a Lei Estadual Complementar n.º 94/93 – Código de Organização Judiciária, que:

 

“Compete ao Juizado da Infância e da Juventude, ressalvada a competência das Varas da Família, processar e julgar os assuntos disciplinados no Estatuto da Criança e do Adolescente e legislação afim, bem como pedidos de adoção”.

 

 

Portanto, a competência deste juízo para conhecer da presente ação é induvidosa.

 

 

2 – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO:

 

 

Como é cedido a Constituição Federal conceituou o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127), atribuindo-lhe a função institucional de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III).

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, conferiu legitimidade ao Ministério Público para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3.º , inciso II, da Constituição Federal (art. 201, V).

 

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos afetos à infância e juventude, expressamente legitimou o Ministério Público para as ações fundadas em tais interesses (ECA, ar. 210, I), de modo a afastar qualquer dúvida quanto à legitimidade do Parquet.

 

 

3 – DOS FATOS:

 

 

Como já foi dito, a presente demanda versa sobre interesse difuso de todas as crianças, adolescentes e sociedade do Município de Vitória em geral, em Ter à sua disposição uma Delegacia Especializada para o atendimento de crianças e adolescentes, principalmente aqueles considerados vítimas de crimes e os autores de ato infracional.

 

Mais que isso: direito de ter à disposição uma Delegacia de Polícia que funciona de forma eficiente, que esteja equipada com viaturas, sistema de rádio e comunicação, boa estrutura física e quadro pessoal qualificado, para assim terem seus direitos zelados e garantidos.

 

Trata-se de serviço público relevante e essencial, posto que somente o Estado pode desempenhar função de segurança pública, de modo a garantir a ordem social. Assim não fosse, seria estabelecido o caos na sociedade, onde cada pessoa, ou grupo, poderia organizar seu próprio sistema de segurança, visando sua proteção, daí decorre o poder estatal de proteção social e o dever estatal de garantir a efetiva segurança social.

 

A interrupção da oferta ou a oferta irregular do serviço de segurança pública coloca em perigo a proteção dos direitos da sociedade e, in casu, deixa de zelar pela clientela especial que à Delegacia da Criança e do Adolescente cabe atender.

 

O Estado vem deixando de equipar a Delegacia da Criança e do Adolescente. Conforme se verifica nos documentos em anexo, há tempos não é possível dar cumprimento a dilig6encia em face da falta de viaturas.

                

A atividade de investigação está restrita a rotina cartorial, as apreensões só ocorrem em virtude de flagrante e, na maioria trazidas pela polícia militar, pois que não há como os agentes de polícia saírem à procura de informações, diligenciar para obter provas materiais dos ilícitos e, muitas vezes, podem até deixar de atender às ocorrências uma vez que não há meio de locomoção próprio a tal fim.

 

O serviço de investigação, peculiar e característico da atividade policial, está praticamente paralisado.   

                

Essa paralisação implica em irregular oferta do serviço de segurança pública, interesse social difuso e coletivo d0as crianças e adolescentes, cuja defesa cabe também ao Ministério Público.

 

É vergonhoso e triste ouvir (e constatar) que não existe papel para datilografar ou compor autos, ou capas de autuação, cuja dispensa é, ainda bem, autorizada pela Lei n.º 8.069/90. Computador... nem pensar há como se pensar neles. Constatar, com profundo pesar, que os termos de declaração, os ofícios, os termos de entrega e de responsabilidade são elaborados no verso de papéis já utilizados ou formulários de computador, que não funciona o sistema hidráulico que serve aos que estão custodiados pelo Estado, que as paredes estão podres, que não tem gasolina para viaturas. Mais grave ainda, constatar a falta de reagentes químicos à elaboração dos Laudos Toxicológicos Definitivos.

 

Tudo isso quando os direitos das crianças e adolescentes estão constitucionalmente gravados como prioridade absoluta!

 

A Constituição federal determinou que o atendimento de crianças e adolescentes fosse realizado de maneira absoluta e prioritária, todos os segmentos governamentais devem (não é optativo) desempenhar suas tarefas de acordo com a qualidade constitucional imposta, ou seja, devem dar condições para que a população infanto–juvenil seja mais protegida e antes de qualquer outra categoria.

 

Assim, a paralisação do serviço relevante de segurança pública, por falta de material de expediente, de higiene e operacionais, indica prima facie, não estar sendo observado o princípio constitucional da prioridade absoluta que vige em matéria da infância e juventude.

 

Até mesmo pela natureza do serviço de segurança pública cabe ao Requerido executar, mecanismos legais previstos a tempo, a fim de evitar que seja interrompido ou sofra descontinuidade que comprometa a população. Basta que tal atendimento seja priorizado. O Estado deve e com certeza tem, seu rol de prioridades e zela para que se efetuem.

 

Há julgar pela situação atual, ou o Estado não dispõe de suporte profissional para viabilizar a área da criança e do adolescente, que supondo figurar entre suas prioridades em razão de norma constitucional, ou, ao revés, não está sendo tratada de firma absoluta e prioritária a questão da infância e juventude.

 

A Delegacia da Criança e do Adolescente vem solicitando material de expediente e operacional, bem como a recuperação do prédio em funcionando, uma vez que inexiste qualquer condição de habitabilidade, as paredes das celas estão úmidas, em face de infiltração de água, o sistema hidráulico é ineficiente, causando falta de abastecimento de água. E ainda, não há local adequado para o recebimento e contenção de adolescentes do sexo feminino, o que traz prejuízo à ação policial em casos envolvendo adolescentes envolvidas em atos infracionais, principalmente com relação ao tráfico de drogas.

 

Ainda acreditamos ser prioridade do Requerido o atendimento absoluto e prioritário à criança e adolescentes, não há como deixar de ser constatada a demonstração de descaso com a questão infanto-juvenil.

 

4 – DA LIMINAR:

 

Trata-se nesta ação de direito indisponível, cujo perecimento se verifica a todo momento, uma vez que o serviço de segurança, cujo prestador é o Estado e que deveria estar sempre e qualquer momento à disposição vítimas de violência e exploração sexual, não consegue substituir com parcos recursos e deixa de atender a população que por ele procura.

                

Uma vez que não pode prever o momento em que ocorrerá a violação de direitos das crianças e adolescentes, temos que todas as crianças e adolescentes indistintamente podem ser vítimas (e o são em potencial).

 

A se esperar pela decisão final da causa, conseqüência irreversíveis aconteceriam, v.  g. , o adolescente que se encontra internado provisoriamente nas condições atuais da Delegacia da Criança e do Adolescente sofre danos psicossociais e sua personalidade (que está em desenvolvimento) é moldada nas impróprias condições oferecidas; ao contrário de formar, destrói-se. A criança que está sendo espancada por seu próprio pai não pode ser socorrida: a viatura está quebrada.

 

Em 1989, os Estados Membros das Nações Unidas comprometeram-se em vigiar instituições, serviços ou estabelecimentos encarregados, fazendo-as cumprir e observar normas de proteção das crianças, especialmente as referentes à segurança e à saúde, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.

 

A infância passa, se não for dispensado cuidado no momento adequado, pouco ou quase nada adianta fazer depois, ou o custo de recuperar uma sociedade cultivada limiar da dignidade será o preço a ser pago.

 

Prioridade para o bem-estar das crianças foi o compromisso assumido por 71 presidentes e chefes de Estado, entre o do Brasil, em setembro/90.

 

Nossa Carta Magna de 1988 já contemplava o princípio da prioridade absoluta, insculpido no seu artigo 227.

 

A Lei Federal n.º 8.069/90 já havia sido e encontrava-se fluindo e período da vacatio legis.

 

Passados dez anos, é possível ainda ver-se desrespeitados direitos assegurados constitucionalmente como de prioridade absoluta.

                

A questão se resume em praticar e efetivar o que a Lei dispõe e estabelece em matéria de Infância e Juventude.

 

 Até quando esperar!

 

Impõe-se concessão de liminar que garanta, hoje o direito à segurança de que são destinatários crianças e adolescentes, assegurando-lhes a manutenção e funcionamento do serviço de segurança, senão, poderá ser tarde demais para que uma investigação seja feita, ou que um flagrante seja lavrado, ou que uma criança sofra agressões e morra nas mãos daquele que não pode ser preso por falta de uma viatura.

 

Presentes, pois, os requisitos à concessão de liminar, fumus boni juris : competência constitucional residual de oferecer segurança pública e também constante na Constituição estadual (art. 143, I); e o periculum in mora: instalação do caos social.

 

5 – DO PEDIDO:

 

Ante o exposto, requer o Ministério Público:

 

1 . A concessão de liminar “initio litis” e “inaudita et altera pars”, para compelir o Estado do Espírito Santo a providenciar imediatamente:

 

a) material de expediente, material escolar e material de limpeza em quantidade suficiente para a operacionalização do serviço essencial e relevante de segurança, conforme discriminado no documento anexo, expedido pela própria Delegacia da Criança e do Adolescente.

 

b) cota mensal de mil (1000)litros de combustível;

 

c) a revisão mecânica do veículo que atualmente está danificado;

 

d) o conserto e/ou pagamento da conta da linha telefônica n.º 227-2799, hoje instalado na Delegacia da Criança e do Adolescente;

 

e) a limpeza externa e interna, pintura e detetização, inclusive o reparo necessário a fazer cessar a infiltração de água, nas dependência da Delegacia da Criança e do Adolescente e, também a manutenção do prédio.

 

2.  A Condenação do réu na obrigação de fazer consistente:

 

a) na construção de um compartimento ou sala especial, com proteção na janela e porta, destinada ao acolhimento de adolescentes do sexo feminino autoras de ato infracional, cuja custódia necessita ser provisoriamente mantida;

 

b) na aquisição ou na disponibilidade de outro veículo, equipado com aparelhos de comunicação, destinado ao atendimento das atividades de investigação da Polícia Judiciária, cujo efetivo encontra-se lotado na delegacia da Criança e do Adolescente;

 

c) na aquisição ou disponibilidade de mais uma linha telefônica;

 

d) o fornecimento mensal do material especificado no item “a”, no item 1 acima, por prazo indeterminado, para que não haja somente a primeira entrega;

 

e) na manutenção do serviço de segurança pública oferecido à sociedade em geral e às vítimas de maus tratos, com condições físicas e com pessoal qualificado para a função, a fim de que possa ser executado o atendimento das crianças e dos adolescentes, bem como possa ser desenvolvida a atividade de investigação policial;

 

3. A imposição de multa diária ao requerimento, pelo não cumprimento da liminar, se concedida, ou da decisão final, no equivalente a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), que deverá ser revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente;

 

4. A produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente a testemunhal, pericial e a juntada de novos documentos;

 

5. A procedência da ação, condenando-se o requerido na obrigação de fazer, nos termos acima descritos.

 

 

Requerendo-se, por fim, a não incidência de honorários advocatícios, vez que incabíveis em ação civil pública, dando à causa o valor de R$ 100,00 (cem reais), para efeitos fiscais.

 

P. Deferimento.

 

Vitória-ES, 07 de Junho de 2000.

 

 

                              

Promotor de Justiça