A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NO COMBATE AO TRABALHO INFANTIL ATRAVÉS DOS FÓRUNS TEMÁTICOS
Viviane
Colucci
Procuradora Regional do Trabalho.
1. A Problemática da Criança e seu enfrentamento por meio do trabalho em rede : A criação dos Fóruns Temáticos :
A erradicação do trabalho infantil e a
proteção do adolescente no trabalho constituem questões a serem enfrentadas
conforme a concepção ditada pela teoria da proteção integral, consagrada pelo
texto da Constituição Federal de 1988.
A Convenção sobre os Direitos da Criança,
assinada em Nova York, em 1989, assim definiu a inovadora doutrina:
"A humanidade deve dar à criança o
melhor que lhe pode dar (...).
A
criança gozará de uma proteção especial e disporá de oportunidades e serviços,
proporcionados pela lei e por outros meios, para que possa desenvolver-se
física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal,
assim como em condições de liberdade e dignidade. A criança deve ser protegida
contra toda forma de abandono, crueldade e exploração".
Destaca-se, ainda, que a gestão de
atendimento à infância e à juventude passou a ter por diretrizes, a partir do
advento da Constituição de 1988, "a descentralização político-administrativa"
e a "participação popular por meio de suas organizações representativas,
na formulação de políticas e no controle das ações de todos os níveis"
(art. 204, CF).
Já no período militar, articulava-se um
conceito de sociedade civil inspirado na concepção gramsciana,
que veio a exercer influência sobre os primeiros movimentos de base que
emergiam. A hegemonia não seria conquistada apenas através da coerção estatal,
mas, antes de tudo, no plano da sociedade civil, o que não negaria a premissa
fundamental marxiana da materialidade genética da
superestrutura, nesta incluída a sociedade civil. (Costa,
Sérgio, Categoria Analítica ou Passe-Partout Político-Administrativo? A
Trajetória do Conceito de Sociedade Civil no Brasil, pág. 3 (texto mimeo.)
O que se verifica atualmente é que a sociedade
civil vem ganhando os espaços não preenchidos pelo Estado, com discursos e
atuações que não poderiam ser ocupados por este. Constata-se que os novos
mecanismos legais instituídos pela Constituição viabilizam a influência de
setores da sociedade civil que não são abrangidos pelo Estado. Como lembra
Sérgio Costa, "alguns setores da sociedade civil vivem fora da região de
abrangência do Estado constitucional, considerados aparatos de poder pontuais,
onde se formulam ad hoc
e distantes do processo político códigos de honra e comportamento impostos
a grupos sociais desprotegidos e
impossibilitados de qualquer reação efetiva" (Costa, Sérgio.
Categoria Analítica ou Passe-Parlout
Político-Administrativo? A Trajetória do Conceito de Sociedade Civil no Brasil,
pág. 10) (texto mimeo.).
Nesta dimensão, ressalta Lizt Vieira, analisando as concepções de A. Melucci, que "a existência de espaços públicos
independentes das instituições de governo, do sistema partidário e das
estruturas do Estado é condição necessária da democracia contemporânea. Como
intermediações entre o nível do poder público e as redes da vida cotidiana,
esses espaços públicos requerem simultaneamente os mecanismos de representação
e de participação. Ambos são fundamentais para a existência da democracia nas
sociedades complexas" (Vieira, Lizt,
"Cidadania e Globalização". Rio de Janeiro, Record, 1999, pág. 65).
Além da participação da sociedade civil
na gestão das questões referentes à infância e à juventude, o
constituinte enfatizou, como já referido, a importância da
descentralização administrativa. Com efeito, no que diz respeito ao trabalho
infantil, pode-se verificar que as repercussões lastimáveis do fenômeno são
percebidas, primordialmente, no âmbito da localidade, pelo que a questão pode ser
enfrentada de forma mais genuína, mais adequada, mais realista em nível
municipal. "É no Município que o cidadão nasce, vive e constrói sua
história. É no Município que ultrapassamos a fria lógica dos números para
encontrar cada criança, cada jovem, cada cidadão para restituir-lhes a
dignidade de seus direitos" (Amencar/Famurs/
Febem-RS/FMSS, 1966, op. cit.,
in Pereira, lrandi e outro, "Liberdade Assistida
& Prestação de Serviço à comunidade", (IEE/PUC-SP
e Febem.SP, 1999, pág. 19).
Arno Vogel, ao
tratar da "partilha do poder", justifica a importância de as políticas públicas retornarem ao eixo da
localidade, enfatizando ser o município
"um campo de força. Cada segmento social, instituição ou ator político
tem, dentro dele, o seu peso específico. Graças à sua morfologia e cultura sociopolítica
peculiar, a comunidade constitui, pois, um meio capaz de exercer, sobre os empreendimentos de
mudança social, um certo efeito de refração" (Vogel,
Arno, "Do Estado ao Estatuto - propostas e vicissitudes da política de
atendimento à infância e à adolescência no Brasil contemporâneo". ln Pilotti, Francisco e Rizzini, Irene, "A Arte de Governar Crianças".
Rio de Janeiro, Universidade Santa Úrsula, 1995, pág.
299).
Os conselhos de direitos e conselhos
tutelares, criados dentro desta nova ótica, constituem mecanismos oficiais para
a consolidação do poder local (Pereira, lrandi e
outro, "Liberdade Assistida & Prestação de Serviço à comunidade",
IEE/PUC-SP e Febem-SP, 1999, pág. 19).
Em resposta às diretrizes ditadas, as
práticas tradicionais passaram a ser rapidamente substituídas.
Neste contexto, surgem no Brasil os Fóruns ou Comissões Estaduais de
Erradicação do Trabalho Infantil, a exemplo do que ocorreu em 1994, com a
instalação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
Maria do Carmo Brant de Carvalho enfatiza
a importância deste espaço de articulação, de caráter "inovador e
eficaz", em razão de que: introduz uma parceria permanente entre governo e
sociedade civil nas decisões e na própria implementação, implantação e
avaliação de ações; introduz a complementaridade de esforços entre as três
esferas da sociedade: federal, estadual
e municipal; introduz o caráter multisetorial ou transetorial dos programas (trabalho, educação, assistência
social e saúde) (Carvalho, Maria do Carmo Brant de, "O Combate ao Trabalho
Infantil na Voz e na Agenda da Sociedade e do Estado Brasileiro") (texto mimeo.).
2. A
Proposta do fórum estadual de erradicação do trabalho infantil e proteção do
adolescente do trabalho de Santa Catarina
O Fórum de Erradicação do Trabalho
Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho em Santa Catarina (Fórum) vem se comprometendo, ao longo dos cinco anos de sua
existência, com a luta pelo resgate dos direitos da infância e da adolescência,
sob a ótica de que o direito de não trabalhar antes da idade mínima constitui
premissa para que o direito à infância seja efetivamente assegurado.
O respeito à idade mínima deve, como
inicialmente ressaltado, ser observado em consonância com as disposições do
Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem a essa faixa etária a
proteção integral. Nestes termos, retirar as crianças do trabalho implica a
responsabilidade de oferecer-lhes a oportunidade de acesso à sala de aula e aos
programas de atendimento comprometidos com a cidadania.
Com base nos Diagnósticos elaborados pela
Delegacia Regional do Trabalho, nos anos de 1996 a 1998, o
Fórum vem se deslocando para os diversos Municípios revelados, no
referido estudo, como pontos de concentração de mão-de-obra infantil ou de
trabalhadores adolescentes em condição irregular. O objetivo é definir os
papéis institucionais dos atores envolvidos na problemática em conjunto com as
comunidades locais, tornando explícito o papel dos entes governamentais, das
ONGS e da própria comunidade na solução dos problemas.
Estabelecidas as parcerias, o diagnóstico
vem sendo apontado pelas comunidades como primeira etapa para a realização de
ações que visam ao combate do trabalho infantil, porquanto o conhecimento da
realidade constitui pressuposto para a formulação de políticas públicas a serem
sugeridas aos conselhos de direito.
Os fóruns temáticos, nesse sentido, em
vista de sua composição incluir parceiros diretamente
envolvidos com a problemática - no caso do Fórum de Erradicação do Trabalho
Infantil, os sindicatos, o Ministério Público do Trabalho, a Delegacia
do Trabalho, o SINE e outros - constituem, hoje, mecanismo de fortalecimento
dos conselhos de direitos, podendo sugerir políticas públicas mais adequadas e
específicas sobre o tema.
A participação da sociedade civil e das
instituições governamentais nos Fóruns tem o efeito de identificar o papel de
cada ator envolvido, inclusive as atribuições das instituições, que passam a se
comprometer, no conjunto, com as ações que lhes são afetas. Com efeito, de
acordo com Habermas os movimentos sociais apresentam
uma orientação bidimensional: defensiva - ao darem um contorno a uma comunidade
idealizada ameaçada pela ação do Estado, construindo um "nós" que se
constitui em torno de propósitos imediatos e comuns; e ofensiva
- ao colocarem em discussão problemas de relevância indiscutível para o
conjunto da sociedade. É exatamente a pressão exercida pela sociedade
devidamente identificada, no mesmo espaço político, que desencadeia a
efetivação das atribuições inerentes às instituições oficiais integrantes do
Fórum (in Costa, Sérgio, "Atores da Sociedade Civil e Participação
Política: Algumas Restrições", Caderno do CEAS, n. 155, pág. 65).
3.
O Ministério Público do Trabalho e a sua
integração aos fóruns de erradicação do trabalho infantil
O Ministério Público do Trabalho, como
parceiro de Fóruns temáticos, vem promovendo diversas medidas complementares à
atuação das demais entidades que compõem referidos espaços de discussão. Além
das atribuições tradicionais decorrentes de sua condição de “órgão da
sociedade", vem assumindo seu
compromisso político-social numa perspectiva mais abrangente, porquanto, o Direito deixou de
proteger apenas as autonomias privadas, incorporando "objetivos sociais
muito mais amplos", cabendo à Instituição responder por interesses de
muito maior relevância e repercussão da sociedade" (Salles,
Carlos Alberto, "Entre a Razão e a Utopia: A Formação Histórica do
Ministério Público", in Vigliar, José Marcelo
Menezes e Macedo Júnior, Ronaldo Porto,
"Ministério Público II", São Paulo: Atlas, 1999, pág. 40).
Nesta perspectiva, o Ministério Público,
a partir do texto constitucional de 1988, veio a colocar em questão o que o
eminente Promotor de Justiça do Estado
de São Paulo, Ronaldo Porto Macedo Júnior, refere como "a lógica de um processo legislativo que cria direitos
porque esses não serão implementados" (Macedo Jr, Ronaldo Porto,
"Ministério Público Brasileiro: Um Novo Ator Político", in Vigliar, José Marcelo Menezes e Macedo Júnior, Ronaldo
Porto, "Ministério Público II", São Paulo: Atlas, 1999, pág. 109).
Não só as inúmeras ações civis públicas
ajuizadas, como o desempenho do papel de articulador social do Procurador do
Trabalho, engajando-se em comissões ao lado da sociedade civil vem propiciando a efetividade de direitos trabalhistas antes
só insculpidos na letra da lei.
Identificada a demanda social através de Fóruns
representativos, incumbe ao Ministério Público engajar sua atuação no grande
pacto social que se firma para o combate de fenômenos sociais complexos, como o
trabalho infantil, e que não dependem apenas da atuação de uma entidade para
serem enfrentados.
4. As
atribuições do Ministério Público do Trabalho no combate ao trabalho infantil
A ação do Ministério Público do Trabalho
no combate ao trabalho infantil e na proteção do adolescente trabalhador
decorre de imposição legal. Está devidamente alicerçada nos dispositivos do
Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como na Lei Orgânica do Ministério
Público da União.
O inciso IV do artigo 148 do ECA especifica a competência da Justiça da Infância e da
Juventude "para conhecer de ações civis fundadas em interesses
individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado
o disposto no art. 209" (sem grifo no original). Ora, evidentemente, desta
norma que define a competência material da Justiça da Infância e da Juventude
estão excluídas as ações trabalhistas, porquanto o indigitado dispositivo legal
reporta-se às ações civis em sentido estrito. Interpretar de outra forma seria
violar o art. 114 da Constituição Federal que define a competência da Justiça
do Trabalho para julgar dissídios individuais e coletivos entre empregados e
empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas da relação de
trabalho.
O trabalho prestado por crianças e
adolescentes, por ser subordinado a alguém que dele obtém qualquer vantagem,
configura a relação de emprego, ainda que inexistente o contrato formal de
trabalho. Frise-se que, no âmbito do processo do trabalho, vigora o princípio
da primazia da realidade, de acordo com o qual a existência dos elementos
fáticos é suficiente para o fim de estabelecer os efeitos do contrato, ainda
que não documentado.
Como bem alude José Luciano de Castilho
Pereira, "(...) o Direito do Trabalho surge com a pontuação de que é a
realidade que marca a vida das relações de trabalho, realidade esta muitas
vezes distante das abstratas formulações legais ou, em não raros momentos,
mascarada pelo manto fugaz da liberdade contratual. Aqui, pois, fica destacado
o princípio da primazia da realidade"(Temas
Polêmicos do Direito Material e do Direito Processual, in Revista Síntese
Trabalhista n. 62 - ago./94, pág. 7).
Cabe invocar, para bem localizar a
temática, o que ensina o doutrinador Américo Plá
Rodriguez sobre o princípio supramencionado: "O princípio da primazia da
realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática
e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro,
isto é, ao que sucede no terreno dos fatos". Mais adiante, citando
Evaristo de Moraes Filho, diz: Pouco importa o nomem juris que lhe seja atribuído em suas relações de emprego. O
contrato de trabalho, segundo a conhecida denominação de lnarritu,
Ministro da Suprema Corte Mexicana, é um contrato-realidade, preso à realidade
cotidiana e concreta. Daí o conceito do art. 442 da CLT, quando dispõe que
"Contrato Individual de Trabalho é acordo tácito ou expresso,
correspondente à relação de emprego" ("Princípios de Direto do
Trabalho", São Paulo, Ed. LTr, 1996, págs. 217 e
218).
Neste sentido, a Justiça do Trabalho é
competente para dirimir todas as lides que tenham por objeto discutir relações
de emprego, inclusive aquelas que se encontram
forjadas em programas de trabalho
educativo ou outros programas
sócio-educativos previstos no ECA. Importa apenas
identificar a relação de emprego subjacente.
Em suma, para José Cretella
Júnior: "a base do legislador para fixar a competência da Justiça do
Trabalho é, antes de tudo, a verificação da existência de relação de trabalho
entre empregado e empregador. Este é pressuposto ... "Dirimir
questões que derivam da relação empregatícia entre empregador e empregado - eis
a tarefa precisa que cabe à Justiça do Trabalho"("Comentários à
Constituição 1988", São Paulo, Ed. Forense Universitária, 1993, pág.
3207).
É
ilustrativa a decisão do Supremo Tribunal Federal, solucionando o Conflito de
Jurisdição n. 6.959-6 (DF), cujo acórdão foi da lavra do Ministro Sepúlveda
Pertence, onde se lê: "À determinação da competência da Justiça do
Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito
Civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o
fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego,
inserindo-se no contrato de trabalho" (Revista LTr
59-10/1370).
No texto do acórdão, ao ser especificado
que os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, da
competência da Justiça do Trabalho, são aqueles "decorrentes da relação de
trabalho", afirma o redator do aresto, didaticamente: "Para saber se
a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data venia, que a sua composição judicial penda ou não de
solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de Direito
do Trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do
pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia, como me
parece inquestionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico
seja o de uma promessa de venda, instituto de Direito Civil".
O
artigo 209 do ECA também corrobora a afirmação de que
as lides de natureza trabalhista, como a que visa retirar do trabalho a criança
ou o adolescente que não tenham alcançado a idade mínima legal, são da
competência da Justiça do Trabalho.
Assim dispõe o referido dispositivo
legal:
"Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores" (sem grifo no original).
Trata-se, à evidência, de norma que define a competência territorial. Não obstante, o mesmo dispositivo legal ressalva a competência da Justiça Federal, o que autoriza sejam os direitos da infância e da juventude decorrentes de relações de trabalho objeto de ações propostas perante a Justiça do Trabalho. Neste sentido, convém ressaltar que a Justiça do Trabalho constitui um ramo da Justiça Federal lato sensu. Esta, inclusive, é a lição do mestre Celso Ribeiro Bastos ("Curso de Direito Constitucional", São Paulo, Ed. Saraiva, 1998, págs. 378/380, a qual transcrevemos:
"A estrutura da justiça brasileira
deve ser estudada levando-se em conta dois aspectos: de um lado, em decorrência
da forma federal de Estado,a Justiça se divide em federal e estadual; de outro,
em razão da competência outorgada pela Constituição, temos a justiça comum e
especializada. Tanto a Justiça federal quanto a estadual se bipartem em comum e
especializada. A esta incumbe a prestação jurisdicional relativa às matérias:
militar, eleitoral e trabalhista. A justiça comum é toda aquela que remanesce
da justiça especializada. Não sendo especializada, é comum.
(omissis)
Justiça federal comum - é exercida em
primeiro grau de jurisdição pelos juízes federais. Cada Estado, assim como o
Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária federal que terá por sede a
respectiva Capital (CF art. 110). A
competência da justiça federal comum deve ser discriminada no art, 109 da
Constituição Federal. Em segundo grau de jurisdição, a justiça federal comum é
exercida pelos Tribunais Regionais Federais, cuja composição e competência
estão previstas nos arts. 107 e 108 da Constituição
Federal.
- Justiça federal especializada:
- Justiça Militar : (omissis)
- Justiça Eleitoral: (omissis)
- Justiça do Trabalho: (omissis)
Outro não é o escólio
de Michel Temer, de acordo com o qual, "como decorrência da forma federal
de Estado, a Justiça se biparte em federal e estadual" (Elementos de
direito constitucional ". São Paulo, Malheiros Editora, 1998, pág. 173 ).
Respeitando, portanto, as competências
das Justiças, definidas pela Constituição Federal, o legislador, no art. 209 do ECA, com acerto ressalvou a competência da Justiça
Federal, incluindo, portanto, todos os seus ramos especializados. Com efeito,
onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.
Em seguida, no art. 210 do ECA, o Ministério Público é arrolado dentre os entes que
possuem legitimação concorrente para propor ações em defesa de interesses
difusos e coletivos. O parágrafo 1° do mesmo dispositivo legal admite o
litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União e o
Ministério Público do Estado. Mais uma vez, não cabe restringir o alcance da
lei, o que impõe admitir que também o Ministério Público do Trabalho, ramo do
Ministério Público da União (artigo 128, inciso 1, alínea b) está legitimado.
Inclusive, o art. 200 do
ECA prevê que as funções do Ministério Público, previstas na lei, serão
exercidas nos termos da respectiva Lei Orgânica. Assim, para que sejam
protegidos interesses não arrolados entre os incisos do art. 208, mas admitidos
em seu parágrafo único, como a retirada de
crianças e jovens do trabalho, deve o Ministério Público do Trabalho
atuar na forma como impõe a Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, a
Lei Orgânica do Ministério Público da União:
"Art. 83. Compete
ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto
aos órgãos da Justiça do Trabalho:
(omissis)
V - propor as ações necessárias à defesa
dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes da
relação de trabalho".
"Art. 84. Incumbe
ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito de suas atribuições, exercer as
funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I,
especialmente:
(omissis)
II - Instaurar inquérito civil público e
outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar os
direitos sociais dos trabalhadores “.
lves Gandra da
Silva Martins Filho, atualmente Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, tece
o seguinte comentário acerca da autuação do Parquet
no que se refere à defesa de direitos de crianças e adolescentes:
"A atuação do
Ministério Público do Trabalho na proteção do menor tem como pauta a apuração
das denúncias de utilização de menores de 14 anos em empresas ou fazendas, o
desvirtuamento da aprendizagem em mera atividade produtiva, e o descumprimento
das normas legais sobre o trabalho do menor de 18 anos (CLT arts.
404-433), exigindo-se a cessação da conduta ilegal da empresa, o pagamento dos
direitos do menor que trabalhou e a imposição de multas e indenizações
previstas na Consolidação e nas Leis ns. 7.347/85 e 8.069/90.
Os instrumentos de que dispõe o Ministério
Público do Trabalho para coibir a exploração do trabalho do menor são aqueles
ofertados pela Lei complementar n. 75/93 - Lei Orgânica do Ministério Público
da União -, que previu expressamente a competência do mesmo para promover a
ação civil pública (art. 83, III) e instaurar o inquérito civil público (art.
84, II)”. (A Questão do Trabalho do Menor, Revista do
Ministério Público do Trabalho n. 10, ano V, Setembro/95,
São Paulo, Ed. LTr.pág. 86).
A atuação do Ministério Público do
Trabalho no combate ao trabalho infantil vem sendo, há longo tempo, reconhecida
pelos diversos segmentos oficiais e da sociedade. Já no mês de novembro de
1994, como ainda lembra o Ministro lves Gandra da Silva Martins Filho, foi firmado convênio entre o
Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, o Ministério do
Trabalho e a Polícia Federal, "para ação conjunta na proteção do
trabalhador, especialmente quanto à erradicação do trabalho forçado e da
exploração do trabalho infantil" (op. cit., pág.
90).
No Relatório Final da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito, criada mediante o Requerimento n. 001/1996-CN,
com a finalidade de apurar as denúncias contidas na reportagem da Revista Veja,
do dia 30 de agosto de 1995, sobre o trabalho de crianças e adolescentes no
Brasil, é ressaltada a atuação do Ministério Público do Trabalho de São Paulo
com relação às iniciativas de governos municipais rotuladas como
"programas de trabalho educativo". Do Diário do Congresso Nacional de
30.6.99, destaca-se o texto do relatório, que transcrevemos:
"23. (Programas
governamentais e não governamentais de inserção de menores no trabalho) O
Ministério do Trabalho, através das ações coordenadas regionalmente pelos
Núcleos de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente,
tem agido no estreito cumprimento dos dispositivos legais que regem a matéria.
Os programas devem garantir os direitos trabalhistas e previdenciários,
presença na escola e demais condições de
trabalho garantidas pela Consolidação das Leis do Trabalho e Estatuto da
Criança e do Adolescente notadamente seu artigo 68. Nesse sentido não se
diferenciam os programas governamentais dos não governamentais. Todos devem
cumprir os requisitos legais. A orientação dos núcleos é que constatada
qualquer irregularidade no desenvolvimento dos programas, deve-se iniciar
gestões junto aos seus patrocinadores e às autoridades responsáveis no sentido
de superá-las, trazendo-os para o campo da legalidade. Não sendo possível, a
fiscalização deverá tomar as medidas punitivas de que é legalmente responsável, assim como a
imediata comunicação às demais autoridades competentes. As ações legais devem
ser tomadas sempre que no limite do processo de negociação não se vislumbrar a
mínima possibilidade de legalização dos programas. A avaliação da legalidade
dos programas deve contar sempre com a participação de representantes do
Ministério Público do Trabalho. Nesse sentido, cabe mencionar o caso dos
Guardas Mirins de São Paulo onde foram registrados, apenas nos últimos seis meses,
nas entidades ou nas empresas, cerca de 10.000 adolescentes com contratos
baseados no art. 68 do ECA, com acompanhamento
obrigatório de educadores e reforço escolar nos Municípios de Santos, Guarujá,
Campinas, Marília, Araçatuba e outros. A regularização das Guardas Mirins é uma
ação conjunta da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo e da Procuradoria
do Trabalho da 15ª Região. Outras ações
conjuntas estão sendo desenvolvidas nos Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná,
Pernambuco e Minas Gerais, além de ações de fiscalização em todos os Estados" (sem grifo no original).
Visando a atuação em largo espectro, o Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina vem promovendo a assinatura de termos de compromisso por parte de entes sindicais representantes da categoria econômica, os quais, expressamente autorizados por assembléia de seus associados, assumem, em nome das empresas que representam, a não contratação de trabalhadores com menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, e a não exposição de menores de 18 anos a condições insalubres, penosas e perigosas, sob pena de pagamento de multa vultosa (entre 5.000 e 15.000 UFIR's, dependendo da categoria), revertida em favor do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) local, sob a fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho e também dos Conselhos Tutelares. Tal ação vem sendo edificada especialmente com relação aos sindicatos cuja base territorial abrange os Municípios beneficiados pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), da Secretaria de Assistência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social, como ação complementar às de diversas entidades que compõem o Fórum Estadual.
5.
Conclusão
O efetivo compromisso dos Membros do Ministério Público do Trabalho no sentido de dar cumprimento às relevantes atribuições que lhes são afetas na área da infância tem obtido o respaldo de todos os setores da sociedade e também das entidades oficiais, que
vêm reconhecendo o edificante trabalho realizado por esta Instituição em todo o País. Trata-se de ação de largo alcance e, repita-se, de caráter complementar, porquanto a cidadania da criança só poderá ser resgatada integralmente na medida em que outras entidades se incumbam de propiciar-lhe a escola e a jornada complementar, bem como propiciem o fortalecimento das famílias, no que diz respeito à geração de renda e à qualificação profissional
Desta forma, o Ministério Público do Trabalho está, como nas palavras do Mestre e Promotor de Justiça Carlos Alberto de Salles, apreendendo "a realidade em perspectiva, tendo por base não apenas como ela é, mas, dentro de certo horizonte de sentido, como ela deveria ser" (... ) encontrando "um justo termo entre a razão e a utopia, conciliando um modo de produzir e aplicar um direito ainda não inteiramente superado e a necessidade de dar respostas a funções jurídicas e sociais inteiramente inovadoras" (Salles, Carlos Alberto, "Entre a Razão e a Utopia: A Formação Histórica do Ministério Público", in Vigliar José Marcelo Menezes e Macedo Júnior, Ronaldo Porto, "Ministério Público II", São Paulo: Atlas, 1999, pág. 41).