DIRETRIZES
PARA FORMULAÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE COMBATE AO TRABALHO INFANTIL
O combate ao trabalho infantil
constitui uma temática e um problema que preocupa a sociedade brasileira. Faz
parte hoje da agenda política de diferentes níveis de governo, de organizações
de trabalhadores e de empresários, de organizações não-governamentais, de
organizações internacionais e da mídia em geral.
A prática do trabalho infantil não é um
fenômeno recente. Daí que somente a continuidade do movimento em defesa dos
direitos da criança e do adolescente e de uma ação nacional integrada,
mobilizando toda a sociedade no combate ao trabalho precoce, por meio de
parcerias eficazes entre organizações governamentais e não-governamentais, e
mesmo internacionais como a Organização Internacional do Trabalho - OIT e o
Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF, será capaz de proteger a
população infanto-juvenil contra qualquer tipo de negligência, exploração,
violência, crueldade e opressão. Ainda que a legislação brasileira proíba o
trabalho de crianças e adolescentes, a Pesquisa Nacional por Amostras de
Domicílio do IBGE (PNAD), que é a principal pesquisa sócio-econômica do país,
mostrava a existência de 2.815.484 crianças e adolescentes na faixa de 10 a 14
anos economicamente ativos no ano de 1998. Dados da PNAD de 1999, “apontavam no sentido de um crescimento de 1.9% da participação deste grupo etário na atividade econômica,
alcançando um total de 2.817.889 crianças e adolescentes economicamente ativos
inseridos no trabalho precoce” [1].
O número de crianças e
adolescentes ocupados na faixa de 5 a 14 anos sofreu uma queda substancial no
período de 1995 a 1999. Passou de 3,8 milhões para 2,9 milhões. Ainda são
números preocupantes, não só pela proibição legal do trabalho infanto-juvenil,
como também pelo que isto pode significar em termos de prejuízo para as
condições de desenvolvimento físico e emocional dos jovens. Verifica-se,
portanto, que se por um lado estão ocorrendo ações de retirada das crianças do
trabalho, há um outro movimento no sentido inverso provocando a sua reinserção.
São questões que ora se colocam e que devem provocar uma reflexão de todos no
sentido de analisar a eficácia das ações.
A busca de
soluções conjuntas, ao mesmo tempo
em que estimula uma compreensão mais clara do fenômeno e das causas do trabalho
infantil em toda a sua complexidade, permite o estabelecimento de objetivos e
metas realistas, tanto de caráter emergencial quanto estrutural, de curto, médio e longo prazos, essenciais para erradicar
definitivamente um problema com o qual nenhuma sociedade democrática pode
conviver.
O presente
documento vem atender a uma discussão iniciada no âmbito do Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, iniciada em 1998. Dos sete
resultados propostos a serem atingidos pelo Fórum, ficou decidido que seria
elaborado um documento de diretrizes que pudesse contribuir para a formulação
de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. A primeira versão do
documento, contendo as propostas, foi discutida na Plenária do Fórum Nacional,
em março de 1999, e enviada a todos os Fóruns Estaduais do país, que realizaram
discussões regionais visando ao seu
aprimoramento. Em novembro de 1999, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente - CONANDA, incorporou a presente proposta durante a LXVI
Conferência Nacional, realizada em Brasília, e em Julho de 2000 aprovou o
documento na íntegra.
Como resultado destes debates, foram
propostos seis eixos básicos que uma ação com o objetivo de prevenção e
erradicação do trabalho infantil deveria conter:
1. Integração e sistematização de dados sobre o
trabalho infantil;
2. Análise do arcabouço jurídico relativo ao
trabalho infanto-juvenil;
3. Promoção da articulação institucional
quadripartite (governo, organizações de trabalhadores e de empregadores e
organizações não-governamentais);
4. Garantia de uma escola pública de qualidade
para todas as crianças e adolescentes;
5. Implementação dos efetivos controle e
fiscalização do trabalho infantil;
6. Melhoria da renda familiar e promoção do
desenvolvimento local integrado e sustentável.
A partir dos seis eixos básicos,
integrados e complementares entre si
quanto às suas linhas de ação, os 42 membros do Fórum Nacional, listados
abaixo, pretendem que seja estruturada uma política nacional que proteja a
criança e o adolescente contra os riscos e a exploração de seu trabalho.
Infelizmente, todas as informações
disponíveis ajudam a constatar de que no Brasil é expressivo o número de
crianças exploradas no trabalho. Daí que apenas com o desenvolvimento de um
plano integrado de ações do governo e da sociedade será possível garantir o
acesso, permanência e sucesso destas crianças na escola e apoiar suas famílias
quanto à sua sustentação econômica, e tendo como conseqüência a ruptura de um
ciclo de exclusão social vivenciado por grande parte dos brasileiros.
Trata-se de uma contribuição importante
de diversas instâncias que estão direta ou indiretamente ligadas a temática do trabalho infantil, cuja participação neste
processo poderá garantir o sucesso das diversas ações a serem implementadas,
que têm como objetivo a erradicação do trabalho infantil no Brasil.
O documento, portanto, apresenta diretrizes para a formulação de uma política de combate ao trabalho infantil e para o estabelecimento de prioridades e metas, ações obrigatórias a serem implementadas pelos países ratificantes das Convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho - OIT. No caso do Brasil, ambas foram ratificadas pelo Governo Federal em dezembro de 1999. Ao mesmo tempo, este documento tem por objetivo central apresentar aos governos (federal, estaduais e municipais), aos poderes legislativo e judiciário, às organizações de trabalhadores e de empresários e às organizações não-governamentais um conjunto de recomendações e atividades essenciais para o combate ao trabalho infanto-juvenil.
Em função de seu papel de articulação
nacional, o Fórum pretende que seja fortalecida a vontade política de todos os
agentes da sociedade brasileira para a implementação de uma ação mais
conseqüente e efetiva na busca de soluções para a grave questão do trabalho
infantil, o qual é conseqüência de uma realidade social perversa.
Fórum Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil e Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente - CONANDA
Brasília, outubro de 2000.
1. ABC/MRE – Agência Brasileira de
Cooperação
2 .ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância
3. BID – Banco Interamericano de
Desenvolvimento
4. CDH – Comissão dos Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados
5. CGT – Confederação Nacional dos
Trabalhadores
6. CNA – Confederação Nacional da
Agricultura
7. CNI – Confederação Nacional da
Indústria
8. Cáritas
Brasileira
9. CNTE – Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação
10. CONANDA – Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
11. CONTAG – Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
12. CPT – Comissão Pastoral da
Terra
13. CUT – Central Única dos
Trabalhadores
14. FENAPE – Federação
Nacional de Apoio aos Pequenos Empreendimentos
15. Fórum Nacional Lixo e
Cidadania
16. Força Sindical
17. Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança
18. Instituto Ayrton Senna
19. IBAM – Instituto
Brasileiro de Administração Municipal
20. INESC – Instituto de
Estudos Sócio-econômicos
21. Marcha Global
Contra o Trabalho infantil
22. MDA – Ministério do Desenvolvimento
Agrário
23. MEC – Ministério da Educação
24. MJ – Ministério da justiça
25. MS – Ministério da Saúde
26. MRE – Ministério das Relações
Exteriores
27. MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
28. MNMMR – Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua
29. Missão Criança
30. MPT – Ministério Público
do Trabalho
31. PGR – Procuradoria Geral
da República
32. POMMAR – Prev. Orientada a Meninos e Meninas em Situação de Risco
33. Presidência da República –
Casa Civil
34. Programa Comunidade
Solidaria
35. SEAS – Secretaria de Assistência Social
36. Save the Children
37 SDS – Social Democracia
Sindical
38. SENAR – Serviço Nacional
de Aprendizagem Rural
39. SESI – Serviço Nacional da
Indústria
40 SINAIT – Sindicato
Nacional dos Agentes de Inspeção do Trabalho
41. OIT - Organização
Internacional do Trabalho
42. UNICEF - Fundo das Nações Unidas
para a Infância
Integração de sistematização de dados sobre trabalho infantil
O trabalho infantil é um problema complexo de múltiplas facetas que, para ser combatido de forma eficaz, tem que ser abordado a partir de uma perspectiva histórica da evolução de valores sociais e de sistemas de produção. Certas formas de trabalho infantil familiar, por exemplo, que foram ou ainda são toleráveis em alguns contextos sócio-econômicos, deixaram ou deixarão de sê-lo na medida em que as sociedades passaram ou passarão a dar maior prioridade à educação como instrumento fundamental para o desenvolvimento humano. Algumas turmas de trabalho infantil antes defensáveis ou simplesmente aceitáveis são hoje intoleráveis devido ao conhecimento gerado sobre os danos físicos e mentais que causam às crianças. No contexto da mudança de valores sociais vê-se emergir cada vez mais um compromisso de governos e da sociedade com direitos e princípios fundamentais. O desemprego crescente entre jovens e adultos é outro fator que também deveria provocar uma menor utilização da mão-de-obra infanto-juvenil.
Em toda a parte - tanto em países hoje
ricos quanto em países pobres - a erradicação do trabalho infantil tende a
ocorrer através de um processo gradual ancorado em parte na formulação e ou
aplicação de legislação sobre idade mínima de trabalho e apoiada em programas
de expansão e melhoria de educação e renda familiar.
Em muitos países, porém, a estagnação
econômica e a pobreza vêm complicando esse processo de prevenção e erradicação
gradual do trabalho infantil. Em diversos casos, nota-se inclusive uma
estagnação e, em outros, um retrocesso. Isto está gerando, de outro lado, a
consciência crescente da necessidade de ações integradas de prevenção e
erradicação que atuem sobre a educação, renda familiar e assistência social, negociação
de acordos de metas de erradicação e de inspeção do trabalho vinculada à
aplicação de legislação sobre idade mínima de trabalho.
O êxito das ações de combate ao
trabalho infantil - e principalmente
das ações integradas em nível local e estadual - depende em boa parte do
conhecimento detalhado sobre a natureza, as características, a distribuição
regional e setorial, as causas e as conseqüências do trabalho infanto-juvenil.
Este tipo de conhecimento é fundamental para a formulação, avaliação e redirecionamento
do programas e projetos de ações integradas, e igualmente essencial para a
formulação de políticas federais, estaduais e municipais de educação e de
assistência social, inclusive de complementação de renda familiar, bem como de
políticas e programas de inspeção e de relações do trabalho.
É notório o fato de que muitas crianças
e adolescentes trabalham em ocupações que não costumam aparecer nas
estatísticas disponíveis, seja na agricultura, nos serviços domésticos ou no
setor informal urbano. Com relação às atividades exercidas no âmbito familiar,
identificadas em geral como não-remuneradas, também costumam haver imprecisões.
Contudo, algumas tendências e mesmo
dados estatísticos disponíveis fazem acreditar que o trabalho infantil no
Brasil é um fenômeno que ainda não está se reduzindo. A utilização indevida do
trabalho infantil continua sendo detectada pela mídia, pela fiscalização do
trabalho e por outras organizações sociais, notadamente em função do crescente
desemprego e da informalidade do trabalho, do aumento da precarização das
relações de trabalho e das dificuldades de acesso aos bens e serviços sociais
públicos por parte das populações mais pobres. Mas apenas números sobre
crianças trabalhando por si só têm pouca utilidade prática.
São praticamente inexistentes os dados
e informações provenientes de avaliações de resultados das diversas ações
realizadas pelos governos, por organizações empresariais, por sindicatos e
outras ong’s.
Sabe-se, contudo, que o problema do
trabalho infantil possui uma relação de causa e efeito muito forte com as
situações de pobreza, desigualdade e exclusão social, embora outros fatores,
como os de natureza cultural, decorrentes de formas tradicionais e familiares
da organização econômica, também são importantes.
Mas para que novas formas de
intervenção sejam implementadas, torna-se necessário que sejam incentivados e
reforçados estudos e pesquisas sobre o trabalho infantil, que
ao mesmo tempo dêem uma visão global e uma visão local, para que
soluções mais concretas possam ser propostas a fim de atender as peculiaridades
de cada região ou comunidade.
Não poderíamos deixar de dar destaque à
promoção de igualdade de gênero e raça e o combate ao trabalho infantil, já que
ambos estão estreitamente relacionados. Em todos os casos, é necessário
promover oportunidades iguais a meninos e meninas e a homens e mulheres,
independentemente de suas etnias.
Neste momento, o desafio é demonstrar
que todos os esforços contra o trabalho infantil e para
promoção de igualdade entre gêneros e raças oferecem significativos benefícios
às famílias, às comunidades e às sociedades. Estudos realizados indicam que as
meninas são particularmente vulneráveis à exploração do trabalho infantil e
enfrentam problemas diferentes dos meninos. Em diversos casos isto está
relacionado com o baixo status dado ao gênero feminino em muitas sociedades.
Quanto à discriminação racial, os resultados de pesquisas demonstram que
mulheres ganham menos que homens mesmo quando as qualificações são idênticas, e
que os de menor remuneração são mulheres e homens negros.
Para uma efetiva reversão nos dados
sobre discriminação de gênero e raça e de trabalho infantil, as informações
produzidas sobre o assunto devem ser levadas em consideração na formulação de
políticas públicas e implementação de programas e projetos sociais.
Para garantir que meninas e meninos sejam
beneficiados igualmente, de forma que suas necessidades, barreiras e
oportunidades diferentes sejam levadas em consideração, faz-se necessário a incorporação de uma
dimensão de gênero explícita em todas as políticas públicas e nos programas e
projetos de combate ao trabalho infantil. Se meninas - ou suas mães - são menos
privilegiadas, medidas especiais precisam ser tomadas em relação a sua situação
para que sua posição seja melhorada e para que possam participar e se
beneficiar destes programas e projetos sociais.
Para a inserção de questões de gênero
em políticas públicas, programas e iniciativas, deve-se considerar:
·
Análise
de gênero para identificar desigualdades entre homens e mulheres;
·
Ações
específicas de gênero direcionadas a meninas ou mulheres, exclusivamente; a
meninos ou homens, exclusivamente; ou meninos, meninas, mulheres e homens
conjuntamente para rever e reavaliar as desigualdades e discriminação de
gênero;
·
Iniciar
um processo de mudança institucional - incorporação de questões de gênero ao
planejamento, programação, implementação, monitoramento e avaliação de todos os
programas, projetos e iniciativas - e em processos institucionais;
·
Dar às
meninas e mulheres a oportunidade de fazerem-se ouvir por meio de crescente
participação em programas, organizações comunitárias e nos processos de decisão
para garantir que seus interesses e perspectivas sejam considerados.
A sistematização dos dados sobre o
trabalho infantil deve considerar uma analise sobre gênero e raça, de forma que
todos os dados cruciais relacionados ao trabalho infantil sejam separados por
sexo e etnia antes de iniciar qualquer intervenção.
Ao elaborar programas e projetos de diminuição do trabalho infantil, pesquisas iniciais e análise de necessidades devem identificar as atividades econômicas e não econômicas de crianças e adolescentes; a extensão de seu envolvimento no trabalho doméstico; possíveis diferenças entre a situação de meninos e meninas: suas necessidades, opções, estratégias e como lidar com a situação e oportunidades. É possível obter-se estas informações de várias maneiras, mas devem incluir discussões e entrevistas com as meninas e os meninos, pais e mães.
Portanto, para que dados sobre o trabalho infantil no Brasil sejam integrados e sistematizados, torna-se necessário:
·
Definir conceitos e metodologias
de pesquisa primária para a produção e melhoria dos dados e informações sobre o trabalho infantil.
Muitas questões sobre o trabalho
infanto-juvenil continuam sem respostas, não só pela escassez ou mesmo
inexistência de dados e informações, mas, e
principalmente, pela falta de conceitos e metodologias de pesquisa que
possam esclarecer sobre as causas e conseqüências deste fenômeno, essenciais
para um combate adequado e eficaz do trabalho infantil e dos problemas a ele
inerentes. Esta definição também é necessária para evitar modificações que
inviabilizem a continuidade de analises comparativas ano após ano e levem a um
desperdício de recursos já escassos para a produção, processamento e análise dos dados.
·
Fortalecer as instituições
existentes incumbidas de realizar pesquisas primárias sobre trabalho infantil.
As instituições hoje existentes devem
ser fortalecidas visando uma cooperação mais estreita entre elas e uma melhor
divisão de funções, para evitar duplicidades de esforços, resultados
deficientes e incompatíveis, incoerências de seus mandatos institucionais e
gastos supérfluos.
·
Classificar os fatores que interferem
na existência do trabalho infantil.
É necessário não apenas mostrar números
sobre a inserção precoce de crianças na força de trabalho, mas também a
natureza deste trabalho, isto é, as condições em que se realiza, os riscos e os
abusos que estão submetidos às crianças e o quê pensam estas crianças. Não há
dados nacionais a respeito do número de crianças envolvidas em atividades
ilícitas. Para combater o trabalho infantil, portanto, a classificação dos
fatores que interferem sua existência e das diversas atividades passa a se
constituir numa tarefa essencial do processo de produção e análise de dados e
informações primárias.
·
Estabelecer um sistema de
monitoramento e avaliação – de processo e de produto -, atrelado a um sistema
de informação e de comunicação interna e externa aos programas de prevenção e
erradicação dos trabalhos existentes.
Cabe à sociedade, portanto, cobrar do
Estado (em todos os níveis) a função de produzir estatísticas
primárias sobre o trabalho infantil, a partir de instituições especializadas
existentes, em intervalos regulares, para atender às necessidades das
organizações que atuam na prevenção e erradicação do trabalho infantil. A
parceria com as universidades é fundamental.
A produção de estudos e pesquisas
constitui-se numa atividade cara, porém indispensável em qualquer país
comprometido com a capacidade do Estado de manter sua relevância e
essencialidade na formulação de políticas econômicas e sociais. Atualmente, no
Brasil, em função da conjuntura desfavorável que atravessa, a produção de
estatísticas básicas sofre pressões orçamentarias devido, à concorrência de outras
prioridades para a alocação dos recursos públicos.
A PNAD, por exemplo, é uma pesquisa
primária que oferece alguma indicação sobre a evolução do número de crianças
que trabalham por faixa etária, nível de renda, sexo, nível de escolaridade,
características domiciliares, etc. Mas, mesmo estes resultados não foram até
agora suficientemente analisados, apesar dos inúmeros esforços já empreendidos,
embora nem sempre adotando uma metodologia comum ou possibilitando uma
continuidade das análises [2].
Além disso, a área rural da região
norte não pode mais ficar esquecida ou alvo de projeções. Esta área deve ser
incluída urgentemente nas pesquisas.
Somente a partir de um banco de dados
integrado e sistematizado, a ser operado em rede, poderá ser desenvolvido um
conjunto de ações de análise e melhor compreensão da problemática do trabalho
infantil no Brasil, como também subsidiar a implementação de ações mais eficazes
e adequadas a cada realidade.
A conclusão é de que o êxito das ações
de combate ao trabalho infantil - e principalmente da implementação de ações
integradas em nível local e estadual - depende em boa parte do conhecimento
detalhado sobre a natureza, as características do trabalho infantil, e que
revelem quantas são as crianças que trabalham; com que idade começaram a
trabalhar; por que trabalham; em que setores exercem suas atividades; a que
tipo de abusos e exploração estão sujeitas; quais os danos causados a sua saúde
física e mental; conseqüências do trabalho no desempenho escolar; como vivem no
seu ambiente familiar; e assim por diante [3]. Há que se juntar esforços
com o IBGE para que este amplie seu foco de análise contemplando os itens
abordados anteriormente.
O Brasil possui uma legislação avançada
de proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescentes, em sintonia
com o que há de melhor na normativa internacional, inclusive em relação ao
trabalho infantil. O melhor exemplo disso encontra-se na própria Constituição
Federal, que, em seu artigo 7º XXXIII, prevê a proibição de qualquer
trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14
anos. No mesmo dispositivo também é terminantemente vedado qualquer
trabalho insalubre, perigoso ou noturno para menores de 18 anos.
É consenso afirmar que o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8069/90) não só promoveu mudanças de conteúdo, método e gestão no panorama
legal e nas políticas públicas que tratam dos direitos da criança e do
adolescente, constituindo-se num novo mecanismo de proteção, como também criou
um sistema abrangente e capilar de defesa de direitos, inclusive no que se
refere ao trabalho.
O que falta então para que esta legislação, que introduz um novo
paradigma em relação à infância e à juventude, seja efetivamente cumprida? O
que falta para que ocorra o resgate dos direitos das novas gerações, já que a
criança e o adolescente representam uma prioridade absoluta no país?
O arcabouço jurídico que disciplina o
trabalho infantil infelizmente não é reconhecido socialmente e por isto tem sua
eficácia limitada. Não se trata apenas de pais que querem e precisam do
trabalho de seus filhos menores para o sustento de suas famílias, porque lhes é
negado pelas políticas públicas o acesso aos meios que permitam garantir a
satisfação de suas necessidades básicas. Não se trata apenas de pais que tem no
trabalho de seus filhos uma forma de tirá-los do ócio, das ruas e de más
convivências ou consideram o trabalho preferível a uma escola de má qualidade.
Trata-se, mais do que tudo, daqueles
empregadores e intermediários que utilizam-se do
trabalho infantil porque lhes traz mais vantagens econômicas, porque os
pequenos trabalhadores são demitidos mais facilmente e custam menos, porque são
mais hábeis para o exercício de certas atividades, porque não tem os mesmos
direitos de outros trabalhadores.
Trata-se das políticas públicas que, em
sua maioria, ainda não se desvencilharam de enfoques assistencialistas e
paternalistas. Daí também resulta a insuficiência das políticas públicas e suas limitadas integração e complementaridade, seja pela
falta de um reordenamento institucional adequado, seja pelo repasse insuficiente
de recursos financeiros, proporcionando benefícios ou serviços sociais abaixo
dos patamares mínimos necessários para que cada criança ou adolescente, e sua
família, possa ter oportunidades e uma base de eqüidade para caminhar ao longo
de sua trajetória.
As questões relativas a igualdade de gênero e raça devem ser consideradas quando
da formulação e implementação de políticas públicas, de programação e
formulação de programas e orçamentos nos mais variados níveis.
Embora seja mais eficiente incluir questões
de gênero e raça nas fases iniciais de planejamento e formulação, quando os
programas e os orçamentos estão sendo preparados e em processo de aprovação,
tais questões de igualdade podem ser consideradas nas fases finais, quando os
implementadores detectarem a existência do problema no local.
O arcabouço jurídico disponível no
Brasil, que trata do trabalho infantil, pode ser considerado de um grande
pragmatismo, isto é, pode ser implementado
sem grandes dificuldades pela forma como é proposto e atribui competências e
responsabilidades aos diversos atores sociais e políticos que devem estar envolvidos de forma conjunta e integrada em sua proteção e
erradicação. Mas, apesar disso, confronta-se com ações de caráter
econômico, social e político pouco relevantes, pouco abrangentes e pouco
comprometidas com o processo democrático da sociedade.
Convém ressaltar, por isto mesmo, a
ratificação das Convenções 138 (sobre idade mínima para admissão ao emprego) e
182 (sobre as piores formas de trabalho infantil), ambas da OIT, que
representam grandes avanços à efetiva erradicação do trabalho infantil e uma
atitude positiva do poder público brasileiro, uma vez que, ambas já foram
ratificadas.
É importante considerar neste contexto
as Resoluções 42/95 e 43/96 do CONANDA, que, respectivamente, trata da
aprovação de diretrizes nacionais para a política de atenção integral à
infância e adolescência nas áreas de saúde, educação, assistência social e
trabalho com vistas à garantia de direitos, e da recomposição de um Grupo de
Trabalho para analisar a compatibilização das ações dos Ministérios com os três
eixos temáticos prioritários do Conselho, quais sejam, trabalho
infanto-juvenil, violência e exploração sexual e adolescente autor de ato
infracional.
Procurando enfatizar a execução da
legislação vigente sobre o assunto, convém recordar a assinatura do Termo de
Compromisso para Erradicação do Trabalho Infantil, celebrado entre os governos federal e estaduais, entidades representativas dos
trabalhadores e empregadores e entidades não-governamentais, demonstrando a
preocupação do governo e da sociedade em relação ao trabalho infantil.
Também, procurando maior eficiência,
eficácia e efetividade nas ações governamentais em nível federal, foi assinado
um Termo de Acordo entre os Ministérios do Trabalho, Previdência e Assistência
Social, da Indústria, do Comércio e do Turismo, da Educação e do Desporto e da
Justiça para o combate ao trabalho infantil, onde são estabelecidos objetivos
comuns, bem como as respectivas competências de cada Ministério.
Para que as leis, normas, acordos e
compromissos tenham maior eficácia, é necessário que penetrem na consciência de
todos os brasileiros, que sejam compreendidas por todos indistintamente, ao
lado da implementação de reformas estruturais que tornem dispensável o trabalho
infantil, sob quaisquer formas e intensidades.
Analisar constantemente e fazer o
arcabouço jurídico ser compreendido e respeitado por toda a sociedade são
questões fundamentais.
Cabe, neste sentido:
· Incrementar ações que
criem esta compreensão dos direitos das crianças e dos adolescentes;
· Divulgar a legislação relativa a estes
direitos;
· Aperfeiçoar continuamente a legislação
existente em conformidade com o princípio constitucional da proteção integral;
· Velar pela efetivação das normas de proteção da
criança e do adolescente;
· Identificar e denunciar os abusos que estão
sendo cometidos, em que atividades econômicas, por quem e em que intensidade;
·
Agir
pedagogicamente para que as normas de proteção sejam compreendidas em todas as
suas dimensões
Os conselhos de direitos da criança e
do adolescente, com sua participação paritária de representantes do governo e
da sociedade, os conselhos tutelares, os órgãos de fiscalização e as demais
organizações públicas que conformam outros poderes - como o Legislativo, o
Judiciário e o Ministério Público, - tem a responsabilidade de tornar
socialmente eficaz a legislação que protege o trabalho infantil e garante os
direitos de todas as crianças e adolescentes do país, chegando a ponto de
tipificar criminalmente a utilização da mão-de-obra infantil dentro do Código
Penal brasileiro. Merece destaque também, a necessidade de ratificação da
Convenção nº l29, que trata da inspeção do trabalho no campo.
O processo de articulação institucional
entre organizações de trabalhadores e de empregadores, do governo e da
sociedade organizada no combate ao trabalho infantil representa o ideal de
democracia participativa e constitui o espaço por excelência de formulação,
execução e gestão das políticas públicas de garantia de direitos da criança e
do adolescente.
As instituições devem garantir uma
representação igualitária e uma participação ativa de mulheres e homens em
todos os níveis, nos processos de planejamento, de formulação, de
implementação, de monitoramento e de avaliação dos seus programas e projetos.
Devem também, sempre que possível, consultar especialistas em gênero e
organizações de mulheres para promover a mobilização e a conscientização de
seus quadros de funcionários.
A promoção deste nível de articulação
de instituições representativas numa democracia, em todas as esferas
político-administrativas, permite a criação de verdadeiros espaços públicos
para garantir a eficácia das ações e promover uma maior participação da
sociedade e da família.
Neste contexto, apenas instituições
livres e independentes são capazes de contribuir para que o problema de
trabalho infantil seja erradicado, pela assunção de cada um de suas funções
sociais e competências legais.
A articulação institucional de caráter
quadripartite ainda se coloca no país em nível de um aprendizado. Todos estão
num processo de aprender concretamente o que é democracia, como se governa numa
democracia e como são conquistados os direitos de cidadania. Contudo, torna-se
instrumento indispensável para viabilizar a política de prevenção e erradicação
do trabalho infantil, entendida como projeto de sociedade que quer por fim à
impunidade dos que vitimam e violam os direitos de crianças e adolescentes.
A articulação de organizações de trabalhadores
e de empregadores, do governo e de organizações da sociedade não representa
apenas ou somente um espaço democrático de participação e de luta em torno de
uma causa comum, mas, e principalmente, um instrumento de:
· Conscientização de crianças e adolescentes, e
de suas famílias, sobre seus direitos de cidadania;
· Reivindicação efetiva e concreta dos direitos
das crianças e adolescentes;
· Garantia da eficácia e efetividade do processo
de prevenção e erradicação do trabalho infantil;
· Legitimação dos esforços e iniciativas na luta
contra o trabalho infantil;
· Implementação de programas de qualidade;
· Superação de dificuldades e de divergências no
trabalho coletivo, onde são utilizados diferentes enfoques de política e
propostas pedagógicas. Sensibilização de amplos segmentos da sociedade sobre a
relevância do problema do trabalho infantil e sobre as possibilidades concretas
de superá-lo.
Contudo, para que esta articulação
institucional possa ser promovida com êxito na busca de objetivos e metas
comuns, alguns passos são essenciais, cabendo destacar:
· Proposição de um plano de trabalho conjunto,
para que sejam fortalecidos os processos de diálogo, de cooperação e de
parceria;
· Estabelecimento de relações sistemáticas e
contínuas entre os diversos poderes públicos, as organizações da sociedade
civil, as organizações de trabalhadores e de empregadores.
· Participação conjunta nos diversos espaços
públicos, como conselhos, fóruns, grupos de trabalho etc., a fim de discutir,
propor e implementar propostas e mesmo fiscalizar a aplicação dos recursos;
· Intensificação da participação de
representantes nas diversas instâncias de articulação institucional, para que
este processo consolide um maior comprometimento de todas as organizações
públicas e privadas com o processo de defesa e conquista dos direitos das
crianças e adolescentes, principalmente trabalhadoras. Ênfase em ações
municipais para que o nível de participação do cidadão seja mais comprometido e
se consolide como um instrumento de eficácia e de transparência político-administrativa.
Implementação efetiva das decisões tomadas em conjunto;
· Envolvimento do legislativo e do judiciário em
todas as suas instâncias.
A articulação quadripartite
de instituições com forte poder de mobilização social e de conferir visibilidade
às ações implementadas constitui uma condição básica para a diminuição do
problema do trabalho infantil no país, tendo em conta principalmente os
inúmeros pactos já celebrados neste sentido. A articulação das diversas
instituições em torno de um único pacto nacional é que pode configurar um
movimento organizado em função de objetivos e metas comuns.
Somente assim a articulação
institucional pode ser materializada, principalmente pela definição de
prioridades e de estratégias de atuação, de forma a alcançar resultados que
realmente evidenciem ações integradas de prevenção e erradicação e o nível de
intolerância da sociedade brasileira em relação às diversas formas de trabalho
infantil existentes.
Garantia de escola pública, gratuita e de qualidade para todas as crianças e adolescentes
Na educação está a centralidade da
política de erradicação do trabalho infantil, isto é, qualquer ação que tenha
como objetivo o combate e a eliminação do trabalho infantil deve ter inscrito
entre seus objetivos permanentes o ingresso, o reingresso, a permanência e o
sucesso de todas as crianças e adolescentes na escola. O acesso igualitário de
meninos e meninas à educação e ao treinamento técnico profissionalizante de
qualidade é o instrumento mais importante contra o trabalho infantil.
Além de aumentar o acesso de meninas à
educação e ao treinamento profissionalizante, importantes questões de gênero e
raça estão relacionadas à qualidade do currículo, que deverá refletir imagens
positivas de meninas, mulheres, meninos e homens e de suas diferentes etnias. A
preparação de jovens para o mercado de trabalho deve incluir o combate à
segregação por sexo e raça.
A educação de mulheres e homens é também vital não só para eles próprios, mas também para permitir que cuidem de forma adequada de seus filhos. A educação de mulheres, em especial, tem provado ser um investimento lucrativo em termos de melhoria das condições de vida das famílias.
A escolaridade média das crianças e
adolescentes de 7 a 14 anos que
trabalham não passa de 3,5 anos [4] o que revela o nível de sub-educação deste segmento populacional. É claro que a
substituição da escola pelo trabalho não se constitui numa opção livre e
consciente da criança, mas, para a imensa maioria, é pela inexistência de outro
meio para ajudar no sustento da respectiva família, que vive na situação de
pobreza e exclusão social.
Este déficit educacional é mais
qualitativo do que quantitativo, no sentido de que a escola não consegue
atender às reais necessidades das crianças e, muito menos, oferecer alguma
perspectiva razoável de futuro, notadamente quando está em jogo a própria
sobrevivência e de sua família.
A educação é o principal mecanismo na
luta pela prevenção e erradicação do trabalho infantil. Deve estar associada à
oferta de outros subsídios diretamente vinculados à permanência e ao sucesso
escolar das crianças, como:
· Complementação da renda familiar (por meio de
uma bolsa-escola, por exemplo);
·
Implantação
e desenvolvimento de programas sócio-educativos no período complementar à
escola.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
de 1996 prevê um prazo de 10 anos para que a escola de tempo integral seja
implantada em todo o país. Nos municípios onde existem programas de erradicação
do trabalho infantil, as crianças já freqüentam a “jornada ampliada”. Muito tem
que se avançar nesta questão, principalmente quanto à capacitação dos monitores
da jornada, que devem estar adequadamente habilitados para o exercício desta
tarefa. A “jornada ampliada” se antecipa à previsão da LDB, mas deve ser alvo
de melhor aplicação.
Os programas sócio-educativos
constituem em incentivo à jornada escolar em tempo integral pela complementação
do ensino regular por meio de um segundo turno de atividades, onde as unidades
escolares ou de apoio comunitário, reforçadas com recursos
humanos e materiais didáticos, asseguram a alimentação, orientação nos
estudos, saúde, esportes e lazer, bem como o acesso às novas tecnologias de
ensino e aos meios de comunicação modernos.
Quanto à oferta de bolsa-escola, por
exemplo, suas vantagens já estão bem avaliadas. Constitui um mecanismo de
valorização da escola pela família, além de melhorar o desempenho escolar da
criança e evitar sua evasão, como também representa uma estratégia para que as
famílias possam prover necessidades básicas e melhorar sua qualidade de vida,
especialmente por estar vinculada à manutenção das crianças na escola.
Entretanto, ainda não é um direito universal das crianças que não completaram o
ensino fundamental.
O “lugar da criança é na escola”, porém
numa escola pública e gratuita de qualidade, que represente
uma condição para sua realização como pessoa e para sua inclusão social.
Sem uma escola pública de qualidade em toda a trajetória da educação básica, a
criança e o adolescente estarão condenados à exclusão e à desagregação pessoal
e social, ou seja, impossibilitados de ingressar, permanecer e progredir
futuramente no mundo do trabalho, transformado pelas novas tecnologias e pelas
novas formas de organização do processo produtivo.
Tudo isto para que as crianças e
adolescentes possam aspirar a padrões de qualidade/relevância/pertinência mais
elevados, isto é, competências cognitivas, sociais e técnico-profissionais
melhores, e assim possam pensar e elaborar um projeto de vida e elevar sua
auto-estima.
A qualidade da educação requer, sem
dúvida alguma, a adequação da escola às realidades locais, que exige
investimentos massivos dos diversos níveis de governo para que não se desvie a
criança e o adolescente das oportunidades de se realizar como pessoas, como
profissionais e como cidadãs.
Neste sentido, algumas ações básicas
são imprescindíveis nas regiões que utilizam o trabalho infantil, como:
· Revisão do modelo de escola multisseriada;
· Garantia de pontualidade e qualidade da merenda
escolar;
· Melhoria dos programas de alfabetização de
jovens e adultos;
· Desenvolvimento de parcerias entre a escola e
outras instituições, visando programas educativos complementares à escola;
· Necessidade de resolução dos problemas
relativos à falta de creches e pré-escolas;
· Ampliação e melhoria da rede escolar instalada;
· Criação de programas de aceleração da
aprendizagem;
· Formação continuada dos agentes educacionais e
de melhoria dos seus salários;
· Elaboração e implantação de projetos
pedagógicos bem definidos e que melhorem o desempenho das crianças e
adolescentes;
· Oferta de material escolar, transporte e
vestuário, considerados “custos ocultos” e que representam fatores limitantes à
permanência da criança e do adolescente na escola;
· Apoio às famílias por meio de programas de
orientação psicossocial, de melhoria da renda, de formação e qualificação
profissional, de apoio técnico e com linhas de financiamento para alteração das
bases produtivas onde as atividades econômicas perderam rentabilidade e
competitividade no mercado.
A educação, nesta perspectiva, tem um
papel fundamental na prevenção e erradicação
do trabalho infantil, na medida em que uma criança ou adolescente mais
consciente de seus direitos e melhor organizada contribuirá para que não
ocorram violações contra ela, e quando ocorrerem, não fiquem impunes
seus transgressores.
Somente uma escola pública de qualidade
pode oferecer um processo educativo que contribua para a formação de sujeitos,
cidadãos conscientes de seus direitos e de suas responsabilidades sociais.
Implementação dos efetivos controle e fiscalização do trabalho infantil
É necessário deixar claro que a
legislação por si só não pode impedir o trabalho infantil. A legislação não pode ser considerada um
fim, mas o começo da aplicação de um conjunto de medidas a fim de controlar e
erradicar o trabalho infantil. Ela
constitui a consagração dos valores e dos compromissos da sociedade e por isto não tem valor se não for
aplicada.
Neste sentido, em 1994 o controle e a
fiscalização do trabalho infantil ganham relevância a partir da articulação
interinstitucional no âmbito dos ministérios, entidades sindicais e Ministério
Público Federal, que resultou no Termo de Compromisso para combate ao trabalho
escravo e infantil. Passam a ser significativas as apurações
de denúncias de trabalho escravo e degradante de crianças, de forma integrada com o Ministério
Público do Trabalho. É preciso que a fiscalização do trabalho desenvolva
mecanismos e/ou abordagem especifica para incluir também os trabalhadores
infantis invisíveis nas suas atividades de controles, separados por sexo e raça.
O Ministério do Trabalho e Emprego
dispõe de Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente
– GECTIPAs - no âmbito de cada estado da federação, responsáveis
diretos pelas ações de repressão, articulação e de diagnóstico, como por exemplo o documento lançado
em 2000 denominado “Mapa de Indicativos do Trabalho da Criança e do
Adolescente” que mostra as tarefas executadas, as condições de trabalho, os
danos a saúde que estão expostos os trabalhadores.
Resultado expressivo desta ação
fiscalizadora no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego tem sido, por
exemplo, os diagnósticos dos focos do trabalho da criança e do adolescente no Brasil, relativos aos anos 1996, 1997 e 1998, que passam a sistematizar
informações referentes ao trabalho infantil.
No que se refere à Legislação do
trabalho, a fiscalização do cumprimento das leis é um instrumento importante na
erradicação do trabalho infantil e na proteção do trabalho do adolescente. Mas
não basta apenas a existência de uma fiscalização. Ela precisa ser abrangente e
eficaz. Ela precisa que a legislação seja respeitada e aplicada por todos,
especialmente em contextos econômicos, sociais e culturais desfavoráveis, que
induzem a que se relegue a um segundo plano melhorias nas condições de trabalho
e o próprio cumprimento das normas nacionais.
Ao lado da fiscalização do Ministério
do Trabalho e Emprego, da ação de inúmeras organizações governamentais, de sindicatos
patronais e de trabalhadores e de diversos tipos de organizações
não-governamentais nacionais e internacionais, existem os conselhos de
direitos, os conselhos tutelares, as procuradorias e promotorias da infância e
da juventude. Há, portanto, uma grande variedade e heterogeneidade de
protagonistas comprometidos com a proteção e defesa dos direitos da criança e
do adolescente, o que se pode constatar também a partir dos membros que compõem
o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
As ações de fiscalização e de controle
em geral do trabalho infantil não podem ser isoladas. É necessário que sejam
integradas e realizadas por diversas organizações governamentais e
não-governamentais. Quanto à fiscalização em sentido estrito, o Ministério do
Trabalho e Emprego, por meio dos agentes de inspeção trabalhista, deve
promover:
· Aplicação de sanções administrativas com valor
elevado e imputação per capita sem limitações, de forma a desestimular a
infração à legislação de proteção à criança e ao adolescente;
· Excluir de qualquer possibilidade de anistia as
multas impostas por infração às disposições de proteção à criança e ao
adolescente;
· Constante encaminhamento de relatórios com as
informações colhidas na ação fiscal aos órgãos competentes;
· Melhoria dos canais de denúncias;
· Maior transparência e visibilidade às ações de
fiscalização, informando à sociedade de forma regular o que é feito, como é
feito e onde é feito o efetivo controle e fiscalização do
trabalho infantil;
· A identificação em nível local de atividades
econômicas que utilizam o trabalho infantil como fator produtivo e o imediato
afastamento de crianças dos meios laborais, com o objetivo de poder diminuí-lo;
· Constante aperfeiçoamento
de suas estratégias e mecanismos de atuação, alcançando inclusive situações em
que se encontra caracterizada a relação de emprego;
· Um melhor aparelhamento dos sistemas de
fiscalização, a capacitação contínua do quadro funcional da auditoria fiscal do
trabalho;
· A implantação de um maior número de Grupos Especiais
de Combate ao Trabalho Infantil e de Proteção ao Trabalhador Adolescente nos
estados e intensificação da ação fiscal em localidades que possuem atividades
econômicas com propensão de utilização do trabalho infantil e de desrespeito ao
trabalho do adolescente.
Os conselhos tutelares, como órgãos permanentes e autônomos, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, devem:
· Ser criados em todos os municípios;
· Ser capacitados para atuar em relação às
irregularidades no trabalho de crianças e adolescentes;
· Ser instrumentalizados para promover
estratégias e procedimentos para a punição, pelos órgãos competentes, dos
infratores que utilizam o trabalho infantil.
Das demais organizações sociais
requer-se:
· Estabelecimento de canais de negociação com
outras organizações (governamentais e não governamentais) no sentido de
possibilitar maior eficácia no processo de retirada das crianças do trabalho e
de superação da situação encontrada;
· A promoção de maior integração e coordenação
entre os diversos Órgãos de Fiscalização;
· Fortalecimento e aperfeiçoamento de mecanismos
de controle, como códigos de conduta e pactos empresariais, por exemplo.
Portanto, os efetivos
controle e fiscalização do trabalho
infantil requer que todos os mecanismos exigidos para a aplicação e
garantia dos direitos da criança e do adolescente sejam acionados e funcionem,
para que as denúncias repercutam socialmente e possa ser exigida a
responsabilização jurídica e penal dos secos violadores. Uma ação deste tipo,
contudo, deve fazer parte de uma estratégia que tenha como maior objetivo, além
da democratização das relações sociais na região onde se
utiliza o trabalho infantil, o resgate da cidadania das crianças e
adolescentes, acompanhado de uma maior transparência de ações fiscais
regulares e sistemáticas.
Mas, para que sejam efetivos os
controle e fiscalização do trabalho infantil, torna-se imprescindível criar uma
vontade política real para se fazer aplicar as prescrições legais, punindo todos
aqueles que contratam a mão-de-obra infantil. Do mesmo modo, sensibilizar a
sociedade para a gravidade do problema e para a urgência de se encontrar
soluções, e levá-la assim a exercer pressão sobre os poderes públicos para se
decidirem energicamente pela intervenção no trabalho infantil, ao mesmo tempo que participem efetivamente no controle
social da evolução deste triste quadro social
no país e das medidas tomadas para erradicá-lo. Não basta cumprir
institucionalmente com seu papel. As entidades que têm competência para efetuar
a fiscalização devem ser vanguarda no sentido de buscar soluções sustentadas e
possuir senso crítico para engajar politicamente os governos e a sociedade para
um grande chamamento à eliminação desta realidade perversa, e principalmente,
para a implantação de políticas públicas que dêem conta desta situação. Estas
ações, portanto, devem ter um caráter de denúncia para que cada setor passe a
oferecer aquilo que não vem sendo cumprido.
Melhoria da renda familiar e promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável
A decisão de trabalhar de cerca de 3,8
milhões de pessoas entre 5 e 15 anos de idade (segundo dados da PNAD de 1999) é
fortemente influenciada pela escassez de recursos financeiros da família, ou
seja, pelas situações de pobreza e de exclusão social a que são submetidas.
Evidências colhidas a partir de dados e informações disponíveis em diversas fontes indicam que as crianças e adolescentes originam-se de famílias pobres, de baixo nível educacional e cujos pais, em sua maioria, trabalham por conta própria e em atividades agrícolas tradicionais, especialmente em áreas atrasadas.
Não restam dúvidas de que o mercado de
trabalho onde estão inseridas crianças e adolescentes,
notadamente do meio urbano-metropolitano mais desenvolvido, representa um fator
de atratividade, que as faz muitas vezes abandonar a escola.
A partir desta ótica, os dados
disponíveis não permitem a proposição de uma conclusão simplista em termos de
política social, de que seria suficiente acabar com a pobreza para erradicar um
trabalho infantil. É necessária a adoção de ações integradas, de caráter global
e ao mesmo tempo localizadas, a fim de abarcar os diversos fatores
determinantes do trabalho infantil em suas manifestações mais variadas e danosas.
É preciso ressaltar, contudo, que não
se pode esperar muito mais tempo para oferecer e implementar alternativas de
mudança das situações que provocam a pobreza das famílias e que impõem a
ocorrência do trabalho infantil. A adoção de medidas imediatas e eficazes de
atendimento às necessidades sociais básicas das famílias deve ter caráter de
urgência.
Várias alternativas de política, tanto
de caráter emergencial quanto estrutural, consideradas viáveis
operacional e orçamentariamente, podem ser propostas e implementadas
imediatamente. Contudo, a experiência demonstra que as ações públicas devem
estar relacionadas a políticas econômicas e sociais mais amplas, em detrimento
de ações pontuais de atendimento a um número determinado de
crianças e adolescentes, ou de suas famílias, que trabalham sob
condições inaceitáveis do ponto de vista do seu desenvolvimento integral. O
trabalho e a renda inserem-se no contexto das políticas ativas, isto é,
políticas que transcendem o campo estritamente econômico, como decorrência de
ciclos e dinâmicas do mercado, e se relacionam à democracia, à cultura e à
ética.
Tais políticas ativas de trabalho e
renda são condições imprescindíveis para se obter o desenvolvimento local
integrado e sustentável, especialmente em áreas de maior concentração de
trabalho infantil. São também essenciais por possibilitarem
aos segmentos sociais de baixa renda, baixa escolaridade e restrito acesso aos
direitos e benefícios sociais, o acesso a recursos e desenvolvimentos de
aptidões que lhes permitam aumentar suas oportunidades de inclusão e manutenção
no mundo do trabalho, hoje principal
processo constitutivo da cidadania.
Contudo, é fundamental o envolvimento direto das organizações governamentais e não - governamentais financiadoras no processo de planejamento destas políticas e ações integradas, de modo a aproveitar seu conhecimento e tecnologias de gerenciamento, ao mesmo tempo que garantir seu compromisso ético com a questão social destes segmentos excluídos da população, dando ênfase a grupos vulneráveis, como por exemplo, as mulheres chefes de família.
Portanto, do ponto de vista da oferta institucional de políticas públicas para criar e melhorar as condições de trabalho e de renda das famílias que utilizam o trabalho infantil, ao mesmo tempo em que proporcionar o desenvolvimento local integrado e sustentável, devem ser implementadas como ações prioritárias:
·
Acesso ao microcrédito ou crédito popular
A facilitação do acesso a fontes de
financiamento (créditos para financiamento e capital de giro) constitui
elemento fundamental de democratização e de cidadania por gerar oportunidades
inovadoras de inserção de trabalhadores no mercado de trabalho, valorizar os
empregos já existentes, estimular maior participação feminina em atividades
produtivas e incentivar e aproveitar potencialidades culturais de grupos
sociais com interesses comuns.
As possibilidades de ampliação de
empreendimentos novos pela concessão de crédito individual, a associações ou a
cooperativas (seja pelo sistema de crédito solidário ou pelo crédito assistido)
são muito grandes, mas ainda permanecem significativos obstáculos e empecilhos
burocráticos e legais para um maior alcance e efetividade desta ação. Os
microcréditos para os empreendimentos não são suficientes, pois se não houver
uma assessoria e capacitação gerencial dos beneficiários, dificilmente os
empreendimentos terão sua efetividade garantida.
A alternativa de se criar os Fundos de
Aval, voltados para as cooperativas dos pequenos produtores com a participação
direta dos municípios, é demanda antiga da sociedade e que os governos ainda
não se dispuseram a disponibilizar. Há também que se diferenciar iniciativas de
microcréditos dos programas oficiais de financiamentos a exemplo do Proger, Pronaf, etc.
·
Qualificação
profissional e seus elos com a questão da educação.
A qualificação profissional,
principalmente de segmentos mais empobrecidos da população, de desempregados e
de quem pretende entrar no mercado de trabalho, oferece oportunidades de
inserção produtiva desde que estimulem o uso de metodologias e conteúdos mais
flexíveis adaptados a certas realidades e culturas. Esta qualificação deve se
dirigir não só aos adolescentes, mas principalmente aos adultos já que é deles
a responsabilidade de dar sustentação ao grupo familiar.
Além da necessidade de proporcionar instrumentalização voltada para ocupações específicas e questões gerenciais, é preciso considerar a questão da formação básica, o que remete para a alfabetização e para o reforço e aceleração escolar.
Conjugar qualificação profissional com
a elevação ou recuperação da escolarização básica impõe-se como essencial, uma
vez que a educação possui hoje um caráter estratégico sob a ótica da cidadania
e do acesso ao mundo do trabalho.
·
Acesso à terra e valorização do trabalho no
campo
A reforma agrária é um componente
fundamental da estratégia de desenvolvimento rural e está intimamente ligada à
política de redistribuição de terras e à valorização do trabalho rural.
Neste sentido, é urgente promover a democratização do acesso a terra e a valorização do trabalho no campo, na medida em que representam uma alternativa de absorção de grandes contingentes populacionais, com menores exigências de investimento e ampla distribuição de renda.
Deve compreender o fortalecimento da
agricultura familiar, que representa um empreendimento viável e favorável à
geração de postos de trabalho e de renda, além de assegurar a permanência do
trabalhador no campo, desde que oferecidas certas condições essenciais de
acesso a bens e serviços sociais, notadamente de educação e saúde. Do mesmo
modo, devem ser oferecidos recursos para assegurar a produção e mecanismos para
colocação do excedente no mercado.
O aprimoramento de técnicas de produção
e a formação gerencial e administrativa
dos trabalhadores também são elementos importantes para a valorização do
trabalho no campo, o que favorece, sem dúvida, a organização social e a
articulação entre os diversos agentes sociais capazes de criar as condições
necessárias para o desenvolvimento das comunidades.
Do ponto de vista da criança e do
adolescente, o reforço à renda de suas famílias constitui uma estratégia para
melhorar o acesso, a permanência e o sucesso na escola, tanto pelo efeito da
elevação das condições gerais de vida das famílias, quanto pela possível
redução de outros condicionantes negativos da escolaridade, como a desnutrição,
a baixa freqüência escolar e o trabalho infantil. Qualquer programa de renda
mínima deve garantir a conclusão do ensino fundamental obrigatório, além da necessidade
concreta de ter seu acesso universalizado a todas crianças e adolescentes
pobres, descaracterizando seu caráter emergencial e paternalista, mas sim um
direito a ser defendido.
Contudo, este esforço de distribuição
de renda deve ser substituído gradativamente por ações de maior abrangência ou
universais que introduzam processos efetivos e contínuos de melhoria da
qualidade de vida de todas as famílias.
·
Geração de alternativas de ocupação e de mercado
Sob esta designação incorporam-se
diversos campos de ação que envolvem tanto em mercado
para produtos quanto o mercado de trabalho.
Incluem-se, assim:
· Ações de intermediação para ocupação de postos
de trabalho;
· Acesso por parte de microempreendedores às
Licitações governamentais para aquisição de bens e serviços;
· Política de investimento em áreas dotadas de
alto potencial empregador (infra-estrutura social, por exemplo);
· Apoio técnico e financeiro a setores intensivos
em trabalho;
· Ampliação da demanda popular por meio de
política redistributiva;
·
Estimulo
à criação e fortalecimento de estruturas e de cadeias produtivas, integrando
unidades de diferentes portes.
Portanto, não parece haver dúvidas de
que a promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável possui um
elevado potencial de criação de empregos/ocupações e de geração de renda, na
medida em que se refere a uma nova dinâmica sócio-econômica capaz de,
simultaneamente, integrar ações do Estado e da Sociedade e potencializar
resultados das ações em espaço sócio-territorial específico.
Esta nova maneira de olhar o
desenvolvimento aponta para novos modos de gestão e de institucionalização das
políticas públicas e, conseqüentemente, de erradicação, do
trabalho infantil, que prioriza investimentos capazes de incrementar a
economia local e melhorar a qualidade de vida das famílias, por meio de uma
gestão participativa, reestruturando as bases produtivas e garantindo o direito
de uso do solo.
Este documento de diretrizes para a
formulação de uma política nacional de combate ao trabalho infantil constitui
uma iniciativa importante do Fórum Nacional, visando contribuir para a
construção de um efetivo processo de combate ao trabalho da criança e do
adolescente, considerado um mal para qualquer sociedade democrática, na medida
em que compromete as possibilidades de seu desenvolvimento integral.
As diretrizes aqui priorizadas ainda
precisam ser discutidas, melhor formuladas, tornadas mais explícitas em suas
proposições e, possivelmente, enriquecidas com outras referências, fatos e
ações que venham depois a influenciar mais fortemente todos os agentes sociais
- públicos e privados - que lutam pela prevenção e erradicação do trabalho
infantil.
É
proposta uma ação integrada e complementar de todos os eixos e suas
respectivas diretrizes, sob pena de não se alcançar a
eficácia desejada e a possibilidade concreta de formulação de uma política
nacional.
Fica evidente que o atual estágio dos
dados e informações disponíveis sobre o trabalho infantil é insatisfatório,
seja no que concerne aos conceitos e metodologias para sua produção e melhoria,
seja para a classificação dos fatores que interferem na existência do trabalho
da criança e do adolescente.
Por isto, o eixo que trata da
integração e sistematização de dados sobre trabalho infantil propõe a necessidade
de se cobrar do Estado a função de produzir
estatísticas primárias a partir de instituições especializadas, justamente para
atender às necessidades de organizações que atuam na prevenção e erradicação do
trabalho infantil. Isto porque é de sua natureza desenvolver e aperfeiçoar esta
atividade essencial para a formulação de políticas econômicas e sociais.
O
segundo eixo propõe a necessidade de se analisar constantemente o arcabouço
jurídico relativo ao trabalho infantil, até porque o Brasil possui uma
legislação bastante avançada de proteção integral dos direitos da criança e do
adolescente. Contudo, este arcabouço jurídico tem uma eficácia limitada apesar
do seu pragmatismo, pois confronta-se com ações de
caráter econômico, social e político pouco relevantes e comprometidas com o
processo democrático da sociedade.
Torna-se essencial, por isto, fazê-lo
ser bem compreendido, aceito e aplicado em toda a sociedade, visando à proteção
da criança e do adolescente de qualquer tipo de negligência, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Quanto à articulação
institucional, que representa o terceiro eixo fundamental à formulação de uma
política nacional de combate ao trabalho infantil, fica claro que se
trata de um espaço, por excelência, de formulação, execução, gestão e avaliação
de políticas públicas de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Esta
articulação institucional, de caráter quadripartite, reúne governo,
organizações de trabalhadores e de empregadores e a sociedade, e se configura
como um movimento organizado para eliminação do trabalho infantil, quanto uma
estratégia para tornar exitoso um conjunto de ações integradas que evidenciem o
nível de tolerância da sociedade brasileira em relação às diversas formas de
trabalho infanto-juvenil existentes, mas principalmente de suas piores formas.
O quarto eixo propõe a garantia de uma
escola de qualidade para todas as crianças e adolescentes, e assinala que na
educação está a centralidade da política de combate ao trabalho infantil.
Deve ser uma educação de qualidade, que
associa à oferta educacional outros subsídios diretamente vinculados à
permanência e sucesso das crianças na escola, como a complementação da renda
familiar e a implantação e desenvolvimento de programas sócio-educativos no
período complementar à escola.
Mas, para que exista uma escola de
qualidade em regiões que utilizam o trabalho infantil, torna-se necessário um
conjunto de ações básicas a serem implantadas no sistema educacional,
justamente com o objetivo de adequar a escola às realidades locais, escola essa
que crie oportunidades para que as crianças e adolescentes se realizem como
pessoas, profissionais e cidadãs.
A implementação dos efetivos controle e
fiscalização do trabalho infantil é de grande relevância. E, dada a variedade e
heterogeneidade dos protagonistas comprometidos com a proteção e defesa dos
direitos da criança e do adolescente, o controle e a fiscalização representam
instrumentos a serem utilizados desde que haja vontade política para a
aplicação das prescrições legais e punição daqueles que contratam e exploram a
mão-de-obra infanto-juvenil.
Contudo, é preciso fortalecer o
controle social por meio de Conselhos, por exemplo, ao lado da própria
fiscalização que decorre de competências dos poderes executivo e judiciário, e
sensibilizar a sociedade como um todo a respeito da gravidade do problema, ao
mesmo tempo em que aperfeiçoar códigos de conduta e pactos empresariais.
Finalmente, o sexto eixo trata da
melhoria da renda familiar e promoção do desenvolvimento local integrado e
sustentado. Propõe a adoção imediata de medidas eficazes de atendimento às
necessidades básicas das famílias onde se verifica a ocorrência do trabalho
infantil e salienta que as ações públicas devem estar relacionadas a processos político-sociais
mais amplos, em detrimento de ações pontuais de atendimento a um determinado
número de crianças e adolescentes ou de suas famílias.
Para se obter o desenvolvimento local
integrado e sustentável em áreas de maior concentração de trabalho infantil,
políticas ativas de trabalho e renda são essenciais e devem contar com o
envolvimento direto das organizações governamentais e não-governamentais
financiadoras.
A promoção do desenvolvimento local
integrado e sustentável significa, na ótica do documento, uma nova maneira de
olhar o desenvolvimento local e regional, e aponta para novos modos de gestão e
de institucionalização das políticas públicas, que prioriza investimentos
realmente capazes de incrementar a economia e melhorar a qualidade de vida das
famílias, por meio de uma gestão participativa que estimule o exercício da
cidadania.
[l] Site do
IBGE na internet e Publicação PNAD/ IBGE — 1998 e 1999.
[2] A PNAD é uma
pesquisa anual, feita pelo IBGE, em aproximadamente 100 mil domicílios,
cobrindo quase toda a extensão do Brasil urbano e rural e importante para
analisar a dinâmica do mercado de trabalho e das condições de vida das pessoas
e famílias.
[3] O Departamento de Estatística da
OIT está desenvolvendo uma base de dados quantitativa e qualitativa sobre o
trabalho infantil, que será atualizada na medida em que forem sendo
disponibilizadas as informações coletadas através de inquéritos realizados nos
diferentes países. Um novo projeto, intitulado “Statistical
Information and Monitoring Promgramme on Child Labour”
(SIMPOC) foi iniciado, em janeiro de 1998 para execução ao longo dos próximos
cinco anos. Destina-se a oferecer apoio técnico e financeiro a 40 países, a fim
de poderem adotar os métodos testados ultimamente e, assim, recolherem
informações detalhadas e confiáveis em nível nacional, para serem utilizadas
como instrumento essencial pelos respectivos governos e outras entidades,
incluindo as organizações não-governamentais e as organizações internacionais
preocupadas com o planejamento de ações de prevenção e erradicação do trabalho
infantil. No Brasil, está em negociação um projeto com o IBGE para introdução
de um módulo específico sobre trabalho infantil na PNAD 2001, e criação de uma
ampla base de dados a respeito deste fenômeno.
[4] Dado proveniente de tabulações
especiais a partir da PNAD-1997. Pesquisas realizadas pelo DIEESE, CUT e CNT,
em 1996, com crianças que trabalham em seis capitais brasileiras também
ilustram os efeitos negativos do trabalho na baixa escolarização.