SITUAÇÕES DE JOVENS NO BRASIL, CONSIDERANDO A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS - IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE/PARA/COM JUVENTUDES

 

 

Mary Garcia Castro  (organização)

                             Pesquisadora UNESCO- Representação no Brasil.

 

 

De acordo com dados do IBGE, no Brasil, em 1996, 31,1 milhões de pessoas se encontravam na faixa etária entre 15 e 24 anos, o que equivalia a 19,84% da população do país, já em 2002 a população em tal faixa etária seria da ordem de 34.081.330 milhões.

 

Quer pela representação quantitativa no computo geral da população, quer pelos  direitos humanos dos jovens, estes fazem jus a serem considerados tanto em políticas universais como a serem sujeitos de políticas específicas.

 

Os jovens têm o direito de dispor de bens e serviços não adquiridos por relações de mercado, já que o seu tempo deveria estar dedicado aos estudos e formação ética e intelectual.

 

Assim, discutir políticas públicas para juventudes é construto da democracia e responsabilidade social com a sustentabilidade da civilização, ou com gerações, que no presente, se fazem gerações futuras reconhecendo-se que tanto na infância, na adolescência como na juventude se anunciam as gerações seguintes.

 

Contudo, tal discussão deve ultrapassar a lógica do senso comum pela qual se considera políticas públicas como um elenco de programas. Falta aprofundar mais os debates sobre perspectivas políticas em relação aos jovens. Não se encontram políticas públicas para juventude no atacado, predominando programas e ações no varejo, ou seja, existem no Brasil, programas isolados, políticas setoriais de ação local no âmbito do Estado, mas que não contemplam a diversidade dos beneficiários em termos de geração e não possuem uma orientação universalista.

 

O desafio é refletir sobre políticas públicas de, para e com juventudes, levando em conta uma série de complicadores que envolvem esta temática e a diversidade de direitos humanos dos jovens - sociais, civis, políticos e culturais.

 

O debate sobre políticas com juventudes, considerando que os próprios jovens deveriam reivindicar direitos, passa pela formação política dos jovens no sentido de aprender a zelar pela coisa pública, acompanhar e cobrar a ação do Estado - exercício de cidadania civil e política, monitorizando o uso da coisa pública.

 

Vive-se o paradoxo hoje do discurso sobre direitos humanos e práticas e discursos sobre violências, sendo que é comum sublinhar-se a participação dos jovens nessas, quer como vitimas, quer como algozes. Então um primeiro direito humano é o da voz da diversidade, defendendo que há vários tipos de jovens hoje e dar espaço para que os jovens representem seus direitos.

 

Os jovens, principalmente se pobres e negros, são os “sujeitos perigosos”, perigo este ligado à sua classe e idade. Tal perspectiva é mais comum nas notícias e estudos sobre violências e drogas. Mas também é presente quando se focaliza os jovens a partir de seus mais altos índices de desemprego. Por outro lado, são poucas as referências às cidadanias ou direitos negados  aos jovens, como o do exercício do brincar, divertir-se, se informar e se formar culturalmente, assim como de re-inventar linguagens próprias.

 

O tema juventude faz parte de discussões sobre políticas e nunca se falou tanto como agora em “agenda jovem”. Por exemplo, a ONU instituiu o ano de 1985 como o Ano Internacional da Juventude, adotando-se um Programa Mundial de Ação para a Juventude para além do Ano 2000 e realizando uma serie de conferencias [1].

 

2. Complicadores para a  formulação de políticas de/para/com  juventudes

A seguir, reflexões sobre alguns complicadores  para a  formulação de políticas na perspectiva de/para/com juventudes, a saber: O paradigma conceitual sobre juventude; as  condições de vida de juventudes no Brasil; e a  formatação das políticas públicas elaboradas para a juventude.

 

2.1. Paradigma conceitual sobre juventude

Quadro 1

Complicadores conceituais para elaboração de políticas publicas de/com/para juventudes – concepção de juventude.

Ø Não conceber os jovens como atores com identidade própria;

Ø Não se considerar  a diversidade entre juventudes;

Ø Pensar a juventude por um dualismo “adultocrata” e maniqueísta: a juventude perigo hoje x a juventude esperança amanha.

 

 

Não conceber os jovens como atores com identidade própria:

As propostas de políticas públicas de “caráter universal”, direcionadas para a juventude, exaltam os princípios de cidadania, mas ainda usam os conceitos  de  criança e adolescente, não dando conta dos  de  juventudes.

 

 Não considerar a diversidade entre juventudes:

A orientação das políticas públicas, que são formuladas considerando-se a juventude um bloco monolítico, homogêneo, sem especificidades, reflete a incapacidade de se perceber que a juventude instrumentaliza diferentes linguagens, enfoques, para manifestar seus anseios, insatisfações.

 

Na realidade, a juventude assume faces diferentes de acordo com as condições materiais e culturais que a cercam, de acordo com o território em que se encontram. Nas cidades, por exemplo, podemos encontrar desde aqueles jovens ligados aos movimentos políticos tradicionais - como o movimento estudantil ou de pastorais da juventude - até àqueles ligados aos movimentos ditos culturais - Hip Hop, de tribos de skatistas, etc. O que não acontece com os jovens que residem em áreas rurais.  Se, por um lado, 3,0% dos alunos de ensino fundamental e médio de 14 capitais, ou seja, 140.802, em 2000, faziam uso freqüente de drogas ilícitas, por outro lado,  cerca de 92% ou  4,3 milhões, declararam que nunca fizeram uso de drogas ilícitas (Castro e Abramovay 2002)

 

Um ponto interessante para se refletir sobre a diversidade entre os jovens é a questão do direito à educação.

 

Jovens de classes populares têm que entrar precocemente no mercado de trabalho de forma a garantir a sua sobrevivência (e às vezes de sua família), enquanto os jovens de classes sociais mais altas possuem condições para permanecerem mais tempo dedicados aos estudos obtendo assim, uma formação profissional mais ampla e condizente com as exigências do mercado de trabalho.

 

Pensar a juventude por um dualismo adultocrata e maniqueísta:

Esta é uma herança do conflito geracional, que marca a história da juventude. Os jovens sempre foram vistos como capazes de contestar, de transgredir as leis, reverter à ordem. Mas, ao atingirem a etapa adulta do desenvolvimento humano, considera-se outro estereótipo, que entrariam em fase de calmaria, enquadrando-se nas “regras do jogo”. Ao mesmo tempo em que os jovens são vistos como irreverentes, transgressores, também o são como peças modernizantes da sociedade. Assim também, ao mesmo tempo em que são considerados como “marginais”, como ameaça, os jovens são idealizados como esperança. Nessa  perspectiva, o jovem é quase sempre tido como o futuro e abandona-se a concepção do jovem como agente histórico no presente.

 

2.2. As condições de vida de juventudes no Brasil

A materialidade das condições de vida de juventudes é um dos complicadores e referência básica a ser considerada em políticas mas, por outro lado, ferem vários artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como a seguir se registra:

 

2.2.1. Violações  do artigo XXII - “direito à segurança social”;  do artigo XXIII - “direito ao trabalho, à livre escolha de emprego” e do artigo XXVI - “direito à instrução.”

Cerca de 40% dos jovens no Brasil vivem em famílias em situação de pobreza extrema (famílias sem rendimentos ou com até 1/2 salário mínimo de renda familiar per capta).

Seguem-se análises que equacionam estudo e trabalho, considerando grupos etários.

 

Tabela 1

Jovens, segundo educação e ocupação, Brasil, 1999. (%)

 

15 a 17

anos

18 a 19 anos

20 e 24 anos

Só Trabalham

11,7 %

28,8 %

49,2 %

Só Estudam

53,7%

27,9 %

10,4 %

Trabalham e Estudam

22,8 %

21,3 %

13,8 %

Só afazeres domésticos

8,9%

17,5%

22,2%

Não trabalham e não estudam

2,9 %

4,4 %

4,3 %

Total

100,0%

10. 513, 674

6. 457, 951

13.892, 748

Fonte: PNAD 1999, micro dados - pesquisa sobre Cidadanias Negadas, Vulnerabilidades e Juventudes - Castro e Abramovay (co-coordenação) - em elaboração.

 

 

Os que não estudam e não trabalham correspondem a 20,4% do total de jovens entre 15 a 24 anos, no conjunto das nove Regiões Metropolitanas no Brasil — o que significa mais de 11 milhões de jovens. Não existem políticas específicas para os jovens que não estudam e não trabalham.

 

Em pesquisas desenvolvidas pela UNESCO (ver referencias ao final) quando se pergunta aos jovens de bairros pobres que políticas públicas propõem, é comum jovens  entre 14 e 15 anos declararem “queremos ter um trabalho”.  O direito de tempo de brincar e de tempo de estudar não é reconhecido pelos adolescentes, face suas necessidades e da família. Abdica-se da reivindicação do seu direito a estudar, e não declaram que querem bolsas, condições para que só estudem. A busca de trabalho é prioritária para os jovens pobres, e, em algumas das entrevistas com  jovens que estudam e não trabalham, percebe-se que se aparecer uma oportunidade de  trabalho, o estudo é abandonado, mesmo que seja um trabalho e ganhos imediatos, mas sem perspectivas em longo prazo. Limitam-se  expectativas de futuro. Perspectiva de garantir o presente, que facilita inclusive o envolvimento em  violências. As condições de necessidades comprometem o direito ao sonho, o direito a ter expectativas quanto a futuro.

 

 

A escola

Nas pesquisas com jovens  sobre a escola (ver Abramovay e Ruas 2002) é comum uma ambígua referência à escola, a qual se critica mas se considera importante. A escola é uma das referências básicas para os jovens, não só pela idéia de que é necessária para o mercado de trabalho, mas também pelas relações com os colegas - a sociabilidade de pares - e com os professores.

 

São, no entanto, surpreendentes as altas proporções dos alunos que não gostam do  espaço físico (cerca de 50% no Rio de Janeiro); que não gostam dos professores (cerca de 20% no Rio de Janeiro (in Abramovay e Rua 2002)). Para o caso do Rio de Janeiro, tem-se que cerca de 28% dos alunos das escolas não gostam dos seus colegas. São muitos também, que não gostam das aulas (cerca de 30% no Distrito Federal).

 

E os professores? Se os alunos não gostam dos professores, a maior parte dos professores declaram que não gostam dos alunos. No Rio de Janeiro, 62% dos professores perguntados disseram que o que menos gostam na escola é das aulas.

 

A ambiência escolar deveria ser ponto focal de políticas publicas, o que pede cuidado com a qualidade de ensino, condições salariais, de trabalho de professores e acompanhamento das relações sociais nas escolas, inclusive para detectar possíveis desencadeadores de violência.

 

2.2.2. Violação ao direito de proteção da vida pela lei (art. VII) – A questão das  violências, e o lugar do jovem

Faltam políticas que avancem no sentido de dar conta da multiplicidade de violências que envolvem os jovens, inclusive em lugares considerados como protegidos, como as escolas.

A violência institucional é uma das violências que mais se registra em distintos discursos de jovens. É lugar comum, na maioria das pesquisas da UNESCO, a crítica à ação da polícia, como essa trata os jovens, principalmente se negros, se  pobres, se vivendo nas  “periferias”. Essa violência institucional alimenta uma cadeia de violências e é pouco referida nos debates públicos sobre violência.

 

Quadro 2

Violência institucional

Tinha que fazer tudo ou apanhava

 (Grupo focal com jovens)

Eu uma vez vinha do ensaio... os policiais me pegaram na rua e me pediram a identidade. Eu era de menor, tinha 15 anos, eles colocaram uma arma no meu rosto. E me fizeram sambar, eu tive que sambar. Perguntaram se eu tocava, “você canta?” “Canto”, cantei para eles. “Você dança?” “Danço”. “Você bate palma?” “Bato”. “Bata palma”, tinha que fazer tudo isso ou apanhava.

 

Fonte: In Castro, Mary; Abramovay, Miriam; Rua, Maria das Graças e Ribeiro, Eliane “Cultivando Vidas. Desarmando Violências. Experiências em Educação, Cultura, Lazer, Esporte e Cidadania com Jovens em Situação de Pobreza.”-UNESCO, 2001

 

 

A tabela seguinte indica o nível de mortes relacionadas à violência (causas externas) - a violência que mata - na população de 15 a 24 anos.

No Rio de Janeiro, entre as mortes de pessoas de 15 a 24 anos, 74% é por homicídios, suicídios e acidentes de transporte. Sendo que, dessas chamadas causas externas (mortes violentas), o homicídio tira 55% de vidas de jovens de 15 a 25 anos no Rio de Janeiro, sendo que 70% por arma de fogo.

 

 

Tabela 2

Óbitos na População de 15 a 24 anos por grupos de causas externas, segundo cidades selecionadas, 2000.

Cidade

Causas Externas

Acidentes de Transporte

Homicídios

Suicídios

Brasília

71.2 %

17.6 %

45.2 %

3.2 %

Cuiabá

68.2 %

15.1 %

45.0 %

2.3 %

Porto Alegre

62.0 %

12.9 %

37.3 %

5.2 %

Rio de Janeiro

74.3 %

7.6 %

55.0 %

0.8 %

São Paulo

79.6 %

3.9 %

61.9 %

1.6 %

Teresina

49.7 %

13.5 %

22.3 %

2.2 %

Maceió

58.1 %

12.5 %

40.0 %

0.2 %

Natal

58.9 %

9.4 %

8.7 %

1.1 %

Fonte: In Waiselfisz, Jacobo “Mapa da Violência III. Os Jovens do Brasil”, UNESCO, 2002.

São cerca de 15 mil jovens assassinados no Brasil, anualmente.

 

 

2.2.3. Violações do Art. XXVII da Declaração dos Direitos Humanos - “o direito a participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios” - A questão de carências quanto a atividades culturais, de esporte e diversão.

A carência de atividades de lazer, esporte  e diversão,  é explorada pelo tráfico que, em muitos lugares, torna-se referência para os jovens, ocupando um espaço deixado em aberto pelo poder público e pela comunidade.

 

Quadro 3

Os traficantes foram nossos heróis

 

(em Grupo focal com jovens)

[Os traficantes] colocaram lazer na comunidade, organizaram o futebol, coisa que a comunidade ama. Colocaram o baile funk, que na época a gente adorava. Colocaram uma série de outras atividades, assim, para animar a comunidade. Poxa, os traficantes foram os nossos heróis, entendeu? Na época, os traficantes eram os meus heróis e não os policiais.

 

Fonte: In Castro, Mary; Abramovay, Miriam; Rua, Maria das Graças e Ribeiro, Eliane “Cultivando Vidas. Desarmando Violências. Experiências em Educação, Cultura, Lazer, Esporte e Cidadania com Jovens em Situação de Pobreza.”- UNESCO, 2001-

 

O depoimento do quadro anterior é bem significativo: sugere que o tráfico não é  um “Estado Paralelo”; que o tráfico tem alguma legitimidade das comunidades mais pobres,  não só porque o tráfico dá emprego, mas porque estaria seduzindo também pelo lado do lazer, do divertimento. De fato,  a moeda do tráfico tem um valor mais alto, se ganha mais com o tráfico do que no trabalho dos setores formal e informal, mas há também o tráfico como propiciando áreas de lazer, de esporte, áreas de diversão - algo que vários trabalhos há muito tempo vêm sinalizando. Contudo, o comum é a imposição de poder pelo medo e pela violência, ou seja, o tráfico contra a comunidade.

 

Além de se falar de cidadania política - representar-se e ter representação no plano de políticas; cidadania social - acesso a bens e serviços;  e cidadania civil - proteção pela lei - há que ter claro o direito a uma  cidadania cultural, ao acesso ao acervo de bens culturais. A cultura, a arte, o belo, a aprendizagem de bom nível que ensine a pensar, ou que ensine a questionar, que contribua para a criação de uma massa crítica - essa seria uma cultura que pode vir a ser  antídoto à violência. E não é ao azar que há uma série de projetos - no plano da arte, da criação, da discussão, do Hip Hop - que vêm significando alternativas, se não alternativas absolutas, mas limites possíveis de serem explorados no debate contra a violência.

 

 

Tabela 3

Razão entre bibliotecas, museus, teatros, cinemas e população de 15 a 24 anos (%o),  segundo municípios selecionados, 1999.

Municípios

Equipamentos por 100 000 jovens

Bibliotecas

Museus

Teatro

Cinemas

São Paulo

11,95

10,66

12,69

9,01

Rio de Janeiro

1,13

3,97

5,26

6,08

Natal

0,61

1,23

0,92

1,54

Recife

1,06

5,67

4,25

8,51

Salvador

0,12

0,20

0,25

0,64

Fonte: In Castro, Mary; Abramovay, Miriam; Rua, Maria das Graças e Ribeiro, Eliane “Cultivando Vidas. Desarmando Violências. Experiências em Educação, Cultura, Lazer, Esporte e Cidadania com Jovens em Situação de Pobreza.” - UNESCO, 2001.

 

 

A Tabela anterior foi elaborada a partir de pesquisa do IBGE sobre equipamentos dos municípios. Esses dados são em si significativos da carência cultural e social no país quanto à distribuição de equipamentos básicos como biblioteca, museu, teatro e cinema.  Se fossem calculados em nível de bairro, os índices seriam muito mais baixos. Demonstram a importância de trabalhar com uma política muito simples, que é a da descentralização, da expansão e da ampliação das alternativas de arte, cultura e lazer. No Rio de Janeiro existe 1 (uma) biblioteca por 100 mil jovens e menos de 4 (quatro) museus por 100 mil jovens.

 

Note-se que nas pesquisas da UNESCO vêm se destacando a pobreza de alternativas para ocupação do tempo livre entre os jovens, em particular os pobres, que vivem em zonas “periféricas” - 88% ocupam seu tempo livre, principalmente, vendo televisão. Em uma cidade, como o Rio de Janeiro, que tem o título de Cidade Maravilhosa, principalmente por suas  praias  lindas, 31% dos jovens de periferia não vão à praia. Na publicação “Fala Galera” (Minayo et al 1999), se documenta que 70% dos jovens, em algumas áreas da Zona Norte, nunca tinham atravessado o Túnel Novo, sendo muito forte a demarcação dos territórios, ou por falta de condições financeiras, ou por medo, por estigma, ou até em razão do controle das áreas, pelo tráfico.

 

Vários estudos da UNESCO vêm indicando que investimentos em lazer, esporte, educação e cultura colaboram para diminuir o risco dos jovens se envolverem em situações de risco: “para cada real que se investe em prevenção, poupa-se cerca de R$7,00 em punição e repressão” (Waisselfisz 2001:1). Identificando-se que os homicídios e atos de violência mais se registrariam nos finais de semana, a UNESCO desenhou um programa, Abrindo Espaços, de ocupação das escolas nos finais de semana com atividades culturais, esportivas e de educação para cidadania no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Na Região Metropolitana de Recife são 355 escolas abertas, com cerca de 125 000 pessoas, a maioria jovem, nos finais de semana participando de oficinas de artesanato, capoeira, dança, teatro e atividades de futebol, informática, línguas, corais, vôlei., artes marciais, estímulo à leitura, recuperação de aprendizagem, etc. Na cidade de Salvador, o Programa começou este ano, e abrange 56 escolas estaduais e duas municipais. Muitos dos oficineiros são voluntários das comunidades.  Só em agosto de 2002, foram contabilizadas cerca de 45 000 pessoas que passaram seus finais de semana dentro das escolas, das 8:30 às 18:00, participando de 2 044 oficinas.

 

2.3. Complicadores quanto à formatação das políticas públicas elaboradas para a juventude

O exemplo mais recente da orientação de políticas públicas para crianças e adolescentes  no Brasil é o ECA, que apesar de falhar na restrição dos grupos etários, foi o primeiro passo para a participação da sociedade civil organizada através dos Conselhos Tutelares, contudo, as referências são crianças e adolescentes.

 

Cabe destacar mais uma vez a importância do investimento em um capital cultural político dos jovens no processo de participação do fazer política, ou seja, é necessário investir no aprendizado do entendimento do fazer política, no sentido de acompanhar quem?, para quê? e para quem?, são feitas essas políticas, de como essas propostas tramitam nas esferas do poder. A fiscalização das decisões e o monitoramento do uso da “coisa pública” permitem o amadurecimento e qualificação da sociedade civil, que pode se mobilizar por vias institucionais oficiais, como, por exemplo, através de ONGs, organizações político-partidárias, Conselhos de Direitos  e outras vias.

 

2.3.1. Políticas para a juventude no plano do Governo Federal - área de direitos humanos

Muitas políticas no plano de direitos humanos dos jovens estão em nível de intenções como as do II Programa Nacional de Direitos Humanos. Por outro lado, essas políticas não são acompanhadas nem cobradas pela sociedade civil.

 

· Do Programa Nacional de Direitos Humanos I

Serviço Civil Voluntário.

Inicio 1998 – ajuda de custo R$60,00 mensais – até 12/2001, teriam sido  beneficiados 50.000 jovens.

 

· Do Programa Nacional de Direitos Humanos II  (ilustrações)

18[1] – Programas de redução de violências nas escolas;

126- Fortalecimento dos Conselhos;

128- Divulgação e aplicação do ECA;

131- Investir na formação e capacitação de profissionais para proteção dos direitos  das crianças e dos adolescentes;

132- Capacitar professores no ensino fundamental e médio para discussão do temas transversais incluídos nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs;

133 - Campanhas pela paternidade responsável;

134, 136, 142 - Programas sobre violência sexual e doméstica; uso de drogas, exploração no trabalho e exploração sexual;

146, 147 e 148 - Implementação e divulgação do PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil;

297 - Ensino fundado na tolerância, na paz e no respeito às diferenças, que contemple a diversidade cultural do país;

298 - Incentivar a associação estudantil em todos os níveis;

326 - Assegurar aos quilombolas e povos indígenas uma educação escolar diferenciada, respeitando o seu universo sócio-cultural e lingüístico;

381 - Promover políticas destinadas ao primeiro emprego, incorporando questões de gênero e raça e criar um banco de dados para o publico juvenil que busca o primeiro emprego;

463 - Concentrar em áreas com altas taxas de violência os programas de incentivo a atividades esportivas, culturais e de lazer;

465 - Abertura de escolas nos finais de semana para atividades de lazer comunitário.

 

No quadro seguinte, relação de  programas e ações a nível federal, com explícita referência a adolescentes ou jovens (previsão no Orçamento da União 2001 – PPA - Programa Plurianual de Investimento - na  LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias e na LOA - Lei Orçamentária Anual) que também ilustram que há programas e políticas voltadas para jovens. Mas que, por outro lado,  há que mais investir na avaliação das práticas, como vêm sendo formatados tais programas, seu conteúdo ético e sua qualidade, por exemplo, como também  se faz necessário investir para que os jovens conheçam e acompanhem  criticamente as políticas de Estado.

 

Quadro 4

Políticas  para adolescentes e jovens – plano federal (previsão no Orçamento da União 2001 - PPA; LDO e LOA) – ilustrações

 

Saúde:

- Programa Saúde do Adolescente – Prosad;

- Projeto Adolec/Bireme/Opas/MS;

- Projeto Escola – sobre DST/AIDs;

- Projeto de Monitoramento e Avaliação dos Serviços de Câncer e Planejamento  Familiar para Mulher (publico de 11 a 17 anos).

Educação:

- Programa desenvolvimento do Ensino de Graduação;

- Programa desenvolvimento do Ensino Médio;

- Programa Educação de Jovens e Adultos;

- Programa Escola de Qualidade para Todos;

- Ensino Técnico;

- Programa de Alfabetização Solidária;

- Programa de Universidade Solidária.

Trabalho:

- Plano de Educação Profissional – PLANFOR;

- Programa erradicação do trabalho infantil.

Cultura:

- Oficinas de Teatro;

- Associação Vida, Sensibilidade e Arte;

- Oficinas - Escolas do IPHAN.

Esporte:

- Programa Esporte Solidário;

- Programa Esporte na Escola;

- Programa Esporte com Identidade Cultural;

- Programa Esporte na Rede;

- Centro Indesp de Excelência Esportiva;

- Programa Pintando a Liberdade.

Desenvolvimento:

- Programa Brasil Jovem (publico de 15 a 24 anos) - centros da juventude;

- Programa Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Violência e Direitos Humanos:

- Programa Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes;

- Programa Paz nas Escolas;

- Programa Reinserção Social do Adolescente em Conflito com a Lei. [3]

 

3. Por um paradigma no fazer políticas para/de/com juventudes

Quadro  5

Por uma cultura em que Política seja exercida por muitos

 

"É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" ECA Lei 8.069/90

Por que a gente colocou o artigo? Além do artigo mostrar que não é só dever do estado...ele responsabiliza também os jovens, a sociedade,  a família, a escola, quer dizer, as instituições principais para a formação de um cidadão, para que essas políticas sejam efetivas. Se eu não tiver conhecimento dessa política , se a minha mãe, o meu pai, a minha família ...essa política não pode ser efetivada. Faz-se necessário que todas as instituições voltadas para o crescimento da sociedade, para o bom andamento da sociedade, elas tenham consciência do seu papel, que é o que hoje em dia não acontece, até mesmo pelas políticas mínimas a que o estado vem colocando na sociedade atual”

(Jovens Integrantes  de Grupos de Trabalho em Seminário de Políticas Públicas de Juventudes – UNESCO e Fundação Kellog – em Maceió, 20 de maio de 2002)

 

Caberia pensar não políticas públicas para juventude, mas  políticas de/para/com juventudes, o que significa tanto rejeitar políticas imposta, e ao mesmo tempo não  minimizar o papel do Estado. É do Estado o papel de legislar, administrar e implementar políticas públicas em consonância com a sociedade civil.

 

Cita-se, a seguir, alguns critérios para um novo paradigma na construção de políticas de/para/com juventudes. [4]

1. Considerar os Jovens como destinatários de serviços e atores  estratégicos;

2. Investir em uma perspectiva integrada, evitando programas  isolados;

3. Equacionar estudo, trabalho [com conteúdo de formação], formação cultural e ética, diversão e  esporte;

4. Fortalecer  e criar redes institucionais, entre sociedade civil e  política;

5. Comprometer várias esferas de governo, priorizando o plano local;

6. Responder à heterogeneidade de grupos juvenis;

7. Promover a democracia participativa, por ativa participação dos jovens no desenho, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas;

8. Transparência quanto a recursos e metas, possibilitando o acompanhamento crítico das políticas;

9. Contar com perspectiva de gênero;

10. Contar com perspectiva de raça/etnicidade;

11. Dispor sobre ações afirmativas que lidem com as desigualdades sociais;

12. Sensibilizar os tomadores de decisão e a opinião pública em geral sobre a relevância de políticas para e com jovens, ressaltando a exclusão social e a vulnerabilidade dos jovens como uma desvantagem da sociedade;

13.Fomentar pesquisas sobre e com grupos juvenis, avaliações de ações e programas, e os intercâmbios de experiências;

14.Promover a capacitação de jovens sobre políticas públicas, democratizando conhecimentos para a crítica e o acompanhamento;

15.Definir papéis e funções entre os diferentes atores e agências institucionais, fortalecendo a participação por organizações com representações democráticas, evitando a comum ênfase de implantação de maquinarias, empresas e organizações verticalizadas, sem participação popular e prestação de contas pública de suas ações;

16.Investir no trânsito e nexos entre políticas universalistas e específicas de/para/com juventudes, i.e., perspectiva de identidade-geração-nas políticas e recorrência crítica, evitando corporativismos ou alinhamentos de representações dominantes, comum à perspectiva de políticas de identidades.

 

5. Bibliografia

Publicações da UNESCO - Referências

ABRAMOVAY, Miriam; WAISELFISZ, Júlio Jacobo; ANDRADE, Carla Coelho & RUA, Maria das Graças. Gangues, Galeras, Chegados e Rappers: Juventude, Violência e Cidadania nas Cidades da Periferia de Brasília. Rio de Janeiro: UNESCO/Garamond, 1999.

ABRAMOVAY, Miriam (Coord.). Escolas de Paz. Brasília: UNESCO, Governo do Estado do Rio de Janeiro/ Secretaria de Estado de Educação, Universidade do Rio de Janeiro, 2001.

ABRAMOVAY, Miriam (Coord.). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, BID, 2002.

BARREIRA, César (Coord.). Ligado na Galera: Juventude, Violência e Cidadania na Cidade de Fortaleza. Brasília: UNESCO, 1999.

CASTRO, Mary Garcia e ABRAMOVAY, Miriam (coordenadoras) Drogas nas Escolas. Brasília, UNESCO, 2002.

CASTRO, Mary Garcia (Coord.) Cultivando vida, desarmando violências: experiências em educação, cultura, lazer, esporte e cidadania com jovens em situações de pobreza. Brasília: UNESCO, Brasil Telecom, Fundação Kellog, Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2001.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Fala Galera: Juventude, Violência e Cidadania na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UNESCO/Garamond, 1999.

RUA, Maria das Graças & ABRAMOVAY, Miriam. Avaliação das ações de prevenção às DST/AIDS e uso indevido de drogas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio em capitais brasileiras. Brasília: UNESCO, 2001.

WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Juventude, Violência e Cidadania: os jovens de Brasília. São Paulo: Cortez Editora, 1998.

 

Notas:

[1] Texto elaborado a partir de  pesquisas da UNESCO no Brasil. Ver em especial: Castro, Mary Garcia e Abramovay, Miriam “Por Um Novo Paradigma Do Fazer Políticas – Políticas De/Para/Com Juventudes (submetido para apreciação para publicação na  Revista Brasileira de Estudos  Populacionais, em outubro de 2002)”.

[2] Ver, por exemplo, em Castro et al (2001), as conclusões  da Conferencia Mundial dos Ministros Responsáveis pela Juventude, conhecida como a Declaração de Lisboa sobre Políticas e Programas de Juventude, realizada de 8 a 12 de agosto de 1998; o Plano de Ação de Braga para a Juventude, elaborado quando do Fórum Mundial da Juventude do Sistema das Nações Unidas, que teve lugar de 2 a 7 de agosto de 1998;  A declaração do Encontro sobre Melhores Práticas em Projetos com Jovens do Cone Sul, promovido pela CEPAL, BID, UNESCO, INJ e FLAJ, realizado de 9 a 11 de novembro de 1999.

[3] O numero corresponde ao artigo pelo qual no Programa a atividade é mencionada

[4] LDO 2002 – Anexo de Metas e Prioridades – Congresso Nacional –em 28.6.2001-.

[5] Ampliação e adaptação por Abramovay e Castro, de  “Dez critérios básicos para caracterizar as novas Políticas de Juventude” in “Aportes al documento base para elaboración Del Libro Blanco sobre Políticas Públicas de Juventud em Ibero América”. Disponível em: http://web.jet.es\oij   Acesso em 16.05.2002.