ADOLESCÊNCIA E VIOLÊNCIA: MAIS UMA FORMA DE EXCLUSÃO[1][2]
Médico
de adolescentes. Doutorando do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade
Federal da Bahia. Presidente do Instituto Nacional de Educação para a Paz e os
Direitos Humanos.
Palavras-chave: Adolescência; Violência; Prevenção
O presente ensaio se propõe a discutir algumas das interfaces entre a questão da violência e a fase da adolescência na sociedade brasileira contemporânea. A violência, em suas inúmeras modalidades e expressões tornou-se em anos recentes, um dos problemas que mais angustia esta sociedade, quer seja devido à divulgação de fatos do cotidiano ou dados estatísticos, ou a uma sensação difusa de insegurança e desconfiança que se propaga. Institui-se, assim, um círculo vicioso no qual “a violência gera o medo, mas este gera igualmente a violência”, numa escala que pode chegar ao grau de “psicose coletiva” (Chesnais, 1999).
Em várias partes do mundo, particularmente nas Américas e no Brasil, a violência alcançou tamanha disseminação, magnitude e freqüência que passou a ser reconhecida como um grave problema de Saúde Pública, cujas conseqüências não se limitam às crescentes taxas de mortalidade, mas englobam seqüelas biopsicossociais e morais a nível pessoal, familiar e coletivo (Yunes e Rajs, 1994).
O fenômeno da violência, em sua complexidade e multicausalidade, tem engolfado também a adolescência. Os adolescentes ao se envolverem com a violência, quer na condição de vítimas ou na de perpetradores, terminam por sofrer alguma forma de exclusão. Quando vitimados, ocorre a exclusão da própria vida ou do “estado de completo bem-estar físico, mental e social”[3]. Quando agressor, o adolescente é excluído da possibilidade de viver em exercício da cidadania, por meio da qual pode reconhecer-se e ser reconhecido como sujeito de direitos e deveres.
Alguns
dados epidemiológicos
No Brasil, em 1996, 35,1%
das mortes de jovens foram provocadas por homicídios e outras violências,
percentual este que atingiu 47,7% nas regiões metropolitanas do país –
(praticamente a metade!). Ao comparar o número de 15.288 jovens assassinados
com os 1.199 óbitos decorrentes da AIDS (2,8% da mortalidade juvenil) – em 1996
– Waiselfisz (1998a) denuncia que para “um mal 13
vezes maior que a AIDS, são ainda escassas e bastante tímidas nossas ações e
políticas de enfrentamento”.
Tais números colocam o
Brasil num vergonhoso 3º lugar no mundo em mortes de jovens por homicídios e
outras violências, com uma taxa de óbito de 48,6 por 100.000 jovens (idem,
1998). Certamente, não é coincidência que o Brasil seja conhecido como o país com a pior distribuição de renda leia-se, violência
estrutural. Embora seja equivocada a “associação mecânica entre violência,
pobreza, criminalidade e violação dos direitos, predominante no senso comum”
(Gomes, Silva e Njaine, 1999), é perceptível que as
desigualdades econômicas e a miséria estão diretamente relacionadas com as
taxas de homicídio e com a violência não-gratuita (McAlister,
1998).
A violência tem atingido diretamente
a juventude brasileira, de modo que o principal grupo de risco para a
mortalidade por homicídio “são adolescentes e adultos jovens, do sexo masculino
(...) residentes em áreas pobres e às vezes periféricas das grandes metrópoles;
de cor negra ou descendentes dessa etnia; com baixa
escolaridade e pouca ou nenhuma qualificação profissional” (Minayo
e Souza, 1999). Em Salvador, a sobremortalidade
masculina alcança o valor de 12,7 na faixa de 15 a 19 anos (Paim
e Costa, 1996). Freqüentemente, no entanto, “os violentados passam a ser encarados como os violentos” (Neto e Moreira, 1999).
Contrariando o senso comum, 70,7% dos adolescentes e jovens vítimas de
execuções em São Paulo não estavam implicados em crime anterior e 67,1%
possuíam profissão/ocupação ou eram estudantes (Mesquita, 1995). Os
preconceitos acrescem, portanto, exclusão moral à econômica na vida desses
adolescentes.
O homicídio representa, no quadro da violência, a porção mais visível e irreversível. Estima-se que para cada morte violenta, ocorrem pelo menos 100 casos de injúrias não-fatais provocadas pela violência. (U.S. Department of Justice, 1988), os quais permanecem, em sua maioria, encobertos. No período de um ano, 200.000 crianças e adolescentes declararam-se vítimas de agressão física (IBGE, 1989). Adolescentes que foram vítimas de violência em sua infância carregam o mais alto risco de se tornarem perpetradores de violência (McAlister, 1998), o que realça a importância de programas de prevenção.
A outra vertente na relação entre juventude e violência, é evidenciada pelo número de adolescentes envolvidos com gangues, o crime organizado e/ou atos violentos: em 1997, no Rio de Janeiro, 354 menores de 14 anos foram detidos pelo Juizado por cometerem atos delinqüentes; em São Paulo, 15% dos suspeitos detidos pela Polícia Militar tem idade entre 12 e 17 anos (Programa Nacional de Paz nas Escolas, 1999).
Ao longo da história e em grande parte dos povos, a adolescência tem sido identificada com os níveis mais elevados de agressividade, transgressão e conflito. Autores como Dahrendorf e Holinger estabelecem uma relação direta entre juventude e violência. Se suas premissas estiverem corretas, podemos considerar sombrias as perspectivas da sociedade brasileira nos próximos dez a quinze anos. O perfil demográfico do Brasil iniciou uma “onda adolescente”, durante a qual esse grupo etário tornou-se o mais numeroso da população. São mais de 34 milhões de adolescentes, representando mais de 20% da população, o que “vai impor grandes mudanças no país” por suas demandas em relação ao sistema de ensino, mercado de trabalho, lazer e cultura (Junqueira, 1997).
O panorama acima descrito
não diz respeito apenas a fenômenos isolados. São atos que manifestam um
“estado de violência” (Nunes, 1999), o qual institui “mecanismos de negação da cidadania” (Waiselfisz, 1998b) e denuncia modos de sociabilidade,
circunstâncias políticas e econômicas nas quais a violência prospera.
Nunca é demais relembrar que
“é, hoje, praticamente unânime (...) a idéia de que a violência não faz parte
da natureza humana e que a mesma não tem raízes biológicas” (Minayo, 1994). A violência trata-se de um “fenômeno
histórico-social, construído em sociedade”, portanto, “pode ser desconstruída”
(Minayo e Souza, 1999).
A desconstrução da violência
exige o envolvimento dos sujeitos, das instituições e da sociedade, em suas multidimensionalidades – física, mental, emocional, ética,
espiritual, econômica, jurídica, política, etc. O sistema educacional tem uma
responsabilidade especial nesse processo. Se, por um lado, é fundamental não
ceder à tentação de colocar a responsabilidade pela transformação da sociedade
nos ombros da educação ou de considerar que as injustiças sócio-econômicas poderão
ser solucionadas por um ensino de qualidade, por outro lado, é inegável o papel
crucial que desempenha na formação intelectual e moral das novas gerações.
Um dos fatores para que os
adolescentes tenham sido engolfados nessa trama da violência é
a dificuldade de pais, profissionais de educação e de saúde, e governantes
em compreenderem as características e necessidades dessa etapa. A adolescência
é marcada por profundas transformações nas quais se entrelaçam processos de
amadurecimento físico, mental, emocional, social e moral, que
são influenciados pelas peculiaridades inerentes a cada sujeito, pelo
seu ambiente sócio-cultural e pelo momento histórico, o que torna complexa a
sua delimitação ou conceituação (Osório, 1989; Costa, 1999) .
Erikson (1976) comparou a adolescência a uma
“moratória psicossocial” devido à “confusão de identidade” que se estabelece
nessa fase, inevitável num período da
vida em que o corpo muda radicalmente suas proporções, em que a puberdade
genital inunda o corpo e a imaginação com toda espécie de impulsos, em que a
intimidade com o outro sexo se aproxima (...) e em que, enfim, o futuro
imediato (...) coloca (a pessoa) diante de um número excessivo de
possibilidades e opções conflitantes.
Tal crise gera no
adolescente a necessidade de formar grupos, “estereotipando-se a si próprios,
aos seus ideais e aos seus inimigos”, podendo tornar-se “intolerantes e cruéis
na sua exclusão de outros que são ‘diferentes’”, como uma forma de defesa
contra esse sentimento de perda de identidade (idem, 1976). Nesses casos, o
adolescente torna-se agente de exclusão, sob o risco de grupos rivais se
engalfinharem numa escalada de agressões mútuas por motivos banais.
Essa fragilidade interior do
adolescente, muitas vezes mascarada sob atitudes agressivas e de desdém pelo
outro, é uma das causas de sua vulnerabilidade a tantos fatores de risco –
álcool, drogas, DST/AIDS, violência, etc. Isto apenas intensifica a
responsabilidade da família e da escola, componentes fundamentais do contexto
do desenvolvimento do adolescente (Bronfenbenner,
1996), no sentido de promoverem os fatores protetores de seu bem-estar. É
através das interações que os agentes de socialização - pais, educadores - transmitem crenças e
práticas veiculadas no meio social ao qual pertencem que são essenciais para a
constituição do sujeito. A cultura adquire, assim, a função de organizadora das
práticas educativas (Bastos, 1994).
Embora existam múltiplas formas de família em nossa sociedade, distintas dos moldes tradicionais, o fato é que, independente de sua estrutura, a família é o primeiro grupo, a primeira escola, a primeira comunidade e a primeira experiência de exercício da cidadania que todo indivíduo vivencia, sendo essa experiência profundamente marcante e, muitas vezes, determinante da trajetória de vida. No entanto, como “laços de consangüinidade não asseguram o amor” (Saffioti, 1989), freqüentemente o convívio familiar é marcado pela violência doméstica – cujas principais vítimas são crianças, adolescentes e mulheres.
A violência
doméstica contra crianças e adolescentes é caracterizada pelo abuso
do poder disciplinar e coercitivo de pais ou responsáveis, que muitas vezes se
prolonga ao longo de meses e anos, sendo uma violação dos direitos essenciais
da criança e do adolescente em sua condição de humanidade (Azevedo, in:
Ministério da Saúde, 1997). Pode apresentar-se na forma de violência física,
psicológica, sexual ou negligência/abandono.
As modalidades intra-familiares de violência são marcantemente complexas,
dentre outros, pelos seguintes fatores:
a)
A definição exata do que constitui ou não violência na
relação entre pais e filhos é controversa e complexa, sendo permeada por
padrões culturais.
b)
A mensuração da violência psicológica (que implica em rejeitar,
isolar, aterrorizar, ignorar, corromper ou criar expectativas exageradas) é
tarefa extremamente difícil.
c)
Os dados sobre a violência doméstica são escassos,
principalmente em nosso país, onde ainda impera a “lei do silêncio”.
d)
Em geral, os adolescentes que sofrem violência
doméstica não a interpretam como um problema mas sim, como um direito natural
dos pais ou algo normal na linguagem familiar.
A despeito dessa
“naturalização da violência”, sabe-se que a maioria dos jovens infratores
testemunhou e foi vítima de violência doméstica. Essa experiência pode afetar a
forma do adolescente interpretar a realidade, encarando como provocação pessoal
situações banais. Também tende a limitar o seu repertório de reações a
comportamentos violentos. A combinação desses dois fatores aumenta
expressivamente o risco do jovem se envolver em brigas e, eventualmente, em
atos delituosos.
Um aspecto pouco discutido
da questão é relativo às mães adolescentes. A maioria carece de experiência e
de maturidade psicológica, muitas não desejaram, ao
menos conscientemente, a gravidez; outras, se vêem privadas da liberdade que
usufruíam antes – fatores esses que podem levar a situações de maus-tratos com
seus filhos.
Outra modalidade de
violência que, embora não sendo exclusiva do âmbito doméstico, é nele que
ocorre com maior freqüência, é a violência contra a mulher. Em distintas partes
do mundo, entre 16 e 52% das mulheres experimentam violência física de parte de
seus parceiros (OPAS, 1998). Apesar disto – ou exatamente por esse motivo – a
violência de gênero é ainda marcada pela “invisibilidade social”. Esta
violência diz respeito a “sofrimentos e agressões
dirigidos especificamente às mulheres pelo fato de serem mulheres” (Schraiber e D’Oliveira, 1999).
Uma vez que metade dos adolescentes pertence ao sexo feminino, é estarrecedor o impacto estatístico e social das discriminações, abusos físicos, psicológicos e sexuais por elas sofrido. A título de exemplo: estima-se que no Brasil, em 1985, uma em cada cinco meninas tenha sofrido abuso sexual, sendo que 300.000 (5% daquele total) foram vítimas de incesto pai-filha, das quais 38% tentarão suicídio (Azevedo e Guerra, 1997).
Em relação aos rapazes,
pode-se constatar que são submetidos a uma “automutilação
por terem que reprimir as partes de sua própria personalidade consideradas
femininas” (Giffin, 1994). Além disto, “o valor
cultural da honra masculina” (Zaluar, 1993) gera a
necessidade de comprovação da virilidade através de demonstrações de força
física, valentia, enfrentamento de perigos e brigas, aumentando os riscos de
sofrerem ou praticarem violência. Apesar disto, raramente os projetos de
investigação e intervenção incluem também os homens.
A violência de gênero, quando ocorre na relação conjugal, atinge também os filhos, que se tornam testemunhas freqüentes e impotentes ou, até mesmo, vítimas de maus tratos por tentarem defender a mãe. Apesar de todo sofrimento que passam, um expressivo percentual desses filhos repete, em sua vida adulta, o mesmo padrão de relacionamento, por haver interiorizado esse modelo de opressão, agressão e medo.
Interações
entre vida familiar e escolar
Ao entrar na escola, a
criança já traz consigo um conjunto único de características pessoais,
experiências de vida, capacidades já desenvolvidas e potencialidades. Aquelas
crianças cujo ambiente familiar é marcado pela violência entre os pais ou
contra elas “tendem a ser agressivas e a ter comportamentos anti-sociais fora
de casa, principalmente na escola”. Se além da violência doméstica essas
crianças ou adolescentes são testemunhas ou vítimas de violência em seu bairro,
as conseqüências se agravam
... (elas)
têm mais dificuldades de leitura e compreensão de textos (...), menor
capacidade de atenção e concentração em tarefas (...), são ainda mais apáticas,
desinteressadas pelas normas. Têm mais problemas disciplinares, mais
suspensões, piores notas, repetências (...) O mau desempenho escolar afeta a auto-percepção de competência e motivação para as atividades
escolares. Esses aspectos estão associados a uma baixa auto-estima e à
violência dentro das escolas. (Cardia, 1997)
A experiência escolar marca
profundamente a vida do adolescente, menos pelo conteúdo das disciplinas e mais
por ser uma grande vivência de socialização, de convívio com as diferenças, um
espaço no qual o aluno desenvolve (ou não) capacidades tais como ouvir,
negociar, ceder, participar, cooperar, perseverar e lhe é oferecida a oportunidade de interagir com outros adultos e de
identificar outros modelos de referência. Devido a essa importância, o fracasso
escolar freqüentemente gera um processo de culpabilização
e deterioração da auto-estima, com sentimentos de inferioridade por acreditar
que, tendo fracassado na escola, fracassará também na vida[4]. Desta forma, tanto o insucesso escolar pode ser a causa de
comportamentos agressivos, quanto a violência pode
motivar o baixo desempenho acadêmico. Estudantes que evadem da escola, burlam
aulas ou têm uma auto-imagem acadêmica pobre apresentam maiores probabilidades
de se engajarem em comportamentos violentos e de risco para sua saúde.
Embora a escola seja afetada
pelo mesmo contexto histórico, social e moral e pela cultura de violência até
aqui descritos, muitas vezes ela
coloca-se e é colocada como um espaço isolado da sociedade, distante dos seus problemas, desenvolvendo uma pedagogia que escamoteia o conflito, que impede que as contradições apareçam, uma pedagogia que nega a realidade e que prepara para um mundo que não existe, ou melhor, não prepara para o que existe. (Costa, 1993)
Talvez decorra dessa
alienação o fato de que 55,6% das escolas públicas do país sofrem problemas de
roubo, furto, vandalismo e/ou agressão ao patrimônio, no mínimo uma vez ao mês.
O mesmo não ocorre “onde a participação na vida da escola é maior, onde se
efetiva de algum modo a apropriação desse espaço
público pela comunidade”, comprovando que “é a carência de exercício da
cidadania o que ameaça a escola” (UnB, 1999).
Segundo Minayo et alli (1999), as instituições escolares apresentam três atitudes básicas em relação à violência: quando ocorre no âmbito doméstico, se omitem; quando cometida por aluno(s), reprimem; quando cometida por professor, minimizam ou acobertam.
É necessário reconhecer que “muito pouco de prevenção à violência tem sido efetuado no Brasil” e que “mesmo em países industrializados, as experiências são pontuais, carecendo de firmeza na definição das estratégias preventivas e freqüentemente não são avaliadas” (Assis, 1995). Tal fato se reflete tanto na literatura científica, conforme constatado por Gomes, Silva e Njaine (1999), quanto nas publicações leigas. A Pesquisa ANDI, que monitora a cobertura dos 52 principais jornais diários do Brasil a respeito da infância e adolescência, detectou no período de julho a dezembro de 1998 que, dentre as 16 áreas temáticas analisadas, violência foi a quarta mais abordada, com aproximadamente 1.800 matérias. Entretanto, analisando-se o percentual de matérias consideradas “busca de soluções”, este tema ficou em último lugar, com um percentual de 11,6%, em comparação com uma média de 37,9%.
Num contraponto positivo, a revista Nova Escola veiculou, em setembro/99, reportagem descrevendo iniciativas desenvolvidas por 13 escolas. “Nunca se falou tanto de violência nas escolas como neste ano. Inclusive – e isso é uma boa notícia – dentro das salas de aula”. Foram relatadas estratégias como a reflexão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, melhorias físicas e estéticas do prédio escolar, envolvimento dos pais na vida escolar, abertura da escola para as necessidades da comunidade, oficinas lúdicas e esportivas, processos de arte-educação, elaboração coletiva de normas de convivência, criação de “pelotões da paz” entre os estudantes, melhoria da relação professor-aluno com ênfase na afetividade, confiança e respeito, e punições alternativas para o aluno que transgride as regras.
É óbvio que, pela magnitude
e complexidade do problema descrito, qualquer iniciativa em busca de soluções,
por mais simples que seja, não pode ser reducionista. Concordo com Minayo (1994) que qualquer projeto de prevenção da
violência passa por uma “articulação intersetorial, interdisciplinar, multiprofissional e com organizações da sociedade civil e comunitárias que militam por direitos e cidadania.
Sobretudo, há que atuar com uma visão ampla do fenômeno, mas em níveis locais e
específicos”.
Ao revisar os estudos
inovadores no campo da redução da violência juvenil nas Américas, McAlister (1998), concluiu que esta pode ser alcançada, a longo prazo, através da educação e da comunicação
dirigidas à mudança de atitudes e ao desenvolvimento de habilidades, com as
seguintes estratégias: (1) educação e terapia direcionados aos pais para
melhorar as suas práticas na criação dos filhos; (2) educação e programas
centrados nas escolas visando alterar os fatores ambientais (redução da
disponibilidade de armas de fogo e outras; aumento da disponibilidade de
reações não-violentas; redução das desigualdades na qualidade de vida; modificar
as conseqüências, de modo a punir a violência e premiar a não-violência); (3)
programas comunitários que incluam escolas, meios de comunicação, organizações
comunitárias e outros foros, num esforço para mudar atitudes, desenvolver
habilidades e promover mudanças nas políticas sociais e nos ambientes.
Portanto, embora a prevenção da violência não seja atribuição ou domínio exclusivos de qualquer setor, tanto a Educação como a Saúde têm um papel preponderante a desempenhar. O impacto de tais programas será mais efetivo quanto maior for a cooperação entre os vários setores e atores sociais, cada qual assumindo sua parcela de responsabilidade num trabalho integrado que envolva as crianças e adolescentes, seus pais e mães, as escolas, as associações e lideranças comunitárias, os grupos religiosos, os técnicos de Saúde, os policiais, etc.
A importância da comunidade nesse processo não deve ser menosprezada, uma vez que “os crimes violentos estão associados a contextos onde há: a) desorganização social, entendida como pouca participação em atividades coletivas; b) pouca filiação a igrejas; c) muita mobilidade dos moradores; d) desemprego; e) forte densidade populacional”. Por outro lado, quando os adolescentes são “bem integrados na vida da comunidade, aumenta a sensação de proteção, reduzindo-se a percepção de risco a despeito da ameaça real” (Cardia, 1997).
A sociedade brasileira é permeada por uma inegável violência estrutural, manifesta em um quadro de injustiças sociais, disparidades econômicas, exclusão e falta de oportunidades que afeta a maioria da população. Esse estado de coisas, que se busca ocultar sob a aparência de naturalidade ou inevitabilidade, está na raiz de inúmeras modalidades de violência, mais fáceis de serem evidenciadas. Não obstante, é essencial que sejam dados passos concretos nos aspectos da realidade que estão ao nosso alcance imediato, ao mesmo tempo em que se luta por mudanças estruturais nos sistemas econômico, político e jurídico.
Se desejamos contribuir efetivamente para o desenvolvimento integral das gerações em formação, precisamos estar convictos da necessidade, premência e viabilidade do trabalho integrado, em nível dos microssistemas, em processos sistemáticos e permanentes de educação para a paz, para o respeito aos direitos humanos e à diversidade, e para os valores éticos universais. A adolescência, etapa crucial na formação da identidade, precisa ser aproveitada para que sejam ensinadas a resolução pacífica de conflitos e a inseparabilidade entre direitos e deveres na vida em sociedade.
Nessa busca de caminhos possíveis, o adolescente precisa ser reconhecido como um dos protagonistas. Enquanto ele for enxergado apenas como um problema ou o problema, estaremos excluindo-o da possibilidade de canalizar construtivamente suas energias como agente de transformação social.
Notas
[1] Texto publicado pela EDUCAR
EM REVISTA, nº 15 (Dossiê
Crianças e Adolescentes Excluídos: Ações e Reflexões), p. 101 – 114, Editora da Universidade Federal
do Paraná (UFPR), Curitiba.
[2] Este ensaio integra um projeto de
doutorado, em andamento, sob a orientação da Profª Ana Cecília Sousa Bastos (ISC / UFBA).
[3] Conceito de saúde adotado pela
Organização Mundial de Saúde.
[4] A esse respeito, ver Milani (1991;
1995; 1998).
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