SEGUNDA VARA DA COMARCA DE ADAMANTINA - PROC. N° 30/98-IJ

 

            Vistos, etc.

 

            I – Relatório

 

            O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ingressou com a presente Ação Civil Pública contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em favor das crianças relacionadas na inicial, alegando que estas cursaram a pré-escola na Escola Municipal de Ensino Infantil de Flórida Paulista e, no ano letivo de 1997, por não terem completado 07 anos antes de 01.07.1997, tiveram recusadas suas matrículas na primeira série do ensino fundamental, na única escola da cidade de Flórida Paulista, a Escola Estadual de Primeiro Grau “Octaviano José Corrêa”; para suprir essa injustificável recusa, o Município de Flórida Paulista, mesmo não possuindo escola de ensino fundamental, resolveu manter duas classes do Ciclo Básico Iniciante, cedendo professores, classes essas que, mediante aquiescência da Delegacia de Ensino de Adamantina, funcionariam, como de fato funcionaram, em salas da própria escola, com acompanhamento e coordenação pedagógica prestados pela referida escola. Assim, em decorrência desse acordo de cooperação mútua, o Estado e o Município, em verdadeiro sistema misto de oferecimento de ensino de fato, instituíram as duas salas de aula para o Curso Básico Inicial, que foi ofertado às crianças já mencionadas, durante todo o ano de 1997, tendo as mesmas freqüência controlada, ensino regular, foram cadastradas na rede estadual, com a respectiva carteira; e mais ainda: no final do ano, foram submetidas ao “provão” realizado em todas as escolas pela Delegacia de Ensino, foram avaliados e considerados capazes de prosseguir no Curso Básico em Continuação. Todavia, ao tentarem sua inscrição neste último curso, acabaram sendo novamente matriculados no CBI, sob o argumento de que não se enquadravam no disposto no artigo 14 da Resolução SE 164/97, da Secretaria de Estado da Educação, ou seja, por terem sete anos completos devem ser matriculados na primeira série. Essa recusa, no entanto, fere o direito social básico à educação regular, pois impedem que esses alunos possam continuar recebendo adequada educação, compatível com os conhecimentos adquiridos no CBI, conforme lhes garante o Estatuto da Criança e do Adolescente e a própria Constituição federal, com sérios e irreparáveis prejuízos no aprendizado. Pediu liminar para que as crianças iniciem o ano letivo de 1998 freqüentando a segunda série, ou ciclo básico em continuação, na escola estadual; e que a final a ação seja julgada procedente, para efetivar definitivamente a matrícula no referido curso.

 

            A requerida foi intimada para manifestação preliminar, opondo-se à concessão da liminar. A liminar foi concedida e cumprida.

            A Fazenda Pública contestou, pedindo a improcedência da ação. Diz que os fatos ocorreram por pressa dos pais, que têm interesse que seus filhos logo se tornem adultos economicamente viáveis, e a municipalidade acabou criando curso de ensino fundamental a nível municipal; em decorrência, os estabelecimentos estaduais passaram a oferecer toda a infra-estrutura de que dispunha, mas isso não significa que o governo estadual assumiu qualquer responsabilidade para com os pais dos educandos ou mesmo abriu mão de cumprir suas leis e regulamentos, que só admitem alunos após terem completo os sete anos; que o Estado não pode assumir responsabilidade que compete ao município, que a final acabou desistindo de implantar o curso fundamental; que está havendo preocupação de tornarem as crianças superdotadas, em prejuízo das atividades próprias de suas idades, formando-se adultos cansados.

 

            Nova manifestação do Ministério Público, reiterando sua pretensão inicial.

 

            II – Fundamentação

 

            A ação comporta julgamento antecipado, pois desnecessária a produção de outras provas.

            A Constituição federal, especialmente nos seus artigos 206 e 208, estabelece como dever do Estado garantir o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, competindo-lhe inclusive zelar pela freqüência à escola dos educandos.

            Igualmente é dever do Estado, como dispõe o inciso IV do artigo 208, o atendimento em creche e  pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.

            Portanto, a Carta Magna de 1988 garantiu às crianças, desde a mais tenra idade, o direito de ter atendimento educacional, seja na pré-infância, em que se desenvolvem as capacidades motoras e outras habilidades básicas, ou no ensino fundamental propriamente dito, que trata do aprendizado das letras, das artes e das ciências.

            As peculiaridades do caso indicam que as crianças apontadas na inicial estariam sendo prejudicadas nesse direito ao ensino fundamental, se não fossem amparadas pela liminar aqui concedida.

            Não cabe nem discutir qual o ensino adequado para cada faixa etária ou se os filhos de um modo geral estão sendo forçados pelos pais no seu desenvolvimento.

            Vale, sim, analisar o desencadear de ações do Município e, principalmente, dos órgãos da requerida, que ensejaram uma situação para as crianças, cuja reversão implicaria em prejuízo, se não fosse sustada a tempo.

            As crianças foram inscritas na 1ª série do ensino fundamental, denominado Curso Básico Inicial.

            Os professores eram pagos pelo Município, mas eram do Estado a escola, o plano de ensino e a supervisão.

            As crianças receberam identidade escolar, com registro próprio feito pelo Estado e pela EMPG Octaviano José Corrêa, única escola estadual de Flórida Paulista.

            Depois de terem recebido todo o aprendizado próprio do CBI, as crianças foram avaliadas em formulário impresso do Estado, conforme documentos juntados aos autos, sendo consideradas aptas a continuar no Curso Básico.

            Se o Estado entende que a Educação é coisa séria e que as crianças são forçadas no seu desenvolvimento, como se afirmou na contestação, não poderia ter sido conivente com a situação iniciada pelo Município de Flórida Paulista, mas sem dúvida só concretizada pela cooperação direta e fundamental dos órgãos estaduais, e que lhe deu a aparência de legalidade.

            Possivelmente se confiou que o Município, logo no ano seguinte, fosse aderir ao programa estatal de municipalização do ensino, o que acabou não acontecendo (fls. 429).

            Mas as crianças  não têm culpa dos erros cometidos pelos adultos profissionais da educação. Se a situação não era legal ou regular, não poderia ser admitida.

            Mas depois de tudo concretizado, impedir que as crianças tenham a continuidade regular do aprendizado, obrigando-as a retornar ao mesmo conteúdo já assimilado, seria evidente prejuízo à formação da personalidade e da própria maturidade intelectual.

            Diante disso, as regras da Resolução da Secretaria da Educação, diante das peculiaridades da situação, não poderiam ser óbice a que as crianças fossem matriculadas no Curso Básico em Continuação.

 

            III – Dispositivo

 

            Pelos fundamentos expostos, JULGO PROCEDENTE a presente ação civil pública e, tornando definitiva a liminar, CONDENO a requerida a efetivar a matrícula das crianças relacionadas na inicial no CURSO BÁSICO EM CONTINUIDADE (2ª série), da Escola Estadual de Primeiro Grau “Octaviano José Corrêa”, considerando, por conseqüência, regular o curso e o aproveitamento que tiveram no Curso Básico Inicial na referida escola e garantindo-lhes o direito de prosseguir no Curso Básico em Continuidade, consoante seu aproveitamento, devendo fazer todos os registros e anotações nos órgãos competentes.

 

            Recorro de ofício ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Câmara Especial.

            P.R.I.

            Adamantina, 31 de julho de 1998.

 

DONIZETI APARECIDO PINHEIRO DA SILVEIRA

Juiz de Direito