A PROTEÇÃO TRABALHISTA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE:
FUNDAMENTOS E NORMAS CONSTITUCIONAIS
Xisto Tiago de Medeiros Neto
Procurador
Regional do Trabalho, RN.
Sumário:
I – Considerações básicas
II –Aspectos relevantes da proteção
constitucional;
III – Disposições constitucionais específicas
no campo trabalhista:
III.1 – O artigo 7º, inciso XXXIII;
III.2 – O artigo 227, § 3º, incisos I, II e III;
IV – Conclusão.
A
afirmação da dignidade do ser humano -
nas múltiplas fases e projeções da sua vivência - é fruto de lento e penoso processo de
conquistas históricas, permeado por avanços e retrocessos. Essa evolução
gradual, para a qual contribuíram, de maneira decisiva, diversificados fatores
(políticos, econômicos, sociais, filosóficos, morais e até religiosos),
resultou na consagração da doutrina dos direitos humanos fundamentais,
compreendidos como “o conjunto de
faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as
exigências da dignidade, liberdade e igualdade humanas,
as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos em
nível nacional e internacional”.(1)
Diversos
documentos políticos e declarações de direitos, produzidos ao longo da
história, revelam a luta pelo respeito ao ser humano, como indivíduo, nas
perspectivas pessoal e social, tendo por fundamento a sua plena e inalienável
dignidade, independentemente da etapa de seu desenvolvimento físico.
O
movimento de proclamação e busca de efetivação dos direitos fundamentais deu-se
no rumo de sua universalização, diante da crescente generalização ou
internacionalização, e da sua multiplicação ou especificação quanto ao gênero
(homem e mulher), às fases da vida (infância, velhice, homem adulto), aos
estados normais e excepcionais na existência humana (doentes, deficientes,
doentes mentais).(2)
No
que diz respeito, propriamente, aos direitos da criança e do adolescente,
observa-se que se encontram especificados e reconhecidos em vários instrumentos
internacionais e em normas de alçada constitucional e infraconstitucional,
integrando inequivocamente o elenco dos direitos fundamentais do
homem, resultado desse processo de valorização no sentido universal e
particularizado da sua dignidade.(3)
A especial e impostergável proteção
destinada aos direitos da criança e do adolescente sedimentou-se no século XX, com a força da
proclamação da sua essencialidade. Foi este último século, nas palavras de
Maria Luíza Marcílio, o século da descoberta,
valorização, defesa e proteção da criança, em que se formulam os seus direitos
básicos, reconhecendo-se, com eles, que a criança é um ser humano especial, com
características específicas, e que tem direitos próprios, sendo neste mesmo
século que os avanços da Medicina, das ciências jurídicas, das ciências
pedagógicas e psicológicas, descobrem a especificidade da criança e a
necessidade de formular seus direitos, que passam a ser tidos
como especiais. (4)
No
campo laboral, há de ser ressaltado que a era moderna
espelhou a cruel realidade da livre exploração do trabalho infanto-juvenil,
acentuada ao longo da Revolução Industrial, em pleno regime liberal,
constituindo triste capítulo da história da humanidade. O incremento do labor
infantil foi marcante, com a desconsideração absoluta da condição peculiar das
crianças e da natureza do serviço a que se obrigavam, ante a visão do
empregador focada primacialmente para a obtenção de
lucro máximo, o que era estimulado com o barateamento da mão-de-obra e a
docilidade e incapacidade reivindicativa dos menores de idade. Vivenciou-se o flagrante desrespeito aos mais fundamentais
direitos humanos inerentes às crianças e adolescentes, em relação à sua vida,
liberdade, saúde, assistência, educação e segurança.
Na
Inglaterra, por exemplo, deu-se em grande escala a utilização de crianças nas
atividades de mineração, exigindo-se jornadas de trabalho de até dezoito horas
diárias. A necessidade de coibir abuso de tal natureza gerou, naquele país, a
primeira lei de tutela trabalhista no mundo, exatamente na área da proteção às
crianças: o Act for preservation
of health and moral aprentices employed in cotton and others
mills, de 1802, expedido pelo Ministro Robert
Peel, constituindo a primeira norma positiva que corresponde
à idéia contemporânea do Direito do Trabalho, e que fixou em 12 anos a jornada laboral do menor de idade. (5)
Assistiu-se,
em seguida, no plano mundial, à evolução de uma linha legislativa direcionada à
criação de normas de proteção ao trabalho de crianças e adolescentes, que
vieram, posteriormente, a obter status
constitucional na maioria dos ordenamentos jurídicos - como se deu no Brasil -, integrando o rol
dos direitos e garantias fundamentais, principalmente a partir do movimento
denominado de “constitucionalismo social”.(6)
Some-se
a isso, a produção de uma série de documentos de âmbito supra-estatal, fruto da
atuação de organismos internacionais, na busca de incrementar e uniformizar a
tutela ao trabalho de crianças e adolescentes, do que são exemplo maior as
Convenções e Recomendações adotadas pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a partir de 1919, e, posteriormente, pela Organização das Nações Unidas
(ONU).
Nesse
passo, ganhou força e aceitação a nova perspectiva descortinada pela doutrina
sócio-jurídica da proteção integral, sob a consideração de que a criança e o
adolescente “têm direito a uma proteção especial ao seu desenvolvimento físico,
mental, espiritual e social, por meio de uma forma de vida saudável e normal e em
condições de liberdade e dignidade”.(7)
Afirma-se,
pois, que o ordenamento jurídico brasileiro de proteção trabalhista às crianças e aos adolescentes encontra
fundamento na proclamação e efetivação dos direitos humanos fundamentais,
garantidos por instrumentos internacionais (Declarações, Convenções, Tratados e
Recomendações) e pela nossa Carta Magna,
seqüenciando-se com a legislação infraconstitucional,
a exemplo da Consolidação das Leis do Trabalho e do Estatuto da Criança e do
Adolescente. É necessário registrar, outrossim, que esse
conjunto normativo, harmônico e integrado, compõe-se de regras de ordem
pública, de natureza imperativa.
Em
resumida - porém necessária - visão histórica, registre-se, inicialmente,
que não se encontra, na Constituição do Império de 1824, e na primeira
Constituição Republicana de 1891, nenhuma referência protecionista à criança. É
na Constituição de 1934 que, de forma inovadora, inseriu-se preceito de
proteção à criança, com a fixação da idade mínima para o trabalho aos 14 anos.
Estatuiu, nesse sentido, o seu artigo 121, alínea “d”, a “proibição de trabalho a menores de quatorze anos, de trabalho noturno a
menores de dezesseis; e em indústrias insalubres, a menores de dezoito anos e a
mulheres”.
A
Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, estabelece como competência
privativa da União legislar sobre normas de defesa e proteção da saúde,
inclusive das crianças, dispondo em seu artigo 137, alínea “k”, sobre a vedação do “trabalho
de menores de quatorze anos; de trabalho noturno a menores de dezesseis e, em
indústrias insalubres, a menores de dezoito anos e a mulheres”.
Na
Constituição democrática de 1946 reitera-se o limite de idade mínima de 14 anos
para o labor e veda-se o trabalho de menores de 18 anos em indústrias
insalubres e em trabalhos noturnos. A disposição do artigo 157, inciso IX,
proibia o “trabalho de menores de
quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e menores de dezoito anos;
e de trabalho noturno, a menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer
caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo juiz
competente”.
Nas
Cartas Políticas de 1967 e 1969, a idade mínima é estabelecida em 12 anos,
considerando-se retrocesso em termos de proteção, à luz das Convenções
Internacionais existentes. Da primeira, colhe-se a redação do artigo 158, X, no
sentido da “proibição de trabalho a
menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, em indústrias
insalubres a estes e às mulheres”.
Enfim,
a Carta Magna de 1988, em sintonia com o pensamento moderno no campo da
garantia dos direitos humanos fundamentais (individuais e sociais) pertinentes
à criança e ao adolescente, acolhe a doutrina sócio-jurídica da proteção
integral, do que é expressão o artigo 227
- fruto de emenda popular subscrita por um milhão e meio de cidadãos - ,
além de fonte inspiradora para a norma insculpida no
artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90):
“A
criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade”.
A
criança e o adolescente, considerados, assim, cidadãos plenos, portadores da
condição peculiar de pessoas em desenvolvimento(8) - e
não adultos em miniatura ou pessoas incompletas -, alçam-se à condição de
sujeitos de direitos(9), não sendo mais visualizados como meros objetos de
direitos. Fez-se ruir, assim, a vetusta doutrina assistencialista que embasou
os Códigos de Menores de 1927 e 1979.(10) Como acentua, Josiane
Rose Petry Veronese, é
clara a mudança do paradigma “do direito tutelar,
caracterizador da ‘doutrina da situação irregular’, para um direito protetor-responsabilizador, da ‘doutrina da proteção
integral’. (11)
Cumpre
destacar, nesse passo, que a Constituição vigente, ao proclamar em seu art. 1º
que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de
Direito, elege entre os seus fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa
humana e o valor
social do trabalho, cuja efetivação passa a ser o pilar essencial de
todas as ações empreendidas pelo organismo estatal, principalmente as de índole
legislativa pertinentes à tutela
trabalhista da criança e ao adolescente. Importante realçar que, para os
efeitos da proteção legal, no âmbito da legislação brasileira, considera-se
criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e
adolescente a pessoa entre 12 e 18 anos.(12)
Evidencia-se,
também, que os direitos sociais básicos albergados no texto constitucional
integram o elenco dos direitos fundamentais (Título II), assinalando o artigo
6º da Norma Maior que “são direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
E mais: o elenco das normas fundamentais
de proteção à criança e ao adolescente é aberto, possibilitando a incorporação
de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados
pela própria Constituição da República, ou, ainda, dos tratados (lato sensu)
internacionais em que o país seja parte (art. 5º, § 1º). Nessa esteira, merecem
referência:
a)
a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924, considerada a
primeira iniciativa de abrangência mundial em favor dos direitos da criança e
do adolescente;
b)
a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada em 1959 pela ONU, tida
como instrumento da maior relevância para a internacionalização e adoção dos
princípios básicos de tutela, dentre os quais cumpre destacar a proibição de
empregar a criança e o adolescente
antes da idade mínima conveniente (art. 9º);
c)
a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela ONU, com vigência em
1990, constituindo marco da consagração da doutrina da proteção integral e da prioridade absoluta aos direitos da
criança, além do fundamento positivado para o respeito aos
seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. A sua
ratificação pelo Brasil deu-se em 24.09.90, sendo aprovada pelo Congresso
Nacional (Decreto-Legislativo nº 28, de 14.09.90) e promulgada pelo Decreto nº
99.710, de 21.11.90;
d)
a Convenção nº 138 e a Recomendação nº 146, adotadas no âmbito da OIT, versando
sobre a idade mínima de admissão ao emprego, tendo sido aprovadas, no Brasil,
pelo Decreto-Legislativo nº 179, de 14.12.99, e promulgadas pelo Decreto nº
4.134, de 15.02.2002;
e)
a Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190, também oriundas da OIT, tratando
sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para
sua eliminação, aprovadas, em nosso país, pelo Decreto-Legislativo nº 178, de
14.12.99, e promulgadas pelo Decreto nº 3.597, de 12.09.2000.
Com
efeito, integrante do elenco dos direitos sociais, a proteção à infância e à adolescência
encontra na disposição constitucional do art. 227 a máxima expressão do seu
valor, verdadeiro tributo à doutrina da proteção integral antes mencionada:
“Art.
227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão”.
Vê-se,
também, que o legislador constituinte, na área da assistência social, elegeu como um dos seus
objetivos a proteção à infância e à adolescência, ao lado da promoção da
integração ao mercado de trabalho, segundo se observa do artigo 203, incisos I
e III da Carta Política. Igualmente é nítida a linha principiológica
abraçada pelo ordenamento jurídico pátrio, no rumo de incentivar e garantir,
com prioridade, a formação educacional
básica e profissional da criança e do adolescente (arts.
205, 208, 212 e 214 da CF). Disso sempre decorrerá a primazia do estímulo à
educação em relação à ocorrência do trabalho, preservando-se, porém, mecanismos
próprios de compatibilização e adequação entre esses
direitos, em sistema de valorização recíproca.
Frise-se,
enfim, que a proteção de cunho
trabalhista dispensada à criança e ao adolescente, a partir da sua nascente
constitucional, justifica-se por razões de ordem:
(a)
fisiológica: porque inadmissível a sua exposição a trabalho extraordinário, noturno, perigoso, insalubre e penoso, ante os comprometimentos
irreversíveis à saúde física e mental e os riscos acentuados dos acidentes de
trabalho, à vista da condição
peculiar de pessoas em desenvolvimento;
(b) moral e psíquica: diante da gravidade de
submetê-los a quaisquer atividades ou ambientes prejudiciais à moralidade ou
sujeitá-los a determinadas tarefas cujas informações e conhecimentos adquiridos
venham a ser capazes de comprometer a sua formação;
(c) econômica: considerando-se que a ocupação de
postos de trabalho próprios dos adultos, além de possibilitar o incremento da
informalidade e da fraude, representa distorção e dano social a atingir a
escala de desemprego;
(d)
cultural: tendo-se em conta ser prioritário propiciar-se a aquisição de
instrução, capacitação e qualificação para o ingresso no exigente mercado de
trabalho; e
(e)
jurídica: em face da sua vulnerabilidade diante da não compreensão plena dos
termos do contrato e da incapacidade para valoração das condições que lhes são postas ou exigidas.
O
limite mínimo constitucional para o trabalho, fixado em 14 anos no texto de
1988 -com ressalva à condição de aprendiz a partir dos 12 anos- sofreu alteração com a aprovação da Emenda
Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que deu nova redação ao artigo 7º, inciso XXXIII (segunda parte), da Carta Magna,
estabelecendo a proibição de “qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir
de quatorze anos”. (13)
Tem-se,
portanto, na atualidade, que os menores de 16 anos são absolutamente incapazes
no âmbito contratual trabalhista, sendo-lhes vedada a
realização de qualquer trabalho, salvo se configurada a aprendizagem, a partir
dos 14 anos, quando a incapacidade é considerada apenas relativa, situação que
se estende até a idade dos 18 anos, marco da aquisição da capacidade plena.
A
adequada interpretação do mencionado preceito constitucional (art.7º, XXXIII)
conduz ao entendimento de que a proibição a qualquer trabalho a menores de
dezesseis anos, de acordo com a
própria expressão gramatical, estende-se a todo o tipo de labor, não se
restringindo ao trabalho subordinado, uma vez que a proteção almejada é ampla,
compreendendo todos os aspectos da vida da criança e do adolescente (pessoal,
familiar e social). Defende-se o acerto desse entendimento, principalmente sob
o ângulo de uma interpretação sistemática e à luz do princípio da proteção
integral à criança e ao adolescente. Se diversa fosse a intenção do legislador,
argumenta-se, ter-se-ia utilizado, certamente, a expressão “proibição a
qualquer emprego”.
A
fixação da nova idade básica para o trabalho
- independentemente dos fundamentos motivadores para a sua adoção ou da
crítica que lhe seja endereçada, à vista da realidade brasileira - , deve ser
entendida, em última análise, como iniciativa de natureza protetiva
ao adolescente e à criança, constituindo parte integrante do conjunto de ações
e compromissos político-jurídicos, de tendência
mundial, que visam a propiciar, de um lado, maior espaço e incentivo à educação
fundamental, e, de outro, meios e condições mais hábeis à formação e
qualificação profissional.
Saliente-se,
outrossim, que em caso de exploração e utilização ilegal do trabalho de menores
com idade inferior a 16 anos - incluídas
as hipóteses de fraude e desvirtuamento do estágio profissionalizante -, não
obstante o caráter irregular que macula a contratação, garante-se-lhes
a percepção de todos os direitos trabalhistas (contratuais e rescisórios), em
face da tutela dispensada e considerando a impossibilidade de se repor as energias despendidas; sem prejuízo, ainda, da indenização
cabível em face da ocorrência de danos materiais e morais. O contrato, pois,
apesar de nulo, gerou efeitos, inviabilizando devolver-se o menor trabalhador
ao status quo
ante. Não fosse assim, em detrimento da criança e do adolescente objeto da
proteção pela norma proibitiva, restaria premiado o tomador do serviço que agiu
ilicitamente, hipótese tipificadora de odioso
enriquecimento sem causa.
A
jurisprudência, sobre esse ponto, tem proclamado firme e pacificamente:
“Seria incompatível com os princípios da primazia da realidade e da
proteção negar, por completo, eficácia jurídica ao contrato celebrado entre as
Partes, em razão da menoridade do Reclamante.
(...)
Assim, o empregador que se beneficia dos serviços prestados
pelo empregado menor deve arcar com os encargos correspondentes ao contrato de
trabalho.”
(3ª T – Proc.
TST-RR-449.878/98.5, Rel. Ministra Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi,
03.04.2002)
“A limitação de idade é imposta em benefício do menor e não em
seu prejuízo, razão pela qual o período de trabalho prestado antes dos 14
(quatorze) anos deverá ser computado como tempo de serviço para fins
previdenciários”.
(Recurso Especial nº 356.459-RS, 6ª T, Rel. Ministro Fernando Gonçalves,
DJU
24.06.2002)
E, em sede doutrinária, reina também o consenso quanto ao
entendimento exposto, segundo se observa do magistério de Sérgio Pinto Martins:
“Caso o menor venha a trabalhar com menos de 16 anos, mediante
subordinação e os demais requisitos do vínculo empregatício, deverá receber
remuneração pelo serviço prestado, sob
pena de enriquecimento ilícito do empregador em detrimento do empregado, além
de ser reconhecido o contrato de trabalho entre as partes.
(...)
Assim, trabalhando o menor com menos de 16 anos, deve ser
reconhecido o vínculo de emprego, pois a garantia prevista constitucionalmente
não pode ser contra ele interpretada, ou em seu detrimento.”
(Direito do Trabalho, 14ª ed., Atlas, 2001, p. 543).
Além do limite de idade para o labor,
constante da segunda parte do inciso XXXIII do artigo 7º da Lei Maior, fixa-se também,
no início deste dispositivo, a proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito anos.
É evidente que a condição especial da criança e
do adolescente -considerados pessoas em
desenvolvimento às quais se confere proteção integral- torna imperativo o
resguardo absoluto à sua saúde física e mental, em relação à atividade laboral.
Sendo
assim, fácil é ver, em primeiro, que a realização de trabalho em jornada
noturna(14) é fator cientificamente comprovado de
maior desgaste e comprometimento físico e psíquico do trabalhador, em face da
inversão do relógio biológico, razão por que se impede que o adolescente com
idade inferior a 18 anos submeta-se a essa condição potencialmente danosa.
Em segundo, quanto à proibição de
trabalho em atividades insalubres e perigosas, mais ainda revela-se como
pertinente e imperioso o dispositivo em tela. Seria em qualquer hipótese
inadmissível sujeitar-se a saúde e a integridade de crianças e adolescentes a
trabalhos que, por sua natureza, condições ou métodos, viessem a expô-los a
agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância
fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição
aos seus efeitos (como é o caso da atividade ou operação insalubre), ou àquelas
que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente
com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado (o que ocorre com
as atividades ou operações perigosas). Bem se sabe que, mesmo os adultos, cuja
formação físico-psíquica já é definida, quando submetidos continuamente a tais
atividades, em regra, são vítimas de algum tipo de dano ou prejuízo à saúde,
não raro resultando em seqüelas comprometedoras da sua higidez. A contundência
relativa à vedação ao menor de 18 anos de trabalhar nas condições descritas
atende ao imperativo maior da preservação da sua dignidade.
Saliente-se,
em arremate, que, à vista da norma constitucional do art. 227, caput, é igualmente vedado qualquer
outro trabalho que caracterize situação de risco à integridade física, moral e
psíquica do adolescente com idade inferior a 18 anos.
III.2. – O artigo 227, § 3º,
incisos I, II e III
O
art. 227, § 3º, incisos I, II e III da
Constituição Federal, afirmando o direito da criança e do adolescente à
proteção especial, dispõe sobre a sua abrangência, com destaque para o
seguinte:
(I)
idade mínima de
dezesseis anos para admissão ao trabalho (ressalvando-se
o contratação de aprendiz, a partir dos 14 anos,
conforme dispôs a Emenda Constitucional nº 20/98);
(II) garantia
de direitos previdenciários e trabalhistas;
(III) garantia
de acesso do trabalhador adolescente à escola.
Quanto à idade mínima para o trabalho (inciso I), reitere-se a abordagem
efetuada linhas atrás. No tocante ao segundo ponto (inciso II), exalta-se que a relação de trabalho do adolescente, em
face da proteção especial, implicará a asseguração de direitos trabalhistas e previdenciários. É de
se indagar, diante da literalidade do preceito, se esta garantia abrangerá, em
todos os casos, a plenitude dos
direitos ou estender-se-á a apenas alguns,
ou, ainda, se os conferirá em proporção
reduzida. Não é tarefa das mais fáceis interpretar tal disposição quando se
visualiza a sua grande pertinência, por exemplo, no que respeita ao trabalho
educativo previsto no artigo 68 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda
pendente de regulamentação por lei específica, cujo menor ou maior estímulo e
adoção variará, certamente, de acordo com a exigência integral ou parcial dos
direitos sociais e dos encargos incidentes.
Por
derradeiro, em relação ao terceiro ponto (inciso
III), atinente à garantia de acesso
do trabalhador adolescente à escola, revela-se, aqui, a linha programática e de ação,
constitucionalmente adotada, no escopo de se dar prioridade à educação
respeitante ao menor de 18 anos, seja em relação ao ingresso escolar ou à sua
continuidade. Assim, deve-se garantir ao adolescente primazia para o acesso à escola
no desempenho da sua atividade laboral, o que implica
a necessidade de compatibilização e até flexibilidade
da jornada de trabalho a ser cumprida.
Numa
visão geral, pontua-se que, em nosso país, a base constitucional das normas de proteção
trabalhista à criança e ao adolescente:
a) compõe-se de regras imperativas,
alinhadas no rol dos direitos fundamentais;
b) adota, em plenitude, o princípio da proteção
integral, considerando a condição peculiar das crianças e adolescentes como pessoas
em desenvolvimento;
c) estabelece, por conseqüência, como regras essenciais, a vedação de qualquer trabalho em idade inferior
a 16 anos, salvo a partir dos 14, na condição de aprendiz, além da
proibição para o trabalho noturno, insalubre, perigoso ou desenvolvido em
situação de risco à integridade física, moral e psíquica;
d) guarda integração e harmonia com as
normas oriundas de tratados (lato sensu) internacionais;
e) garante àqueles que se encontram na faixa
etária permitida para o labor a percepção dos direitos trabalhistas e
previdenciários; e
f)
prioriza
o acesso à educação fundamental e à formação, principalmente a
profissional.
NOTAS
1- LUÑO, Antonio Enrique Pérez, Los Derechos Fundamentales. Temas Clave
de la Constitucion Española, colecciõn
dirigida por Pedro de Veja. 6. ed. Madrid: Tecnos.
2-
Cf. BOBBIO,
Norberto.
A era
dos Direitos, Rio de Janeiro: Campos, 1992
p. 62-63.
3- Em estudo sobre o tema, anota KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA que “parece um paradoxo pretender lutar para
dar às crianças o direito de ser criança, mas se observarmos
com atenção a história da humanidade, vamos concluir que todas as lutas
pelos direitos humanos tinham como objetivo precípuo dar ao homem o direito de
ser humano em sua integralidade. (...) O Professor Willis
Guerra Filho, da Universidade Federal do Ceará, expõe com clareza a relevância
dos princípios fundamentais como patamar mais elevado de uma Constituição, o
que torna possível absorver o direito à infância como direito intangível, por
ser parte integrante da conquista da dignidade humana”. (A Exploração do
Trabalho de Crianças no Brasil, São Luís, 1997, monografia apresentada no curso
de mestrado em Direito da UFC, publicada com o apoio do TRT 16ª Região, p. 24-25).
4-
A Construção dos
Direitos da Criança Brasileira. In: Cultura
dos Direitos Humanos. MARCÍLIO,
Maria Luíza; PUSSOLI, Lafaiete (coord.). São
Paulo: LTr p. 77.
5-
Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito do Trabalho, 2. ed., atual., São
Paulo: LTr, 1976, p. 590.
6-
Realça CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE que “não
é incorreto dizer que os direitos sociais surgem a partir do movimento
denominado ‘Constitucionalismo Social’,
que teve, por escopo, aprioristicamente, a inserção
de direitos trabalhistas e previdenciários nas Constituições. Ao lado dos
direitos individuais, cuja característica principal reside na imposição de um
não-fazer ou uma abstenção do Estado, as Constituições mais recentes impõem aos
órgãos estatais uma conduta positiva, um dever de assegurar aos indivíduos
prestações positivas, visando ao seu bem-estar e ao pleno desenvolvimento da
personalidade humana”. (Constituição e Direitos Sociais dos Trabalhadores. São
Paulo: LTr, 1997, p. 14).
7-
Esse princípio basilar
foi consagrado pela Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela
Resolução L.44 (XLIV), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro
de 1989, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990.
8-
ANTONIO CARLOS GOMES DA COSTA, em brilhante síntese, aduz que “o conceito de pessoa em
condição peculiar de desenvolvimento complementa de forma magnífica a concepção
de sujeito de direitos. Reconhece-se, mediante este conceito, que as crianças e
adolescentes são detentoras de todos os direitos que têm os adultos e que sejam
aplicáveis à sua idade. Além disso, são reconhecidos os seus direitos
especiais, decorrentes do fato de que, face à peculiaridade natural do seu
processo de desenvolvimento, não conhecem suficientemente tais direitos, não
estão em condições de exigi-los do mundo adulto e não são capazes, ainda, de
prover por si mesmo suas necessidades básicas sem prejuízo do seu
desenvolvimento pessoal e social”. (O Novo Direito da Infância e da Juventude
do Brasil: 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - avaliando
Conquistas e Projetando Metas, UNICEF, Brasil, Caderno 1, p. 11).
9-
Anotam MÔNICA SILVA FERREIRA e PATRÍCIA ANIDO NORONHA que “esta concepção
reconhece a criança enquanto cidadã, conferindo-lhe todos os direitos
necessários para uma evolução peculiar às suas necessidades, como o direito ao
respeito, à dignidade e à liberdade, dados que devem ser levados em conta no
processo de assistência e proteção da mesma e que confere a outros, além do
Juiz, o poder de buscar a garantia desses direitos.” E arrematam salientando que “esta concepção
da criança enquanto sujeito de direitos já era pleiteada
por alguns juristas (...) Tem como significado o atendimento da criança
enquanto cidadã, não podendo mais ser
tratada como objeto passivo da intervenção da família, da sociedade e do Estado
(Costa, 1992, p. 14) . O fato de ser considerada pessoa em condição
peculiar de desenvolvimento tem relação com os direitos que as crianças e os
adolescentes devem ter como os direcionados aos adultos e presentes na
formulação dos direitos humanos, somados aos que estejam de acordo com sua
idade, necessidade e interesse, tendo ainda prioridade absoluta em quaisquer
ações sociais”. (As legislações que tutelaram a
infância e a juventude no Brasil.
Infância Tutelada e Educação: História, Política e Legislação. BAZÍLIO, Luiz Cavalieri, EARP, Maria de Lourdes Sá, NORONHA, Patrícia Anido (org.), Rio de Janeiro: Ravil,
1998, p. 151 e 154).
10- TÂNIA DA SILVA PEREIRA observa, com
pertinência, que “o Código de Menores de 1979 (Lei nº 6.697, de 10 de outubro
de 1979) adotou a Doutrina da Proteção
ao Menor em Situação Irregular, que abrange os casos de abandono, a prática
da infração penal, desvio de conduta, falta de assistência ou representação
legal; enfim, a lei de menores era instrumento de controle social da infância e
do adolescente, vítimas de omissões da família, da sociedade e do Estado em
seus direitos básicos.” (Apud FERREIRA, Mônica Silva, NORONHA, Patrícia Anido. As
legislações..., p. 149).
11- Temas de Direito da Criança e do Adolescente. São Paulo: LTr, 1997, p. 9.
12- A distinção foi explicitada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8.069, de 13.07.1990). A Convenção dos Direitos da Criança,
adotada pelas Nações Unidas em 20.09.89, em seu art. 1º, considera criança todo
ser humano com menos de 18 anos, assim também o fazendo a Convenção nº 182 da
OIT, em seu artigo 2º.
13- Em documento oficial do Governo Federal, consigna-se que “a legislação brasileira
relativa à regulamentação do trabalho infantil remonta ao ano de 1891, quando o
Decreto 1.313 definia que os menores do sexo feminino, com idade entre 12 e 15
anos e os do sexo masculino, na faixa entre 12 e 14 anos, teriam uma jornada
diária máxima de 7 horas e fixava uma jornada de 9 horas para os meninos de 14
a 15 anos de idade. Até o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
em 1943, vários dispositivos regularam a idade mínima para o trabalho,
destacando-se o Primeiro Código de Menores da América Latina, de 1927, que
vedava o trabalho infantil aos 12 anos de idade e proibia o trabalho noturno
aos menores de 18 anos. A CLT tratou da matéria de forma abrangente, definindo
a idade mínima em 12 anos e estabelecendo as condições permitidas para a
realização do trabalho”. (Trabalho
Infantil no Brasil: Questões e Políticas. Brasília: Presidência da República,
1998, p. 41).
14- Para os trabalhadores urbanos, considerada aquela realizada
entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia
seguinte, conforme dicção do artigo 73, § 2º; para os trabalhadores rurais,
entre as 21 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte, se executado na
lavoura, e entre as 20 horas de um dia e as 4 horas do dia seguinte, se
executado na atividade pecuária, conforme a regra do artigo 7º da Lei nº 5.889,
de 08.06.73, denominada de Estatuto do Trabalhador Rural.
Procurador
Regional do Trabalho – RN.
Mestre e
Especialista em Direito pela UFRN.
Professor de
Direito Constitucional.