O PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

 


Ana Maria Moreira Marchesan
Promotora de Justiça no Rio Grande do Sul.

 


1. Introdução


Nossa vivência profissional de mais de cinco anos em Promotorias com atribuições voltadas às questões afetas à infanto-adolescência, tendo como suporte jurídico basilar o Estatuto da Criança e do Adolescente (L. n.º 8.069/90), tem nos despertado diversas indagações que desembocam na seguinte pergunta: como tornar reais os direitos consagrados, à exaustão, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirados pela Constituição-Cidadã de 1988 ?


Se é certo que o art. 227 da CF decorreu de uma imensa pressão popular que guindou o princípio da prioridade absoluta à hierarquia de norma constitucional, "lex superior", não é menos certo que a norma infraconstitucional que se lhe seguiu - o ECA - objetivou, através de uma série de preceitos ousados para nossa sociedade marcada por desigualdades e injustiças sociais, criar uma tensão entre a norma e a realidade, de tal sorte que, através de diversos mecanismos, notadamente os de participação popular, fosse possível forjar um avanço no tecido social.


Dentre esses mecanismos, sobressai o da ação civil pública para tutela dos bens-interesses contemplados pela Carta Magna e pelo ECA, para cuja propositura estão legitimados, concorrentemente, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, os Territórios, o Distrito Federal e as associações legalmente constituídas, há pelo menos um ano, e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo ECA .


Ocorre que a força vanguardeira que inspirou o art. 227 da CF e o Estatuto da Criança e do Adolescente e, de forma muito nítida, vem alimentando iniciativas do Ministério Público - especialmente o de primeiro grau - nessa seara, perde terreno quando essas demandas, de solução conturbada, desembocam nos tribunais.


Avaliando uma série de acórdãos sobre o tema - que ainda são poucos face à recenticidade dos dispositivos legais neles debatidos -, concluímos que o principal argumento para o não-acolhimento da pretensão deduzida em juízo decorre, direta ou indiretamente , do chamado " poder discricionário" do Administrador Público.


Nesses arestos, o Judiciário acaba por concluir não lhe ser possível, sob pena de se imiscuir na esfera de atribuições de outro Poder, condenar o Poder Executivo numa obrigação de fazer ou não-fazer (geralmente da primeira espécie), pena de ser vulnerado o postulado da discricionariedade administrativa.


Por entendermos que essa idéia não se coaduna com o espírito do Constituinte - que merece respeito - nem com o claramente vazado nas normas escritas por muitas e anônimas mãos aglutinadas na Lei nº 8.069/90 - é que resolvemos desenvolver o presente estudo, o qual se pretende seja INSTRUMENTAL, ou seja, ferramenta útil para todos aqueles que labutam na área da infância e juventude, principalmente direcionado aos que têm como compromisso pessoal forjar o avanço social, a partir de uma lei que pode ser adjetivada de revolucionária - O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.


Nosso estudo baseia-se na experiência forense, em diversos julgados pesquisados e na escassa monografia existente sobre o tema.


2. Evolução do conceito de discricionariedade administrativa


A idéia de um poder discricionário do qual são dotados os administradores da coisa pública nasce concomitantemente com a do Estado de Direito.


A Revolução Francesa de 1789, ao soterrar a monarquia, fez eclodir profundas mudanças em nível de infra e super-estrutura, numa linguagem marxista.


Na ordem jurídica, as alterações foram notórias, marcando a passagem do Estado de Polícia ou Absolutista - "L' Etat c'est moi" - para o Estado de Direito.


A concepção de Estado de Direito, gestada no início do Século XVIII e influenciada, decisivamente, por nomes como os de ROUSSEAU e de MONTESQUIEU [1], tem como aspecto nuclear a submissão do Executivo à lei. A legalidade cede ao arbítrio que imperava na estrutura monarco-despótica rompida pela burguesia emergente.


Para JEAN-JACQUES ROUSSEAU, o Estado é resultado de um acordo de vontades, de um contrato social, concluindo que apenas o Estado é fonte de Direito, sendo tal a legítima expressão da "volonté générale". Acreditava ele que a justificação do poder residiria na vontade direta dos vários indivíduos que compõem o todo social [2].


O pensamento de MONTESQUIEU, o qual deixou sua confortável posição na magistratura francesa para refletir sobre a acelerada evolução política de seu tempo, vem resumido em sua principal obra, O Espírito das Leis, na qual expressa, com a ironia que lhe é peculiar:


"A liberdade política somente existe nos governos moderados. Mas nem sempre ela existe nos governos moderados. Só existe quando não se abusa do poder, pois é uma experiência eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; e vai até onde encontra limites. Quem diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não possam abusar do poder, precisa que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder” [3].


É na França que o Direito Administrativo ganha foros de disciplina, inclusive a nível acadêmico, país pioneiro na formulação de seus princípios basilares, entre eles o do chamado "poder discricionário".


Com efeito, costuma-se dizer que a "Certidão de Nascimento" do Direito Administrativo está materializada numa lei francesa de 1800, conhecida por Lei de 28 de Pluvioso, ano VII (calendário da Revolução Francesa).


Sem embargo da pertinência desse marco, de inegável valia do ponto de vista da organização histórica dos acontecimentos, é mister salientar que a função administrativa sempre existiu, desde a Antigüidade, sem solução de continuidade, ao contrário das demais funções do Estado (Legislativa e Judicante), que sofreram algumas interrupções, principalmente em períodos de arbítrio e de hipertrofia do Executivo.


A escola de administrativistas franceses, que construiu o arcabouço doutrinário e principiológico sobre o qual nós, ainda hoje, comodamente trabalhamos [4], estruturou o conceito de discricionariedade administrativa em torno da idéia de PODER, colocando-a como atributo imprescindível ao seu exercício.


Nesse sentido, vale traduzir trecho da obra de MAURICE HAURIOU, vazado nos seguintes termos:


"A administração não é animada, naquilo que ela faz, por uma vontade interior, mas sim por vontade executiva livre submetida à lei como um poder exterior. Segue-se que, de um lado, nas matérias de sua competência, enquanto seu poder não está ligado por disposições legais, ele é inteiramente autônomo e, por outro lado, nas matérias em que seu poder parece ligado pela lei, ele se conforma sempre a uma certa escolha de meios que lhe permite conformar-se voluntariamente à lei. Esta faculdade de conformar-se voluntariamente à lei é tanto mais reservada à administração das leis quanto ela goza constitucionalmente de uma certa liberdade na escolha dos momentos e das circunstâncias em que assegura esta aplicação. Conforme este ponto de vista, convém mostrar novamente que o poder discricionário da administração consiste na faculdade de apreciar a 'oportunidade' que pode ter de tomar ou não tomar uma decisão executória, ou de não tomá-la imediatamente, mesmo que seja prescrita pela lei"
[5].


Do escrito por HAURIOU, no início do século, emerge a tônica da discricionariedade, segundo sua ótica: poder do administrador que, nas matérias de sua competência, não delimitadas pela lei, estaria livre para agir de acordo com critérios de conveniência e oportunidade.


FIORINI critica essa visão inicial do problema, por acabar deixando ao arbítrio do administrador (o que não se coaduna com o Estado de Direito) a forma de atuação quando a lei seja omissa quanto a ela.

 

São dele as seguintes palavras:


"Para a velha tese da legalidade, donde o poder administrador devia executar a lei, resultava difícil justificar a existência da denominada discricionariedade da administração pública. Esta se apresentava como um poder que tinha a administração quando a lei não havia disposto como devia atuar ante certas circunstâncias. Este reconhecimento da existência da discricionariedade administrativa era a falência do caráter absoluto da legalidade, que sustentava o dogma de que a administração só executava a lei. A falência se salvava distinguindo-se a discricionariedade como um poder dentro da administração, criador de normas particulares, que não tinham a consistência jurídica das que executava a administração" [6].


O mestre português André Gonçalves Pereira, após vaticinar contra aqueles que vêem no poder discricionário uma resultante da falta de disciplina legal, faz questão de distingui-lo do poder arbitrário, " in verbis":


"O poder discricionário não resulta da ausência de regulamentação legal de dada matéria, mas sim de uma forma possível de sua regulamentação: através de um poder, ou seja do estabelecimento por lei de uma competência, cuja suscetibilidade de produzir efeitos jurídicos compreende a de dar validade a uma decisão, a uma escolha, que decorre da vontade psicológica do agente. Discricionariedade e vinculação são assim formas diversas de regulamentação por lei de certa matéria; mas quando a lei não contemple determinada situação de vida, e não o integre pelo menos genericamente na sua previsão, nenhum poder tem em relação a ela o agente - e sustentar o contrário seria pôr em dúvida o valor do princípio da legalidade" [7].


MICHEL STASSINOPOULOS, citado pelo legendário THEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI [8], fez um apanhado das teorias acerca da natureza do ato discricionário que, no início do nosso século, encontravam guarida doutrinária. Dentre elas, destaca-se a encampada pelo próprio Stassinopoulos, segundo a qual a discricionariedade coincide com a determinação ou a capacidade de determinação do sentido de uma noção deixada imprecisa pela lei, havendo nisso a possibilidade de escolher, entre as diversas soluções, a melhor, ou a que for julgada melhor, por motivos de conveniência, de oportunidade, de interesse público.

 

Essa noção, a nosso ver superada pela melhor doutrina da atualidade (v.g. Celso Antônio Bandeira de Mello; Maria Silvia Z. Di Pietro; Diogo de Figueiredo Moreira Neto, dentre outros), ainda vem sendo reconhecida em diversos arestos de nossos tribunais, receosos de ousarem interferir no intangível "mérito" do ato administrativo.


Outra corrente, criticada pela sua falta de consistência científica (pois confunde a natureza do ato discricionário com uma de suas conseqüências), qualifica de discricionário o poder não sujeito ao controle jurisdicional (STASSINOPOULOS debita essa abordagem a LAUN, JELLINEK e GEGOTZ).


Essa teoria, a par de seu a-rigorismo técnico, também não mais encontra respaldo na doutrina hodierna, que vem paulatinamente admitindo serem todos os atos administrativos, mesmo os de cunho discricionário, sujeitos ao crivo do Poder Judiciário. Lamentavelmente, na jurisprudência, ainda há algum receio de invasão na esfera de atuação do Poder Executivo (v. RDA 89/134 e TJSP, REO 165.977), a despeito de ter nossa vigente Carta Magna ampliado a noção de universalidade da jurisdição: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"; (inc. XXXV do art. 5º), aderindo a uma verdadeira tendência mundial de abertura do Poder Judiciário [9].


A vigente Carta Magna avançou no tocante ao acesso à Justiça, pois, além de ter suprimido a expressão individual, o que franqueia a tutela dos interesses metaindividuais, acrescentou a expressão "ameaça a direito", se comparada com o art. 153, parág. 4º, da Emenda Constitucional nº 1/69.


Da ênfase que era dada à atividade discricionária enquanto vinculada à idéia de poder [10] [11], evoluiu-se, face ao fortalecimento do princípio da legalidade [12], para a idéia de poder-dever.


DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, comentando o assunto, conclui ser preferível conceber a discricionariedade administrativa como uma competência para definir, no caso, o interesse público, atribuindo-lhe a natureza jurídica de poder-dever [13].


Essa trajetória está associada ao acréscimo de funções sofrido pelo Estado, que passou a ser de cunho SOCIAL.

 

Consoante os adjetivos que as Constituições foram acrescentando à idéia de Estado, conclusão essa diagnosticada com precisão por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO [14], este passou de mero Estado de Direito para um Estado Social que, hoje, ainda se almeja seja DEMOCRÁTICO, atributo esse que virá a delimitar ainda mais a abrangência da discricionariedade administrativa .


Não por outra razão, a doutrina moderna passa a identificar a discricionariedade mais com a idéia de DEVER do que com a de PODER, acentuando sua condição de serviente, caracterizador de função pública.


Celso Antônio Bandeira de Mello [15] é categórico ao analisar:


"Na Ciência do Direito Administrativo, erradamente e até de modo paradoxal, quer-se articular os institutos do direito administrativo - inobstante ramo do direito público - em torno da idéia de poder, quando o correto seria articulá-los em torno da idéia de dever, de finalidade a ser cumprida. Em face da finalidade, alguém - a Administração Pública - está posta numa situação que os italianos chamam de doverosità, isto é, sujeição a esse dever de atingir a finalidade. Como não há outro meio para se atingir esta finalidade, para obter-se o cumprimento deste dever, senão irrogar a alguém certo poder instrumental, ancilar ao cumprimento do dever, surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. Mas é o dever que comanda toda a lógica do Direito Público. Assim, o dever assinalado pela lei, a finalidade nela estampada, propõem-se, para qualquer agente público, como um ímã, como uma força atrativa inexorável do ponto de vista jurídico”.


Outros doutrinadores pátrios 16, menos ousados que o mestre Celso Antônio, não chegam a situar a discricionariedade na pauta dos deveres, mas questionam o porquê da nomenclatura usualmente empregada - "poder discricionário" -, bem como apontam os diversos limites constitucionais e legais a esse poder, face à marcha dos acontecimentos históricos que têm levado a uma democratização do Estado de direito, com sua tendência, inexorável, de propiciar maior envolvimento direto do cidadão nos atos de governo.


Numa linha própria de pensamento, não menos vanguardista e científica, Lúcia Valle de Figueiredo afirma consistir a discricionariedade numa "competência-dever" atribuída ao administrador para agir no caso concreto, de acordo com o critério da razoabilidade geral 17.


Por demais significativa é a lição trazida pelo mestre KARL ENGISCH, em sua  Introdução ao Pensamento Jurídico, onde, ainda em 1956, prelecionava:


"Aqui podemos também lançar mão do conceito evanescente de discricionariedade vinculada e dizer que a discricionariedade é vinculada no sentido de que o exercício do poder de escolha deve ir endereçado a um escopo e resultado da decisão que é o único ajustado, em rigorosa conformidade com todas as directrizes jurídicas" [18].


Por fim, há quem vislumbre, como o alemão HUBER e o francês LÉON DUGUIT, antagonismo entre as idéias de discricionariedade administrativa e a de Estado de Direito, na medida em que, sob a inspiração do princípio da legalidade, inexiste atividade administrativa não submissa aos seus cânones.


Enquanto HUBER ironiza, comparando a discricionariedade a um "Cavalo de Tróia" nos arraiais do Direito Administrativo [19], DUGUIT assevera:


"A limitação da competência, não somente quanto ao objeto do ato, mas ainda quanto ao motivo que o determina, constitui garantia muito forte contra o arbítrio dos agentes públicos. A conseqüência disso, com efeito, é que nada mais foi deixado à apreciação discricionária do agente administrativo" [20].


Não compactuamos com as posições extremas dos ilustres autores estrangeiros, porquanto entendemos realmente haver um DEVER discricionário. A discricionariedade, sob nossa ótica, é natural da prática do direito, porque a vida é bem mais rica do que a lei, sendo impossível ao legislador ordenar e prever todas as situações de vida, de exercício do poder e de seus desdobramentos.


3. Controle jurisdicional da discricionariedade administrativa


Razão assiste ao preclaro publicista Celso Antônio Bandeira de Mello (talvez o mais completo da atualidade brasileira) quando desloca o eixo metodológico do conceito de discricionariedade da noção de poder para a de DEVER, noção essa muito mais afinada ao Direito Público e à situação jurídica de FUNÇÃO.


O dever discricionário do administrador público está, inegavelmente, cingido por diversos princípios trazidos à lume pela Constituição de 1988 (inclusive em seu preâmbulo) e por normas de hierarquia inferior.


Por outro lado, o princípio da legalidade, norte maior do Administrador Público, foi ampliado de tal sorte a contemplar não mais somente a lei, formalmente considerada, mas o Direito como um todo, com toda a sua carga valorativa.


Não podemos conviver mais com a marca da democracia meramente representativa, segundo a qual os cidadãos limitam-se a eleger seus representantes e, após depositarem seu voto na urna, aguardam passivamente à sucessão de atos de governo, sem qualquer participação na tomada de decisões.

 

Se desconformes com o modo de governar dos eleitos, resta aos eleitores a possibilidade de, no próximo pleito, não tornar a elegê-los.


Esse modelo político não serve ao terceiro milênio.


Dotados dessa visão prospectiva, nossos constituintes de 1988 engendraram e inscreveram no texto Constitucional diversos mecanismos de participação popular nos atos de governo, em perfeita consonância com o princípio gravado no parágrafo único do art. 1º da CF: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".


Sabedores de que a mobilização popular, máxime em um país de dimensões continentais como o Brasil, é de difícil ou impraticável influência direta junto aos governantes, nossos legisladores (a nível Constitucional e Infraconstitucional), acolhendo soluções do Direito alienígena e criando algumas genuinamente brasileiras, outorgaram legitimação a certas entidades ou instituições, reconhecendo-lhes representatividade para levar à análise de um outro segmento do PODER, o Judiciário, anseios e pretensões que transcendem à esfera individual.


Essa multiplicidade de remédios processuais alinhados na CF de 1988 ("habeas data"; mandado de injunção; ação popular; mandado de segurança individual e coletivo; ação direta de inconstitucionalidade; ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão e quejandos) aliada aos inúmeros legitimados ativos para suas proposituras, consubstanciaria verdadeira letra-morta se mantido o dogma da inatacabilidade do mérito do ato administrativo.


Quando se aborda o tema da discricionariedade como reduto privativo do administrador [21], geralmente se leva em conta a clássica teoria da separação de poderes, cuja base teórica remonta aos séculos XVII e XVII, tendo em Montesquieu seu mais prolífico ideólogo.


Deveras, não se pode olvidar o contexto social e político que levou o famoso Barão de Brède e de Montesquieu (1689/1755) a construir tal estrutura: o absolutismo monárquico que imperava no mundo ocidental antes da Revolução Burguesa de 1789, cuja característica marcante era, sem dúvida, a hipertrofia do Executivo sobre as demais expressões de poder.


Naquele cenário se tornava mais fácil compreender por que o nobre, conquanto partidário da repartição tricotômica do poder, idealizava um Judiciário amorfo, ao ponto de afirmar, literalmente: "Dos três Poderes, de que falamos, o de julgar é de certo modo nulo. Não restam senão dois" [22].


A pouca relevância política dada ao Judiciário era contraposta pelo teórico à força do Legislativo, único poder capaz de, na sua ótica, neutralizar os abusos do Executivo ("As leis devem, todo o tempo, castigar o orgulho da dominação") e mitigar as desigualdades.


Esse Judiciário, definido por Montesquieu como "a boca que pronuncia as palavras da lei", evoluiu, graças à plena superação da idéia de um poder ilimitado, e ganhou, na prática, "status" de Poder, compreendido politicamente como a capacidade de decidir imperativamente e impor decisões.


Cândido Rangel Dinamarco [23] tece profundas considerações sobre a Jurisdição, enquanto expressão do poder estatal (que é uno), concluindo ser ela uma das funções do Estado, a qual, ontologicamente, não se distingue da administração e da legislação. O que a identifica e distingue é sua vocação para voltar-se aos casos concretos, às situações de conflitos interpessoais.


O juiz de hoje deve ter presente, quando conduz um processo e julga uma causa, que suas ações são manifestações do poder estatal. Portanto, qualquer posição que adote tem conotação política, que deve se pautar, não em seus gostos pessoais, em suas idiossincrasias, mas nos valores dominantes do seu tempo, pois, como afirma o multicitado Cândido Dinamarco, o juiz "é, afinal de contas, um legítimo canal de comunicação entre o mundo axiológico da sociedade e os casos que é chamado a julgar" [24].


José Afonso da Silva define, com inequívoco bom senso, o que seja harmonia entre os poderes:


"Cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados" [25].


Essa real harmonia leva o Judiciário, quando provocado, a ser o responsável pela identificação do interesse público, não podendo furtar-se a fazê-lo. Discorrendo sobre o tema, o insigne MAURO CAPPELLETTI, após acentuar a possibilidade de o Judiciário atuar para coibir incorreções praticadas pelos membros dos outros poderes, afirma a relevância da atuação desse Poder para colaborar com a identificação do interesse público e garantia de que esse seja realmente seja alcançado [26].


Partindo-se da premissa de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito (individual, coletivo, difuso, público ou privado) não seja passível de apreciação pelo Poder Judiciário, resta concluir que também a discricionariedade administrativa está sujeita ao controle jurisdicional [27].


Nessa linha de raciocínio, é digno de transcrição parte do aresto da lavra do Des. Nery da Silva, do Tribunal de Justiça de Goiás, onde, após trazer a lume lições exemplares da magistrada Federal Lúcia Valle Figueiredo, infere:


"Não há imunidade legal para quem infringe direito. O poder discricionário não está situado além das fronteiras dos princípios legais norteadores de toda iniciativa da administração e sujeita-se a regular apreciação pela autoridade judicante" [28].


Extrai-se das colocações acima a exata dimensão que o Relator daquela apelação interposta nos autos de uma ação civil pública tem de sua função de fazer uma lei para o caso concreto; do caráter indeclinável da Jurisdição e da legalidade que deve inspirar todos os atos administrativos.


Exemplo ímpar de magistrado ligado ao seu tempo, cônscio de seu dever de fazer Justiça e, através dela, mudar a anacrônica realidade social vivenciada no Brasil, a quem rendemos neste trabalho nossas homenagens, se encontra na pessoa do Dr. Eugênio Fachini Neto, cuja sentença prolatada em ação civil pública oriunda da Vara Regional da Infância e da Juventude da Comarca de Passo Fundo (RS) serviu de base a outra, emanada do Juizado Regional de Santo Ângelo (RS), e ao aresto da sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (tendo como relator o Des. Sérgio Gischow Pereira), no qual o colegiado entendeu ser passível de apreciação pelo Poder Judiciário obrigação de fazer demandada do Executivo Estadual, por ser respaldada em princípio constitucional e em lei infraconstitucional, sem que com isso estivesse havendo qualquer tipo de intromissão do Judiciário na discricionariedade do Administrador Público. Na ementa do acórdão, afirma o insigne Relator:


"Valores hierarquizados em nível elevadíssimo, aqueles atinentes à vida e à vida digna dos menores. Discricionariedade, conveniência e oportunidade não permitem ao administrador que se afaste dos parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema legal" [29].


De todos os ensinamentos supra-expostos, resulta de meridiana clareza a possibilidade e até a necessidade de controle judicial dos atos administrativos, mesmo aqueles praticados dentro da chamada esfera de atuação discricionária, porque somente esse controle, a par de outros previstos na Lei Magna, é capaz de garantir que a Administração atue sempre pautada pelo princípio da legalidade estrita, jamais desbordando eventuais opções que o vazio da norma lhe deixe (já que o legislador não tem como prever todas as situações concretas da vida) para uso arbitrário do Poder.


4. Nosso conceito de discricionariedade administrativa

Através de uma ótica funcional da Administração, podemos definir a discricionariedade administrativa como sendo o dever de o Administrador Público, ante o grau de imprecisão existente na norma, seja essa imprecisão derivada de conceitos axiológicos ou multissignificativos, optar pela solução que mais se compatibilize com o interesse público, ditado pela Constituição, pelas normas de inferior hierarquia e pelos valores dominantes ao tempo da consecução do ato.

 

Despretensiosamente, nosso conceito busca realçar a idéia de um "DEVER" discricionário.

Compromete-se com a necessidade de o Administrador estar sempre vinculado à legalidade, enquanto conceito amplo, hoje integrado também por outras fontes de Direito distintas da lei "stricto sensu".


Por fim, ressalta o império do interesse público sobre todas as condutas administrativas.


5. O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e do adolescente


De forma inédita na legislação brasileira, o Constituinte de 1988 fez inserir, no art. 227, o chamado princípio da prioridade absoluta, quando determina ser dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.


Essa nota diferencial em relação a outros campos de atuação das políticas públicas, a fim de que não pairasse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do preceito constitucional (que alguns ainda insistem de taxar de meramente programático), veio reiterada e esmiuçada na Lei nº 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.


Reza o art. 4º:


"É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade - grifei -, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.


Parágrafo Único - A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude"
.


O dispositivo fala por si só. É por demais explicativo, mormente para quem está imbuído do espírito da lei e dos critérios que devem nortear sua interpretação.


O art. 6º do ECA traça os rumos da hermenêutica a ser empregada por seu aplicador, destacando os fins sociais a que se dirige; as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente de pessoas em desenvolvimento.


Ainda que não o fizesse, é mister ao intérprete abrir mão da chamada "hermenêutica tradicional", que nunca valorou corretamente a força normativa dos princípios, e realizar um trabalho exegético multilateral, que leve em conta não só a valoração política, como a social e até a econômica [30].


O mestre em Direito Econômico, JOHNSON BARBOSA NOGUEIRA, em excelente trabalho publicado na Revista GENESIS de Direito Administrativo, procura destacar a função hermenêutica dos princípios. Segundo ele,


"Os princípios são referenciais de valoração jurídica, os grandes responsáveis para não se ter uma valoração livre, mas emocionalmente conceitual. São os princípios a ferramenta primordial para o preenchimento das lacunas (axiológicas) do ordenamento jurídico" [31].

Prioridade, segundo o mais popular dos dicionaristas brasileiros, AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, é


"1. Qualidade do que está em primeiro lugar, ou do que aparece primeiro; primazia. 2. Preferência dada a alguém relativamente ao tempo de realização de seu direito, com preterição do de outros; primazia. 3. Qualidade duma coisa que é posta em primeiro lugar, numa série ou ordem" [32] .


ABSOLUTA, segundo o mesmo "Aurélio" (hoje sinônimo de dicionário de nossa língua), significa ilimitada, irrestrita, plena, incondicional.


A soma dos vocábulos já nos indicia o sentido do princípio: qualificação dada aos direitos assegurados à população infanto-juvenil, a fim de que sejam inseridos na ordem-do-dia com primazia sobre quaisquer outros.


Segundo o Promotor de Justiça WILSON DONIZETI LIBERATI, especialista na área dos direitos da criança,


"Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes (...). Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante" [33].


O jurista DALMO DE ABREU DALLARI [34], comentando o art. 4º do ECA, destaca a necessidade de serem priorizados o apoio e a proteção à infância e juventude, por mandamento constitucional. Mais: preceitua não ter ficado ao alvedrio de cada governante decidir se dará ou não apoio prioritário às crianças e aos adolescentes.

 

Exsurge com clareza, das considerações tecidas, não ser possível qualificar a norma insculpida no art. 227 da CF como sendo de eficácia contida (na classificação exemplar de José Afonso da Silva); nem como sendo "not self-executing", na já superada taxionomia do Direito Americano.


A norma é clara, passível até de uma exegese meramente gramatical (aquela que exige do intérprete o mínimo esforço racional), embora seja recomendável avançar no "iter" hermenêutico e se lançar mão dos métodos lógico e teleológico, quando, então, virão a lume os dispositivos dos arts. 4º e 6º do ECA.


A prioridade absoluta, enquanto princípio-garantia constitucional, vem sendo reconhecida em alguns julgados de nosso país.


É do Tribunal de Justiça do Distrito Federal o primeiro acórdão, verdadeiro "leading case", do qual tivemos conhecimento e no qual há menção clara a ele, "in verbis":


"Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, dessume-se que não é facultado à Administração alegar falta de recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez que a Lei Maior exige PRIORIDADE ABSOLUTA - art. 227 - e determina a inclusão de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há, é porque houve desobediência, consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais precitados encabeçados pelo parágrafo sétimo do art. 227" [35].


O Tribunal de Justiça Gaúcho, em decisão anteriormente mencionada, também faz referência ao princípio quando adverte:


"A exigência de absoluta prioridade não deve ter conteúdo meramente retórico, mas se confunde com uma regra direcionada, especificamente, ao Administrador Público" [36].


Partindo-se da premissa de que a norma do art. 227 é de eficácia plena (distanciando-se em tudo daquelas que alguns insistem em catalogar como sendo de conteúdo meramente programático, cada vez mais raras em nosso ordenamento jurídico marcadamente positivado), temos de reconhecê-la, sim, como um fator a mais a limitar o campo de atuação discricionária do administrador público.


Pensar de outra maneira é converter o art. 227 e o microssistema do ECA em meras cartas de intenções, desvirtuando-os de seu sentido evolutivo, de sua virtual condução a uma utopia concreta.


É também ignorar que diversas normas constitucionais, como bem ensina o juspublicista luso GOMES CANOTILHO, destinam-se a formular roteiros de ação que os poderes públicos devem concretizar, os quais adquirem especial relevância nos programas de governo [37].


EDUARDO GARCIA DE ENTERRÍA e TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ, dissertando sobre os princípios constitucionais [38], tecem considerações críticas a respeito dessa classificação de algumas normas inseridas na Constituição como sendo princípios meramente programáticos. Textualmente, vejamos:


"Estes valores não são pura retórica, temos de impugnar essa doutrina, de tanta força ineficaz entre nós - simples princípios programáticos - sem valor normativo de aplicação possível; pelo contrário, são justamente a base inteira do ordenamento; o que há de presidir, portanto, toda sua interpretação e aplicação".


A partir do momento em que se tem uma visão nítida do sistema, do qual ressalta o princípio em foco, certamente que nenhum magistrado ousará denegar justiça sob o argumento da inviabilidade de exame do agir discricionário do administrador.


6. Perigo de desrespeito às normas constitucionais

 

Ao se enfatizar o assento constitucional do princípio da prioridade absoluta (art. 227 da CF), é mister que explicitemos a sua eficácia jurídica.


Sob a inspiração da doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA, é possível situar o princípio em comento dentre os princípios gerais informadores de toda a ordem jurídica nacional. Portanto, traduz-se ele em norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata [39].


Nessa linha de raciocínio, não merece acolhida a argumentação de que nossa Constituição, no tocante à priorização das questões atinentes à infância e juventude, seria de cunho programático. Por essa trilha equivocada, "data maxima venia", optou o  Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Recurso Especial interposto nos autos de ação civil pública ajuizada pelo "parquet" de Goiás, "verbis":


"A nossa Constituição de 1988, mais do que todas as Cartas e Constituições brasileiras anteriores, é dirigente (dirigierende Verfassung) e programática (programmatische Verfassung). Ela almeja construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), erradicando a pobreza e a marginalidade, e reduzir as desigualdades sociais e regionais (id. III). Em outras palavras, um dos objetivos fundamentais da nossa República Federativa é oferecer diretivas modeladoras para a própria sociedade, acenando com a intervenção do poder público na ordem econômica, financeira, cultural e ambiental. Essas normas programáticas se destinam especialmente aos Poderes Públicos. Ao Legislativo, para que ele procure elaborar as normas infraconstitucionais consoante programas e tarefas gizados pela Constituição. Ao Judiciário, para que ele igualmente exerça a denominada atualização constitucional (Verfassungsaktualisierung), ou seja, interprete as leis tal qual preceituado na Constituição. Acontece que, no caso dos autos, as normas maiores não estabeleceram, de modo concreto, a escala das prioridades. Assim, não se tem como obrigar o Executivo a construir o Centro de Recuperação e Triagem para a recepção de adolescentes submetidos ao regime compulsório de internamento. Haveria uma verdadeira intrusão do Judiciário no Executivo" [40].


Labora em erro o eminente Relator quando entende imprescindível uma definição, na perspectiva infraconstitucional, de uma "escala das prioridade". Ora, ou a questão é prioritária, com a nota de absoluta, ou não é.


O Brasil parece regozijar-se de ser o país do faz-de-conta. O único no mundo onde 12% (doze por cento) - limite constitucionalmente imposto à taxa anual de juros - pode ser 20, 25%.


Sendo o Estado de Direito um Estado Constitucional, torna-se implícita a existência de uma Constituição que sirva de ordem jurídico-normativa fundamental, vinculando a todos os poderes públicos.


GOMES CANOTILHO, ao discorrer sobre a noção de SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO, desdobra sua lição em quatro tópicos: a) vinculação do legislador à constituição; b) vinculação de todos os restantes atos do Estado à constituição; c) o princípio da reserva da constituição e d) força normativa da constituição.


Explicando o item b, acentua que o princípio da constitucionalidade não se impõe apenas sobre os atos que não violem positivamente a Constituição, mas também repercute sobre a omissão inconstitucional, por falta de cumprimento das imposições constitucionais ou de ordens de legislar.


Sobre a força normativa da constituição, adverte:


"No entanto, quando existe uma normação jurídico-constitucional, ela não pode ser postergada quaisquer que sejam os pretextos invocados. Assim, o princípio da constitucionalidade postulará a força normativa da constituição contra a dissolução político-jurídica eventualmente resultante: (1) da pretensão de prevalência de fundamentos políticos, de superiores interesses da nação, da soberania da Nação sobre a normatividade jurídico-constitucional; (2) da pretensão de, através do apelo ao direito ou à idéia de direito, querer desviar a constituição da sua função normativa e substituir-lhe uma superlegalidade ou legalidade de duplo grau, ancorada em valores ou princípios transcendentes (PREUSS)" [41].


O perigo de converter-se a Constituição em mera carta de intenções já havia sido apontado pelo Prof. KONRAD HESSE, em sua monografia "A Força Normativa da Constituição", escrita para rebater o texto "O que é uma Constituição Política" de FERDINAND LASSALE.


HESSE confere peculiar destaque à chamada vontade da Constituição, alinhando-a à vontade de poder.


Segundo ele,


"aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado" [42].


A lição do mestre germânico merece uma profunda reflexão, máxime em nosso país onde a regra é o desrespeito às normas constitucionais, sempre sob o argumento de não serem elas providas de aplicabilidade imediata.


Oprimir a eficácia do princípio da prioridade absoluta é condenar seus destinatários à marginalidade, à opressão, ao descaso.


É fazer de um diploma que se pretende revolucionário, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instrumento de acomodação.


7. A ação civil pública para concretização dos bens-interesses tutelados pelo ECA e pela constituição


Os idealizadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, no tocante à proteção judicial dos interesses desse contingente de cidadãos, agiram em total consonância com o princípio constitucional da Universalidade da Jurisdição.


Tocante à ação civil pública (que é um dentre tantos remédios processuais a que alude a L. 8.069/90), foi ela objeto de ampliação.


Está o Ministério Público legitimado (coisa que, apesar dos quase sete anos de vigência do ECA, poucos lidadores do Direito o sabem) [43] a ajuizar ação civil pública para proteção de interesses individuais de crianças e adolescentes.


Louvando-se nesse permissivo (art. 201, inc. V, do ECA), a então Promotora de Justiça junto à Comarca de Estrela(RS), Yeda Husek Wolff, ajuizou demanda contra o Estado do Rio Grande do Sul, com o fito de compeli-lo a suportar encargos decorrentes do transplante de medula óssea - única forma de salvar a vida de uma menor - e arcar com os remédios, transporte e despesas hospitalares derivadas do procedimento.


Em contestação, o Estado-réu argumentou, dentre outras coisas, ser o Ministério Público carecedor de ação, por fundamentar o pleito em matéria constitucional não regulamentada por lei ordinária.


A demanda foi julgada procedente, por sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do RGS. No acórdão, o Relator designado (houve um voto divergente) faz expressa referência ao art. 227 da CF, conforme veremos:

 

"Então, atendendo a este fato e à circunstância muito bem colocada pelo Ministério Público, autor da ação civil pública, vislumbro a incidência do art. 227 da Constituição Federal, que obriga o Poder Público, o Estado como um todo, a assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, etc. No caso específico, o direito à vida.

Ainda, o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é dever da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, etc. No seu parágrafo único, diz que a garantia da prioridade compreende a primazia em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias" [44].


O importante nessa decisão, a par do reconhecimento da legitimidade ministerial para o ajuizamento de ação civil pública para tutela de interesse individual (matéria essa que também foi objeto de impugnação estatal), é o posicionamento favorável à idéia de eficácia plena e aplicabilidade imediata dos direitos reconhecidos na CF à população infanto-juvenil.


A legitimação para as ações de responsabilidade civil por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente está regulada nos arts. 201, inc. V, e 210, ambos do ECA.


Dentre as espécies de interesses a serem argüidos em juízo, ressaltam, por sua abrangência, os difusos, aos quais ADA PELLEGRINI GRINOVER atribui a seguinte qualificação jurídica:


"Trata-se de interesses comuns a uma coletividade de pessoas, que não repousam necessariamente sobre uma relação-base, sobre um vínculo jurídico bem definido que as congregue. Tal vínculo, nota Barbosa Moreira, pode até inexistir, ou ser extremamente genérico - reduzindo-se, eventualmente, à pura e simples pertinência à mesma comunidade política - e o interesse que se quer tutelar não é função dele, mas antes se prende a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutáveis; existirá, v.g., para todos os habitantes de determinada região, para todos os consumidores de certo produto, para todos os que vivam sob tais ou quais condições sócio-econômicas ou se sujeitem às conseqüências deste ou daquele empreendimento público ou privado, e assim por diante" [45].

 

O objeto dessas ações civis públicas está elencado, exemplificativamente, no art. 208 do ECA.


Onde houver oferta irregular ou não-oferta dos serviços de educação, saúde, profissionalização infanto-juvenil e outros serviços relativos a crianças e adolescentes, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios e as associações legalmente habilitadas (art. 210 do ECA) poderão propor ação civil pública.


WILSON DONIZETI LIBERATI chega ao ponto de afirmar ser possível o emprego desse tipo de ação para impedir o gasto de dinheiro público em obras não prioritárias para a comunidade, apurando-se a responsabilidade civil e criminal do ordenador das despesas. Faz essa ousada e lúcida assertiva com base no princípio da prioridade absoluta, definido por ele como " viga-mestra" do Estatuto [46].


Com todo esse arcabouço legislativo, não devemos vacilar quanto ao ajuizamento de demandas tendentes a tornar reais os direitos abstratamente assegurados à massa de crianças e adolescentes.


A utilização da via jurisdicional se faz necessária sempre que o Estado se omite quanto a alguma política social ou ação de abrangência individual contemplada no ECA.


FÁBIO KONDER COMPARATO advoga ser do Executivo e do Legislativo a competência conjunta para aprovação e encaminhamento dos programas de ação governamental e que a intervenção do Judiciário somente se impõe quanto determinado direito social é negligenciado. Nessa hipótese, esse Poder está reconhecendo uma omissão inconstitucional por parte dos demais poderes [47].


Somente a proliferação dessas ações será capaz de fazer desabrochar o senso de Justiça dos integrantes de nossas cortes, pois o que se constata hoje, onde encontramos escassos julgados dessa natureza, é uma exacerbada timidez dos integrantes do Poder Judiciário.


Esse problema, aliás, foi detectado com percuciência pela Profª. JOSIANE ROSE PETRY VERONESE, na obra com a qual conquistou o título de Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, "in literis":


"Depreende-se dessa questão que, apesar da existência de todo um instrumental, cuja efetividade dependeria tão-somente de seu uso, restringe-se a poucos casos isolados, e o que é ainda pior, fica-se à mercê de determinados padrões, que antevêem na realização das normas jurídicas que tenham a função de contribuir na transformação da sociedade, um certo perigo de desequilíbrio no sistema da tripartição dos poderes. Temem que o Poder Judiciário, à medida que julgue procedentes a grande maioria dos casos de conflitos que envolvem o indivíduo, ou coletividades inteiras que interpõem ações civis públicas em razão da inadimplência do Estado no cumprimento de suas políticas sociais, estaria adentrando um campo que não lhe pertence, pois são questões que tradicionalmente se entendia estarem a cargo dos outros dois Poderes" [48].


O acanhamento do Judiciário quando decide ações civis públicas para tutela de interesses protegidos pelo ECA pode ser atribuído a vários fatores.


É inequívoco o despreparo para lidar com a matéria (os cursos jurídicos de graduação e de pós-graduação raramente incluem em seus currículos uma visão sistemática da doutrina de proteção à infância e adolescência e, quando o incluam, o fazem à guisa de disciplina opcional).


Muitos dos atuais juízes, mormente aqueles que atualmente integram órgãos colegiados, tiveram sua formação sob a égide do Código de Menores, calcado na doutrina da chamada "situação irregular", o qual não contemplava em seu sistema qualquer forma de responsabilização do Estado por eventuais omissões. Hoje, quem pode ser declarado em situação irregular é o Estado omisso.

 

Mas o que mais nos chama a atenção é, sem dúvida, o receio de invasão em atribuições afetas a outros poderes, tanto assim que, da leitura de diversos julgados nesse diapasão, surgiu nossa motivação para o presente trabalho.


Emblemático é o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no Agravo de Instrumento nº 8.443, interposto pelo respectivo Estado em ação civil pública promovida pelo "parquet" no intuito de condená-lo a reformar uma escola pública situada na cidade de Xaxim.


Houve deferimento da liminar pelo juízo "a quo", o que motivou o recurso. Apreciando a irresignação, a Câmara houve por bem provê-la. Na ementa, assim se expressa o relator:


"A Câmara decidiu acolher o pedido de reforma para declarar a extinção da ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Estado, por carência de ação, em face da impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, VI, combinado com o parágrafo 3º do mesmo artigo, do CPC, uma vez que a pretensão deduzida na petição inicial não encontra admissibilidade no ordenamento jurídico vigente, na medida em que não podem o Juiz tanto quanto o próprio Tribunal avocar para si a deliberação de atos da Administração Pública, que resultam sempre e necessariamente de exame de conveniência, oportunidade e conteúdo dos atos de exercício dos outros Poderes, Executivo e Legislativo, do Estado; tendo-se, ainda, em consideração que a Administração Pública nada pode fazer que não se contenha em seus recursos, e há de fazê-lo segundo as previsões programáticas e orçamentárias, com participação do Poder Legislativo, cujas atribuições igualmente restaram atropeladas..." [49].


Há quem chegue ao ponto de fulminar a própria legitimidade ministerial para a ação civil pública "lato sensu". Tal exagero pode ser constatado em voto proferido pelo Des. Lécio Resende, do Distrito Federal:


"(...)tive notícia de que o professor Calmon de Passos, ardoroso defensor da introdução na Constituição dos predicamentos obtidos pela Instituição (Ministério Público), em conferência pronunciada na Escola Superior do Ministério Público, teria se penitenciado, convalidando até o entendimento que tenho casualmente me manifestado aqui quanto à absoluta ilegitimidade para a propositura da chamada ação civil pública, que para mim já induz a idéia de paradoxo, porque até quando aprendi a ação civil diz respeito, exclusivamente, a interesse privado tutelado pela lei. Não posso conceber a existência de ação civil pública" [50].


Esse tipo de posicionamento bem externa a necessidade de uma reformulação no ensino jurídico brasileiro, para adequá-lo às novas demandas sociais, tão bem detectadas e definidas no magistral voto do Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, o qual se transcreve parcialmente:


"É manifesto que as demandas reais da sociedade pluralista de massas deste século têm lançado por terra, mesmo no âmbito dos regimes capitalistas, alguns dogmas fundamentais do primitivo liberalismo burguês, entre eles, particularmente, a aversão dos revolucionários do séc. XVIII às formações sociais intermediárias, que então se pretendeu proscrever, como intoleráveis resíduos do feudalismo. Hoje, ao contrário, o certo é que - dos sindicatos de trabalhadores às corporações empresariais e às ordens de diversas profissões, dos partidos às entidades de lobby, das sociedades de moradores às associações ambientalistas, dos centros de estudo aos agrupamentos religiosos, das minorias organizadas aos movimentos feministas - tudo são formações sociais reconhecidas, umas e outras, condutos reputados imprescindíveis à manifestação das novas dimensões da democracia contemporânea, dita democracia participativa e fundada, não mais na rígida separação, sonhada pelo liberalismo individual da primeira hora, mas na interação cotidiana entre o Estado e a sociedade. Nesse contexto, era fatal, como tem ocorrido desde o início do século, que progressivamente se viesse pondo em xeque o dogma do direito processual clássico, corolário das inspirações individualistas da ideologia liberal, qual seja o da necessária coincidência entre a legitimação para agir e a titularidade da pretensão material deduzida em juízo" [51].


Sem que se olvide da vinculação da Administração Pública à existência de recursos e sua previsão orçamentária, a observância do princípio da prioridade absoluta impõe a necessária inclusão desses recursos que visem a atender os direitos previstos abstratamente no ECA e na Carta Magna em orçamento. Esse, aliás, deve ser o pedido nuclear das ações civis com a preponderante carga eficacial cominatória.

 

Conclusão

De tudo o que foi exposto, dessume-se ser o princípio da prioridade absoluta aos direitos das crianças e adolescentes mais um vetor de limitação ao agir discricionário do administrador público.


Tal conclusão decorre, em primeiro lugar, do próprio princípio da legalidade que deve nortear toda a pauta de ações dos integrantes do Poder Executivo, dogma esse insculpido no art. 37 da Constituição Federal.


Não há que se falar, por essa razão, em ingerência ou em falta de atribuição do Judiciário para determinar como deve ser o agir do Administrador, porquanto é a própria lei, e a Lei Maior, que o descreve no tocante aos direitos das crianças e adolescentes.


O fato de o princípio da prioridade absoluta encontrar assento constitucional denota seu sentido norteador, verdadeira super-norma a orientar a execução e a aplicação das leis, bem como a feitura de diplomas de inferior hierarquia, tudo dentro da mais estrita legalidade.


Na discussão sobre a implementação dos bens-interesses previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente jamais pode ser denegada qualquer pretensão deduzida em juízo sob o argumento de que o Administrador público tem o discricionário "poder " de eleger prioridades e estabelecer oportunidades, já que a Constituição Federal, em seu art. 227, ampliada pelo art. 4º do ECA, não estabelece qualquer hierarquia entre os direitos ali reconhecidos como prioritários.


De outra banda, impõe-se uma oxigenação ideológica nos integrantes do Judiciário e do Ministério Público para que de fato se conscientizem de sua função política, enquanto integrantes de instituições cujo compromisso maior é com o interesse público, tendo como valores supremos aqueles estabelecidos no preâmbulo de nossa vigente Carta Magna.


Também é de ser reconhecido o instituto da ação civil pública como um instrumento por demais relevante na prestação jurisdicional, de dimensão política considerável, permitindo o "vir ao mundo" de demandas outrora excluídas do acesso à Justiça, garantindo a efetivação e a democratização dos direitos fundamentais assegurados pelo ECA.

 

 

Notas

 

[1] "Nesse sentido positiva o jurista português AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello em "Discricionariedade e Controle Jurisdicional", p. 11, Ed. Malheiros, 2ª edição", quando afirma: "Aquilo que o Estado de Direito é, forçosamente é Montesquieu e Rousseau, talvez mais Rousseau que Montesquieu" (Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder, Coimbra Editora, 1940, p. 8) .

 

[2] "El Contrato Social" , tradução espanhola, Editorial Maucci, Barcelona.

 

[3] P.163, Ed. Saraiva .

 

[4] Encabeçada por Maurice Hauriou; Francis-Paul Benoit; Laferrière e Barthelémy, dentre outros.

 

[5] No original, transcreve-se: "L'administration n'est pas animée, dans ce qu'elle fait, d'une volonté intérieure légale; elle est animée d'une volonté exécutive libre assujettie à la loi comme à un pouvoir extérieur. Il suit da , d'une part, que, dans les matières de sa compétence, lorsque son pouvoir n`est pas lié par des dispositions légales, il est entierement autonome, et, d'autre parte, que dans les matières son pouvoir paraît liè par la loi, il lui se conforme toujours à un certain choix des moyens qui lui permet de se conformer volontairement à la loi.

"Cette faculté de se conformer volontairement à la loi est d`autant plus rèservèe à l` administration des lois et qu`elle jouit constituitionnellement d`une certaine latitude dans le choix des moments et des circonstances elle assure cette application.

"A ce point de vue, il convient d`indiquer à nouveau que le pouvoir discrètionnaire de l`administration consiste en la facultè d`apprècier l`opportunitè qu`il peut y avoir à prendre ou à ne pas prendre une décision exécutoire, ou à ne pas la prendre immediatement, mème lorsqu`elle est prescrite par la loi" (Précis Élémentaire de Droit Administratif ", Librairie du Recueill Sirey, 1938, p. 229).

 

[6] Bartolome A. Fiorini, "Manual de Derecho Administrativo", Primera Parte, Buenos Aires, Ed. La Ley, 1968, p. 233.

 

[7] Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo, Lisboa, Ed. Ática, 1962, pp. 222-223.

[8] Tratado de Direito Administrativo, vol. V, p. 11, Ed. Freitas Bastos.

 

[9] Cândido Rangel Dinamarco, em sua magnífica obra "A Instrumentalidade do Processo", p. 32, 3ª ed., Malheiros, quando discorre acerca das mutações constitucionais do processo, enfatiza a tendência do Estado contemporâneo, enquanto Estado-de-direito, onde assoma a legalidade e abertura do Poder Judiciário como guarda último da Constituição e dos valores e garantias que ela abriga e oferece, fruto dos sucessivos movimentos político-sociais da Humanidade nos últimos duzentos anos, com a Revolução Francesa e a industrial gerando a ascensão da burguesia e do proletariado e a universalização do voto mais a urbanização da população e expansão dos meios de comunicação de massa.

 

[10] Hely Lopes Meirelles traz noção emblemática da discricionariedade em torno da idéia de PODER: "Poder discricionário é o que o direito concede à Administração de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo" (Direito Administrativo Brasileiro, p. 97, 14ª edição, Revista dos Tribunais)


[11] EDILSOM FARIAS, em artigo intitulado "Técnicas de Controle da Discricionariedade Administrativa" (Arquivos do Ministério da Justiça, 47/159), chega a falar em "potestades discricionárias da administração".


[12] No Estado-de-direito, o exercício do poder está amarrado pelo princípio da legalidade. Cabe ao administrador público, em todos os casos, mesmo naqueles em que a lei não descreve em minúcias como e o quê fazer, procurar sempre a solução ótima para o caso concreto. Vale dizer, cabe ao administrador, enquanto ocupante de uma função pública, o dever de buscar o interesse social.

 

[13] In "Legitimidade e Discricionariedade", p. 33, 1ª ed. , Forense.

 

[14] Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, Ed. Atlas.

 

[15] In Discricionariedade Administrativa e Controle Jurisdicional, pp.12/14, 2ª ed., Malheiros.

[16] V., nesse sentido, José Cretella Júnior, em seu Curso de Direito Administrativo, p. 224, 14ª edição, Forense, e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, op. cit., p. 171.

 

[17] Curso de Direito Administrativo, p. 123, 1ª ed., Malheiros.

 

[18] Obra citada, p. 220, 6ª edição, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian.

 

[19] Citado por ODETE MEDAUAR, em "O Direito Administrativo em Evolução", São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 184.


[20] Apud AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, in Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo, Revista de Direito Administrativo, vol. VI, p. 44.

 

[21] Exemplo desse tipo de decisão retrógrada encontra-se em acórdão prolatado pela 6ª Turma do e. Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Adhemar Maciel, no Rec. Especial nº 63.128-9, oriundo de uma ação civil pública promovida com o fito de obrigar o Governo goiano a construir um centro de recuperação e triagem para adolescentes infratores, onde encontramos afirmações como as que seguem: "A Constituição Federal e em suas águas a Constituição do Estado de Goiás são dirigentes e programáticas. Têm, no particular, preceitos impositivos para o Legislativo (elaborar leis infraconstitucionais de acordo com as tarefas e programas pré-estabelecidos) e para o Judiciário (atualização constitucional). Mas, no caso dos autos, as normas invocadas não estabelecem, de modo concreto, a obrigação do Executivo de construir, no momento, o Centro. Assim, haveria uma intromissão indébita do Poder Judiciário no Executivo, único em condições de escolher o momento oportuno e conveniente para a execução da obra reclamada".

 

[22] O Espírito das Leis, traduzido e anotado pelo Des. Pedro Vieira Mota, nota 55, p. 26, Ed. Saraiva.

 

[23] Encerra seus comentários sobre uma visão funcional da Jurisdição, apregoando: "Essa visão funcional da jurisdição, partindo da unidade do poder e diversidade das formas do seu exercício segundo os objetivos propostos, elimina certas preocupações minudentes e exageradas, como a da natureza jurisdicional ou não das atividades do juiz na execução civil ou no processo criminal. Muito mais relevante do que afirmá-la ou negá-la nesses casos, é saber que se trata invariavelmente do exercício do poder e que, por isso, são atividades que se pautam por desenganada marca de publicismo, sobrelevando aos interesses dos demais sujeitos os do Estado" (op. cit., p. 119).

 

[24] "O Poder Judiciário e o Meio Ambiente", RT 631/28.

 

[25] Direito Constitucional Positivo, p. 97, 5ª, Ed. Rev. dos Tribunais.

 

[26] "Juízes Legisladores?", 1993, p. 100, Ed. Sérgio Antônio Fabris.

 

[27] A essa conclusão já chegara, aliás, o administrativista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (em seus " Princípios Gerais de Direito Administrativo", vol. 1/417), quando se posicionou a favor da sindicabilidade do mérito do ato administrativo com respaldo no art. 153, parág. 4º, da antiga Carta Constitucional (hoje art. 5º, inc. XXXV).

 

[28] RT 721/212.

 

[29] Apel. Cível nº 596017897, 12.03.97.

 

[30] Nesse diapasão apregoa AUGUSTIN GORDILLO, em seus "Princípios Gerais de Direito Público", apud Johnson Barbosa Nogueira, em artigo nominado "A Discricionariedade Administrativa sob a Perspectiva da Teoria Geral do Direito", in GENESIS - Revista de Dir. Administrativo Aplicado, nº 3, p. 747.

 

[31] Op. cit., p. 747.

 

[32] "Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa", p. 1393, Ed. Nova Fronteira.

 

[33] "O Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentários", pp. 4/5, Ed. IBPS.

 

[34] Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 25, 1ª ed., Malheiros.

 

[35] Apel. Cível nº 62, de 16.04.93, acórdão 3.835.

 

[36] Apel. Cível 596017897, 7ª Câmara Cível.

 

[37] Direito Constitucional, p. 74, Ed. Almedina, 6ª edição, 1993.

 

[38] In Curso de Direito Administrativo, p. 393, Ed. Rev. dos Tribunais.

 

[39] Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 108, 2ª edição, Ed. Revista dos Tribunais.

 

[40]  Rec. Especial nº 63.128-9 - Goiás; Rel. Min. Adhemar Maciel.

 

[41] Op. cit., pp. 360/362.

 

[42] P. 22, Ed. Sergio Antonio Fabris.

 

[43] O próprio HUGO NIGRO MAZZILLI, quando conceitua ação civil pública, em obra atualizada após a vigência do ECA, a designa como sendo aquela ajuizada pelo Ministério Público e demais legitimados, sempre no intuito de tutelar interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, partindo de critério objetivo-subjetivo, baseado na titularidade e no objeto específico da prestação jurisdicional pretendida na esfera cível.

 

[44] Reexame Necessário nº 596035428, 8ª Câm. Cível, Redator p/acórdão Des. Eliseu Gomes Torres.

 

[45] "A Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos", Rev. do Processo nº 14/15, pp. 27/27.

 

[46] Op. cit., p. 141.

 

[47] A Nova Cidadania. Anais da XIV Conferência da OAB, Vitória, p. 49, set./1992.

 

[48]  Interesses Difusos e Direitos da Criança e do Adolescente, p.258, Ed. Del Rey.

 

[49] Julgado em 3.5.94, Rel. Des. Rubem Córdova.

 

[50] HC 6.656/94.

 

[51] RT 142/446.