RECURSO DE APELAÇÃO Nº 69.967-41
APELANTE: MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE
APELADO: JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E
JUVENTUDE DA COMARCA DE CAMPO GRANDE
RELATOR: DES. JOÃO BATISTA DA COSTA MARQUES
VISTOS. O Município de Campo Grande, interpõe apelação contra a
decisão proferida pela Juíza da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca
de Campo Grande que julgou procedente o pedido contido na ação civil pública
promovida pelo Ministério Público Estadual, condenando-o, ao repasse dos
valores correspondentes a R$ 686.000,00 (seiscentos e oitenta e seis mil
reais), menos a quantia de R$ 954,29 (novecentos
e cinqüenta e quatro reais e vinte e nove centavos) ao FMIA -Fundo Municipal para a Infância e
Adolescência.
O apelado
pugna pela manutenção da decisão e o Ministério Público de 20
grau opina pelo improvimento do apelo.
Decido.
A decisão
deve ser mantida, pois agiu com o devido acerto a
magistrada sentenciante, vez que, restou sobejamente demonstrado e comprovado o
direito e os fatos articulados pelo representante do Ministério Público na
comarca, não se podendo falar em nulidade da decisão pela não citação do
município, pois resta demonstrado às fls. 265,
que o oficial de justiça certificou ter citado o Prefeito Municipal - ANDRÉ
PUCINELLI e a Dra. MARCIA CRISTINA KIRCHERCHE, oportunidade em que estes
opuseram seus cientes e receberam a contrafé.
Petição
inicial da ação civil publicada na seção ‘anexos’ Consta que o apelante está
obrigado a repassar para a referida entidade a quantia pedida na inicial e, não
obstante a tentativa de recebimento o Município se nega a fazê-lo.
O Ministério
Público Estadual para intentar ação civil pública com pedido liminar, o fez sob
o argumento de que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente é órgão autônomo, independente e descentralizado,
cuja criação é obrigatória em todos os níveis para o atendimento a
criança e ao adolescente, e que, o repasse de verbas provenientes da União para
atendimento ás crianças e aos adolescentes, estão condicionadas a criação de
tais entidades.
De fato,
verifica-se que, baseando-se nas diretrizes da Lei Federal, o Município de
Campo Grande criou o Órgão com a finalidade de apoiar financeiramente programas
e projetos destinados à proteção dos direitos das crianças, ou seja o FMIA -
Fundo Municipal para a infância e Adolescência, cujo gestor é o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - EMDCA.
Consta que o
Conselho Municipal elaborou plano de ação, cujo valor da previsão orçamentária
de gastos foi de R$ 2.100.000,00, entretanto, a Lei do orçamento municipal
estimou as receitas fixou as despesas para o exercício financeiro de 1998, no
patamar de 686.000,00, que seriam destinados ao FMIA.
Não obstante,
adequação nesse patamar de valor pela entidade assistencial, o município não
repassou as verbas previstas na lei orçamentária, sendo este o objeto da
presente demanda.
Ao
fundamentar a decisão, a juíza sentenciante assim se manifestou:
“... 1. A
matéria é de direito e existe suficiente prova documental para julgar
antecipadamente.
Além disso, o município não contestou, nem trouxe
qualquer outro documento ou alegação, além das produzidas por ocasião da
intimação prévia.
Beneficiando-se apenas de uma liminar concedida em
agravo de instrumento (sem notícia de que o agravo tenha sido julgado),
manteve-se o município inerte, sem contestar.
Tem-se entendido que, pela natureza dos direitos
públicos envolvidos, equiparados a direitos do tipo “indisponível” (que não
deve ser prejudicado pela eventual inércia do Poder Público em se defender), o
fato do Poder Público não contestar não gera, por si só, os efeitos da revelia,
em casos como este “. (f. 291).
(..)
b) A prioridade à infância como principio
constitucional deve estar sempre presente na interpretação das
lei e na solução dos litígios.
E necessário o respeito à “PRIORIDADE
CONSTITUCIONAL” assegurado à infância, e está prioridade tem de ser
entendida em todos os aspectos, mesmo no discutido aspecto da “previsão
orçamentária” vista pelo município como uma “mera ficção “, sem
obrigatoriedade de ser cumprida.
Essa visão tem de ser banida, de vez. Contra o
argumento do caráter meramente autorizativo do
Orçamento, não obrigatório quanto a insuficiência de
receitas, sempre quem alega teria de cumprir o ônus de provar que de fato não
houve aquelas receitas; e, mesmo assim o argumento não colheria, pois sempre
seria possível complementar receitas por aprovação de crédito adicional ou
suplementar, como previstos no art. 167 da CF., finalmente, para corrigir tais
“faltas de vontade em cumprir”, sempre por ação civil pública se poderá
obrigar a inclusão da proposta orçamentária do ano seguinte para execução
financeira semestral, com multa pecuniária para o inadimplemento. (f. 304)
(..)
Repita se, a infância é área prioritária. Ou
deveria sê-lo. Então, se não houve tantas receitas como previsto no orçamento,
quem teria de sofrer redução seriam as obras públicas, nunca as sociais (entre
as quais o atendimento à infância e às famílias) O
critério de prioridade, quando a infância, deixa de ser discricionário para ser
vinculante, no que tange a definição e execução de
políticas publicas.
A prioridade à infância e a doutrina da proteção
integral resultam da própria CF e de tratados intemacionais
a que o Brasil aderiu.
A C.F em seu artigo 227 estabelece o dever do
Estado de assegurar a criança seus direitos, COM ABSOLUTA PRIORIDADE. Nunca é
demais salientar que nenhum outro dispositivo constitucional consagra
prioridade idêntica para qualquer outra área de atuação do Poder Público. (305)
RESUMINDO:
1. Neste caso concreto, há prova
de que o Município descumpriu a obrigação de passar ao FMIA as dotações
próprias daquele fundo, que foram previstas pela lei orçamentaria
aprovada para o ano 1998.
2. Essa conduta omissiva é
reparável via ação civil publica como esta, que o MP tem legitimidade para
ajuizar, tal como fez.
3. A solução para se repor a legalidade é
determinar que o Município seja obrigado a fazer a transferência dos recursos
que foram previstos em lei orçamentária como devidos ao FMIA.
4. O modo como deverá ser cumprida esta decisão
deverá ser encontrado pelo Poder Público Municipal e seus
assessores, de forma assegurar o princípio condicional da prioridade à infância,
isto é, num prazo razoável assinado pela sentença, por mecanismos próprios
previstos em lei.
DECISÃO:
Considerando tudo o que foi exposto nesta decisão,
julgo procedente o pedido inicial explicitado na alínea d) da
petição inicial (cf. f 28), com fundamento em todos os dispositivos legais já
citados ao longo desta sentença, e determino que:
1. Município transfira ao Fundo Municipal da infância e da Adolescência
quantia de R$ 686.000,00 (seiscentos e oitenta e seis mil reais,), menos os R$
954,29 (novecentos c cinqüenta e quatro reais e vinte e nove centavos,.) que
comprovadamente for depositada no FMIA.
2. Deverá o município transferir essa verba
destinada ao FMIA para conta judicial, comprovando o depósito. em instituição
bancária e idônea, à escolha do demandado, no prazo de 90 dias (que considero
razoável para que os técnicos municipais providenciem a reposição da
legalidade, também por instrumentos legais, por exposto acima).
3. Ou, altemativamente,
comprovar que já efetuou o recolhimento, total ou parcial, de tal valor ao
FMIA, no mesmo prazo;
Neste caso, deverá informar de imediato o EMDCA,
do depósito efetuado, para que de imediato os recursos sejam encaminhados para
execução concreta do Plano de Aplicação; e, no caso de transferência parcial,
deverá comprová-la e completá-la, do modo citado.
4. Tudo isso no prazo de 90 dias sob pena de multa
pecuniária diária R$ 500,00 (quinhentos reais), de que passará a incidir nos
termos do art. 213, § 3º do ECA (exigível com o trânsito em julgado, mas devida desde
o descumprimento), multa que reverterá em favor do Fundo Municipal da Infância
e da Adolescência (art. 214 do ECA).
5. Se, em virtude da demora normal no
processamento do(s) recurso(s) cabível (eis), o
cumprimento desta sentença não se puder operar ainda nesse exercício financeiro
de 1999, fica desde logo o Poder Público obrigado à inclusão da proposta
orçamentária do ano seguinte do valor a que ficou condenado (...)
Encontra-se
devidamente comprovado nos autos que de fato a Entidade adquiriu o direito ao
recebimento da quantia estipulada na lei de orçamento do Município de Campo
Grande, e que não foram repassados pela apelante.
Vê-se
portanto que, a sentença está bem fundamentada, com suporte nos documentos
apresentados e não contestados, pois que, o Ministério Público comprovou a
falta de repasse do dinheiro público destinado a
entidade.
Assim, de
acordo com o parecer do Ministério Público, correta a decisão da magistrada de
primeiro grau, que julgou procedente a ação civil pública para condenar o
Município de Campo Grande ao repassar a entidade FMIA - Fundo Municipal da
Infância e da Adolescência a quantia de R$ 686.000,00, menos R$ 954,29, conforme decisão de f. 314-317.
Isto posto, nego seguimento ao recurso nos termos do art. 557, do Código de Processo Civil.
Intimem-se.
Campo Grande, 02 de março de 2001.
Des.
JOÃO BATISTA DA COSTA MARQUES
Relator