FATORES ETIOLÓGICOS RELACIONADOS À GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: VULNERABILIDADE À MATERNIDADE
José Domingues dos Santos Junior[1]
A gravidez na adolescência tem sido identificada como um dos grandes problemas de saúde pública tanto no Brasil, como em muitos países, principalmente porque vem aumentando neste final de século.
Quando analisamos os possíveis fatores etiológicos ligados ao incremento das gestações nessa faixa etária, podemos perceber a complexidade desses fatores, pois os mesmos apontam para a existência de uma enorme “rede multicausal” tornando, assim, os adolescentes vulneráveis a essa situação.
Estudos sobre a gravidez na adolescência mostram que esta vem aumentando nas últimas décadas, em relação às mulheres adultas. Para se ter uma noção da dimensão do problema da gravidez entre adolescentes, foi publicado, pela Population Reference Bureau (PRB), em 1992, resultados de pesquisas realizadas em nove países do continente americano, incluindo o Brasil. Esse estudo mostra que, na América Central, nascem, a cada ano, entre 99 e 139 crianças, por 1.000 adolescentes de 15 a 19 anos de idade, sendo que a taxa é mais elevada nos países mais pobres. No Caribe, a cada 1.000 adolescentes de 15 a 19 anos de idade, nascem entre 84 e 104 bebês por ano e, na América do Sul, 83 a 97 nascimentos por 1.000 adolescentes.
No Brasil, as taxas de gravidez na adolescência variam muito de serviço para serviço, mas estima-se que aproximadamente 20-25% do total de mulheres gestantes são adolescentes, apontando que 1 em cada 5 gestantes é adolescente.
Segundo dados do Ministério da Saúde (1996), ocorreu um aumento no número de partos realizados na faixa etária de 10 a 14 anos, entre 1993 e 1996, passando de 26.505 para 31.911 e, na faixa etária de 15 a 19 anos, no mesmo período, pulou de 611.608 para 675.839 partos.
Historicamente, a idade média da menarca das adolescentes vem apresentando uma tendência de queda (Tanner, 1962; Colli, 1985), diminuindo cerca de 4 meses a cada década, encontrando-se, atualmente, na faixa de 12,5 a 13 anos, em segmentos populacionais economicamente desenvolvidos.
Reforçando essa tendência, Schor (1994) identificou, em estudo retrospectivo, no Centro de Saúde Paula Souza, da Faculdade de Saúde Pública da USP, a idade média da menarca de 13,6 anos, na década de 30; 13,4 anos, na década de 40; 12,3 anos, na década de 60 e 12,6 anos, na década de 80.
Moura (1991) encontrou, no município de Pindamanhangaba, estado de São Paulo, numa série histórica entre 1978 e 1987, declínio na idade média da menarca, onde, em 1978, foi de 12,3 anos; em 1982, de 12,00 e, em 1987, de 11,62 anos.
Ao lado da ocorrência mais cedo da menarca, as adolescentes têm tido sua iniciação sexual cada vez mais jovens. Segundo dados da pesquisa domiciliar, realizada em 1989, pela Fundação Pathfinder, em cinco capitais brasileiras (Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Curitiba), a idade média da primeira relação dos jovens entrevistados foi de 16,9 anos para as mulheres e 15,0 anos para os homens, para um total de 9.066 jovens, entre 15 e 24 anos. No Hospital das Clínicas da FMUSP, de 1000 adolescentes, do sexo feminino, atendidas entre 10 a 19 anos, no ano de 1993, a média de idade da primeira relação sexual foi de 16,4 anos.
D'Oro (1992) aponta que, no município de São Carlos, Estado de São Paulo, a idade média da 1ª relação das adolescentes estudadas, em sua pesquisa, num total de 200 adolescentes, foi de 15,3 anos.
Mc Anarney (1984) coloca que essa evolução tem sido apontada, na medida em que ela passa a ser associada à mudança do comportamento sexual dos adolescentes, tendo como principal conseqüência a gravidez na adolescência.
A família, principalmente na figura dos pais, poderia discutir e orientar seus filhos, com relação às dúvidas, angústias, tabus e preconceitos tão freqüentes, nessa etapa da vida. A maioria das adolescentes colocam que seus pais têm dificuldade de discutir esses temas em casa.
O atual modo de vida da família não propicia que os pais fiquem muito tempo com os filhos, o que pode levar ao distanciamento nessas relações, desde a infância. A tentativa de resgate, quando acontece, se dá na adolescência, quando surgem evidências de que algo de “anormal” está ocorrendo com a filha.
Outro fato que dificulta a convivência familiar é o processo de modernização das sociedades urbanas. Os adolescentes incorporam, mais rapidamente, as novas tecnologias, os novos valores sociais e culturais, muito diferentes dos valores dos pais, o que favorece o distanciamento e até a separação precoce da família.
Por um motivo ou por outro, os pais deixam de participar do desenvolvimento dos filhos, o que reflete na ausência de diálogo sobre temas, como, por exemplo, a educação sexual. Ela fica a cargo dos amigos da rua, da televisão, das revistas e de outros meios; sendo que a família, em poucas ocasiões, é incluída nesse aprendizado.
Fica evidenciada a importância da família em estudo de Burrows et al (1994), desenvolvido no Chile, com 3.000 adolescentes, onde os autores estabeleceram uma tabela de risco para a gravidez precoce, sendo que, das variáveis selecionadas, a metade estava relacionada à família (estabilidade familiar - com quem vive atualmente, idade do primeiro parto da mãe, escolaridade dos pais, permissividade e religiosidade familiar).
Outro local que poderia ser mais bem explorado, no sentido de dar uma orientação adequada sobre sexualidade e métodos contraceptivos, é a escola. No entanto, o que se observa é que a maioria dos professores são mal preparados, para conduzir essa discussão e acabam por ter condutas discriminatórias, geralmente tentando excluir das salas de aula as meninas gestantes, com o intuito de não servirem de “mau exemplo” às outras colegas.
Muitas adolescentes abandonam a escola devido à gravidez, sendo que poucas retornam aos estudos. Dentre as que ainda continuam estudando, a maioria está cursando séries atrasadas, em relação à idade cronológica e muitas abandonam o curso, mesmo antes da gravidez, tendo a 6ª série como limítrofe para o abandono.
O pensamento mágico é inerente ao desenvolvimento psicológico do adolescente. Corresponde à idéia preconcebida de que nada de ruim poderá acontecer consigo, independente das ações praticadas. Na realidade, é uma exposição ao risco, partindo do pressuposto de que o dano não possa acontecer. É dirigir em alta velocidade, achando que nada pode acontecer; é ter relações sexuais, sem preservativo, achando que não poderá adquirir alguma doença sexualmente transmissível ou ocorrer uma gravidez; enfim, é andar na linha do “limite de sua capacidade”.
De acordo com Domingues (1997), vivenciar situações de perigo não é só um grande desafio, mas pode ser o determinante da condição de adolescente. Isso porque tais situações abrem a possibilidade de descobrir o novo, de testar os próprios limites e de experimentar “emoções inusitadas”.
O pensamento mágico, quando somado à falta de maturidade do adolescente, à curiosidade de experimentar o novo e à perspectiva do desafio, resulta, quase que invariavelmente, em um dano.
Em relação à possibilidade de engravidar, ao ter uma relação sexual desprotegida, a maioria dos adolescentes, mesmo conhecendo algum método contraceptivo, deixa de utilizá-lo.
Ter acesso ao método contraceptivo eleito, para o uso de forma regular, é uma das características mais importantes da estruturação de um sistema de planejamento familiar, principalmente se levarmos em conta a situação econômica de uma parcela considerável da população brasileira.
Ao Estado, que efetivamente quer implantar um Programa de Planejamento Familiar adequado, compete fornecer ou propiciar a venda a baixo custo de todos os métodos contraceptivos disponíveis no mercado. Infelizmente, até os dias de hoje, o país ainda não assumiu o compromisso de garantir que todos os indivíduos que desejem evitar uma gravidez tenham acesso ao método contraceptivo de sua escolha. Em poucos serviços públicos, há distribuição de forma regular de contraceptivos orais e de condons e ainda assim, a quantidade é insuficiente. Mesmo com o advento da Aids, o Estado brasileiro ainda não conseguiu dar cobertura razoável na distribuição de “camisinhas”.
Quando se analisa esse fator, para a população adolescente, a situação torna-se mais complexa ainda, pois os dados estatísticos apontam para o aumento da taxa de natalidade e fecundidade na adolescência, dando uma nova configuração à fecundidade no país; isto é, as mulheres estão tendo filhos em idades cada vez mais jovens e finalizando suas vidas reprodutivas também precocemente; como coloca Schor (1995), os Programas de Planejamento Familiar que atingem essa população não passam de projetos isolados, havendo um número muito pequeno de serviços, em todo o país.
A deficiência dos serviços de saúde pode ser apontada como outro fator relevante, com relação à não utilização dos métodos contraceptivos, principalmente se associada à questão do acesso à informação e à escolaridade dessas adolescentes.
Uma vez que os serviços disponíveis são insuficientes, nossa população tem o hábito cultural de obter informações sobre medicamentos em farmácias, principalmente em relação ao anticoncepcional oral. É comum o uso desse remédio, através da indicação do farmacêutico, o que muitas vezes implica na utilização de maneira incorreta e, quando surgem efeitos colaterais, a tendência é substituí-lo, de maneira aleatória, sem uma avaliação médica, o que pode acarretar no abandono do método e, conseqüentemente, na ocorrência de uma gravidez.
O ideal seria que a adolescente tivesse acesso a serviços de saúde especializados. Entretanto, já que isso está distante da realidade, faz-se necessário preparar profissionais para assistir essa clientela, dentro das unidades de saúde, pois o que ocorre, na maioria da vezes, é um tratamento discriminatório, preconceituoso, que inibe a adolescente, ao invés de encorajá-la a expor suas dúvidas e inquietudes. Os profissionais, então, devem ser capacitados para estabelecer um clima de confiança com a adolescente, destituído de julgamento de valor, propiciando, assim, o acolhimento necessário para que ocorra uma boa explanação. No que diz respeito aos métodos contraceptivos, esta atitude é indispensável para que a adolescente possa superar suas dificuldades e fazer uma escolha correta e uma utilização adequada do método eleito.
Os fatores, “falta de disponibilidade dos métodos” e “deficiência dos serviços de saúde”, diretamente relacionados entre si, criam uma série de obstáculos aos adolescentes.
Muitas vezes, o método contraceptivo pode estar disponível, mas o adolescente não sabe como usá-lo, corretamente. Esse fato pode ser evidenciado, por exemplo, na colocação da camisinha e nas tomadas das pílulas, principalmente em relação ao intervalo entre as cartelas - muitas adolescentes se confundem e iniciam erroneamente ou não respeitam o intervalo recomendado entre uma e outra cartela. O coito interrompido, apesar de ser muito utilizado na adolescência, também apresenta um grau enorme de dificuldade, pois pressupõe um controle da ejaculação e como nessa fase é comum a ocorrência de ejaculações precoces, torna-se complexa sua utilização.
O desconhecimento da maneira correta de utilizar os métodos é responsável por uma boa parcela das “falhas” que lhe são atribuídas.
Segundo Donas (1991), é durante a adolescência que o ser humano elabora seu projeto de vida e desenvolve as estratégias e ações, para que o seu “sonho” se torne realidade. Quem sou? Como quero ser? Casado? Quero ser advogado, enfermeiro, trabalhar numa oficina, ter meu próprio negócio? Quero ter uma casa com piscina ou morar numa cidade do interior ou numa praia? O autor enfatiza que este projeto de vida (o “sonho” do adolescente) será influenciado pelas possibilidades que o meio externo oferece e pelo próprio esforço do adolescente, para que se realize ou não.
A gravidez não planejada, na adolescência, é considerada como um obstáculo e talvez um fator que pode desviar essa adolescente daquilo que tinha como projeto de vida.
Em pesquisa realizada por Domingues (1998), na Ceilândia, cidade satélite de Brasília, no Programa de Atenção Integral à Saúde do Adolescente - PRAIA/DF, constatou-se que as meninas que desejavam ter o filho e já se encontravam casadas ou em união consensual, demonstraram estar felizes, cumprindo o seu papel social, ou seja, ser mãe e dona de casa, talvez apontando que fosse este o seu projeto de vida.
Outras afirmaram que, apesar do filho, vão perseguir seus “sonhos” (ser médica, policial, entre outras) e que a presença do filho não atrapalharia seus projetos, pelo contrário, só as estimularia a lutar mais por um futuro melhor, para ela e seu filho. Outras, no entanto, consideraram que terão que refazer seus projetos, em função da nova realidade.
Entretanto, naquelas que estavam grávidas, pelo fato do bebê ainda não ter nascido, encontramos uma dupla visão do que viria a ocorrer com seus projetos, acreditando que iriam conseguir concretizar seus sonhos, outras já começavam a desistir deles.
Alguns trabalhos demonstram que as adolescentes têm reais aspirações reprodutivas, nesse momento da vida. Coates et al. (1993), em estudo realizado na Santa Casa de São Paulo, apontaram que 47,1%, das 384 adolescentes primigestas, quando indagadas, responderam que desejaram ficar grávidas.
Sakamoto et al. (1988), numa pesquisa realizada em 3436 domicílios do município de São Paulo, relatam que 9% das adolescentes não utilizaram método contraceptivo algum, na sua última relação sexual, pois manifestavam desejo de engravidar.
Parece que, entre as adolescentes, existe o receio de ser estéril - que evidencia o desejo inconsciente de ser mãe - levando-as a não utilizar corretamente os métodos contraceptivos a que têm acesso, apenas para testar sua fertilidade.
BURROWS, A.R. et al. Riesgo de Embarazo temprano:construccion y validacion de un instrumento predictor. Rev. Méd.Chile; 122:713-720, June, 1994.
CAMARANO, A. A. Fecundidade e anticoncepção da população jovem. In: Jovens acontecendo na trilha das políticas públicas. Brasília: CNPD, 1998, pág, 109-133
COATES, V.; CORREA, M.M. Características de 462 adolescentes grávidas em São Paulo. In: Anais do V Congresso Brasileiro de Adolescência, p. 581-2, Belo Horizonte, 1993.
COLLI A. S. Maturacion sexual de los adolescentes de São Paulo. In: Organizacion Panamericana de la Salud. La salud del adolescentes y el joven en las Americas. Washington, 1985. (OPAS Publicacion científica, 489).
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pregnancy trends in a São Paulo, American Public Health Association (APHA)
122nd, Annual Meeting. Washington, D.C., october 30 - november 3, 1994.
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TANNER, J. M. Growth at
adolescence., 2nd ed., Oxford, Blackwell Scientific Publications, 1962.
Notas:
[1] José Domingues dos Santos Junior - Mestre em Saúde Pública pelo Departamento Materno Infantil da Faculdade de Saúde Pública da USP. Médico ginecologista. Técnico da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem do Ministério da Saúde – DF.
[2] Texto extraído em: http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap22/cap22.htm