TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO:
NÃO LEVE ESSA IDÉIA PARA DENTRO DA SUA CASA
Coordenador Nacional
Projeto Trabalho Infantil Doméstico
OIT IPEC
Desde a Convenção 138 da OIT
sobre a idade mínima de admissão ao trabalho ou emprego, o Brasil tem se
empenhado na luta pela prevenção e erradicação do trabalho infantil: definiu
uma idade mínima aos 16 anos com a exceção aos 14 anos para aqueles casos de
aprendizagem profissional.
Com a ratificação da Convenção 182 da OIT sobre as piores formas, o país priorizou na sua agenda política e programática de erradicação, aquelas atividades que colocam em risco imediato a integridade da criança e do adolescente: as chamadas piores formas de trabalho infantil. Entre as piores formas estão as atividades relacionadas com exploração sexual infantil, a pornografia, o uso de crianças no trafico de drogas, nos conflitos armados, o trabalho escravo e suas praticas análogas e os trabalhos perigosos.
Os paises que ratificaram esta
convenção, entre eles o Brasil, se comprometeram com a comunidade internacional
em priorizar a situação de crianças com menos idade, do sexo feminino e que
trabalham em situações ocultas como é o caso do trabalho domestico.
Este compromisso vai alem da mera
constatação da dimensão do problema: é um compromisso político consciente para
erradicar as causas e conseqüências do trabalho infantil doméstico. Causas que
estão alem da necessidade de sobrevivência, como a cultura machista e
escravocrata ainda persistente no nosso cotidiano e conseqüências que
ultrapassam os efeitos negativos imediatos nas vidas das crianças e
adolescentes, outras marcas de submissão e exclusão ficam estampadas na sua
vida trabalhista e social. Ë um compromisso com a justiça social.
Por este motivo, as instituições do
país se uniram para fazer frente a este problema, visibilizar
a situação e buscar alternativas de atendimento para as crianças e adolescentes
provenientes deste tipo de trabalho.
Ações específicas estão sendo
tomadas em várias unidades da federação, especialmente na Bahia, no Pará, em
Pernambuco, em Minas Gerais, no Distrito Federal, onde um
grupo de aproximadamente 127 instituições estão trabalhando de forma
coordenada.
Por estes motivos, alem de lançar
uma campanha de erradicação do trabalho infantil doméstico nos meios de
comunicação, os quais tem sido em todos os estados excelentes parceiros na
informação, na denuncia, na incidência política positiva e na proposição de
alternativas viáveis e sustentáveis; estamos entregando uma análise da situação,
os seus avances e principais desafios ainda existentes.
Entre os principais avanços está a
diminuição progressiva do uso de crianças no serviço doméstico, a
conscientização institucional do problema, o inicio do trabalho em rede, a
inclusão destas crianças nos principais programas do estado e das organizações
não governamentais com o apoio do empresariado e das igrejas e a
conscientização sobre os seus direitos e sobre os direitos das domésticas
adultas.
No entanto, não só os dados estatísticos
ainda preocupam, mais também a concepção popular de que o trabalho doméstico de
forma prematura é um beneficio e em alguns casos um dever da criança. Esta
forma de pensar e agir estão equivocados. Este é o motivo da campanha:
possibilitar uma nova maneira de entender o problema, colocar o tema a debate
público, discutir as nossas responsabilidades e sobre tudo não permitir que
dentro das nossas casas exista o trabalho infantil doméstico.
De acordo aos dados da PNAD 2001
sobre o trabalho infantil no Brasil lançado em parceria com a OIT em abril de
2003, a população de crianças e adolescentes entre 05 e 17 anos era de
43.125.753, destas 36.313.345 estavam entre 5 a 15 anos.
Do total de crianças e adolescentes
entre 05 e 17 anos, 5.482.515 trabalham, destas 3.094.249 estavam entre 05 e 15
anos, ou seja, abaixo da idade mínima permitida para a admissão no trabalho ou
emprego.
Do total de crianças e adolescentes
que trabalham no Brasil, 494.002 estão no serviço doméstico, destas 222.865
estão entre 05 e 17 anos e 271.137 entre 16 e 17 anos. O 45 % está em situação
proibida pela legislação Brasileira: estão abaixo dos 16 anos.
O trabalho infantil doméstico
reflete a discriminação racial e de gênero que as mulheres sobrem na cultura
brasileira.
Do total das 494.002 trabalhadoras
domesticas infanto-juvenil entre 05 e 17 anos, 458.594 são do sexo feminino,
destas 282.502 são afrodescendentes, que somadas com
trabalhadores domésticos do sexo masculino são 304.299 meninas, meninos e
adolescentes, isto é 66% do trabalho infantil domestico é afrodescendente
(de acordo a caracterização do IBGE pretas e pardas).
Destas 304.299 crianças e
adolescentes afrodescendentes, 147.229, isto é, 48 %
são estão abaixo da idade mínima legal.
Do total de crianças e adolescentes
no trabalho domestico, 458.594, isto é 93% são do sexo feminino. Uma relação
totalmente inversa se comparada a outras categorias de trabalho infantil.
O trabalho doméstico representa 23%
do total da mão de obra infanto-juvenil feminina no Brasil. Assim como no caso
das trabalhadoras domésticas adultas, quando comparadas com as demais
categorias, as mirins representam o 8,36% do total da mão de obra
infanto-juvenil no Brasil.
Ao se fazer a mesma relação entre
as crianças no trabalho doméstico que estão abaixo dos 16 anos, idade mínima
para admissão ao trabalho domestico, com as demais crianças em outras
categorias de trabalho infantil encontramos que as do trabalho doméstico
representam o 4% do total de crianças que trabalham no Brasil abaixo da idade
mínima permitida.
Apesar deste quadro, muito se há
avançado no país. Em 1992, quando o Brasil inicia o processo de colocar na sua
agenda política o tema da erradicação do trabalho infantil, o total de crianças
e adolescentes entre 05 e 17 anos no trabalho doméstico era de 882.807 mil
trabalhadoras. Em 2001 de acordo as dados PNAD 2001, são 494.002 mil crianças e
adolescentes entre 05 e 17 anos no trabalho doméstico.
Em 09 anos o Brasil conseguiu um
índice de 44% de erradicação do trabalho infantil doméstico.
Estas ações de erradicação do
trabalho infantil doméstico ganharam forca em 2002 quando a coordenação entre varias
instituições e organizações internacionais, da sociedade civil, do
empresariado, do setor religioso, do poder publico e com o decidido apoio dos
meios de comunicação, as crianças e adolescentes provenientes do trabalho
infantil foram incluídas tanto nos programas oficiais como nos promovidos pelas
organizações não governamentais e empresariais.
Além de quase conseguir a
universalização do acesso à escola. Com 97% da população infantil matriculada,
no ano 2002 o PETI conseguiu retirar do trabalho domestico a 10.605 crianças,
que realizavam as mais diversas atividades domesticas. Uma das categorias de
trabalho infantil que mais demandou os serviços do PETI.
De acordo as pesquisas qualitativas
sobre a caracterização do trabalho doméstico promovida
pela OIT, se identificou que 4% das meninas que participaram das pesquisas e
que estavam no trabalho domestico, foram atendidas no Programa Bolsa Escola,
que hoje atende a mais de 5.8 milhões de famílias e 10.7 milhões de crianças em
5.470 municípios.
Entretanto, apesar destes esforços
conjugados, a dimensão da situação ainda precisa de cuidados intensivos,
especialmente nos estados em que a situação esta resistindo da ser revertida.
Entre os estados que, apesar dos
esforços das instancias estaduais, municipais e da sociedade civil os dados do
IBGE indicam que o Acre, o Pará, o Maranhão, o Ceará, a Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, São Paulo e o estado de Goiás, não seguiram a tendência de diminuição
presente nas demais unidades da federação.
Nestes estados, após o inicio das
ações de informação, mobilização e conscientização, fruto do trabalho de ONG’s
como o CEDECA Emaus, o CENDHEC, governo local e
estadual, empresários, universidades, setor religioso, médios de comunicação e
instancias como o Ministério Público do Trabalho e as Delegacias Regionais do
Trabalho e os Foruns Estaduais, os casos de trabalho
infantil doméstico, anteriormente ocultos começam a aparecer. Como são os casos
do Pará, Acre, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e São Paulo.
Nos casos dos estados de Alagoas e
Goiás apesar de ter aumentado o numero absoluto de crianças no trabalho
domestico, também houve um proporcional aumento em outras categorias, o que fez
com que o índice de participação do trabalho infantil doméstico nestes dos estados
permanecesse estável.
Entretanto, e apesar desta
explicação dois estados tiveram um aumento nos números absolutos e na taxa de
participação do trabalho infantil domestico que necessitam ser
analisadas: São Paulo em 1999 tinha 53.079 trabalhadoras infantis
domesticas e em 2001 este numero absoluto subiu para 69.587 mil. Em São Paulo,
em 1999 6% das crianças que trabalhavam, estavam no trabalho domestico. Em
2001, esta taxa de participação subiu para 9%.
No Acre em 1999, 13% das crianças
que trabalhavam, estavam no trabalho domestico, em 2001 a taxa subiu para 19%.
No Pará em 1999, 12 % dos trabalhadores mirins estavam no trabalho doméstico,
em 2001 a taxa sobe para 18%.
Os três Estados que, no ano
passado, preocupavam justamente por esta situação da participação do trabalho
infantil doméstico no índice de trabalho infantil a saber: Rondônia, Roraima e
o Distrito Federal, todos diminuíram este índice de participação. No entanto o
Distrito Federal ainda permanece entre as unidades da federação com maior índice
de participação do trabalho infantil domestico, 18% das crianças que trabalham
no DF, o fazem no trabalho doméstico.
Apesar desta situação todas as
demais unidades da federação obtiveram resultados positivos na mudança destes
indicadores. Entre eles se destacam: Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais,
Paraná e Mato Grosso.
A decisão
política do Estado e da sociedade foram determinantes para estes bons resultados. No caso da Bahia,
uma luta antiga da Federação das Trabalhadoras Domésticas, com o apoio do
CEAFRO, do UNICEF e da Save the Children e outras
instituições inicia a colher bons frutos no impacto
que o seu trabalho esta tendo no estado. No entanto, apesar de que os números
absolutos diminuíram, proporcionalmente em 1999, 5% das
crianças que trabalhavam no estado, o faziam no trabalho doméstico, em
2001 este índice subiu para 6%.
No caso de Minas a mobilização
empreendida pelo Circo de Todo Mundo com o apoio do governo local e estadual e
especialmente da DRT e do Ministério Público do Trabalho em coordenação com o
Fórum estadual e as universidades, reverteu a situação do estado em termos
absolutos. Minas Gerais em 1999 tinha 9% das suas crianças que trabalhavam no
serviço domestico e em 2001, esta taxa subiu pra 11%. Em ambos Estados existe menos crianças no trabalho infantil, no entanto,
proporcionalmente mais estão no trabalho doméstico.
Este mesmo processo de ação
coordenada, propiciada no espaço dos Fóruns Estaduais contribuiu a que nos
demais estados como Rio Grande do Norte, Paraná e Mato Grosso, obtivessem
melhores resultados tanto nos termos absolutos como nos de participação do
trabalho infantil domestico na mão de obra infantil. Rio Grande do Norte em
1999 tinha 10% dos seus trabalhadores mirins no trabalho doméstico, em 2001,
esta taxa baixou para 7%. Paraná em 1999 tinha 9% das suas crianças
trabalhadoras no serviço doméstico e em 2001 a taxa de participação baixou para
7%. O estado do Mato Grosso repetiu os mesmos indicadores de erradicação do
Paraná: 9% em 1999 e em 2001, 7%.
Os dados que nos aproximam da
realidade, mais não nos permite captá-la por inteiro nos mostra que é possível
sair da velha dicotomia é melhor trabalhar que estar na rua. Ë melhor sim...
Depois de ter tido a oportunidade que o direito lhe da de ser criança. E o seu
sustento? A sua sobrevivência?, ah!, esse é o nosso dever de cidadãos, de
estado e de família.
“Trabalho infantil doméstico: não
leve essa idéia para dentro da sua casa”
Com este mote a campanha expressa a idéia de
um Brasil sem trabalho infantil doméstico, expressa um movimento de liberdade
para as crianças e para a economia e o mercado de trabalho. Por isso os
símbolos da campanha são a casinha de boneca, a boneca de trapo e o cata-vento.
Símbolos da infância: brincar, proteção e liberdade para aprender e crescer.
Sugere também o respeito à
diferença: a menina, negra, sem recursos, a mulher, ao menino. O cata-vento
gera energia, movimento, e é isso que queremos uma sinergia em favor de uma
causa presente em nossas casas. É hora de “fazer o dever de casa”.
Existem momentos de mais esperança
que outros e este é um dos que a sociedade brasileira
não pode desperdiçar. A construção da esperança é mais viável quando
participamos do momento de transformá-la em realidade. Já dizia Paulo Freire,
“somente na luta se espera com esperança”.
Quando nos perguntamos se a mudança
é factível, devemos nos perguntar até que ponto estamos
dispostos a engajar-nos no processo de sua transformação. A pergunta em
realidade esconde a questão sobre o compromisso. Com quem estamos
comprometidos?
Ao processo de transformação de uma
realidade se antepõe então o desejo, a decisão e o compromisso. Quando nos
perguntamos se é possível erradicar o trabalho infantil no Brasil, perguntamos
sobre sua factibilidade, mais também pelo nosso grau
de compromisso com essa mudança. Com quem nos queremos comprometer: com os
exploradores ou com os explorados?
É hora de superar esta posição
social cômoda que exime aos adultos (família, sociedade e estado), da sua
responsabilidade na garantia da preparação das nossas crianças e adolescentes
para uma inclusão social adequada. E eticamente o que é mais grave: delegamos a
eles e a elas esta responsabilidade de forma precipitada. O trabalho prematuro
não só gera conseqüências no desenvolvimento pessoal mais também ao
desenvolvimento do país.
A resposta somente será viável se
todos fazerem o seu dever de casa: devemos, arrumar a casa para que cada um
ocupe seu lugar: a família cuidar, proteger e educar: o Estado e a sociedade
promover as condições para que a família cumpra o seu dever, gerando emprego e
trabalho decente para os adultos, universalizando os serviços sociais
(educação, saúde, cultura), entre outros.
Caso contrario estamos
comprometidos já não com as excluídas senão com o modelo da senzala
globalizada; pesada profecia à do nosso escritor quando falava da “casa
grande”.
Esta herança histórica cultural ha
estado silenciosamente no nosso cotidiano doméstico, mantendo um estado de
permanência e dominação do masculino sobre o feminino, do branco sobre o negro,
da branca sobre a negra, mulher adolescente, criança.
A eliminação do trabalho infantil
doméstico também é uma contribuição à não discriminação de gênero e raça no
Brasil. Para muitas das mais de 6 milhões de domesticas, das quais, mais de 500
mil estão abaixo dos 18 anos e 230 mil abaixo dos 16 anos, (idade mínima
permitida no Brasil para ingressar no trabalho ou no emprego), o trabalho
domestico deveria ser uma porta de entrada adequada no mercado de trabalho, no
entanto assistimos que a grande maioria destas crianças e
adolescentes repetem o ciclo de trabalho de suas mães, saem da pia de
louças da patroa e regressam a pia de louça, ao tanque à faxina do seu lar.
Não porque o trabalho doméstico não
seja digno, todo pelo contrario: não é reconhecido nem como profissão, nem como
categoria econômica (são coisas de mulheres, dizem por aí).
De fato nas pesquisas as crianças no trabalho doméstico tem um maior atraso
escolar que os meninos que trabalham em outras categorias e demonstram que
quanto maior o tempo de permanência no serviço domestico maior o atraso). Em alguns anos este batalhão de adolescentes
em idade de trabalhar não terão as mesmas condições de concorrer no mercado de
trabalho em situações de igualdade com os homens.
Conseqüência também global num país
onde mais da metade da sua população é feminina, considerável parte delas não
lhes foi permitido escolher sua profissão e se aprimorar. No futuro próximo, serão uma população economicamente ativa em condições de
desigualdade para competir com o produto externo, quer seja como
consumidoras quer seja como produtoras.
O anterior recebe outra matiz quando a preocupação é pela incidência no
desenvolvimento destas meninas: uma relação de trabalho ambígua: ora patrões,
ora guardadores, ora pais, ora educadores, ora patrõezinhos ora amiguinhos para
brincar, ora o filho a quem se deve servir a mesa e se deitar depois de fazê-lo
dormir…. ou levá-lo para o colégio como “dever de casa”.
Esta relação só não é determinante
porque existem patrões conscientes e crianças e adolescentes conscientes de
seus direitos, mais em todo caso a relação não é eqüitativa: as capacidades
volitivas da criança e da adolescente não estão desenvolvidas a ponto de manter
una dialogo sindical em condições de igualdade com o adulto.
A relação de trabalho tem maiores
garantias de justiça quando é objetiva e prevista na lei. Quando a relação de
trabalho é ambígua ela depende muito das capacidades da patroa e da sua
sensibilidade e da capacidade da criança em discernir….Esta relação que se
funda na discricionariedade pode gerar arbitrariedades e esta
por sua vez injustiças, que, com o passar dos dias se normalizam e
ambas, adolescente e patroa, consideram que tudo esta bem como na não saudosa
“casa grande”.
Sem dúvida, os interesses de pai e mãe
são conflituosos com os interesses de patrão e patroa.
A história e a cultura demonstram
que não se erradica o trabalho infantil dos já incluídos sociais senão dos que
ainda necessitam ser incluídos.
O desafio possível,
que o Brasil tem ensinado a comunidade internacional, é o trabalho coordenado interinstitucional e
intersetorial para que cesse a ironia social de uma criança com fome (no amplo
conceito e não só física) ter que servir a mesa do filho do seu patrão.
Assim a verdadeira inclusão social
não é condicionar uns direitos (o da educação, ou aceso a bens) a ter que
trabalhar para subsistir… este dever de casa não é bem o das crianças e
adolescentes.
Renato J Mendes
Coordenador Nacional
Projeto Trabalho Infantil
Doméstico
OIT IPEC