CRIANÇA...
SOCORRER EM TEMPO A NOSSA MAIOR ESPERANÇA DE UM MUNDO MELHOR
Cláudia Vieira Maciel *
Bacharel em Direito pelo Instituto Luterano de
Ensino Superior de Ji-Paraná (RO).
Resumo:
Versa sobre a realidade brasileira, onde inúmeras são as
pessoas que desconhecem as disposições do Estatuto da criança e do adolescente.
Comenta sete princípios básicos** no direito da criança e do
adolescente e alerta para a responsabilidade concorrente da sociedade e do
poder público.
Palavras-chaves
Criança, adolescente, estatuto
Possivelmente todos já ouviram aquela música que fala que "Depende de nós,
Quem já foi ou ainda é criança, Que acredita ou tem esperança, Que faz tudo por
um mundo melhor..."[1] e já sentiram a
responsabilidade que todos nós temos para com aqueles que se encontram em
situação peculiar de desenvolvimento. Não só este refrão, mas todas as estrofes
chamam a atenção das pessoas e as convidam a refletir sobre o seu papel dentro
da sociedade.
Infelizmente, apesar de todas os
absurdos que temos visto e, podemos dizer, que temos permitido acontecer, só
nos têm feito, na maioria das vezes, contribuir para as campanhas de
instituições não-governamentais que socorrem nossas crianças. São campanhas
importantíssimas e que merecem a nossa contribuição, mas que de nenhum modo
eximem ou diminuem a nossa responsabilidade.
Como bem alerta Tânia da Silva
Pereira, somos uma nação conhecida no mundo, "como destruidora de
florestas e exterminadora de crianças, na maioria pobres e
negras"[2]. E o que temos feito para
mudar esta situação? Talvez alguns respondam que estão cuidando da educação de
seus filhos e estão garantindo que eles não venham a contaminar-se pela outra
classe. Mas esquecem-se que, se nada for feito, amanhã
as suas crianças poderão ser as vítimas daquelas que foram esquecidas ou mesmo
ignoradas.
Talvez tenhamos nos acostumado a ver novas leis serem editadas quando algo ou
uma situação entra em evidência. Leis que tentam reprimir novos delitos e
diminuir os índices que assustam a sociedade. E o que é pior, com a era da
informática, dos produtos transgênicos, com a
clonagem humana e tantos outras inovações deste mundo
moderno, estamos sendo arrastados por uma onda que tem revelado novos crimes,
novas circunstâncias até então não previstas e que em alguns casos serão
positivadas tardiamente.
Corremos atrás de modernizar os
presídios, aumentar a segurança, e esquecemos que devemos atentar para aqueles
que irão compor a sociedade de amanhã. Que prevenir ainda é o melhor caminho. A
exemplo, pode-se citar que hoje os esforços têm sido imperceptíveis na guerra
contra a reincidência, contra a criminalidade. E isto porque é muito mais
difícil refazer do que construir, principalmente quando se trata de um ser
humano, já calejado pela vida, com sua visão e seus conceitos firmados em suas
experiências, que, embora desastrosas, são a sua referência. E ninguém vive
aquilo que não conhece...
Destarte, se queremos pessoas justas,
devemos ensinar justiça. Se queremos cidadãos na
acepção da palavra (não meros indivíduos que, à margem dos direitos, só ouviram
esta palavra nas músicas que clamam igualdade), devemos dar exemplos de
cidadania. E isto é muito mais, exige não só contribuições em campanhas de
entidades, que muitas vezes apenas conhecemos de ouvir falar, porque nos
limitamos às doações pecuniárias, e que de certa forma utilizamos para
justificar nossa postura omissa e cômoda.
Mas as coisas ainda podem mudar...O
Brasil conta com uma lei ultramoderna que instituiu o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990) e que, apesar dos seus mais de
onze anos, continua a sofrer os entraves que obstam a sua total aplicabilidade.
E o primeiro ainda é a falta de conhecimento da população, quanto
aos dispositivos que ela contém.
E é curioso como foi recebida pela grande maioria. Quando iniciaram as
propagandas televisivas, muitos adultos sentiram-se afrontados por
entenderem-se limitados em seus poderes de pais e educadores; não viram que ele
(o estatuto) tem como primordial função, a consagração da proteção integral e
outros princípios,
entre os quais o que eleva as crianças a
"sujeitos especiais de direitos". E a princípio o Estatuto não foi
bem recebido porque havia ainda a contaminação da filosofia disseminada na
doutrina da "Situação Irregular" do Código do Menor de 1979, que não
estabelecia direitos às crianças e aos adolescentes, e a elas não previa sequer
o direito de defesa. Graças ao Estatuto, hoje elas contam também com o
princípio "do devido processo legal".
O Estatuto, em seus 267 artigos, prevê
direitos e também medidas sócio-educativas para os adolescentes infratores,
alcançando não só crianças em situação irregular, como outrora, mas toda
criança e todo adolescente, instituindo assim o princípio da
"universalidade". E, além dos princípios já citados, vale
destacar outros como o "princípio do atendimento compartilhado" (ou o
que se pode chamar o "princípio da responsabilidade concorrente"), e
o "princípio da prioridade absoluta", princípios estes
constitucionais, com previsão expressa no artigo 227.
Assim estabelece o caput do artigo 227 da Carta Magna:
É dever da família, da comunidade, da
sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão..
Portanto, é dever de toda a coletividade guardar os direitos das crianças e dos
adolescentes. E, ao guardá-los, se constatarem uma situação em que estes e outros
interesses da coletividade estiverem aguardando providências, considerar os
interesses da criança em primeiro lugar. Ou seja, é "prioridade
absoluta". E a intenção da lei não é frisar qualquer redundância, pois uma
prioridade é uma prioridade, mas que, se duas prioridades se encontrarem,
prevalecerá a que beneficia a criança e o adolescente.
Liberati explica que por prioridade
absoluta devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em
primeiro lugar na escala de preocupações dos governantes [3]. Deve-se
ressaltar, para que não haja equívocos na interpretação, que há circunstâncias
em que deverá prevalecer a coerência, pois se uma criança chega a um hospital
para uma consulta rotineira e lá se encontra um adulto com problemas que o
colocam em risco de vida, deverá o adulto ser atendido primeiro. O que o
princípio prega, e novamente vale recorrer ao ensinamentos
de Liberati, é que deve se entender que na área administrativa, enquanto não
existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e
emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveriam asfaltar
ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, etc.[4]
E, como bem estabelece a lei, a
responsabilidade coloca o Poder Público sob a mesma ordem de responsabilidade
da família e da sociedade. E esse ponto merece especial atenção, pois, ao mesmo tempo que coloca o Poder Público sob a
determinação, coloca a sociedade também na função de fiscalizar para o total
cumprimento do que assim dispõe o artigo.
E qual tem sido a prioridade dada pelos chefes do executivo, quando se constata
que a grande maioria dos municípios não tem sequer instituído o Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, e até mesmo o
Conselho Tutelar? Trata-se de responsabilidade objetiva que enseja desde
mandado de injunção, onde há ausência de lei municipal para a implementação,
como também ação civil pública com tutela antecipada, nos casos em que já
existe a lei mas não houve a sua estruturação.
A criação do Conselho Municipal e do
tutelar envolve um sexto princípio, a saber, "princípio da municipalização
do atendimento", previsto nos artigo 88, I e III da Lei 8069/90 e artigo
227 §7º e 204, I da Constituição Federal.
Instituir os Conselhos Municipais é de
relevante importância, pois é através deles que a população é representada. O
artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou o
"princípio da participação popular" (previsão também nos art. 227,
§7º e 204, II da Carta Magna).
A participação popular nos conselhos é paritária, ou
seja, cinqüenta por cento da composição será integrada pela sociedade civil
organizada. Por isso a população deve estar atenta, deve acompanhar a
estruturação e o desenvolvimento dos trabalhos realizados e, inclusive,
acompanhar a aprovação das dotações e leis orçamentárias, pois estas deverão
obrigatoriamente prever recursos para a manutenção não só do Conselho Municipal
como também do Conselho Tutelar, pois sem recurso nada funciona.
Em síntese, pudemos comentar sete
princípios: o que estabelece a criança como sujeito de direitos; o princípio da
universalidade; do devido processo legal; da prioridade absoluta; do
atendimento compartilhado (ou responsabilidade concorrente); da municipalização
do atendimento; e da participação popular. Mas nenhum desses princípios terá
qualquer eficácia se não houver conscientização e esforços para que os mesmos
sejam cumpridos.
Uma importante obra tem por título
"Vigiar e Punir"[5]; mas este nome foi dado
porque versa sobre os adultos, pessoas já intelectualmente formadas que podem
ser recuperadas, mas requerendo atos muito mais complexos, como já mencionamos.
Podemos construir uma história que começaria com o título "Vigiar para não
ter que punir". E que tal começarmos pelas leis orçamentárias que estão em
fase de aprovação?
Como bem disse Ihering:
"A luta pelo direito é um dever para
consigo próprio. A defesa do direito é um dever para com a sociedade"[6].
Bibliografia
ATAÍDE Júnior, Vicente de Paula. Os princípios que norteiam o Direito da
Criança e do Adolescente (aula expositiva). Instituto Luterano de Ensino
Superior de Ji-Paraná-RO, 17 de agosto de 2001
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir - História da Violência nas Prisões. Tradução de
Raquel Ramalhete. 14ª ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
1996
IHERING, Rudolf
Von. A Luta pelo Direito. Tradução de
João Vasconcelos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense,
1985
LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao Estatuto da Criança e do
Adolescente. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000
PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente. Rio
de Janeiro: Renovar, 1996
Notas
* - Cláudia Vieira MACIEL é bacharel
em Direito pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Ji-Paraná (RO);e-mail:
claudiav.maciel@zipmail.com.br
** Os princípios foram suscitados pelo
Professor Dr. Vicente de Paula Ataíde Júnior em exposição em aula ministrada no
Instituto Luterano de Ensino Superior, em 17/08/2001.
[1] Composição de Ivan LINS e Vítor MARTINS
[2] Tânia da Silva PEREIRA. Direito da Criança e do Adolescente. Rio
de Janeiro: Renovar, 1996 , p. 1.
[3] Wilson Donizete LIBERATI. Comentários ao Estatuto da Criança e do
Adolescente. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 16
[4] Idem, ibidem.
[5] Michel Foucoult
. Vigiar e Punir - História da Violência
nas Prisões. Tradução de Raquel Ramalhete. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1996.
[6] Rudolf Von IHERING. A Luta pelo Direito. Tradução de João
Vasconcelos. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1985,
p. 11