VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO FORO REGIONAL XI

 

PINHEIROS – CAPITAL

 

Autos 011 00.900593-6

 

Ação Civil Pública

 

            Vistos,

            1 – Cuida-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra o Governo do Estado e contra o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – APEOESP, em que pede, o autor, em tutela liminar de cunho mandamental, ordem judicial que determina ao Governo do Estado que adote as providências necessárias para o cumprimento, no corrente ano letivo, da carga horária estipulada no art. 24, I, da Lei Federal nº 9394/96, devendo comunicá-las aos autos no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de apuração de responsabilidades pessoais de administradores e de integrantes do corpo docente da rede estadual...

 

            Requer seja ao final proferida sentença de natureza condenatória, para que sejam as rés obrigadas a adotarem as providências necessárias para a reposição das aulas que deixaram indevidamente de ser ministradas, de sorte a atenderem ao comando inserto no art. 24, I, da Lei Federal nº 9.394/96 – e de indenizar alunos e respectivos representantes legais, por danos morais e patrimoniais decorrentes de suas espúrias condutas, nos termos do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor... (fl. 11).

 

            Alega o autor, que é fato público e notório que o sistema público de ensino do Governo estadual está paralisado em virtude de greve de professores e funcionários, como adesão em todo o Estado de São Paulo, desde o dia 02 de maio do corrente ano, com incidentes amplamente noticiados pela imprensa até com o envolvimento pessoal do Governador do Estado. Sem adentrar no exame do direito de greve e na licitude das reivindicações salariais e profissionais dos grevistas, incitados pela co-ré APEOESP, o certo é que os prejudicados são os jovens e os adolescentes privados da oferta de ensino público obrigatório, que em razão da greve não vem sendo suprida pelo Estado. Enquanto o movimento persiste, com resistência de ambas as partes para que o impasse possa ser solucionado, número significativo de alunos está sendo obrigado a permanecer nas respectivas residências – quando deveriam estar na escola – com evidente prejuízo ao adequado processo pedagógico previsto pela Lei Federal nº 9.394/96, em autêntica negativa ao princípio da continuidade do ensino assegurado pelo art. 208, § 2º, da Constituição da República (fl. 04).

 

            2 – Inicialmente fica esclarecido que as ações civis públicas movidas contra a Fazenda do Estado, nas quais este Juízo tem afirmado sua competência, referem-se à defesa dos direitos coletivos e difusos da infância e da juventude a que aludem os arts. 148, IV e 208 da lei 8.069/90 (ECA), com a competência regulada pelo art. 209 do mesmo Estatuto: a) nos casos em que é possível ser identificado o território, ou local, em que ocorreu ou ocorrerá a ação ou omissão que constitui o fato e o fundamento jurídico do pedido, dentro do território do Foro Regional XI-Pinheiros, b) bem assim naquelas hipóteses em que a ação ou omissão não é localizada em um território de competência específica de um determinado Juízo da Infância e da Juventude, mas abrange toda a Capital ou todo o Estado de São Paulo, este representado pelo Exmo. Governador do Estado, cujo governo tem sede no Palácio dos Bandeirantes, situado na área do Foro Regional XI-Pinheiros.

 

            Nas hipóteses em que a demanda se dirige contra um ato omissivo ou comissivo, sempre na defesa dos interesses difusos e coletivos já elencados, competente é a Vara da Infância em cujo território aconteceu ou acontecerá a violação do direito a ser protegido (art. 209 do ECA), ressalvadas apenas as competências da Justiça Federal e dos Tribunais Superiores. Nos feitos em que essa defesa é dirigida contra uma ação ou omissão que abrange o território de mais de um foro, como no caso concreto em que a indigitada greve ocorre em todo o Estado de São Paulo, em que ocorre o fenômeno da ultraterritorialidade do ato, quando a ação ou omissão acontece em relação a mais de um Juízo da Infância e da Juventude da Capital e do Estado, a distribuição de tal competência não é expressamente disciplinada em lei ou norma específica, prevalecendo assim aquela genérica do art. 94 do CPC, ou seja, é competente o Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de domicílio do réu. E quando é parte passiva a Fazenda do Estado, o Foro competente é o da Capital, onde tem sede o Governo do Estado (art. 6º da Constituição do Estado). E no âmbito do território do município da Capital, competente é o Juízo do Foro Regional onde é situado o Governo do Estado, no Palácio dos Bandeirantes, ou seja, no Foro Regional de Pinheiros.

 

            3 – têm verossimilhança os fatos narrados pelo Ministério Público, na petição inicial, cuja medida acautelatória de conteúdo mandamental é concedida nos termos do artigo 213 e §§ do ECA combinado com o artigo 12 da lei nº 7347/85, independentemente da oitiva da pessoa jurídica de direito público, ante a emergência que caracteriza o denominado periculum in mora.

 

            Reza a Constituição da República que é prioridade nacional a defesa dos direitos da criança e do adolescente, a fim de que se assegure um futuro de qualidade para a nação brasileira, que sem filhos instruídos e bem educados permanecerá em atrasado estágio de civilidade, com a criminalidade grassando sob as mais diversas formas, seja na desobediência civil, seja na corrupção dos costumes sadios.

 

            Por estas e por outras razões igualmente relevantes a boa formação da criança e do adolescente foi eleita pelo legislador constituinte, como realmente não poderia deixar de ser, a maior prioridade nacional, como se pode verificar pela leitura do artigo 227 da Constituição: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e agressão.

 

            Basta simples leitura deste mandamento constitucional para que se conclua que os réus, por uma razão ou outra, justa ou injustamente, e não cabe nesta decisão ser apreciada a questão da legalidade ou não do movimento grevista dos professores e profissionais do ensino público estadual, estão descumprindo a Constituição da República e violando os direitos fundamentais da criança e do adolescente, que são os direitos à educação, à profissionalização e à cultura, dentre outros direitos inalienáveis, pela ausência ou oferta irregular do ensino obrigatório que alude o artigo 208, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

            Na regulamentação da disposição constitucional do art. 227, o ECA, lei federal que dispõe sobre a proteção integral do menor de 18 anos de idade, desatendida pelas rés, em seu artigo 4º, § único, estabelece que a garantia da prioridade absoluta a que aludem compreende a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública e, mais a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (ECA, art. 4º, § único, b e d).

 

            Mais não seria preciso dizer, embora o legislador incansável no propósito de fazer com que todos se dediquem com absoluta prioridade à boa e sadia formação do jovem brasileiro, justifique sua imposição ao proclamar que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício de cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes, dentre outros direitos e prerrogativas, o de acesso a escola pública e gratuita (ECA, art. 53 e inc. V), acesso esse que não é o mero direito de ser matriculado e adentrar no prédio onde devem ser ministradas as aulas, mas o direito de assistir a estas mesmas aulas que lhes vêm sendo subtraídas neste ano letivo de 2000 há  mais de 40 dias pela negligência do Governo do Estado, a quem compete assegurar a continuidade do ensino, suprindo por seus exclusivos meios a falta dos profissionais em greve e, por alguma forma, oferecer regularmente o ensino público e gratuito

 

            4 – Noticiam as matérias jornalísticas veiculadas na Folha de São Paulo, cujas cópias acompanham a petição inicial, que a oferta do ensino público da rede estadual está paralisada, ou irregular, desce o dia 02 de maio p. passado, com passeatas e manifestações públicas em que ocorreram violências e até agressão ao Governador do Estado, atingido por objetos contundentes (fl. 27, 34, 35) no dia 1º de junho. E o Jornal O Estado de São Paulo, de hoje (13/06), informa que a greve dos professores da rede de ensino estadual, que já dura 43 dias, custou até agora cerca de R$ 1,5 milhão para os cofres do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) (Geral, caderno A, p. 17), mostrando que na paralisação está envolvida o Sindicato réu, cuja responsabilidade será oportunamente apurada.

 

            Mas os jovens não podem ficar sem aulas.

 

            Assim, concedo liminarmente a medida para determinar ao Governo do Estado, na pessoa do Exmo. Sr. Governador do Estado e de seus subordinados, que adote as providências necessárias para o cumprimento, no corrente ano letivo, da carga horária estipulada no art. 24, I, da Lei Federal nº 9394/96, em relação aos alunos da rede pública estadual com idade igual ou inferior a 18 anos, devendo comunicá-las aos autos no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de apuração de responsabilidades pessoais de administradores e de integrantes do corpo docente da rede estadual.

 

Notifique-se, desta decisão, a Exa. Sra. Secretária de Estado da Educação, por mandado. Citem-se os réus, por mandado, com cópia da petição inicial e desta decisão.

 

São Paulo, 13 de junho de 2000.

 

Rodrigo Lobato Junqueira Enout

Juiz de Direito