Neroaldo Pontes de Azevedo
Secretário de Educação e Cultura do Município de João Pessoa, Paraíba.
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (Constituição Federal, art. 205).
1 – Situando a questão
Todos brasileiros têm direito, por força constitucional e por exigência de cidadania, a uma educação de qualidade. O oferecimento de uma educação de qualidade é tarefa tão complexa, que exige, de um lado, a ação do poder público, e necessita, de outro, do envolvimento de todos os agentes sociais.
Podemos apontar como dimensões relevantes para o desenvolvimento da necessária qualidade uma adequada organização e gestão escolar, que propicie um processo significativo de ensino e aprendizagem, o que pressupõe a existência de práticas efetivas de valorização e profissionalização para o magistério.
Abordaremos, aqui, a organização e a gestão escolar compreendendo que essas dimensões estão profundamente articuladas, já que a escola não é uma soma de partes, mas um todo interligado que busca articular as orientações dos poderes públicos e o pensar pedagógico à sua prática do dia a dia, mediada pelo conhecimento da realidade e pela participação de todos os atores envolvidos no processo educativo.
2 – Organização e gestão a serviço do projeto político-pedagógico da escola
A organização e gestão escolar deverão pautar-se, em primeira instância, pela garantia do cumprimento da função social da escola – a de socialização dos saberes acumulados historicamente pela humanidade e de formação de valores e atitudes voltados para o exercício pleno da cidadania. Assim, ao articular a organização e a gestão às finalidades educacionais, a escola estará garantindo, na prática, a consecução do seu projeto político-pedagógico.
No projeto político-pedagógico, a escola define coletivamente a sua política de currículo, de gestão e de relação com a comunidade, apresentando seus objetivos e metas. É o momento adequado para a escola assumir a sua especificidade e seu eixo de atuação, assim como o seu caminho metodológico.
Ao pensar a organização e a gestão escolar é preciso considerar: 1) as diretrizes normas e orientações emanadas da legislação nacional e local; 2) a organização e o uso pedagógico do espaço escolar; 3) as características de uma gestão democrática; 4) o sistema ao qual pertence a escola;5) a participação da família e da comunidade na escola, e 6) o registro da memória e documentação escolar.
O conceito vigente de flexibilização das estruturas pode ajudar a construir um novo princípio organizador para a escola, menos rígido e autoritário e mais centrado na resolução de problemas autênticos e comuns, por meio da coletividade. A noção da flexibilidade poderá garantir um sistema que permita múltiplas entradas e saídas do alunado; incorpore as diferentes vozes e olhares dos atores que compõe a comunidade escolar; respeite os diferentes ritmos e tempos; dialogue com as diferentes iniciativas, as diferentes funções e com as diferentes concepções pedagógicas.
Isso requer, da parte da instituição escolar, uma atitude permanente de reflexão e debate sobre a funcionalidade de sua organização e da gestão: delas dependem os ensinamentos e as aprendizagens no campo da democracia, do respeito, do diálogo, da cidadania.
2.1 – Diretrizes e normas
· As escolas têm obrigação de seguir as diretrizes e normas dirigidas a todo país, como forma, inclusive, de respeitar o direito do aluno, como, por exemplo, oferecer oitocentas horas aula distribuídas em duzentos dias letivos;
· As normas comuns ao sistema de ensino devem ser levadas em consideração pelos estabelecimentos escolares;
· Pertencendo a uma rede ou a um sistema (municipal ou estadual), a escola deve participar do Plano Municipal e/ou Estadual de Educação, seja na fase de preparação, seja no acompanhamento e na avaliação. Deles dependem as diretrizes, objetivos e metas para a educação, no próximo decênio;
· A construção do projeto político-pedagógico é momento adequado para uma síntese entre normas legais e realidade de cada escola;
· regimento escolar deve ser construído pela escola, e não ser um elenco de normas impostas por quem quer que seja. Deve constituir-se em um conjunto de normas que regem ou regulamentam o funcionamento da escola, respeitando a legislação nacional e as normas e diretrizes do sistema, procurando, porém, contemplar, as especificidades do projeto político-pedagógico;
2.2 – organização e uso pedagógico do
espaço escolar
· O espaço escolar já não pode mais ser construído sem critérios ou com critérios pobres e antipedagógicos. Em geral, as escolas contam com infra-estruturas bastante diferenciadas. Existem espaços que são chamados de escola apenas por possuírem aluno e professor. Muitas vezes, encontram-se em precário estado de conservação,colocando em risco a segurança e a integridade física das crianças e dos professores;
· É preciso oferecer uma organização racional do espaço escolar que permita condições mínimas de desenvolvimento das atividades de ensino-aprendizagem;
· É preciso oferecer o mínimo, como carteiras, quadro de giz, instalações sanitárias, elétricas e hidráulicas, ventilação e iluminação adequadas, espaço para reunião de professores, espaço para atividades didáticas, área de recreação, espaço para esportes, biblioteca ou canto de leitura, instalação e mobiliário para a secretaria da escola;
· Outros espaços educativos devem ir sendo conquistados, como laboratórios de informática, laboratórios de ciências, sala para atendimento individual, quadra ou ginásio desportivo;
· É importante que o espaço escolar seja adequado aos alunos portadores de necessidades especiais, incluindo rampas, corrimões e banheiros específicos;
· É preciso que esteja adequado também aos níveis e modalidades que a escola oferece. Por exemplo, a educação infantil requer um tipo de organização e uso de espaço diferente daquele requerido para o ensino fundamental;
· Pequenas alterações na forma de organização do uso do espaço escolar podem provocar bons impactos. Por exemplo, que a sala seja ocupada por crianças da mesma série ou ciclo nos diversos turnos, a fim de que o espaço possa ser compartilhado entre os alunos de diferentes turnos, sem prejuízo para a manutenção dos recantos específicos da sala de aula;
· É preciso encontrar um equilíbrio entre o possível, o viável e o ideal. Às vezes, a escola não tem espaço exclusivo para a biblioteca. Nesse caso, é preciso inventar formas criativas de utilização do acervo disponível na escola, seja por meio de cantinhos de leitura, sala de leitura, etc.;
· A escola tem que exercer um controle patrimonial de seus equipamentos; do material permanente, bem como de todos os bens disponíveis, tendo em vista o seu caráter público.
· É preciso atribuir a cada canto e recanto da escola um caráter educativo, contribuindo para tornar o espaço físico cada vez mais humano e a humanizador, mais atrativo, mais lúdico, mais vivo e mais pedagógico.
2.3 – Características de uma gestão
democrática
· A gestão democrática é parte integrante do projeto político-pedagógico da escola, como expressão de sua autonomia e de sua identidade própria, particular;
· Democrática, entendida como democratização do acesso, do saber e das relações;
· Abrangente, envolvendo os diversos âmbitos previstos na LDB: pedagógica, administrativa e financeira;
· Participativa, envolvendo os diversos segmentos que compõe a escola: dos diretores aos vigilantes, incluindo professores, técnicos, funcionários, pais, alunos;
· Educativa, implica a consciência de que a aprendizagem para o exercício participativo e propositivo da cidadania passa, necessariamente, pela vivencia democrática. Só se aprende democracia, sendo democrático;
· Supõe a implantação e implementação de estruturas de reflexão e tomada de decisão coletivamente, como: forma comunitária de escolha dos diretores, assembléias gerais da comunidade escolar, conselhos deliberativos escolares, associações de pais e mestres, grêmios escolares;
· Supõe a instituição de mecanismos de circulação de informações entre os diversos segmentos e de estímulo e incentivo à participação, como reuniões periódicas, murais, boletins informativos, divulgação de atas e relatórios;
· Administrar o pessoal lotado na escola é tarefa primordial, precisando criar-se um clima de convivência democrática.
· Exige liderança da equipe gestora para estimular a participação, refletir e sistematizar o processo, dirimir conflitos, solucionar criativamente os problemas, contribuir para a geração de consensos internos por meio do diálogo sobre os diferentes olhares;
· Exige o redesenho do poder da escola. As decisões passam a ser tomadas coletivamente e já não mais por uma pessoa ou pequeno grupo de pessoas;
· Exige a consciência de que o que se pretende é a gestão de uma nova cultura fundamentada na participação e na democracia. Esse é um processo lento, o que exige, portanto, avaliação permanente do processo;
· Exige processos sistemáticos de formação de todos os segmentos para a participação. Formação dos diretores, dos conselhos ou membros das associações para o conhecimento da legislação nacional e local. Muitas vezes impera o conhecimento como fator do poder, o que pode gerar inibição da voz dos pais, funcionários ou alunos.
· É preciso cuidar para evitar a burocratização e rotinização da gestão, priorizando prazos, procedimentos, atas e ofícios, em detrimento do pensar e do agir coletivos;
· É preciso cuidar para que o critério central das decisões coletivas seja o da qualidade da escola pública e não o interesse elitista ou excludente ou descomprometido com a educação que ainda impera em determinadas escolas.
2.4 - Escola: autonomia e articulação
§ A escola deve conquistar a sua autonomia, mas ela não é uma entidade isolada;
§ A escola articula-se ao sistema de ensino. Por meio do processo de autorização de funcionamento pelos órgãos competentes, a escola garante a sua inserção legal no sistema;
· Dado o caráter público da instituição escolar, decorre a sua obrigação de interagir com as demais escolas da rede, com o órgão gestor central ( em geral, as secretarias de educação), com os conselhos municipais ou estaduais (de educação, do FUNDEF, da merenda escolar, do programa bolsa-escola);
· Decorre, ainda, a sua obrigação de prestar contas à sociedade do trabalho educativo realizado.
· A autonomia da escola se dá de forma co-responsável dentro de um marco comum legal e de orientações político-pedagógicas extensivas ao sistema de ensino;
· A escola precisa participar ativamente dos órgãos e instâncias normativas e deliberativas da rede, como os Conselhos, o Fórum, bem como aliar-se ao Plano Municipal ou Estadual;
· Os órgãos gestores, por sua vez, tem a obrigação de agir com democracia, respeitando a autonomia das escolas;
· As chamadas “ordens de serviço” devem ser constituídas por documentos democraticamente discutidos, o que pode vir a assegurar um trabalho coletivo, garantindo qualidade à rede ou sistema como um todo e a cada uma das unidades escolares.
2.5
- Participação da família e da
comunidade na escola.
· Construir uma participação ativa da família e da comunidade na escola, superando as práticas ainda existentes de convidar as famílias apenas para as atividades festivas ou para informar o baixo desempenho ou mau comportamento de seu filho na escola.
· Ao relacionar-se com os pais e/ou responsáveis, a escola deve superar as idealizações ou os preconceitos ainda existentes, reconhecendo a diversidade de formas de organização familiar e, sobretudo, tratando pedagogicamente essa realidade.
· O objetivo é favorecer uma participação que gere compromissos da família com a aprendizagem e o sucesso escolar do seu filho e compromisso da escolar do seu filho e compromisso da escola com a inserção curricular do ambiente cultural da família e da comunidade. Essa parceria assegurará, em ultima instância, o pleno cumprimento da função social da escola.
· Isso exige incluir a voz dos pais ou responsáveis e da comunidade na construção, implementação e avaliação do projeto político-pedagógico da escola. A família e a comunidade precisam encontrar aí um espaço para apresentar suas necessidades e desejos em relação a escola, bem como para ouvir da escola suas necessidades e desejos em relação ao acompanhamento e envolvimento da família na vida escolar das crianças e dos adolescentes. É preciso ir definindo, no processo, responsabilidades de ambas as partes, a fim de se evitar a transferência de papéis.
· A construção do projeto político-pedagógico e do regimento escolar é, também, um momento privilegiado para definir os canais institucionais da participação da família na vida escolar. Formas democráticas de escolha do dirigente escolar, conselho deliberativo escolar, reuniões de pais são formas significativas de participação.
· Outra forma de envolvimento com a escola poderá se dar por meio do incentivo ao uso educativo, cultural das dependências escolares, sobretudo no final de semana quando a escola está ociosa. A biblioteca escolar, a quadra de esportes, o vídeo cassete, o laboratório de informática, o auditório são alguns dos espaços que podem ser plenamente utilizados pela comunidade. Além de possibilitar o uso educacional do estabelecimento escolar, essa prática poderá fortalecer os vínculos comunitários, bem como a atitude de cuidado e zelo comunitário pelas instalações escolares.
É importante garantir formas de informar a família sobre a freqüência e o desempenho dos alunos, conforme disposto na LDB. Muitas vezes, a família só tem informação sobre a vida escolar no final do ano letivo, quando já não é mais possível reverter o processo. A família tem direito a informação sobre a vida escolar de seu filho.
· Uma demanda da comunidade poderá ser a própria escolarização dos pais. O índice de analfabetismo e de baixa escolarização dos jovens e adultos ainda é bastante significativo no país. A ampliação do nível de escolarização dos adultos além de ser uma responsabilidade social e legal da escola pública, como resgate de uma dívida social histórica, é, também, uma maneira de ampliar os vínculos da família com a escola e de ampliar as possibilidades de uma contribuição mais significativa da família no processo de escolarização de seus filhos.
· Ao transpor as fronteiras dos muros da escola, poderá se identificar outros atores educacionais que atuam na comunidade, como ONGs, Igrejas, artistas locais (poetas, cantadores, pintores...), universidades, associações de bairro, empresas ... e com eles estabelecer parcerias que visem ao desenvolvimento escolar e cultural da comunidade. Uma ação privilegiada poderá ser a de tecer com eles um programa de atividades completares à escola a ser realizada no turno oposto ao da aula.
2.6 – Registro da memória e da documentação
da escola
· A memória é parte integrante do projeto político-pedagógico da escola. Conhecer sua história, quando e como surgiu, se já possuiu outro nome, se possui nome de pessoa, quem é a pessoa, as razões do seu surgimento – fruto de planejamento, de reivindicação e luta da comunidade, a documentação da constituição e de autorização de funcionamento, são elementos importantes para a formulação de sua identidade.
· É importante desburocratizar o sentido do registro da memória e da documentação escolar, conferindo-lhe caráter pedagógico e pondo-se a serviço dessa população à informação sobre a vida escolar do alunado.
· caráter pedagógico se manifesta nas múltiplas possibilidades de uso da documentação escolar, desde o trabalho pedagógico sobre a identidade do aluno a partir de sua ficha individual, até a reflexão permanente do processo educativo desenvolvido na escola, como, por exemplo, o nível da aprendizagem e de sucesso do alunado, a partir do registro individualizado da avaliação da aprendizagem no diário de classe ou ainda dos quadros estatísticos organizados no final do ano letivo sobre a movimentação e o rendimento escolar.
· Isso exige incluir no desenho da documentação escolar, aspectos relevantes para execução do projeto político-pedagógico da escola. Por exemplo, o diário de classe deve incorporar a concepção de educação e o desenho curricular em curso na escola e na rede de ensino.
· Exige, também, desenvolver permanentemente na escola uma prática de sistematização da vida escolar, não apenas por meio dos documentos institucionais, como as atas das assembléias e dos conselhos, ainda que essas tenham o seu lugar e a sua importância, mas, sobretudo, o registro dos avanços, das dificuldades e desafios da escola na execução do seu projeto político-pedagógico.
· Isso supõe o desenvolvimento de uma prática reflexiva coletiva. Apenas pela reflexão coletiva da prática pedagógica, a escola poderá articular e avançar no seu projeto, buscando a construção da qualidade necessária ao processo educativo.
· Ao sistematizar a escola explicitará a sua prática. O ato de sistematizar incorpora uma dimensão de teorização. Nesse sentido, para sistematizar a sua prática a escola requererá níveis crescentes de estudos e investigações a fim de melhor garantir a explicitação da articulação: teoria e prática.
· A memória e a documentação escolar têm uma dimensão pública, de informação e serviço à comunidade. É freqüente ainda que a comunidade desconheça o projeto pedagógico e o regimento escolar ou ainda que não tenha acesso a documentação escolar do seu filho, desconheça seus progressos ou dificuldades na escola. É preciso garantir a publicização da documentação no campo dos direitos do alunado.
· É preciso lembrar a importância que tem a secretaria da escola, no atendimento ao alunado, aos pais, e, de modo específico, no registro da memória e o cuidado com a documentação escolar.
3 – Questões para refletir
· Como você vê a sua escola no conjunto desses indicadores de uma organização e de uma gestão escolar a serviço de uma educação de qualidade?
· Que experiências você poderia identificar na sua escola que marcam uma organização e uma gestão a serviço de uma educação de qualidade?
· Que outras dimensões da organização e gestão escolar você apontaria como significativas para uma educação de qualidade?
· Quais são os seus compromissos pessoais com a sua escola?
4 – Leituras indicadas
· Constituição da República Federativa do Brasil (Capitulo da Educação).
· Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
· Legislação estadual e/ou municipal
· Projeto político-pedagógico da sua escola
· Regimento da sua escola