PROGRAMAS TELEVISIVOS:
RELATO DE PRÉ-ESCOLARES
Yumi Gosso[1]
Celina
Maria Colino Magalhães[2]
Fernando
Augusto Ramos Pontes[2]
Atualmente, a televisão se apresenta como
um dos mais poderosos agentes que influenciam e atuam direta ou indiretamente
sobre o desenvolvimento infantil. Isto ocorre em função da criança estar cada
vez mais distante das brincadeiras com seus coetâneos e ter forte tendência a
imitar personagens de seus programas prediletos, podendo assumir o papel de
alguns desses personagens.
Segundo uma pesquisa realizada nos
Estados Unidos ("Good Television
Habits", sem data), uma criança que começa a
freqüentar a escola já assistiu uma média de 4.000 horas de programas
televisivos. Conforme os resultados dessa pesquisa, muitas horas diante de um
aparelho de televisão podem ser prejudiciais à criança devido aos seguintes
fatores: a) a criança pode ficar exposta a cenas de muito sexo e violência; b)
a influência indevida de alimentos inadequados e de comerciais de brinquedos;
c) maus exemplos de modelos de comportamento antes da criança
ter esclarecido o conceito do que é certo ou errado ; d) a criança não
possui experiência e nem bom senso suficiente para compreender as cenas
complexas e de terror; e) ao ficar passivamente por um longo tempo diante da
televisão pode atrasar o desenvolvimento sócio-intelectual da criança.
Além do conteúdo dos programas em si,
existem também os comerciais, propagandas exibidas na televisão durante os
intervalos das programações. É importante lembrar das propagandas porque
crianças muito pequenas não conseguem diferenciar os comerciais dos programas e
acabam pensando que tudo faz parte de uma mesma programação.
Há evidências de que a constante
exposição a programas inadequados à criança, tais como cenas de violência, está
correlacionada com os comportamentos de discutir, entrar em conflito com os
pais, ou até de cometer atos delituosos, ou seja, quanto maior a exposição a
cenas de violência, maior a agressividade da criança (MOSER, 1991). Um
experimento com dois grupos de crianças, um exposto diariamente a programas
agressivos e o outro, a pro gramas de viagens sem violência, indicou que quando
após a essa exposição as crianças realizavam
atividades livres, o grupo exposto a programas agressivos apresentou maior agressividade
do que as demais crianças (MUSSEN, CONGER, KAGAN & HUSTON, 1988).
Uma pesquisa realizada por LEYENS (citado
por MOSER, 1991 ), mostrou também que jovens
delinqüentes expostos a filmes violentos durante uma semana, apresentavam
comportamentos agressivos de forma significativamente maior em diferentes
atividades quotidianas, do que aqueles que viram filmes não-violentos.
É com base nestas evidências que a APA (American Psychologica Association) justifica o monitoramento das programações
televisivas como o Estudo Nacional de Violência na Televisão (National Television Violence Study-NTVS) realizado
pela Universidade de Santa Bárbara na Califórnia em conjunto com mais três
universidades norte-americanas (SEPPA, 1997).
O fato dos meios de comunicação
influenciarem no desenvolvimento de valores sem necessariamente expressá-los de
uma forma direta é inegável. Neste sentido, toma-se importante verificar a real
quantidade de cenas violentas que se apresentam diluídas durante a programação
televisiva diária e mais importante ainda, é conscientizar os adultos sobre a
influência exercida por tais programas. Será que professores, pais, psicólogos
e demais profissionais interessados, possuem tal informação? Será que estas
informações não podem auxiliar na avaliação dos comportamentos de uma criança?
O NTVS realizou nos
Estados Unidos, uma
investigação a respeito da natureza dos pro gramas exibidos por 23 canais
durante cinco meses nos horários de 6 :00h às 23:00h e observou que cerca de
57% dos programas exibem cenas que foram classificadas como violentas (NTVS,
1994/1995).
A violência foi definida pelo estudo
acima citado como: "'Qualquer representação pública (aberta) do uso da
força física – ou da ameaça crível de tal força – tencionando um prejuízo
físico a um, ou a um grupo de organismo. A violência também inclui certas
representações de conseqüências fisicamente prejudiciais contra organismos, que
ocorram como resultado de violência implícita" (NTVS, 1994/1995, p.ix).
Após um estudo extensivo sobre o assunto,
o trabalho citado (NTVS, 1994/1995) identificou três tipos de efeitos
prejudiciais da exposição a programas com episódios violentos: 1) aprendizagem
de comportamentos agressivos; 2) dessensibilização às conseqüências da
violência; e 3) desenvolvimento do medo de ser vítima da violência.
Provavelmente estes efeitos são mais
perceptíveis após algum tempo de exposição a programas deste gênero. Embora
existam certos limites sociais para a expressão da agressividade, estudos
longitudinais apontam algumas evidências de que a exposição a
programas violentos influenciam comportamentos agressivos futuros. É
possível que haja um efeito de ação simultânea em que assistir programas
violentos resulte em agressão, que por sua vez, norteie a preferência por
programas televisivos desta natureza (MOSER, 1991).
Estes achados são no mínimo preocupantes
principalmente quando se pensa nos efeitos a médio e a longo
prazo, visto que, provavelmente o maior público das programações
televisivas são as crianças, pela sua maior disponibilidade de tempo.
Apesar da pesquisa ter sido realizada nos
Estados Unidos, algumas considerações do NTVS (1994/1995) merecem destaque,
tais como: 1) em 73% de todas as cenas violentas, o criminoso não é punido; 2)
as conseqüências negativas da violência não são retratadas na maioria dos
casos; 3) em 25% da violência retratada, há o uso de armas de fogo; 4) canais
de televisão a cabo apresentam maior índice de programas violentos (85%); 5) os
filmes são os programas que apresentam mais cenas realísticas de violência
(85%); 6) somente 4% dos programas violentos utilizam fortes propagandas
antiviolência; e 7) apenas 13% dos programas com cenas violentas, mostram
alternativas à violência ou como evitá-la.
Diante desse perfil, torna-se
questionável o tipo de valor moral que é repassado nas entrelinhas de um
programa televisivo, inclusive daqueles destinados ao público infantil. SEPPA
(1997), referindo-se aos resultados do NTVS (1994/1995), afirma que 40% da
incidência de violência nos programas fazem parte de iniciativas de personagens
idolatrados pelas crianças, tais como os heróis. Nesses casos os agressores não
demonstram remorso e as vítimas parecem não sofrer tanto. Outra preocupação dos
pesquisadores é que as crianças pequenas não distinguem a realidade da fantasia
e com isto, podem imitar seus personagens prediletos, por achar que as
conseqüências não serão graves.
Não se encontrou nenhum estudo detalhado
semelhante a este sobre a programação da televisão brasileira, mas é possível
que ela não esteja tão longe da realidade americana, devido a grande influência
exercida por esta.
Estas descobertas demonstram o quanto
tanto a conduta dos adultos como a programação
assistida, podem influenciar negativamente o comportamento da criança quando
ela não está sendo monitorada por alguém que possa avaliar o que se mostra à
criança na televisão. Isso ocorre em função da criança viver em processo de
aprendizagem sem ter condições de avaliar o comportamento dos demais e por
isso, está vulnerável as mais variadas influências.
Os trabalhos sobre a influência da
televisão, como citado anteriormente, são muitos, e vários autores tentam fazer
correlações entre os programas televisivos e atos futuros ligados à agressão.
Entretanto, não há um veredicto sobre se a violência da televisão é a única
responsável pelo comportamento agressivo infantil, mas considerando que a
criança faz um registro constante dos acontecimentos a sua volta, ninguém
gostaria que crianças jovens guardassem em sua memória cenas de violência.
Há três evidências, de acordo com o NTVS
(1994/1995), sobre a preferência de crianças na escolha dos programas.
Primeiro, as crianças cujos pais exercem influências nas escolhas de programas,
são menos propensas a escolher programas rotulados como "problemáticos".
Segundo, as crianças que sentiram medo anteriormente ao assistir um programa,
tendem a esquivar-se de programas que possuem advertências quanto ao conteúdo
das cenas. Terceiro, as crianças que mais possuem comportamentos agressivos,
demonstram mais interesse por programas que possuem advertências.
O fato de se ter referido quase que
exclusivamente a programas não específicos ao público infantil, pode ser
justificado por uma pesquisa realizada na década de 70 no Brasil (CAPARELLI,
1990), em que a preferência das crianças não era somente por programas
infantis.
Na referida pesquisa, os seguintes
programas lideravam a preferência infantil : novela, desenho, Jornal Nacional,
Fantástico, Sítio do Pica-pau Amarelo, Os Trapalhões, Quarta Nobre e Mulher Maravilha.
Isto demonstra que os programas considerados pelos adultos como adequados às
crianças nem sempre atraem os telespectadores infantis.
Observa-se que os estudos preocupados com
a influência dos programas televisivos sobre o comportamento infantil podem ser
classificados em três categorias. Os experimentais, como aqueles apresentados
por MOSER (1991), que procuram verificar a partir da exposição de cenas ou
filmes a sua influência no comportamento. O centrado na análise da programação,
como o realizado pelo NTVS (1994/1995), que parte do pressuposto de que esta
programação influencia no comportamento dos telespectadores, e a partir disto
faz um levantamento do que é exibido. Finalmente, uma outra forma de se
analisar esta influência são os estudos centrados no comportamento do
telespectador, que procuram verificar, a partir do relato verbal, o que é
"filtrado" da programação que ele assiste. Embora os estudos
experimentais tenham a comprovação mais contundente acerca da influência dos
programas televisivos, todos os tipos de investigação têm a sua validade, pois
atacam o problema (fenômeno) nas suas mais variadas frentes.
Este estudo é característico do centrado
no telespectador, mais particularmente na criança, e propõe-se a fazer um
levantamento das preferências de crianças pré-escolares de duas classes
sociais, por programas televisivos. Procurou-se avaliar através das respostas,
quais episódios são "filtrados" por essas crianças e qual a sua
natureza.
Método
Foram sujeitos desta pesquisa dois grupos
: a) 160 crianças (80 de cada sexo) de classe socioeconômica baixa, que
freqüentam creches ou escolas públicas; b) 190 crianças (95 de cada sexo) de
classe socioeconômica média, que freqüentam escolas particulares. A idade dos
sujeitos variou entre 60 e 81 meses, com a média de 68 meses. Todos são
moradores do município de Belém - Pa.
A coleta de dados foi realizada em
ambiente escolar nas salas de aula ou em pátios, dependendo da disponibilidade
de espaço físico de cada escola.
Foram utilizados questionários compostos
de quatro perguntas, duas delas extensivas ao "por quê" para o
primeiro grupo. No caso do segundo grupo, os questionários foram compostos de
sete perguntas, sendo que quatro delas extensivas ao "por quê". O questionário
continha também espaços para preenchimento de dados pessoais dos sujeitos.
A coleta de dados foi realizada, por duas
turmas de alunos da graduação do Curso de Psicologia da Universidade Federal do
Pará obedecendo aos seguintes passos:
- Os alunos de Psicologia receberam
informações sobre a pesquisa e foram instruídos sobre os procedimentos e o
preenchimento do questionário;
- Com um documento da Universidade,
realizou-se um contato inicial com a escola, para explicar os objetivos do
trabalho e solicitar permissão para realizar o mesmo;
- Os graduandos foram apresentados à
professora, com a qual discutiu-se a melhor forma de se realizar as
entrevistas;
- Escolhido o local mais adequado, as
crianças foram chamadas individualmente pelo pesquisador, que sentava-se próximo a ela e depois de explicar o que seria
feito, dava início à entrevista. Tudo que era verbalizado pela criança, foi
anotado cursivamente, registrando- se o horário de
início e do término da entrevista.
Resultados
e discussão
Esta questão foi abordada em ambas as
classes sociais, sendo permitida mais de uma resposta por criança, portanto, o
número de respostas computadas foi de 192 para as crianças de classe média e
160 para as de classe baixa. Para se comparar os dois grupos sociais,
verificou-se a freqüência relativa das respostas, considerando-se o número de
respostas computadas de cada grupo como a freqüência total (100%). Com o
intuito de facilitar a análise, todos os programas citados foram classificados
em oito categorias, como segue:
1 - Desenho : inclui todos os desenhos
animados de curta duração e que na maioria das vezes fazem pode dos programas
infantis exibidos pelas emissoras de televisão. Ex : Pateta, Ursinhos
Carinhosos, Tunder Cats,
etc.
2- Novela: refere-se aos programas que
narram um romance e/ou aventuras que são divididos em
capítulos e exibidos diariamente de segunda a sexta ou de segunda a
sábado. Ex : Malhação, Por Amor, Chiquititas, etc.
3- Infantil : programa destinado ao
público infantil, que pode ou não ter a presença de um apresentador que
coordena as atividades desenvolvidas durante o mesmo. Ex: Eliana, Angélica,
Chaves, Castelo Rá-tim-bum, Os Trapalhões, etc.
4- Filme: programa com duração
média de duas horas, que possui uma estória verídica ou não, com início, meio e
fim. Ex: Robocop, O boneco assassino, Batman, etc.
5- Esporte: todo e qualquer programa que
se refere a notícias de acontecimentos esportivos ou a exibição de competição
esportiva. Ex: Futebol, Globo Esporte, Corrida de Fórmula 1, Basquete, etc.
6- Programa de auditório: inclui todos os
programas destinados ao público adolescente ou adulto que possuem um animador e
uma platéia. Ex: Domingo Legal, Programa Livre, Domingão do Faustão, etc.
7- Humorístico: inclui os programas de
comédia destinados ao público adolescente e adulto. Ex: A praça é nossa, Casseta e Planeta, etc.
8- Sem resposta: casos em que as crianças
não souberam ou se recusaram a responder.
Os resultados demonstraram que as
crianças de ambas as classes sociais assistem preferencialmente desenho animado
(39% da classe média e 51% da classe baixa). Um fato interessante é que as
crianças de classe média dividem-se entre o desenho (39%), a novela (26%) e os
programas infantis (32%) ; enquanto que a maioria das crianças de classe baixa
(51%) escolheu desenho e em seguida os programas infantis (36%). As demais
categorias permaneceram abaixo de 5% em ambas as classes sociais (Figura 1).
Figura
1 - Preferência relativa
de crianças de classe média (n= 192) e de classe baixa (n = 160) por tipos de
programas televisivos.
Nota-se, conforme figura 01, que a
diferença entre a preferência de desenhos e os programas infantis não é muito
grande em ambos os grupos. A novela, que parece atrair 26% da preferência das
crianças de classe média, não passa de 5% na opinião das crianças de classe
baixa. Isso pode ser em função da realidade retratada nas novelas que é mais
próxima das camadas sociais média para alta, do que
das camadas de nível baixo e até mesmo porque as emissoras, com vistas a atrair
este público, têm colocado crianças e temas relativos em seus enredos.
O fato do grande número de crianças
assistirem a desenhos e programas infantis, diferentemente dos dados obtidos na
década de 70 (CAPARELLI, 1990), pode ser um reflexo do surgimento de vários
programas voltados ao público infantil a partir da década de 80, tais como os
da Xuxa, Mara, Angélica, Vovó Mafalda, etc. É importante lembrar que a maioria dos desenhos assistidos pelas crianças são exibidos em
programas dessa natureza.
Para fazer esta análise, selecionou-se somente as respostas cujos desenhos animados
foram citados como programa preferido (freqüência total) e calculou-se a
freqüência relativa para cada sexo e grupo social em relação ao tipo de desenho
mais assistido.
A variedade de desenhos citados pelas
crianças de classe média foi 44, enquanto as crianças de classe baixa citaram
29. Devido a essa grande variedade de desenhos, só serão mostrados nos gráficos
os desenhos que foram citados mais de uma vez.
O número de respostas registradas para as
crianças de classe média, foi de 44 para os meninos e 28 para as meninas,
lembrando que este valor representou a freqüência total para cada sexo.
Conforme a figura 2, os meninos desta classe dividem-se quanto a sua
preferência em dez tipos de desenhos, dentre os quais o Pateta e o Pato Donald
são os preferidos com 9%. As meninas citam mais freqüentemente três tipos de
desenhos, o Pateta (18%), o Pernalonga (14%) e o Scobydoo (11%). Há também 14% das meninas que não especificaram qual o tipo preferido nesta categoria.
Figura 2 - Freqüência relativa da
preferência de crianças de classe média por tipos de desenhos (respostas
computadas: 44 meninos e 28 meninas).
Figura 3 - Freqüência relativa da
preferência das crianças de classe baixa por tipos de desenhos (respostas computarias: 48 meninos e 34 meninas).
Para as crianças de classe baixa o número
de respostas registradas na categoria desenho foi de 48 para o sexo masculino e
34 para o feminino. Aqui também os meninos demonstraram maior tendência em
escolher uma variedade de tipos de desenhos (sete tipos), diferentemente das
meninas que se concentraram em quatro tipos, semelhante às de classe média. A
diferença está nos desenhos citados, pois no caso dos meninos a preferência é
maior pelo Máskara e Pica-Pau (ambos com 21%), em
seguida pelos Ursinhos Carinhosos (15%) e Pernalonga
(10%), os demais ficaram abaixo de 10%. No caso das meninas, 35% prefere o
desenho do Pica-Pau, 18% o Máskara e 12% o Pernalonga (Figura 3).
A preferência de crianças de classe baixa
de ambos os sexos por desenhos do Pica-Pau foi observada também em um estudo de
SANTOS (1996) realizado somente com crianças de classe baixa de Belém. No
referido estudo, o segundo desenho mais citado pelos meninos foi Power Rangers, que ocorreu com
menor freqüência neste estudo; enquanto que, as meninas citaram com a mesma
freqüência o Pernalonga, Pato Donald e o Tom & Jerry. Com a exceção do Pato Donald, todos os demais
desenhos também foram citados pelas meninas de classe baixa do presente estudo.
Fazendo uma comparação entre as classes,
nota-se que em função do número menor de variedade de desenhos citados pelas
crianças de classe baixa, há maior número de respostas em comum sobre a
preferência por tipos de desenhos. Um outro fato que chama a atenção é que a
preferência da maioria das crianças de classe média é pelo desenho do Pateta e
do Pernalonga, enquanto que as crianças de classe
baixa preferem o Máskara e o Pica-Pau. Talvez esta
preferência diferenciada possa ser esclarecida se as razões da escolha fossem
analisadas. Entretanto, pode-se também inferir que crianças de classe média
preferem desenhos cujo humor é tema principal e os personagens principais são
animais. Por outro lado, crianças de classe baixa parecem preferir desenhos
cuja versatilidade é mais focalizada, pois o Pica-Pau é considerado um
personagem versátil em suas relações (FUSARI, 1982; citado por SANTOS, 1996) e
o Máskara usa a transformação como estratégia de
ação.
Esta é a questão central do presente
trabalho, pois a descrição de uma parte do programa preferido pode dar um
indício do que está sendo absolvido pelas crianças a partir da programação
assistida.
Solicitou-se as crianças de ambas as classes
sociais que contassem uma parte do programa que elas mais gostavam de assistir.
As respostas foram muito variadas, mas foi possível agrupá-las nas categorias a
seguir:
1 - Afetivo altruísta: inclui relatos em
que um personagem demonstra algum comportamento que expressa uma ligação
afetuosa em relação a outro, algumas vezes com a intenção de auxiliá-lo. Ex: "...beijou ela", ".fugiram juntos", "... ele tinha
que encontrar o tesouro para salvar o homem... ",
etc.
2- Agressividade: são os relatos a
respeito de comportamentos inadequados de um ou mais personagens com o intuito
de causar danos a outrem. Ex: "...quando
mata....", "... quando bate no
monstro... ", "... destruiu a mochila
dele", "... quando briga... ", etc.
3- Brincadeira : inclui relatos de
atividades lúdicas ou jogos, como os de amarelinha ou pula corda. Ex: "...ele jogou bola...", "... quando
inventa brincadeiras... ", "... para ver
quem chega primeiro... ", etc.
4- Suspense e espanto: inclui relatos de
episódios em que há referência a enigmas a serem desvendados e/ou um personagem
demonstra ficar assustado com alguém ou com algum acontecimento. Ex : "...
descobre os mistérios...",
"...apareceu um fantasma e a Maria gritou .. ",
"... tomou um susto", "... assusta as amigas", etc.
5- Humor: inclui relatos de episódios
cômicos e/ou que retratam travessuras dos personagens. Ex : "... são engraçados", "... grudou
chiclete na cadeira e sentou", etc.
6- Musical: refere-se a relatos de
episódios em que um ou mais personagens desenvolvem atividades ligadas à
música, com ou sem movimentos corporais rítmicos. Ex : "... quando cantam....dançam", etc.
7- Esperteza: episódios em que um
personagem engana o outro em seu próprio favor. Ex: "...se disfarçou de mulher para enganar..", etc.
8- Poderes mágicos: relatos de episódios
em que um personagem usa de magia para transformar-se em outra pessoa, objeto
ou animal. Ex : "quando ele ia virar
peixe...", ".. se transformou mudando de
cor.. ", "... se transforma por causa dos poderes mágicos...",
etc.
9- Dubialidade
e s/resposta: refere-se a casos em que a criança não respondeu e a todos os
relatos que não possuíam um sentido lógico que permitisse compreensão do trecho
e a classificação em outra categoria. Ex: "...
quando estava indo...", "... quando a velhinha aparece",
"... quando tem coelho", etc.
Fez-se uma comparação entre os sexos e os
grupos, calculando-se a freqüência relativa. A freqüência total considerada
baseou-se no número de crianças que optaram por "desenho", sendo que
para as crianças de classe média esse número foi de 44 para os meninos e 28
para as meninas. Na classe baixa, esses valores foram de 48 e 34
respectivamente.
Entre as crianças de classe média,
nota-se que os episódios de "agressividade" foram citados com uma
freqüência maior, tendo sido referidos por 55% dos meninos e 25 % das meninas.
A segunda categoria mais freqüente é "afetivo
altruísta'', citado por 9% dos meninos e 21% das meninas. (Figura 4).
Figura 4 - Freqüência relativa das categorias referente às cenas citadas pelas crianças de classe
média (respostas computadas : 44 meninos e 28 meninas).
É importante salientar a preferência da
grande maioria dos meninos de classe média pelas cenas de conteúdo agressivo
apesar deles assistirem desenhos que as meninas também assistem, como o Pateta,
Pemalonga e Scobydoo, mesmo
que em proporções menores. Isto pode indicar que embora duas crianças tenham
preferências pela mesma programação, as cenas que mais atraem sua atenção podem
ser completamente diferentes uma da outra.
No caso das crianças de classe baixa a
"dubialidade e s/ resposta" foi a categoria mais freqüente tanto entre os meninos (38%),
quanto entre as meninas (35%). A "agressividade" vem logo em seguida,
tendo sido citada por 31% dos meninos e 26% das meninas. Em relação a terceira categoria mais citada, há diferença entre os
gêneros, visto que 15% dos meninos citaram os episódios de "poderes
mágicos" e 21% das meninas, o "humor" (Figura 5).
Figura 5 - Freqüência relativa das categorias referente às cenas citadas pelas crianças de classe
baixa (respostas computadas : 48 meninos e 34 meninas).
Embora as crianças de classe baixa se
refiram com uma freqüência relativamente alta a episódios agressivos, como
observado por SANTOS (1996), o que chama a atenção nesta questão é a alta
freqüência de crianças que não responderam ou cujas repostas eram dúbias.
Também no estudo de SANTOS (1996), a maioria das meninas (77%) não respondeu a
esta questão. Segundo a autora talvez isso seja um indício de que as meninas
estejam menos atentas ao conteúdo das estórias. Pode-se também supor que a
tarefa de contar uma estória que já tenha visto ou ouvido anteriormente, assim
como falar de suas preferências, não faça parte da rotina dessas crianças. Esta
condição pode ser mantida pelos adultos de seu grupo social, que dificilmente
procuram ouvir as crianças e estimulá-las a falar.
Quando se observa os dois grupos sociais
como um todo, percebe-se que as crianças de classe média, apresentam uma freqüência
consideravelmente alta de relatos de cenas agressivas, há também igualmente, uma certa freqüência de cenas afetivo altruístas. Por outro
lado, as crianças de classe baixa citam com uma alta freqüência os episódios
agressivos, mas não relatam nenhum afetivo altruísta. Isto indica que as
crianças de classe média "filtram" ambos os tipos de episódios, o que
sugere que elas tenham maior probabilidade de comportar-se nesses dois sentidos
do que as crianças de classe baixa.
Em relação à
esta questão, foram permitidas mais de uma resposta por sujeito. Portanto,
registrou-se 268 respostas para as crianças de classe média e 160 respostas
para as de classe baixa. Esses valores foram considerados como a freqüência
total para os respectivos grupos.
Essa questão proporcionou a descoberta de
alguns fatos curiosos que podem ser observados na figura 6. O desenho está
entre as três categorias mais citadas em ambos as classes sociais. Isso é
contraditório com as respostas obtidas sobre programas preferidos, onde o
desenho foi a categoria mais citada. Talvez em função
das crianças assistirem muitos desenhos, elas acabem selecionando os mais
atraentes e menos atraentes dentro de uma mesma categoria de pro gramas.
Figura 6 - Freqüência relativa dos
programas que mais desagradam o público infantil de classe média (N = 268) e de
classe baixa (N = 160).
Outro fato interessante é a rejeição por
novelas, que também demonstrou-se alta em ambas as
classes, pois na classe média, a novela foi a terceira categoria mais
preferida. Essa aparente contradição pode ser devida ao fato de que as crianças optem por assistir determinados tipos de novelas, mais
voltados ao público infantil. Como a maioria das novelas não possui essa
característica, as crianças assistem assiduamente uma novela
específica e rejeitam as demais. Nesses dois casos (desenho e novela), a
alta freqüência não indica necessariamente uma menor preferência, mas uma alta
seletividade dentro dessas categorias.
Conclusão
Diferentemente do que foi
indicado por CAPARELLI (1990), as crianças de ambas as classes sociais
assistem mais programas infantis. Infelizmente não se tem conhecimento de
pesquisas longitudinais no Brasil, tal como o realizado pelo NTVS (1994/1995),
que procurem relacionar a preferência de crianças por programas televisivos e
os seus comportamentos futuros. Uma pesquisa de tal dimensão seria muito
interessante para uma melhor investigação sobre o assunto.
Apesar da presente pesquisa ter
investigado a preferência de crianças de duas classes sociais em apenas uma
capital brasileira, os resultados demonstraram que há algumas diferenças e
semelhanças que merecem destaque, tais como:
a) O fato das crianças serem fiéis a
determinados pro gramas.
b) A grande preferência por desenhos
animados e programas infantis.
c) Uma maior variedade de tipos de
desenhos citados pelos meninos do que pelas meninas.
d) A dificuldade das crianças de classe
baixa em explicar suas escolhas, que sugere um repertório verbal mais restrito quando
comparadas às de classe média.
e) O fato de crianças de ambas as classes
sociais relatarem episódios agressivos, com uma grande freqüência.
É preciso avaliar a metodologia
utilizada, no caso a entrevista, que pode ter favorecido as crianças de classe
média, contrastando com a visível dificuldade das crianças de classe baixa em
relatar os episódios de seus pro gramas preferidos, fato
que pode ter interferido nos resultados.
Pode ser que os resultados obtidos neste
estudo sejam diferentes das de outras regiões do país, como um reflexo das
características próprias das emissoras do local, dos hábitos familiares e da
influência da comunidade local, sendo interessante realizar um levantamento
dessa natureza em outras localidades, não só em outras capitais, mas também no
interior do Estado. Possivelmente uma comparação entre áreas urbanas e rurais
levante discussões interessantes.
Independentemente dessas possíveis
diferenças, um fato importante que deve ser lembrado a partir da constatação do
grande número de episódios agressivos citados, é o alerta de que a televisão
não deve ser utilizada como uma "babá eletrônica", ou seja, os pais
não devem ver a programação televisiva como instrumento de "distração de
crianças". Deve-se lembrar também que a percepção da criança pode variar
em função das orientações que ela recebe enquanto assiste os
programas, daí a importância do monitoramento de um adulto nesse
momento.
Agradecimentos
Aos alunos de graduação em Psicologia dos semestre 2/96 e 2/97 pelo auxílio na coleta de dados; à
bolsista Mônica Coelho; a direção e ao corpo técnico de todas as escolas do
município de Belém que permitiram a realização desta pesquisa; e ao prof. Dr. Stephen Ferrari pela tradução do resumo para o inglês.
Referências
bibliográficas
CAPARELLI, S. Televisão, programas
infantis e a criança. In: ZILBERMAN, R. (org.). A produção cultural para a criança. 4 ª
ed. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1990.
GOOD
TELEVISION HABITS. Helping your child get ready for school.
Texto disponível na
Internet.
http:///wwiw.ed.gov/pubs/parents/GetReadyforschooll/TvHabits,html
[1998, may 14].
NATIONAL TELEVISION VIOLENCE STUDY Summarv of findings and recommendations. Mediascope, 1994/1995. (Relatório técnico).
MOSER, G. A agressão. São Paulo, Ática, 1991.
MUSSEN, P.H. ; CONGER, J.J. ; KAGAN, J. ;
HUSTON, A.C. Identidade e desenvolvimento social. In: Desenvolvimento e personalidade da criança. 2 ed. São Paulo, Harbra, 1998.
SANTOS, L.P. Preferência de crianças por programas televisivos. Belém, 1996. [Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) - Universidade Federal do Pará.
SEPPA,
N. Children's TV remains steeped in violence.American
Psychological Association, 1997. Texto
disponível na Internet.
http:llwww.apa.org/monitor/un97/tv.html/
[1998, may 14].
[1] Mestranda do Curso de Psicologia: Teoria e Pesquisa do
Comportamento da Universidade Federal do Pará e bolsista da CA P E S. En d. C ai x a P o s tal 158 Centro, Belém - PA - C E P 66.017-970. Tel/fax : (091 ) 211 - 1662. E – mail: gosso@interconect.com.br
[2] Professores Doutores do Departamento de Psicologia
Experimental da Universidade Federal do Pará.
Fonte
GOSSO, Y; MAGALHÃES,C.M.C.; PONTES,
F-A-R- Programas Televisivos: Relato de Pré-Escolares. Rev. Bras. Cresc. Desenv. Hum., São Paulo, 8
(1/2), 1998.