DO ATO INFRACIONAL
José Barroso Filho
Juiz Militar Federal, BA.
Parte 1
SUMÁRIO. 1.
Considerações preliminares - 2. Do Direito da Infância e da Juventude - 3. Das
Medidas sócio-educativas - 4. Das Medidas sócio-educativas em espécie – 4.1. Advertência
– 4.2. Reparação do Dano – 4.3. Prestação de Serviços à Comunidade – 4.4.
Liberdade Assistida – 4.5. Semiliberdade – 4.6.
Internação – 5. Da Competência – 6. Conclusão.
Resumo
O artigo analisa a vulnerabilidade que justifica a formação
do microssistema de proteção à criança e ao
adolescente. Discute a conceituação de ato infracional
e a conseqüente e necessária aplicação de uma medida sócio-educativa. Trata das
medidas sócio-educativas em espécie e da competência para a aplicação das
mesmas.
1-
Considerações preliminares
O crescente índice de infrações cometidas por adolescentes,
demonstra o aumento da crise econômica e a incapacidade do Estado em promover o
reequilibro social.
Percebe-se pois, que a violência destes adolescentes, em sua
esmagadora maioria, nada mais reflete do que a própria violência do meio em que
vivem.
A flagrante falta de apoio conduz esses jovens a adentrar a
passos largos na marginalidade, fazendo deles atores de trágica dramaturgia, na
qual só existem vítimas.
Por certo, procuram nas drogas, um
refúgio, ante uma realidade tão adversa e a prática de furtos é, tão somente,
uma maneira de obter recursos para continuar sua interminável fuga.
Porém, antes de pensar em punir esses desajustados, faça essa
sociedade uma reflexão, tentando relembrar quando estendeu a mão em auxílio
daqueles órfãos de pais vivos, filhos bastardos de uma sociedade que não os
ampara, mas apressa-se em punir os outros por suas próprias falhas.
O sistema de proteção integral previsto no Estatuto da
Criança e do Adolescente revela que nossa preocupação maior deve ser a
reeducação e ressocialização desses agentes.
A respeito, vejamos o art. 100 do E.C.A, “in verbis” :
“ Art.100 - Na aplicação das medidas
levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que
visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.”
Bem se vê, que a conveniente e covarde política de promover a
internação desenfreada desses jovens, longe de resolver o problema, só joga a
sujeira para debaixo do tapete, fermentando a produção do marginal do futuro.
É dever dessa sociedade dar auxílio a esses adolescentes,
procurando resgatar o cidadão aprisionado nestes jovens e sofridos seres.
Relembremos o genial escultor Michelângelo:
“ Tudo está dentro da pedra. Só
raspo as saliências desnecessárias.”
Creio que nossa obrigação é fornecer todo o apoio necessário,
o que esses adolescentes nunca tiveram, para que deles possamos cobrar algo
mais do que uma natural violência daqueles que são, diuturnamente, violentados.
A respeito, trago à colação o Enunciado 17 das “Regras de Beijing” ( Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores) :
“ A resposta à infração será sempre
em proporção, não somente às circunstâncias e gravidade da infração e às
necessidades do menor, como também às necessidades da sociedade.”
Nesse diapasão, interessa mais à sociedade que esses
infratores sejam corretamente tratados, sendo desnecessária sua segregação
social para o intuito de resgatá-los à cidadania e não colaborar para seu
ingresso na marginalidade, forçando-o ao convívio com elementos de outras cepas
... de outras histórias, e sem nenhum apoio na área educacional, reflexo da
lamentável omissão do Estado, despreocupado em resgatar o cidadão, naquele que,
eventualmente, comete infração, pouco se importando com a deteriorização
causada ao ser humano submetido a condições adversas, tais como, as observadas
nos centros de internação de adolescentes.
Valiosas as palavras de Mário Otoboni
(“Cristo sorrindo no Cárcere”, Edições Paulinas, 3ª ed., 1983) :
“ É melhor preparar o homem para
voltar ao convívio social do que abandoná-lo à própria sorte, nos fundos de uma
cela, onde, ao final da pena, sua presença na comunidade passa a representar seríssimo perigo pelo aumento da periculosidade que o
convívio carcerário propicia”.
A medida sócio-educativa visa, sobretudo, como o próprio nome
indica, a regeneração do adolescente. Cabível o raciocínio de Bernard Shaw :
“ A pena deve ser considerada em seu
duplo objetivo : punitivo e regenerativo. Para regenerar uma pessoa é preciso
melhorá-la. Para punir uma pessoa é preciso injuriá-la. Não se conhece uma
pessoa que tenha melhorado sendo injuriada.”
Evidente que não se trata de abonar todo e qualquer ato, pois
a relevação do erro é prejudicial ao adolescente.
Deve este ser responsabilizado por seus atos.
Assim, no cometimento de atos graves ou no caso de
descumprimento de medida menos severa anteriormente aplicada, conforme o caso,
é necessária a segregação do adolescente, para que seja dada ao mesmo uma
correta abordagem pedagógica, no intuito de que reconheça os limites que lhe
são impostos pela convivência em sociedade.
Porém reservemos as medidas restritivas de liberdade para os
casos mais graves, entendendo a sua aplicação como excepcional.
Devemos assim privilegiar as medidas de orientação e
acompanhamento, tais como: a liberdade assistida, a reparação do dano e a
prestação de serviços à comunidade.
Não esqueçamos de promover, ao lado da aplicação dessas
medidas a reinserção do jovem em programas
educacionais e profissionalizantes .
Importante é que tenhamos consciência de que, tratar e
recuperar o adolescente infrator, implica, necessariamente, em tratar e
recuperar a família deste jovem, para que possamos resgatá-lo como elemento
útil à sociedade.
De todos esses considerandos, forçosa é a constatação de que
o Estado, em verdade, é “co-autor” de boa parte das infrações cometidas, pois sua inação em projetos sociais conduz muitos ao desespero,
infectando-os com o delito.
Vale ressaltar : A economia que se faz em educação, saúde e
habitação, implica em gastos redobrados com segurança pública. Assim a melhor
resposta que se pode dar ao ato infracional , é
tratar o agente da maneira mais conveniente, no sentido de que a sociedade
possa ganhar um cidadão e não um marginal.
2 - Do direito da infância e da juventude
O Estatuto revela-se como um corpo de princípios e normas
prescritas pelo Estado para a administração da causa da criança e do
adolescente, considerados como prioridade nas ações estatais, nossas sementes
de futuro.
As particularidades encontradas na referida norma levam em
conta a situação peculiar daqueles que estão ainda em desenvolvimento físico,
social e psicológico.
A singularidade que legitima a autonomia de um ordenamento,
consiste na especificidade de um conjunto de interesses e bens jurídicos que ,
por sua relevância na vida social, necessita de tutela específica e atrai para
a sua órbita toda uma trama de relações jurídicas afins, tendentes à realização
daqueles bens e interesses.
O Direito da Infância e Juventude possui objeto próprio,
porque se constrói sobre uma categoria de bens e interesses que lhe é privativa
por natureza.
Se esses bens jurídicos comportam, por natureza, uma
diferenciação em categorias e exigem tratamento jurídico diverso, dão origem a
ordenamentos jurídicos diversos, bem assim, as normas processuais e penais
comuns e as normas referentes a ato infracional
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Relembrando o Mestre Martinez Muñoz
- “ São tão profundas e contínuas as divergências
entre um e outro ramo que a confusão de ambos em um único obrigaria a falar de
branco e preto ao mesmo tempo”.
Não podemos tratar adultos e adolescentes de uma mesma
maneira, pois estão submetidos a ordenamentos jurídicos diversos, justificada a
diferenciação pelas finalidades almejadas em cada segmento.
O Direito da Infância e da Juventude tem um âmbito material
próprio e exclusivo, derivado da natureza particular e da conduta que regula,
das relações que tem em mira e dos bens ou interesses jurídicos que protege.
A analogia pode ser admitida desde que não desvirtue os
princípios que norteiam o Direito da Criança e do Adolescente.
Afinal, “a criança é nossa única e verdadeira prioridade,
pois se nos atrasarmos no devido atendimento, simplesmente deixa de ser
criança”.
3 - Das medidas sócio-educativas
Considerações Gerais
A doutrina estatutista não confere
pena ao adolescente infrator. Tendo em conta a peculiar situação de pessoa em
formação e desenvolvimento e por ser inimputável, recebe como resposta à sua
conduta infracional medidas de caráter
sócio-educativo ( art. 112, incisos I a VII ), que
podem ser cumuladas com as medidas protetivas do art.
101, incisos I a VI.
Importa ressaltar que os menores de 12 anos, portanto, crianças, estão sujeitos apenas às medidas de proteção
previstas no art. 101, incisos I a VI.
Ao adolescente infrator o Estatuto oferece, pois, um
receituário de medidas previstas no art. 112 e seus incisos: advertência,
obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade
assistida, semiliberdade e internação.
Tais medidas, de modo geral, conferem ampla resposta ao ato
praticado, merecedor de reprovação social, não mais ficando os juízes limitados
às tradicionais admoestação e/ou
encarceramento, medidas extremas, que muitas vezes não se afiguram como as mais
adequadas.
Ao administrar as medidas sócio-educativas enumeradas, o Juiz
da Infância e da Juventude, livre do enfoque penalista,
não se aterá apenas às circunstâncias e à gravidade do delito, mas sobretudo,
às condições pessoais do adolescente, sua personalidade, suas referências
familiares e sociais, bem como à sua capacidade de cumpri-la.
Como bem enfatizou a Juíza do Rio de Janeiro, Conceição Mousnier, o Juiz da Infância e da Juventude, atendendo a
norma expressa do art. 112, §2º, “ pautar-se-à
pelo princípio de que a resposta à infração será sempre proporcional não só às
circunstâncias e à gravidade da infração, mas também às circunstâncias e à
necessidade do menor, assim como às necessidades da sociedade.”
A tríplice preocupação da proporcionalidade - circunstâncias e
a gravidade da infração, necessidade do menor, necessidades da sociedade -
retratada na regra 17.1 das Regras Mínimas de Beijing,
deve ser considerada como diretriz pragmática que, se devidamente observada,
contribuirá certamente para o respeito aos direitos fundamentais do adolescente
infrator.
4 - Das medidas sócio-educativas em espécie
A seguir, passaremos a examinar as medidas sócio-educativas
em espécie, para melhor entender o seu direcionamento a cada caso concreto.
4.1 - Advertência
Talvez seja a medida de maior tradição no Direito do Menor,
tendo constado tanto no nosso primeiro Código de Menores, o Código Mello
Mattos, de 1927, no art. 175, como também do Código de Menores, de 1979, no
art. 14, I, figurando entre as chamadas “Medidas de Assistência e Proteção”.
Diz o lacônico art. 115 do ECA, que
“ A advertência consistirá na admoestação verbal, que será reduzida a termo e
assinada”.
Seu propósito é evidente: alertar o adolescente e seus
genitores ou responsáveis para os riscos do envolvimento no ato infracional.
Para a sua aplicação, basta a prova da materialidade e
indícios de autoria.
Normalmente, incluída na remissão extintiva do processo,
concedida pelo juiz, a advertência pode vir acompanhada de uma medida de proteção
ao adolescente ou de medida pertinente aos pais ou responsáveis ( arts. 101 e 129). Não há
necessidade de contraditório, bastando que seja elaborado o boletim de
ocorrência pela autoridade policial que tomou conhecimento do fato, que será
autuado e registrado. Após a manifestação do Ministério Público, será designada
a audiência de apresentação, sem necessidade de oitiva de testemunhas e vítima,
sendo muito importante a presença dos pais ou
responsável.
Pelo caráter preventivo e pedagógico de que se reveste
deveria também se estender aos menores de 12 anos.
4.2 - Reparação de Danos
Em se tratando de ato infracional
com reflexos patrimoniais, a autoridade judiciária poderá aplicar a medida
prevista no art. 116 do ECA, determinando que o
adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra
forma compense o prejuízo da vítima.
Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser
substituída por outra adequada.
O art. 103 do Código de Menores de 1979, já dispunha, no capítulo
referente à “Apuração de Infração Penal”, que “sempre que possível e se for o
caso, a autoridade judiciária tentará, em audiência com a presença do menor, a
composição do dano por este causado.” Depois de homologada a composição, a
sentença constitua título executivo, nos termos da lei processual civil.
Todos sabemos que na esfera civil, o pai é responsável e
responde pelo dano que o filho tenha provocado.
Tanto o legislador estatutário como do código anterior,
procuraram conciliar os interesses das vítimas dos atos
infracionais dos adolescentes, ao assegurar-lhes a
possibilidade de obtenção da reparação, sem a necessidade do abrigo dos arts. 159 e 1521, incisos I e II, do Código Civil, com a
proteção dos próprios adolescentes, uma vez que a composição homologada na
Justiça da Infância e da Juventude, em segredo de justiça, evita a repercussão
sempre desfavorável aos interesses dos menores do processo publicista
( V. Wilson Barreira, Comentários ao Estatuto da
Criança e do Adolescente, Forense, RJ, 1991, p.92).
Em verdade, a medida tem se revelado de escassa aplicação não
só pela absoluta falta de recursos da clientela da Justiça Especializada, como
também por sancionar os pais ou responsáveis. Se o menor tiver patrimônio
próprio, o que é raríssimo, a obrigação de indenizar irá onerar os seus bens.
Na ausência de condições de indenizar, o Juiz decretará a substituição da
medida por outra.
Nos Juizados da Infância e da Juventude, a medida tem tido
alguma aplicação, restringindo-se aos adolescentes de classe alta, bem como aos
adolescentes pichadores do patrimônio público e privado. A reparação dos
prédios danificados, matéria que sempre desperta inusitado interesse na mídia,
tem sido efetuada com as devidas cautelas, com o intuito de preservar a imagem
dos adolescentes e não submetê-los à humilhação pública tão prejudicial ao
processo reeducativo.
4.3 - Prestação de Serviços à Comunidade
Cuida-se de uma das inovações do Estatuto, que veio acolher a
medida introduzida na área penal, em 1984, pelas Leis nº7.209
e 7210, como alternativa à privação da liberdade.
A medida sócio-educativa, prevista no art. 112, III, e
disciplinada no art. 117 e seu parágrafo único, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, consiste na prestação de serviços comunitários, por período não
excedente a seis meses, junto a entidades
assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem
como programas comunitários ou governamentais.
Alguns criticam injustamente a medida e advogam a sua
supressão total à consideração de que “as vantagens proporcionadas pelo emprego
desta medida, como instrumento pedagógico, ficam muito aquém dos prováveis
prejuízos acarretados pela inadequada aplicação” ( V.
Wilson Barreira, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Forense,
RJ, 1991, p.94).
Todavia, o inegável sucesso da aplicação da medida em outros
países (Community Service,
do sistema anglo-americano), bem como no Brasil, vem demonstrando que esses
receios não têm qualquer fundamento. Em Belo Horizonte, por exemplo, o Juizado
da Infância e da Juventude firmou convênios com todos os postos de saúde do
município e uma dezena de hospitais e entidades assistenciais. Atualmente,
cerca de 1240 meninos e meninas estão cumprindo medida de prestação de
serviços, com notável índice de aproveitamento e inexpressiva reincidência.
Ressalve-se que, a teor do parágrafo único do art. 117, do ECA, as tarefas a serem atribuídas aos adolescentes o
serão de conformidade com as suas aptidões, não podendo a jornada ultrapassar
oito horas semanais, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à
jornada normal de trabalho. Sua duração não pode ser superior a um semestre.
O grande alcance desta medida é exatamente constituir-se em
alternativa à internação, medida sócio-educativa que só deve ser aplicada em
caráter excepcional, não havendo outra medida mais adequada (
ECA, art. 122, §2º).
Por outro lado, trata-se de medida de fácil controle e de
quase nenhum custo, pois a sua fiscalização será efetuada com o concurso da
própria entidade beneficiada, que encaminhará todos os meses ao juiz, relatório
minudente das atividades do adolescente e eventual
comunicação de ausência ou falta disciplinar.
As palavras de Manoel Pedro Pimentel sobre a prestação de
serviços à comunidade, como pena, são bem pertinentes e oportunas e se aplicam,
igualmente, à medida sócio-educativa enfocada:
“O
sucesso dessa inovação dependerá muito do apoio que a própria comunidade der à
autoridade judiciária, ensejando oportunidade de trabalho ao sentenciado.
Sabemos que é acentuado o preconceito social contra os convictos, tornando-se
necessária uma ampla campanha de conscientização das empresas e de outras
entidades para que esse tipo de pena possa vingar. Inicialmente, será prudente
contar apenas com órgãos e estabelecimentos públicos, tornando obrigatória a
sua adesão a essa forma de punir. E quanto aos particulares seria recomendável,
pensar-se em alguma maneira de estimular o interesse pela colaboração, como
seriam os incentivos fiscais ou preferência em concorrências públicas.”
( O Crime e a Pena na Atualidade, p. 170/171).
4.4 - Liberdade Assistida
Entre as diversas fórmulas e soluções apresentadas pelo
Estatuto, para o enfrentamento da criminalidade infanto-juvenil, a medida
sócio-educativa da Liberdade Assistida se apresenta como a mais gratificante e
importante de todas, conforme unanimemente apontado pelos especialistas na
matéria. Isto porque possibilita ao adolescente o seu cumprimento em liberdade
junto à família, porém sob o controle sistemático do Juizado e da comunidade.
A medida destina-se, em princípio, aos infratores passíveis
de recuperação em meio livre, que estão se iniciando no processo de
marginalização. De acordo com o disposto no art. 118 do ECA,
“será adotada sempre que se figurar a medida mais adequada, para o fim de
acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.”
Muito embora o delineamento da Liberdade Assistida só se
tenha feito mais claro em 1976, no Congresso de Santiago, a medida tem suas
raízes históricas em fins do século passado, particularmente em Boston, no ano
de 1878, sob a denominação de probation. Suspensa a
pena, fica o condenado sujeito a um período de prova.
Conforme assinala Alyrio Cavallieri, em sua obra pioneira “Direito do Menor”, “desde
a primeira lei que dela tratou, a medida variou desde a punição à terapia.
Certo é que foi introduzida, por lei, na França, em 1912; na Argentina, em
1919; no Brasil, no art. 47 do Decreto nº5.083, de
01.12.26, que instituiu o Código de Menores. No Código Mello Mattos, em vigor
desde 1927, a medida aparece no art. 100, sendo aplicável também aos
abandonados. É acolhida no México, em 1928; na Guatemala, em 1937; Equador, em
1938; Uruguai, em 1934 e Venezuela, em 1939.” Freitas Bastos, SP, 1978, p.163).
Enfatiza Mestre Alyrio que a antiga
liberdade vigiada não é um sistema de espionagem “ad hoc”,
segundo a expressão de Diego Godoy Troconis,
consistindo “em submeter-se o menor, após sua entrega ao responsável, ou
liberação de internato, à vigilância, com o fim de impedir sua reincidência e
obter-se a certeza da recuperação.”
Acolhida, pelo Código de Menores de 1979, no art. 38, sob a
denominação de liberdade assistida, aplicava-se às hipóteses previstas nos
incisos VI e VII do diploma revogado (desvio de conduta e infração penal).
A Liberdade Assistida, fixada pelo Estatuto, no prazo mínimo
de seis meses, com a possibilidade de ser prorrogada, renovada ou substituída
por outra medida ( art. 118, §2º), parte do princípio
de que em nosso contexto social, não basta vigiar o menor, como se faz em
outros países, sendo necessário, sobretudo, dar-lhe assistência sob vários
aspectos, incluindo psicoterapia de suporte e orientação pedagógica,
encaminhando ao trabalho, profissionalização, saúde, lazer, segurança social do
adolescente e promoção social de sua família. Em resumo, é um programa de vida,
que a equipe técnica do Juizado prepara para o adolescente autor do ato infracional, depois de computados os dados do processo
judiciário e feito o levantamento social do caso junto à família e à
comunidade.
O tratamento em meio aberto é o ponto nevrálgico do sistema
de atendimento ao adolescente infrator.
O acompanhamento simultâneo dos adolescentes e de seus familiares
fez-se necessário a partir do momento em que se percebeu a importância da
família estar comprometida com o cumprimento da medida de Liberdade Assistida,
bem como por reclamo dos próprios assistidos, que manifestaram o desejo de que
a família também se envolvesse nesse processo de mudança, visando o seu
bem-estar e dela própria.
A participação da família permite o estabelecimento de um
contrato de ajuda mútua em torno das necessidades do adolescente e os limites
que o cumprimento da medida contempla. O Programa tem também por objetivo o
auxílio à família na busca de serviços adequados que possam suprir as suas
necessidades e as do adolescente; a obtenção de um diagnóstico psicossocial da família, no sentido de facilitar a
compreensão do adolescente em atendimento; propiciar aos responsáveis uma
reflexão sobre as questões particulares e singulares.
4.5 - Semiliberdade
Trata-se de um meio termo entre a privação da liberdade,
imposta pelo regime de recolhimento noturno, e a convivência em meio aberto com
a família e a comunidade.
A medida já era prevista no art.39 do revogado Código de
Menores, sob a denominação de “Colocação em Casa de semiliberdade”.
que apenas a admitia como forma de transição para o meio aberto, pressupondo
anterior internação.
Com o fito de preservar os vínculos familiares e sociais, o
Estatuto inovou ao permitir a sua aplicação desde o início do atendimento,
possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de
autorização judicial ( ECA, arts.
112, inciso V, e 120, §§1º e 2º ).
É obrigatória a escolarização e a profissionalização, não
comportando prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições
relativas à internação.
Como bem aponta Conceição Mousnier,
casos existem que o tratamento a ser dispensado não encontra lastro na sede
familiar, impondo-se a aplicação da medida, como forma de tratamento em meio
aberto, com o fito de se evitar a internação.
Assim, por exemplo :
“a) a família não apresenta
condições de assumir o infrator e ajudar a sua reinserção;
b) no local de residência da família, o assistido está
correndo risco de vida;
c) o adolescente não tem qualquer pessoa que por ele possa se
responsabilizar.”( c. ob. cit.,
p.122).”
4.6 - Internação
A medida sócio-educativa da internação é a mais severa de
todas as medidas previstas no Estatuto, por privar o adolescente de sua
liberdade. Deve ser aplicada somente aos casos mais graves, em caráter
excepcional e com a observância do “due process of law”, conforme
prescreve o ditame constitucional e o ECA.
É evidente que uma sociedade organizada deve coibir a
violência parta de onde partir, inclusive dos jovens, não podendo desconsiderar
os direitos individuais e sociais indisponíveis, particularmente a vida e a
segurança, freqüentemente ameaçadas também por adolescentes.
Por outro lado, considerando a situação peculiar de pessoa em
formação e em desenvolvimento, a resposta do Estado ao juízo de reprovação
social deve ser exercida com moderação e equilíbrio, sem, no entanto, minimizar
as conseqüências decorrentes do ato infracional, de
molde a não incutir no adolescente infrator a idéia da impunidade.
O papel da Justiça da Infância e da Juventude, que foi tão bem
pela normativa internacional, especialmente na Regra 1.4 da Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Beijing
Rules), é, portanto, o de encontrar o justo
equilíbrio entre a proteção dos jovens e a manutenção da paz e da ordem
pública.
Todos nós sabemos dos efeitos nocivos da institucionalização.
Infelizmente, as internações determinadas para uma suposta reeducação,
continuam sendo realizadas em lugares que atentam, abertamente, não apenas
contra o próprio ideal da reeducação, como também contra as formas mais
elementares de respeito à dignidade humana.
“Tradicionalmente, como não constitui segredo para ninguém,
os sistemas de justiça de 'menores', no qual se incluem a repressão e o
confinamento, produzem uma alta cota de sofrimentos reais encobertos por uma
falsa terminologia tutelar”[1].
Como assinala Azevedo Marques, “ o
sistema não defende a sociedade, não protege o menor, não o recupera,
encaminhando-o para a reincidência, é custoso para o Estado e prepara o delinqüente
adulto.”[2]
Por tudo isto é que o Estatuto considera a Internação como a
última “ratio” do sistema e procura incutir-lhe um
caráter eminentemente sócio-educativo, assegurando aos jovens privados de
liberdade, cuidados especiais, como proteção, educação, formação profissional,
esporte, lazer, etc., para permitir-lhes um papel construtivo na sociedade.
Segundo o art. 121 do ECA, a medida
sócio-educativa da internação está sujeita aos princípios da expecionalidade e brevidade.
Tal caráter de excepcionalidade é
preconizado na Regra 19.1 constante das regras Mínimas ou “Beijing
Rules”.
Também a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e as
Regras Mínimas para os Jovens Privados de Liberdade, instrumentos
internacionais que igualmente se referem de forma explícita ao tema da privação
da liberdade, são absolutamente claros em caracterizar a medida de privação da
liberdade como sendo de última instância, de caráter excepcional e mínima
duração possível.
Procura-se, assim, como bem acentuou o Prof.
José de Farias Tavares, evitar que a medida se transforme em instrumento
deformador da personalidade colhida em estágio de desestruturação bio-físico psicológico e a caminho da maturidade[3] .
Na lei estatutária, a internação somente é admitida nas hipóteses
previstas no art. 122, incisos I a III, desde que não haja outra medida mais
adequada.
Assim, somente poderá ser aplicada quando :
a) tratar-se de ato infracional
cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;
b) por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
c) por descumprimento reiterado e injustificável da medida
anteriormente imposta, caso em que não poderá exceder a três meses.
Muito se tem discutido sobre a inteligência do que vem a ser
fato grave, entendendo alguns que o ato infracional
de natureza grave é somente aquele cometido mediante violência ou grave ameaça
à pessoa, enquanto outros defendem que todos os atos infracionais
análogos aos que cominam pena de reclusão também são susceptíveis de aplicação
da medida extrema, erigidos que foram pelo legislador ao status de crimes
graves[4].
A medida em tela não comporta prazo determinado e não poderá
em nenhuma hipótese exceder a três anos, devendo ser reavaliada a cada seis
meses, mediante decisão fundamentada. Atingido o limite de três anos, o
adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade
ou de liberdade assistida ( art. 122, §4º ).
Em razão da reavaliação semestral da medida, que poderá tanto
permitir o reingresso do adolescente no meio familiar e comunitário ou mantê-lo
afastado dele, por mais seis meses, não há que se falar em livramento
condicional.
O parágrafo 5º do art. 122 prevê a liberação compulsória do
adolescente infrator tão logo complete os 21 anos.
Em que pese o §2º do art. 121 expressar que a medida da
internação não comporta prazo determinado, o parágrafo 3º não deixa qualquer
dúvida que o prazo máximo de internação, em nenhuma hipótese, excederá a três
anos, enquanto o parágrafo 5º estabelece que a liberação será compulsória aos
21 anos de idade.
Neste particular, o dispositivo estatutário tem gerado
acerbadas críticas.
Tome-se o exemplo citado pelo Desembargador Moacir Danilo
Rodrigues, ex- Juiz de Menores de Porto Alegre, que se repete com freqüência em
todos os Juizados, do adolescente que praticou uma infração penal reveladora de
extrema perigosidade e que seja imperiosa a sua
internação. Submetido a sucessivas perícias semestrais, devido ao intenso risco
que representa, mesmo, assim, será desinternado,
porque embora o §2º do art. 121 expresse que a medida não comporta prazo
determinado, o parágrafo 3º, em total contradição, é imperativo, determinando a
liberação completados três anos de internação[5].
Situações semelhantes, como bem ponderou o Desembargador
Níveo Geraldo Gonçalves, no XV Congresso da Associação Brasileira de
Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, realizado em
Curitiba, em 1993, “ têm gerado tratamentos
incompletos, até mesmo verdadeira impunidade, avolumando-se o envolvimento dos
adolescentes em condutas graves, como o latrocínio, o homicídio e o estupro.
Estes fatos tem levado a população de nosso país a desacreditar no Estatuto da
Criança e do Adolescente e até mesmo grandes juristas e magistrados cultos.”[6]
Finalmente, impõe-se ressaltar que a internação deverá ser
cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele ao
abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de
idade, compleição física e gravidade da infração ( art. 123). Exceto quando haja expressa determinação judicial em contrário,
constitui-se direito do adolescente ver deliberado pela equipe técnica da
entidade a possibilidade de realizar atividades externas.
Os direitos do adolescente privado da liberdade estão elencados no art. 124.
5. Da competência para a aplicação de medida
sócio-educativa
Dentre as inúmeras e valiosas inovações do Estatuto da
Criança e do Adolescente, Lei nº8069/90, estão
alterações na jurisdição do Juízo menorista e na
atividade até então promocional do Ministério Público, muito
visíveis quanto ao instituto da remissão.
É daquele texto legal :
“art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao
adolescente as seguintes medidas:
“Art. 126. Antes de iniciado o procedimento
judicial para apuração de ato infracional, o
representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de
exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao
contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor
participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da
remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do
processo.
Art. 127. A remissão não implicará necessariamente o
reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de
antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas
previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade
e a internação.”
Dúvida surgiu quanto aos limites da remissão, expressa e
inovadoramente confiada ao Ministério Público, a título de
perdão antecipado ao início do procedimento judicial, ex vi do art. 126,
caput. Em seu parágrafo único a concessão da mesma remissão, após a instauração
do procedimento, fica restrita ao Juízo. Clara a distinção de atribuições
ministerial e jurisdicional decorrente de momento pré-processual e judicial.
Assim verificado, torna-se fácil concluir que a cumulação de remissão como
medida sócio-educativa só é admissível em Juízo e nunca na fase pré-processual
ou por iniciativa do representante do Ministério Público.
É o Ministro José Dantas (RMS 1.967-6-SP) que, entendendo
nessa linha de pensamento, remete à necessidade de interpretação sistemática do
art. 127; e o faz em razão das previsões dos arts.
146, 148 e 180 do mesmo Estatuto. São regras de ordenamento da função
jurisdicional e sua distinção da função ministerial.
É destes preceitos :
“Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da
Infância e da Juventude, ou o Juiz que exerce essa função, na forma da Lei de
Organização Judiciária local”.
“Art. 148. A Justiça da Infância e da
Juventude é competente para:
I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério
Público, para apuração de ato infracional atribuído a
adolescente, aplicando as medidas cabíveis;
II - conceder remissão, como forma de suspensão ou extinção
do processo.”
“Art. 180. Adotadas as providências a que
alude o artigo anterior, o representante do Ministério Público poderá :
I - promover o arquivamento dos autos;
II - conceder a remissão;
III - representar à autoridade judiciária para aplicação de
medida sócio-educativa.”
Como se vê, as duas hipóteses de remissão do art. 126 são a
ministerial, encontrada no caput, e a judicial, tratada no parágrafo. A seguir
o art. 127 preconiza que a remissão pode, eventualmente, incluir a aplicação de
medidas legalmente previstas, à exceção da colocação em regime de semiliberdade e internação, nos termos do art. 148, II, ou
seja, como de competência judicial.
Some-se que a previsão do art. 127 há de estender-se às
atribuições peculiares do Ministério Público, para permitir cumulação com a
concessão da remissão do art. 180, I, e da representação para aplicação de
medida sócio-educativa, do inciso II. Apenas assim se permitirá dar atenção à
norma dos arts.181 e 182. Desta transcrevemos :
“Art. 181. Promovido o arquivamento dos
autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público,
mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão
conclusos à autoridade judiciária para homologação.
“Art. 182. Se, por qualquer razão, o
representante do Ministério Público não promover o arquivamento ou conceder a
remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a
instauração de procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se
afigurar a mais adequada.
§ 1º. A representação será oferecida por petição, que conterá
o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional
e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em
sessão diária, instalada pela autoridade judiciária.
§ 2º. A representação independe de prova pré-constituída da autoria
e da materialidade”.
Oportunas as conclusões alinhavadas
pelo Ministro José Dantas acerca da exegese dos referidos preceitos e das quais
anotamos : “Em suma, o aparente conflito de normas secundárias contido na
discriminação dos procedimentos formais cotejados, reclama solucionar-se pela
nitidez das normas primárias, do modo como a lei delimitou com absoluta clareza
o campo jurisdicional, ao lado do campo postulatório. E se a este último
consentiu a ministração da remissão, subordinada à
homologação judicial, não significa que, por força apenas das regras de
procedimento dessa ministração judicialiforme,
tenha consentido imiscuir-se o Ministério Público no âmago da função
jurisdicional traçado pela própria lei, qual de aplicar medidas coercitivas, de
natureza parapenal, como são as chamadas medidas
sócio-educativas aplicáveis aos adolescentes infratores” ( RMS 1.967-6-SP).
Em precioso e conclusivo parecer da lavra do
Subprocurador-Geral Edinaldo de Holanda, onde
reexaminados os preceitos do Estatutos, assim se
manifestou o Ministério Público Federal:
“1. Deriva-se a atual inconformação
do ponto de vista esposado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo,
segundo o qual, é da competência daquela instituição a aplicação da medida de
advertência, de natureza sócio-educativa, aos menores e em razão da prática de
ato anti-social.
2. Sobretida convicção nasce
fundamentalmente da exegese do art. 127 da Lei nº8069,
de 13.07.90, que faculta incluir no ato de remissão a aplicação de qualquer das
medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade
e a internação.
3. Argüi o órgão ministerial que o entendimento do v. acordão recorrido de que a aplicação das medidas
sócio-educativas é da exclusiva competência do Poder Judiciário decorreria da
interpretação isolada dos arts. 114,
parágrafo único, 146, e 180 do sobremencionado
Estatuto da Criança e do Adolescente.
4. Improcede data venia a zelosa argüição. Mesmo que se considerasse a
possibilidade da interpretação ministerial, sobreleva a compreensão mais
abrangente da noção de Estado de Direito, que reserva para o Poder Judiciário a
aplicação de qualquer medida restritiva de direitos. Não importa que as medidas
discutidas tenham ou não natureza de pena, como da afirmação recursal, pois
implicativa de restrição de direitos, que reclama juízo sentencial, com
avaliação circunstancial da prova.
5. A existência do Estado de Direito não se circunscreve
apenas à validade formal da Lei, mas à sua aplicação, como exercício da função
jurisdicional. Para Sanchez de la Torre, o “ordenamento
jurídico positivo se despliega en tres planos: el de las normas, el de las
relaciones intersubjetivas y el de aplicación de
aquellas a estas” (Los principios clásicos del derecho, Unión Editorial S.A.,
Madrid). A aplicação da norma compõe a exigência do regular ordenamento
jurídico.
6. O insigne mestre Pontes de Miranda define o Estado de
Direito pela sua contraposição ao Estado dito absoluto (
Comentários à Constituição de 1946, 3º ed, Tomo 4º, p. 271). O Estado
absoluto seria aquele não regido pela Lei e pelo Direito, o que lhe emprestaria
maior significação a expressão Estado de fato.
7. O Estado de Direito é constituído por uma ordenação
jurídica, da qual depende a existência da democracia. Tanto que a “Teoria Madsoniana” exige, na hipótese número um, como fundamento
do Estado democrático o chamado “controle externo” dos poderes, regulando assim
a sua nítida separação (The Federalist).
A especialização de um dos poderes, especificamente para o exercício da função
jurisdicional não pode admitir o seu fracionamento, com atuação no mesmo
sentido de órgão paralelo. Seria, segundo Madison, a
eliminação do controle externo, gerando o totalitarismo.
8. Mas não é só. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em
uma compreensão sistêmica, revela a reserva jurisdicional do Poder Judiciário.
O art. 112 da referida Lei atribui à autoridade competente o poder de aplicação
das medidas sócio-educativas. Por seu turno, o art. 146 define como autoridade
a que se refere a Lei, o Juiz da Infância e da
Juventude.
9. O artigo 180, em seu inciso III, outrossim, prevê a
representação do Ministério Público à autoridade judiciária, para fins de
aplicação de medida sócio-educativa. Além de que, o art. 181 delimita os atos
do Ministério Público, nessa fase, ao pedido de arquivamento e concessão de
remissão.
10. O excepcional desvelo das funções institucionais, como
atualmente, perde passo, na escala de valores, para o resguardo da Ordem
Jurídica. Não basta a regência das relações pelo império da lei: é preciso a
garantia de sua aplicabilidade pelo Poder competente.
11. Dir-se-ia haver um conflito de atribuições no Ministério
Público. De um lado, a reivindicação atual, de aplicação autônoma das referidas
medidas sócio-educativas. De outro, a soberana defesa do Estado de Direito. A
segunda, por mais abrangente, sobrepaira em relação à
primeira, que se singulariza no particular.
Em razão, face ao dualismo de atribuições em julgamento,
posiciona-se a Subprocuradoria-Geral da República
pela função prevalente, que é a defesa do Estado de Direito, postulando pelo improvimento do zeloso recurso” (
RMS 1.967-6-SP).”
A jurisprudência reiterada nesse sentido conduziu à edição do
Verbete de Súmula nº 108 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“ A aplicação de medidas
sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional,
é da competência exclusiva do Juiz”.
6. Conclusão
Creio que essa exaustiva explanação vem melhor demonstrar o valor perseguido pelo aplicador do Direito da Infância e da Juventude, qual seja a reeducação e a ressocialização do adolescente infrator. Repise-se, procura-se sempre, que a sociedade ganhe um cidadão e não um marginal, para tanto faz-se necessária a correta escolha da medida sócio-educativa, nem branda demais, pois inócua, nem severa ao extremo, sob o risco de conduzir à morte civil do agente, apenas a adequada às peculiaridades de cada caso.
7. Notas
[1] V. Emílio Garcia Marques, Das
Necessidades aos Direitos, Malheiros, SP, 1994.
[2] Marginalização: Menor e
Criminalidade, Ed. MacGraw-Hill, 1976, SP, p.36.
[3] Comentários ao Estatuto da Criança e
do Adolescente, Forense, RJ, 1994, p. 104.
[4] V. Conceição Mousnier,
O Ato Infracional, Liber Juris, RJ, 1991, págs. 67/68.
[5] Falhas do Estatuto, Organizado por Alyrio Cavallieri, Forense, RJ,
1995, p. 68.
[6] Falhas do Estatuto, cit. págs. 68/69.