EXMA. SRª. DRª. JUÍZA DE DIREITO DA COMARCA DE SÃO
SEPÉ:
O MINISTÉRIO PÚBLICO, através de sua
Promotora de Justiça, abaixo firmatária, e com base
nos arts. 201, VIII e 155, da Lei 8.069/90 vêm,
perante Vª. Exª, ajuizar a presente AÇÃO
DE PERDA DO PODER FAMILIAR, com
pedido liminar de suspensão do poder familiar a favor de XXXX, brasileiro, 10 (dez) anos de
idade, nascido em 23.09.2000 (fl. 21) filho de I.C. V. e A.M.S.G., natural de
Formigueiro, residente e domiciliado na Avenida XXXX, na cidade de Formigueiro,
RS naquela cidade, contra A.M.S.G.,
brasileira, solteira, do lar, com 37 anos de idade, instrução primária,
residente e domiciliada na Avenida XXXXX, na cidade de Formigueiro, em razão
dos seguintes elementos de fato de Direito:
1- DOS FATOS:
No mês de agosto de 2001, a
Requerida A., mãe do menino XXX, de sete anos de idade, na época dos fatos,
tinha, em casa, uma trouxinha de aproximadamente 01 grama, de cannabis sativa,
planta vulgarmente conhecida como 'maconha', sendo que, na ocasião, o filho da
denunciada A., XXXX, pegou a droga, que estava em cima de um balcão, juntamente
com outras trouxinhas, acondicionadas para o comércio, ingeriu parte dela e,
entregou outra parte a um vizinho.
Foi certificado que a criança apresentava
sinais de que estava drogada, o que ensejou o processo
criminal nº 130/2-03.0000190-3.
No curso da instrução, a conduta
da genitora, de deixar maconha livremente ao alcance
dos filhos, bem como de mantê-los em contato com elemento reiteradamente
suspeito de tráfico de drogas foi comprovada.
A substância que a criança XXXX
levou ao vizinho foi periciada, tendo sido conclusivo
o laudo de constatação definitivo que se tratava de maconha, fls. laudo
definitivo, (doc. 35).
Além disso, igualmente
comprovado nos autos daquele processo, que a criança XXXX ingeriu a substância
entorpecente, por descuido da mãe, pois vários depoimentos são conclusivos,
nesse sentido.
Gilnei
Lima, policial militar, cujo sogro é vizinho da mãe da criança, aponta que a
criança que recebeu a droga, a trouxe, de sua casa, pois refere que:
"Que na data do fato estava almoçando na casa
de seu sogro, quando chegaram dois filhos de A. Que um dos meninos apresentava
sintomas de que estava embriagado. Que o outro menino, que não sabe o nome,
disse que havia cheirado uma trouxinha. Que pediram para este buscar um
pacotinho, tendo este trazido a substância entorpecente, que
estava embrulhada em pedaço de sacola plástica. ... Que quando solicitou
à criança que pegasse a droga, esta retornou em seguida, pegando sem
dificuldades. Uma criança estava tonta. Parecia o estado de quem utiliza
drogas". (doc. 65).
Depoimento esse integralmente endossado por I. G., vizinho da Requerida, que refere:
“Que é vizinho de A. Na data do fato, A. tinha saído e seus filhos
gêmeos foram até a residência do depoente. Esses tinham aproximadamente sete
anos. Que observou que um estava muito quieto e perguntou-lhe o que tinha,
tendo este dito que estava tonto. Este lhe disse que cheirou uma coisa. Pediu
então para que XXX, seu irmão, trouxesse o que o outro tinha cheirado. Que este
lhe trouxe uma bolinha, enrolada em plástico. Não chegou a abrir o pacotinho.
Seu genro que levou ao seu superior”. ( doc. 63).
Claramente evidenciado,
portanto, a ocorrência de risco grave à integridade física e psíquica da
criança e justificar a perda do poder familiar da Requerida, mediante pronta
resposta do Judiciário.
2- DO DIREITO:
O Estatuto da Criança e do
Adolescente- Lei 8.069/90 tutela a situação apreço, no seu mais amplo espectro.
Conforme art. 5º, Lei 8.069/90, in verbis:
"Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei, qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais."
A situação relatada concretiza o suporte fático abstrato, enunciado pelos arts. 1.637 e 1.638 do novo Código Civil, Lei. 10.406/02, abaixo transcritos:
"Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusarem de sua autoridade, faltando os deveres a eles inerentes
ou arruinando os bens dos filhos, cabe
ao Juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor
e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convém.
§ú. Suspende-se, igualmente, o exercício
do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em
virtude de crime, cuja pena exceda dois anos de prisão.
Art. 1.638. Perderá, por ato judicial, o poder familiar, o pai ou a mãe que:
I. castigar imoderadamente o filho;
II. deixar o filho em abandono;
III. praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV. incidir reiteradamente nas
faltas previstas no antigo antecedente.”
Como descrito, o processo
criminal já se encontra instaurado e em fase final, concluso para sentença,
conforme documentos juntados aos autos.
O fato da inexistência de
sentença condenatória irrecorrível, condenando a Requerida pelo crime de
tráfico de drogas, se serve para evitar a imediata perda do poder familiar, não
elide o direito da criança a se proteger de situação de risco, mediante a
suspensão do poder familiar, com a transmissão da guarda da criança ao genitor
paterno ou a terceiro indicado pelo Conselho Tutelar, sob pena de
irreversibilidade de posterior suspensão, face à delonga recursal no processo
criminal, revelador dos fatos.
Tal interpretação é consentânea
à efetividade que se espera que o Judiciário confira ao Princípio da Prioridade
Absoluta, previsto no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos
seguintes termos:
"Art. 4º É dever da família, da comunidade,
da sociedade em geral e do Poder Público,
assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação , à
educação, ao esporte, ao lazer à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária."
Assim, claro está o abrigo legal
à pretensão ministerial, na tutela de criança que já é vítima de tanto
sofrimento, na mais tenra idade.
3- DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA POSTULADA:
O quadro fático que evidencia a
situação de risco à sua saúde e indignidade ao qual a criança XXX, de apenas
nove anos, está sendo submetido, no convívio com a genitora, o que justifica a
suspensão liminar do poder familiar da Ré, com a colocação da criança na guarda
paterna ou, alternativamente, em família substituta.
A verossimilhança dos fatos
imputados à Requerida ganha relevo, diante da descrição fidedigna dos
depoimentos citados.
Além disso, tal hipótese encontra
pleno abrigo na previsão do art. 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
"Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o
Ministério Público, decretar a suspensão do pátrio poder, liminar ou
incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado
a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade."
O conjunto dos fatos narrados se
enquadra na cláusula geral "motivo grave", descrita no preceito do
artigo supra, pois, nada pode ser mais gravoso do que a permissividade no
viciamento de criança em substância entorpecente, induzida pelo comportamento
da própria mãe.
Além disso, igualmente o art 98 do ECA, tutela a pretensão ministerial, quando prevê que:
"Art. 98. As medidas de proteção à
criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos
nesta Lei forem ameaçados ou violados. I II. Por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável. III. em razão de
sua conduta."
Igualmente caracterizada a absoluta necessidade da medida, diante da
possibilidade de dano irreparável à saúde da criança, em caso de
deferimento da tutela estatal ao término do processo, pois o contínuo
fornecimento intencional ou omissivo da maconha para a criança é capaz de lhe
causar efeitos deletérios, apontados por Delton
Croce:
"No início, o marijuanismo Sinônimo da dependência química em cannabis sativa, é subjetivamente um bem, pois estabelece
momentaneamente no indivíduo o equilíbrio em sua angústia existencial,
objetivamente, é um mal, é doença, que
leva, principalmente o adolescente à introjeção de valores sociais, escolares e morais, já que o
uso vicioso da droga, de qualquer droga, é sintoma de distúrbio afetivo
desencadeado por angustia existencial, in exemplis, o
luto, de uma criatura que ele gostaria que fosse, o que não é, o luto de um pai perfeito que nunca teve.
É uma falta de maturidade emocional aliada a uma auto-agressão ou a uma hero-agressão. Ou ainda, mecanismo de defesa, fuga, negação,
repressão, visando liberar, tão depressa quanto possível, das reações mais
comuns à ansiedade" In: Manual de
Medicina Legal. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 552.
Razões pelas
quais, plenamente adequada a medida de proteção de alteração da guarda,
nos termos do art. 101, VIII, in verbis:
"Art.101. Verificada qualquer das
hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
dentre outras, as seguintes medidas: ... VIII. Colocação em família
substituta”.
4-DO PEDIDO:
DIANTE DO EXPOSTO, o MINISTÉRIO PÚBLICO
requer:
a) seja concedida medida liminar, conforme art. 157, ECA, no sentido que seja
determinada a suspensão do poder familiar da Ré A. M.
S. G., com conseqüente mandado judicial para colocação da criança A. G., na guarda do pai, I. C. V., residente e
domiciliado na localidade de Faxinal do Meio, no interior do Município de
Formigueiro, ou, na sua impossibilidade,
alternativamente, em família substituta, a ser indicada pelo Conselho Tutelar,
mediante compromisso de responsabilidade;
b) Seja a ré A. M. S. G. citada,
pessoalmente, no endereço residencial supra-indicado;
c) Seja requisitado, com base no art. 201, VI, b, do ECA,
ao Conselho Tutelar da cidade de Formigueiro, cópia das fichas de atendimento
envolvendo a Requerida, bem como a realização de estudo social na residência
dessa e do pai da criança, além da identificação do outro filho da Requerida,
além de cópia da certidão de nascimento da criança XXXX;
d) E, por fim, seja julgado procedente o pedido, de modo a ser decretada a Ré
A. M. S. G. destituída do poder familiar em relação à criança D. G. V., com a
manutenção de sua guarda com o guardião provisório, com a decretação da
averbação da sentença no livro de nascimento do Cartório de Registro Civil do Município
de Formigueiro.
e) Sejam admitidas todas as provas permitidas em Direito, em especial a
produção de prova testemunhal, conforme rol abaixo.
Valor da Causa: Inestimável
São Sepé, 14 de novembro de 2003.
Giani Pohlmann
Saad
ROL DE TESTEMUNHAS:
XXXXXX, residente e domiciliado na
localidade de Faxinal do Meio, no interior do município de Formigueiro, RS;
XXXXX, inspetor de polícia, com
endereço profissional junto à Delegacia de Polícia de Formigueiro, naquele
município;
XXXXX, residente e domiciliado na
localidade de Vila Sabino, no interior do município de Formigueiro, RS;
XXXXX policial militar, com endereço
profissional junto à sede da Brigada Militar, no complexo de segurança, na
cidade de Formigueiro.