IMPOSSIBILIDADE
DE PRESCRIÇÃO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA: SOLUÇÃO JURÍDICA
Adilson de Oliveira Nascimento
Promotor de Justiça em Minas Gerais.
Índice Eletrônico do Documento: 1 - Introdução. 2 - Finalidade da prescrição em face da norma penal. 3 - Conceito da medida sócio-educativa: diferenciação da pena criminal.
4 - Termo final da medida sócio-educativa: natureza jurídica.
5 - Causa supralegal de extinção da
medida sócio-educativa. 6 - Conclusão. 7 - Bibliografia.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8.069/90) em conformidade com a Constituição Federal de
1988, deu nova concepção jurídica ao trato da criminalidade juvenil, tratando o
adolescente infrator como objeto de proteção legal, visando sua recuperação
social.
Instituiu-se pois as medidas de proteção, previstas no art.
101 da legislação antedita, com objetivo de oferecer
ao menor e sua família melhores condições econômicas e psicológicas, em caráter
preventivo da criminalidade, bem como as medidas sócio-educativas, de caráter
repressivo e similares às do Código Penal, embora filosoficamente distintas.
2 -
Finalidade da prescrição em face da norma penal
Questão que gera polêmica no Direito pátrio é a possibilidade
da prescrição da medida sócio-educativa.
Isto porque não trata a Lei nº8.069/90
especificamente sobre o assunto, determinando apenas que se apliquem
subsidiariamente as normas processuais gerais em vigor (art. 152), omitindo-se
no tocante à norma substantiva.
O instituto da prescrição visa regulamentar
as relações jurídicas em face do transcurso do tempo, visto que o
indivíduo não deve ficar indefinidamente ao alvedrio da persecução penal
estatal, como bem lembra Magalhães
Noronha:
"Com
efeito, não se pode admitir que alguém fique eternamente sob ameaça de ação
penal, ou sujeito indefinidamente aos seus efeitos, antes de ser proferida
sentença, ou reconhecida sua culpa (em sentido amplo). Seria o vexame sem fim, a situação interminável de suspeita contra o imputado,
acarretando-lhe males e prejuízos, quando, entretanto, a justiça ainda não se
pronunciou em definitivo, acrescentando-se, como já se falou, que o
pronunciamento tardio longe estará, em regra, de corresponder à verdade do fato
e ao ideal de justiça."
Pressuposto lógico da prescrição é a imposição de pena, visto
que ou se extingue a pretensão punitiva do Estado ou a pretensão executória,
regulando-se ambas pela sanção (in abstracto ou in
concreto).
A norma penal é composta de dois comandos: um relativo à
conduta coibida, e outro referente à resposta pelo não cumprimento da regra
primordial.
E este último tem dois objetivos distintos, visto que
modernamente se privilegia a imposição da pena visando-se a
recuperação social do criminoso, embora o sentido retributivo
da coerção, ou substituição da vingança
privada, não esteja de modo nenhum esquecido, mas sem o valor preponderante
lhe dado pelas civilizações passadas, como bem observa Piero Calamandrei:
"El Estado, mientras garantiza
genéricamente la observancia de todas las normas jurídicas empleando todos los
otros medios que hemos visto o que veremos ("sanciones civiles" en
general), reserva para algunas normas, consideradas esenciales para la
seguridad y para la vida misma de la sociedad y determinadas según los tiempos
a base de criterios históricamente variables, la sanción particularmente enérgica
de la pena, la cual no sólo sirve preventivamente para aumentar el respeto de
estas normas entre los coasociados, para los cuales el temor de incurrir en el
amenazado castigo puede actuar de contrapeso psicológico, sino que sirve,
además, cuando la transgresión a una de estas normas
haya ocurrido ya, para restablecer, en interés público, a través de la
represión y de la expiación, el orden jurídico turbado por el delito."
3 - Conceito da medida sócio-educativa: diferenciação da pena
criminal
Ocorre que a medida sócio-educativa não guarda este caráter
de expiação pelo crime cometido, e se diferencia da pena justamente por visar intrínsecamente a recuperação social do infrator.
A Lei nº8.069/90, reflexo das
convenções internacionais chanceladas pela ONU, trouxe como princípio embasador a imposição de sanção não como castigo, mas como
instrumento de reabilitação do ofensor, posto que o adolescente é considerado
pessoa em formação e tratado legalmente com tal prerrogativa restauradora
(muito embora toda norma sancionatória tenha caráter retributivo, mesmo que mitigado).
Assim, além da possibilidade de aplicação de medidas de
proteção, segundo o art. 112 do E.C.A., o menor infrator se sujeita às medidas
de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à
comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade
ou internação em estabelecimento educacional, sendo que somente esta última
envolve efetiva e permanente privação de liberdade, e só deve ser aplicada em
caráter excepcional (art. 121).
Daí o entendimento correto de que tais medidas não se
sujeitam à prescrição, dada a distância ontológica das penas de natureza
criminal.
O Egrégio Tribunal de Justiça Mineiro, em várias
oportunidades, encampou este princípio:
"As
medidas sócio-educativas previstas na Lei nº8.069/90
têm natureza distinta das penas criminais, inexistindo a possibilidade de
aplicação das disposições penais relativas à prescrição."
"As
leis devem ser aplicadas sobre as matérias para as quais foram promulgadas.
Assim, em se tratando de agente menor, não há que se aplicar o Código Penal,
mas o Estatuto da Criança e do Adolescente, onde não se fala em crime ou apenação, mas em atos infracionais
e medidas sócio-educativas."
"As
medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente têm
natureza jurídica distinta das penas restritivas de direitos. Tais medidas
visam a proteção e reeducação do menor, e não se
sujeitam às disposições penais relativas à prescrição."
Este entendimento é esposado pelo Superior Tribunal de
Justiça:
"RHC
- ECA - SANÇÃO - CUMPRIMENTO - O Estatuto da criança e do adolescente registra
sistema distinto do Direito Penal. A criança e o adolescente, apesar da conduta
ilícita, não cometem infração penal."
Observa-se que o entendimento em contrário levaria a absurdos
jurídicos.
As medidas sócio-educativas somente se aplicam aos
adolescentes, considerados os que têm de doze a dezoito anos de idade (art.
2º).
O menor que praticasse latrocínio com doze
anos de idade, cuja pena mínima é de vinte anos de reclusão, teria o ato
infracional prescrito em dez anos, aplicando-se o
art. 109, I, combinado com o art. 115, ambos da Legislação Aflitiva.
Assim, aos vinte e dois anos estaria livre da persecução
penal, muito embora o E.C.A. se aplique até aos indivíduos com vinte e um anos
de idade, o que é evidente contrasenso.
Até por tais circunstâncias práticas, inviabiliza-se a
aplicação da prescrição à medida sócio-educativa.
4 - Termo final da medida sócio-educativa: natureza jurídica
Mas isto não significa que o menor se encontra subordinado
indefinidamente ao processo por ato infracional ou ao
cumprimento da medida aplicada.
As regras da sanção mais grave, de internação em
estabelecimento educacional, são aplicáveis às demais medidas.
Determina o art. 121, § 3º, que o período máximo de
internação é de três anos, devendo após seu transcurso ser o infrator liberado
e colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade
assistida, sendo compulsória sua liberdade aos 21 anos de idade (§ 5º).
Temos pois dois princípios: prazo máximo de internação por
três anos, e liberação compulsória aos 21 anos.
Analisando-se tal dispositivo em
consonância com o art. 2º, parágrafo único, que estipula a aplicação
excepcional do Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade,
conclui-se que a Lei nº8.069/90 prevê um termo final, para a submissão do
adolescente infrator às suas regras.
Portando, verificando-se a prática de ato infracional,
o ofensor poderá ser processado e submetido a medida
sócio-educativa, até que complete vinte e um anos.
Tal princípio se aplica tanto à pretensão punitiva quanto à
pretensão executória do Estado, na falta de excepcionalidade.
Neste sentido, o entendimento do Tribunal de Justiça
Paulista:
"Internação
na FEBEM - Alegação de que o adolescente já completara 18 anos, com o objetivo
de evitar sua recaptura, pois se encontra foragido - Ordem denegada - A
legitimidade da recaptura do paciente encontra fundamento no art. 121, § 5º, c/c o art. 2º, parágrafo único, ambos do E.C.A., que
permitem, como nesse caso, a aplicação da medida às pessoas que tenham mais de
18 anos e não completaram 21 anos."
"Infração
- idade de 18 anos completada no curso do procedimento - arquivamento
determinado pelo Juiz a quo - Inadmissibilidade - prosseguimento
da sindicância determinado."
Tema interessante é a análise da natureza jurídica do termo final para aplicação da medida
sócio-educativa.
Não sendo norma prescricional, poder-se-ia aplicar as normas
da decadência?
Conceitua José
Frederico Marques o instituto como a perda do direito de ação do ofendido
em face do decurso do tempo.
Advém daí a primeira dificuldade, visto que o Estado perde o
direito de exercer a persecução penal, mesmo após
iniciado o procedimento ou o cumprimento da medida sócio-educativa.
Mesmo adimplido o direito, cessam seus efeitos completados os
vinte e um anos de idade pelo submetido.
Apesar de tal dissociação intransponível, o termo final guarda similaridade com a
decadência por ter prazo certo, não se interrompendo ou suspendendo.
Observa-se pois que não mantém consonância com nenhuma causa
extintiva de punibilidade da legislação penal, tendo pois natureza jurídica sui generis.
5 - Causa supralegal de extinção da medida
sócio educativa
Uma causa extintiva supralegal da
medida sócio-educativa, aplicável especificamente ao infrator de 18/21 anos,
seria a imposição de pena privativa de liberdade.
Suponhamos o caso de um menor ao qual se aplicou a medida de
internação, e após completar 18 anos, pratica crime e é condenado
a pena de reclusão, qualquer que seja o quantum.
A execução das duas sanções seria incongruente, visto que a
pena criminal representa um plus em relação ao
minus da medida sócio-educativa, face à
concepção filosófica/jurídica de ambas, como antedito.
A solução seria a extinção da medida, submetendo-se o
condenado a pena criminal imposta.
As medidas sócio-educativas não se confundem com as penas
criminais, por terem natureza filosófica e jurídica distintas, visto que visam a recuperação social do infrator, e não sua punição.
Não se pode pois aplicar-se-lhes as
normas da prescrição, por impedimentos jurídicos e práticos.
A extinção dos procedimentos e das referidas medidas
verifica-se completada a maioridade civil, ou com a imposição de pena privativa
de liberdade ao infrator em maioridade penal.
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Rio de Janeiro: 1959, v.
1.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1995, v. 1.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1995,
v. 1.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de
Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1996, v. 1.
VÁRIOS. Biblioteca Nacional dos
Direitos da Criança. Cd Rom.