EXMO. SR. DR. JUIZ PRESIDENTE DO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

                                                            ,  brasileiro, solteiro, estagiário de Direito, com endereço para intimações na rua Piratininga, 105, nesta capital, vem impetrar ordem de HABEAS CORPUS  com pedido de LIMINAR em favor de                      , brasileiro, solteiro, filho de                  e de                  , nascido em    /   /      ,o qual se encontra  privado de sua liberdade de locomoção por conta de decisão proferida nos autos do procedimento para apuração de ato infracional n.         da                  Vara Especial da Infância e Juventude da Comarca de São Paulo. Apresenta, a seguir, os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido.

 

 

HISTÓRICO

 

                                                            Em   /   /   o adolescente foi apreendido por  participação em ato infracional equivalente a            . Oferecida representação pelo Ministério Público e solicitada, no ensejo, a decretação da internação provisória do paciente, tal pedido foi deferido pelo Juízo de Direto da        Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo (proc.      ).  Por conseguinte, foi o jovem encaminhado a uma das unidades de acolhimento provisório da FEBEM (UAP), onde, privado de liberdade, aguarda o desfecho do processo. Por afrontar as normas vigentes, a decisão que decretou a custódia provisória configura notório constrangimento ilegal ao direito de ir e vir do paciente, motivo pelo qual busca-se sua cassação através do presente writ.

 

                                                           

NULIDADE DA DECISÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

                                                            O art. 108, parágrafo único, do ECA determina que a decisão que antes da sentença, determinar a internação do adolescente deve ser fundamentada. O dispositivo repete a norma geral inscrita na Constituição Federal, que obriga à fundamentação, pena de nulidade, toda decisão emanada do Poder Judiciário (art. 93, IX da CF). Depois, cuidando-se de decisão que priva de liberdade um cidadão, sacrifica um de seus mais preciosos bens, é mais do que óbvio - sob pena de se instaurar o arbítrio - que devem vir explicitados os motivos que ensejam o entendimento judicial.

 

                                                            O mesmo parágrafo único do art. 108 determine que a fundamentamentação baseie-se na demonstração da presença, no caso concreto,  dos requisitos autorizadores da medida (indícios de autoria e materialidade mais necessidade imperiosa). Sem que neste sentido se pronuncie o magistrado, sua decisão não é fundamentada nos termos da lei.

 

                                                            O professo Péricles Prade, ao comentar tal dispositivo esclarece (in. Munir Cury - org : Estatuto da Criança e do Adolescente, Comentários Jurídicos e Sociais, São Paulo, Malheiros, 1997)

 

O parágrafo único do art. 108 não coopta, propriamente, um direito individual típico, trazendo à baila, porém, importante e novo princípio constitucional (em nível de garantia processual penal), inserido no cap. III da Constituição, referente ao Poder Judiciário, cujo inc. IX do art. 93 dispõe que todos os julgamentos desse órgão "serão públicos e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...)Fez bem o parágrafo único do art. 108 ao enfatizar essa exigência constitucional, mesmo porque diz, com todas as letras, em que deve basear-se a decisão. Rectius: canaliza a fundamentação (a) nos indícios suficientes de autoria, indicando o nome do adolescente e arrolando os dados probatórios considerados suficientes para a descrição da conduta tida, em tese, como crime ou contravenção; (b) na materialidade do ato infracional; (c) na demonstração da necessidade da internação provisória, que não pode ser relativa, vaga, duvidosa, questionável, mas imperiosa, vale dizer, inarredável e absolutamente vital, para neutralizar a gravidade do fato (v.g., violência ou grave ameaça à pessoa), por tratar-se, afinal, de medida privativa da liberdade, nada obstante submissa aos princípios (art. 121) de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar do adolescente.

 

                                    De outro lado, Helio Tornaghi, em seu Manual de Processo Penal, vol. 2, p. 619, a  respeito da prisão preventiva, leciona o seguinte:

 

O juiz deve mencionar de maneira clara e precisa os fatos que o levam a considerar necessaria a prisão para garantia da ordem puública e assegurar a instrução criminal ou para assegurar a instrução criminal ou a aplicação da lei substantiva. Não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei  e iude as garantias de liberdade o fato de o juiz dizer apenas:Considerando que a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública”...ou então: “A prova dos autos revela que a prisão é conveniente para a instrução criminal”...Fórmulas como essas são as mais rematadas expressões da prepotência, do arbítrio, da opressão.”

 

                                    A decisão que decretou a internação provisória do paciente, contudo, foi lavrada nos seguintes e singelos termos: “decreto a internação provisória pelos fatos descritos na representação”.

 

                                    Ora, como se demonstrou acima, é óbvio que a menção genérica “aos fatos descritos na representação” não satisfaz à rigorosa necessidade de fundamentação da decisão consoante exige o art. 108 do ECA. “Pelos fatos descritos na representação” é expressão tão vaga que poderia ser utilizada inclusive para indeferir pedido de internação provisória. Equivale, pois, a nenhuma fundamentação. Ademais a representação descreve aspectos meramente objetivos do ato infracional,  sem referências indispensáveis à circunstâncias definidoras da necessidade imperiosa da medida, necessariamente ligadas à pessoa do infrator.

 

                                    Induvidosa a nulidade da decisão atacada. A propósito, já se decidiu:

 

Habeas Corpus. Internação provisória de adolescente. Decisão não-fundamentada. Ordem concedida. A internação provisória, medida excepcional de cerceamento à liberdade de locomoção, deve ser determinada em decisão fundamentada, como todo provimento de natureza judicial (art. 93, IX, da C.F.). Não satisfaz ao preceito constitucional a adoção de parecer do Ministério Público, como razões de decidir, se nele não há fundamentação alguma que justifique a medida adotada. (TJDF - HC - 2707/98  - j. em  26/03/1998 -  2ª Turma Criminal - rel. Getulio Pinheiro - Publicação no Diário da Justiça do DF : 06/05/1998 Pág. : 34).

 

Revoga-se a decisão que determinou a expedição de mandado de busca e apreensão de adolescente, para  internação provisória quando carente de fundamentação."(Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP - Jurisprudência - Vol. 01/97 Ag 0115-2/95, TJPR, Rel. Des. Ângelo Zattar, j. 21/08/95)

 

                                                Habeas-Corpus. Internamento provisório - Decisão desprovida de fundamentação. Coação ilegal caracterizada. Concessão (Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP - Jurisprudência - vol. 1/97 - HC 94-1.662-0, TJPR, rel. Des. Angelo Zattar, vu, 22.05.95)

 

                                                            Em situação análoga, para casos de prisão preventiva, já se decidiu:

 

“A

                                                            Por todos estes motivos, indiscutivelmente nula revela-se a decisão que mantém o jovem privado de liberdade. Pede seja a nulidade declarada e, como o nulo não irradia efeitos, seja incontinenti determinada a desinternação do jovem, expedindo-se termo de entrega.

                                                           

 

ILEGALIDADE DA INTERNAÇAO PELA FALTA DOS REQUISITOS LEGAIS

 

                                                                     De fato, não se justifica a permanência do jovem em privação de liberdade até o julgamento final da ação. Conforme dispõe o art. 108, parágrafo único do ECA, a internação provisória pressupõe: a) indícios suficientes de autoria e materialidade e b) necessidade imperiosa da medida.

 

 

Ausência de indícios suficientes de autoria e materialidade

 

 

                                                            A subsistência de indícios suficientes de autoria e materialidade vincula-se à observância, pela autoridade policial, da forma prescrita em lei para apuração preliminar dos fatos.

 

                                                            Assim, o art. 173, inciso I do ECA obriga a autoridade policial a lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente, em caso de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa. Para outras hipótese de flagrante, permite o ECA a substituição do auto por boletim de ocorrência circunstanciado (parágrafo único).  Ora, as diligências em caso de infração com violência ou grave ameaça devem ser mais rigorosas e detalhadas justamente porque nestes casos é que afigura-se viável a custódia cautela. Ou seja, a observância das formalidades se justificam exatamente para que subsistam indícios suficientes de autoria e materialidade indispensáveis a eventual decretação da internação provisória caso haja também a necessidade imperiosa da medida.   

 

                                                            No caso dos autos, malgrado tratar-se de roubo, ato que supõe violência ou grave ameaça a autoridade policial limitou-se a lavrar boletim de ocorrência simples. O descumprimento da lei, injustificado, fez com que o delegado incidisse no crime previsto no art. 230, parágrafo único do ECA: proceder à apreensão de criança ou adolescente sem observância das formalidades legais -  pena detenção de seis meses a dois anos. Outra consequência inafastável da irregularidade foi determinar a ausência do requisito de indícios suficientes de autoria e materialidade para a decretação da custódia cautelar.

 

                                                            Assim, a falha da autoridade policial, não diligenciando conforme lhe determinava a lei, subtraiu um dos pressupostos fundamentais da custódia cautelar que, por tal motivo, foi irregularmente decretada.  

 

                                                            Por tal motivo, requer a concessão da ordem para cassar a decisão que decretou a internação provisória do adolescente, entregando-se para sua família.

                                                           

 

Ausência de necessidade imperiosa da medida.

 

 

                                                            Ainda que  se admita a existência de indícios de autoria e materialidade, certo é que a internação provisória não poderia se manter diante da ausência do requisito da necessidade imperiosa da medida.

 

                                                            Pelo que dispõem o ECA e a Constituição Federal, a medida de internação, seja ela provisória ou definitiva, é regida pelo princípio da excepcionalidade. Não deve, pois, ser decretada senão em situações extremas, quando efetivamente a entrega do jovem a seus responsável, com altíssima probabilidade poderá inviabilizar a instrução do feito ou a aplicação de eventual medida. Nestes sentido, aliás, já se decidiu:

 

A internação, ainda que provisória, deve atender os requistos previstos nos arts. 122/1124 do ECA. O parágraro 2o. do do art. 122 determina taxativamente que em nenhuma hipótese será aplicada a internação , havendo outra medida adequada.(TJSP - AI 13.100 - 0 - rel. Marino Falcão)

 

 

                                                            Constatando universalmente o dano gerado pelo encarceramento, ainda que não prolongado, no desenvolvimento psicológico do adolescente ainda presumido inocente, a normativa internacional, através da Convenção Internacional dos Direitos das Crianças (incorporada ao Direito interno por  Decreto Legislativo do Senado Federal) por meio das regras mínimas que a regulamentou, assim prescreveu:

 

Regras mínimas das Nações Unidas para a administração da Infância e da Juventude - Regras de Beijing

art. 13.1 - Só se aplicará prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível.

art. 13 .2  - Sempre que possível, a prisão preventiva será substituída por medidas alternativas, com a estrita supervisão, custódia intensiva ou colocação junto a uma família ou em lar ou instituição educacional.               

 

Regras mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade

art. 17. - Na medida do possível, deverá ser evitada, e limitada a  circunstâncias excepcionais, a detenção antes da celebração do julgamento

 

 

 

Sob tal ótica, é evidente que, no caso concreto, não justificava a segregação cautelar do paciente.

 

                                                            Saliente-se, em primeiro lugar, as circunstâncias da infração. [DISCORRER SOBRE CIRCUNSTÂNCIAS DO ATO INFRACIONAL QUE FAVORECEM O JOVEM EX: a ação foi instantânea, não houve violência real, não foi o jovem que comandou o roubo, a vítima recuperou seus bens,  ETC].

 

                                                                     Outro fato de relevantíssima importância é a primariedade. Até hoje o jovem  nunca se envolveu em qualquer transgressão. Não revela, pois, “periculosidade”, que identifica na infração seu meio de expressão típico. Trata-se, pelo contrário,  de adolescente em fase de amadurecimento, ainda por demais sensível às pressões do grupo e que agiu - se assim o fez - por necessidade de se afirmar. A psicologia dos grupos, especialmente os de adolescentes, explica facilmente a transgressão praticada, inserindo-a num contexto particular de pressão.

 

                                                            [OBSERVAR O RELATÓRIO   - Lembre-se que o relatório preliminar elaborado pela assistente social as vezes qualifica o jovem como pessoa sem indícios de vivência infracional] Trata-se, em tese, de infrator ocasional, que transgrediu por força da ocasião peculiarísma. Não se deve cogitar, portanto, de existência de dano à ordem pública em sua desinternação. A chance de tornar a infracionar, pois, pelo que revela seu passado, é muito menos provável do que o contrário.

 

                                                            Além do mais, como tem se entendido, a custódia cautelar decretada para salvaguarda da ordem pública tem caráter inconstitucional, uma vez que supõe, contra a garantia sagrada da presunção de inocência, ter de fato o cidadão processado contribuído para o ilícito que se apura.

 

                                                            De outro lado, a garantia de que o jovem não colocará obstáculos à instrução do feito, ou ao cumprimento de eventual medida aplicada, advém do fato de contar com família estruturada, residindo na companhia de [PAI, Mãe, etc]. Os responsáveis têm controle sobre o rapaz e assumem total responsabilidade de apresentá-lo em Juízo quando oportuno. O paciente, aliás, não tem qualquer autonomia, ou vivência independente, que sugira possibilidade de abandonar o lar e o distrito da culpa. Vislumbra-se, ademais, forte possibilidade de, ao final, reconhecida eventualmente sua responsabilidade, vir o jovem a ser agraciado com medida em meio aberto, tornando desnecessária sua custódia com o fito de garantir a aplicação da lei.

 

Ao que parece, pois, a internação provisória vem toda ela amparada numa só circunstância: a suposta gravidade objetiva do ato infracional. Todavia, na órbita da infância e juventude, a gravidade do ato infracional não comanda a definição das medidas mais adequadas, é apenas  pressuposto de aplicação para algumas delas. Aqui, a ênfase é na pessoa do infrator, acerca da qual pouco diz uma isolada a ação transgressora. Por tal motivo que a jurisprudência melhor orientada assim vem decidindo:

 

“Por isto, de lembrar que a regra é o adolescente apreendido em flagrante, ser entregue aos pais ou responsáveis (art. 174, primeira parte), até porque um dos objetivos do Estatuto é o de realçar a importância da família, fundamental para o aprendizado do adolescente. A exceção é a decretação da internação provisória. No caso sub judice só que se tem é a gravidade do ato infracional e indícios de autoria e materialidade, o que não basta, como vimos, para a decretação da internação provisória” (A.I. 31.228-0/2 - Câmara Especial do TJSP).

 

“Como medida de excepcional, de caráter provisória e preventiva, exige-se, para sua decretação, criteriosa fundamentação acerca acerca de sua necessidade, tomando-se por base indícios suficientes de autoria e materialidade do ato infracional (art. 108, parágrafo único do ECA)” (A .I. 35.483.0/4 - Câmara Especial do TJSP).

 

“No caso sub judice só o que se tem é a gravidade do ato infracional e indícios da autoria e materialidade, o que não basta, por si, como vimos, para a decretação da internação provisória. Importante ver que o agravado é primário, não havendo notícias de outros atos infracionais por ele praticados e documentos juntados confirma que ele estuda, está trabalhando em ocupação lícita, não se trata de menor desajustado e conta com apoio da família” (A . I  28.865-0/1 - Câmara Especial do TJSP).

 

No mesmo sentido: AI n. 30.707-0/1.

 

 

NECESSIDADE DE CONCESSÃO LIMINAR DA ORDEM

 

 

Por todos estes motivos a liberação do adolescente há que ser imediata. A aparência do bom direito advém da falta de demonstração, evidente, dos requisitos necessários à adoção da custódia. Como a regra é a liberação, cumpria à autoridade apontar os fatos que tornavam excepcional a hipótese dos autos uma exceção. À míngua de qualquer esforço nestes sentido, subtende-se de plano a ilegalidade do recolhimento. O perigo na demora é também inquestionável. O prejuízo derivado de um dia de privação de liberdade, onde quer que seja (e em especial na UAP da FEBEM), gera dano moral irreparável. De outro lado,  tempo habitual de processamento de um writ nesta E. Corte tornará, caso não deferida liminarmente a medida, totalmente prejudicada a ordem a final, com a superveniência de sentença de mérito no processo de conhecimento a ser proferida em prazo inferior a quarenta e cinco dias.

 

Por fim, caso se negue a liminar, a necessidade de fundamentação consistente e específica (que vá além de termos genérico como “os motivos de fato e de direito não autorizam a concessão liminar da ordem”) mostra-se imperiosa, sob pena de renovar, agora na instância superior, o constrangimento imposto ao jovem pelo Juízo de primeiro grau.

 

 

PEDIDO

 

Diante do exposto, requer seja deferida a ordem do presente habeas corpus LIMINARMENTE, para o fim de se determinar a imediata desinternação do adolescente, encaminhando-se-o para sua família. Ao final, pede seja a ordem concedida para os mesmos fins postulados em liminar.

 

           

Nestes termos, pede deferimento.

São Paulo,  de                       de                .