A IMPLICAÇÃO DO GRUPO DE SOCIALIZAÇÃO NO COTIDIANO DOS ADOLESCENTES: A (RE) CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

 

 

Ingrid Rodrigues Aragonez

Estagiária de Serviço Social/Centro Regional Norte.

 

 

Nos grupos de socialização, os adolescentes, através da fala, constroem e/ou reconstroem as representações sociais, específicas da adolescência. Isso ocorre através de um processo dialético de trocas que incidem no cotidiano dos adolescentes. Durante o momento em que estão nos grupos, há uma troca  e socialização das experiências que são vivenciadas no cotidiano, possibilitando este processo.

 

Falar sobre um grupo específico para adolescentes que está inserido em um programa de proteção, possibilita desvelar um universo em constante transformação, ainda mais se for visualizado o cotidiano dos adolescentes. Os fatos que estão em constantes mudanças são apontados no grupo de socialização, onde os adolescentes trazem temas pertinentes à própria adolescência. Neste momento, as representações sociais que estão imbricadas neste período são (re)construídas.

 

O presente artigo tem como objetivo, conhecer a implicação deste grupo no cotidiano dos adolescentes, a medida em que através da troca de experiências, é possibilitada uma (re)construção das diversas representações sociais que perpassam o cotidiano deles.

 

Situaremos, neste artigo, de forma seqüencial às partes que o compõe. Primeiramente o conceito de adolescência; o grupo de socialização e o processo  de (re)construção das representações sociais sobre as questões implicadas no cotidiano dos adolescentes, ou seja, a própria adolescência, a violência, a sexualidade, o mundo do trabalho, dentre outras.

 

 

A adolescência e a “estética juvenil globalizada”[1]

 

O entendimento de adolescência que perpassa a sociedade contemporânea está ligado ao consumo de determinados produtos. A preferência  são pelas roupas de determinadas grifes que indicam a inclusão ou exclusão de um grupo de pessoas.

 

Isso fica mais evidente nos adolescentes, por reforçarem a tendência de cristalizar certos grupos, como as patricinhas, os mauricinhos, os surfistas, os funkeiros, etc, pois: “o consumo passa a ser signo de inclusão, mas também de destituição daqueles que são, potencialmente, não consumidores”. (OLIVEIRA, 2001, p.39)

 

O consumo influencia no reconhecimento social dos adolescentes, a medida em que determinados estilos, bad boy ou funk, que emergiram da periferia, ganham destaque na sociedade como um todo, sendo muitas vezes, consumidos por outros segmentos de adolescentes da sociedade. Isso caracteriza uma “estética juvenil globalizada”, por transpor os limites dos bairros segregados, o mundo dos proscritos, ou seja, a periferia.

 

O entendimento de adolescência que norteia este artigo tem seu referencial nas ciências humanas e sociais: “estas compreendem o ser humano em permanente desenvolvimento, transformação a si e ao meio social, a partir das vivências compartilhadas com seus grupos de convívio e rede de relações”. (PEMSEIS apud ARAGONEZ, p.12)

 

Conceber a adolescência em permanente desenvolvimento refere à transformação do corpo que implica também, uma alteração a nível psíquico, ou seja, com relação a si mesmo, a sua subjetividade. Estas mudanças implicam no universo de relações do adolescente. Logo a adolescência é um período rico de experiências estruturantes da identidade do ser humano, pois possibilita vivenciar diferentes novidades, possibilitando a construção da sua identidade enquanto adolescente.

 

 

O grupo de socialização e a sua implicação no cotidiano: o processo dialético de (re)construção das representações sociais.

 

Uma das atividades específicas para os adolescentes, no SASE, é o grupo de socialização, onde através da fala, há uma troca de experiências sobre diferentes assuntos que fazem parte do cotidiano dos adolescentes. Neste momento há uma troca de entendimentos - representações sociais - específicos dos adolescentes sobre os mais diversos temas. De acordo com o projeto do SASE (1998, P.12): “O grupo de socialização é específico para os adolescentes, sendo fundamental no aprendizado para lidar com a afetividade, com a reciprocidade, com a solidariedade, com a justiça e com o respeito. É centrado na comunicação e interação com o outro, permitindo que cada um possa falar do que o angustia, de seus conflitos e medos, do relacionamento nas atividades, no fortalecimento do sentido de estar integrado a um grupo, identificar-se com ele, de incluir-se e incluir os demais em seu mundo interno”.

 

No grupo são trazidos temas ligados à vivência do dia a dia dos adolescentes, são experiências que eles vivem no momento (imediato) da adolescência, aqueles que os angustiam ou os que gostariam que fossem compartilhados com os demais. Enfim, são aqueles que perpassam a realidade dos adolescentes para serem problematizados e que contribuem para a discussão e a (re)construção das representações sociais própria da adolescência.

 

O conceito de representações sociais é multifacetado, logo neste artigo serão entendidas sob uma abordagem das ciências sociais: “são definidas como categorias de pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a”. (JOVCHELOVITCH apud MINAYO, 1995, p.89)

 

Conceber representação social como categoria do pensamento é compreender uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, designa uma forma de pensamento social. Elas são um tipo de conhecimento socialmente elaborado e partilhado, orientando a conduta. Logo, sua função é elaborar comportamentos, determinar a conduta e propiciar e facilitar a comunicação.

 

Através do relato dos adolescentes sobre o seu cotidiano, há uma (re)construção destas  representações sociais que eles têm sobre diferentes temas. Estes temas são os que estão imbricados no período da adolescência e às experiências diárias que vivem nos mais diferentes espaços, ou seja, na escola, no próprio Centro Regional, na comunidade, em casa, no “Som”, etc. São eles: ser jovem, violência, drogas, sexualidade, namoro/ficar, trabalho.

 

Percebe-se que o tema “ser jovem” serve como pano de fundo para as outras discussões, pois, refere ao período em que estão vivendo. Isso contribui para que ocorra uma participação de todos, até daqueles que num primeiro momento ficam receosos. Assim, eles falam sobre as experiências que passam e que são comuns à maioria dos adolescentes. Isso facilita o processo de (re)construção das representações sociais pois há uma troca significativa das experiências, pois os adolescentes refletem e criticam as diferentes atitudes tomadas  numa mesma situação.

 

Muitos outros são os temas conversados num mesmo encontro. Com isso, percebe-se a imediaticidade da própria adolescência em falar e às vezes até resolver coisas ao mesmo tempo e no mesmo encontro. Isso pode ser visualizado quando  eles queriam debater algumas situações que ocorreram no final de semana com relação a namoro, a ficar, a violência  e drogas nas festas que freqüentam.

 

A violência é um outro tema constante nas falas dos adolescentes, por ser vivida quase diariamente que é explicitada através das narrativas das experiências vividas no “Som”, nas brigas entre grupos de moradores de vilas diferentes na própria comunidade.

Através da fala, os adolescentes trazem as suas experiências e seus entendimentos referentes as suas atitudes referentes a fatos da sua realidade, tais como, uma briga ocorrida no Som, o tráfico de drogas na vila,  o namoro, enfim, questões da própria adolescência  que perpassam a sua vida, ocorrendo um processo dialético de troca.

 

Este processo pode ser entendido como um movimento de ação, reflexão e proposição, através da socialização das experiências. Incide no cotidiano, através da (re)construção as representações sociais e também no grupo, pois é através das experiências vivenciadas que implicam as discussões no grupo, logo são indissociáveis e possibilita uma reflexão crítica sobre o cotidiano e também uma socialização deste universo.

 

Logo, o  processo dialético de trocas interfere no cotidiano dos adolescentes à medida que eles constroem e reconstroem diversas representações sociais próprias da adolescência que ocorre quando os adolescentes relatam experiências que referem a temas pertinentes ao momento em que estão vivendo. Também pode-se dizer que o cotidiano interfere no grupo a medida em que os adolescentes trazem coisas referentes a ele – experiências – e socializam no grupo.

 

No relato dos adolescentes, são apontados diferentes aspectos, dentre  eles, o social, que predominava,  e às vezes até o político. Com relação ao aspecto político, pode ser exemplificado quando os adolescentes falavam que “os políticos de Porto Alegre não repassavam o dinheiro para reformas nos lugares para o lazer”.

 

Sobre o aspecto social, os adolescentes questionavam a escola, sendo que esta não dava conta de um ensino melhor e que os professores faltavam muito às aulas e mesmo assim assinavam o ponto e não deixavam de receber o salário (integral) no final do mês. Questionavam sobre a política da saúde, quando mencionavam que o posto de saúde da comunidade não os atendia. Também sobre a segurança; a discriminação racial, social, etc.

 

Pela fala de cada adolescente é trazido à tona um mundo construído pelas experiências de cada dia, com seus próprios conhecimentos (do senso comum), valores, culturas, normas, regras. Os adolescentes à medida que falavam, utilizavam os movimentos do corpo para se expressarem. Logo, percebe-se outros indicativos de fala dos adolescentes: “...a fala, assim como a linguagem, tem o poder de revelar e de ocultar ou, de outro modo, de falar para além de texto legível, daquilo que é ‘dito’”. (DIÓGENES, 1998, p.65)

A fala revela-se nos movimentos do corpo dos adolescentes, a medida em que estes utilizavam-no para se expressarem.

 

Com relação à linguagem, esta parecia  mais “uma fortaleza de palavras”[2], a medida em que os adolescentes utilizavam gírias próprias para se comunicarem e que, às vezes, ficava quase impossível de entender. Também os movimentos com o corpo que os adolescentes utilizavam para possibilitar uma troca referente à comunicação.

 

 A partir dessa prática profissional, questionou-se que os adolescentes possuem um conhecimento (senso comum), dito subuniversos de institucionalização[3],  no qual não são validados pela sociedade hegemônica, ficando apenas no mundo dos proscritos[4]. Também possuem uma história de vida que o programa valida, à medida que oportuniza um espaço para que possam ser faladas as suas experiências de vida, ou seja, do próprio cotidiano e (re)construídas, em conjunto, as diferentes representações sociais que compõem o cotidiano destes adolescentes.

 

Também por trabalhar na perspectiva de que o adolescente é sujeito do processo de construção do seu projeto de vida, e que se dá porque há um espaço para a discussão das diversas experiências de vida, fazendo com que haja uma (re)construção de certos entendimentos – representações sociais - que implicam no cotidiano destes adolescentes.

 

 

Considerações Finais

 

Através da prática profissional desenvolvida, nos momentos de supervisão com a Assistente Social, foi visto que o grupo, além do que está previsto no projeto, é um espaço que oportuniza e privilegia a fala dos adolescentes, através da sua própria linguagem (as gírias), propicia a construção de uma consciência crítica, à medida que se caracteriza num espaço para refletir e socializar sobre o cotidiano. Serve também para estabelecer vínculos; construir regras de convivência na perspectiva de direitos e deveres, cidadania, pertencimento e inclusão social e protagonismo.

 

 Logo, a palavra “socialização” deve ser entendida no sentido de compartilhar experiências que possam ser pensadas em conjunto que possibilitem a construção ou reconstrução destas representações sociais próprias da adolescência: ser jovem, o namoro/ficar, o trabalho, a violência na comunidade, as drogas, enfim, temas que fazem parte do cotidiano da vida desses adolescentes.

 

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade:

tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.

DIÓGENES, Glória. Cartografias da Cultura e da Violência: gangues, galeras e

o movimento hip hop. São Paulo: Annablume: 1998. 

JOVCHELOVITCH, Sandra (org.). Textos em Representações Sociais. Petrópolis:

Vozes, 1995.

OLIVEIRA, Carmen Silveira de. Sobrevivendo no Inferno: a violência juvenil na

contemporaneidade. Porto Alegre: Sulina, 2001.

 

 

NOTAS

 

[1] Expressão utilizada por Glória Diógenes (1998) e também por Carmen Silveira de

Oliveira (2001).

[2] Expressão utilizada pela autora Glória Diógenes (1998, p.23).

 

[3] São construções fechadas de conhecimento, ficam circulando separadamente das outras. Um exemplo, é a “subcultura” , conhecimento dos meninos de rua. Esta expressão é utilizada pelo referencial teórico da Sociologia do Conhecimento. Ver Bergman e Luckman (1985).

 

[4] Expressão encontrada em Diógenes (1998) “esta evidencia as desigualdades e exclusões etnorraciais e territoriais advindas do estigma e da divisão social no gueto americano e na periferia urbana francesa” (apud Wacquant, 1995).