A CUT CONTRA O TRABALHO INFANTIL
Central Única dos Trabalhadores
Esta é mais uma contribuição da Central Única dos Trabalhadores ao debate sobre o trabalho infantil no Brasil, visando à reflexão dos trabalhadores e da sociedade em geral no sentido da mobilização social para o desenvolvimento de ações de erradicação de tal prática.
A questão do trabalho infantil é tema que ocupa cada vez mais a agenda nacional e internacional exigindo do movimento sindical uma reflexão cuidadosa com relação às suas conseqüências e às estratégias sindicais para o seu combate.
O movimento sindical cutista, através de sua Secretaria Nacional de Políticas Sociais e da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, ao centrar sua atuação no combate ao trabalho infantil, vem reforçando a luta dos movimentos sociais populares, dos conselhos de direitos e dos conselhos tutelares, dos fóruns de defesa dos direitos da criança e do adolescente e dos organismos públicos nacionais e multilaterais, visando ao cumprimento dos direitos de cidadania estabelecidos nas legislações.
A CUT conclama os trabalhadores e a sociedade brasileira a persistirem na luta pelo fim do trabalho precoce, pois lugar de criança é na escola: não ao trabalho infantil.
Secretaria Nacional de Políticas Sociais - Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
O trabalho infantil não é fato novo na história da humanidade, mas ganha evidência a partir da Revolução Industrial. A própria divisão do trabalho, as tarefas simplificadas e depois automatizadas (taylorismo e fordismo) acabaram propiciando a utilização intensiva dessa força de trabalho. O que muda, no tempo, é a proporção da demanda e da oferta, as formas de inserção no mercado, as ocupações e condições de trabalho destinadas a essa faixa etária.
O uso da mão-de-obra infantil é assunto que requer ainda estudos e pesquisas pela sua complexidade e presença ao longo da história. No período da acumulação primitiva, o trabalho era tido como ajuda e não como trabalho, uma vez que o adulto fazia com sua família todo tipo de atividade em sua pequena propriedade. Assim, a criança era incorporada na lida da terra, com uma jornada diária intensa e contínua.
Com o aparecimento do comércio e da indústria, estabeleceu-se uma nova divisão de trabalho, simplificando tarefas, criando hierarquias, modificando funções, reservando espaços para aqueles que não tinham formação.
Estas condições acabaram por favorecer a incorporação de crianças em diversos setores da produção. Dar trabalho à crianças, no século 18, era um "favor", um "benefício" dos empregadores para com o Estado, que tinha por obrigação manter as Casas de Trabalho, instituições que abrigavam crianças pobres que viviam de vadiagem e mendicância.
Tratar de trabalho infantil, neste final de século, é retomar a história de vida de crianças e adolescentes das camadas populares ao longo da história; é observar que o "chão da fábrica" teve um papel substantivo na formação dessa força de trabalho, incluindo aí desde os aspectos da disciplina para o trabalho como a própria formação profissional.
Uma das causas da incorporação de crianças pelo mercado tem sido a precarização das relações de trabalho, aliada ao mito do trabalho como valor ético e moral, "formativo", "escola da vida", que torna o homem "mais digno" e como prevenção da marginalidade. Nunca é considerado como um deformador da infância. As longas jornadas de trabalho, as ferramentas, os utensílios e o próprio maquinário inadequado à idade comprometeram o desenvolvimento sadio de crianças e elevaram o índice de mortalidade, conforme atestam relatos ao longo da história.
As primeiras leis de proteção à criança trabalhadora, surgidas diante das denúncias e reivindicações da sociedade, principalmente dos trabalhadores, vêm da Inglaterra, a partir de 1802, com a "Carta dos Aprendizes". Instituía a jornada de trabalho de, no máximo, 12 horas e proibia o trabalho noturno. Esta regulamentação, contudo, era circunscrita ao âmbito da indústria de algodão e lã.
A Alemanha promulga suas leis de proteção a partir de 1838, a Bélgica, em 1840, a França, em 1841, a Holanda, em 1889, Portugal, em 1891. Como se vê, somente a partir do século 19 é que os principais países industrializados da Europa criam, sob pressão, as primeiras leis de proteção à infância trabalhadora.
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) estabeleceu, em 1919, a idade mínima de quatorze anos para a entrada de menores de idade na indústria (Convenção no. 5). No mesmo ano, a entidade proibiu o trabalho noturno na indústria para os menores de 18 anos (Convenção no. 6).
A primeira lei brasileira de proteção ao trabalho juvenil é de 1891 (decreto-lei no. 1313). Proibia o trabalho noturno em determinadas ocupações, fixava a idade mínima em 12 anos para entrada no mercado de trabalho e fixava jornada máxima de sete horas.
O Código de Menores de1927 manteve essa idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho. Também a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) de 1943, ocupou-se da proteção aos trabalhadores menores de idade. A Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), como veremos, registram avanços significativos.
Apesar de toda a proteção legal, do alto grau de desenvolvimento científico, de avanço tecnológico e da mobilização de setores da sociedade preocupados com os direitos humanos e de cidadania de crianças e adolescentes, o trabalho infantil ainda encontra espaços para a sua continuidade.
A Organização Internacional do Trabalho revela a existência de 250 milhões de crianças, entre 5 e 14 anos, trabalhando em todo o mundo.
A principal normativa internacional relativa ao trabalho de menores de 14 anos é a Convenção 138 adotada pela OIT, em 1973, que dispõe sobre a idade mínima de admissão ao emprego relacionando-a com a obrigatoriedade escolar e a Recomendação 146 que enfatiza a necessidade de prover o adolescente de justa remuneração, com salário igual para trabalho igual, a limitação das horas diárias e semanais de trabalho, deixando tempo suficiente para educação e formação.
A CLT dispõe sobre a proteção do trabalho aos menores de idade nos artigos 402 e 441, proibindo o trabalho antes dos 14 anos. Há então todo um arcabouço legal (decretos-lei, decretos, portarias e resoluções) para tratar dos mais variados aspectos que essa proteção enseja: quadro de serviços e locais perigosos e insalubres em que o adolescente não pode trabalhar; relação dos serviços leves que o adolescente pode exercer entre 12 e 14 anos; situação de aprendiz; normas relacionadas à segurança e à saúde do trabalhador; organização e funcionamento de cooperativa-escola; normas relativas à aprendizagem e a regulamentação das agências de formação profissional (SENAI/SENAC/SENAR) e estágio escolar para os cursos de ensino profissionalizante, entre outros.
A atual Constituição Federal proíbe o trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz (12 a 14 anos de idade), a diferença de salários entre adultos e adolescentes, o trabalho noturno, perigoso ou insalubre, garante aos adolescentes direitos trabalhistas e previdenciários, bem como o acesso à escola. Estabelece no artigo 227 que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
Esse conjunto de direitos é incorporado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que outorga às gerações adultas, representadas pela família, sociedade e Estado, o dever de cuidar e fazer valer os direitos da infância com prioridade absoluta e cujos interesses devem prevalecer sobre qualquer outro bem ou causa (OIT/IPEC/CECIP/1995).
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) tratou do trabalho no capítulo 7, artigos 60 a 69, Do Direito à profissionalização e à proteção no trabalho, incorporando as proibições da carta magna. Proíbe o trabalho antes dos 14 anos, salvo na condição de aprendiz; a aprendizagem profissional deve estar vinculada às diretrizes e bases da educação nacional (LDB); garante bolsa-aprendizagem ao adolescente até aos 14 anos e direitos trabalhistas e previdenciários ao adolescente-aprendiz, maior de 14. O ECA veta o exercício do trabalho nas seguintes condições: noturno, realizado entre 22 horas de um dia e 5 horas do dia seguinte; perigoso, insalubre ou penoso, realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, bem como o trabalho realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.
O ECA, ao defender a integridade de crianças e adolescentes, deixa claro que há um conjunto de circunstâncias especialmente difíceis a que parte desta população está afeta. Uma delas é o trabalho infantil, proibido por lei, que acaba discriminando, violentando e oprimindo a população infanto-juvenil das camadas populares, revelando a negligenciado Estado e da sociedade na realização do direito à educação, saúde, lazer, profissionalização, entre outros.
O Estatuto da Criança indica programas comunitários e governamentais de apoio à família que necessita da força de trabalho de seus filhos para sobrevivência, podendo ser acionados para a recuperação de seu verdadeiro papel: provedores da infância e adolescência (arts. 129 parágrafo 1º e 101 parágrafo 4º).
Em síntese, há um conjunto de instrumentos jurídicos - normativas, convenções, declarações - que oferecem proteção à criança e ao adolescente, a saber:
Convenção n.º 5 da OIT (1919)
Consolidação das Leis do Trabalho (1943)
Declaração dos Direitos da Criança (1959)
Convenção n.º 138 da OIT (1973)
Recomendação n.º 146 da OIT (1973)
Constituição Federal, arts. 6, 7, XXXIII, 203, I e II, 204, 205, 206, I, VI, VII, 227, 229 (1988)
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, arts. 28, 29, 31, 32 e 33 (1989)
Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento da Criança (1990)
Estatuto da Criança e do Adolescente, arts. 3, 4, 5, 6, 7, 15, 16, 17, 18, 22, 53, 54, 55, 58, 60, 61, 67, 69, 70. 86, 87, 88 (1990)
Lei Orgânica da Assistência Social. arts. 1, 2, I e II (1993)
É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, colocando-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor (ECA art. 18).
A definição de criança e adolescente varia ao longo da história da humanidade, pois cada sociedade e cada época carregam uma série de valores e culturas distintas que interferem na forma e no modo de se olhar este grupo etário.
A Convenção Internacional do Trabalho das Nações Unidas define criança como sendo "todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes" (Unicef, 1991).
Para a OIT, a infância "pode ser definida em função da idade, mas diversas sociedades aplicam critérios distintos para estabelecer o limite entre a infância e a idade adulta. Em certas sociedades, no entanto, idade não se constitui base suficiente para determinar a infância. O cumprimento de determinados ritos sociais e obrigações tradicionais podem também ser requisito para a definição do estado de adulto ou de criança. Em outras, a integração da criança na vida sócio-econômica pode começar tão cedo ou a transição da infância para a idade adulta pode ser tão lenta e gradual que é praticamente impossível identificar claramente as diferentes etapas da vida (Bequele, 1993).
A legislação brasileira, ECA, define criança como a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente entre 12 e 18 anos.
Já em relação ao trabalho, a palavra tem também muitos significados. "Às vezes, carregada de emoção, lembra dor, tortura, suor do rosto, fadiga. Noutras, mais que aflição e fardo, designa a operação humana de transformação da matéria natural em objeto de cultura. É o homem em ação para sobreviver e realizar-se, criando instrumentos, e com esses, todo um novo universo cujas vinculações com a natureza, embora inegáveis, se tornam opacas" (Albornoz, 1994).
Para Marx (1878),"O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza como uma de suas forças. (...) Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza".
Usualmente, o trabalho pode compreender qualquer atividade que resulte, direta ou indiretamente, condições de manutenção da vida.
Sobre o trabalho infantil, a OIT o define com sendo aquele "executado por criança menor de quinze anos, com o objetivo de prover seu sustento e/ou o sustento de sua família" (OIT/IPEC-Brasil, 1995). Este conceito está aplicado a determinadas atividades desempenhadas por menores de idade "em condições mais ou menos regulares, para ganhar o sustento para si e suas famílias" (Bequele/OIT,1993).
O trabalho do adolescente (maior de 14 anos) é tolerado quando garantida proteção especial contra a exploração econômica e contra os prejuízos ao seu pleno desenvolvimento. Portanto, só é permitido obedecidas as normas nacionais e internacionais, isto é, garantia de acesso à escola; proibição de jornada de trabalho superior a 44 horas semanais; garantia de direitos trabalhistas e previdenciários; proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão; proibição de trabalho noturno (das 22 h. às 05 horas); proibição de trabalho em serviços e locais perigos e insalubres e de serviços que demandem o emprego de força muscular superior a 20 quilos em trabalho contínuo e 25 quilos em trabalho eventual; garantia de recebimento direto e integral de salários mediante assinatura de recibo; garantia de férias no trabalho coincidentes com férias escolares.
Os estudos e ação dos sindicatos, das ONGs, dos conselhos de direitos e tutelares no combate ao trabalho infantil têm indicado a seguinte definição: trabalho infantil é aquele realizado por crianças menores de 14 anos de idade, de modo sistemático (mais de 20 horas semanais); com vinculação formal ou não de trabalho; com salários definidos ou não; e quando a ocupação não permite a freqüência regular à escola, ao desenvolvimento de atividades extra-escolares necessárias ao desempenho sadio, bem como o direito à convivência familiar e comunitária.
A infância é uma fase da vida consagrada à educação e ao desenvolvimento, não devendo, portanto, ser dedicada ao trabalho. Lugar de criança é na escola: não ao trabalho infantil.
O Brasil é um dos países que apresenta altos índices de trabalho infantil. Os dados do IBGE (1994) apontam que 20,1% das crianças e adolescentes de 10 a 13 anos já estão no mercado de trabalho. Esta situação tem colocado o país na mira dos foros de direitos humanos, numa situação bastante desconfortável em termos das relações político-econômico-sociais internacional e nacional.
A existência de 4.500.000 crianças de 05 a 14 anos trabalhando (sendo 529 mil crianças de 5 a 9 anos) e do total, 1.834.026 exercendo atividades não agrícolas tem causado, no seio da sociedade brasileira, uma sorte de denúncias exigindo providências do Governo no sentido de sua fiscalização, na implementação de políticas sociais de proteção à família, crianças e adolescentes e na abolição dessa prática, o mais urgente possível. (PNAD/IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 1993).
As principais causas do trabalho infantil são a pobreza, a estrutura do mercado de trabalho, a deficiente oferta de bens e serviços sociais, além dos demais aspectos de natureza sócio-cultural como por exemplo, o mito de que o trabalho é "formativo", é "melhor criança trabalhar do que nada fazer", ele "prepara a criança para a vida futura".
Os dados do IBGE (1993) mostram que o índice de crianças e adolescentes que trabalham é muito maior nas faixas de renda mais pobres da população, principalmente no grupo etário de 10 a 14 anos dada à necessidade e pressão dos pais junto aos filhos no sentido de colaborarem para a manutenção do grupo familiar.
As famílias mais pobres, com até um salário mínimo per capita mensal, fornecem 75% do total da força de trabalho infanto-juvenil nas áreas urbanas. Mas este índice sofre altas variações de acordo com as regiões brasileiras.
Quanto mais novo o grupo etário de crianças trabalhadoras, mais desqualificada é a sua ocupação, mais baixa é a sua escolaridade ou há o abandono dos bancos escolares, menor é a sua remuneração, ou esta não existe quando a ocupação é tida apenas como "ajuda" ou "troca" por um prato de comida, cama ou vestimenta. Então, não há como melhorar a condição das famílias pobres mesmo com a participação decisiva da força de trabalho infantil.
Vários fatores interferem na oferta e na forma como as crianças adentram o mercado de trabalho.
Quanto menor o nível de escolaridade da família, mais os seus filhos participam do trabalho; quanto maior o grau de informalidade nas relações de trabalho dos adultos e o tipo de atividade (agricultura, extrativismo, assalariado informal), maior é a incorporação do trabalho da criança junto ao grupo familiar; e quanto maior o número de famílias chefiadas por mulheres, maior é o envolvimento das crianças no trabalho.
Observando as causas, percebe-se que o fator pobreza não é exclusivo, responsável por si só, da entrada de crianças no mercado de trabalho. Como se vê o trabalho é tolerado por parcela significativa da sociedade pelos mitos que ele enseja - "formativo", "educativo", "prepara a pessoa para o futuro"; pela pouca densidade da educação escolar obrigatória de qualidade ofertada pelo poderes públicos; além da inexistência de uma rede de programas sociais complementares à educação escolar, tão fundamentais ao desenvolvimento da infância.
Na verdade, essas são algumas das razões apontadas como incentivo às famílias para a incorporação de seus filhos nas estratégias de trabalho e/ou sobrevivência.
A sociedade, influenciada por estes motivos, associa o "não-trabalho" à "marginalidade" e à "delinqüência", corroborando com a idéia de que o trabalho é o formador por excelência das crianças e adolescentes das camadas populares.
O mais justo é a definição e realização de uma política pública de enfrentamento da pobreza com a criação de novos empregos; aumento de escolaridade; qualificação e requalificação profissional dos adultos; alteração do perfil da política de distribuição de renda e remuneração dos trabalhadores compatível com o custo de vida; além de ações psico-jurídico-sociais de fortalecimento da família para que ela possa cumprir, em conjunto com o Estado e sociedade, as obrigações constitucionais. Ou seja, prover os membros menores de idade do direito à vida, à educação, à saúde, à cultura, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227).
As conseqüências físicas e biológicas do trabalho sobre a criança podem ser classificadas segundo o tipo de trabalho que ela exerce.
O trabalho penoso provoca estresse, danos físicos e prejuízos mentais; o trabalho insalubre provoca doenças e intoxicações; e o trabalho perigoso pode ocasionar acidentes ou danos à vida da criança ou adolescente trabalhador. Locais insalubres e perigosos são minas, ambientes frios, úmidos ou com calor excessivo, galerias de esgotos, matadouros, curtumes e locais com desprendimento de poeira, e resíduos como do algodão e da cerâmica. As ruas, carvoarias, pedreiras, lavouras e batedeiras de sisal, o corte de cana-de-açúcar e os depósitos de lixo são também exemplos de trabalho infantil perigoso, penoso e insalubre (Dos Santos e Pereira, 1997).
De uma série de conseqüências sociais indesejáveis do trabalho infantil, a mais grave é o prejuízo que o trabalho causa à educação escolar das crianças, dado que as inovações tecnológicas têm requerido um novo tipo de trabalhador. Assim, a escola acaba tendo uma importância muito maior para o desenvolvimento cognitivo das crianças do que em outros tempos. O nível de escolaridade e a qualidade do ensino constituem-se pré-requisitos para a entrada no seletivo mercado de trabalho. Desse modo, não se pode admitir que lugar de criança seja no trabalho. Ao contrário, lugar de criança é na escola, com uma educação de qualidade.
A luta pela erradicação do trabalho infantil passa pela erradicação da miséria, pela efetivação das políticas sociais básicas, pela defesa e garantia dos direitos humanos.
A luta pela erradicação do trabalho infantil passa pela erradicação da miséria, pela efetivação das políticas sociais básicas, pela defesa e garantia dos direitos humanos.
Mecanismos
e sujeitos mobilizadores na defesa e garantia dos
direitos da criança
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a gestão participativa entre governo e sociedade civil na formulação, deliberação, controle e atenção aos direitos desta população. São eles, os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares.
Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente são instâncias públicas de gestão da política, cabendo-lhes formular, deliberar e controlar as ações nos três níveis da administração pública (municipal, estadual, nacional). Têm representação paritária, ou seja, são compostos por igual número de representantes do governo e da sociedade civil. Como espaço privilegiado de parceria, cooperação mútua e co-gestão, os Conselhos de Direitos reúnem condições de articular as ações no campo da infância resultando num projeto político de interesse público.
A presença da sociedade civil no Conselho de Direitos facilita o controle e permite que os programas de atendimento sejam direcionados às necessidades mais coletivas e prioritárias com capacidade de garantir os direitos de cidadania.
Os Conselhos Tutelares são também instâncias de participação da sociedade no sentido de atender às reivindicações, receber denúncias, solicitações e aplicar medidas de proteção à infância e à juventude, quando os direitos estiverem ameaçados e/ou violados. Ele tem funções advocatícias de defesa e garantia dos direitos; de representação e encaminhamento; de escuta das necessidades e demandas das crianças e comunidade; de orientação educativa, entre outras (Blanes e Pereira, 1994).
Como estes conselhos são agentes de proteção da população infanto-juvenil, isto implica que as normativas internacionais e nacionais sejam colocadas em prática, em especial a política integral preconizada pelo ECA, visando ao cumprimento dos três eixos estabelecidos: o direito à vida, o direito ao desenvolvimento e o direito à proteção especial.
O trabalho infantil constitui-se grave situação de risco, pessoal e social e aos Conselhos de Direitos cabem o papel de emissão de normas para a implementação das políticas e o seu controle.
Aos Conselhos Tutelares compete o atendimento, o estudo e o encaminhamento dos casos de violação, como também a aplicação de medidas de proteção especial previstas no ECA.
Aos conselhos das políticas setoriais, em especial o da Educação, Saúde e Assistência Social, cabem a efetivação de ações que visem ao desenvolvimento integral de crianças e adolescentes concorrendo para que as estratégias de erradicação do trabalho infantil tenham êxito no país.
O sistema de justiça é outro mecanismo privilegiado para a garantia e o restabelecimento dos direitos de cidadania de crianças e adolescentes trabalhadores, em particular o Ministério Público da área da infância e do trabalho.
No campo da sociedade civil, os CEDECAs (Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) espalhados pelo país, têm tido papel de destaque na implementação das estratégias de combate ao trabalho infantil, monitorando ações e advogando causas em favor das crianças trabalhadoras.
Os organismos multilaterais são outros mobilizadores sociais na defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) têm demandado ações na área de estudos, pesquisas, campanhas, fomento à mobilização e capacitação social de diversos agentes visando o fim da prática do uso da força de trabalho infantil e quebrando barreiras acerca dos mitos e dilemas que o trabalho precoce apresenta.
Os Fóruns DCAs. (Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil têm-se constituído em espaços pedagógicos de debate das causas e conseqüências do trabalho infantil, influindo na mobilização geral da sociedade no sentido de que a luta pela erradicação dessa prática ganhe cada vez mais adeptos.
As centrais sindicais de trabalhadores e seus sindicatos filiados, a partir de 1990, têm-se constituído num dos principais interlocutores dos direitos da criança e do adolescente, principalmente no campo da educação e trabalho, promovendo estudos, pesquisas, campanhas; organizando os jovens trabalhadores e seus familiares no combate ao trabalho infantil; participando das instâncias de gestão da política para a criança e adolescente (conselhos de direitos); fomentando o debate da política econômica e social no sentido da justa distribuição de renda, geração de emprego, qualificação e requalificação profissional; articulando o movimento sindical de trabalhadores no plano internacional para o estreitamento dos laços de solidariedade e de realização de ações conjuntas pela erradicação do trabalho infantil; e ajuizando ações de cumprimento do direito da criança das camadas populares em ser criança, ou seja, não ao trabalho infantil, ao trabalho escravo, ao trabalho precoce e espoliado a que está submetida.
Um dos pontos de debate que tem tido prioridade da CUT refere-se à clausula social e a sua relação com o trabalho infantil. A Central sustenta como argumento principal que ela "pode vir a ser um instrumento para impedir a prática do dumping social, evitar a competitividade do comércio baseada na super exploração do trabalho e, ao mesmo tempo, se constituir em mecanismo de melhoria das condições de trabalho em países exportadores do Terceiro Mundo, que se utilizam de trabalho infantil e forçoso, além de outros descumprimentos das convenções da OIT".
Em se tratando de ramos de atividade que se utilizam de força de trabalho de crianças como o têxtil, calçado, corte da cana-de-açúcar, sisal, a existência e aplicação da cláusula social poderia "ter um impacto imediato e eficiente na eliminação do trabalho infantil (...) ao mesmo tempo que poderia exercer uma influência favorável sobre as condições de trabalho" no geral.
Promover a sobrevivência, o desenvolvimento e a integridade de crianças e defendê-las das situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão é dever de todos numa sociedade que se quer moderna, democrática e justa.
O trabalho infantil no Brasil não está circunscrito apenas aos grandes centros urbanos. Ele aparece em todos os estados, conforme pode ser observado pelas contribuições das entidades de defesa dos direitos, estudos e pesquisas, do movimento sindical de trabalhadores e do próprio Ministério do Trabalho.
A presença de crianças e adolescentes no trabalho é marcante nas ocupações urbanas e rurais, estando na economia formal e informal e até na chamada "economia clandestina" (tráfico de drogas, prostituição, mendicância profissional nos faróis) ligadas ao setor de serviços, comércio e indústria.
No meio rural, o trabalho de crianças, historicamente, é considerado rotina. Elas são inseridas, primeiro de forma lúdica e, ao longo da atividade cotidiana dos pais, vão se tornando companheiras de trabalho. A ocupação acaba sendo incorporada como meio de sobrevivência e capacitação profissional.
O governo brasileiro não pode mais ignorar a existência do trabalho infantil, uma vez que é de sua responsabilidade o documento Diagnóstico Preliminar dos Focos do Trabalho de Crianças e do Adolescente no Brasil (1996), elaborado pelo Ministério do Trabalho, através das Secretarias de Fiscalização do Trabalho e de Segurança e Saúde no Trabalho.
A entrada de crianças e adolescentes no mercado de trabalho urbano intensificou-se na década de 80, afetada por um conjunto de crises sócio-econômicas, que resultou em nítido empobrecimento da população e crescimento do setor informal.
No referido Diagnóstico foram encontrados focos de trabalho infantil em todos os estados das cinco regiões brasileiras e nas seguintes ocupações:
Crianças e adolescentes trabalham nas atividades de cultura do milho, serviços em açougue, panificação, serviços em sorveteria, cultura do algodão, cacauicultura, cafeicultura, metalurgia, hortifrutigranjeiros, serviços em madeireira, serviços de engraxate, serviços em oficina mecânica, serviços em serraria, indústria moveleira, serviços de vendedor ambulante, extrativismo, plantio de cereais, serviços em postos de gasolina, serviços em supermercados, venda e distribuição de jornal, quebra de concreto, leiteria, cultura da laranja, serviços em carvoaria, serviços em cerâmica e olaria, extração da castanha do Pará, extração vegetal (seringa), serviços diversos através de convênio - Programas de Inserção no Mercado de Trabalho - geralmente no setor de serviços.
Nas atividades da cultura da laranja, setor de serviços, serviços de catador de lixo, serviços em salinas, distribuição e venda de jornal, serviços em cerâmica, cultura do sisal, serviços em pedreira, cultura da cana-de-açúcar, serviços em oficina mecânica, cultura da uva, serviços em tecelagem (fabricação de redes, panos de prato, mantas, caminhos de mesa, tapetes), cultura do fumo.
Região
Centro-Oeste
Nas atividades da cultura da melancia, serviços em oficina mecânica, confecção, cultura do alho, panfletagem, setor de serviços, serviços de catador de lixo, cultura da mandioca, serviços em pedreira, cultura do tomate, cultura da banana, seringais, cultura da goiaba, serviços em carvoaria, serviços em cerâmica e olaria, cultura da cana-de-açúcar, cultura do abacaxi, oleicultura, cultura do algodão, cultura da erva-mate, indústria moveleira, cultura do feijão, cultura do milho, cultura de pastagem, serviços de jornaleiro, cultura do café, serviços em serraria e madeireira.
Nas atividades como a cultura do alho, fabricação de louças e porcelanas, fabricação de caixotes, serviços em pedreira, serviços em oficina mecânica, avicultura (abate de aves), cultura do tomate, cultura do milho, transporte de lenha, confecção, cultura do algodão, cultura do amendoim, cultura da batata, indústria plástica, cultura do arroz, pesca, cultura do café, serviços em olaria e cerâmica, distribuição e venda de jornais, cultura da goiaba, beneficiamento de mármore e granito, cultura do feijão, extração de resina, confecção, cana-de-açúcar.
Nas atividades como a cultura da laranja, setor de serviços (mediante convênio), serviços em cerâmica, serviços em pedreira, cultura da cana-de-açúcar, venda e distribuição de jornal, colheita da maçã, colheita do alho, serviços em cristaleira, construção civil, serviços em pequenas fábricas, avicultura, cultura do fumo, extração de ametista, serviços em madeireira, curtume (beneficiamento do couro), serviços em supermercados, extração de acácia, indústria moveleira, criação do bicho-da-seda, cultura da mandioca.
Observando-se os dados, nota-se que este trabalho não é casual ou esporádico. Ao contrário, é sistemático e não obedece muito aos indicadores de desenvolvimento sócio-econômico da região.
O rendimento salarial obtido por crianças no trabalho tem representado em algumas ocupações até 1/3 da renda familiar - principalmente nas ocupações de rua - o que é muito diferente das demais ocupações (no campo e nas atividades de indústria e serviços). As crianças acabam sendo responsáveis pelo seu sustento, poupando, assim, o grupo familiar das despesas com vestimenta, alimentação e, quando estudam, pagam as despesas com material escolar.
Na contextualização do trabalho infantil, o processo de urbanização brasileiro teve peso decisivo, uma vez que grande contingente de crianças e adolescentes adentrou ao mundo do trabalho, em detrimento do seu próprio desenvolvimento bio-psico-social sadio e adequado, do mesmo modo que hoje, apesar das demandas impostas pelas inovações tecnológicas e de toda uma gama de direitos garantidos no plano legal, as crianças continuam sendo incorporadas ao mercado de trabalho.
O trabalho, para as crianças das camadas populares, continua ainda sendo visto, neste final de século, como a política capaz de formar e educar os pequenos e, ainda mais, o único meio de sobrevivência de parte considerável de famílias, principalmente daquelas que vivem na linha da pobreza.
O escritor Antônio Callado, no artigo Romários se vingam do Brasil de Herodes (FSP, 1994), sobre o trabalho infantil, coloca que "estamos criando dois brasis, um de costas para o outro. Um, que cuida com empenho e amor de seus filhos, de seus bichos de estimação, das plantas. O outro, pobre, miserável, ainda meio escravo, continua produzindo filhos que continuarão escravos, já que não aprenderão a ler e a escrever".
É preciso romper com o mito de que a criança que trabalha fica mais esperta, aprende a lutar pela vida e tem condições de vencer profissionalmente quando adulta.
O movimento sindical cutista constitui-se na principal central de organização dos trabalhadores brasileiros com atuação qualificada na construção e consolidação da democracia.
Essa atuação não se restringe especificamente à relação capital-trabalho. Cada vez mais, participa das instâncias de formulação e acompanhamento das políticas públicas destinadas à melhoria das condições de vida e trabalho.
A década de 80 foi um período marcado pela exigência de incorporação das principais reivindicações do movimento social no plano legal. Cada setor assumiu a sua luta específica e, dessa maneira, contribuiu para o desenho das políticas sociais básicas de interesse da sociedade.
A luta pelos direitos da infância ganha destaque dada à situação de abandono, violência e negligência a que esteve submetida. Assim, foi decisivo o envolvimento do movimento sindical cutista colaborando com os movimentos populares e comunitários na infra-estrutura, divulgação, organização de eventos, como também na promoção de atividades específicas voltadas para suas bases.
Nesta trajetória de lutas e com a união dos movimentos sociais em torno do Fórum Nacional DCA (Fórum Nacional Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente), as crianças e adolescentes ganham status de cidadãos, sujeitos de direitos e prioridade absoluta na definição e implementação de políticas sociais.
No início dos anos 90, o movimento sindical cutista debate internamente o seu papel no que tange ao específico de sua ação na área da infância. Tomou-se como prioridade, para aprofundamento e contribuição para qualidade das políticas públicas destinadas ao segmento infanto-juvenil, a questão da Educação - Trabalho, incorporando neste bojo a Formação Profissional, no sentido de dar materialidade ao estabelecido no ECA, Capítulo V, Do Direito à Profissionalização e a Proteção no Trabalho.
A CUT cria a Secretaria Nacional de Políticas Sociais (1988) e a Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (1991) visando a consolidação de seus propósitos na área da infância. Articula uma série de eventos para aproximar sindicatos, federações, confederações, da problemática que envolve a infância brasileira. Ao mesmo tempo, insere-se nas instâncias participativas do movimento social, como os Fóruns de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos de Direitos e Tutelares, Fórum Nacional de Promoção e Erradicação do Trabalho Infantil, colaborando de modo decisivo nas questões de sua responsabilidade, ou seja, as relações capital-trabalho-cidadania.
Esta inserção fez do movimento sindical cutista uma referência na implementação da política de direitos na área da criança e do adolescente. Internamente, esta relação provocou debates na sua base, modificando o cotidiano da ação sindical, pois os direitos de cidadania da população infanto-juvenil passou a fazer parte da sua agenda nos processos de negociação das políticas sociais, salariais, sindicais, cláusulas sociais, entre outras.
Em todos os eventos e cursos de formação político-sindical dos trabalhadores, a temática tem tido presença. No 5º Congresso da CUT (1994) houve a incorporação em suas Teses e Resoluções Do Direito da Criança e do Adolescente (Tese n.º 13). Deste período em diante têm sido criadas comissões de trabalho e secretarias estaduais e locais voltadas ao desenvolvimento de políticas sociais para a área.
Ao eleger como específico de sua ação o direito à profissionalização e à proteção no trabalho, canaliza seus esforços na luta pela erradicação do trabalho infantil e pelo fim da exploração do trabalho do adolescente.
Em 1992, a Organização Internacional do Trabalho inicia a articulação de parceiros para a implantação no Brasil do Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC). Com a CUT, as ações resultaram em estudos de caso de crianças trabalhadoras em 11 Estados da federação e nas mais diversas ocupações/atividades de trabalho de crianças, tanto na zona rural quanto urbana. Os estudos de caso priorizados foram os que continham um grande número de crianças no trabalho e cujos produtos são em grande parte para a exportação e onde a indústria (e agroindústria) é moderna e competitiva, como: confeçcão de calçados, colheita da laranja, colheita do chá, extração do coco-babaçu, corte de cana-de-açúcar, além do ramo do comércio nas mais variadas atividades.
Foram realizados vários cursos de capacitação de sindicalistas e mobilização da sociedade, encontros de crianças e adolescentes trabalhadores, publicações (cartilhas, revistas), campanhas, como Lugar de criança é na escola: não ao trabalho infantil. Além disso, teve participação na primeira gestão do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 1992-1994), participando das comissões temáticas, Políticas Públicas e Trabalho-Educação.
Além da parceria com a OIT/IPEC, estabeleceu outras com uma multiplicidade de entidades sociais, organizações não-governamentais, universidades e centros de estudos e pesquisas, centrais sindicais nacionais e estrangeiras, confederações e federações, fundações do campo empresarial. Como destaque de trabalho conjunto, a CUT e os seus sindicatos filiados priorizaram a parceria com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) no desenvolvimento de ações no campo da pesquisa, estudos e campanhas. Estas parcerias têm sido fundamentais para o sucesso das ações empreendidas pela CUT.
O movimento sindical cutista tem tido o cuidado em registrar todo esse processo e divulgá-lo através de panfletos, cartilhas, cadernos, textos, fitas cassete, vídeos, cartazes, jornais, revistas. Ainda ocupa espaços na mídia, como também firma contratos com emissoras de rádio e televisão, através de seus sindicatos filiados, para divulgação do trabalho, tanto de denúncias quanto de proposições, exigindo, assim, providências dos órgãos públicos competentes.
Os estudos de caso de crianças trabalhadoras têm sido outra característica marcante da ação da CUT no enfrentamento do trabalho infantil. Este procedimento tem servido para que os sindicalistas e os trabalhadores tomem conhecimento da realidade; participem do debate da questão junto à sociedade bem como no envolvimento de todos pelo fim do trabalho infantil.
Como um dos resultados da ação, os estudos de caso têm servido para ajuizamento de ações e cobrança junto aos órgãos públicos responsáveis pelo cumprimento da legislação, como também para evidenciar a responsabilidade de parte do empresariado por esta situação. Ainda, estes estudos têm auxiliado no aprofundamento do debate sobre a incompatibilidade trabalho-escola na vida das crianças, impedindo-as do acesso, permanência e sucesso escolar.
Já as campanhas têm orientado a mobilização da opinião pública brasileira e internacional pelo fim do trabalho infantil. Centram-se na exigência de políticas sociais básicas, em especial a Educação, capazes de forjar a construção da cidadania das crianças brasileiras. A CUT lançou as campanhas: Lugar de Criança é na escola: não ao trabalho infantil; Escola e Criança: feitas uma para a outra (esta em conjunto com a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) com a divulgação de milhares de cartazes, cartilhas e adesivos.
Tendo hoje em seu quadro de filiação a mais importante central de trabalhadores da área rural, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), a luta pelo fim do trabalho infantil no campo cutista ganha reforço inigualável, uma vez que esta central, desde 1991, passou a considerar a erradicação do trabalho infantil como uma das metas de sua luta.
Como na agricultura é expressivo o número de crianças e adolescentes exercendo atividades impróprias à sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, pois estão expostos a toda sorte de abuso e negligência, a ação da Contag tem sido substantiva na orientação de pais, sindicalistas, governantes e sociedade em geral na busca de mecanismos de proteção aos jovens trabalhadores, eliminando-se assim o trabalho antes dos 14 anos de idade.
A Contag produziu programas de rádio - Programa da Criança - transmitidos por mais de uma centena e meia de emissoras, na maioria dos estados brasileiros. Esta estratégia teve bons resultados ao atingir seu público-alvo, os trabalhadores rurais e suas famílias.
Juntas, CUT e Contag, promoveram o 1º Encontro Nacional de Meninos e Meninas Trabalhadores Rurais, em 1995, no qual crianças e adolescentes exerceram seus direitos de voz e expressaram seus desejos e reivindicações, entregues às autoridades do Executivo e do Legislativo.
No tocante à articulação do movimento sindical de trabalhadores como um todo, umas das atividades de referência conjunta das centrais junto a outros setores e grupos da sociedade (governo, organismos multilaterais, empresários, ongs) compromissados na erradicação da prática do trabalho infantil, é o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. Ele foi criado em novembro de 1994, com o objetivo de reunir esforços no enfrentamento das situações de risco e de prejuízo para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente trabalhadores. As prioridades de ação desse Fórum estão concentradas em ocupações de risco, por exemplo, o trabalho nas carvoarias do Mato Grosso do Sul/MS, na confecção de calçados em Franca/SP e nas pedreiras de Pirinópolis/GO.
Para a CUT, é imprescindível que o Governo brasileiro cumpra a sua obrigação, desde a fiscalização para proibição do trabalho infantil quanto à exploração do trabalho do adolescente; que ratifique e incorpore os conteúdos da Convenção 138 e da Recomendação 146 da OIT, uma vez que estabelecem medidas de proteção a crianças e adolescentes no sentido da garantia do direito da criança em ser criança.
O trabalho infantil é uma traição a todos os direitos da criança como ser humano e uma ofensa a nossa civilização
(Unicef/1997).
Para o próximo triênio, a CUT elenca como propostas de ação visando à erradicação do trabalho infantil no país:
· A luta pela erradicação do trabalho infantil é parte integrante da luta por salário e emprego e pela construção da cidadania. Essa questão tem que estar na agenda permanente da CUT e seus sindicatos, em todas as negociações de todos os setores da cadeia produtiva e de serviços, pois pode não ser constatada a presença de crianças numa determinada fábrica, mas é muito provável que sua matéria prima seja produto do trabalho infantil.
· A CUT deverá continuar a desenvolver seus estudos de caso para, ao dar visibilidade à exploração do trabalho de crianças, criar as condições para seu combate junto à sociedade o que implica envolvê-la na luta por políticas públicas que possibilitem à criança acesso, permanência e sucesso na escola. Lutar pela instituição de Programas de Renda Mínima vinculados à permanência das crianças na escola deve ser central para a CUT.
· A escola é política pública número um para a criança. Porém, ela ainda é excludente, não só porque faltam vagas, mas também porque ela não leva em conta a realidade da criança. Trabalha com uma visão idealizada de criança a partir de um modelo de criança de classe média e, ao fazer isso, não acolhe aquela que não se adequa ao modelo. A CUT, com todas as entidades da educação, deverá atuar junto aos professores, abrindo com eles uma discussão para que a escola cumpra o seu papel, garanta a toda criança seu direito à educação.
Cabe ainda à Central atuar junto à opinião pública, para que ela mude seus valores culturais e ideológicos e passe a ver o trabalho infantil como problema e, assim, a combatê-lo. Para isso, a CUT deverá ampliar sua participação nos fóruns de defesa dos direitos da criança e do adolescente, fortalecê-los e construí-los onde não existem e, em especial, o Fórum de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
· A CUT deve, ainda, realizar uma campanha pela ratificação da Convenção n.º 138 da OIT, que proíbe o trabalho infantil. A CUT e seus sindicatos participam da luta pela construção da cidadania das criança e adolescentes.
A
erradicação do trabalho infantil é tarefa de todos. O retorno
da criança trabalhadora à escola de qualidade e o seu sucesso escolar depende
da ação de toda uma sociedade justa e humana.
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