ADOLESCENTE - ATO INFRACIONAL - REPRESENTAÇÃO OFERTADA PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO SEM A OITIVA PRÉVIA DO MENOR ENVOLVIDO, SEUS PAIS OU RESPONSÁVEIS -
FRUSTRAÇÃO DA POSSIBILIDADE DE ARQUIVAMENTO OU REMISSÃO - FORMALIDADE PREVISTA
NO ART. 179 DA LEI N. 8.069/90 (ECA) - NORMA COGENTE - OBRIGATORIEDADE - OFENSA
À GARANTIA DO DUE PROCESS OF LOW - NULIDADE ABSOLUTA RECONHECIDA - DECISÃO
MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Sendo "exato que como dominus litis tem o
Promotor o seu livre convencimento, mas este, pela própria definição legal da
norma do artigo 179, não será completo sem a prévia e ainda que informal oitiva
do menor e dos demais envolvidos no ato infracional" (LEX 164/166),
acarreta nulidade insanável o descumprimento do referido dispositivo. (Apelação criminal nº 98.012471-9, Segunda Câmara Criminal do TJSC, Relator: Des. Jorge Mussi, Data Decisão: 27/10/1998)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação
criminal n. 98.012471-9, da comarca de Timbó (Vara da Infância e Juventude), em
que é apelante a Justiça, por seu Promotor, sendo apelado L. L. S.:
A C O R D A M, em Segunda Câmara Criminal, por votação
unânime, negar provimento ao recurso ministerial.
1 - Na Comarca de Timbó (Vara da Infância e da Juventude), o
Órgão Ministerial ofertou representação contra L. L. S., por suposta violação
ao art. 155, caput, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, porque,
consoante se infere da peça vestibular de fls. 2:
"(....) no dia 06 de maio de 1.995, por volta das 15:00
horas, o representado invadiu o porão do estabelecimento Drogaria e Farmácia
Catarinense S. A., sito na Avenida Getúlio Vargas, nesta cidade, e apoderou-se
de uma moto Yamaha DT-180, placa TI-180, pertencente a Osmar Dadam, e com uma
chave micha, deu partida ao motor, pois pretendia evadir-se. A vítima, que
trabalha no estabelecimento mencionado, ao ouvir o ronco do motociclo, percebeu
que se tratava daquele de sua propriedade, motivo pelo qual, postou-se junto à
saída e logrou agarrar o menor e impedir o furto.
"A moto não restou danificada, nem a vítima teve outro
prejuízo a ser reparado.
"O representado já cometeu outros delitos da
espécie."
Concluída a instrução, o feito foi declarado extinto, ante o
reconhecimento de nulidade absoluta, eis que não foi observado pelo
representante do Parquet a quo, o estabelecido no art. 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por
outro lado, foi acolhida a possibilidade da concessão de remissão e afastada,
desde logo, a cumulação com medida
sócio-educativa.
Inconformado com o teor do decidido, o Ministério Público
recorreu em sentido estrito, tempestivamente, forte no art. 198 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pleiteando
a reforma do decisum que decretou a extinção do feito pela ocorrência de
nulidade, sob o argumento de que posteriormente foi cumprido o determinado pelo
art. 179 da Lei n. 8.069/90, não restando qualquer prejuízo ao adolescente representado. Aduziu, ainda, a indiscutível
necessidade da aplicação de medida
sócio-educativa de liberdade assistida.
Rebatido o recurso e mantida a decisão, os autos ascenderam
a este Grau de Jurisdição, manifestando-se a ilustrada Procuradoria-Geral de
Justiça, pelo afastamento da nulidade e, no mérito, pela manutenção da sentença
atacada.
É o relatório.
2 - Não merece provido o recurso ministerial, porquanto
efetivamente ocorreu a nulidade absoluta da representação, eis que foi
apresentada pelo Ministério Público e recebida pelo MM. Juiz de Direito da Vara
da Infância e Juventude da Comarca de Timbó sem observância das providências
estabelecidas no art. 179 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, findando definitivamente em ofensa ao princípio da
garantia constitucional do due process low, disposto no art. 5º, inciso LIV, da
Constituição Federal, do qual o contraditório, a ampla defesa, a publicidade, a
motivação e o juiz natural constituem aspectos complementares.
Extrai-se dos autos que o menor L. L. S. foi representado
ante a conclusão de inquérito policial, pertinente à ocorrência que
caracterizaria violação ao art. 155, caput, c/ art. 14, inciso II, ambos do
Código Penal, sujeito, portanto, à medida
sócio-educativa.
Todavia, não foi previamente cumprido o estatuído no art.
179 da Lei n. 8.069/90, vez que, com base unicamente naquela peça, o Órgão
Ministerial ofertou representação contra o apelado, sem antes proceder a
imediata oitiva do adolescente, seus pais ou responsáveis, vítima ou qualquer outra
testemunha.
O caput do dispositivo suso mencionado preceitua que:
"Apresentado o adolescente, o
representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de
apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados
pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva, e, em
sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas"
Tocante à matéria, ALBERTO SILVA FRANCO et alii, ao citar
julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assinalou:
"O novo estatuto da
Criança e do Adolescente, abolindo o informalismo anterior, estabeleceu regras
cogentes, que não podem ser desobedecidas, iniciando-se o procedimento
com a apresentação do menor ao Ministério Público (art. 171), para
prosseguimento, arquivamento ou remissão, em fases claramente determinadas, que
não podem ser dispensadas ou sacrificadas. A regular tramitação do feito
visa garantir os direitos do inimputável, assegurando-lhe julgamento
completo e escorreito." (in "Leis Penais e sua Interpretação
Jurisprudencial", São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.995, p. 352).
Prosseguindo, destacou:
"E não é sem razão que o primeiro dispositivo (art.
179) impõe, como diligência obrigatória do Ministério Público, a oitiva do menor,
e sendo possível, de seus pais ou responsáveis, vítima e testemunhas. É
que do resultado dessa audiência e da avaliação que dela resultar, adotará o
Ministério Público, por força do art. 180 do ECA, uma das três providências ali
enumeradas, podendo: promover o arquivamento dos autos (I), conceder a remissão
(II) ou representar à autoridade judiciária para aplicação de medida sócio-educativa (III)."
E continuando, acrescentou que:
"O estatuto foi
concebido como uma verdadeira doutrina dos direitos fundamentais da Criança e
do Adolescente, dispondo já em seu art. 1º que a lei que o aprovou tem por
objetivo dar 'proteção integral à criança e ao adolescente', levando sempre em consideração sua situação peculiar de
pessoas em desenvolvimento."
Ora, como se infere do entendimento doutrinário, o
cumprimento do disposto no art. 179 da Lei n. 8.069/90 é de suma importância,
posto que o Ministério Público, assim procedendo, poderá, após avaliação,
manifestar-se sobre o arquivamento ou quanto à concessão de remissão ao menor
infrator, sem findar no oferecimento de representação, veja-se:
"A oitiva informal, que é o primeiro contato com o adolescente, permitirá ao Curador da Infância e da Juventude fazer uma
avaliação preliminar do caso, bem como da personalidade do envolvido.
"Com razão, observa Luiz Edmundo Labanca que: 'A
verificação informal, à vista das informações dos antecedentes do adolescente e da importância e gravidade de sua conduta, tornará mais
ágil e eficiente a correta aplicação desta lei, haja vista que poderá (art.
126) o M. P., ouvido o adolescente, arquivar os autos ou conceder-lhe a remissão em decisão
motivada. (....).'" (ROBERTO JOÃO ELIAS, in "Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente",
São Paulo: Saraiva, 1.994, p. 156)
O mesmo autor, ainda assinalou:
"Realmente, o referido procedimento é adequado não só
porque evita delongas desnecessárias, como também, o que deve ser ressaltado,
constrangimentos que poderiam afetar psicologicamente o adolescente inocente ou o que tivesse praticado algum ato sem grande
relevância." (ob. já citada).
E a jurisprudência não discrepa:
"MENOR - Representação - Não recebimento -
Admissibilidade - Ausência de oitiva do adolescente -
Providência obrigatória - Aplicação do artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente -
Recurso não provido.
"Frente à imperatividade do comando do artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
dispensa apressada da audiência nele prevista significará, sem dúvida,
obstáculo a que o menor veja discutida a possibilidade de obter remissão ou
mesmo o arquivamento do processo" (Ap. crim. n. 17.778-0, de Campinas/SP,
Rel. Dirceu de Mello, j. em 28.7.94).
No mesmo diapasão, cita-se julgado desta Colenda Câmara
Criminal, publicado na última Revista dos Tribunais:
"ADOLESCENTES - ATO INFRACIONAL - REPRESENTAÇÃO, DESDE
LOGO, SEM OITIVA DOS ENVOLVIDOS, SEUS PAIS OU RESPONSÁVEIS - ART. 179, DA LEI
N. 8.069/90 (ECA) - PROCEDIMENTO OBRIGATÓRIO - OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL - NULIDADE - ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
"A cláusula constitucional do devido processo legal
garante, em direito processual, que todos os atos, em resposta aos impulsos das
partes, devem estar previstos em lei.
"Viola a garantia do devido processo legal o
oferecimento de representação pelo Ministério Público contra adolescentes
possíveis infratores, desde logo, sem oitiva dos mesmos, seus pais ou
responsáveis, quando tal providência é exigida pelo disposto no art. 179, do
ECA.
"O art. 179, do ECA, contém norma cogente ('procederá'),
que não dispensa a audiência nele prevista; se assim não ocorrer haverá
obstáculo a que os menores veja discutida a possibilidade de obter a remissão
ou mesmo o arquivamento do processo.
"Por isto é 'exato que como dominus litis tem o
Promotor o seu livre convencimento, mas este, pela própria definição legal da
norma do artigo 179, não será completo sem a prévia e ainda que informal oitiva
do menor e dos demais envolvidos no ato infracional' (LEX 164/166)" (HC n.
98.001684-3, da Capital, Rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. em 17.3.98 - RT
754/706).
E mais:
"MINISTÉRIO PÚBLICO - Representação -
Oferecimento sem a oitiva do menor - Inadmissibilidade - obrigatoriedade em
face do artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente -
Representação rejeitada - Recurso não provido.
"É exato, como dominus litis, tem o Promotor o
seu livre convencimento, mas este, pela própria definição legal da norma do
artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não
será completo sem a prévia e ainda informal oitiva do menor e dos demais
envolvidos no ato infracional" (Ap. crim. n. 17.781-0, de Campinas/SP,
Rel. Nigro Conceição, j. em 9.2.95).
Ainda desta Corte de Justiça, citado, inclusive, pelo
decisum monocrático:
"Estatuto da
criança - Interpretação do artigo 179 - Obrigatoriedade da inquirição, pelo
Promotor de Justiça, do adolescente,
pais ou responsáveis, testemunhas e vítima, antes do oferecimento da
representação - Preterição da formalidade - Nulidade - Recurso desprovido"
(Ap. crim. n. 28.830, de Campos Novos, rel. Des. Márcio Batista, p. no DJSC n.
8.609, de 23.10.92, p. 12).
E do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
"MENOR - Representação por prática de ato
infracional - Rejeição - Admissibilidade - Promotor que não ouviu prévia,
imediata e informalmente o adolescente -
Procedimento indispensável para a formação de convicção do Promotor de Justiça
- Artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente -
Recurso não provido.
"Na busca dos elementos circunstanciais do fato, tendo
em vista, principalmente, a possibilidade do Promotor de Justiça de promover o
arquivamento dos autos ou conceder, desde logo, a remissão como força de
extinguir o processo, não pode ele deixar de entrevistar-se com o menor e com
os demais envolvidos" (Ap. crim. n. 19.107-0, de Itu/SP, Rel. Ney Almada,
j. em 15.12.94).
No mesmo sentido, vê-se decisão do Colendo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
"MENOR. PROCESSO INFRACIONAL. NULIDADE DO
PROCESSO.
"Ciência aos pais ou responsáveis do menor infrator,
antes do interrogatório deste, imprescindível, assim como interrogatório sempre
com assistência de defensor constituído ou nomeado pelo Juiz. Ausência de tais
cautelas constituem nulidade absoluta, decretável ex officio, a qualquer tempo
e em qualquer grau de jurisdição" (Ap. crim. n. 594132978, Rel. Des. Prés.
Waldemar Luiz de Freitas Filho, j. em 21.12.94).
E ainda:
"PROCEDIMENTO DESTINADO À APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL
PRATICADO POR ADOLESCENTE.
"Nulidade do processo. Ausência de ciência dos
pais quanto à representação e ausência de defensor na audiência de
apresentação" (Ap. crim. n. 594132078, Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, Rel. Des. Prés. Waldemar Luiz Freitas Filho, j. em 19.10.94).
Também deste Sodalício:
"ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADE ESSENCIAL. NULIDADE
DECRETADA.
A providência de que trata o artigo 179 da Lei n. 8.069/90,
a anteceder quaisquer das elencadas no artigo 180 e incisos do referido Estatuto, não se constitui em mera faculdade, mas ato obrigatório,
portanto da essência do procedimento" (Ap. crim. n. 29.423, de Chapecó,
rel. Des. Ayres Gama, p. no DJSC n. 8.894, de 23.12.93, p. 2).
Por derradeiro:
"MENOR - Declarações - Colheita pelo Ministério Público
- Admissibilidade - Hipótese de medida
cogente disposta no art. 179 do Estatuto da
Criança e do Adolescente - recurso provido nesse sentido" (Ap. crim. n.
13.534-0, Presidente Prudente/SP, Rel. Cézar de Moraes, j. em 31.10.91).
Por outro lado, mister ressaltar que pelo fato de não ter
sido observada a formalidade do art. 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
ofendeu-se o princípio constitucional da garantia do devido processo legal.
JOSÉ AFONSO DA SILVA leciona que:
"O princípio do devido processo legal entra
agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna
Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal (art. 5º LIV). Combinado com o direito de acesso
à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º,
LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo,
e quando se fala em "processo", e não em simples procedimento,
alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a
prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu,
segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do
contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a
bilateralidade dos atos procedimentais, conforme autorizada lição de Frederico
Marques" ("Curso de Direito Constitucional Positivo", Malheiros,
9ª ed., 2º t., 1.993, p. 378).
O devido processo legal, na acepção puramente processual,
impõe "obediência estrita das normas processuais, de forma que o processo
penal traduza iguais oportunidades das partes no plano processual, a ampla
defesa como todos os recursos inerentes, o contraditório, as demais garantias
do juiz natural, publicidade e motivação dos atos judiciais" (LUIZ GUSTAVO
GRANDINETTI CASTANHO CARVALHO, "O Processo Penal em face da
Constituição", Rio de Janeiro: Forense, 1.992, p. 49).
Ainda, tangente à garantia do devido processo penal, ensina
ROGÉRIO LAURIA TUCCI que, a ação judiciária deve realizar-se, "atrelada ao
vigoroso e incindível relacionamento entre as preceituações constitucionais e
as normas penais, quer de natureza substancial, quer de caráter instrumental, e
de sorte a tornar efetiva a atuação da Justiça Criminal, tanto na inflição e na
concretização da pena, ou da medida de
segurança, como na afirmação ao ius libertatis" (ROGÉRIO
LAURIA TUCCI, "Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal
Brasileiro", São Paulo: Saraiva, 1.993, p. 71).
Assim, ao ser a representação oferecida sem observância do
disposto no art. 179 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, indubitavelmente violou direito do adolescente de ser, mesmo que de maneira informal, previamente
oitivado, afastando, desde logo, condições para o arquivamento ou a concessão
de remissão, para, só então se fosse o caso, ser representado, desrespeitando,
desta forma, o devido processo legal, ao ferir garantia constitucional.
Por isso, deve o decisum ser mantido integralmente.
3 - Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se
a decisão objurgada.
Participou do julgamento, com voto vencedor, o Ex.mo. Sr. Des. Alberto Costa
e, lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Ex.mo. Sr. Dr. Valdir Vieira.
Florianópolis, 27 de outubro de 1.998.
José
Roberge
PRESIDENTE
COM VOTO
Jorge
Mussi
RELATOR
Ap.
crim. n. 98.012471-9
Gab.
Des. Jorge Mussi