1ª Junta de Conciliação e Julgamento de Dourados/MS 

Ação Civil Pública proc. n.º 818/97

 

Nota do Editor: Em decorrência da atuação do Ministério Público em conjunto com a Fiscalização do Trabalho, e também no curso da ação judicial, a empresa passa a adotar todas as medidas objeto do pedido antes mesmo da sentença final condenatória. Ainda assim, não considera o juízo sentenciante a perda do objeto da ação, preferindo aplicar uma multa diária (astreinte) não em razão das infrações já cometidas, mas para a hipótese da empresa vir a reincidir na prática dos atos que lhe são imputados, ou seja, passa a assegurar os resultados práticos da condenação.

 

 

ATA DE AUDIÊNCIA

 

 

Aos 24 dias do mês de março de 1998, reuniu-se a 1ª junta de Conciliação e julgamento de Dourados, MS, presentes a Exma. juíza Substituta Dra. Marina Brun Bucker e os Exmos. juizes Classistas, que ao final assinam, para a audiência relativa ao processo n.º 0818/97, entre as partes:

 

Reclamante(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Reclamada(s): TANGERINO & TANGERINO LTDA.

 

Às 16.30 horas, aberta a audiência, foram de ordem da MM juíza, apregoadas as partes.

Proposta a solução do litígio aos Srs. juizes Classistas, colhidos os votos, proferiu ajunta de Conciliação e Julgamento a seguinte

 

 

D E C I S Ã O

 

I – Relatório

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por intermédio da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª; Região, promoveu a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA contra Tangerino 4 Tangerino Ltda., devidamente qualificada na inicial alegando, em síntese que foram constatadas pela equipe de fiscalização da DRT diversas irregularidades perpetradas pela ré, violando direitos trabalhistas assegurados na Carta Magna (art. 60 e 70).

Dos autos de infração destacam-se as seguintes infrações:

1) EPIs - não fornecimento do equipamento e não tornado obrigatório seu uso (art. 166/67 da CLT);

2) Ausência de ordens de serviço sobre segurança e medicina do trabalho, a fim de instruir os funcionários quanto a possíveis acidentes (art. 157, II, da CLT);

3) Irregularidades na caldeira, que não foi devidamente inspecionada e estava sob operação e controle de funcionário não habilitado para tanto (art. 157, III, da CLT);

4) A ré deixou de organizar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes - CIPA (violação dos art. 162 a 165 da CLT);

5) A ré, por exercer atividade de processamento de subprodutos do abate de animais, com risco de contaminação ambiental, deixou de realizar o controle periódico dos riscos ambientais e delimitar as áreas de risco (art. 189 a 193 da CLT);

6) Ausência de proteção contra incêndio no local (art. 200, IV, da CLT);

7) A ré deixou de providenciar os Exames médios admissionais e periódicos PCMSO dos funcionários e não dotou o estabelecimento de material necessário à prestação de Primeiros Socorros;

8) A empresa vem mantendo vários empregados sem o devido registro e admitindo funcionários que não possuem CTPS (art. 41 e 13 da CLT;

9) A ré permite o trabalho de menores (14 a 18 anos) em atividades e operações comprovadamente insalubres e perigosas e em horário noturno (art. 405, I, da CLT);

10) Apesar de possuir mais de dez empregados, não possui controle de jornada (art. 74, parágrafo 2º. da CLT);

11) Quanto à jornada, os funcionários da ré excediam a jornada de oito horas diárias; a empresa não concedia intervalo para repouso ou alimentação de no mínimo 1 hora e no máximo 2 horas; deixava de conceder o descanso semanal de 24 horas consecutivas; prorrogava a jornada normal de trabalho além de duas horas diárias sem qualquer justificativa e permitia trabalho em domingos sem autorização da autoridade competente. (art. 58, 59, 67, 68, 71 da CLT).

Pretende o demandante seja a reclamada condenada a sanar as irregularidades apontadas e, pelo descumprimento de qualquer das obrigações de fazer ou não fazer deferidas, seja-lhe aplicada multa diária equivalente a 2.000 UFIRs, por trabalhador, reversível ao FAT, como previsto na Lei 7.347[85. Deu a causa o valor de R$ 5.000,00. A inicial veio acompanhada de documentos.

A reclamada oferece defesa escrita às f. 97/152, onde argüi em preliminar, inépcia da petição inicial, impossibilidade jurídica do pedido e incompetência funcional da JCJ para apreciar a causa. No mérito, argüi que foram lavradas 23 autuações contra a empresa, desprovidas de fundamento legal, as quais foram contestadas estando a matéria sub judice Outrossim na época, a empresa encontrava-se em momento de transição, com a implantação de maquinário e contratação de pessoal. Inexistiram as violações legais alegadas pelo Ministério Público, tendo havido excesso por parte dos fiscais quando da lavratura dos autos que desencadearam a presente medida judicial. Não cabe à justiça do Trabalho impor multas administrativas, mesmo porque representaria um bis in idem, pois a empresa já foi penalizada.

Impugnação à contestação às f. 352/360.

Inspeção Judicial realizada às f. 386/388.

Audiência de instrução às f. 389, tendo o Ministério Público requerido diligências complementares.

Juntada de documentos pela demandada às f. 398/431.

Manifestação do MP às f. 435/37, com documentos, impugnados às f. 443.

Na audiência em prosseguimento não compareceu o Ministério Público, encerrando-se a instrução processual (f. 444).

 

II – Fundamentação

 

PRELIMINARES

1. Inépcia da Inicial e Impossibilidade jurídica do Pedido

Há que se examinar conjuntamente as preliminares argüidas vez que se confundem, porque, em sintese, questiona a empresa a inexistência de "interesse coletivo ou difuso" embasador da medida judicial. Argüi que, na petição inicial, não houve demonstração das circunstâncias de fato que implicariam na violação de "direito difuso ou coletivo" a legitimar a atuação do Ministério Público. E ainda, que inexistem interesses difusos na seara trabalhista uma vez que a demanda envolve sempre sujeitos determinados ou determináveis: empregado e empregador. A Constituição Federal previu a Ação Civil Pública para a defesa de interesses difusos e coletivos, sendo que não foi demonstrada a existência de tais interesses e menos ainda a sua lesão.

Não lhe assiste razão.

As partes são legítimas, sendo pacífico o entendimento quanto à possibilidade do Ministério Público do Trabalho promover Ação Civil Pública em face do disposto no artigo 83, III e 84, II, da Lei Complementar n. 75/93.

Também inquestionável que a matéria posta nos autos: registro de empregado, anotação de CTPS, jornada, segurança no trabalho, repouso, trabalho de menor, etc, justifica a intervenção Ministerial para a proteção de tais interesses, reconhecidos como difusos. Isto porque não é possível a identificação precisa de todos os trabalhadores lesados ou que venham a sofrer lesões, em face da rotatividade freqüente de mão-de-obra, característica da atividade empresarial.

A inicial atendeu aos requisitos previstos nos dispositivos legais pertinentes.

A possibilidade jurídica caracteriza-se pela necessidade da providência e adequação do procedimento adotado. Os pressupostos foram atendidos.

Rejeitam-se, pois as preliminares argüidas.

 

3. Incompetência da junta para apreciar a demanda

Pretende a reclamada que a ação seja apreciada pelo Tribunal, não pela Junta de Conciliação e Julgamento, uma vez que visa à proteção de interesse coletivo, tendo pois a natureza de dissídio coletivo.

A matéria encontra-se pacificada em face do acórdão proferido pelo TST no processo ACP - 154.931/94.8 (SBDI-2, Rel. Min. Ronaldo Leal), publicado no DJU de 29.11.1996, Seção 1, pág. 47434, que reconhece a competência das JCJs para processar e julgar originariamente, na Justiça do Trabalho, as ACPs.

Rejeita-se.

 

4. Da inexistência de inquérito civil

Diferentemente do aduzido na peça defensiva, não há obrigatoriedade do Ministério Público, ciente da violação legal, instaurar inquérito para apuração dos fatos. A lei faculta-lhe que assim proceda, mas não o obriga.

Rejeita-se.

 

5. Da impugnação ao valor do causa

Insurge-se a reclamada contra o valor dado à causa, pretendendo sua redução para R$ 300,00.

A irresignação não procede porque condizente com as pretensões do autor. Ademais o valor dado à causa se presta exclusivamente para determinar a alçada (Lei 5.584/70), inexistindo qualquer prejuízo à parte.

Fica mantido.

 

6. Da suspensão

Pretende a demandada suspensão do processo até que as Autuações sejam definitivamente julgadas.

O fato das Autuações ainda se encontraram em processamento, administrativamente, diferentemente do entendimento esposado pela defesa, não obsta a submissão da apreciação da matéria pelo Poder Judiciário.

Rejeita-se.

 

MÉRITO

Note-se que a reclamada não impugnou os fatos narrados na inicial que lhe foram imputados. Cingiu-se em argumentar que a matéria encontra-se "sub judice" administrativamente, porque recorreu das 23 Autuações sofridas, todas desprovidas de fundamento legal, vez que inexistiram os fatos nelas apontados. Trouxe cópias dos Autos de Infração e respectivas defesas, bastante semelhantes entre si cabe acrescentar.

A prova produzida nos autos demonstrou que efetivamente a empresa estava em funcionamento de forma irregular, violando dispositivos das leis trabalhistas.

Tanto que as providências tomadas e atestadas nos autos são posteriores à data da fiscalização efetivada.

Há que se considerar que, no presente caso, por si só, o trabalho realizado não é agradável, pois os funcionários lidam com subprodutos de origem animal (vísceras), para extração de farinha de osso/carne; preparo de pêlos e chifres, valendo-se de processo químico, o que provoca odor característico ao ambiente. Outro grande problema constatado é a rotatividade de mão-de-obra característica da região, aliada a completa desqualificação específica e mesmo genérica, com a maioria dos funcionários analfabetos ou semi alfabetizados, o que dificulta a compreensão da seriedade do cumprimento das medidas de segurança, pela própria dificuldade de leitura de um manual ou ordem de serviço. Mesmo quanto a utilização dos EPIs, que, quando fornecidos, nem sempre são utilizados pelo suposto "desconforto" que provocam. O processo de modernização e adequação às normas pertinentes requer esforço conjunto de empregador e empregados, e não é rápido.

Constatou-se que a empresa, a pós as autuações sofridas diligenciou no sentido de sanar as irregularidades. Contratou o SESI para que elaborasse um Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (f. 153/167 e 191); regularizou os Registros de seus funcionários (f. 312/350); providenciou inspeção por firma especializada em Caldeiras (f. 181/83), com abertura do Livro Próprio (178/79), não tendo sido constatadas irregularidades que impedissem sua utilização norma l (f. 18 1/18 3). Ainda, foi constituída Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (f. 184/186 e 192/96) bem como foram adquiridos extintores de incêndio (f. 197).

Realizada a inspeção judicial verificou-se que os funcionários estavam utilizando EPI, que o estabelecimento estava dotado de placas de sinalização e os funcionários fazendo curso para manuseio da caldeira. A despeito de não ter sido constatada a presença de trabalhador menor, há notícias nos autos, inclusive com acidente grave ocorrido com um deles, em horário noturno, de que o fato se verificava, em manifesta violação da norma pertinente. A prática ao que parece foi suspensa. A empresa, por solicitação do Ministério Público, também providenciou junto ao SESI, a realização dos exames médicos periódicos, mediante convênio firmado com a instituição (f. 389).

As providências tomadas entretanto, não devem ser momentâneas, mas observadas permanentemente pela empresa, de molde a assegurar aos futuros trabalhadores que porventura venham a ser contratados, condições mínimos de trabalho seguro. Para tanto cabe a esta Especializada impor multa.

A multa não será imposta em razão das infrações já cometidas mas sim na hipótese da empresa vir a reincidir na prática do ato infrator. Destina-se a tornar efetiva a tutela salvaguardada no julgado de tal sorte que "sua carga impositiva sobre o devedor deve ser tal que produza sobre o seu animus o estímulo suficiente para que ele opte pela prestação específica, ao invés de pagar a multa diária"; acresce ainda o professor Rodolfo de Camargo Mancuso, in Ação Civil Pública, "normalmente, para se obter esse efeito, bastará que o ônus financeiro representado pelo reiterado pagamento da astreinte se revele mais oneroso do que o cumprimento do julgado".

Inexiste pois a dupla punição pela mesma falta, conforme sustentado pela defesa.

 

III – Conclusão

Pelas razões expostas decide a 1ª; JCJ de Dourados, MS, à unanimidade, julgar PROCEDENTE a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO contra TANGERINO & TANGERINO LTDA., condenando a empresa a:

– abster-se de contratar funcionários sem CTPS;

– proceder ao devido registro funcional dos funcionários contratados;

– fornecer EPIs e fiscalizar sua devida utilização;

– manter permanentemente em funcionamento a CIPA;

– abster-se de permitir a funcionário não habilitado a operação da caldeira;

– manter permanentemente material de proteção contra incêndio;

– manter permanentemente material necessário a prestação de primeiros socorros;

– abster-se de contratar menores para atividades insalubres, perigosas e em horário noturna;

– manter controle da jornada laborada pelos funcionários, assegurando o intervalo intra/inter jornada para repouso/alimentação e descanso semanal;

– abster-se do elastecimento da jornada diária além de duas horas extras sem a devida justificação;

– abster-se de permitir o trabalho aos domingos sem a devida autorização da autoridade competente;

– realizar periodicamente o controle dos riscos ambientais e delimitar as áreas perigosas, conforme regulamentação pertinente.

O descumprimento das obrigações de fazer e não fazer supra citadas implicará no pagamento de multa de 500 UFIRs a cada obrigação descumprida e com relação a cada empregado atingido pelo inadimplemento, multa esta que deverá se reverter ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme requerido na exordial.

Custas pelo reclamado no importe de R$ 40,00, calculadas sobre R$ 2.000,00 , valor atribuído à condenação.

INTIMEM-SE.