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EXCLUSÃO COMO FORMA DE VIOLÊNCIA SOCIAL: EM BUSCA DA CIDADANIA E EMANCIPAÇÃO
Mari Nilza Ferrari de Barros
Docente do Departamento de
Psicologia Social e Institucional da
Universidade
Estadual de Londrina, PR
Palavras-Chave: violência, exclusão, inclusão, cidadania, emancipação
Este texto discute intervenção
realizada no município de Londrina, envolvendo situações de violência praticada
contra crianças e adolescentes. A intervenção é de caráter interdisciplinar,
integrada pelas áreas de Direito, Psicologia, Serviço Social e Comunicação
Social e multidimensional, pois congrega ações de diferentes âmbitos. As
histórias de moradores da periferia da cidade expressam uma violência social,
por meio do desinteresse do poder público municipal. Este investe em medidas
assistencialistas e emergenciais, que não asseguram o exercício da cidadania e
as práticas de emancipação.
O resultado de tal processo se
manifesta no aumento da vulnerabilidade social de famílias, de adolescentes e
crianças, já expostos a inúmeras situações de exclusão. O descompromisso
da sociedade civil acentua esse quadro perverso, que
desenvolve na população o sentimento de desamparo desesperança, o qual
desemboca em ações de conformismo.Transformar essa realidade exige compromisso
político e responsabilidade social não só da população, mas especialmente de
discentes e profissionais que atuam nas Instituições de Ensino Superior.
O debate sobre a exclusão social no Brasil tem tomado corpo nas últimas décadas, especialmente com o crescimento das atividades do terceiro setor. Nesse sentido, o surgimento de ONGs (Organizações Não Governamentais), cujas ações se estendem para diversas áreas de atuação, envolvendo diferentes segmentos sociais, tem aumentado a visibilidade da exclusão, contribuindo para o aprofundamento das discussões que levem à superação dessa realidade perversa.
Durante longo tempo no Brasil, as questões relacionadas à exclusão desembocavam no mesmo ponto: a pobreza, sendo que a exclusão e a pobreza pareciam indissociáveis. Tal configuração resultou numa feição própria, visível, concreta e extremamente preconceituosa e estereotipada, ou seja, quando se abordava a exclusão entrava em cena os pobres. Mais do que isso, a interpretação da pobreza colocava essa população como vítima das injustiças sociais, legitimando e acentuando as políticas assistencialistas.
Assim, além da relação intrínseca entre exclusão e pobreza, instituiu-se uma intervenção no campo da assistência social e, como lembra Demo (1997, p. 100) “Perde-se de vista que política social não pode ser assumida como algo setorial, compartimentado, isolado .Na verdade, o combate adequado à pobreza só pode ser interdisciplinar, exigindo o concurso não só de toda a área social, mas igualmente econômica”.
A transição do conceito de pobreza até a exclusão envolve conteúdos presentes na forma de representar esse fenômeno. Incorporando conceitos e conteúdos diversos, cientistas sociais procuram rever, por meio de análises, os significados que comporta. Na França, a introdução de pesquisas longitudinais acrescentou a noção de trajetória para compreender o desenvolvimento do homem e suas condições objetivas de vida.
Associado a esse termo vem à discussão acerca das identidades, na medida em que a exclusão atinge determinados grupos sociais, configurando a realidade social, delimitando os espaços e as oportunidades de crescimento pessoal. Além desses, a desqualificação social apontada por PAUGAN (1993), é um termo que se inclui no debate sobre exclusão social, compreendendo as pessoas mais suscetíveis de viverem situações de desemprego e que, portanto, necessitarão dos programas sociais.
A desqualificação social pode ser compreendida como uma forma de desigualdade social na medida em que situa geográfica e socialmente pessoas que vivem condições adversas e dependentes de serviços e benefícios sociais. Parece-nos que, a discussão desenvolvida por PAUGAN é mais apropriada a países do primeiro mundo, uma vez que esses já atingiram um nível de desenvolvimento político, econômico e social.
No Brasil, as questões são mais profundas, seja pela condição política, econômica ou social. As desigualdades sociais são imensas e parece compreender mundos distintos. As injustiças sociais, os índices de desemprego, a evasão escolar, os bolsões de miséria são as faces de nosso país. A exclusão comporta todas essas situações e para SPOSATI (1988, p. 130)
[...] há uma distinção entre exclusão social
e pobreza. Por conter elementos éticos e culturais, a exclusão também se refere
à discriminação e à estigmatização.
Conseqüentemente, pobre é o que não tem, enquanto o excluído pode ser o que tem
sexo feminino, cor negra, opção homossexual, é velho etc.
Pode-se ainda realizar uma distinção entre pobreza e desigualdade, já que a primeira refere-se a um padrão de vida de determinado grupo, enquanto a segunda se estende para toda a sociedade, pois colado à desigualdade encontram-se diferentes aspectos da vida social.
Ainda para SPOSATI (1988, p.20)
[...] a exclusão é uma impossibilidade de
poder partilhar, o que leva a vivência de privação, da recusa, do abandono e da
expulsão, inclusive com violência, de um conjunto significativo da população,
por isso, uma exclusão social não pessoal. Não se trata de um processo
individual, embora atinja pessoas, mas de uma lógica que está presente nas
várias formas de relações econômicas, sociais, culturais e políticas da
sociedade brasileira. Esta situação de privação coletiva é que se está
entendendo por exclusão social. Ela inclui pobreza, discriminação,
subalternidade, não equidade, não acessibilidade, não representação
pública.
Diante desse panorama e considerando que a exclusão é um fenômeno complexo e multifacetado, interessa-nos dimensioná-la e compreendê-la como realidade social historicamente determinada e situada em uma temporalidade.
A cidade de Londrina situa-se na região norte do Estado do Paraná e atualmente tem em torno de 500 mil habitantes. Em sua época áurea, teve uma intensa movimentação de dinheiro em razão da agricultura, com a plantação de café e hoje, o setor terciário é o mais forte, o que faz da cidade um pólo para o comércio de cidades vizinhas. A realidade hoje revela situações que interpelam o cidadão e exige providências, sem, contudo, explicitar os caminhos a serem trilhados. Nesse ano de 2003, já se registra 44 assassinatos na cidade, por motivos tão banais que deixa a população atônita e assustada.
Pesquisa realizada na cidade de Londrina no período de 1999 a 2001, indicou os bairros com maiores índices de violência: João Turquino, Santa Fé e União da Vitória, envolvendo tanto a violência física, como sexual e psicológica. Esses bairros localizados na periferia da cidade expressam condições objetivas de vida dessa população. Em grande parte, os moradores vivem quotidianamente situações de violência: seja no âmbito familiar, como nos âmbitos social e político. As famílias buscam solucionar os conflitos empregando a violência como instrumento.
O autoritarismo e a coerção são empregados como materialização do poder do homem sobre a mulher, dos adultos sobre a criança, enquanto o diálogo se revela cada vez mais escasso. Substituem-se as práticas sociais que promovem a autonomia moral e intelectual pela imposição de normas, regras, as quais devem ser incorporadas pelos mais jovens, sem qualquer questionamento.
O convívio social entre os moradores, as relações de vizinhança combinam solidariedade e isolamento. A exposição cotidiana a situações sociais adversas como desemprego, discriminação, pobreza constrói a identidade do grupo, aproximando as pessoas não só pela localização geográfica - moram no mesmo bairro -, mas, sobretudo porque compartilham as mesmas condições objetivas. Enfrentam diariamente os mesmos problemas,tais como: saneamento básico insuficiente, postos de saúde lotados, ruas sem asfalto, inexistência de programas de lazer e cultura para crianças e adolescentes, entre tantos outros. Essa igualdade de condições aproxima os moradores, tornando-os cúmplices, enquanto tecem a sua cotidianidade. De outro lado, o tráfico de drogas, a violência, o numero crescente de assassinatos nos bairros isola os moradores.
Fecham-se no interior das casas; ficam ilhados em meio a um território sem dono.
O aumento da criminalidade nesses bairros é o conteúdo das representações do universo consensual (MOSCOVICI, 1978) o que alimenta as manifestações de preconceito, estereótipos e exclusão social. MOSCOVICI ao apresentar o conceito de representação social insiste em considerá-la como um processo de apreensão e significação do mundo.
Distingue ainda representação de opinião e imagem, pois embora contenha esses últimos, vai mais além já que comporta uma orientação para agir. Assim, os conteúdos representacionais indicam também como o indivíduo se comporta diante de fatos ou pessoas.
Quando a sociedade representa os moradores desses bairros como “marginais”, “delinqüentes”, “bandidos”, se comportam de maneira a acentuar as distâncias, atribuindo-lhes rótulos, resultando em formas distintas de exclusão social.
A subjetividade aparece, tal como aponta Santos (1999) como individual e ao mesmo tempo abstrata. No pólo da individualidade, apreende-se um sujeito como sendo o mesmo de tantos outros, enquanto no pólo da subjetividade abstrata o homem é compreendido como universal e ao mesmo tempo indistinto. É essa indiferenciação que alimenta o descompromisso dos indivíduos com as questões sociais. A ideologia liberal defende a existência do homem como um ser que se faz por si próprio, imputando-lhe a responsabilidade pelos sucessos ou fracassos, uma vez que as oportunidades são as mesmas para todos. Os ideais de liberdade, igualdade e individualidade constituem a mola propulsora do desenvolvimento social. A perversidade contida nesses ideais não reside na concepção que representam, mas no produto de tal processo, pois o homem se sente o único responsável pelos acontecimentos da sua vida, acrescentando à já tão problemática existência o sentimento de culpa e vergonha. A imagem mais apropriada para compreender a força desses ideais é a do Barão de Munchäusen apresentada por BOCK (2001) quando retrata a história de um homem e seu cavalo mergulhado no pântano. Para sair dessa situação, o homem, usando de toda a sua força, puxa a si e ao cavalo pelos seus próprios cabelos e ambos se desvencilham da situação.
Se de um lado se constrói a imagem de um homem competente para superar as situações do cotidiano, de outro se dissemina uma representação de que determinadas situações como a pobreza e as distintas formas de exclusão social são irreversíveis, podendo ser combatidas apenas com medidas paliativas, uma vez que essas desigualdades são “naturais”. A transformação do socialmente construído em “naturalmente” dado (BARROS, 2002) instala o conformismo, a resignação e passividade.
Contrapondo-se a essa concepção de homem, a psicologia sócio-histórica desenvolvida por LURIA (1987), VYGOTSKI (1989) e LEONTIEV (1978), alicerçadas pelos princípios marxistas (MARX, 1968), compreende o homem como um ser ativo, histórico e social (BOCK, 1997, 2001) e substitui a concepção de “natureza” humana pela condição humana reconhecendo a história e as contradições construídas pelo fazer da vida social como instrumentos para a interpretação da relação do homem com o mundo social. Assim, a atividade do homem, as condições objetivas de vida e as relações que instituem para a produção da vida material constroem o próprio homem e o mundo, de tal sorte que se pode considerar o homem como produtor e produto do mundo social (BERGER, 1985).
Ao reconhecer a atividade como categoria fundamental para a compreensão do desenvolvimento da vida do homem em sociedade se restabelece a potência para agir, devolvendo ao homem as possibilidades para a transformação da realidade social. É nessa perspectiva que se abre a discussão sobre cidadania e emancipação.
As contradições presentes na contemporaneidade situam-se no embate entre políticas públicas assistencialistas e o projeto político de emancipação. As ações emergenciais criadas para atender a população de baixa renda visam oferecer, de imediato, benefícios que assegurem condições “mínimas” de sobrevivência. É nessa linha de raciocínio que se instituem a cesta básica, bolsa escola, vale gás, entre outros.
O Presidente da Republica Luís Inácio Lula da Silva, recém empossado expôs para toda a nação a prioridade de seu governo na área social, o programa intitulado “Fome Zero”. Cidades da região nordeste do país foram escolhidas para iniciar essa experiência, e a seleção teve por critérios a renda familiar, baixos índices de escolaridade da população infantil e o índice de analfabetismo dos adultos entre outros. As famílias beneficiadas pelo programa receberão um cartão pelo qual poderão comprar gêneros alimentícios.
O problema surge quando as ações emergenciais são transformadas em programas sociais de caráter permanente. Insistir na continuidade dessas ações é uma maneira clara e objetiva de roubar a dignidade e a cidadania das pessoas “beneficiadas” por tais ações.
O poder conferido aos profissionais, responsáveis por tais programas sociais, parece ser a meta a ser atingida. A dependência e a submissão das pessoas reguladas pelo Estado é o instrumento empregado para medir a eficiência dos serviços públicos assistenciais.
Cidadania e emancipação são princípios desconhecidos pelo poder público, não enquanto retórica, pois os discursos estão eivados de conteúdos que defendem a necessidade de resgatar a cidadania e formas de autogestão, mas essencialmente enquanto atividade exercida pelos representantes do poder legislativo e executivo nas esferas municipal, estadual e federal.
A relação indissociável entre conhecimento e senso comum, ou ainda entre ciência e realidade social que introduz a necessidade de explicitar o posicionamento político e a finalidade do conhecimento. Nesse sentido, as políticas públicas sustentadas pelo rigor científico das proposições e a experiência da equipe que as formula assentam-se “aparentemente” nesse conhecimento denominado cientifico e verdadeiro.
O conhecimento regulador (SANTOS, 2000) orientado pelos princípios de mercado, Estado e comunidade, negligenciou, segundo Santos, o último, sendo absorvido pelo Estado, ou pelo mercado. Sobre isso, afirma:
Para determinar a virtualidade epistemológica do principio de
comunidade, saliento duas de suas dimensões: participação e solidariedade.
Estes elementos só muito parcialmente foram colonizados pela ciência moderna.
No caso da participação, a colonização deu-se, sobretudo, no contexto do que a
teoria política liberal definiu, de forma bastante rígida, como sendo a esfera
política (cidadania e democracia representativa). Mas, para além dele ficaram
muitos outros domínios da vida social em que a participação continuou a ser uma
competência não especializada e indiferenciada da comunidade. (SANTOS, 2000, p.
75).
Esse limite instituído pela teoria política liberal determinou os espaços da participação, esquecendo outras dimensões. O efeito desses limites é bastante perverso e pode tomar proporções imensas. Se considerarmos, no Brasil contemporâneo, que participação parece sinônimo de escolha dos representantes pelo voto, já que vivemos uma democracia, o conformismo para outras questões, que são vividas pela comunidade, é o caminho mais provável e esperado.
Ainda que a organização da comunidade tenha ganhado força e expressão nos últimos anos, questiona-se muito a ação do poder legislativo e executivo, pois como lembra ARENDT (1994) a representação compreende que o representante aja em concerto com seus representados, atividade ainda rara na vida política brasileira.
A persistir tal projeto político, as conseqüências mais prováveis se situam no aumento da vulnerabilidade das famílias de baixa renda, sendo afetados especialmente crianças e jovens.
Para melhor apreender essa realidade, PINHEIRO (1996, p. 22) informa: “O Brasil oferece o paradoxo de estar hoje ao mesmo tempo no que poderia ser o melhor dos mundos e também o pior: é hoje a décima maior economia mundial com um Produto Interno Bruto (PIB) de 414,1 bilhões de dólares, entretanto, a relação entre economia e distribuição de renda revela o que há de pior, pois sendo “[...] a décima economia industrial convive com a segunda pior distribuição de renda em todo o mundo” (ibid., p. 24).
Os contrastes acentuados, em especial, aqueles que revelam desigualdades econômicas, sociais e políticas:
[...] canaliza o descontentamento com as desigualdades, impunidades
quanto a violações de direitos e o arbítrio no uso das leis, associar-se-ia com
os sentidos de violência, ainda que não diretamente racionalizados dessa forma.
Ou seja, ao se sentir desrespeitado legalmente, ou sem leis de baliza – em anomia – os indivíduos assumiriam comportamentos de
desrespeito em relação aos outros, ameaçando-se a ética do convívio social,
ainda que não identifiquem causas estruturais para tal comportamento. (ABRAMOVAY et al, 2002, p. 27).
Os sentimentos de desamparo e desesperança parecem inevitáveis nesse contexto e, junto com eles, acompanha as práticas de desfiliação. Os jovens parecem não desenvolver vínculos familiares duradouros e os pais reconhecem sua impotência para agir em relação aos filhos. Não é raro, nos Conselhos Tutelares de Londrina, as denuncias de pais contra os filhos, argumentando a impossibilidade de controlá-los. A desfiliação explicita a fragilidade dos vínculos afetivos, a transitoriedade das relações entre pais e filhos, e uma crise de identidade do grupo familiar. As diferenças são representadas como problemas, distorções, desvios, e a meta a ser atingida é a norma e a padronização. Diante desse quadro os pais recorrem aos conselhos exigindo providências do poder público local. Sentem-se exauridos pelos conflitos e incapazes de resolvê-los. Essa conduta dos familiares deixa todos perplexos e indignados. O que fazer? Que tipo de vulnerabilidade é essa?
Abramovay et al (2002, p. 28) reconhece que:
Apesar do uso histórico do termo vulnerabilidade em diversos estudos
sociais, as aproximações analíticas à vulnerabilidade social datam apenas dos
últimos anos, período em que se levou a cabo maior reflexão a respeito das
limitações dos estudos sobre a pobreza e sobre os escassos resultados das
políticas associadas a eles na América Latina... Os primeiros trabalhos ancorados
na perspectiva da vulnerabilidade social foram desenvolvidos motivados pela
preocupação de abordar de forma mais integral e completa não somente o fenômeno
da pobreza, mas também as diversas modalidades de desvantagem social.
Em que pese o fato da discussão acerca da vulnerabilidade social ser recente, ABRAMOVAY defende a incorporação de outras dimensões, além da renda ou carências, insistindo ser esta “[...] o resultado negativo da relação entre disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles individuais ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêem do Estado, do mercado e da sociedade (ibid., p.29).
A configuração da vulnerabilidade pode ser captada mediante a identificação de recursos materiais ou simbólicos que podem ser apropriados pelos atores sociais para o seu desenvolvimento em sociedade; as estruturas de oportunidade que provêem do mercado, do Estado e da sociedade e as estratégias empregadas para promover mudanças estruturais do contexto social (ABRAMOVAY et alli, 2002, p. 30).
A insistência na formulação de políticas públicas voltadas para o exercício da cidadania e emancipação deve ser defendida como projeto político. Cidadania é um projeto de ação coletiva assentada nos princípios de solidariedade e participação social e envolve a conquista e o exercício contínuo dos direitos civis, sociais e políticos. Para isso é preciso introduzir ações que assegurem a dignidade das pessoas, como, por exemplo, programas de geração de emprego e renda, movimentos comunitários, organização de cooperativas, entre outros. As ações de “benemerência” devem ceder lugar para a formulação de políticas públicas, cujos projetos de média e longa duração promovam o desenvolvimento humano e a emancipação.
A tutela, o conformismo, a submissão e a dependência devem ser substituídas pela ação participativa, resistência, independência e autonomia. Este é o caminho a ser percorrido para reconquistar a dignidade, que está perdida há muito tempo.
A vulnerabilidade, enquanto
impossibilidade de transformar a realidade em razão dos recursos disponíveis,
ou ainda como descompasso entre a disponibilidade de recursos e escassez de
oportunidades, pode ser superada se o processo de indiferenciação
for gradualmente ocupado por ações de solidariedade que confirmem a
subjetividade concreta e singular. A heteronomia pode
ser suplantada pela autonomia, por meio de vontade política e determinação.
Para isso, o investimento tem que ser canalizado para a participação social,
desenvolvimento de autogestão, compromisso político e responsabilidade social.
As ações desenvolvidas pelo projeto “Ação Interdisciplinar no Combate à Violência Contra Crianças e Adolescentes” trilham esse caminho. Ainda que o tempo de existência do projeto seja curto, apenas dois anos, já é possível falar de resultados. Moradores dos bairros se organizam para formar grupos para a geração de renda; o diálogo entre pais e filhos ganha mais espaço nas relações familiares e práticas de inclusão social são implantadas, valorizando os talentos e habilidades sociais.
Aos poucos se derruba o isolamento social dos moradores. Resta saber quando serão vistos e compreendidos pelos representantes do poder público como sujeitos atores sociais, cidadãos de primeira grandeza.
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