NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO E O NOVO CÓDIGO CIVIL
José Affonso Dallegrave Neto
Advogado, PR.
1 – Contrato de trabalho como negócio jurídico
Boa parcela da doutrina hodierna questiona se, efetivamente, o contrato de trabalho se enquadra no conceito de negócio jurídico, na medida em que o elemento volitivo é manifestado com reserva pelas partes, sendo, para alguns (1), considerado "inexistente". Nesse sentido, Eduardo Baracat sustenta que "a vontade de que trata os arts. 442 e 443 da CLT, portanto, não é a vontade individual de empregado ou empregador, mas aquela que decorre da sociedade, da relação social concreta.... Contrato de trabalho, portanto, não é negócio jurídico, porque, para a sua formação, não existe vontade das partes" (2). Não se negue que tal inferência parte de nítido viés marxista "de que o direito não pode ser explicado pela vontade e sim pelas relações sociais" (3).
Por outro lado, invocando a acertada observação de Rose Melo Vencelau, o que se deve perquirir é que, "enquanto decai o poder negocial, sendo crescente a formação de relações jurídicas com base na necessidade, próprias da sociedade de massa, onde o papel da vontade é decrescente, o Código Civil de 2002 supervalorizou o negócio jurídico, deixando ao ato jurídico espaço subsidiário"(4).
Aponte-se, nessa quadra, todo o Título I, do Livro III, da Parte Geral do novo Código Civil (NCC)(5), intitulado "Do Negócio Jurídico", composto dos artigos 104 a 184, além da isolada regra contida no art. 185: "aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Titulo anterior".
Como se percebe prima facie, o tema é novo e instigante, requerendo reflexão histórica e acurada!
Por primeiro, é importante que se diga que a categoria negócio jurídico surgiu a partir da escola alemã pandectista do século XIX, era do voluntarismo jurídico, inspirada no modelo kantiano, cuja característica marcante era a precisão lógica e o abstracionismo em excesso(6). Nesse instante histórico, a manifestação da vontade era a pedra de toque da caracterização do negócio jurídico, partindo-se da igualdade meramente formal dos signatários. Vivia-se, pois, a chamada jurisprudência dos interesses, ou seja, um sistema jurídico que prestigiava a ampla autonomia da vontade das partes como forma de auto-regulação.
Com o passar do tempo, verificou-se que a igualdade formal das partes implicava sobreposição espúria do contratante forte em relação ao hipossuficiente. Era preciso revigorar o conceito de isonomia, priorizando as idéias de igualdade material e justiça comutativa.
Inaugurava-se, então, a
derrocada do Liberalismo e o advento de um Estado Social, assim chamado porque
intervencionista e tuitivo à classe desfavorecida. A autonomia absoluta da
vontade passou a ceder espaço para a autonomia privada, com a preocupação de
adequar a declaração volitiva aos valores plasmados na lei. Eis o início do
"declínio do dogma liberal da vontade" (7).
Tal processo de limitação da
vontade foi se aperfeiçoando por obra da doutrina civil-constitucional. A
propósito, Pietro Perlingieri observa:
"Na base desta concepção (voluntarista) reside, freqüentemente, de modo somente tendencial, a liberdade de regular por si as próprias ações ou, mais precisamente, de permitir a todos os indíviduos envolvidos em um comportamento comum determinar as regras daquele comportamento através de um entendimento comum. (...) Atrás do encanto da fórmula, todavia, escondem-se tão-somente o liberalismo econômico e a tradução em regras jurídicas de relações de força mercantil. Esta concepção mudou radicalmente na hierarquia constitucional dos valores, onde a liberdade não se identifica com a iniciativa econômica: a liberdade da pessoa, e a conseqüente responsabilidade, ultrapassa e subordina a si mesma a iniciativa econômica" (8).
O professor italiano arremata sua ilação observando que a legislação ordinária tem favorecido o "processo de recomposição do ordenamento no sentido constitucional" (9). Exemplo reluzente é o novo Código Civil brasileiro de 2002 que, mesmo insistindo na adoção da Teoria do Negócio Jurídico, fá-lo sob nova feição esteada no supremo quadro axiológico constitucional: mais social e com forte preocupação ética e solidária. Nessa direção, mencionem-se os seguintes dispositivos do Código Civil:
“Art. 113: Os negócios
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração.
Art. 187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 421: A liberdade de contratar será
exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422: Os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé."
Como se vê, se é certo que o legislador insiste na adoção da vetusta Teoria do Negócio Jurídico, não se pode negar que estamos diante de nova concepção negocial, onde a vontade manifestada pelas partes produz efeitos limitados, prevalecendo cada vez mais a figura do contrato dirigido. É, pois, o traspasse da jurisprudência dos interesses para a jurisprudência dos valores, o que vale dizer no campo do direito privado: a passagem da autonomia privada para o solidarismo contratual.
1.1. Passagem do voluntarismo para o solidarismo
O solidarismo funda-se naquilo em que a Constituição Federal tem de mais supremo: o reconhecimento do Homem como ponto de partida e de chegada do sistema jurídico. Com esteio nos artigos 1o., inciso III, e 3o., inciso I, da Carta, pode-se inferir, sem receio, que a dignidade da pessoa humana constitui-se o fundamento e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária um dos objetivos fundamentais da república brasileira.
Com base nessas premissas -
dogmáticas, porém abertas aos valores supremos do sistema interno - cabe a nós,
operadores jurídicos, extrairmos a melhor exegese possível do
direito posto. Assim, se a Teoria do Negócio Jurídico foi pré-concebida
como forma jurídica de viabilizar e legitimar os interesses egoísticos da
burguesia – em face da função legitimadora que exerce o Direito – com o passar do
tempo esse quadro se modificou ao ponto de Galgano
observar que na atualidade os civilistas falam de negócio jurídico mais por
hábito linguístico que propriamente por convicção conceitual(10).
Também sob o apoio de Galgano, o
jurista italiano Enzo Roppo assinala a tendência hodierna tendente a privilegiar
o contrato em detrimento da concepção
de negócio jurídico, vale dizer
"um conceito estritamente ligado à realidade sócio-econômica da troca, face a um conceito que abstrai ao máximo tal
realidade"(11).
Diante desse quadro, exsurge a
pergunta: é possível ao operador jurídico desprezar a dicção normativa (arts.
104 e seguintes do novo Código Civil e arts. 442 a 444 da CLT) para concluir
que o contrato de trabalho não é espécie de negócio jurídico porque inexistente
a vontade das partes?
Com outras palavras: é
possível prescindir da categoria do negócio jurídico para investigar a
reconstrução doutrinária do instituto do contrato? O próprio Enzo Roppo
responde:
"Em torno desta definição (a
elevação da vontade a elemento chave da definição de negócio jurídico)
desenvolveu-se, assim, na ciência jurídica alemã, um importante complexo de
teorias, doutrinas, elaborações conceituais que havia de exercer uma decisiva
influência mesmo fora do seu ambiente de origem: assim sobretudo em Itália,
onde a categoria do negócio jurídico, acolhida no princípio do nosso século, se
torna um elemento central das construções de direito privado e de teoria geral
do direito, conquistando uma posição de hegemonia que, em parte, ainda hoje se
mantém. A tal ponto que não seria hoje possível, em Itália ou na Alemanha
discutir os temas e os problemas conexos à função, à disciplina, à reconstrução
doutrinal do instituto do contrato, prescindindo da categoria do negócio, que,
num certo sentido, lhe está sobreposta"(12).
O mesmo se aplica ao atual momento do direito pátrio. O legislador, bem ou mal, fez a escolha pela teoria do negócio jurídico (arts. 104 e seguintes do CC) e pela concepção de contrato de trabalho como acordo de vontades (art. 442, da CLT). Desprezar tais normas é rejeitar o próprio sistema jurídico em vigor.
Logo, partindo-se de outra premissa epistemológica, é preferível o uso alternativo do direito do que o direito alternativo em seu sentido estrito, máxime porque na seara econômica e social, onde floresce o contrato de emprego, o proeminente quadro axiológico e principiológico da Constituição Federal assegura a existência digna de todos conforme os ditames do bem-estar e da justiça social, ex vi legis: arts. 170 e 193.
Destarte, a par de tais valores, além daquele que colima a melhoria da condição social do trabalhador (caput do art. 7o.), não há dúvida de que o caminho hermenêutico a trilhar não é o da negação dos pontos retrógrados do direito infraconstitucional, mas o da sua adequação à finalística do sistema jurídico, visto a partir de seus valores sociais, éticos e solidários. Não se perca de vista, a propósito, a lição de Canaris de que a função do sistema é justamente a de adequação axiológica e finalística(13).
Diante disso, pode-se dizer que o contrato de trabalho é uma relação jurídica complexa, dinâmica e solidária(14), mas também é visto como espécie de negócio jurídico bilateral, não em sua acepção liberal - até porque o elemento volitivo é abruptamente mitigado por se tratar de um contrato dirigido e de adesão – mas em concepção solidarista, que reconhece o sujeito de direito não como um ser abstrato e virtual, mas concreto e economicamente desigual, merecendo tutela jurídica a partir dessa desigualdade.
Assim, a atual noção de negócio
jurídico por certo não é mais a voluntarista que o coloca como ato de vontade
que visa produzir efeitos jurídicos, nem tampouco a concepção objetivista de
que o negócio é um preceito decorrente da auto-regulamentação dos interesses
privados. Ao contrário, a melhor concepção é a estrutural, construída por Pontes de Miranda e aperfeiçoada por
parte da doutrina(15). Antonio Junqueira de Azevedo,
panegirista da novel tendência que concebe o elemento volitivo do negócio
jurídico sob o viés social e jurídico, assim observa o fenômeno ora
esquadrinhado:
"Não se trata mais de entender o
negócio um ato de vontade do agente, mas sim um ato que socialmente é visto
como ato de vontade destinado a produzir efeitos jurídicos. A perspectiva muda
inteiramente, já que de psicológica passa a social. O negócio não é o que o
agente quer, mas sim o que a sociedade vê como a declaração de vontade do
agente. Deixa-se, pois, de examinar o negócio através da ótica estreita do seu
autor e, alargando-se extraordinariamente o campo de visão, passa-se a fazer o
exame pelo prisma social e mais propriamente jurídico"(16).
A despeito das merecidas críticas incididas sobre a concepção voluntarista e original da teoria do negócio jurídico, quando visto numa dimensão estrutural e atual, o negócio passa a se adequar ao solidarismo constitucional, constituindo-se terreno fértil para semear o novel cânone hermenêutico do artigo 113 do CC, além das cláusulas gerais insertas nos artigos 421 e 422 do mesmo Codex.
Ademais, é através dessa noção estrutural de negócio que podemos desenvolver com proficiência o estudo sistematizado dos elementos essenciais (Art. 104: agente, objeto, forma, causa e consentimento), da eficácia dos termos (art. 123), da abusividade das condições potestativas (art. 122), dos efeitos irretroativos dos contratos sucessivos (art. 182), da simulação como causa de nulidade absoluta (art.167), entre outros.
Ressalve-se, contudo, alguns pontos em que os efeitos decorrentes dos planos de validade e eficácia dos contratos de trabalho se diferenciam dos contratos civis como, v.g., a questão do nulo eficaz e a inaplicabilidade do art. 169 do CC.
Tais exceções, contudo, não têm o condão de desprezar a aplicação da estrutura da teoria geral dos negócios jurídicos ao contrato de trabalho, mormente porque adaptações pontuais também acontecem com outros contratos e institutos como, por exemplo, a eficácia do casamento nulo em relação aos filhos e ao cônjuge de boa-fé, ex vi do art. 1561, § 1o., do Código Civil. Em verdade, conforme ensina a escola alemã, quando se está diante do trinômio boa-fé, interesse público e familiar o negócio jurídico mesmo nulo produz efeitos(17). É, pois, o caso do contrato individual de trabalho onde o referido trinômio axiológico se manifesta.
2 - Plenitude
estrutural do contrato de trabalho
O ciclo total da plenitude dos
negócios jurídicos só se atinge quando, além de existir validamente, o contrato
é eficaz. São, pois, três planos distintos: existência, validade e eficácia. Antônio
Junqueira de Azevedo preleciona que o exame do negócio deve ser feito por
intermédio da "técnica de eliminação
progressiva"(18) que consiste no seguinte:
Primeiramente, examine-se o negócio jurídico no plano da existência e, aí, ou ele existe, ou é mera aparência de negócio - dito "ato inexistente"- que não passa para o plano seguinte. Se existe, passa para o plano da validade, onde poderá ser válido ou inválido. Se inválido não passa para o plano seguinte da eficácia. Nesse último plano, assinala o jurista, em sendo o negócio existente e válido, será, então, eficaz ou ineficaz.
Esta regra geral encerra exceções, conforme se verá adiante. A propósito, na esfera trabalhista, mesmo nulo o contrato produzirá efeitos (será eficaz), salvo quando a nulidade for causada pela ilicitude do objeto.
3. Plano de existência
Pontes de Miranda, em sua clássica obra, Tratado de Direito Privado, bem esquadrinha a questão da concreção do suporte fáctico.
Assim é que, no chamado
plano de existência, tudo se resume a investigar o suporte fático(19). Com efeito, quando todos os elementos que o formam
estiverem materializados, diz-se haver suficiência
do suporte tático(20) e, por conseguinte, a norma
jurídica está apta a incidir. Por outro lado, a sua insuficiência impedirá a incidência da norma, vez que o negócio ou
o fato jurídico stricto sensu serão inexistentes.
A existência dos negócios jurídicos exige a presença de elementos
mínimos, porém indispensáveis a sua total suficiência. Segundo Oviedo "sin
consentimiento no hay contrato posible, no hay tampoco contrato de trabajo"(21).
Tal consentimento
traduz-se nas chamadas circunstâncias
negociais, que vem a ser a manifestação de vontade qualificada por
circunstâncias que fazem com que socialmente ela seja vista como destinada a uma vinculação jurídica(22). Não se negue que aludido consentimento negocial
está sempre jungido a um objeto.
Messias Donato, inspirado
em Henri Mazeaud, registra "que no consentimento se
indaga: quiseram as partes celebrar o ajuste? No objeto se pergunta: que é que
as partes quiseram, que é que cada parte passará a dever, que é que se deve (quid debetur)?(23)
Até aqui a inferência
aponta para dois elementos do plano de existência: o consentimento negocial e o objeto.
Falta-lhe, ainda, um terceiro: a forma.
Como assinala Perez Botija "si la forma es la expresión de la voluntad de
crear un negocio jurídico, este no puede revelarse sin ella"(24).
Não há, portanto, negócio sem forma.
Nesse plano da existência,
importa não fazer a confusão elementar de entender que somente os negócios com
forma prescrita é que têm forma, sem se dar conta de que todos eles, inclusive
os de forma livre e verbal, hão de ter uma forma, do contrário, inexistiriam.(25)
Em suma, são três os
elementos intrínsecos ao plano de existência do contrato de trabalho os quais
levam à suficiência do suporte fático(26):
a) consentimento negocial;
b) objeto;
c) forma.
Esses três elementos não existem de forma separada. Não se pode falar em consentimento negocial das partes sem um conteúdo (objeto) e uma maneira (forma) de expressão. Um é decorrente do outro e todos são indissolúveis.
3. Plano de validade
Conforme lembra Marcos Bernardes de Mello, pode ocorrer que o suporte fático suficientemente formado seja deficiente por ausência de algum elemento complementar ou porque algum de seus elementos nucleares seja imperfeito.
Enquanto a suficiência do suporte fáctico refere-se ao plano da existência, a sua formação deficiente atua no plano da validade ou da eficácia, o que vale dizer, "o fato jurídico existe, porém será inválido ou ineficaz(27).
Se o chamado negócio for
considerado nulo ou anulável, isto será problema do plano da validade e não mais da existência. Logo, está
dentro do plano de validade a discussão acerca da nulidade em face da
deficiência dos chamados elementos
essenciais do contrato – art. 104, do novo Código Civil: capacidade dos
agentes; licitude; possibilidade e determinação do objeto; forma prescrita ou
não defesa em lei, além do consentimento livre e isento dos vícios previstos no
artigo 171, II, do NCCB.
4. Plano de eficácia
Não se pode confundir nulidade com ineficácia. O primeiro ocorre quando a deficiência do suporte fático implica nulidade absoluta ou relativa. Já a ineficácia diz respeito à produção de efeitos jurídicos. A deficiência do suporte fático neste plano importa ausência, parcial ou total, dos efeitos jurídicos desejados pelas partes.
Portanto, é errôneo definir nulidade como "a falta de idoneidade para produzir efeitos jurídicos"; deveras, este é o conceito de ato ineficaz. Repare que existe o nulo eficaz e o nulo ineficaz(28).
Em Direito Civil, via de regra o contrato nulo importa ausência de efeitos jurídicos: o nulo é geralmente ineficaz. Contudo, na seara contratual trabalhista isto se inverte: o nulo em regra é eficaz. Exemplo disto é o caso do contrato de trabalho envolvendo agente absolutamente incapaz. Ainda que nulo (art. 104, I, NCCB), o contrato irá produzir os efeitos jurídicos pactuados pelas partes.
A título ilustrativo, registre-se a decisão elucidativa da lavra da Juíza Márcia Cristina Sampaio Mendes em ação trabalhista proposta pela Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª. Região perante a Vara do Trabalho de Itapeva. Da sentença constou:
"O Ministério Público do Trabalho, por sua Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª. Região, faz chegar ao conhecimento deste Juízo que, em oito de fevereiro de 2000, o menor Gedeão Andrade dos Santos acidentou-se enquanto trabalhava sem registro para Vanilson Gonçalves, na montagem de caixas de madeiras utilizadas no armazenamento de tomates e pimentões; que o menor tinha à época dez anos de idade; que no local existem outros menores fazendo o mesmo trabalho; que não eram fornecidos os EPIs necessários; que o acidente aconteceu quando o menor foi bater o martelo em um prego e este "voou" em seu olho; que o olho, segundo o menor "começou a sair água"; que o atendimento prestado pelo tomador dos serviços se limitou à colocação de uma gaze com esparadrapo; que não foi levado imediatamente ao hospital pelo tomador do serviços, que ainda lhe pediu que montasse algumas caixas, no que foi parcialmente atendido pelo menor; (...)".
Decide-se
(...) Se o direito civil
evoluiu no sentido de frear os efeitos da nulidade dos contratos, o Direito do
Trabalho, por maior razão, não pode prestar um "obséquio ao princípio
formal da legalidade", para utilizar expressão feliz do Cino Vitta, citado
por Délio Maranhão, in Direito do
Trabalho, 17ª. Edição, Editora Fundação Getúlio Vargas.
Amenizar os efeitos de um
contrato a princípio nulo significa reconhecimento expresso, por parte da
doutrina e jurisprudência, de que nem sempre a regra teórica de se devolver às
partes o status quo ante encontra aplicação no terreno da
prática, sobretudo quando o objeto do contrato é o trabalho.
Ainda na esteira do que
leciona Carlos A. M. Xavier, na obra supra citada:
"A reposição das partes ao
`status quo ante´ impõe-se como a principal ocorrência do ato nulo, e a
nulidade qualifica-se como de pleno direito, gerando efeitos `ex-tunc´. Tais
regras acolhidas à unanimidade pela doutrina e jurisprudência, levadas ao
direito do trabalho sofrem importantes adaptações e adequações, mormente quando
a nulidade emerge do fato de participar como protagonista-empregado no contrato
de trabalho, alguém que seja absolutamente incapaz."
(...)Tem-se como nulo o contrato de trabalho envolvendo o menor Gedeão Andrade dos Santos e Vanilson Gonçalves. Contudo, toda a discussão doutrinária acerca da nulidade do ato, bem como dos reflexos que tal ato pode ou não gerar no cenário jurídico, não é suficiente para deixar de aplicar-se ao caso concreto a lição de Mário de La Cueva, de que o contrato de trabalho é um contrato realidade, impondo-se sobre os aspectos formais o que aconteceu no terreno dos fatos.
Assim, a reconhecida nulidade não pode impedir que o menor, tendo sido vítima do já relatado acidente de trabalho, venha a ter registrado o referido contrato em documento próprio, a ser expedido pela Delegacia Regional do Trabalho.(...)
(Processo 0784/01-3)
Diz-se eficaz o negócio jurídico que produz os efeitos visados pelas partes e autorizados pela lei; é, pois, a aptidão do contrato, existente e válido, para que produza efeitos jurídicos. Parcial é a eficácia que alcança parte dos efeitos colimados pelas partes e total quando atingido todos os efeitos buscados. Finalmente, será ineficaz o contrato que não produziu qualquer dos efeitos anelados pelos contratantes.
O plano da eficácia dos contratos está geralmente relacionado à presença de condições ou termos facultativamente avençados pelas partes(29).
Assim, imagine-se um Contrato de Trabalho existente (com a presença de consentimento negocial, objeto e forma) e válido (capacidade das partes que consentiram, objeto lícito e forma legal). A eficácia, neste caso, será analisada num terceiro plano. Se, por suposição, as partes estabeleceram um termo inicial ou uma condição suspensiva, tal contrato, ainda que existente e válido, só se tornará eficaz após o implemento da respectiva condição ou termo avençados. Exemplo: contrato de trabalho em que as partes fixam o início de sua vigência para dali a dois meses. Nesse caso, antes de se ultimar o termo inicial, o contrato é ineficaz.
Urge frisar que as lições até aqui vistas traduzem a regra geral: negócio jurídico existente, válido e eficaz. Esta regra geral, contudo, comporta exceções. Há casos em que o contrato é:
a) existente, válido e ineficaz - ex: contrato de trabalho existente de forma válida, todavia, com cláusula suspensiva ou termo inicial;
b) existente, inválido e eficaz - ex: contrato de trabalho inquinado de vício de consentimento, porém sem iniciativa de anulação pela parte interessada;
c) existente, inválido e ineficaz - ex: contrato nulo em face da ilicitude penal de seu objeto e, conseqüentemente, ineficaz.
4.1. Distinção entre ineficácia e falta de conseqüências jurídicas
Outra observação importante é a de que a ineficácia do negócio jurídico não se confunde com falta de conseqüências jurídicas.
Para esclarecer o que se está a dizer traz-se a seguinte distinção: a) contrato nulo, ineficaz, porém com conseqüências jurídicas, b) contrato nulo e eficaz.
No primeiro caso, tem-se como exemplo o contrato de trabalho do servidor público celetista que ingressou na Administração Pública sem prestar o necessário concurso público exigido pelo art. 37, II, da CF. A nulidade absoluta neste caso, art. 166, V, do novo Código Civil, ensejará ineficácia do contrato de trabalho. Contudo, nem por isso ele deixará de ter conseqüências jurídicas: o obreiro terá direito à indenização por perdas e danos, nos termos dos artigos 182 e 186 do novo Código Civil.
Para a segunda situação, contrato nulo com eficácia, cite-se o exemplo do contrato celebrado por menor de 16 anos. A nulidade do contrato (art. 166, I, do NCCB), neste caso, não lhe retirará a eficácia: mesmo nulo o contrato produzirá todos os efeitos jurídicos desejados pelas partes(30).
Em suma, há sensível diferença entre eficácia e conseqüência jurídica. Contrato eficaz é aquele que produz, de forma parcial ou integral, efeitos jurídicos próprios (efeitos desejados pelas partes). Contrato com conseqüências jurídicas é aquele que, mesmo ineficaz, produz determinados efeitos impróprios (efeitos diversos dos desejados pelos contratantes) (31), vg: indenização do prejuízo causado pela nulidade.
Diante do exposto, conclui-se que, tanto o plano da existência quanto o da eficácia, não requerem maiores dificuldades de compreensão. Ao contrário, é o plano da validade que vem estorvando a doutrina e a jurisprudência, vez que a nossa legislação trabalhista é precária e o regramento civil das nulidades não é integralmente compatível com os princípios do Direito do Trabalho.
5. Teoria Geral da Nulidade do Contrato
Dentro do plano da validade, os negócios poderão ser nulos ou anuláveis. Convém registrar que, ao se falar em negócio nulo, estar-se-á falando em nulidade absoluta. Ao revés, quando se referir a negócio anulável, estar-se-á referindo à nulidade relativa. Já as genéricas expressões nulidade e validade abrangem as duas espécies: absoluta e relativa.
Digna de nota a confusão que parte da doutrina faz acerca da expressão nulo de pleno direito. Ora, a nulidade, seja ela absoluta ou relativa, requer pronunciamento judicial. Assim, a expressão "nulo pleno jure" é inadequada quando usada como sinônimo de nulidade absoluta, sendo melhor traduzida em nosso direito pela palavra inexistente(32).
A CLT contém pouquíssimos dispositivos que versam sobre nulidade. Deles, nenhum se reporta à nulidade do contrato de trabalho, mas apenas aos atos praticados no curso do contrato.
A partir dessa escassez normativa, o operador do Direito do Trabalho terá que buscar soluções oriundas do Direito Civil. Ocorre que nem todas as regras do Código Civil lhe são aplicáveis, vez que a necessária compatibilidade da norma civil com os princípios trabalhistas nem sempre está presente.
Tal conditio sine qua non está assim grafada no parágrafo único do artigo 8o da CLT: "o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste".
Antes de adaptarmos a teoria civilista da nulidade dos atos jurídicos à órbita trabalhista, devemos conhecê-la. Um breve escorço das questões fundamentais, faz-se mister.
Com fulcro no artigo 166 do novo Código Civil, é nulo o negócio quando praticado por (I) pessoa absolutamente incapaz, (II) for ilícito, impossível ou indeterminável o objeto, (IV e V) for inobservada a forma ou alguma solenidade prescritas em lei e (VII) quando a lei taxativamente assim o declarar ou proibir-lhe a prática, sem cominar outra sanção.
Além de tais casos, o novel Código de 2002 incluiu duas hipóteses de nulidade absoluta no regramento do art. 166: no inciso VI a inquinação se dará quando o negócio jurídico tiver por objetivo fraudar lei imperativa e, no inciso III, a nulidade absoluta ocorrerá quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito.
A nulidade absoluta por fraus legis (VII) é muito comum na esfera trabalhista e, de certa forma, já se encontrava plasmada na regra do art. 9º. da CLT. Quanto à inclusão do inciso III ao art. 166 do NCCB, o legislador foi coerente com sua nova postura de traspassar a simulação como causa de anulabilidade para causa de nulidade absoluta ex vi do caput do art. 167:
"É nulo o negócio jurídico simulado,
mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na
forma".
Sobre a opção do legislador, transcreva-se o
escólio de Leonardo Mattietto:
"A escolha
legislativa, de passar a simulação de causa de anulabilidade a de
nulidade, é respaldada na idéia de que tal figura, mais que restrita a atingir
interesses privados, ofende o interesse público de correção e veracidade nas
relações negociais. A questão não é puramente volitiva, de solução com base
apenas na vontade das partes, mas, muito pelo contrário, liga-se à causa do
negócio jurídico"(33).
O artigo 171 do mesmo digesto legal passa a dispor ser anulável o negócio jurídico praticado por (I) agente relativamente incapaz ou por (II) vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Em colação ao Código de 1916, o legislador hodierno esclareceu que a fraude, vista como espécie de vício volitivo, é somente a contra credores, excluindo-se, portanto, a fraude contra lei, caso de nulidade absoluta (art. 166, VI) e a fraude à execução, caso de ineficácia relativa em relação ao executado. Tal especificação legal já vinha sendo alertada pela doutrina.
Impende registrar, outrossim, que o novo Código incluiu a lesão e o estado de perigo como vícios de consentimento capazes de anular o negócio jurídico.
Doravante, o contratante que assumir prestação excessivamente onerosa em face de premente necessidade ou por inexperiência (lesão – art. 157) ou em face de premente necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte (estado de perigo – art. 156), poderá anular o negócio ou o ato jurídico.
Não se negue que o instituto da lesão já era concebido na CLT, contudo numa dimensão mais ampla e objetiva, conforme dicção do art. 468 da CLT que declara nula a novação contratual que importar prejuízo direto ou indireto ao empregado, independente da investigação da vontade. A nulidade se dá por presunção legal e absoluta de vício (júris et de jure), haja vista a natureza protetiva da relação de emprego.
5.1. Distinção entre nulidade relativa e absoluta na esfera cível
A doutrina civilista consagrou três diferenças quanto à convalidação, pronunciamento e efeitos da nulidade absoluta e relativa:
a) Convalidação: enquanto a nulidade relativa pode ser confirmada pela parte lesada de forma expressa (ratificação) ou tácita (convalidação), a nulidade absoluta não comporta nenhuma dessas confirmações. Artigos 169 e 172 do NCCB;
b) Pronunciamento: os atos nulos deverão ser decretados ex officio pela autoridade competente ou a requerimento da parte interessada ou do Ministério Público; os atos anuláveis somente serão declarados após provocação da parte interessada(34), sendo vedada a decretação de ofício. A nulidade relativa aproveita exclusivamente a parte alegante, salvo os casos de solidariedade ou indivisibilidade. Artigos 168 e 177 do NCCB.
c) Efeitos: a nulidade absoluta tem efeitos ex tunc e a nulidade relativa, ao ser declarada em sentença, também contém efeitos retroativos(35). O artigo 158 do CC/16 e, em igual regra, o art. 182 do CC/02, além de contemplarem o efeito ex tunc da anulação, estatui que se o retorno ao status quo ante for impossível (por exemplo, nos contratos de trato sucessivo), as partes serão indenizadas com o equivalente.
6. Adaptação das regras civilistas à nulidade trabalhista
Enquanto na esfera civil os efeitos da nulidade absoluta e relativa são retroativos, na seara trabalhista, ambas as nulidades geram, em regra, efeitos ex nunc. Somente quando a nulidade trabalhista versar sobre objeto ilícito é que, excepcionalmente, implicará efeitos retroativos.
Em relação à decretação da nulidade trabalhista, na absoluta a autoridade deve declará-la de ofício, enquanto que, na relativa, somente a parte interessada pode provocá-la e os seus efeitos alcançam exclusivamente à parte alegante. Havendo inércia na argüição da nulidade relativa, os efeitos se convalidam. Como se vê, nesse particular as regras dos arts. 172 e 177 do NCCB se estendem aos contratos de trabalho.
Assim, combinando as duas observações anteriores, traz-se o seguinte exemplo: se um Contrato de Trabalho for anulado por erro verificado na contratação individual de vários empregados, a nulidade relativa alcançará somente o interessado que a argüiu e os seus efeitos serão ex nunc, haja vista o princípio da irretroatividade dos efeitos da nulidade trabalhista(36).
Em se tratando de nulidade absoluta, como, por exemplo, a participação direta do empregado no objeto penalmente ilícito, a autoridade deverá declará-la de ofício e, caso o contrato ainda esteja em curso, o juiz deverá rescindi-lo ope judicis. Ressalvada a exceção vista acima (ilícito penal), os efeitos da nulidade absoluta também serão irretroativos, em face dos princípios trabalhistas que informam o tema.
7. Princípios que informam a nulidade trabalhista
O princípio de proteção ao empregado repercute sobre todo o Direito do Trabalho. Por conseguinte, também é regente para o instituto da nulidade trabalhista. Importante analisá-lo numa perspectiva contratual contemporânea.
Princípio de proteção ao trabalhador, ao trabalho, ao salário e ao contrato:
O moderno Direito do Trabalho não se preocupa apenas em tutelar o empregado - parte hipossuficiente. Protege-se acima de tudo o valor trabalho e a dignidade da pessoa do trabalhador - e por corolário seu salário e o seu contrato. Referidos valores posicionam-se em suprema hierarquia dentro da Constituição Federal.
O artigo 170 da CF/88 diz com todas as letras que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano. Da mesma forma, o artigo 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. E, ainda, o próprio preâmbulo, artigo 1o., III e IV, declara que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Portanto, o trabalho é, dentro da classificação de Gomes Canotilho, um princípio jurídico fundamental, vez que "historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional" (37).
Logo, se pelo não cumprimento de algum requisito essencial, o contrato for nulo, isso não pode redundar em prejuízo ao trabalhador(38). Os princípios da proteção e da continuidade do contrato de trabalho apontam para um máximo de aproveitamento dos efeitos dimanados da relação de emprego. Quanto ao salário, a tutela é tamanha que, em face de seu caráter alimentício, advém o conhecido axioma jurídico: "trabalho feito é salário ganho".
Do princípio maior da proteção ao empregado, derivam e se aperfeiçoam outros específicos ao estudo das nulidades. São eles:
a) Conservação e eficácia do contrato nulo. O princípio da conservação deve estar presente nos três planos, tanto no Direito Civil, quanto no Direito do Trabalho. Nele se propugna pela busca máxima de existência, validade e eficácia dos atos negociais. Daí que o antigo brocardo de que o ato nulo nenhum efeito produz (quod nullum est, nullum producit effectum) não tem valor absoluto e comporta inúmeras exceções.
A título exemplificativo, aponte-se o tecido civil normativo que disciplina o casamento. O art. 1561 do NCCB(39) estatui que mesmo nulo, o matrimônio produz todos os efeitos civis para os filhos e o cônjuge de boa-fé.
Com efeito, também a nulidade do contrato de trabalho, ainda que absoluta, implicará eficácia e proteção jurídica a uma relação de emprego cujos atos materiais já tenham se ultimado. Haverá casos que o contrato de trabalho nulo será ineficaz, porém, ainda assim, implicará conseqüências jurídicas(40), vg: contrato nulo e ineficaz do servidor que não se submeteu a concurso público, porém com direito à indenização por perdas e danos equivalente a extensão do prejuízo.
b) Presunção de boa-fé do empregado na celebração do contrato. Antes de qualquer ilação, deve-se considerar o seguinte silogismo. Premissa maior: é causa típica do Contrato de Trabalho, por parte do empregado, receber salário que, por sua vez, tem natureza alimentícia. Premissa menor: em tese, quando se celebra o contrato, o trabalhador adere às condições predeterminadas pelo empregador.
A partir das premissas, maior e menor, num exercício silogístico, conclui-se que o empregado, quando dá o seu consentimento negocial em relação ao objeto do contrato, age presumidamente de boa-fé, haja vista sua condição de mero aceitante da proposta formulada (arts. 422 a 424 do NCC). Destarte, na análise da nulidade do Contrato de Trabalho, deve-se ponderar a boa-fé presumida do obreiro, máxime quando da delimitação dos efeitos do nulo(41).
c) Impossibilidade de retorno ao "status quo ante" e vedação ao locupletamento. Sendo o Contrato de Trabalho de trato sucessivo e, portanto, impossível a devolução física e material da energia despendida pelo empregado, "qualquer tentativa de atribuir à nulidade efeitos retroativos seria beneficiar o empregador, que poderia reter o salário devido até exigir a devolução dos salários pagos".(42) Logo, o empregador passa a estar "obrigado a retribuir o serviço ilícito prestado porque, doutro modo, enriqueceria ilicitamente"(43).
d) Razoabilidade na apreciação de cada caso. Um dos princípios que informam o Direito do Trabalho é o da razoabilidade, ou seja, na análise de cada caso concreto deve-se considerar que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme a razão (44). Não se olvide a exata constatação de Recaséns Siches de que a lógica do Direito é a lógica do razoável e, por isso, ao juiz e ao legislador não interessam a realidade pura, mas sim, decidir sobre o que fazer de certos aspectos de determinadas realidades(45).
É importante esclarecer que a eficácia jurídica conferida ao ato nulo visa atender situações que envolvam os seguintes interesses de proteção:
a. da família;
b. da ordem pública; e
c. da boa-fé.
Eis o trinômio axiológico em que a eficácia do contrato nulo passa a ser regra geral e não exceção(46). Não se negue que o contrato de trabalho está em sintonia com esses três valores: a) familiar - em face do alcance do conceito de salário e sua natureza alimentícia do trabalhador e de sua família; b) de ordem pública - ante o caráter cogente e irrenunciável de suas normas; c) boa-fé - decorrente da presunção de que o obreiro assim age em face de sua condição de signatário aderente às condições preestabelecidas pelo empregador.
Diante de tais razões principiológicas e axiológicas, podemos asseverar que na órbita do Contrato Individual do Trabalho prevalecem duas regras gerais imbricadas(47):
a. Eficácia do contrato nulo, quando exercido por agente de boa-fé;
b. Irretroatividade dos efeitos da nulidade.
Registre-se que o direito italiano apregoa expressamente a irretroatividade dos efeitos dos contratos de trabalho nulo e anulável, salvo se a nulidade derivar de causa ou objeto ilícitos. Oportuno transcrever o artigo 2.126 do Código Civil Italiano:
"La nullità o lánnullamento del contratto di lavoro non produce effetto per il periodo in cui il rapporto ha avuto escuzione, salvo che la nullità derivi dall’illicità dell’oggetto o della causa.
Se il lavoro è stato prestato com violazione de norme poste a tutela del prestatore di lavoro, questi ha in ogni caso diritto alla retribuizione".
Até mesmo a conhecida divisão entre trabalho ilícito e trabalho proibido, introduzida por Guillermo Cabanellas(48), corrobora o efeito irretroativo das nulidades trabalhistas como regra geral. Assim, em se tratando de labor proibido - aquele vedado na legislação civil ou do trabalho - há produção de efeitos trabalhistas. Já o trabalho ilícito - aquele que configura crime ou contravenção penal - constitui exceção e, por isso, a nulidade operará efeitos ex- tunc.
8. Princípio da conservação dos contratos:
convalidação e sanação
Pelo princípio da conservação, "aproveita-se, ao máximo possível, o negócio, em atenção, principalmente, à intenção negocial manifestada pelas partes"(49). Com outras palavras: deve-se, na medida do possível, afastar do âmbito da nulidade todos os atos possíveis que por ela não foram afetados.
Daqui decorrem conseqüências práticas para o Contrato de Trabalho em sua visão estrutural. Dentre elas, cite-se: a) convalidação e sanação; b) conversão negocial.
A convalidação e a sanação, em tese, consistem na validação de um ato anulável (nulidade relativa). Na primeira figura é a inércia(50) da parte interessada em deixar de denunciar ou arguir a invalidade que irá ensejar o aperfeiçoamento do ato inquinado. Na sanação, também chamada ratificação ou confirmação, o ato inválido deixa de ser deficiente através de uma ação da parte legítima(51).
Em Direito Civil, a nulidade absoluta, além de não se convalidar, é insanável, ex vi legis (art. 169 do NCCB). Ocorre que, na esfera negocial trabalhista, a nulidade absoluta é vista sob outras lentes e a figuras da sanação e da convalidação do ato nulo, além de serem possíveis, implicam a unicidade do contrato de trabalho.
Pontes de Miranda, a propósito, traz o seguinte exemplo: "se o menor de quatorze anos continuou no serviço, ou voltou a ele, depois de ter quatorze anos, conta-se-lhe o tempo de serviço anterior aos quatorze anos. Embora nulo o contrato individual de trabalho, se o trabalho foi prestado, tem de ser retribuído como se válido fosse" (52).
Por fim, arremata o jurista: "se o contrato de trabalho alcançou momento em que não mais há a causa de invalidade, nascem os direitos à prorrogação e à renovação."(53) Esta análise aplica-se tanto à sanação, quanto à convalidação do ato nulo trabalhista(54).
9. A conversão negocial
e sua aplicação
O instituto da conversão negocial é amplo e se constitui gênero do qual (I) a conversão substancial, (II) a conversão formal e (III) a substituição legal são espécies. Consiste em qualquer hipótese de aproveitamento do suporte fático de um contrato nulo para outro da mesma ou de diversa categoria.
A conversão negocial pressupõe os seguintes requisitos de configuração: a) nulidade do negócio jurídico originalmente pactuado; b) existência de atos contratuais já ultimados; c) possibilidade de aproveitamento do suporte fático do contrato nulo em outro cujo defeito não lhe seja essencial.
Destarte, só haverá conversão negocial se o contrato nulo já foi, ao menos em parte, realizado e, ainda assim, se for possível um outro contrato, da mesma ou de outra categoria jurídica, aproveitar o seu suporte fático(55).
Na maioria dos casos o contrato nulo se converterá em outro contrato válido. Todavia é possível que a causa da nulidade inquine o contrato de tal maneira que não seja possível convertê-lo em nenhum outro. Cite-se, por exemplo, o caso de um contrato nulo decorrente de um ilícito penal. Nesta hipótese não há como falar em "aproveitamento do suporte fático".
Denomina-se conversão substancial a
modificação qualitativa em relação à categoria do negócio jurídico inválido e
de conversão formal aquela em que, à
falta de algum elemento formal essencial, seja aproveitado para outra espécie
da mesma categoria em relação à qual
não haveria invalidade(56).
Nesses termos, é possível conjeturar como conversão formal a modificação do contrato temporário que inobserva a formalidade legal escrita (art. 11 da Lei 6.019/74) em contrato de trabalho por tempo indeterminado regido pela CLT.
Como hipótese de conversão substancial, aponte-se o caso do contrato dissimulado de "representante comercial autônomo" que se verte para contrato de emprego ante a nulidade provocada pela fraude à lei (arts. 3º. e 9º., da CLT).
O princípio da convertibilidade do contrato nulo busca, a rigor, a investigação da vontade negocial desejada pelas partes. Pontes de Miranda adverte que, nesse salvamento, "leva-se em consideração a vontade que teria sido manifestada, se o manifestante houvesse conhecido a nulidade"(57).
Registre-se uma terceira
espécie do gênero conversão negocial, aquela
em que a lei, sem considerar a hipotética vontade dos contratantes, substitui o
que eles queriam pelo que a ela pareceu melhor. Aqui não haverá conversão em sentido estrito, mas substituição
legal.(58)
Em se tratando de incidência sobre a relação de emprego, é a substituição legal que prevalecerá, vez que o instituto da conversão negocial é visto de forma mais abrangente, aplicando-o em sintonia menor com a vontade das partes e maior com a vontade da lei, a qual é traduzida pelo princípio de proteção ao empregado inserido nos arts. 9º. e 444 da CLT.
Andou bem o novo Código Civil ao materializar em lei o instituto da conversão negocial antes apenas previsto em doutrina e jurisprudência. Nesse sentido reza o art. 170:
Art. 170 – Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.
Sobre o alcance da conversão negocial em face do sistema jurídico, Leonardo Mattieto adverte sobre a necessidade de prevalecer os valores existenciais da pessoa em detrimento daqueles de cunho meramente patrimonial :
"Não só no aspecto econômico, todavia,
deve ser vista a conversão. O contrato não materializa apenas uma operação
econômica. Como instituto que integra uma ordem jurídica em que o valor
fundamental é o da dignidade da pessoa humana (Constituição de 1988, art. 1o.,
III), é funcionalizado a obsequiar as situações subjetivas existenciais de que
participa a pessoa, realizando uma verdadeira função social, com fins que
transcendem as meras expectativas das partes e importam, ao invés, para a própria
sociedade. Logo, também os valores existenciais da pessoa humana devem ser
sopesados, além daqueles de cunho patrimonial, ao proceder-se à conversão"
(59).
A figura da conversão negocial ganha relevo, sobretudo quando se depara com situações de fraude à lei trabalhista. São, pois, os conhecidos casos de contratos materialmente de emprego, contudo formalmente civis ou comerciais. Neste sentido são os contratos afins celebrados, amiúde, de forma dissimulada: estágio, cooperativa, representante comercial, trabalho voluntário, autônomo, dentre outros.
Pontes de Miranda observa que "a fraus legis assume relevância especial em matéria de legislação do trabalho, como em todos os ramos de direito protectivo."(60) Conseqüentemente, havendo nulidade do contrato em face da ausência de elemento essencial ou porque celebrado em fraude à legislação trabalhista, a relação de trabalho subjacente deve ser declarada relação de emprego, convertendo-se os contratos nulos em autênticos contratos de trabalho (art. 9o. da CLT).
10. Nulidade do Contrato de Trabalho em face do agente incapaz
Após enfocar todo o aparato teórico da nulidade trabalhista, está-se habilitado a analisar os efeitos do contrato individual de trabalho, quando deficiente seu suporte fático em face da anomalia em seus requisitos.
Por força da Emenda Constitucional n. 20, promulgada em 15 de dezembro de 1998, a idade mínima para celebração de contrato de trabalho foi elevada de 14 para 16 anos. A redação do art. 7o., XXXIII da CF/88 passou a ser cunhada da seguinte forma:
"proibição de trabalho noturno,
perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de
dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz."(61)
Convenção n. 138 da OIT(62) traça os parâmetros para o trabalho infanto-juvenil. Ricardo Marques da Fonseca(63) sintetiza-os da seguinte forma:
a. idade mínima de 15 anos, com garantia de escolaridade mínima sem trabalho durante o primeiro grau;
b. adoção pelos países em desenvolvimento da idade mínima de 14 anos e, excepcionalmente, a de 12 anos, em caso de aprendizagem, desde que com o compromisso de implementar política de elevação progressiva desta idade;
c. idade mínima de 18 anos para atividades que afetem a integridade física, moral ou psíquica, podendo cair para 16 anos em tais hipóteses, desde que o adolescente esteja submetido a cursos profissionalizantes.
Observa-se que as recentes alterações constitucionais deixaram nosso regramento em perfeita sintonia com as diretivas da OIT, sobretudo se considerarmos que o limite de 12 anos, contemplado na Constituição de 1967, foi progressivamente elevado para 14 anos com a CF/88 e, recentemente, para 16 anos em face da Emenda 20/98.
A majoração do limite de idade para 16 anos causou profunda reação aos operadores do direito, bem como os de diversos setores da sociedade. Ainda que de um lado, a mudança do limite para o trabalho infanto-juvenil possa representar um "avanço legislativo" ou mesmo um "incentivo ao estudo da criança e do adolescente", não se pode ignorar, por outro lado, a observação de Geraldo Meneses de que "antes de modificar a Lei – colocando na clandestinidade trabalhadores mirins e tomadores de serviços – é preciso que os dirigentes públicos se compenetrem da imperiosa necessidade da ampliação de programas assistenciais"(64).
A justificativa de que o aumento do limite etário para acesso ao mercado de trabalho resolverá o problema da evasão escolar é no mínimo falaciosa. "Temos que, entre o abandono nas esquinas das cidades de menores de 14 anos a 16 anos melhor seria que estivessem eles sob regime de trabalho protegido, com salário garantido para auto-sustentação"(65).
Por força do novo Código Civil, art. 5º., parágrafo único, cessa para os menores a incapacidade, inciso V: "pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria."
Como se vê, quando o menor de 18 anos, tendo ao menos 16 anos completos e, em razão de estabelecimento civil, comercial ou relação de emprego, obtiver economia própria, deixará de ser incapaz para efeitos dos atos civis.
Daqui dessumem-se duas questões instigantes. A primeira atinge o conceito indeterminado de economia própria. Para se delimitar tal conceito, há que se apoiar em critério jurídico objetivo, qual seja, o art. 7º, IV, da CF, que estabelece o Salário Mínimo como sendo capaz de atender a subsistência do trabalhador e de sua família(66). É certo que o valor oficial do Salário Mínimo é falacioso e vergonhoso, pois nem de longe cobre as finalidades propostas pelo constituinte.
Contudo, a luta por um valor digno e condizente com suas finalidades não o elimina como critério jurídico objetivo para a noção de economia própria. Ademais, o conceito de Salário Mínimo estampado no art. 7º., IV, está correto, sendo aberrante (não o seu conceito, mas) apenas o valor oficial correspondente!
Registre-se, a propósito, a posição de parcela doutrinária de que cabe ao Judiciário forçar o cumprimento de tal norma declarando, incidentalmenente, a inconstitucionalidade do ato, fixando o quantum devido conforme os parâmetros previamente definidos segundo a avaliação representativa dos fatos por prova técnica (perícia) ou de acordo com os dados levantados pelo DIEESE(67).
A segunda questão que nos
inquieta é saber se o novel art. 5º., parágrafo único, inciso
V, do NCC tem o condão de revogar dispositivos de proteção ao trabalho
do menor encontrados na CLT. São eles: - art. 408 que permite a rescisão pelo
responsável em caso de prejuízos físicos ou moral ao menor;
- art. 424 que prevê o afastamento do menor quando houver redução do tempo de
repouso ou de estudos; - art. 439 que exige a assistência do responsável no
momento da quitação das verbas rescisórias.
De uma exegese literal e precipitada, poder-se-ia inferir, de pronto, pela revogação de tais dispositivos. Contudo, partindo-se de um esquadrinhamento sistêmico, parece-nos que referidos artigos da CLT não foram atingidos pelo novo Código.
Em primeiro lugar, impende recordar que, com esteio no parágrafo único do art. 8º. da CLT, só se pode invocar o direito comum, quando houver omissão da legislação trabalhista e, ainda assim, desde que a norma civil seja compatível com os princípios do direito do trabalho. Ora, a CLT não é omissa na regulamentação da proteção ao trabalho do menor, fato que obsta, desde logo, a invocação da regra civil.
Em segundo lugar, a Lei Maior, em seu artigo 227, dispensa especial preocupação ao estudo, alimentação, profissionalização e dignidade à criança e ao adolescente. Ora, considerando que os artigos 408, 424 e 439 da CLT encontram-se nessa esteira axiológica de tutela ao trabalho do menor, não nos parece certo afirmar que o novo Código Civil, diploma infraconstitucional, tenha ab-rogado tais disposições tuitivas.
Deveras, o art. 5º, parágrafo único, V, contempla uma situação jurídica trabalhista que irradia efeitos apenas para os atos civis. Todavia, isso não significa dizer que esta mesma situação jurídica (empregado-menor de 16 anos com economia própria) tenha o condão de revogar normas trabalhistas de proteção ao menor(68).
11. Efeitos do contrato celebrado por menor de 16 anos.
Considerando que o tema da incapacidade trabalhista não foi afetado pelas regras do novo Código Civil, pode-se asseverar que o empregado atinge sua capacidade plena aos 18 anos, sendo absolutamente incapaz o menor de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, ex vi do art. 7º., XXXIII, da CF. A faixa etária restante, dos empregados com 16 anos completos até os 18 incompletos, ainda que tenha economia própria em razão da relação de emprego, permanece como relativamente incapaz para efeitos trabalhistas, aplicando-lhe as regras de assistência, vg: art. 408, da CLT.
O art. 104 do novo Código Civil repete regra anterior (art. 145 do CC/16) para declarar:
"A validade do negócio jurídico
requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei."
Assim, com o advento da Emenda 20, o menor de 16 anos que celebrar contrato de emprego, não na condição de aprendiz, será considerado absolutamente incapaz. O contrato de trabalho será considerado nulo de pleno direito nos termos do art.104, I, do Código Civil.
Para uma melhor compreensão, não basta afirmar que o trabalho do menor de 16 anos se enquadra na categoria dos trabalhos proibidos e que, por isto, a nulidade do contrato de trabalho contém eficácia. Deve-se investigar como se dá tal eficácia, ou seja, em que medida há produção dos efeitos jurídicos e qual o alcance de tal nulidade contratual.
Considerando os princípios informadores da nulidade trabalhista, abordados anteriormente, conclui-se que ,se a contratação(69), após a vigência(70) da Emenda 20/98, envolveu empregado na faixa etária de 14 ou 15 anos, eventual intervenção da autoridade competente importará rescisão ope judicis ante a violação ao limite constitucional de 16 anos. A nulidade terá efeitos ex nunc e o empregador responderá por multa administrativa(71). Logo, o contrato será eficaz até a rescisão judicial, assegurando ao empregado todos os direitos trabalhistas, inclusive a anotação da CTPS. A mesma conclusão se verifica quando da rescisão ope legis motivada pela Procuradoria do Trabalho.
Se, no momento da declaração da nulidade, a causa de invalidade já desapareceu, o contrato de trabalho se prorrogará em face do instituto da sanação ou da convalidação. Portanto, se o empregado menor de 16 anos continuou laborando ou retornou a trabalhar depois de ter completado esta idade, o contrato, embora nulo será eficaz, cabendo ao obreiro todos os direitos trabalhistas, inclusive a anotação da CTPS do período laborado.
É de se frisar, uma vez mais, que nos contratos civis a regra geral é de que o ato nulo não se convalida, nem é passível de sanação. Todavia, conforme já foi explicado anteriormente, em se tratando de contrato de trabalho, a nulidade absoluta é passível de sanação e convalidação ante os princípios que lhe são peculiares(72). Logo, é inaplicável à esfera trabalhista a regra do art. 169 do novo Código Civil, exceto quando a nulidade versar sobre objeto ilícito(73).
Por derradeiro, vale lembrar que o princípio da preponderância da tutela do incapaz é visto com maior ênfase e alcance no campo dos contratos trabalhistas. Pontes de Miranda a ele se reporta assim:
"O direito procura proteger os
fracos, até onde lhe pareça que não se hão de considerar atos ilícitos absolutos
os atos que eles pratiquem. Se alguma regra jurídica o limita, é excepcional. A
tutela do tráfico jurídico, especialmente a tutela do terceiro, vem em segundo
plano e somente existe onde já não justifica a tutela dos fracos"(74).
Logo, ressalvado o caso de ilícito penal, as nulidades do contrato de trabalho em face do agente incapaz implicarão efeitos jurídicos(75). Eis as considerações, princípios e valores que a autoridade judicial ou administrativa devem relevar no momento de declarar válido (ou inválido) o contrato de trabalho do menor de 16 anos.
13. Nulidade por desprezo à formalidade
essencial
Outro caso digno de nota é o contrato de trabalho nulo por descumprir formalidade prescrita em lei (art. 166, IV e IV do NCC). Enfrentemos, a título exemplificativo, o caso típico do servidor público celetista que deixou de se submeter à aprovação em concurso público. A nulidade proveniente da violação da solenidade prevista no art. 37, II, da CF, obstará o aproveitamento de qualquer outra espécie contratual.
Assim, aplicando-se os princípios que informam a nulidade trabalhista, o obreiro que, nestas condições, laborou de boa-fé(76) terá seu contrato declarado nulo em face da inércia do administrador que deixou de proceder à abertura de concurso público. Assim, mesmo nulo o contrato, o trabalhador terá direito à indenização equivalente à extensão dos prejuízos decorrentes. Em tal situação haverá um contrato nulo, ineficaz, porém com conseqüências jurídicas (a indenização devida).
Quanto à indenização cabível em face da nulidade do contrato de trabalho, a doutrina alienígena já pacificou entendimento de que, por ser ele de trato sucessivo, seus efeitos são irretroativos como regra, salvo os casos de objeto ilícito.
Acerca dos contratos de execução continuada, evoca-se a parte final do artigo 182 do novo Código Civil:
"Art. 182 - Anulado o ato,
restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e, não sendo
possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente."(77)
Quanto ao alcance da indenização, o novo Código Civil, ao contrário da omissão do CC/16, não deixou qualquer margem a dúvidas acerca da plena aplicação da restitutio in integrum. A propósito reza o CC/02:
"Art. 944: A indenização mede-se pela extensão do dano."
"Parágrafo único: Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização"
Como se vê, seja pelo efeito ex-nunc das nulidades dos contratos de trato sucessivo, que expressamente determina a indenização pelo equivalente (art. 182 do CC/02), seja pela aplicação do comezinho princípio da restitutio in integrum, aplicada no campo da reparação do dano, a indenização deve abranger toda a extensão do prejuízo, conforme comando estampado na lei (art. 944, caput, do CC/02).
E nem se diga que o parágrafo único, do art. 944, do Codex, autorizaria o julgador a reduzir o valor da indenização devida ao servidor celetista. Ora, a omissão do administrador acerca da abertura de concurso público constitui grave negligência, mormente porque tal regra encontra-se prevista na Constituição da República (art. 37, II), inclusive a responsabilidade do Estado em relação a atos lesivos praticados por seus agentes (§ 6o.).
Logo, em se tratando de culpa grave do agente, não há justificativa para redução da indenização. Somente no caso de restar provado nos autos que o próprio servidor agiu em conluio com o administrador é que se poderá falar em redução da indenização ou mesmo sua exclusão. Contudo, conforme já acentuamos, nos contratos de adesão, caso do contrato de emprego, há presunção juris tantum de que o aderente (in casu o empregado) age de boa-fé. Assim, em caso de ausência nos autos acerca da comprovação de concorrência de culpa da parte do servidor, a presunção lhe favorece.
Com base nessas premissas dogmáticas, é equivocada, ilegal e iníqua a Súmula 363 do TST, quando declara que a indenização referente ao contrato nulo – por inobservância do art. 37, II, CF/88 - equivale tão-somente a contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o salário-mínimo/hora.
Ora, a indenização deve alcançar toda a extensão do prejuízo: férias, 13o. salário, horas extras porventura comprovadas, FGTS ... tudo em conformidade com o salário devido e não apenas pelo salário ajustado.
Dizer que a indenização equivale somente "aos dias trabalhados e pelo valor do salário ajustado" é o mesmo que nada (ou quase-nada) deferir, premiando o órgão da administração pública que, além de dar causa ao dano, utiliza-se de mão-de-obra qualificada sem pagar o respectivo encargo trabalhista.
Conforme visto anteriormente, a Constituição Federal de 1988 constituiu um marco jurídico que consolidou o traspasse da jurisprudência dos interesses para a chamada jurisprudência dos valores. Do tipo dirigente e de corte social e solidário, a Carta enaltece o homem como ponto de partida de todo o sistema jurídico. Não por acaso que o art. 1º., III, finca, como fundamento da República, a dignidade da pessoa humana, fundando a ordem econômica e social nos ditames da justiça social e na valorização do trabalho humano (arts. 170 e 193).
Não é preciso dizer mais para concluir que o standard jurídico da responsabilidade civil, outrora calcada na comprovação da culpa do agente, doravante prioriza a reparação da vítima, aumentando-se, assim, o espectro da chamada responsabilidade objetiva, positivando e alargando o direito geral de personalidade e a ampla reparabilidade do dano moral. Com base nessa esteira teleológica, o STJ, de pronto, editou a Súmula 37 para declarar a possibilidade de acumulação do dano material e moral.
Até mesmo o Executivo já percebeu tal necessidade quando, através de Medida Provisória, alterou a Lei do FGTS para declarar o direito aos respectivos depósitos nos casos de contrato nulo por ausência de concurso(78). A mesma postura axiológica espera-se do TST, máxime para ampliar a indenização devida ao servidor que teve seu contrato declarado nulo por culpa exclusiva do administrador que deixou de proceder a abertura de concurso público, revendo, assim, o enunciado da Súmula 363.
A efetividade dos direitos trabalhistas, incluindo-se aí a indenização equivalente a todo prejuízo, não pode ser relegada a critério aleatório e infundado. A reparação pífia feita nos moldes da Súmula 363 é lesiva ao regramento basilar das nulidades, da responsabilidade civil, da presunção de boa-fé do aderente e da proteção à vítima, máxime quando esta é um trabalhador presumidamente hipossuficiente.
14. Nulidade em face da causa e do objeto ilícitos
A doutrina não vem se posicionando de forma clara sobre a diferença entre o objeto da obrigação e o objeto do contrato propriamente dito. O Código Civil pátrio segue linha perfunctória, fazendo apenas menções gerais que se aplicam aos negócios jurídicos.
Quando se fala em obrigação, está se falando no objeto imediato do contrato, que é, exatamente, a prestação de dar, fazer e não fazer. Já o conteúdo dessas prestações constituirá o objeto mediato do contrato.(79)
Santoro-Passarelli adverte sobre outro enfoque ao alegar que o objeto característico do contrato de emprego é precisamente "o trabalho, entendido como atividade, como fazer, e, não, como, por outros é afirmado, a energia do trabalhador, inseparável da sua pessoa, porque se esgota no ato no qual é empregada"(80).
Considerando que o objeto dos direitos são os bens da vida juridicamente tutelados, tem-se que esse deva ser lícito. Não seria razoável admitir que o direito assegurasse a possibilidade dos contraentes regulamentarem relações incidentes sobre obrigações ilícitas.
O conceito de licitude é abrangente e significa a conformidade com o direito, ou seja, estar em sintonia com a lei, a moral e os bons costumes. Na prática, quando se fala em objeto do contrato, ora se pensa nas obrigações (objeto imediato), ora no seu conteúdo (objeto mediato). Conforme leciona corretamente Sílvio Venosa, "pelo nosso sistema, o exame da idoneidade do objeto se refere a ambos."(81)
Enquanto o artigo 82 do
Código Civil pretérito mencionava somente a expressão objeto lícito, o Código atual, por influência do direito italiano,
amplia o predicado para constar "objeto lícito, possível, determinado ou determinável". Doravante, o objeto há
que ser materialmente factível de ser realizado. A impossibilidade ou mesmo a
indeterminação do objeto devem ser absolutas, o que vale dizer que se houver
uma parte factível, e sendo esta divisível, a nulidade só alcançará a parte
inquinada (art. 184). Riva Sanseverino(82) estende
esta regra aos contratos de trabalho, vez que impossível obrigar alguém a pagar
alguma coisa, ou a exercer alguma atividade, de forma indeterminada.
Registre-se a conhecida a distinção feita por Cabanellas entre trabajo ilícito y trabajo prohibido(83). Proibido vem a ser o trabalho que se encontra vedado na própria legislação trabalhista ou civil. Nesse caso, o Contrato de Trabalho produz efeitos jurídicos e ao empregado estão garantidos todos os direitos trabalhistas enquanto perdurou o labor, antes da denúncia.
Exemplo de labor proibido é o menor de 16 anos que exerce função lícita dentro de uma determinada fábrica, ou, também, o caso de mulher que labora com mais de 25 quilos. Não obstante a expressa proibição contida em normas de índole trabalhista(84), por se tratar de atividade lícita, os obreiros, nessas situações, têm assegurado todos os direitos legais.
Trabalho ilícito é aquele que configura crime ou contravenção penal e, portanto, "no existe protección legal alguna"(85). Como exemplos mencionamos a contratação de empregado para o tráfico de entorpecentes ou de empregadas para atuar em casa de meretrício.
Observa-se que a própria doutrina, ao fazer a baliza entre labor proibido e labor ilícito, teve em mira demonstrar a variação dos efeitos da nulidade conforme a causa de sua incidência. Assim, em se tratando de objeto ilícito, a nulidade importa ineficácia, aplicando-se, no particular, a regra do art. 169 do Código Civil. Ao revés, em sendo a nulidade provocada por objeto contratual proibido, haverá produção de efeitos jurídicos ("nulo eficaz"), o que vale dizer que o empregado fará jus a todas as verbas trabalhistas, inclusive a anotação da CTPS. Em ambos os casos a empresa autuada estará sujeita às cominações administrativas aplicadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Quanto à nulidade decorrente da causa, verifica-se que o Código antigo, em seu artigo 90, só fazia menção à falsa causa. Deste modo, parte da doutrina vinha firmando posição de que a simples ausência de causa não inquinava o contrato, mas somente a presença de causa ilícita. Com o advento do novo Código tal hesitação desaparece, vez que o instituto do enriquecimento sem causa deixa de ser mera construção doutrinária, passando a ser norma legal:
"Art. 884: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único: Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.
Art. 885: A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir."
Para Caramuru Afonso Francisco(86), o enriquecimento sem causa é o "incremento do patrimônio de alguém, em prejuízo do de outrem, injustamente".
Para configurá-lo há, segundo esse autor, quatro requisitos: a) enriquecimento de alguém; b) empobrecimento de alguém; c) nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; d) ausência de causa jurídica ou causa injusta. Verificados estes elementos, "está-se diante do fenômeno do enriquecimento sem causa, gerando-se a obrigação de enriquecido em devolver na medida do acréscimo patrimonial a parcela patrimonial indevidamente retirada do patrimônio do empobrecido."(87)
Veja-se que o novo Código Civil Brasileiro, além de trazer um artigo específico para o enriquecimento sem causa e obrigar o agente a restituir o quinhão ilicitamente apropriado, fez questão de declarar a nulidade do negócio jurídico quando "o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito" (art. 166, III).
NOTAS :
(1)
Consoante lembram PEREZ BOTIJA e BAYON CHACON,
"los partidarios de la teoria de la relación jurídica de trabajo no
contractual niegan lo esencial del consentimento". In: Manual de Derecho del Trabajo. p. 352.
(2)
BARACAT, Eduardo Milléo. Elementos para aplicação do
princípio da boa-fé objetiva no Direito do Trabalho. Tese de doutorado.
Biblioteca da UFPR. Curitiba. 2002.
(3)
CORREAS, ÓSCAR. Introdução à sociologia jurídica. Porto
Alegre: Editora Crítica Jurídica, 1996, pág. 113. O
sociólogo jurídico argentino, a partir da conhecida definição de Vishinsky que o direito é produto da vontade da classe
dominante, observa que "a dificuldade desta definição residia em que a
vontade parece ser um fenômeno da
consciência individual, enquanto que classe
social é um conceito aplicável a um conjunto de indivíduos. E assim como
não parece plausível falar da vontade
do estado, tampouco o parece com relação a este sujeito coletivo. A definição
de Vishinsky era, ademais, coincidente, ao menos em aparência, com a idéia de
Marx de que o direito não pode ser explicado pela vontade e sim pelas relações
sociais".
(4)
VENCELAU,
Rose Melo. O negócio jurídico e suas modalidades. In: A parte geral do novo código civil. Estudos na perspectiva
civil-constitucional. Coordenação: Gustavo Tepedino. RJ: Renovar, 2002,
pág. 186.
(5)
O novo Código Civil Brasileiro, Lei n. 10.406 de
10/01/02, entrou em vigor em 11/0/2003.
(6)
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Contrato individual de
trabalho: uma visão estrutural. SP: LTr, 1998, pág. 31.
(7)
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Do contrato no estado social.
Maceió: Edufal, 1983, pág. 58.
(8)
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil.
Introdução ao direito civil-constitucional. Tradução Maria Cristina De Cicco.
RJ: Renovar, pág. 17.
(9)
Idem, ibidem.
(10)
GALGANO, Francesco. Il
negozio giurídico. In: Trattato di Diritto Civile e Commerciale. Milano:
Giuffrè, 1988, vol. III, tomo I, p. 16. Coordenação: Antonio Cicu e Francesco
Messineo.
(11)
ROPPO, Enzo. O contrato. Tradução: Ana Coimbra e M.
Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988, pág. 54. Acerca dessa tendência,
Roppo a identifica usando palavras de Francesco Galgano "(a
tendência) constitui expressão de uma política
da construção jurídica precisa, que é a de tender a adequar a categoria jurídico-formal à relação social.
(12)
ROPPO, Enzo. Ob. citada, pág. 49 e 50. Importante
trazer o complemento da posição sustentada pelo jurista italiano: "... Nem
isto deve suscitar espanto ou surpresa. Na verdade, por força da sua
generalidade e abstração, a categoria negocial pode realizar resultados
práticos de inquestionável utilidade, actuando como factor de simplificação e
racionalização da linguagem e do raciocínio jurídico. E num plano mais geral,
não pode negar-se que a elaboração da teoria do negócio constitui,
objectivamente, um momento insigne de sabedoria jurídica, e que com ela a
ciência do direito burguês alcançou um dos seus pontos mais altos. Mas estas
considerações não bastam para obscurecer o facto de
aquela teoria representar, ao mesmo tempo, um formidável instrumento ideológico, todo ele funcionalizado aos
interesses da burguesia e às exigências colocadas pelo seu grau de
desenvolvimento (daí que os pandectistas alemães nos apareçam, além de juristas
admiráveis, como intelectuais perfeitamente harmônicos
com a classe a que pertenciam)".
(13)
CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e
conceito de sistema na ciência do direito. Tradução: Antônio Menezes Cordeiro.
2a. edição. Lisboa: Fundação Colouste Gulberkian, 1996, págs. 23/78.
(14)
A idéia de movimento do contrato de trabalho ganha
relevo em face do débito permanente que as partes têm em suas obrigações
principais, secundárias, além de seus deveres anexos de conduta (proteção,
lealdade, informação).
(15)
Mencionem-se Antonio Junqueira de Azevedo (Negócio
jurídico: existência, validade e eficácia. Editora Saraiva), Marcos Bernardes
de Mello (Teoria do fato jurídico. Editora Saraiva) e Zeno Veloso (Invalidade
do negócio jurídico. Editora Del Rey). Na esfera do
contrato de trabalho, fruto de nossa dissertação de mestrado,
escrevemos em 1998: Contrato individual de trabalho: uma visão
estrutural. Editora LTr. A propósito do tema, sugere-se a leitura da obra de Luiz
Edson FACHIN, "Novo conceito de ato e negócio jurídico: conseqüências
práticas". Curitiba. Scentia et Labor; EDUCA, 1988.
(16)
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico:
existência, validade e eficácia. 3a. edição. SP: Saraiva: 2000. pág.
1-2. O autor complementa que o papel da vontade (nessa perspectiva estrutural
do negócio jurídico) não é elemento necessário para a existência do negócio
(plano da existência), tendo relevância apenas para sua validade e eficácia;
segue-se daí que, não fazendo ela parte da existência do negócio, muito menos
poderá ser elemento definidor, ou caracterizador do negócio. Obra citada, 1a.
edição, 1996, p. 12.
(17)
A única exceção ocorre quando a nulidade for causada
por objeto ilícito, caso em que o nulo, mesmo incidente sobre o trinômio
supremo, será ineficaz. Sobre o tema Marcos Bernardes de MELLO corrobora essa
ilação observando que a eficácia jurídica conferida ao ato nulo "visa
atender situações que envolvem interesses de proteção da família, da ordem
pública e da boa-fé". Teoria do fato jurídico: plano de validade, SP:
Saraiva, 1995, pág. 184.
(18)
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico:
existência, validade e eficácia. p. 74.
(19)
Registre a divergência de algumas escolas, como a de Norberto
Bobbio, as quais sustentam que toda norma jurídica é essencialmente abstrata e,
portanto, não há que falar em concreção
do suporte fático.
(20)
A expressão é de Pontes de Miranda, a qual foi seguida
por todos os seus sequazes.
(21)
OVIEDO, Carlos Garcia. Tratado de derecho social. p.
156.
(22)
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Obra citada. p. 135.
(23)
DONATO, Messias Pereira. Curso de Direito do Trabalho.
p. 120.
(24)
CHACON, G. Bayon. BOTIJA, Perez E. Manual de derecho
del trabajo. Vol. 2. p. 360.
(25)
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Ob. Citada. pág. 145.
Exemplo do que estamos a dizer é o caso de um contrato de compra e venda de
coisa móvel sem a tradição da coisa.
A exigência dessa forma (tradição) não diz respeito ao plano de validade (até
porque não se trata de forma solene prevista em lei), mas ao plano de
existência, vez que sem a entrega da coisa não existe negócio jurídico.
(26)
In Tratado de
Direito Privado. Vol. 5. p. 68.
(27)
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico.p.
67 e 68. 4a.ed. Saraiva. São Paulo. 1991.
(28)
Neste sentido assinalou pioneiramente PONTES DE MIRANDA.
In Tratado de Direito Privado. Vol.
5. p. 68.
(29)
Dentro da Teoria Geral dos Contratos, os elementos
acidentais contêm três espécies: além do termo
e da condição, há o encargo (também chamado ônus), o qual
não incide sobre os contratos de trabalho, vez que é próprio dos contratos
gratuitos. Ex: Contrato de doação com o ônus
de quitar impostos atrasados. Consigne-se a distinção entre ambos, sendo que o
termo vincula a produção de efeitos a evento futuro e certo, podendo ser aposto
para fixar o início ou o término da vigência do contrato - termo inicial e
final, respectivamente. A condição, por sua vez, fixa o início (suspensiva) e
término (resolutiva) mediante a ultimação de acontecimento futuro e incerto. O
novo Código Civil aperfeiçoando regra da LICC (Lei de Introdução ao Código
Civil), estabelece que a condição implica mera expectativa de direito, enquanto
o termo constitui-se direito adquirido. Inteligência dos artigos 125 e 131 do
novo Código Civil.
(30)
Neste caso o empregador estará sujeito à multa
administrativa e o contrato pode ser rescindido ope judice ou ope legis.
(31)
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de
direito privado. Vol. 5, p. 70.
(32)
MARTINHO, Garcez. Das
nulidades dos atos jurídicos. 3ª. edição. RJ: Renovar, 1997, p. 14.
(33)
MATTIETTO, Leonardo. Invalidade dos atos e negócios
jurídicos. In: "A
parte geral do novo Código Civil. Estudos na perspectiva civil-constitucional.
Gustavo Tepedino (coordenador). RJ: Renovar, 2002, p. 331.
(34)
Nos termos do art. 178, tanto do CC/16, quanto do NCCB,
o prazo decadencial para anulação do negócio jurídico é de quatro anos.
(35)
Salta aos olhos a confusão que faz boa parte da
doutrina, quando assevera erroneamente que o ato nulo produz efeitos ex tunc e os anuláveis ex nunc. De uma leitura atenta da
segunda parte do artigo 148, da primeira parte do artigo 152 e, principalmente,
do artigo 158 do CC, não há dúvidas: ambos emanam efeitos retroativos. Em
posição acertada citamos o eminente Silvio Rodrigues, Direito Civil, vol. 1.
nota 142. p. 298.
(36)
Se a anulação incidisse sobre contrato civil, os
efeitos seriam retroativos. Exegese do art. 182 do NCCB.
(37)
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional.
p. 120. Acerca do valor constitucional supremo do trabalho consultar Ricardo Marcelo FONSECA: "A Constituição
Federal e o Trabalho: um exercício de aproximação.", in: Direito do Trabalho: estudos. Coordenação José Affonso
Dallegrave Neto. SP: LTr, 1997, p. 50/63.
(38)
RODRIGUEZ, Américo Plá. Curso de direito do trabalho.
p. 123.
(39)
No mesmo sentido rezava o artigo 221 do CC:
"embora anulável, ou mesmo nulo,
se contraído de boa-fé por ambos os
cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos civis até o dia da sentença
anulatória".
(40)
Consoante se verificou anteriormente, eficácia é a produção (parcial ou
integral) de efeitos jurídicos próprios do negócio (desejados pelas partes),
enquanto conseqüências jurídicas são
os efeitos jurídicos impróprios resultantes de alguns casos de nulidade.
(41)
Por óbvio que, como se verá adiante, esta presunção
relativa pode ser rompida dependendo de cada caso concreto, sobretudo se
estiver presente a ilicitude criminal.
(42)
RODRIGUEZ, Américo Plá. Curso de direito do trabalho.
SP: LTr, 1982, p. 123.
(43)
GOMES, Orlando. O enriquecimento sem causa no direito
do trabalho. In: Direito do Trabalho:
estudos. p. 129. Observa-se que a locupletação, outrora mera construção
doutrinária e jurisprudencial, doravante, a partir da vigência do novo Código
Civil, art. 884, passa a integrar o sistema jurídico positivo.
(44)
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios do direito do
trabalho. p. 251.
(45)
SICHES, Luis Recaséns. Nueva filosofia de la
interpretación del derecho. p. 181. México, Ed. Porrúa, 1973. A propósito da
interpretação de Siches, consultar o ensaio de Lídia Reis de Almeida Prado, in: "Direito, Cidadania e Justiça.
Ensaios sobre Lógica, Interpretação, Teoria, Sociologia e Filosofia
Jurídicas". SP: Editora RT, 1995.
(46)
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico:
plano da validade. SP: Saraiva, 1995, p. 184.
(47)
Trata-se de regras que comportam exceções. Na esfera
civil dá-se o inverso: a regra geral é a da retroatividade dos efeitos nulos e
as exceções os efeitos ex nunc.
(48)
CABANELLAS, Guillermo. Tratado de Derecho Laboral. Tomo
II, Vol. 1. Buenos Aires: Editoria Claridad, 1988, p. 137 e 138.
(49)
SCHMIEDEL, Raquel Campani. Negócio jurídico. Nulidades
e medidas sanatórias. p. 45.
(50)
geralmente através da prescrição ou da preclusão da
parte legítima.
(51)
como por exemplo o assentimento posterior do pai ou do
tutor em relação ao menor.
(52)
PONTES de MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de
Direito Privado. Tomo XLVII. p. 492 e 493.
(53)
Idem. ibidem.
(54)
Os efeitos apresentados (unicidade contratual) não se
aplicam quando a nulidade do contrato de trabalho decorre de objeto ilícito
(penal).
(55)
Registre-se a diferença entre as figuras da conversão e da sanação. A primeira supõe o aproveitamento de negócio produzido (já
praticado) com o fim de concretizá-lo em outro. A sanação constitui ato novo que
supre deficiência do negócio nulo, tornando-o válido. Na conversão a invalidade
do negócio originalmente pactuado continua a existir, sendo somente válido o
novo negócio convertido. Na sanação há um só negócio, antes nulo, agora válido.
Segundo Pontes de Miranda, Domingues de Andrade e Marcos Bernardes de Mello, na
conversão não há ato novo, mas aproveitamento de atos que levam a novo negócio
jurídico. Na sanação, ao contrário, não há novo negócio, mas novo ato sanador
que torna válido o negócio original.
(56)
MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano
de validade.p. 212.
(57)
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Obra citada, Tomo IV.
(58)
Idem, ibidem. Quanto à conversão e à substituição insta
salientar que nem todos doutrinadores fazem esta distinção ou vêem como figuras
distintas. Para nós, conforme já mencionado, a conversão negocial é o gênero do qual são espécies: a) conversão
substancial; b) conversão formal; c) substituição legal.
(59)
MATTIETO, Leonardo. Invalidade dos atos e negócios
jurídicos. In: A parte geral do novo
código civil. Estudos na perspectiva civil-constitucional. Coordenação:
Gustavo Tepedino. RJ: Renovar, 2002, pág.343.
(60)
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de
Direito Privado. Vol. 47. p. 494.
(61)
A emenda deveria alterar também o inciso I do § 3º
do art. 227 da CF/88. A despeito deste lapso, o referido dispositivo faz
expressa menção ao art. 7º XXXIII da CF/88, tornando possível uma
exegese consentânea com a alteração dada pela Emenda 20/98.
(62)
Registre-se que, em 1991, o Congresso Nacional rejeitou
a ratificação a que foi submetida a Convenção 138 ante
sua colisão com o limite de 14 anos previsto originariamente na Constituição
Federal/88. Estribado no art. 49, I, da CF, novamente o Executivo sujeitou ao
Legislativo a ratificação do tratado. Desta vez, a Convenção 138 da OIT foi
ratificada e promulgada através do Decreto n. 4.134/02. E nem poderia ser
diferente, vez que a Emenda n. 20/98 fez desaparecer qualquer óbice
constitucional.
(63)
FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A idade mínima para
o trabalho. Proteção ou desamparo. In "Trabalho
em Revista". n. 200, Março/99. Curitiba, Editora
Decisório Trabalhista. pág. 587/588.
(64)
MENESES, Geraldo Magela e Silva. Observações sobre as
novas regras do trabalho infanto-juvenil. In
"Trabalho em Revista". n. 203, Junho/99.Curitiba, Editora Decisório Trabalhista. pág. 650.
(65)
LEITE, Júlio Cesar do Prado. Idade mínima para o
trabalho. Alteração constitucional. In: Jornal
Trabalhista 16-765/5, Brasília, CONSULEX, 21/06/99. Ademais, complementa o
jurista, "resta considerar que não é certo que a estrutura do campo
educacional de nosso país esteja preparada para recepcionar todos os menores de
16 anos".
(66)
Nesse sentido Luiz Eduardo GUNTHER e Cristina Maria
Navarro ZORNIG: A maioridade trabalhista e o novo código civil. Caderno Direito
e Justiça. Jornal "O Estado do Paraná", Domingo, 130403, pág. 04.
Também em igual sentido Edilton MEIRELES: O Novo Código Civil e o Direito do
Trabalho. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 15.
(67)
COUTINHO, Aldacy Rachid. SANTOS, Adriana Artigas. OLIVEIRA
NETO, Alberto Emiliano, COELHO, Luciano Augusto Toledo, BASTOS, Luiz Fernando Nacli.
Direito constitucional ao salário mínimo. In:
Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Vol. 2, Curitiba:
Sistema de Bibliotecas. UFPR, 2002, pág. 246. Este estudo registra decisão do
STF que, a despeito de reconhecer a inconstitucionalidade por omissão (art.
103, § 2o., CR/88), entendeu incabível a medida
liminar postulada, cabendo apenas cientificar o legislador inadimplente
para que adote as medidas legislativas necessárias à concretização do comando
constitucional. STF: Adin n. 1458-7.
(68)
Registre-se que essa ilação adveio de um debate que
tivemos com os procuradores do trabalho, da 9ª. Região, em 04/2003, máxime a
partir da proficiente intervenção do procurador Itacir Lutchemberg.
(69)
Eficácia do
contrato de acordo com a lei vigente ao tempo da contratação: Se o menor
contratado tinha idade entre 14 e 16 anos, e no momento da admissão vigia a
redação original do art. 7º, XXXIII da CF/88 (anterior, portanto, à
Emenda 20/98), infere-se que o ato
jurídico perfeito e acabado da celebração é incólume. Neste caso, o
empregado tem direito a permanecer no emprego. De forma acertada, Ricardo Tadeu
Marques da Fonseca assevera que "apesar da limitação da idade trazer em si
mesma uma proteção, esta vale apenas a partir da vigência da nova regra, posto
que é a Constituição a primeira guardiã dos direitos adquiridos e dos atos
jurídicos perfeitos" (A idade mínima para o trabalho. Proteção ou
desamparo. In: Trabalho em Revista,
n. 200, Curitiba, Decisório Trabalhista, 03/1999).Em posição oposta, Octavio
Magano, referindo-se aos menores de 16 anos com o contrato em curso, sustenta:
"à primeira vista, poderia parecer que teriam possibilidade de os manter,
à luz do princípio de que a lei nova não pode atentar contra direito adquirido.
Sucede que, em se tratando de norma de ordem pública, é de rigor a sua
aplicação imediata. E, para que (o empregador) não fique sujeito a sanções,
haverá de dispensar todos aqueles que estejam aquém da idade limite de 16 anos,
pagando-lhes as verbas rescisórias previstas em lei. Outra
alternativa será de os colocar imediatamente em regime de
aprendizagem"(Octávio Bueno Magano. Trabalho de crianças e adolescentes.
Jornal Trabalhista 16-760/3, Brasília, Consulex, 17/05/99). Ora parece-me claro
que o problema não incide sobre direito adquirido, mas do instituto do ato
jurídico perfeito. O que importa para declarar a validade do contrato de
trabalho é saber qual a lei que vigorava ao tempo da sua celebração. Se a
admissão do empregado de 14 ou 15 anos foi anterior à Emenda 20/98, o limite da
época foi observado e o contrato é válido. Inteligência do art. 5º ,
XXXVI da CF/88 e art. 6º, § 1º, da LICC. Neste sentido é
a ementa: "Lei nova não pode atingir situações jurídicas já constituídas
sob a égide da legislação anterior (art. 5º, inciso XXXVI, da CF)." (TRT -
12ª R - 1ª T - Ac. nº 009324/94 - Rel. Juiz Mendes de Oliveira - DJSC 17.02.95
- pág. 55).
(70)
Veja-se que a doutrina ao mesmo tempo
que reconhece a regra geral da irretroatividade da lei diante do ato
jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito adquirido, fixa inúmeras
exceções e critérios para aplicar tal premissa. Oportuno transcrever algumas
delas aplicáveis ao tema em discussão: - O princípio da irretroatividade obriga
tanto o legislador como o órgão judicante. Logo, o juiz não pode aplicar a nova
lei às relações jurídicas já consumadas
na vigência da norma anterior; - Os direitos adquiridos devem ceder ao
interesse da ordem pública, desde que expressas e sem que haja desequilíbrio jurídico-social; - A lei nova
concernente ao estado e capacidade das
pessoas não poderá atuar sobre casos já existentes; - As condições de
validade, as formas dos atos e os meios de prova dos atos jurídicos deverão ser
apreciados de conformidade com a lei em vigor, no tempo em que eles se realizaram; Como se vê, todos os critérios
acima transcritos favorecem a posição até aqui sustentada de que a lei nova não
retroage para prejudicar o ato jurídico perfeito da celebração contratual feita
sob a égide da lei velha.
(71)
Para a autuação da empresa, faz-se necessário que o
juízo trabalhista oficie o Ministério do Trabalho e Emprego para que adote o
procedimento de praxe, aplicando a cominação respectiva.
(72)
Autores como Pontes de Miranda, Antonio Junqueira de
Azevedo e Marcos Bernardes de Mello são unívocos em afirmar que tanto o
casamento, quanto o contrato de trabalho e demais contratos em que o interesse
público sobrepõe-se ao particular, constituem-se exceções a
regra geral e, portanto, o nulo é eficaz.
(73)
Art. 169 do CC/2002: "O negócio jurídico nulo não
é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo".
(74)
PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcante. Tratado de
Direito Privado. Vol. 04. p. 110.
(75)
Registre a posição de José Augusto Rodrigues Pinto no
sentido de que mesmo nos contratos com objeto ilícito, é possível a produção de
certos efeitos jurídicos que irão variar conforme a boa-fé e a participação (in)direta do empregado na atividade criminosa. In: Curso de Direito Individual de Trabalho,
LTr, São Paulo, 1994, pág. 201.
(76)
A boa-fé do empregado é presumida. Cabe, pois, ao
empregador provar o contrário (presunção juris
tantum).
(77)
Os destaques são nossos. Registre-se norma equivalente,
art. 158, no Código Civil de 1916.
(78)
Trata-se da MP n. 2164-41, de 24/8/01, DOU, 27/8/01,
que introduziu o art. 19-A na Lei 8036/90.
(79)
Logo, o objeto
imediato do Contrato de Trabalho é a obrigação de fazer do empregado
(trabalhar de forma subordinada) e a obrigação de dar do empregador
(remunerar). Já o conteúdo dessas prestações, v.g.: se trabalha como operário da
indústria metalúrgica ou como vendedor no comércio de roupas, constitui o
objeto mediato do Contrato de
Trabalho. (N.A.)
(80)
SANTORO-PASSARELLI, Francesco. Nozioni di Diritto del
Lavoro. p. 98.
(81)
VENOSA, Sílvio de Salvo. Teoria Geral dos Contratos. p.
68.
(82)
SANSEVERINO, Luisa Riva. Curso de direito do trabalho.
p. 164.
(83)
CABANELLAS, Guillermo. Op. citada. Tomo II, Vol. 1. p.
137 e 138.
(84)
Observe-se que o art. 390 da CLT proibe o labor da
mulher com mais de 25 quilos.
(85)
CABANELLAS, Guillermo. Idem, ibidem.
(86)
FRANCISCO, Caramuru Afonso. O enriquecimento sem causa
nos contratos. In: Contornos atuais da teoria dos contratos. Coordenação:
Carlos Alberto Bittar. p. 82e 83.
(87)
Idem. ibidem.