DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO
Como resultado do Congresso Mundial
sobre Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes,
realizado em Estocolmo, em 1998, foi apresentada uma Declaração e uma Agenda de
Ação as quais transcrevemos a seguir:
DECLARAÇÃO
Todo menino
ou menina tem direito a uma plena proteção contra todas as formas de exploração
e abuso sexual (Convenção Sobre os Direitos da Criança).
Combater o
fenômeno da exploração sexual comercial de crianças, mediante uma ação
integrada em todos os níveis: local, nacional e internacional.
Todas as
ações relacionadas com a infância devem ter como prioridade o interesse da
criança e os seus direitos, devem ser garantidos sem qualquer discriminação
(Convenção dos Direitos da Criança).
A
exploração Sexual Comercial de Crianças é uma violação fundamental dos seus
direitos.
Constitui-se
em uma forma de coerção e violência contra as crianças, que pode implicar em
trabalho forçado e formas contemporâneas de escravidão.
São vários
os fatores que contribuem para a exploração sexual comercial de crianças,
dentre os mais complexos temos as disparidades econômicas; as estruturas
sócio-econômicas injustas; a desintegração familiar; a questão da educação,
consumismo; a migração rural-urbana; a discriminação de gênero; a conduta
sexual masculina irresponsável; as práticas tradicionais nocivas e o tráfico de
crianças. Portanto, a pobreza não pode ser considerada como o único fator
determinante do fenômeno. Todos esses fatores aumentam a vulnerabilidade de
meninas e meninos, frente àqueles que buscam utilizá-los para fins de
exploração sexual comercial.
Existem
também fatores adicionais que conduzem direta ou indiretamente a exploração
sexual comercial de crianças, como: corrupção, ausência de leis ou a existência
de leis inadequadas, o descumprimento da lei e a limitada sensibilidade da
pessoa encarregada da aplicação dessas leis sobre os efeitos nocivos nas
crianças. Isso favorece a exploração sexual comercial pelas redes criminais,
por indivíduos e famílias.
A
exploração sexual de crianças é um fenômeno transversal,
atingindo todas as classes sociais e grupos na Sociedade, os quais podem
contribuir para a exploração, através da indiferença, o desconhecimento das
conseqüências nocivas sofridas pelas crianças e pelos valores que consideram
crianças como mercadorias.
A
exploração sexual comercial de crianças pode ter conseqüências graves,
inclusive mortes. Compromete: o desenvolvimento físico/psicológico/espiritual/moral
e social das crianças; favorece o aparecimento de gravidez precoce; mortalidade
materna; lesões; atraso no desenvolvimento; incapacidade física, doenças
sexualmente transmissíveis; HIV/AIDS.
É necessário uma vontade política dos Governos, medidas de
implementação mais efetivas e adequação de recursos, para se lograr a
plena eficácia das leis, políticas e programas.
A tarefa
primordial de combater a exploração sexual comercial de crianças é uma
responsabilidade do Estado e da família. A sociedade civil desempenha também um
papel essencial na prevenção e proteção das crianças, frente à exploração
sexual comercial. Por esta razão, é imperativo a construção
de uma sólida integração entre os governos, as organizações
internacionais e todos os setores sociais para o enfrentamento da exploração.
DIRETRIZES
a) - O
Congresso Mundial tem como referência a Convenção sobre os Direitos da Criança;
reitera seu compromisso em favor dos direitos da criança e convoca todos os
Estados em cooperação com as organizações nacionais e internacionais e a
sociedade civil para:
Conceder
máxima prioridade de ação contra a exploração sexual e comercial de crianças, e
designar recursos adequados para este fim;
Promover
uma sólida cooperação entre os países e todos os setores sociais para prevenir
a participação de crianças no comércio sexual e reforçar o papel da família na
proteção das crianças contra a exploração sexual e comercial;
Divulgar,
como matérias delituosas, criminosas, a exploração sexual e comercial de
crianças, assim como outras formas de exploração sexual, condenando e castigando
todos os delinqüentes envolvidos, sejam estes locais ou estrangeiros, e
garantir que as vítimas infantis dessas práticas fiquem livres de toda culpa;
Examinar e
Revisar, quando possível, a legislação, as políticas, os programas e as
práticas vigentes com o intuito de eliminar a exploração sexual e comercial de
crianças;
Aplicar a
legislação, as políticas e os programas para proteger as crianças diante da
exploração sexual e comercial e reforçar a comunicação e cooperação entre as
autoridades encarregadas da execução da lei;
Promover a
adoção, implementação e disseminação das leis, políticas e programas com o
apoio dos mecanismos pertinentes em nível local, nacional e regional, contra a
exploração sexual e comercial de crianças;
Desenvolver
e implementar planos e programas integrais, que incluam as diferenças de
gênero, para prevenir a exploração sexual e comercial de
crianças, protegendo e assistindo às vítimas infantis com o intuito de
facilitar sua recuperação e reintegração dentro da sociedade;
Criar uma
situação adequada através da educação, mobilização social e atividades de
desenvolvimento para garantir que os pais e responsáveis possam cumprir seus
direitos, obrigações e responsabilidades para proteger as crianças contra a
exploração sexual e comercial;
Mobilizar
os políticos e outros aliados importantes, as comunidades nacionais e
internacionais, englobando as organizações intergovernamentais
e as ONGs, para ajudar aos países na eliminação da
exploração sexual e comercial de crianças; e
Ressaltar a
importância do papel da participação popular, que engloba as próprias crianças,
na prevenção e eliminação sexual e comercial de crianças.
b) - O
Congresso Mundial adota a Declaração e Agenda de Ação para a proteção dos
direitos da criança, em particular a aplicação da "Convenção Sobre os
Direitos da Criança" e outros instrumentos pertinentes, com o fim de
erradicar a exploração sexual comercial de crianças em todo o mundo.
PROGRAMA DE AÇÃO
O Programa
de Ação propõe-se destacar os compromissos internacionais existentes,
identificar as prioridades para ação e ajudar na aplicação dos instrumentos
internacionais pertinentes. A respeito disso, faz um chamamento para a ação dos
países, de todos os setores sociais e das organizações nacionais, regionais e
internacionais contra a exploração sexual e comercial de crianças.
COORDENAÇÃO E COOPERAÇÃO
1- Nível
local e nacional
a) Reforçar
urgentemente medidas, estratégias integradas e intersetoriais de caráter
compreensivo, de modo que se possam estabelecer programas nacionais de ação e
indicadores de progresso para o ano 2000, com adoção de metas e prazo temporal
de aplicação, com o objetivo de reduzir o número de crianças vulneráveis à
exploração sexual comercial e de promover um retorno às atitudes e práticas
favoráveis aos direitos das crianças.
b)
Desenvolver urgentemente mecanismo(s) de implementação
e supervisão da problemática em nível local e nacional, em cooperação com a
sociedade civil, de modo que no ano 2000 possamos dispor de dados sobre as
crianças vulneráveis à exploração sexual e comercial e sobre seus exploradores,
realizando investigações significativas e concedendo uma especial atenção à
obtenção de dados separados por idade, gênero, etnia, raça, circunstâncias que
influem na exploração sexual e comercial, a respeito do sigilo das vítimas
infantis, especialmente no que se refere à exposição pública.
c) Fomentar
articulação e cooperação entre os setores governamentais e não governamentais
para o planejamento, aplicação e evolução das medidas contra a exploração
sexual e comercial de crianças, complementando com campanhas de mobilização das
famílias e das comunidades para a proteção de crianças diante da exploração
sexual e comercial e uma alocação adequada dos recursos.
2- Nível regional/internacional
d) Promover
a cooperação entre os países e as organizações internacionais, abrangendo as
organizações regionais e outras entidades catalisadoras que tenham uma função
chave na eliminação da exploração sexual e comercial de crianças, entre elas: o
Comitê sobre os Direitos da Criança, o UNICEF, a OIT, a UNESCO, o PNUD, a OMS,
a ONU/AIDS, o ACNUR, a OIM, o Banco Mundial/FMI, a INTERPOL, a Divisão de Justiça e Prevenção
do Delito das Nações Unidas, o FNUAP, a Organização Mundial do Turismo, o Alto
Comissionado dos Direitos Humanos das Nações Unidas, o Centro para os Direitos
Humanos das Nações Unidas, a Comissão sobre Direitos Humanos das Nações Unidas
e o Relator Especial sobre a Venda de Crianças e o Grupo de Trabalho sobre as
Formas Contemporâneas de Escravidão. Cada uma delas utilizará o Programa de
Ação como diretriz para suas atividades, de acordo com seus respectivos
mandatos.
e) Advogar
em favor dos direitos das crianças e garantir a disponibilidade dos recursos
necessários para a sua proteção;
f) Exigir a
aplicação da Convenção sobre os Direitos das Crianças pelos países integrantes,
compreendida a exigência de informar ao Comitê sobre os Direitos das Crianças,
levando em consideração os prazos vigentes; estimular a continuidade do
progresso dos países para a plena garantia dos direitos das crianças no âmbito
de outros órgãos, entidades e mecanismos pertinentes das Nações Unidas,
abrangendo a Comissão sobre os Direitos Humanos das Nações Unidas e o Relator
Especial sobre a Venda de Crianças.
PREVENÇÃO
a)
Proporcionar às crianças o acesso à educação como meio de melhorar sua condição
e fazer com que a educação primária seja obrigatória e gratuita para todos.
b) Melhorar
o acesso e proporcionar serviços de saúde adequados, educação, formação e um
retorno favorável às famílias e às crianças vulneráveis à exploração sexual e
comercial, assim como aos mendigos, aos sem-teto, aos refugiados, apátridas,
ilegais, aos detentos e/ou reclusos em instituições
penais.
c)
Maximizar a educação sobre os direitos da criança e incorporar, sempre que
possível, a Convenção sobre os Direitos das Crianças à educação formal para
todas as comunidades.
d) Iniciar
campanhas de informação e comunicação com conteúdos de gênero, com a finalidade
de aumentar a compreensão pública e educar os funcionários do governo sobre os
direitos da criança, a ilegalidade e os efeitos nocivos da exploração sexual e comercial de crianças, promovendo atitudes e
comportamentos sexuais responsáveis, de acordo com o desenvolvimento, a
dignidade e a auto-estima das crianças.
e) Promover
os direitos da criança na educação familiar, na ajuda para o desenvolvimento da
família, incluindo a igualdade de responsabilidades de ambos os progenitores
sobre seus filhos, com a intervenção especial para prevenir a violência sexual
contra as crianças.
f)
Identificar ou estabelecer redes de programas e supervisão para educação em
grupo com a finalidade de combater a exploração sexual e comercial de crianças.
g) Formular
ou reforçar e implementar políticas econômicas e sociais com conteúdo de
gênero, em nível nacional, para ajudar as crianças vulneráveis à da exploração
sexual e comercial, as famílias e as comunidades, no enfrentamento dos atos que
conduzem a esta exploração, com atenção especial aos abusos dentro da família,
às práticas tradicionais nocivas e seus efeitos sobre as meninas. Promover a
valorização das crianças como seres humanos e não como mercadorias, assim como
reduzir a pobreza mediante a promoção de empregos remunerados, a geração de
receitas e outras medidas de apoio.
h)
Desenvolver ou reforçar, implementar e difundir medidas legais, políticas e
programas pertinentes para prevenir a exploração sexual e
comercial das crianças, utilizando como diretriz a Convenção sobre os
Direitos da Criança.
i) Examinar
a legislação, as políticas, os programas e as práticas que conduzem ou
facilitam a exploração sexual e comercial de crianças e adotar reformas
efetivas.
j)
Mobilizar o setor de negócios, que compreende a indústria turística, contra o
uso de sua rede de estabelecimentos para a exploração sexual de crianças.
k)
Estimular os profissionais dos meios de comunicação para que desenvolvam
estratégias que reforcem o papel dos meios com a provisão de informações da
mais alta qualidade, fidelidade e normas éticas em relação a todos os aspectos
da exploração sexual e comercial das crianças.
l)
Focalizar campanhas e programas informativos, educativos e de alcance sobre as
pessoas envolvidas na exploração sexual e comercial das crianças com a
finalidade de promover mudanças nos comportamentos para enfrentar estas
práticas.
PROTEÇÃO
a)
Desenvolver, reforçar e aplicar medidas legais, políticas e programas para
proteger as crianças e proibir a exploração sexual e
comercial de crianças, levando-se em conta que a diversidade de perpetradores,
as diferenças de idade e as circunstâncias das vítimas exigem medidas legais e
programáticas distintas.
b)
Desenvolver ou reforçar e aplicar medidas legais nacionais para estabelecer a
responsabilidade criminal dos provedores de serviços, clientes e intermediários
na prostituição, tráfico e pornografia infantil, compreendendo a posse de
material pornográfico infantil e outras atividades sexuais ilegais.
c)
Desenvolver ou reforçar e aplicar medidas legais, políticas e programas
nacionais para proteger as vítimas infantis da exploração sexual e comercial
diante da eventualidade de que sejam castigadas como criminosas e garantir que
estas tenham pleno acesso a pessoas e serviços de apoio em todos os setores,
particularmente no âmbito legal, social e sanitário.
d) No caso
do turismo sexual, desenvolver ou reforçar e aplicar medidas legais para
considerar como delito os atos cometidos por pessoas naturais dos países de
origem contra as crianças dos países de destino ("leis penais
extraterritoriais"); promover a extradição e outros convênios legais para
garantir que uma pessoa que explora uma criança com finalidade sexual em outro
país (país de destino) seja processada tanto no seu país de origem como no país
de destino; reforçar as medidas legais e sua aplicação, abrangendo a
confiscação e o embargo de todos os bens e benefícios e outras sanções contra
os que cometerem delitos sexuais contra crianças nos países de destino e
compartilhar dados significativos.
e) No caso
do tráfico de crianças, desenvolver e aplicar medidas legais, políticas e
programas nacionais para proteger as crianças do tráfico ilegal dentro ou
através das fronteiras nacionais e castigar os traficantes; em situações de
fronteiras, tratar as crianças afetadas de forma humana, de acordo com as leis
de imigração nacionais, e estabelecer convênios de readmissão para garantir um
retorno seguro aos seus países de origem com acompanhamento dos serviços de
apoio e compartilhar dados significativos.
f)
Identificar, reforçar ou estabelecer redes entre as autoridades encarregadas da
aplicação da lei em nível nacional e internacional, abrangendo a INTERPOL e a
sociedade civil para a execução de um trabalho de vigilância contra a
exploração sexual e comercial de crianças; estabelecer unidades especiais entre
o pessoal encarregado da aplicação da lei, com recursos adequados e serviços
favoráveis às crianças, para diminuir a exploração sexual e comercial das
crianças; nomear oficiais para garantir os direitos da criança nas
investigações policiais e nos processos judiciais e para o intercâmbio de
informações chaves; formar o pessoal encarregado da aplicação da lei sobre o
desenvolvimento e os direitos da criança, em particular a Convenção sobre o Direitos da Criança, outras normas de direitos humanos e
medidas legislativas nacionais pertinentes.
g)
Identificar e estimular o estabelecimento de redes nacionais e internacionais e
a interligação entre membros da sociedade civil para proteger as crianças da
exploração sexual e comercial; fomentar a ação e a interação entre as
comunidades, famílias, organizações não governamentais e o setor de negócios,
abrangendo as agências turísticas, a Organização Mundial do Turismo,
empresários, sindicatos, a indústria eletrônica e de informática, os meios de
comunicação, as associações profissionais, os provedores de serviços de
vigilância e informar os casos presumidamente delituosos às autoridades,
adotando códigos éticos voluntários de conduta.
h) Criar
abrigos seguros para as crianças que escapam da exploração sexual e comercial e
proteger os que prestam ajuda às vítimas infantis da exploração sexual e sofrem
intimidações e ameaças.
RECUPERAÇÃO E REINTEGRAÇÃO
a) Adotar
um enfoque não punitivo para as vítimas infantis da exploração sexual e
comercial em consonância com os direitos da criança, tendo especial cuidado
para que os processos judiciais não agravem o trauma vivenciado pela criança e
para que a resposta do sistema esteja acompanhada de medidas de assistência
legal, quando necessário, e judiciais para as vítimas infantis.
b)
Proporcionar acompanhamento médico-psicológico, social
e de outras medidas de apoio às vítimas infantis da exploração sexual e
comercial, assim como às suas famílias, dando especial atenção àquelas
portadoras de doenças sexualmente transmissíveis, inclusive AIDS, com a
finalidade de promover a auto-estima, a dignidade e os direitos das crianças.
c) Investir
na formação do corpo médico com um enfoque de gênero, professores, assistentes
sociais, organizações não governamentais e outras personalidades que trabalham
para ajudar as vítimas infantis da exploração sexual e comercial e no
desenvolvimento infantil e direitos das crianças,
utilizando como direttrizes a "Convenção sobre
os Direitos da Criança" e outras normas de direitos humanos pertinentes.
d) Tomar
medidas efetivas para prevenir e eliminar o preconceito social das vítimas
infantis e de seus filhos; facilitar a recuperação e a reintegração das vítimas
infantis em suas comunidades e famílias quando a institucionalização da criança
for necessária, garantir que esta se mantenha durante o menor tempo possível,
de acordo com o interesse da própria criança.
e) Promover
meios alternativos de vida com serviços de apoio adequado para a vítimas infantis e suas famílias, com a finalidade de
prevenir a volta à exploração sexual.
f)Adotar
não somente sanções legais contra os praticantes de crimes sexuais contra as
crianças, mas também medidas psicológicas e médico sociais
para produzir mudanças de comportamento nos criminosos.
Participação
das crianças
a) Promover
a participação de crianças, abrangendo as vítimas infantis, os jovens, suas
famílias, companheiros de grupos e outras pessoas que possam ser assistentes
potenciais de crianças, expressando seus pontos de vistas e tomando medidas
para prevenir e proteger as crianças da exploração sexual e comercial, ajudando
as vítimas infantis em sua reintegração à sociedade.
b)
Identificar ou estabelecer e apoiar redes de crianças e jovens como defensores
dos direitos da criança; incluir as crianças, de acordo com a evolução de sua
capacidade, no desenvolvimento e aplicação de programas governamentais e não
governamentais que estejam envolvidos com a questão."