APONTAMENTOS LEGAIS A RESPEITO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL [*] [1]

 

 

Eduardo Silveira Netto Nunes[2]
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

 

 

Ter uma noção, ainda que em termos bastante genéricos e reconhecidamente limitados, do caminhar da legislação brasileira referente à criança e ao adolescente, se apresenta como importante ao mesmo, pois permite estabelecer relações de como a legislação abordava, e de como ela aborda e serve, sobretudo, como fator de acúmulo cultural[3] para uma leitura mais ampliada de estudos que tenham como objeto a intervenção jurídica sobre a infância.

 

A abordagem se limitará a descrever, com breves análises[4],  as principais normas jurídicas que nortearam a intervenção sobre crianças e adolescentes ao longo da história brasileira.  Deve-se frisar que, antes de qualquer coisa, o caráter abstrato, e de certo modo formal, a que se cingirá tal descrição, se justifica porque este trabalho tem cunho jurídico, bem como o objeto principal do estudo não é a história da legislação relativo à crianças e à adolescentes.  Desta forma, não se tem a pretensão de contar ou reconstruir a história, tampouco de produzir conhecimento histórico, embora se reconheça o quão instigante, importante  e interessante seria desenvolver estudos e pesquisas históricas[5] sobre a temática dos marginalizados da historiografia, linha de pesquisa que começa a ganhar espaço principalmente com a temática das mulheres.

 

Assim, busca-se estabelecer de certa forma os limites dessa abordagem “histórica”, muito mais para não criar falsas esperanças e  expectativas sobre a mesma, e, paralelamente, para não desviar a finalidade do presente trabalho, que, mais uma vez, é necessário dizer, não busca escrever ou reconstruir uma história da legislação relativo a criança e adolescentes, mas sim permitir um certo acúmulo cultural de cunho introdutório ao assunto da intervenção jurídica à infância.

 

Estabelecidos estes limites, se faz relevante descrever um pouco melhor como se dará essa exposição, relativo ao “desenvolvimento” da legislação.

 

A descrição-análise será realizada a partir da divisão das épocas e de marcos legais ou então de condutas de intervenção estatal sobre a infância, tendo presente a seguinte distinção: de um lado, buscando ressaltar a política geral em torno da infância, e de outro lado, ressaltando as características de intervenção judicial em indivíduos que cometessem “infração penal”,  tentando inter-relacionar ambas.  Nesse sentido, se adota a divisão[6] genérica, tendo como primeiro período, o filantrópico, como segundo, o filantrópico-higienista, como terceiro, o assistencial, como quarto, o institucional pós-64, e como quinto, o período de desinstitucionalização.  Quanto à divisão referente aos “infratores penais”, se adota a seguinte divisão[7]: primeiro  período, o Direito Penal do Menor; segundo período, a Doutrina da Situação Irregular;  terceiro período, a Doutrina da Proteção Integral.

 

Passa-se à descrição-análise de cada um desses períodos.

 

1.1 Período filantrópico

 

O período filantrópico pode ser, grosso modo, delineado pelo espaço temporal que permeia o início do processo de colonização, com a formação dos primeiros núcleos urbanos – se é que assim pode-se chamar – ,  principalmente em fins do século XVI e meados do século XVII (tendo início institucional mais presente nas primeiras décadas do século XVIII[8]), até a fase de transição do Império, mas principalmente da organização da República brasileira.

 

As características fundamentais dessa fase dizem respeito a quase completa ausência do aparelho Estatal no atendimento à infância, principalmente no que diz respeito aos menores[9], sobre os quais, ou recaía a benemerência privada através de Casas de Misericórdia, Roda dos Expostos, ou então eles ficavam a própria sorte, tendo o Estado, colaborado no máximo financeiramente com tais empresas.

 

Ao Estado, entretanto, cabia a função de contenção e repressão da criminalidade, e, justamente nesse espectro, os menores “infratores” da lei penal recebiam atenção por parte daquele. Observa-se que o tratamento jurídico dispensado aos menores “infratores” era semelhante, para não dizer igual, ao “oferecido” aos adultos.

 

A diferença de tratamento que os menores recebiam dizia respeito substancialmente a uma espécie de atenuante de menoridade, porém sofriam as duras penas da lei.  Necessário se faz referenciar que o Direito Penal era (formalmente) regulado em primeiro momento pelas Ordenações Afonsinas, seguida das Manuelinas, chegando até as Filipinas, estas com vigência a partir de 1643[10], e nestas, segundo LEAL[11], foi adotada uma certa diferenciação entre os menores de 17 a 20 anos em relação aos adultos, e os menores de 17 anos em relação à faixa de 17 a 20 anos. Entretanto, o que se percebe é que ao juiz era atribuída uma discricionariedade absoluta na hora de aplicar penas aos menores.

 

Essa situação perdurou inclusive posteriormente à independência do Brasil em 1822, bem como à edição da Constituição do Império de 1824, que na verdade nada de novo dispôs sobre a questão dos menores carentes ou abandonados, talvez porque tal assunto ainda não despertasse como problema para a elite de antanho, devendo ao máximo ter considerações esparsas em legislação abundante.

 

Ao contrário dos menores em tenra idade, os mais crescidos, relativamente àqueles que cometiam infrações penais ou perturbavam a “ordem”, despertavam a atenção da classe dirigente, que “diligentemente”, quando da reformulação das normas penais que teve “início” com um projeto de código criminal apresentado em 04 de maio de 1827, por Bernardo Pereira Vasconcelos, à Câmara dos Deputados, souberam estabelecer diretrizes que buscavam controlar esses elementos de tensão social.

 

Contudo, o Código Criminal do Império pode ser considerado, para a sua época, como avançado e de acordo com os ideários iluministas, tendo,, segundo TOLEDO[12], em função de seu caráter “progressista”, recebido críticas, sendo-lhe atribuído também a culpa pelo aumento da criminalidade que na ocasião ocorria.

 

O primeiro argumento tem a sua razão e, embora no referente aos menores se buscasse com o código formas de controle sobre os “infratores”, ele trouxe certas inovações e pelo menos formalmente “amenizou” um pouco a condição desses menores.

 

As novidades, quanto aos menores, ficaram por conta da previsão da atenuante de menoridade, para os menores em geral, a partir dos 14 anos;  para aqueles com idade inferior a 14 anos, se estipulou de maneira precisa a Teoria do discernimento[13], pela qual, obrando com discernimento, ou seja, tendo consciência do ato “criminoso”, da gravidade, da ilegalidade, da imoralidade, da anti-eticidade, da lesividade do mesmo, o menor poderia ser recolhido à Casa de Correção pelo tempo que o Juiz fixasse, desde que não excedesse 17 anos de idade.

 

Visualiza-se, obviamente, que ao Juiz era conferido um poder bastante grande de arbítrio, vez que tinha a competência para verificar essa condição de discernimento.

 

Contudo, ainda assim, não se pode negar os méritos (ainda que meramente formais), para o contexto no qual o mesmo estava inserido, dessa legislação que estabeleceu a idade penal (em termos gerais) de 14 anos, e a previsão do recolhimento de certos menores à Casas de Correção[14].

 

Nesse período, destacam-se de maneira bastante clara as duas faces de intervenção-benemerência sobre a infância. De um lado, o Estado repressor, do outro, entidades beneméritas provendo caridade aos abandonados, órfãos e desvalidos.

 

Mais adiante[15], como eventos “importantes”, temos em 1871 a promulgação da Lei do Ventre Livre[16], estabelecendo que seriam livres os filhos de mulher escrava nascidos após a lei, ficando entretanto em poder dos senhores de suas mães até os oito anos de idade. Após essa idade limite, os senhores podiam optar em receber do Estado uma indenização ou utilizar os serviços do menor até completar 21 anos.[17]

 

Acredita-se que essa lei veio trazer um certo impacto social[18], embora de não extensas proporções[19], mas de qualquer modo prepara terreno ou sinaliza a agonia do sistema escravista, fato este comprovado formalmente com a edição da Lei Áurea[20].

 

Esta, como é sabido, veio declarar o fim da escravidão legal, não sendo mais o negro escravo nem considerado propriedade, embora não se possa jamais esquecer que o mesmo saiu de um regime de exploração cruel para entrar em outro, como submisso, como mão de obra, como força de trabalho que não detinha de maneira alguma os meios de produção.  Enfim, de escravo passou a marginalizado.

 

A Lei Áurea representou o enfraquecimento da supremacia dos interesses escravistas, aliado a inúmeros outro fatores que não cabem ser discutidos no momento, mas que de qualquer sorte contribuíram para a queda do Império e conseqüente Proclamação da República em 1889.

 

Com esse evento, emergem ao poder outros núcleos de interesses que promoveram um arranjo institucional da “nova ordem” e, juntamente com isso, a abordagem referente aos menores passa a sofrer e repercutir transformações, sendo esse novo período chamado de filantrópico-higienista.

 

1.2 Período filantrópico-higienista

 

Esse período está circunscrito  temporalmente[21] no último quarto do século XIX (em fins da década de 1870, início da década de 1880) até o ano de 1924, tendo como características genéricas a introdução das idéias higienistas-eugênicas[22], um recrudescimento aos menores infratores ou “perigosos” à ordem, mantendo-se os caracteres de quase monopólio de entidades privadas no atendimento a menores abandonados, órfãos ou desvalidos, fomentando-se o início da participação do Estado nesse campo.

 

Precisa ser levadas em conta as modificações institucionais por que passava o país, tal como a Proclamação da República, a Constituição de 1891 e, antes dela, o Código Penal Republicano de 1890.

 

Porém, antes da análise dessas questões, far-se-á referência ao processo de introdução das idéias higienistas.

 

Estabelece-se aqui, como ponto de partida, as primeiras manifestações higienistas por volta de meados da década de 1850, quando, segundo RIZZINI[23], se percebia o problema que residia nos altos índices de mortalidade infantil dos expostos à Roda, beirando a marca de 70% de mortes. Ao lado disso, o contexto social dos pobres, segundo CHALHOUB[24], era visto como perigoso, pois esses eram fonte de transmissão muito facilitada de doenças.

 

Dentro desse panorama, então, o Estado esboçou preocupações e iniciou incursões de caráter terapêutico-preventivo[25].

 

Registra-se, também nessa época, a incursão do Estado em atividades de assistência direta a menores abandonados e desvalidos, através da criação de instituições como o Asilo de Meninos Desvalidos (1875)[26], e mais adiante, através da Escola XV de Novembro(1898)[27], começando então de maneira incipiente e paralelamente às iniciativas filantrópicas e benemerentes da iniciativa privada, que também se ampliavam[28], a participação/intervenção do aparato oficial sobre menores carentes.

 

É necessário registrar que, por essa época, começa a ser difundida – e mais, percebida – uma nova questão relativa à infância pobre ou abandonada, que causou inquietações nas elites, qual seja o problema do menor, e repercutiu de maneira a serem efetivadas medidas de repressão sobre os mesmos, sendo por outro lado, os menores pobres objeto de atenção pelo potencial nocivo que porventura poderiam vir a se tornar quando um pouco mais crescidos.

 

Como falado anteriormente, o país “transigia” para uma “nova ordem”, a partir da Proclamação da República (1889), com uma nova Constituição (1891) e, no campo do controle social, um “novo” Código Penal (1890).

 

Essa é outra faceta das preocupações estatais no tema afeto à infância que, nas novas disposições do Código Penal, buscou responder repressivamente ao problema do menor.  O código redefiniu critérios de incriminação de menores, como se passa a descrever.

 

Um primeiro “avanço” (formal) foi a definição precisa da idade mínima de responsabilidade penal[29] ,tendo sido fixada em 09 anos e, a partir dessa idade até os 14 anos, estabeleceu-se o critério do discernimento como verificador e atribuidor de responsabilidade.  Para os maiores de 14, manteve-se as disposições do Código de 1830, submetendo os culpados à Casa de Correção.

 

Nesse período, articula-se também a criação de inúmeras instituições com o caráter de “contenção” dos menores “problemáticos”, ao lado de textos normativos no mesmo sentido, buscando também ampliar o espectro de menores passíveis de sofrerem intervenção do Estado.  Segundo informações transmitidas por RIZZINI[30], “a infância como um ‘magno-problema’ era uma realidade.  A partir daí, a ênfase passou a ser dada a uma legislação que abarcasse o problema como um todo: a infância pobre e desassistida (‘moralmente abandonada’) e a delinqüente.  Em síntese – a criança abandonada e a criança delinqüente.”

 

Essas formas de intervenção transitam em caráter de benemerência-assistência/contenção-repressão e servem de pedra basilar do modelo que cada vez mais vinha se fortificando e que estará expresso no Código de Menores de 1927.

 

Apenas a título de informação, projetos de Código de Menores tramitavam na Câmara dos Deputados pelo menos a partir de 1906. Mas o marco referencial do fim do período Filantrópico-Higienista é a criação do primeiro Juizado de Menores do Brasil[31] em 1924.

 

Paralelamente a isso, à época da Proclamação da República, com a posterior aprovação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que serviu como símbolo do momento que se iniciava[32], ficou evidenciado que, embora já fosse sentido que os menores causavam certo “desconforto” à elite social, não “mereciam” ainda uma atenção mais efetiva do Estado, cabendo apenas poucas referências[33] à temática da infância (genérica e “normal”). Quanto à temática dos menores, não é abordada nem direta nem indiretamente.

 

Embora com essa “desatenção” formal, o período marca, de um lado, o início da participação estatal de maneira não só repressiva mas também caritativa-assistencial, embora ambas estejam circunscritas num critério maior de defesa social que norteava a atuação, e, de outro, a expansão da atuação filantrópica-benemerente, que a partir de agora tem que dividir suas atribuições com o Poder Público, possibilitando daí um “diálogo” provavelmente muito profícuo e interessantíssimo, do ponto de vista temático para uma pesquisa de cunho acadêmico.

 

Justamente aí estão estabelecidos os parâmetros do período que dá seqüência.

 

1.3 Período assistencial

 

É o período caracterizado pelo reconhecimento da necessidade da participação do Estado nos destinos de vida dos menores. Conjuntamente com isso, há uma efetiva intervenção em nome do controle e da defesa social. Está compreendido entre as primeiras décadas do século XX (1910/1920) e o golpe militar de 1964, tendo como marco simbólico a criação do primeiro Juizado de Menores em 1924, passando pelo promulgação do Código de Menores de 1927, pela criação do Departamento Nacional da Criança em 1940, por reformulações na esfera penal quanto à idade de responsabilidade e pela criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) em 1941.

 

No plano conjuntural[34] em que se desenvolve esse período, o país passou por uma Revolução (Revolução de 1930), por três Constituições (1934, 1937, 1946), por um golpe de Estado (Estado Novo), pela Redemocratização (1945), além de um crescimento populacional e urbanização mais efetiva, o populismo e a idéia do fortalecimento do papel do Estado-Nação, com a tentativa de fazer o Estado chegar e ocupar o espaço de controle e gerenciamento social.

 

A partir desse momento, ao contrário do que vinha se fazendo anteriormente, dividindo[35] de certa forma a atuação do Estado entre a área penal e assistencial, com prevalência incontestável da primeira sobre a segunda, a conduta será norteada por diretrizes inter-relacionadas, partindo de pressupostos “coesos”, dirigidos a finalidades comuns — é a gestação da Doutrina da Situação Irregular (mas a Doutrina Penal do Menor se manifesta fortemente até a promulgação do Código Penal de 1940). Ainda que se perceba que essa “unidade” de conduta não seja tão precisa quanto a que se faz aqui, ela existiu num critério, o da legitimação da intervenção sobre o menor. Ou seja, o motivo da intervenção, embora diverso (abandonado, violentado, órfão, desassistido, autor de ato considerado crime), poderia receber tratamento semelhante ou igual.

 

Como já dito acima, o marco desse novo período é a criação do primeiro Juizado de Menores, no Rio de Janeiro, em 1924[36], que vem no bojo de  um movimento de nível internacional, onde busca-se encontrar soluções para o “problema do menor”, bem como “modernizar” e humanizar a intervenção sobre menores infratores e também sobre os desvalidos, e que acreditava na necessidade de um Tribunal especializado e em medidas diversas das penais, para serem aplicadas aos menores, com o cunho de recuperação ou profilaxia de cunho “educacional”[37].

 

Posteriormente a isso, em 1927, dá-se a Consolidação das Leis de Assistência e Proteção a Menores, através do Código de Menores[38], que representou um passo importante e “avançado” para a época, no sentido de se perceber minimamente que o aparelho estatal tinha, sim, suas responsabilidades frente ao problema do menor e ao menor-problema, havendo então assumido no atendimento dessas responsabilidades posturas anteriormente citadas.

 

Essa peça jurídica veio dar um papel preponderante à figura do Juiz, este detendo poderes bastante grandes não só na esfera da “responsabilização” por atos infracionais, mas também, e principalmente, na intervenção sobre outras esferas de menores (órfãos, abandonados, desvalidos, vagabundos)[39].

 

Um ponto importante dessa lei foi a “despenalização” das condutas “infracionais” dos menores de 18 anos, estabelecendo para esses um rito processual especial, não podendo mais serem submetidos ao processo penal, a partir desse momento exclusivo para adultos. Para os menores de 14 anos, criou um rito de “informações sumárias”, despenalizando suas condutas, podendo entretanto sofrer medidas de internação em Escola de Reforma, ou ainda,  através dos pais, buscar uma forma de “contenção” do menor. Para os maiores de 14 anos e menores de 18 anos, era aplicada pena de internação em Escola de Reforma ou em Escola de Preservação, pelo período de 1 a 5 anos. Caso fossem pervertidos, abandonados ou em perigo de o ser, a internação durava entre 3 e 7 anos (art.69).  Havia ainda uma subdivisão desse grupo, sendo que entre 16 e 18 anos a medida era aplicada até que se verificasse a regeneração, podendo ir para estabelecimento de menores.  Na falta deste, poderia ir para estabelecimento de adultos, desde que com a separação dos mesmos (art.71).  Já os maiores de 18 até os 21 anos eram submetidos ao processo penal como um adulto, recebendo no entanto a atenuante de menoridade (art.76). Os condenados deviam cumprir a pena completamente separados dos adultos (no mesmo estabelecimento penitenciário, mas com a devida separação, conforme art.77)[40].

 

Destaca-se também, na parte relativa aos infratores, que se abandona[41] o critério do discernimento como elemento definidor da capacidade de sofrer responsabilização pelo cometimento de fato típico penal, havendo estipulação precisa sobre a idade mínima para a imputação de infração.

 

Imerso nessas “inovações”, o artigo 87 diz que os menores deveriam ser submetidos ao regime adequado, segundo o que a própria lei preconizava, qual seja: disciplinar e  educativo, em detrimento do penitenciário.

 

No aspecto “assistencial”, o Estado resolveu atuar diretamente, sem prescindir da participação privada (filantrópica, benemerente, caridosa), bem como controlar, disciplinando e regulamentando de maneira incipiente essas e, também, a vida social da infância em geral (através de portarias vedando que menores freqüentassem bares ou assistissem a peças de teatro impróprias, por exemplo). Ressalte-se que ao juiz atribuía-se a competência para decidir quando e qual medida de intervenção deveria ser tomada, de maneira absolutamente discricionária, para não dizer arbitrária[42].

 

Como segmento à intenção “assistencial” e disciplinadora, decorre a criação do Departamento Nacional da Criança[43], responsável pela “coordenação de todas as atividades nacionais relativas à proteção à maternidade, à infância e à adolescência (art. 5º) e a posterior criação[44] do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), que tinha por função ser uma espécie de órgão executor/gerencial da política de assistência afeta a menores desvalidos e delinqüentes. Esse último é tido como uma das referências destacadas e visíveis, em fins dos anos 50, início dos anos 60, do fracasso do modelo assistencial tal como era desenvolvido, dando inclusive ensejo à criação do novo modelo, o Institucional (pós-1964), fundado na FUNABEM[45] e na PNBEM.

 

Necessário se faz fazer remissões às transformações promovidas na esfera penal com repercussões diretas no “Direito do Menor”.

 

Primeiramente, com o estabelecimento da responsabilidade penal aos 18 anos, através do Código Penal[46] (art.23), cria-se uma espécie de “crise” (e também uma lacuna) normativa, pois, ainda que o menor sofresse um rito processual que não o penal, se considerava ele imerso e submetido ao Direito Penal do Menor. A partir de agora eles “necessitavam” de uma legislação específica que disciplinasse essa nova relação.

 

Com a edição da Lei de Introdução ao Código Penal[47], essa situação formal é “amenizada”[48] , pois a mesma traça algumas diretrizes (art. 7º), como ao determinar a internação do menor infrator em seção especial de Escola de Reforma, com a duração de no mínimo 3 anos.  Aliado a isso, a lei não prevê limite na duração da medida, sendo configurada tal como uma Medida de Segurança. Sabendo-se que esse instituto é dos mais arbitrários dentro do Direito, pois o critério de sua suspensão é a crença, ou o “convencimento” do Juiz (o todo poderoso), de que os motivos de tal medida cessaram.

 

Posteriormente, o assunto foi amplamente regulamentado[49], havendo entretanto repetido — a Lei de Introdução ao Código Penal — e  “regredido” em diversos pontos, tais como o estabelecimento do critério da periculosidade[50] como balizador da medida a ser aplicada e, também, da extensão da duração da medida. Ressalte-se que não era exigido defesa técnica no procedimento de confirmação ou não da ocorrência da infração.

 

Uma coisa que não se deve perder de vista é que, mesmo sendo comprovado que o menor não era infrator, podia o Juiz aplicar-lhe uma medida de assistência ou proteção, podendo repercutir essa inclusive em forma de internação do menor em estabelecimento semelhante ao dos infratores. Razão pela qual não se deve ter como ponto cético essa questão do procedimento da verificação de infração, pois o que ela podia fazer efetivamente é legitimar a intervenção do Estado sobre o infrator e, de outro lado, obscurecer essa mesma intervenção aos não infratores. Assim, o Direito Penal do Menor cede lugar à Doutrina da Situação Irregular (que, se por um lado busca proteger/assistir-reprimindo a pobreza, por outro reprime-protegendo/assistindo os infratores), pelo menos era essa a crítica.

 

Com isso, mais ou menos se esboça o fim do Direito Penal do Menor, para a supremacia cada vez maior da Doutrina da Situação Irregular, pois nesta, tanto os infratores quanto os menores carentes são jogados como objetivos da atuação estatal. Uma vez que no Direito Penal estabelece-se uma lógica, uma finalidade através da qual os procedimentos têm como escopo essa finalidade maior, embora possa haver objeções sobre essa no campo da circulação das idéias, mas no que tange à lei, explicita claramente dizendo  ser a recuperação através da pena com caráter sancionatório e preventivo (defesa social).  Nessa medida, poder-se-ia dizer que o “Direito Penal do Menor” destaca-se do Direito Penal comum e perde as suas características de um Direito Penal, mesclando-se agora com procedimentos e formas de intervenção, partindo de outra lógica que não aquela que exclusivamente povoa a mente (estrutura) e a legislação penalista, assumindo também funções diversas e até mesmas estranhas ao Direito Penal.

 

Para sintetizar de maneira bastante clara esse período, cite-se VERONESE[51]:

 

“O Código de Menores veio alterar e substituir concepções obsoletas como as de discernimento, culpabilidade, penalidade, responsabilidade, pátrio poder, passando a assumir a assistência ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.

[...]...O Código de Menores institucionalizou o dever do Estado em assistir aos menores que, em face do estado de carência de suas famílias, tornavam-se dependentes da ajuda ou mesmo da proteção pública...

A tônica predominante desta legislação menorista era corretiva, isto é, fazia-se necessário educar, disciplinar, física, moral e civicamente as crianças oriundas de famílias desajustadas ou da orfandade.

 

Desse modo, estão traçados os princípios básicos que nortearam a intervenção estatal sobre a infância, que se dará de maneira expressiva com uma política de internações fundadas na Situação Irregular no novo período.

 

Finalizando, não se pode deixar de fazer referência, no que tange à normativa internacional, a dois instrumentos aprovados no intermeio deste período, que tiveram particular importância para o desencadear do futuro da visão sobre a criança e o adolescente. Fala-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e da Declaração dos Direitos da Criança(1959)[52].

 

1.4 Período institucional pós-64

 

O período que se inicia, talvez seja o de melhor demarcação temporal, uma vez que o grande marco, o Golpe de 1964, é também um referencial na História Contemporânea[53] do Brasil, e o seu final se dá justamente com o processo de redemocratização (década de 1980).

 

É uma fase em que se instrumentaliza de fato a intervenção pública sobre os menores (em situação irregular), através de uma política nacional articulada de institucionalização, a partir da PNBEM (1964), aplicada pela FUNABEM (1964), através das FEBEM, em que se consolida a Doutrina da Situação Irregular, tendo como grande espelho a edição do Código de Menores (1979).  Nesse ínterim, o problema do menor, anteriormente relatado,  ganha realmente a dimensão de ser percebido como um real problema, em que se dá então as respostas acima citadas.

 

Ao cabo, porém, o próprio sistema (Regime Militar) entra em crise e com ele é posto em cheque a política dirigida aos menores em situação irregular, que culmina então com o seu esgotamento e o engendramento da Doutrina da Proteção Integral.

 

Deve ter-se em mente o núcleo das idéias que “justificaram” o movimento golpista de 1964.  Primeiramente, os militares concebiam, como um papel seu, levar o país para o caminho do “progresso”. Seguindo isso, havia toda uma conjuntura internacional (os dois grandes blocos) em que o país ou se alinhava com os Estados Unidos, ou com a União das Repúblicas Soviéticas. E, no caso do Brasil, existia toda uma série de acontecimentos históricos de se fazer do “perigo vermelho” (comunista) o braço de justificação/legitimação da quebra “necessária” da “desordem” para se estabelecer a “ordem” (e o “progresso”).  Desta forma, a Doutrina da Segurança Nacional (formulada pela Escola Superior de Guerra)[54], sintetizava de maneira clara o papel que competia ao Estado, ou melhor, aos militares, através do Estado, qual seja, os de “verdadeiros” salvadores da pátria.

 

Com essa noção, é possível agora passarmos à descrição-análise do que foi feito (em termos formais/legais) para enquadrar os menores dentro de tal conjunto de idéias.

 

Nessa direção é que é editada a lei que cria a FUNABEM[55] e estabelece as diretrizes nacionais de ação do Estado através da PNBEM.  É atribuída à primeira a competência de “formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor”(art.5º).  No que diz respeito à segunda[56], destaca-se o caráter de busca de colocação do menor em lares substitutos (art. 6º, inc. I) , bem como a incrementação de instituições para menores que simulem a vida familiar, essas com características de instituições totais, tentando simular a vida real a partir da artificialidade intervencional do Estado e de suas instituições.

 

No que diz respeito particularmente ao tipo “total” da internação e às conseqüências dessa forma de atuação, SILVA[57] qualifica de maneira referencial o, se é que assim se pode chamar, “produto” dessas internações como: os Filhos do Governo.

 

Justamente porque, ao se almejar simular uma vida familiar que não existia, juntamente com características de disciplina e repressão, os internados eram levados a perder completamente os vínculos familiares de origem, e sob o título de sentença de abandono, se condenava o menor a “apagar” de sua história o inapagável, a sua memória, e introjetava-se uma nova figura, um novo pai, sem cara, sem endereço, sem personalidade humana: o Governo, o Estado.

 

Mas a Lei que instituiu a FUNABEM não é tão clara e precisa quanto o decreto[58] que a regulamentou e aprovou o seu Estatuto. Este, em linhas gerais, repete a Lei n.º 4.513/64, mas a explicita de maneira esclarecedora, principalmente no que tange ao objeto principal de “atenção”/intervenção, no seu artigo 4º, Parágrafo Único, que diz:

 

“Na consecução de seus fins, a Fundação atenderá não só à condição dos desvalidos, abandonados e infratores, mas também à adoção de meios tendentes a prevenir ou corrigir as causas de desajustamento (grifo nosso).”

 

Nessa última compilação, claro está a imbricação da política estatal com a Doutrina da Situação Irregular.

 

Torna-se importante referenciar, ainda que, ao passo do passado, em que a assistência foi constantemente um espaço privilegiado da participação privada (caridade, benemerência, filantropia), agora ela “cede” sim um espaço importante para o Estado, a exemplo do que começou a ocorrer no período anterior, em que este passa a ser o condutor, o gerenciador, o disciplinador, quer da ação direta através de Instituições do Estado, quer através do “controle” sobre as iniciativas privadas, mantendo estas, porém, um papel fundamental na política de intervenção sobre os menores, inter-relacionando-se, então, de maneira muito interessante, ficando por vezes difícil de identificar onde estava o interesse da instituição privada e onde estava o interesse público. Mas o espaço de atenção destinado aos infratores, esse, sim, era quase que privilégio monopolístico do poder público.

 

Tratando-se de infratores, embora se ressalte, como dito anteriormente, que essa não era a única condição para se intervir/institucionalizar um menor, eles tiveram, nesse período, tratamento “privilegiado”, senão vejamos: objetivando esse desiderato, foi elaborada e promulgada a Lei n.º 5.258 (de 10 de abril de 1967)[59], que justamente redisciplinava a forma de se aplicar medidas a adolescentes que tivessem cometido infrações tidas como penais. Verdade é que ela estabeleceu diversos critérios na aplicação das medidas, buscando de certa forma adequá-las à “periculosidade” do menor, estabelecendo como finalidade das mesmas, aos menores de 18 a14 anos, a “reeducação”.  Para os menores com idade inferior a 14 anos[60], estabelecia-se como finalidade a “proteção, assistência, vigilância e reeducação” (art. 1º).

Entre os critérios (formais) se criou uma subdivisão, até certo ponto interessante, pois dividia entre as infrações que na órbita penal eram atribuídas penas de reclusão, daquelas que não o eram, correspondendo a cada uma medidas diferenciadas, no caso da segunda, com internação por no mínimo seis meses, ou ainda entrega do menor a família idônea.  No caso da primeira, com internação (o período de duração da mesma), devendo ser fixada através da dosagem da medida, partindo de que “O prazo de internação não será inferior a dois terços do mínimo, nem superior a dois terços do máximo da pena privativa de liberdade cominada ao fato na lei penal” (art. 2º,§1º),  tendo sempre como pano de fundo o critério da periculosidade como definidor final da duração da medida.

 

Essa lei tem muito de “engraçado”,  ao mesmo tempo de confuso, de interessante e, invariavelmente, é excessivamente “contraditória”, pois, se à primeira vista poderia estar regulamentando novidades interessantes, como a prescrição, a busca de uma forma de “individualização” das medidas, por exemplo, recaía em anacronismos aviltantes como, e principalmente, a hegemonia no processo decisório do critério da periculosidade.

 

Esse critério, por si só, reduzia todas as disposições da nova lei ao parágrafo 7º, do artigo 2º[61], ou seja, o Juiz, apenas no momento em que identificasse a cessação da periculosidade, é que “poderia” relaxar a internação (podendo ser, ainda, aplicada outra medida). Disso fica evidente que todos os dispositivos da lei se reduziam a esse último e aqueles não passavam de meandros, voltas entre voltas, que ao fim caíam sempre nas mesmas exceções-regra, não passando de pretexto normativo para obscurecer ou escamotear o grande “tesouro” (uma verdadeira “pérola”) dessa  lei, a arbitrariedade, a discricionariedade e a vontade soberana do magistrado. Combinando tudo, só faltava dizer que ao final da internação o menor teria direito a um chá da tarde com bolo inglês, para agradecer ao Juiz e aos legisladores o tratamento amoroso que recebera[62].

 

Lembre-se novamente que a finalidade da medida a ser atribuída ao menor, a reeducação, era objetivo semelhante, para não dizer igual, ao almejado pela pena no Direito Penal.

 

Posteriormente à lei acima descrita, em não mais que 14 meses, foi promulgada outra lei, a de n.º 5.439 de 22 de maio de 1968.  Ela veio, na verdade, assumir e explicitar a principal intenção da lei anterior, ou seja, pautar a intervenção sobre menores infratores, partindo do critério da periculosidade, simplificando a grande bagunça formal que disciplinava os procedimentos para aplicação de medidas aos infratores.  Resumidamente, o que a nova lei faz é assumir abertamente o que a sua antecessora buscava escamotear: a arbitrariedade/discricionariedade na aplicação das medidas.

 

Registre-se ainda que havia a previsão de que ainda que não houvesse periculosidade do menor infrator, o mesmo poderia ou ser deixado com seu pai ou responsável, com um tutor, sob guarda de alguém, ou ainda, ser internado em estabelecimento de reeducação ou profissional, podendo o Juiz, a qualquer momento, revogar ou modificar a decisão (art. 2º, inc. II)

 

Nem por isso ela deixou de “inovar”, quando tratou dos infratores menores com idade inferior a 14 anos, pois, ao contrário da lei anterior, esta prevê que, se tratando desses menores, deveria ser observado o Código de Menores de 1927, ou seja, voltar-se-ia a utilizar-se a Teoria do discernimento, bem como aplicar-se-ia medida de internação em Escola de Reforma aos menores, não devendo ser estendida além dos 18 anos.

 

Lembre-se aqui que não era requisito indispensável ter cometido infração à lei penal para se sofrer intervenção (tendo como medida a internação) do Estado. Bastava, em termos gerais, que o Juiz “percebesse” que o menor “necessitasse” da tutela pública para poder lhe aplicar medida de “proteção”.

 

Em sentido de expressão legal, o instrumento que terá grande impacto e repercussão, daqui para diante, será o Código de Menores de 1979. Entretanto, até a data de sua promulgação, duas normas jurídicas colaborarão para a clareza das intenções estatais frente ao problema dos menores.  Refere-se aqui, sobre a lei n.º 6.439 de 01 de setembro de 1977[63], que instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, que notadamente dava o norte da atuação estatal sobre problemas de carências sociais, que necessitavam ser atendidos, sob pena de gerar grande tensão social, capaz de pôr sob risco o sistema gerencial-administrativo-político do País, e previa a FUNABEM como parte desses sistema[64].

 

Posteriormente, já em 1979, buscando regulamentar a FUNABEM, dentro da lei que novamente a reinstituiu (1977), foi editado o Decreto n.º 83.149 de 08 de fevereiro(1979), que na realidade apenas, em termos gerais, repetiu o seu predecessor[65], explicitando a existência do problema do menor  (art. 10, inciso I e V[66]) como o objeto a receber atenções e soluções. Frise-se que não se classifica quem são os menores- problema, talvez porque já estivesse bem solidificado esse conceito, ou seja, o da Situação Irregular, até em função de que o novo Código de Menores estava praticamente na véspera de ser aprovado (outubro de 1979).

 

Feito isso, passemos agora à descrição-análise do instrumento legal que representou o apogeu e início da crise da Doutrina da Situação Irregular: O Código de Menores (Lei  nº 6.697 de 10 de outubro de 1979).

 

Neste momento, premente se faz elucidar o que se entende por Doutrina da Situação Irregular, e em que sentido está e estará sendo empregada.  Para esse desiderato, colher-se-ão as contribuições de  MENDEZ[67], que argúi:

 

“No mundo jurídico, entende-se como doutrina o conjunto da produção teórica elaborada por todos aqueles ligados, de uma ou de outra forma, ao tema, sob a ótica do saber, da decisão ou execução”.(p. 92)

 

Continuando, aduz:

 

“Os avanços da doutrina aparecem, invariavelmente, acompanhados por contradições e discrepâncias.

Radicalmente diferente resulta o panorama da produção teórica do direito de ‘menores’ no contexto da doutrina da situação irregular. A ideologia da ‘compaixão-repressão’[68], até pouco tempo hegemônica, determinou uma uniformidade assustadora de pontos de vista. Esta característica obedece tanto ao fato de que a piedade sempre se manifesta como dogma, quanto ao de que praticamente toda a produção teórica foi realizada pelos mesmos sujeitos encarregados de sua aplicação (os juízes de menores). Esta situação explica o fato de que poucas doutrinas sejam mais difíceis de definir do que aquela da ‘situação irregular’.

Na realidade, trata-se de uma doutrina jurídica que pouco tem de doutrina e nada de jurídico, se por jurídico entendemos – no sentido iluminista – regras claras e preestabelecidas de cumprimento obrigatório para os destinatários e para aqueles responsáveis por sua aplicação.  Esta doutrina constitui, na realidade, uma colcha de retalhos do sentido comum que o destino elevou à categoria jurídica.  Sua missão consiste, na realidade, em legitimar a disponibilidade estatal absoluta de sujeitos vulneráveis que, precisamente por esta situação, são definidos em situação irregular.  Nesse sentido, as hipóteses de entrada no sistema carecem em absoluto de taxatividade.

Crianças e adolescentes abandonados, vítimas de abusos ou maus-tratos e supostos infratores da lei penal, quando pertencentes aos setores mais débeis da sociedade, constituem os clientes potenciais desta definição.  Mais ainda, como uma espécie de auto-ironia, as leis de menores expandem os limites da disponibilidade estatal ao resto da infância  que se encontrar em perigo material ou moral.  Neste contexto, a arbitrariedade não pode jamais constituir a exceção e sim o comportamento cotidiano daqueles encarregados de sua aplicação.(p. 92 e 93)

 

O mesmo autor citado elucida ainda mais essa questão, quando afirma que essa doutrina, grosso modo, permitia uma maleabilidade incomensurável, quer dizer, o grau de flexibilidade da sua abrangência, em termos de a quem ela se dirigia buscando controlar, era absoluto, pois qualquer situação envolvendo menor poderia ser enquadrada dentro do conceito de situação irregular, e por isso carecer de intervenção estatal.  Nessa direção, fundamenta:

 

“Em poucas palavras, essa doutrina não significa outra coisa que legitimar uma potencial ação judicial indiscriminada sobre as crianças e os adolescentes em situação de dificuldade. Definindo um menor em situação irregular (lembrar que, ao se incluir as categorias de material ou moralmente abandonado, não existe nada que potencialmente não possa ser declarado irregular), exorcizam-se as deficiências das políticas sociais, optando-se por ‘soluções’ de natureza individual que privilegiam a institucionalização ou a adoção”.[69]

 

Acrescentando, ainda no sentido de elucidar o que significava situação irregular, MACHADO[70], afirmando repetir conceitos elaborados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), através do Instituto Interamericano da Criança, sustenta: “abrange (...) as diversas qualificações casuísticas dadas ao Menor: assistido, abandonado, exposto, delinqüente, infrator, com problema de conduta anti-social, etc.”

 

Antes de se ingressar diretamente na descrição-análise do Código de Menores  de 1979, vale a pena discorrer sobre o propalado problema do menor, ou menor-problema, que, se for observado bem, acompanha todo o processo de atuação estatal frente a esse grupamento social.

 

Mas, para se compreender melhor o problema do menor, mister se faz enquadrá-lo dentro da conjuntura dos problemas que tinham certo destaque. Nesse sentido, BENEVIDES[71] buscou dar a dimensão de como era percebido ou expressado, através da imprensa e o que se entendia como o grande problema que assolava a “todos”, que era o aumento da criminalidade, constatando: “O suposto aumento da criminalidade violenta transformou-se em problema nacional.”(p. 19).

 

Mais adiante, falando sobre a estigmatização das “classes perigosas”, a mesma autora identifica que se tratava de que “o pobre será sempre o suspeito, o bandido em potencial, quando não de ‘nascença’”(p. 23). Sobre as soluções que se apresentavam para o problema, refere: “(...) prevenir a formação de futuros marginais (apoio ao menor carente, evangelização das famílias); (...) convencer os criminosos a abandonar as práticas violentas ... e impedir a reincidência dos delinqüentes...”(p. 39).

Especificamente sobre os menores percebidos como problema e sua relação com o novo código, não será a partir deste que o problema teve existência. Ele buscou, sim, formas de se atuar frente ao problema já existente e, ao mesmo tempo, justificando-se a partir da necessidade de intervenção sobre o problema.

 

Esse problema recaía basicamente sob a percepção de que havia núcleos de  tensão social advindos dos menores, quer sejam abandonados, carentes/pobres, menores de rua, infratores, aos quais atribuía-se certa relação com o aumento da violência ou criminalidade nos grandes centros, e como solução se entendia que deveriam ser  instrumentalizadas e efetivadas formas de “proteção” (da sociedade e, de certa forma, dos menores)[72] com características tutelares, de defesa social, e também repressivas/recuperadoras com características de ressocialização (aos infratores, principalmente).

 

Assim, o problema do menor[73] era mais um problema que a “sociedade” tinha com o incômodo que eles causavam ou representavam (por isso, menor-problema). Desta forma, buscavam antes soluções (ao problema que os menores representavam para o futuro e para o presente) do que uma real tentativa de resolver os problemas que atingiam ou “geravam” menores. Percebe-se então o caráter meramente “emergencial” das medidas, em que não se buscava o “convalescimento” mas apenas a postergação dos “sintomas” dos problemas para um futuro próximo.

 

Com tudo isso, ingressa-se no Código de Menores de 1979[74], que incorpora os conceitos, as estratégias e as preocupações anteriormente expostas aqui, sendo considerado como um retorno do Código Mello Mattos, adaptado aos “novos tempos”[75].  Este, começa, nos seus dois primeiros artigos, de maneira fulminante – ao mesmo tempo, esclarecedora –, dizendo a quem a lei prioritariamente[76] se dirige, ou seja, ao menor em situação irregular, preceituando:

 

Art. 1º- Este Código dispõe sobre a assistência, proteção e vigilância a menores:

I- até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular.

[...]Art. 2º- Para efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:

I- privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a)faIta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b)manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;

I- vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

III- em perigo moral...;

IV- privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

V- com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;

VI- autor de infração penal.

 

Buscando-se tornar mais claro o destinatário da norma, cite-se MACHADO[77] que informa, com base no Art. 2º, quais as hipóteses de Situação Irregular previstas: “o menor abandonado no item I; o menor vítima no item II; o menor em perigo moral no item III; o menor em abandono jurídico no item IV; o menor com desvio de conduta ou inadaptado no item V; o menor infrator no item VI.”

 

Repete-se aqui o que já foi dito anteriormente: o enquadramento de alguém, nas circunstâncias de situação irregular, era extremamente maleável, ou seja, o Juiz tinha à sua frente os instrumentos para exercer o controle sobre a pobreza/menores que a “sociedade” lhe exigia.

 

Outro fator que é indispensável para a compreensão do porquê de tantas críticas ao Código diz respeito à forma como o mesmo tratava os menores em situação irregular quando da intervenção do Estado em suas vidas.

 

Ele elencava as medidas de “assistência” e “proteção”, e, de maneira genérica, previa que uma ou algumas das medidas deveriam ser aplicadas ao menor em situação irregular, não especificando qual a melhor medida para cada circunstância de situação irregular. Com isso, tanto um menor infrator como um menor abandonado, por exemplo, poderiam sofrer a internação, o que representava uma completa falta de critérios.

 

Quanto aos infratores, estabeleceu-se espécie de três “ritos” conforme a idade do infrator.  Primeiro, para menores com idade entre 14 e 18 anos.  Segundo, para menores com idade entre 10 e 14 anos. Terceiro, para menores até 10 anos.  O que diferenciava um do outro era a complexidade ou o número de atos processuais necessários para a sentença do Juiz, determinando, se fosse o caso, qual a situação irregular do menor, bem como qual a “melhor” medida (ou medidas) a lhe ser aplicada.

 

Um elemento interessante, e talvez reserva legal[78] aos menores de “boa família”, dizia respeito à possibilidade de composição de danos entre a vítima e o acusado (art. 42).

 

Ressalte-se que não era apenas o cometimento de uma infração (tida como penal) que poderia resultar numa internação, mas qualquer situação irregular poderia culminar nela.

 

E, mesmo com procedimentos diferenciados (para a verificação de qual a situação irregular), a determinação da medida a ser impelida ao menor era de competência discricionária/arbitrária[79] do Juiz, que podia a qualquer momento cumular ou substituir a mesma (art. 15).

 

No caso da internação[80], os menores, em que pese a indeterminabilidade do tempo de duração da medida, até os 21 anos, ficavam sob a competência  do Juízo afeto às causas dos Menores. Após essa idade, a competência era repassada para o Juízo das Execuções Penais (art. 41, §4º), e seria o menor, agora maior, transferido para “estabelecimento adequado”.  Em qualquer caso, a duração da medida ficava condicionada à cessação da sua necessidade (uma espécie de cessação da periculosidade, renomeada ou recauchutada).

 

Além disso, previa-se também a possibilidade de, não havendo estabelecimento de internação adequado, o menor ser encaminhado para estabelecimento de adultos, desde que ficasse em local separado (art. 41, §2º).

 

Com esse complexo instrumental na mão de agentes do Estado, decorreu a identificação constante e crescente  da inadequabilidade do mesmo, sendo então reivindicada a sua modificação.

 

Antes de relatar esse processo, um assunto deve ser tratado, ainda que brevemente: a relação entre Estado e entes Privados, tendo como pano de fundo o novo Código.

 

Na relação com a prestação de serviços de atendimento de menores, houve um reforço no aparato oficial e uma maior submissão do privado ao público, e também uma mais direta interligação entre ambos, sendo que entre elas se estabeleciam relações de interesses complementares, assunto esse que daria por si só uma outra pesquisa, em que aquelas assumiam/ocupavam espaços e funções que o Estado não ocupava ou se omitia de ocupar.  Em troca, via de regra, as entidades recebiam recursos financeiros.

 

O fato é que o “êxito” formal da Doutrina da Situação Irregular não repercutia no plano da realidade, nem era identificada por pessoas que trabalhavam no próprio sistema ou em iniciativas paralelas – como o trabalho voluntário com meninos e meninas de rua –, que identificavam falhas e equívocos no modelo então adotado.

 

Partindo disso, durante toda a década de 80 estabeleceu-se o conflito entre os que buscavam reformar o sistema, adequando-o às novas idéias e diretrizes (Doutrina da Proteção Integral) e os que buscavam a manutenção da situação irregular.

 

A redemocratização do país colaborou para o processo de mobilização da sociedade organizada para buscar as modificações pretendidas.[81]

 

Juntamente com isso, as discussões e as normativas internacionais, tiveram influência direta sobre a nova concepção de como abordar a temática da infância e Juventude, pois as principais inovações foram incorporadas pelo novo sistema.

 

Assim é que, em 1985, com a edição das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude –Regras de Beijing-Pequim, são estabelecidas exigências procedimentais, com o fulcro de diminuir a discricionariedade/arbitrariedade na aplicação de medidas aos infratores juvenis[82].

 

O documento normativo de maior relevância, nesse âmbito, é a Convenção sobre Direitos da Criança de 1989, que incorpora finalmente a Doutrina da Proteção Integral e que repercute como novo paradigma a ser incorporado pelas legislações internas dos países, processo esse ainda não concretizado plenamente.

 

Posterior à Convenção, em 1990, deu-se a edição das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados da Liberdade, e também as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad, que vieram a engrossar o caldo normativo-internacional, na tentativa de efetivar os princípios da Proteção Integral.

 

Um pouco antes, no Brasil, em 1988, com a promulgação da Constituição da República[83], os princípios elementares/basilares da Doutrina da Proteção Integral, estavam nela incorporados, sendo este o marco simbólico e formal do  início do novo período.

 

1.5 Período da desinstitucionalização

 

Período demarcado (formalmente) inicialmente pela Constituição[84] de 1988, com a reconquista da Democracia, tendo como conseqüência toda uma  redefinição política de ordem estrutural, uma reestruturação institucional e especialmente, para crianças e adolescentes[85], o reconhecimento de sua condição de sujeitos de direitos, e a explicitação normativa, num primeiro momento, da Doutrina da Proteção Integral, através da Constituição de 1988, mas principalmente, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e, num segundo momento, a busca da efetividade de tais normas, repercutindo aqui, o que se chama de desinstitucionalização.

 

 

As características fundamentais do período dizem respeito à forte mobilização social para a mudança de paradigma, uma busca da redefinição de atribuições e responsabilidades entre o público e o privado, e a permanência conflituosa do modelo da situação irregular com o da proteção integral, estabelecendo formas novas de legitimação da intervenção sobre a infância, agora sob o caráter de garantia de direitos e de proteção do indivíduo-infantil.

 

A mobilização social a que refere, está inserida numa espécie de “espírito de época”[86], que pairava sobre a redemocratização, abertura política e reordenamento  normativo fundamental (Constituição), em que se buscava um novo contrato social, e, na “disputa” do conteúdo desse contrato, ONG e Movimentos de defesa de crianças e adolescentes, setores governamentais “sensibilizados”[87], posteriormente com apoio da opinião pública, popular e político, incorporaram a necessidade de alterar o paradigma afeto à infância, adequando-o aos princípios que já estavam minimamente estabelecidos na Convenção sobre Direitos da Criança[88], da proteção integral.

 

O fato é que, nas discussões da Constituinte, duas emendas populares de iniciativa desse movimento em defesa da infância foram incorporados à Carta de 1988:  o artigo 227[89] e o 204[90], respectivamente.

 

O primeiro, no seu “caput”, reconhece a condição de sujeitos de direitos fundamentais às crianças e aos adolescentes, situação essa até então estranha no nosso Ordenamento Jurídico;  estabelece, ao mesmo tempo, os direitos fundamentais “especiais” sobre os quais atribui a especificidade de que devem ser encarados, oportunizados e garantidos com absoluta prioridade; define a quem cabe assegurar esses direitos, redefinido as relações entre público e privado[91] com responsabilidades mútuas.

 

O segundo, nos seus incisos I e II, determina como se deverá imbricar a participação social[92] na formulação de políticas públicas, que deverão ser estabelecidas tendo-se em vista sempre a realidade política em detrimento da verticalidade e da burocratização.  Estabelece-se uma nova dinâmica de intervenção em que não mais o poder público é o único responsável, mas também a sociedade, e o que é interessante: o poder público não têm mais o monopólio burocrático do estabelecimento de diretrizes e de políticas afetos à infância e juventude, ou seja, o poder exercido anteriormente sobre os menores é agora fragmentado em diversas partes (família, Estado-Governo, sociedade, Estado-Justiça, etc.). Enfim, se redefinem os padrões de legitimidade de atuação-intervenção, sob a roupagem da garantia/proteção de sujeitos de direitos[93]..

 

Além de outros elementos importantes, destaca-se o relativo à definição da irresponsabilidade penal dos menores de 18 anos, que ficam sujeitos à legislação especial.  Aqui está dito tacitamente: Direito Penal, lógica penal e finalidade penal, para adultos; para crianças e adolescentes, outra lógica, outra finalidade e outro Direito no atendimento desses preceitos, que virão incorporados sobretudo no Estatuto da Criança e do Adolescente[94].

 

O Estatuto surge diante de uma conjuntura extremamente interessante e profícua, no tocante à normativa e mobilização em torno da infância. No âmbito internacional, vemos o momento de aprovação da Convenção sobre Direitos da Criança, principalmente, que redefine os parâmetros de atuação frente à infância e à juventude, calcado, como já foi dito anteriormente, na proteção integral, com o reconhecimento da capacidade de cidadania[95] às crianças e aos adolescentes.  No âmbito nacional, verifica-se a continuidade e o incremento do movimento de defesa/promoção dos direitos da infância e da juventude, bem como uma forte campanha pública sobre a desassistência, violações de direitos e problemas com os menores de rua.

 

A nova lei repete os direitos fundamentais (especiais) previstos na Constituição, esmiuçando-os, buscando explicitar qual a dimensão que se quer dar a cada Direito, como uma forma de ter-se claro o que exigir quando esse Direito não for oferecido ou garantido, coisa que é recorrente no Direito ordinário, principalmente quando em jogo estão os Direitos Fundamentais da Constituição da República. Tenta-se instrumentalizar a efetividade do Direito, numa dimensão mínima, o que não impede de se buscar estender o alcance de tal Direito por vias ordinárias mais lentas.  Exemplo claro disso pode se ver no Direito à vida e à saúde (art. 7º do ECA)[96], na garantia da prioridade no atendimento médico e na obrigação do Estado de oferecer remédio. Agora, pergunta-se: Encerra-se aí a extensão do direito à saúde?  É claro que não.[97]

 

Sobre os direitos fundamentais afetos à crianças e adolescentes, são de caráter genérico, extensível a todos e em qualquer momento exigível, caso não garantidos.

 

E diante das especificidades, quer da necessidade da criança ou do adolescente ou de sua família, quer da omissão, ação ou abuso do Estado, da sociedade ou da família, ou da própria conduta do jovem, se apresentam caminhos especiais a cada caso, como se verá logo mais abaixo.

 

Agora, far-se-á uma pequena incursão sobre a forma como se prevê a relação entre público e privado.

 

Essa relação foi diretamente alterada, principalmente depois da edição do ECA, pois as entidades de atendimento privadas, passaram de participantes passivos na organização das políticas pública afetas à infância, para protagonistas ativos da formulação das mesmas.  Em relação ao atendimento direto à infância, buscou-se prioritariamente a desinstitucionalização, realizando quando extremamente indispensável a internação ou a ruptura da relação familiar, havendo a reserva da internação exclusivamente para infratores.  Com a priorização de outras formas de atendimento, nas quais se enquadram a grande maioria das demandas à esfera privada, tem-se então parcela de financiamento público das atividades.

 

Disso, algo deve ficar muito claro: o Estado jamais prescindiu da esfera privada nas suas estratégias de intervenção/atuação sobre a infância. Pelo contrário, aquela sempre foi uma peça fundamental na sustentação das políticas de Estado, até porque –  não sabemos se vale esse anacronismo –,  nesse assunto o privado – desde a Roda dos Expostos –  chegou antes mesmo do público.  Agora não é diferente.  A quantidade de iniciativas privadas (filantrópicas, benemerentes, caridosas, protetivas, promocionais) é extremamente expressiva, servindo, sem dúvida alguma, não apenas como pedra basilar do novo sistema, mas como o coração do próprio sistema.

 

No tocante aos infratores, houve alterações bastante significativas, principalmente de postura (formal) sobre a questão.  A primeira foi a de criar-se duas divisões bastante claras sobre a forma de atuação/intervenção aos infratores: até 12 anos incompletos e de 12 a 18 anos. Para cada uma delas desenvolveram-se peculiaridades marcantes.  Na primeira, recai-se em medidas específicas de proteção, com finalidade eminentemente pedagógica[98], sendo competente para a atribuição da medida o Conselho Tutelar; a segunda, por outro lado, repete a finalidade da medida, com um acréscimo, o caráter sócio-educativo. A característica da medida de ser sócio-educativa garante a defesa técnica e cria um rito procedimental específico e com certa agilidade, além de enumerar uma série de medidas[99] passíveis de serem aplicadas ao adolescente, atendendo-se sempre ao critério da justificação, fundamentada ao se adotar medida mais “grave”, e principalmente quanto à internação, se estabelecem inúmeras restrições ou requisitos (que deveriam ser atendidos) que devem ser atendidos para se poder atribuir a alguém a medida privativa de liberdade-internação.

 

Com o instituto da remissão, se permitiu a possibilidade de extinção ou suspensão do processo de verificação de ocorrência de ato infracional (art.126-128).

 

Agora, uma inovação importante foi a retirada da competência de aplicação continuada de medida de internação, após os 21 anos, atribuída anteriormente ao Juízo de Execuções Penais.  Até os 21 anos, se o jovem cometeu ato infracional, fica vinculado ao cumprimento da medida junto ao Juizado da Infância e da Juventude.  Passada essa idade, deve ele ser liberado de qualquer medida.

 

Outro elemento importante já mencionado de passagem é a perda do monopólio judicial (ou do antigo Juiz de Menores) sobre os destinos do jovem, com um enfraquecimento enorme do arbítrio em nome da discricionariedade[100], controlada pelo Ministério Público e pela sociedade.

 

Nessa “perda” de poder, iniciativas que buscam aproximar a ação da comunidade são engendradas.  Exemplo disso são os Conselhos Tutelares e os Conselhos de Direitos (na esfera federal, estadual e municipal, cada um com competências de cunho genérico, quanto mais elevada a esfera, e de cunho mais “executivo”/prático, quanto menor a esfera).  Cabem  ao primeiro atividades mais cotidianas de garantia, proteção e acesso aos Direitos, sendo o mesmo composto por indivíduos ou eleitos por escolha direta da comunidade, ou então escolhidos pelo Conselho de Direitos, desse modo enriquecendo o processo de participação social democrática.  Quanto ao segundo, além de aproximar as decisões do local onde os “problemas” acontecem, os envolvidos no atendimento direto à crianças e adolescentes e as entidades organizadas da sociedade civil (ou religiosa, se for o caso), podem participar do Conselho, formulando as políticas públicas e as diretrizes na atuação frente à infância e juventude, além de gerirem o Fundo (federal, estadual ou municipal, conforme a esfera) da Criança e do Adolescente, com autonomia.

 

Nesse momento, retoma-se o assunto quanto aos caminhos especiais oferecidos à garantia de direitos, proteção e efetivação de Direitos-necessidades. Uma primeira coisa deve ficar bem clara: o ECA foi constituído partindo da idéia de aplicabilidade,  de efetividade dos Direitos nele previstos. Assim, estabeleceram-se estratégias[101], que abarcam imediatamente com alguma forma de “intervenção/garantia/proteção” quando da ocorrência de algum desvio ou descumprimento do mandamento legal, criando-se um “sistema” de inter-relações complexo e formalmente hermético[102], que oferece respostas aos problemas emergidos dentro do “sistema”, a partir do próprio “sistema”.

 

Desse modo, utilizando-se das contribuições de GOMES DA COSTA[103], as políticas de atendimento são divididas em quatro grandes grupos e cada uma delas possui uma estratégia de solução própria.

 

A primeira seria as Políticas Sociais Básicas destinadas à universalidade de crianças e adolescentes, sendo “direito de todos e  dever do Estado” (p. 31), compreendendo ações básicas de saúde e ensino fundamental, por exemplo.

 

A segunda, com um leque menor de indivíduos, é a Política de Assistência Social, que busca atender a todos aqueles que se encontrem porventura em determinada situação, condição ou privação que necessite de auxílio assistencial (antes visto como “favor” estatal, agora como Direito ao indivíduo e dever estatal) suplementar (e transitório, pelo menos do ideal), que lhe possam oportunizar condições mínimas dignas de vivência.  Exemplo disso são as complementações alimentares com cestas básicas às famílias carentes de recursos financeiros.

 

A terceira, a Política de Proteção Especial, abrange um número ainda menor de jovens e busca atender demandas advindas de grupos ou situações rigorosamente específicas, em casos de “situação de risco pessoal ou social” (p. 32), com respostas de cunho intervencional e impactante (internação, abrigo provisório, etc.) com maiores repercussões, como, por exemplo, crianças ou adolescentes violentados em casa, adolescentes infratores ou jovens envolvidos com drogas (p. 33).

 

Por fim, tem-se a Política de Garantias, dirigida prioritariamente a “crianças e adolescentes envolvidos em conflitos de natureza jurídica” (p. 35), tendo como objetivo a “defesa jurídico-social dos direitos individuais e coletivos da população infanto-juvenil” (p. 33).

 

Assim, com brevidade, estão de certa forma explicitadas as novas diretrizes do novo sistema. Entretanto, antes de finalizar-se essa abordagem, estabelecer-se-ão determinadas frases-conceito que se fazem da maior relevância, pois  são bastante caros e fundamentais a esse conjunto normativo e que devem permear qualquer tipo de análise ou interpretação sobre o mesmo. Dizem respeito às condições de indivíduos em desenvolvimento, de sujeitos de Direitos Fundamentais e de prioridade absoluta, e à situação de proteção integral, e ainda, principalmente, o reconhecimento de que uma coisa é o Direito Penal, seus destinatários e suas finalidades, e outra a estratégia específica desenvolvida para crianças e adolescentes em conflito com a lei.  Aliado a isso, a democratização das decisões e do exercício do poder, o controle social sobre as intervenções e atuações, quer do poder público, quer da iniciativa privada, e principalmente a horizontalização das políticas afetas ao tema.

 

Por fim, cabe dizer que, por mais que se reconheça o atributo paradigmático e programático das inovações advindas com a Constituição de 1988, com o ECA, e regulamentações correlatas, e que se tenha buscado desenvolver no nível normativo criar formas de se efetivarem as previsões legais, empiricamente, se percebe uma espécie de avanço em direção ao paradigma, mas jamais pode ser esquecido o distanciamento que ainda há entre o modelo proposto e a realidade[104].  Esse ponto, infelizmente, parece ser a chaga das previsões legais dirigidos ontem aos menores, hoje a crianças e adolescentes.  Porém, obviamente que existe uma diferença muito grande entre essas duas épocas, agora se sabe, e há um número crescente de pessoas e  instituições com consciência do que fazer, onde fazer e como buscar fazer.

 

Referências bibliográficas

 

a) geral

 

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BRASIL. Lei n.º 5.258, de 10 de abril de 1967. Dispõe sobre medidas aplicáveis aos menores de 18 anos, pela prática de fatos definidos como infrações penais e dá outras providências.

 

BRASIL. Lei n.º 5.439, de 22 de maio de 1968. Altera a Lei n.º 5.258, de 10 de abril de 1967, que dispõe sobre medidas aplicáveis aos menores de 18 anos, pela prática de fatos definidos como infrações penais e dá outras providências.

 

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

 

 

Notas

 

* O presente artigo é parte integrante e destacada da monografia “A POSSIBILIDADE DAS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS SEREM COMPREENDIDAS A PARTIR DO NOVO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE” de nossa autoria, apresentada como um dos requisitos para a conclusão do curso de Ciências Jurídicas e Sociais junato à faculdade de Direito da UPF em novembro de 2002.

 

1. O título original era “A EVOLUÇÃO LEGAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, sendo que se optou pela alteração pelo sentido às vezes pernicioso do termo evolução, ainda que, no original, se fez a seguinte ressalva: (nota 1) O termo “evolução” é empregado, aqui, não no sentido axiológico de progresso. Pelo contrário, se quer apenas estabelecer nexos com o passado e dizer que a legislação foi primeiro deste modo, depois daquele outro, chegando até os dias de hoje.

 

2. Eduardo Silveira Netto Nunes é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo.

 

3. Acúmulo cultural é entendido como o processo através do qual o sujeito sai de um estado de “ignorância” ou desconhecimento quase que completo de determinado assunto e começa a receber informações em grau não muito aprofundado nem complexo, que lhe permitem ter certas noções ainda que extremamente genéricas e limitadas, que lhe capacitem, quando se debruçar sobre o assunto que realmente lhe interessa, estabelecer relações e contextualizar o seu objeto de maneira que o mesmo não se apresente como surgido do vazio, saído do nada. Acúmulo cultural é então aquela bagagem que, quanto maior, mais possibilidades de compreender as múltiplas relações que emergem do objeto estudado disponibiliza, e que permite um aprofundamento calcado não apenas na intuição, mas sim na multiplicidade de “conhecimentos” despertados e conhecidos.

 

4. Um estudo desenvolvido por nós (NUNES, Eduardo Silveira Netto. A criança e o adolescente vistos pela lei: uma perspectiva do infrator à lei no Brasil, do Império ao Século XXI), em vias de publicação, busca, ainda que não de maneira extremamente aprofundada, dar a noção de processo histórico à construção da legislação imposta à criança e ao adolescente no Brasil.

 

5. Intenção essa que pretende ser concretizada em breve.

 

6. Utiliza-se a divisão adotada por SILVA (SILVA, Roberto da. Os filhos do governo: a formação da identidade criminosa em crianças órfãs e abandonadas), tendo um cunho mais das políticas gerais de intervenção, que não são excludentes das adotadas por SILVA PEREIRA (SILVA PEREIRA, Tânia da. O direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar), esmiuçando e destacando apenas outros elementos que não os prioritariamente “penais”.

 

7. Aqui, utiliza-se a classificação de SILVA PEREIRA (op. cit.).  As classificações adotadas têm apenas um caráter didático e existem outras formas de se classificar o mesmo período. Só para referenciar, cite-se, por exemplo, a classificação feita por GOMES DA COSTA (GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. De menor a cidadão. In.: MENDEZ, Emílio Garcia & GOMES DA COSTA, Antônio Carlos.  Das necessidades aos direitos.  p. 123), que diz: a) Pré-história — até 1900; b) As Primeiras Iniciativas — 1900-1930; c) A Implantação — 1930-1945; d) Expansão Conflitiva — 1945-1964; e) Extensão Autoritária — 1964-1980; f) Democratização e Crise — 1980-1990.

 

8. Essa informação é baseada em MARCILIO [MARCILIO, Maria  Luiza A roda dos expostos e a criança abandonada na História do Brasil.  1726-1950.  In.: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). História social da infância no Brasil. pág.58], que afirma ter sido a Santa Casa de Misericórdia, de Salvador, a primeira instituição a ter “autorização" oficial para instituir a Roda dos Expostos, no ano de 1726, sendo esta a primeira Instituição a dispor de atendimento “especializado" para crianças abandonadas.  Seguiu-se a essa, a instalação de outra Roda dos Expostos na cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1738.

 

9. Será utilizada a terminologia menores, em detrimento da politicamente correta (contemporânea) criança e adolescente, justamente por ser aquela a que conceituava determinados segmentos da infância, ainda que, na época em análise, os termos correntes eram orphãos (grafia da época, atualmente seria órfãos), desvalidos, expostas, para designar menores abandonados, ou perigosos.

 

10. As obras consultadas sobre essa Ordenação, com freqüência ressaltam o caráter rigoroso, “cruel”, no relativo às penas atribuídas. Apenas a título ilustrativo, citem-se duas dessas obras: 1ª) FRAGOSO, Heleno Cláudio.  Lições de direito penal.  pág.58; 2ª) RIZZINI, Irene.  Crianças e Menores – do pátrio poder ao pátrio dever: um histórico da legislação para a infância no Brasil.  In.: PILOTTI, Francisco & RIZZINI, Irene.  A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil.  pág. 104.

 

11. LEAL, César Barros.  O ato infracional e a justiça da infância e da juventude.  In.: Revista da OAB. n.º 62, pág. 11. Expõe um trecho que, segundo ele, seria das Ordenações Filipinas, que diz o seguinte: “Quanto aos menores, serão punidos pelos delitos que fizerem.  Se for maior de 17 anos e menor de 20, fica ao arbítrio do juiz aplicar-lhe a pena.  Se achar que merece pena total, dar-lhe-á, mesmo que seja a morte.  Se for menor de 17 anos, mesmo que o delito mereça a morte, em nenhum caso será dada.”

 

12. TOLEDO, Francisco de Assis.  Princípios básicos de direito penal.  pág.59.

 

13. A Teoria do discernimento será recorrente, ora explícita, ora “maquiada”, na legislação que trata de menores.

 

14. RIZZINI, Irene.  Crianças e Menores – do pátrio poder ao pátrio dever: um histórico da legislação para a infância no Brasil.  In.: PILOTTI, Francisco & RIZZINI, Irene.  A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil.  pág. 104.

 

15. Volta-se a se frisar que o presente trabalho não tem o cunho de produção de conhecimento histórico, o qual, enfatiza-se, seria de extremo interesse, mas apenas de descrição-análise (breve) das principais leis ou contextos genéricos envolvendo “menores”.  Sendo assim, o leitor jamais deve se afastar da noção de extrema limitação do que está sendo exposto. Nessa direção, a escolha pelo que está e será exposto, obedece uma arbitrariedade imensa.

 

16. Lei n.º 2.040 de 28 de setembro de 1871.  Sobre essa lei, há interessantes debates, como o proposto por ABREU (ABREU, Martha. Mães escravas e filhos libertos: novas perspectivas em torno da Lei do Ventre Livre - Rio de Janeiro, 1871.  In.: RIZZINI, Irene (org.).  Olhar sobre a criança no Brasil – séculos XIX e XX. — Rio de Janeiro: Usu, Amais, 1997, p. 107-125).

 

17. FAUSTO, Boris.  História do Brasil.  pág.217.

 

18. RIZZINI, Irene.  op.cit.  pág.107.

 

19. FAUSTO, Boris.  op. cit.  pág.218

 

20. Lei n.º 3.353 de 13 de maio de 1888.

 

21. É importante não perder de vista que essa divisão é meramente didática, estando um período imerso no outro, repercutindo, influenciando e inter-relacionando-se permanentemente, não se devendo perder a idéia de processo nos e sobre os acontecimentos históricos.

 

22. Idéias essas não equivalentes, mas complementares. A primeira tendo como pressuposto a sanidade, o controle de doenças e epidemias, servindo quase que como padrão estético, como sinônimo de limpo, higidez.  Já a segunda caracterizando uma crença numa raça superior, numa humanidade racial, servindo de fator de inclusão ou exclusão social pela simples condição étnica/racial.

Um trabalho específico sobre a utilização da eugenia e da higienização como formas de controle/padronização social é o de MARQUES (MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico), onde, na pág. 32, ela estabelece uma conceituação sobre a finalidade prática da eugenia.

 

23. RIZZINI, Irene.  op. cit. p. 109.

 

24. CHALHOUB, Sidney.  Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte Imperial. p. 29.

 

25. É preciso ter consciência de que essa conclusão é absolutamente limitada, tendo portanto o caráter didático.

 

26. Informação baseada em: RIZZINI, Irma.  Meninos desvalidos e menores transviados: a trajetória de assistência pública até a Era Vargas.  In: PILOTTI, Francisco & RIZZINI, Irene. op. cit. p. 244.

 

27. LEITE, Ligia Costa.  A razão dos invencíveis: meninos de rua – o rompimento da ordem (1554-1994). p. 23,54 e 55. Diz ela: “A Escola XV de Novembro, no Rio de Janeiro, pode representar um exemplo de modelo educacional brasileiro, na área, por ter sido a primeira dirigida aos desvalidos e abandonados.  (...)Apesar de seu modelo, desde a sua criação, ser o internato, a Escola procurou desenvolver toda uma pedagogia diferenciada e experimental para a época.  Além disso, inaugurou a entrada do Estado na área da educação dos desvalidos, que até então era de responsabilidade da filantropia e da Igreja (p. 54 e 55)”.  Segue afirmando: “(...) após a Proclamação da República, os ‘homens de ciência’ projetaram as políticas para a infância pobre que, sinteticamente, se traduziram da seguinte forma: primeiro, a criação da Escola XV de Novembro, cujo objetivo era isolar a infância pobre para ‘educá-la’ nos moldes do mundo higiênico e organizado; segundo, como decorrência desta, os internatos-escola, cujo intuito era ‘corrigir’ condutas anti-sociais para devolver à sociedade pessoas passivas e conformadas; terceiro, os internatos com o fim apenas de ‘isolar’.”

 

28.  Exemplo disso é a iniciativa de Moncorvo Filho ao criar o Instituto de Assistência e Proteção à Infância no Rio de Janeiro em 1899.  In: Rizzini, Irene. Op. cit. p. 118.

 

29. Ainda que na prática houvesse outras formas de intervir e “condenar” os menores abaixo dessa faixa etária, o que dissimulava a repressão.

 

30. RIZINI, Irene. op. cit. pág. 120

 

31. Fundamental se faz esclarecer que essa idéia quanto à necessidade de se ter um Juizado da Infância, bem como os procedimentos a serem adotados quanto ao problema da infância-problema, tinha dimensão e repercussão internacional, havendo uma espécie de “homogeneização” de condutas (normativa-formais) dos países que participavam, e que foram influenciados por essas idéias que circulavam por esse movimento (essa afirmação deve ser posta na categoria de uma hipótese a ser confirmada ou refutada por alguma pesquisa que se aprofunda no assunto).

 

32. NUNES, Eduardo Silveira Netto. A criança e o adolescente vistos pela lei: uma perspectiva do infrator à lei no Brasil, do Império ao Século XXI. p. 06, que faz uma breve contextualização da Constituição de 1891.

 

33. O artigo 35 e seus incisos II e IV são essas referências.

 

34. Remetemos ao trabalho de NUNES, Op. cit. p. 14 a 17.

 

35. Na verdade, o termo mais correto não seria “dividindo”, uma vez que o Estado, basicamente no tema relativo aos menores, operava hegemonicamente através de formas de repressão, cabendo a entidades privadas realizar filantropia com caráter benemérito e caridoso aos menores carentes.  Como já se viu, a participação do Poder Público nessa área era tímida, mas crescente, não havendo assim o que dividir, apenas citar a “única” forma de atuação.

 

36. Segundo a fala de Irma RIZZINI (op. cit. p. 258) e VERONESE (VERONESE, Josiane R. P. Os direitos da criança e do adolescente. p. 23), o primeiro Juizado da Infância no Brasil foi criado em 1923 (Decreto n.º 16.272, de 20 de dezembro de 1923), tem como titular o juiz Mello Mattos e o primeiro registro de despacho é datado de 06 de março de 1924 ( RIZZINI, Irene. op. cit. p. 128). Por isso, o “marco” 1924.

 

37. Informações quanto ao movimento internacional, o Tribunal de Menores e suas finalidades, são baseadas em: MENDEZ, Emílio Garcia.  Infância e cidadania na América Latina. p. 39 a 65.

 

38. Decreto n.º 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Até a edição dessa consolidação/código, inúmeros instrumentos jurídicos foram editados de maneira esparsa.  Inclusive, em 1926, através do decreto n.º 5.083 de 01 de dezembro, instituiu-se um Código de Menores, que foi revogado pela edição do Código de 1927.

 

39. NUNES (op. cit. p. 11) esclarece sobre a finalidade do Código dizendo: “... a tônica do modelo inaugurado pelo Código (proteção-repressão/compaixão-repressão, pontuando o critério da defesa social e das práticas eugênicas como liame/fio condutor da atuação estatal, agregado a uma forte preocupação social que vai desencadear uma prática também assistencialista)”.

 

40. NUNES, op. cit.,p. 13.

 

41. Esse abandono indica ser mais formal do que factual, uma vez que, se o menor não era “imputável”, podia ainda assim sofrer medidas de repressão-contenção, sob o manto da caridade estatal, buscando obscurecer a repressão a que era submetido, em nome da defesa social.

 

42. Essa discricionariedade está tacitamente expressa no artigo 1º do Código, que explicita igualmente a finalidade e a abrangência da lei, estabelecendo: “O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código.” Obviamente, se, por um lado, se tinha a idéia louvável de assistir e proteger o menor, por outro – e em maior extensão e expressão –,  essas duas características se prestavam a atender mais a proteção da sociedade (defesa social) do que os interesses e direitos que porventura pudesse ter o menor.

 

43. Decreto-Lei n.º 2024, de 17 de fevereiro de 1940.

 

44. Na verdade, ocorreu a transformação formal do Instituto Sete de Setembro, criado em 1932 (Decreto n.º 21.518, de 13 de junho) para o SAM, através do Decreto n.º 3.779 de 05 de novembro de 1941.

 

45. FUNABEM - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor;

PNBEM- Política Nacional do Bem-Estar do Menor.

 

46. Decreto-Lei n.º 2.848 de 07 de dezembro de 1940.

 

47. Decreto-Lei n.º 3.914 de 09 de dezembro de 1941.

 

48. No aspecto formal, foi amenizada; no aspecto factual, ao contrário, se “regrediu”.

 

49. Decreto-lei n.º 6.026 de 24 de novembro de 1943.

 

50. Através desse “critério” (na verdade, deste despautério), cabia ao Juiz (e obviamente à sua capacidade “iluminada”) estudar a extensão e a gravidade da conduta do menor, conjuntamente com o estudo da personalidade e do seu ambiente social e familiar, para então decidir qual a melhor medida de “tratamento” e “educação”.  Definido que o menor se enquadrava no “estado de perigoso” (periculoso), o Juiz apenas reveria a medida aplicada quando essa situação se modificasse para “melhor”, ou seja, cessando a periculosidade. Verdade é que se buscava de certa forma uma espécie de individualização da medida, podendo o Juiz solicitar perícias e avaliações técnicas, para então decidir sobre a individualização.  Em razão disso, há uma prevalência nesse período do médico, do psicólogo, do pedagogo e sobretudo do Juiz, sobre os destinos dos menores (não só infratores, mas também desvalidos, abandonados e carentes).

 

51. VERONESE, Josiane R. P., Op. cit. p. 27 e 28

 

52. Essas duas declarações terão influência importante na mudança do enfoque de percepção sobre criança e o adolescente e estarão presentes na Convenção dos Direitos da Criança (1989). Todos esses instrumentos internacionais foram providos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que não serão analisados  de maneira detalhada, fazendo-se apenas referência de que na primeira Declaração (1984) se reconhecia a condição (genérica) de que todo o ser humano era portador de Direitos Humanos. Aproveitando-se disso, a segunda Declaração (1959) dizia que todo o humano têm Direitos pela simples condição de ser humano; assim, a criança também detinha esses Direitos (reconhecida como sujeito de Direitos Humanos) e, embora com idéias da Doutrina da Situação Irregular, ali está exposta a base e os primeiros passos da Doutrina da Proteção Integral.  A título ilustrativo, um exemplo disso está explícito no Princípio 10 que diz: “(...)A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração.”  E, não por mero acaso, está contido no Artigo 227 (in fine) da Constituição da República de 1988.

 

53. Quando se estabelece o termo contemporâneo, utiliza-se tendo em mente mais o tempo histórico (diacrônico) de média e longa duração, do que a dimensão momentânea e presente do tempo (o hoje, alguns anos atrás).

 

54. Sobre o assunto, cita-se ROSEMBERG [ROSEMBERG, Flúvia. A LBA, o projeto Casulo e a Doutrina da Segurança Nacional. In.: FREITAS, Marcos Cezar de (Org.). História social da infância no Brasil. p.137-157.] : “Localizo na guerra fria o fermento para a produção do suposto societário – e de suas decorrências – que embasou ... a ideologia da Doutrina Brasileira da Doutrina da Segurança Nacional (DSN)...

(...) Resultante de articulações entre militares e civis em torno da DSN, que vinha se forjando no país desde 1949 pela Escola Superior de Guerra (ESG)... a DSN adotada pelos militares não incorporou, como a ideologia fascista, uma teoria da supremacia racial ou uma aspiração imperial; não pressupôs o apoio das massas para legitimar o poder do Estado, mas foi utilizada para justificar a imposição de um sistema de controle e dominação contra opositores reais ou virtuais (Moreira Alves, p.20-1).

A versão brasileira da  Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento constituía um corpo teórico, integrado, segundo Moreira Alves (1984), três grandes teorias: uma teoria sobre o potencial geopolítico do Brasil e seu papel na política mundial; uma teoria de guerra, incluindo aí a subversão interna; um modelo específico de desenvolvimento econômico associado dependente combinando elementos da economia keynesiana ao capitalismo de Estado (Moreira Alves, 1984, p.20).

A tese geopolítica que sustentou as DSN na América Latina foi a da divisão do mundo em dois grandes blocos políticos e de poder: o Ocidente cristão e democrático e o expansionismo soviético comunista...

(...) A tese geopolítica brasileira sustentava uma concepção de Nação como um todo homogêneo, dotado de uma única vontade, sem conflitos ou interesses divergentes...

(...) As diferenças sociais observadas foram atribuídas à existência de regiões e de populações ‘desintegradas‘ do processo nacional de desenvolvimento.

(...) Os objetivos nacionais permanentes da DSN no período eram: integridade territorial; integração nacional; democracia; progresso social; paz social e soberania. O significado atribuído a tais objetivos nacionais deve ser interpretado à luz do lema que orientou os cinco governos militares que se sucederam entre 1964 e 1985: segurança e desenvolvimento.

(...) Portanto, a pobreza pode constituir uma ameaça à segurança nacional e as políticas de assistência... são parte das estratégias de combate à guerra psicológica...

(...) Daí o caráter preventivo que orientou tais programas em detrimento de uma concepção  de política social que respondesse a direitos de cidadania.(p. 138 a 142).

Ver ainda RIZZINI, Irene. Op. cit. p. 152.

Sobre o mesmo assunto, cita-se FAJARDO ( FAJARDO, Sinara Porto. Retórica e realidade dos direitos da criança no Brasil. Capítulo 1. Disponível em: <http://www.rolim.com.br/Sinara3.htm>. Acesso em: 02 fev. 2002.), quando diz: “(...)... O sistema concreto institucional foi criado no espírito da Doutrina da Segurança Nacional, que militarizou a disciplina dentro dos internatos que, a partir de agora, já encerram definitivamente suas portas para a sociedade.  A trajetória da criança ia diretamente da polícia até as unidades da Febem.”

 

55. Importante se faz frisar que a FUNABEM sucedeu a estrutura do Serviço de Assistência à Menores, que na época era bastante criticado, pela sua falência de métodos e ações, sendo um dos motivos pelos quais se buscou repensar a política e a forma de se intervir sobre os menores.  Ressalta-se ainda que, antes mesmo do Golpe de 1964, algumas das diretrizes dessa lei já haviam sido traçados e os militares apenas deram o seu tempero final.  A FUNABEM foi instituída pela Lei n.º 4.513, de 1º de dezembro de 1964.

 

56. Buscando a fidedignidade das informações, reproduz-se a texto de lei (art. 6º, inc. I e II da Lei n.º 4.513/1964) que dizia: “I- assegurar prioridade aos programas que visem a integração do menor na comunidade, através de assistência na própria família e da colocação familiar em lares substitutos; II- Incrementar a criação de instituições para menores que possuam características aprimoradas das que informam a vida familiar, e, bem assim, a adaptação, a esse objetivo, das entidades existentes, de modo que somente se venha a admitir internamento do menor à falta de instituições desse tipo ou por determinação judicial.  Nenhum internamento se fará sem observância rigorosa da escala de prioridade fixada em preceito regimental do Conselho Nacional.”

 

57. SILVA, Roberto da., Op. cit. Inclusive, dá título ao seu livro.

 

58. Decreto n.º 56.575 de 14 de julho de 1965.

 

59. Lembre-se apenas que essa lei foi aprovada anteriormente à edição do decreto que regulamentou a FUNABEM (Decreto n.º 56.575 de 14/07/1967).

 

60. Era prevista também, para essa faixa de idade, a internação, se estendendo ao máximo até os 18 anos (art. 4º).

 

61. Decorrido o prazo da internação fixado na forma do parágrafo anterior, o Juiz de ofício, mediante proposta da administração do estabelecimento ou a requerimento do pai ou responsável, ou do Ministério Público, que será sempre ouvido, e precedendo exame pericial na pessoa do menor, poderá relaxar a internação, se houver elementos que evidenciem a cessação da periculosidade, caso em que se procederá na forma do § 7º (art. 2º, § 2º da Lei n.º 5.258 de 10 de abril de 1967).

 

62. Para que não reste qualquer dúvida sobre nosso posicionamento, embora não se duvide da capacidade do leitor reconhecer qual seja, informa-se: isso é uma ironia.

 

63. Lei da Previdência e da Assistência Social.

 

64. Para caracterizar esse Sistema em termos estruturais, cita-se PEREIRA ( PEREIRA, Potyara. Necessidades humanos: subsídios à crítica dos mínimos sociais. p. 124 a127), que focaliza: “[...] a política social brasileira teve seus momentos de expansão justamente em períodos mais avessos à instituição da cidadania: durante os regimes autoritários e sob coalizões conservadoras(...).

(...) o caso brasileiro afigura-se como um misto de elementos presentes na classificação de Esping-Andersen (1991), a saber:  intervenções públicas tópicas e seletivas  – próprias dos modelos liberais; adoção de medidas autoritárias e desmobilizadoras dos conflitos sociais – tópicas dos modelos conservadores; e, ainda, estabelecimento de esquemas universais de distribuição e não característicos dos regimes sociais-democratas.  E tudo isso foi mesclado às práticas clientelistas, populistas, paternalistas e de patronagem política, de larga tradição no país.

Mais adiante, nos fala PEREIRA (op. cit. págs.127 e 135), fazendo uma classificação das diversas fases da política brasileira de assistência, que o período compreendido de 1964 a 1985 é considerado como “política social do regime tecnocrático-militar... e centralizada”.

 

65. Está se referindo ao Decreto n.º 56.575 de 14 de julho de 1965, que já foi tratado anteriormente no presente trabalho.

 

66. Transcreve-se o artigo 10, incisos I e V da referida lei a título de ilustração.  O mesmo tratava das competências afetas à FUNABEM e dizia: “I - realizar estudos, inquéritos e pesquisas, procedendo ao levantamento nacional do problema do menor (grifo nosso);(...)

V - mobilizar a opinião pública no sentido da indispensável participação de toda a comunidade na solução do problema do menor (grifo nosso);

Importante se faz frisar que a lei que instituiu a FUNABEM (Lei n.º 4.513) em 1964, já trazia em seu corpo, na parte das competências dessa Instituição, o termo problema do menor, quando disciplinava: “Art. 7º... I- realizar estudos, inquéritos e pesquisas para desempenho da missão que lhe cabe, promovendo cursos, seminários e congressos, e procedendo ao levantamento nacional do problema do menor (grifo nosso).”

 

67. MENDEZ, Emílio Garcia.  A doutrina da proteção integral da infância das nações unidas.  In. MENDEZ, Emílio Garcia & GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. Das necessidades aos direitos.

 

68. O autor citado utiliza de nota de rodapé para esclarecer o termo compaixão-repressão, motivo pelo qual, reproduzimos a mesma, pois importante para a clareza de tal conceito-síntese.  Diz que “Em muitas oportunidades, fiz referência à formação da ideologia da ‘compaixão-repressão’ querendo significar com isso a existência de uma cultura que não quis, não pôde ou não soube oferecer proteção aos setores mais vulneráveis da sociedade, a não ser declarando previamente algum tipo de incapacidade e os condenando a algum tipo  de segregação estigmatizante.”(p.92)

 

69. MENDEZ, Emílio Garcia. Infância e cidadania na América Latina. p.27.  Mais adiante, ele complementa: “A essência desta doutrina se resume na criação de um marco jurídico que legitime uma intervenção estatal discricional sobre esta espécie de produto residual da categoria infância, constituída pelo mundo dos menores.  A não-distinção entre abandonados e delinqüentes é a pedra angular desse magma jurídico.”(p. 88)

 

70. MACHADO, Antônio Luiz Ribeiro. Código de menores comentado, p. 03. No mesmo sentido, para não dizer idêntica, VERONESE (op. cit. p. 36).

 

71. BENEVIDES, Maria Victoria. Violência, povo e polícia: violência urbana no noticiário de imprensa.

 

72. RIZZINI, Irene. Op. cit. p. 149. Diz:...o bem-estar da criança jamais foi o único interesse em jogo, pois a própria necessidade de se defender também o bem-estar da sociedade configura-se como uma dualidade inerente ao problema.”

 

73. Também se chamou de “questão dos menores” [ABREU, Martha & MARTINEZ, Alessandra Frota. Olhares sobre a criança no Brasil: perspectivas históricas. In. RIZZINI, Irene(Org.). Olhares sobre a criança no Brasil - séculos XIX e XX. p. 31].  Já em 1974, realizou-se em Porto Alegre o “1º Simpósio Nacional para o Equacionamento do Problema do Menor” (Iº SIMPÓSIO NACIONAL PARA O EQUACIONAMENTO DO PROBLEMA DO MENOR, Anais, 1974).  Como bibliografia exemplificativa que toca nesse assunto: 1)VERONESE. Op. cit. p. 34 e 35; 2)LAGRASTA NETO, Caetano. Marginalidade do menor. Revista dos tribunais, n.º535, p. 401- 408; 3) MACHADO, Antônio Luiz Ribeiro. A problemática do menor autor de infração penal e o seu tratamento. Revista dos tribunais, n.º 539, p. 409-418; etc.

 

74. Lei n.º 6.697, de 10 de outubro de 1979.

 

75. RIZZINI, Irene. Crianças e menores: do pátrio poder ao pátrio dever: um histórico da legislação para a infância no Brasil(1830-1990). In: PILOTTI, Francisco & RIZZINI, Irene. Op. cit. p. 157.

 

76. Embora ele se dirigisse quase que hegemonicamente aos menores em situação irregular, trouxe também a previsão de medidas de caráter preventivo (tutelar-genérico) extensível a todos os menores de 18 anos (art.1º, parágrafo único), como por exemplo, proibições de participar de certos eventos impróprios, etc.

 

77. MACHADO. op. cit. p. 05, citando CAVALLIERI, Alyrio. O direito do menor. Arquivos do Ministério da Justiça, 35(146):89, abr./jun. 1978.

 

78. Essa é uma mera suposição/ilação nossa, que tem uma base empírica bastante razoável.

 

79. Aqui, apresenta-se como importante o esclarecimento sobre a utilização (já que foram utilizados em diversas circunstâncias) desses termos conjuntamente, podendo parecer que eles são empregados como sinônimos. Na verdade, reconhece-se que, tratando-se de terminologias empregadas como conceitos jurídicos, são diferentes. A primeira (discricionariedade) compreende o agir conforme faculdades ou alternativas legais, ou seja, escolher entre as opções oferecidas pela lei ou norma legal.  A segunda (arbitrariedade) seria o agir conforme a vontade e a justificativa meramente de quem toma a decisão sem um fundamento normativo ou sem a necessidade de justificar a sua decisão.  No caso em discussão, não se pode negar que a lei atribui “opções” e dentro delas o Juiz deve decidir. Então, em termos rigorosamente formais e terminológicos, o emprego das duas juntas significando espécie de sinônimas seria inadequado. Porém, abre-se mão conscientemente do rigor formal em nome de como efetivamente as “opções” eram utilizadas, sendo nessa ocasião legítimo o emprego delas como “sinônimas”.

 

80. Em que era prioridade para menor com desvio de conduta ou autor de ato infracional (art. 41).

 

81. Este episódio é repetido, pela sua importância, em quase todos os autores que escrevem sobre o tema dos Direitos da criança e do adolescente, motivo pelo qual, não será exposto aqui.  Indica-se sobre o assunto, VERONESE (op. cit.); GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. É possível mudar: a criança, o adolescente e a família na política social do município; RIZZINI, Irene (op. cit.).

 

82. Uma breve crítica a esse instrumento é feita em NUNES (op. cit. p. 30).

 

83. Não foi analisada a Constituição de 1967 e nem a de 1969, pois nada trouxeram de extraordinário sobre o assunto.

 

84. Esse marco referencial difere do adotado por SILVA ( SILVA, Roberto da. op. cit. p. 35), que estabelece o ano de 1990, mais precisamente a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, como início desse período.

 

85. Alerta-se que a  partir de agora utilizaremos a expressão politicamente correta de Criança e Adolescente, que, embora para muitos não tenha passado de um arranjo semântico, pois nada assimilaram do que pretendia o novo sistema, tem em si uma força simbólica que não deve ser esquecida nem desprezada, e que busca transcender a esse simbolismo para repercutir em reais transformações, quer na garantia de direitos para os seus sujeitos, quer para o engendramento cidadão desses sujeitos.

 

86. Por esse termo, se entende como a circunstância, circunscrita a um determinado espaço de tempo, em que há uma espécie de euforia quanto à possibilidade de pensar o futuro, em que há uma grande circulação de idéias e onde todas parecem levar a um caminho de vida melhor, e ainda as possibilidades parecem realmente possíveis.

 

87. Essa palavra pode ser substituída por “conscientizados”, no sentido de que percebiam que o modelo ainda em vigência era inadequado e não mais atendia às novas demandas e idéias. Enfim, percebiam a “falência” das bases do modelo.

 

88. Que à época não estava ainda aprovada, pois isso aconteceu apenas em 1989.  Porém, as discussões sobre o seu conteúdo pautavam-se pela Doutrina da Proteção Integral, explicitando-se a condição de sujeito de direitos humanos oponíveis, exigíveis e ao poder público o dever de efetivá-los e garanti-los.

 

89. Artigo 227 “caput”- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

90. Artigo 204 – “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nos seguintes princípios: I- descentralização político-administrativa (...) II- participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

 

91. É dever da família, da sociedade, e do Estado.

 

92. LIBERATI, Wilson Donizeti; CYRINO, Públio Caio Bessa. Conselhos e fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

93. Aqui não se está fazendo uma valoração moral, de que é bom ou ruim, ou ainda de que é apenas uma nova forma de escamotear o controle  sobre a infância.  Está-se apenas buscando elementos para compreender esse novo, mas não tão novo, processo de controle sobre a infância, o que também não quer dizer que sejam ruins as bases sobre as quais se funda esse controle.  O que porém não pode ser perdido de vista, é o caráter de opção deste novo paradigma, e isso implica necessariamente reconhecer o seu papel de intervir sobre a infância, “apenas” de outro modo,  conforme novo conjunto de idéias e princípios que informam e legitimam essa atuação.

 

94. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990.

 

95. Cidadania entendida aqui, não no conceito clássico de poder de participação das decisões na escolha dos governantes, ou seja, o voto, ou a capacidade de ser candidato a cargo representativo, mas sim na acepção de ser portador de direitos, ser conhecido como portador de direitos fundamentais; enfim, sujeito de direitos fundamentais.

 

96. Artigo 7º- A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

 

97. Sobre o conceito de saúde, colhe-se a contribuição de SCHWARTZ (SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: a efetivação de uma perspectiva sistêmica), que declara: “O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão da ONU, refere que a saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças.” (p.35)

Apenas uma observação deve ser feita.  SCHWARTZ não toma esse conceito como base fundamental para a sua análise.  Contudo, coloca-o como exemplo de conceitos sobre a saúde e estabelece críticas ao mesmo.

 

98. Art. 100- Na aplicação das medidas, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

 

99. Advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; além das demais medidas específicas de proteção no art. 101. (art. 112)

 

100. Aqui sim, pode recepcionar-se (não apenas no contexto formal) o termo discricionariedade, tal como é conceituado.  E a arbitrariedade, por seu turno, não têm a guarida formal-legal que anteriormente tinha.

 

101. SÊDA (SÊDA, Edson. Construir o passado- ou como mudar hábitos, usos e costumes, tendo como instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente na p.107-108) trabalha de maneira bastante prática esse assunto.

 

102. Visto que as estratégias procedimentais são previstas, porém não necessariamente no sentido do que vão fazer.  Por exemplo, ele estabelece a necessidade do Conselho de Direitos e suas competências básicas. Contudo, a maneira como este conselho vai efetivar, na realidade, suas competências, fica em aberto, para a disputa e discussão social.

 

103. GOMES DA COSTA. É possível mudar... p. 30-37.

 

104. Exemplos disso podem ser encontrados em:1) DIMENSTEIN. O cidadão de papel: a infância, a adolescência e os direitos humanos no Brasil; 2) LEITE. A razão dos invencíveis: meninos de rua – o rompimento da ordem (1554-1994); 3) RELATÓRIO IV CARAVANA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS. Uma amostra da situação dos adolescentes privados de liberdade nas FEBEM e congêneres. 2000; 4) RELATÓRIO AZUL . Garantias e violações dos direitos humanos no RS. Edições dos anos de 1996 a 1999, e 1999 e 2000; 5) ANISTIA INTERNACIONAL. Direitos das crianças: o futuro começa aqui. Especialmente as p.  28-29.