OS CONSELHOS DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMO ESPAÇOS PÚBLICOS INSTITUCIONAIS PRIVILEGIADOS NA LINHA DO MONITORAMENTO/CONTROLE DA REALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS GERACIONAIS
Wanderlino Nogueira Neto
Matriz para o monitoramento/controle – O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente podem ser considerados como a "cabeça" da linha de "monitoramento da realização dos direitos" dentro do Sistema de Proteção dos Direitos Humanos Geracionais, como espaço público institucional, ao lado das organizações sociais e especialmente das instâncias de articulação não-institucionais da sociedade civil organizada (controle externo difuso). Para que esses Conselhos dos Direitos possam exercer sua função primordial dentro do desenvolvimento da política citada, é preciso que preliminarmente estabeleçam a "matriz de planejamento", pressuposto para a elaboração do seu instrumental de controle/monitoramento das ações públicas. É preciso que, preliminarmente, deliberem sobre essa política, formulando-a, estabelecendo "diretrizes" para seu desenvolvimento, normatizando-a.
Atos administrativos regulamentares - Compete em
princípio ao Poder Legislativo, através da lei, criar a norma jurídica - normatizar, positivar o Direito. Mas o papel normatizador do Estado não se esgota com a atividade legisferante. Existem outros níveis do poder normatizador
que são exercidos, inclusive, pelo Poder Executivo, por exemplo, o ato
regulamentar. Assim, o Poder
Executivo não só "aplica o Direito",
mas o cria. Faz parte do processo de desenvolvimento das políticas públicas a
normatização administrativa - a formulação dessas políticas, a definição de
diretrizes. Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são parte
desse processo de desenvolvimento das Políticas de Estado, ao normatizar o
desenvolvimento da chamada "política de atendimento dos direitos de
crianças e adolescentes”.[1]
O Estatuto lhe dá poder "deliberativo"
e não consultivo. Seus atos têm, pois, poder vinculante,
como norma jurídica.
Conteúdo: diretrizes
gerais para o desenvolvimento das políticas públicas - Quando o Estatuto vê os Conselhos dos Direitos da Criança e
do Adolescente como "deliberativos"[2], na verdade se refere ao seu poder de deliberar a
respeito de políticas públicas, como complementam as leis federal, estaduais e
municipais de criação desses colegiados. E, dentro do processo de
desenvolvimento das Políticas de Estado, quando um órgão administrativo
delibera a respeito, o faz formulando essa política, regulando-a,
normatizando-a administrativamente: formulação normativa de diretrizes gerais
para a garantia, com prioridade absoluta, dos direitos fundamentais à
sobrevivência, ao desenvolvimento e à proteção[3] da
criança e do adolescente.
No tocante a esse poder
deliberativo de formulação/normatização da "política de atendimento dos
direitos fundamentais da criança e do adolescente"[4],
preliminarmente, há que se ressalvar e distinguir o seguinte: não compete aos
Conselhos dos Direitos o planejamento dessa política (ou de qualquer outra...),
como forma de desenvolvimento de políticas públicas, uma vez que o planejamento
já é parte da execução das políticas. Essa sua intervenção está numa fase
precedente, como "normatizador",
isto é, numa linha de definição de diretrizes gerais para o planejamento,
coordenação, execução e controle.
A lei federal que criou o CONANDA
estabelece que a "formulação de
política" é uma de suas funções básicas. E as leis estaduais e
municipais que criam, em suas esferas, os respectivos Conselhos desse sistema
repetem essa orientação, melhor explicitando, o Estatuto.
Normatizador/formulador de que ramo das Políticas de
Estado? - A questão verdadeiramente polêmica, no tocante a esse papel
específico dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, reside,
todavia, na delimitação da abrangência da intervenção normativa desses
Conselhos, isto é, normatizador/formulador de que ramo das Políticas de Estado?
de que tipos de programas/projetos e serviços/atividades? Ou mesmo:
normatizador/formulador não só do desenvolvimento de políticas públicas, mas de
outros campos da atividade estatal (função judicante, por exemplo)?!
Ora, o Estatuto prevê, no seu
artigo 86, como visto atrás, o desenvolvimento de uma “política de atendimento de direitos da criança e do adolescente”,
isto é, uma política de garantia dos direitos e liberdades fundamentais da
criança e do adolescente. Assim sendo, em princípio, os Conselhos referidos
seriam responsáveis por essa "política"
nomeada – Política de Promoção dos Direitos Humanos Geracionais.
Normatizador/formulador para além das Políticas de Estado?
- Fora desse campo do desenvolvimento de
políticas públicas, surgem algumas dúvidas sobre a possibilidade de os
Conselhos dos Direitos formularem/normatizarem a
prestação jurisdicional ("administração de justiça à população")
e a organização e funcionamento do Poder Judiciário ou o exercício da função de
"custos-legis"
e a organização e funcionamento do Ministério Público. Há
possibilidades desses Conselhos formularem/normatizarem
outras atividades estatais fora do âmbito da Administração Pública? Isto é, a
possibilidade de estabelecerem regras, diretrizes para o funcionamento do Poder
Judiciário e do Ministério Público, por exemplo?
A tese, de início, encontra
resistência nos princípios constitucionais, especialmente, na regra maior da
separação dos Poderes, da harmonia e independência dos Poderes. Realmente, os
Conselhos de Direitos não podem estabelecer nenhuma diretriz que obrigue, de
alguma forma, os órgãos dessas citadas Instituições soberanas do Estado. Por
exemplo, tais Conselhos deliberativos podem estabelecer diretrizes para regular
administrativamente a execução por parte da Administração Pública, de medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes autores de ato
infracional[5]. Mas, não podem estabelecer nenhuma
norma reguladora do procedimento processual de aplicação dessas medidas pelos
Juizes da Infância e da Juventude (Poder Judiciário) - pena de mera negativa de
vigência dessa norma pela Instituição "invadida", como ato inexistente. Por exemplo, seria estranho ao modo de
ser, constitucional e legal, dos órgãos judiciais e público-ministeriais, que
se tentasse - por essa via - definir uma pretensa melhor interpretação para um
determinado dispositivo do Estatuto, para
efeito de sentença, despacho ou parecer.
Como seria também estranhável uma
norma administrativa emanada de tais Conselhos que pretendesse mais a "uniformização de condutas de magistrados",
ou a aplicação judicial de medidas socioeducativas a
adolescentes infratores, ou a regulação do funcionamento das Comissões
Estaduais Judiciais de Adoção, ou a regionalização e a especialização de órgãos
judiciais e de representações do Ministério Público etc. São matérias a serem
enfrentadas ou por atos administrativos regulamentares dessas próprias
Instituições ou por leis estaduais (organização judiciária e
público-ministerial) e federais (direito processual, direito civil, organização
judiciária e público-ministerial etc.).
Aos órgãos normativos e correicionais, internos, próprios e competentes do Poder
Judiciário e do Ministério Público (Conselhos Superiores, Corregedorias-Gerais,
Presidências de Tribunais, Procuradorias-Gerais, por
exemplo), é que compete cumprir seu trabalho de estabelecer diretrizes
programáticas, de regulamentar o exercício das funções jurisdicionais e
público-ministeriais, no âmbito de suas Instituições[6]
- de ofício ou por provocação dos Conselhos dos Direitos, quando for o caso[7].
Mutatis mutandi, igualmente contrárias à lei – pelas mesmas razões – são
as invasões de atribuições dos Juizes da Infância e da Juventude e dos
Promotores de Justiça correspondentes, quando resolvem formular/normatizar
o desenvolvimento de políticas públicas, por meio de Portarias e outros atos
administrativos – fora do âmbito estrito do permissivo do Estatuto[8]. O velho paradigma da doutrina da situação irregular
ainda influencia o decisório de alguns membros do Judiciário e do Ministério
Público, fazendo-os "gestores
públicos" e "legisladores".
Em função disso, emitem atos genéricos, estabelecendo formas de ação pública
social-assistencial com relação a crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade social ("operação-arrastão"
dos chamados meninos de rua, p.ex.). Intervêm como "superiores
administrativos hierárquicos", na gestão de órgãos administrativos do
Executivo, (unidades socioeducativas, abrigos,
p.ex.). Praticam verdadeiros atos de supervisão administrativa dos conselhos
tutelares, fazendo-os funcionar sob ordens ou por delegação, participando
indevidamente do seu procedimento de escolha como se fora um "processo eleitoral" etc.[9]
Uma coisa é o exercício de suas
funções legais de controle judicial dos atos administrativos e de custos legis, por exemplo, examinando esses atos sob os
aspectos da legalidade, economicidade, moralidade,
publicidade e impessoalidade. Outra coisa é a pura e simples supervisão ou
coordenação administrativa de serviços e programas administrativos.
O relacionamento dos Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente – na qualidade de órgãos autônomos
especiais do Poder Executivo - com o Poder Judiciário, com o Poder Legislativo,
com o Ministério Público, não se faz via normatização, regulamentação,
supervisão, de ambos os lados, mas sim numa linha estratégica de advocacia
política (advocacy) e de articulação, ambos
apresentando subsídios, indicativos, demandas. Esse é um campo rico para se
construir parcerias e não
subordinações. A idéia de um "sistema
de garantia de direitos da criança e do adolescente", funcionando como
"rede", exige isso: menos
"chefes" e mais "provedores", menos "focos de poder" e mais "focos de serviço" – parceiros,
aliados.
Processos: metodologia, técnicas e procedimentos -
São típicas dessa ação de
formulação/normatização,
pelos Conselhos dos Direitos e, portanto, de construção da matriz que permita o
desempenho de seu papel real de controle e monitoramento:
ü
a produção de análises da situação, com
diagnósticos conjunturais (avanços e desafios) e com projeção de cenários
prováveis (possibilidades) e
ü
a definição de diretrizes
programáticas, priorizadoras de determinados direitos
fundamentais.
A normatização de uma política
pública deve ser produzida a partir da análise do contexto social, da realidade
social, onde se tentará proporcionar conhecimentos para modificar a realidade,
sendo essencial para a elaboração de diretrizes e bases (normas), para o
desenvolvimento de políticas públicas, para a execução de planos, programas e
projetos. Isso implica, primeiramente, diagnosticar a situação, isto é,
descrever, explicar e predizer.
A descrição diagnóstica caracteriza
a realidade que se pretende intervir, modificar: apresenta-a, desvela-a. Para
tanto, há que se fugir dos reducionismos científicos, com uso de taxinomizações de uma única ciência. Cada ramo da ciência
tem sua taxinomia[10]
própria e se reconhece pelos conceitos que utiliza. Por exemplo, o “tráfico de pessoas para fins sexuais”
pode ser descrito como um tipo delituoso, a ser sancionado penalmente (taxinomia jurídica) ou como uma reificação
da relação afetivo-sexual, tornada mercadoria (taxinomia
econômica) ou como um pecado a ser condenado e redimido (taxinomia
teológica) ou o resultado de uma relação hegemônica de dominação e exploração
da mulher e de outros segmentos sociais vulnerabilizados
(taxinomia política) e assim por diante. Nesse caso,
na descrição do fenômeno “tráfico de
pessoas para fins sexuais” deve-se contemplar todas essas categorias,
descrevendo-o como uma situação multifacetária.
A explicação diagnóstica é
realizada recorrendo-se a relações causais entre variáveis que condicionam a
situação atual e cuja alteração permitirá alterá-la. Trata-se de uma parte
fundamental do diagnóstico, visto que, na ausência de um modelo causal, fica
impossível elaborar um projeto de mudanças. Há que se incluir aqui todas as
dimensões e variáveis que permitam explicar o fenômeno ou processo que se
estuda, que se analisa.
A predição diagnóstica (“cenários”) é resultante da capacidade de se explicar. Se é possível explicar, também o será predizer. E isso se pode fazer mediante uma projeção das tendências observada nas fases anteriores.
A matriz: definição de
diretrizes gerais, programáticas e priorizadoras
- Em princípio, como da essência do processo de
normatização/ formulação da Política de Promoção dos Direitos Humanos Geracionais, poder-se-ia considerar que ele visa
estabelecer diretrizes, balizas, regras gerais, normas regulamentares, para o
desenvolvimento de tal política intersetorial, isto é, para o planejamento, a
coordenação, a execução e o controle-de-gestão dessa política em favor da
infância e da adolescência.
Por intermédio dessas diretrizes
gerais programáticas, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente
estabelecem os objetivos gerais, as metas prioritárias e as macroestratégias
para essa política, pela qual têm responsabilidade. E, principalmente, devem
procurar estabelecer as grandes linhas de articulação política entre as
diversas formas de intervenção política do Estado na questão da infância e da
adolescência, apontando também para os possíveis sítios de integrações
operacionais.
O ideal é que essas normas
definidoras de diretrizes programáticas, em concreto, busquem a sumulação, isto é, que busquem a essencialidade mínima: um
número reduzido de objetivos, metas e ações e atividades. E, principalmente,
estabeleçam indicadores de avaliação da sua eficácia e da efetividade. Algo na
linha das "medidas vitais".
Algo que tenha capacidade mobilizadora e que permita
um trabalho de advocacia política pelo Conselho, no tamanho de suas
possibilidades. Algo que leve em conta questões, por exemplo, como da
governabilidade, que leve em conta os recursos
orçamentários previstos nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Algo mais,
nessa linha.
Um trabalho desses de
formulação/normatização/priorização não pode ser um elenco desordenado e não
avaliado de "desejos", de demandas surgidas de verdadeiras "tempestades-de-idéias".
Por exemplo, de um elenco de indicações amplas que as Conferências dos Direitos
das Crianças e dos Adolescentes façam e de um elenco outro de medidas possíveis
que levantem[11] as análises de situações do próprio
colegiado - os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente (no exercício
da sua função normatizadora administrativa, de
caráter deliberativo) precisam definir quais delas são prioritárias, para
aquele período, na linha de 5 ou 10 diretrizes gerais programáticas, que sejam
verdadeiros eixos estratégicos. A depender do nível da formulação/normatização,
esse número deverá ser o mínimo possível no nível nacional, ampliando no nível
estadual e podendo chegar a minudências maiores no nível municipal[12]. Via de regra, no país, atualmente ainda, a realidade
não mostra esse quadro de concentração e redução de objetivos/metas
aqui defendido. Os atos dessa natureza dos Conselhos deliberativos, pelo
Brasil afora, definem 50 ou muito mais diretrizes! Difícil garantir eficácia e
efetividade a tão grande número de prioridades. É importante, porém, que isso
seja considerado e valorizado como um "exercício inicial" de normatização
de diretrizes, a nos levar a um processo de depuração e refinamento cada vez
maior – não "negar-se"
acidamente, mas "superar-se"
criticamente, com paciência histórica.
Outro ponto importante diz respeito
à questão da multissetorialidade, da interinstitucionalidade, da transversalidade, que se
deveria assegurar como caráter dominante da "política de atendimento dos
direitos da criança e do adolescente"[13] e que,
por via de conseqüência, deveria contagiar o processo de
formulação/normatização de suas diretrizes programáticas. Vive-se muito preso
aos esquemas tradicionais das políticas setoriais. E quando se pretende
formular uma política intersetorial/transversal, continua-se a garantir,
internamente nessa política, a autonomia das áreas setoriais (saúde, educação,
assistência social etc.), fazendo com que o trabalho de articulação/integração
se transforme em mera colagem, justaposição. Os modelos de formulação para essa
política específica prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 86)
não são os usuais das políticas sociais setoriais. Dever-se-á buscar
referências metodológicas para essa formulação/normatização de diretrizes
programáticas, em outras políticas intersetoriais, como a indígena, a de
direitos humanos, a de meio ambiente etc.
É preciso ousar nesse campo e
estabelecer diretrizes não para áreas de políticas setoriais determinadas,
aglutinadas num texto, mas levando-se em conta outros critérios por exemplos,
ciclos de vida[14], focos situacionais[15], eixos
estratégicos[16], gerações de direitos fundamentais, cortes geográficos –
mesclando esses critérios de maneira menos ortodoxa.
Acompanhamento / monitoramento & avaliação - Os
conceitos de acompanhamento, monitoramento & avaliação são bastante
difundidos na terminologia empregada na execução de projetos, especificamente,
e, de maneira mais ampla, no desenvolvimento de políticas públicas. Eles
significam que dada "situação"
é observada (monitoramento) para que, posteriormente ou simultaneamente no
processo, possa ser efetuada uma apreciação detalhada e uma validação dos dados
obtidos (avaliação).
O monitoramento compreende a observação e documentação sistemática da implementação de uma política, de um programa/serviço, de um projeto/atividade, com base no planejamento. A avaliação compreende a avaliação interna das informações e dos dados colhidos na monitoria, considerando sua conformidade com os objetivos e atividades planejadas.
Essa apreciação acerca da adequação dos instrumentos e dos meios de execução e da factibilidade de alcance dos objetivos é a base para a tomada de decisão política no gerenciamento do projeto, no aperfeiçoamento do programa – na potencialização estratégica e na valorização da qualidade do desenvolvimento das políticas públicas. Assim sendo, monitoramento & avaliação podem ser vistos como instrumentos de apoio ao processo contínuo de controle das ações públicas a ser desempenhado.
O registro de entidades e de programas - Compete aos Conselhos Municipais dos Direitos, exclusivamente (a) proceder o registro de certas entidades públicas e (b) proceder, além do mais, o registro da inscrição de determinados programas públicos. Não se trata de mero registro cartorário, formalista, mas sim de um procedimento de controle.
De um lado, aos Conselhos Municipais dos Direitos compete o trabalho de acompanhar, avaliar e autorizar o funcionamento de entidades públicas não-governamentais que desenvolvam programas socioeducativos e de proteção social, elencados no artigo 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A existência jurídica da entidade não depende dessa decisão do Conselho, mas o reconhecimento dela como executora especificamente da política de atendimento de direitos fundamentais da criança e do adolescente, sim. Já os órgãos públicos governamentais, para sua instituição, dependem de lei autorizativa – decisão adotada em nível de normatização superior ao do Conselho.
Por sua vez, de outro lado, aos Conselhos Municipais dos Direitos compete igualmente o trabalho de acompanhar, avaliar e autorizar o desenvolvimento de programas socioeducativos e protetivos, tanto por parte de instituições públicas governamentais, como não-governamentais.
Correição e o dever de representação às instâncias próprias
- O papel controlador dos Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente não deve se esgotar com o monitoramento
(acompanhamento e avaliação). Ele deve levar esses Conselhos a um verdadeiro
papel correicional, no seu sentido mais amplo:
ü
Orientar e prover de
dados, informes e análises;
ü
Indicar ou solicitar
correções no desenvolvimento de ações públicas;
ü
Representar pela
responsabilização de agentes públicos.
Constatada a ocorrência de uma
violação aos direitos da criança, não atuará o Conselho dos Direitos - dentro
no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança - propriamente como ator social na linha da Defesa de Direitos, como fariam os
Conselhos Tutelares, os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da
Segurança Pública, os Defensores Públicos, as entidades de defesa[17]. Isto é,
não atuará diretamente, garantindo a indisponibilidade, a imprescindibilidade, a exigibilidade dos direitos de crianças e adolescentes,
"credores de direitos".
Constatada essa violação de
direitos, como atividade administrativa ainda, caberia aos Conselhos dos
Direitos encaminhar o caso às autoridades competentes,
dando-lhes notícias do fato violador, que poderá, em
algumas vezes, configurar-se como crime ou como infração administrativa (cf.
Estatuto citado).
Muitos acusam o Estatuto de não ter
"armado" os Conselhos dos
Direitos para garantir a exigibilidade de direitos da criança e do adolescente.
Mas esquecem-se de que o Estatuto desenha uma
verdadeira e salutar "rede de incompletudes institucionais", onde um ator social
complementa o outro, salvando-nos do perigo das "instituições totais"[18], que tanto mal causaram no passado.
Os Conselhos dos Direitos, como
integram essa "rede", têm
que tomar consciência de sua "incompletude
institucional" e, em casos desses, acionar outros atores sociais que
possam dar conta dessa tarefa. Precisam exercer mais
essa sua função controladora, ainda muito pouco explicitada na prática, muito
pouco explorada, lamentavelmente.
Conclusão
A partir da análise de alguns espaços públicos e de determinados mecanismos estratégicos, dados como emblemáticos, procurou-se provocar a discussão sobre a institucionalização e a qualificação do funcionamento do sistema de proteção dos direitos humanos geracionais de crianças e adolescentes no país, pelos seus eixos da promoção dos direitos, da responsabilização pela efetivação dos direitos (defesa) e do monitoramento (controle) dessa realização dos direitos – programas e serviços de proteção, consel.
Esta análise, entretanto, não pode prescindir de determinados paradigmas socio-político-jurídico-culturais, que funcionam como instrumento de análise e, ao mesmo tempo, como horizonte – a questão da construção da identidade infanto-adolescente e do fortalecimento da sua luta contra-hegemônica contra a dominação adultocêntrica.
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UNICEF. "A Infância Brasileira nos Anos 90". Brasília, 1998.
Notas:
[1] Artigo 86 – Estatuto cit.
[2] Conferir, atrás, neste texto, a respeito, no Capítulo 1, item
1.2.3.: "Natureza jurídica / Órgão
público administrativo”.
[3] Saúde, educação, assistência social,
moradia, nutrição, trabalho etc.
[4] Artigo 86 – Estatuto cit.
[5] O CONANDA, com propriedade, isso fez com suas Resoluções 48, 49 e
50, estabelecendo critérios mínimos para o funcionamento de unidades de
internação e de semiliberdade.
[6] Conferir atrás, neste texto, o item 2.3, sobre "Articulação & Integração".
[7] Conferir adiante, neste texto, o item 4.2, sobre "Função controladora dos Conselhos dos
Direitos / Responsabilização".
[8] O Estatuto ainda deixou a cargo dos juízes algumas funções regulamentadoras, que deveriam ter sido transferidas para o
Conselho dos Direitos, ou ações fiscalizadoras que deveriam ter sido atribuídas
aos conselhos tutelares: freqüência de crianças e adolescentes em bares,
espetáculos públicos, casa de diversão etc. Seda vê nisso ainda retrocesso de
relação à doutrina da proteção integral e conclui: "- Mas um dia ainda chegaremos lá..." (SEDA, Edson.
"A Proteção Integral". 3.
ed. Campinas / São Paulo: Edição AIDÊS, 1995.)
[9] Conferir adiante neste texto o item 4.3. – "Função controladora dos Conselhos dos
Direitos. Procedimento de escolha dos conselheiros tutelares".
[10] Taxinomia é o grupo de categorias
descritivas que constituem um esquema ordenado para a classificação.
[11] Ou de outros estudos dessa natureza elaborados com propriedade pela
Academia e/ou por ONGs especializadas.
[12] Uma vez que, no plano estadual, são incorporadas diretrizes
nacionais e, no plano municipal, diretrizes estaduais e nacionais.
[13] Conferir atrás, neste texto, o item 3.2.1.
[14] Por exemplo, o UNICEF no momento está desenvolvendo seu
planejamento a partir desse critério.
[15] Por exemplo: violência, não-acesso ao serviço público,
gênero/etnia, conflito com a lei, integrações operacionais, prevenção,
responsabilização, proteção jurídico-social etc.
[16] Por exemplo: mobilização, apoio institucional, empowerment
(protagonismo), advocacy,
parceria, pesquisas etc.
[17] Por exemplo, os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente ou,
mais genéricos, de defesa de direitos humanos.
[18] GOFFMAN cit.