Autos nº 34/02, de ação
sócio-educativa
Autor: Ministério
Público
Adolescente: A. R. E.S.
Meritíssimo Juiz,
O
Ministério Público do Estado do Paraná, por sua agente signatária, irresignado com a sentença prolatada às fls. 66/70, que ao
julgar procedente a presente ação impôs ao adolescente representado A. R. E.S. a medida sócio-educativa de internação, vem interpor
tempestivamente o presente recurso de
APELAÇÃO
com
fulcro nos artigos 496, I, 499 e parágrafo segundo, 296, 513 e 188, parágrafo
único, todos do CPC e 198 do ECA, postulando assim
seja recebido o recurso ministerial no efeito devolutivo (art. 198, VI, do ECA),
com o posterior juízo de manutenção ou retratação a que alude o art. 198, VII,
do ECA, em combinação com o art. 296 do CPC, para que então, sendo mantida a
decisão apelada, os autos sejam remetidos ao egrégio Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná no prazo de 24 (vinte e quatro horas) determinado no art.
198, VIII, do ECA (enfatizando-se tratar-se de adolescente apreendido),
a fim de que, após o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, seja o
presente apelo conhecido e provido, com a anulação total da nobre sentença e
concessão de habeas corpus de ofício
para colocar o representado em liberdade, ou, alternativamente, reforma parcial
dessa decisão, nos termos das razões expostas em anexo, em 24 (vinte e quatro)
laudas, às quais se anexam 05 (cinco laudas) de documento diverso.
Campo Mourão, 22 de abril de 2002
Fernanda Nagl Garcez
Promotora de Justiça
Autos nº 34/01, de ação
sócio-educativa
Autor: Ministério
Público
Adolescente: A. R. E. S.
EMÉRITOS JULGADORES DO
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DOUTA PROCURADORIA GERAL DE
JUSTIÇA,
O
Ministério Público do Estado do Paraná, por sua agente signatária, irresignado com a sentença prolatada às fls. 66/70, que ao
julgar procedente a presente ação impôs ao adolescente representado a medida
sócio-educativa de internação, vem interpor tempestivamente o presente recurso
de apelação, pelos seguintes argumentos fáticos e jurídicos.
PRESSUPOSTOS DE
ADMISSIBILIDADE
Uma
vez que a pretensão desta Promotoria de Justiça, deduzida em sede de alegações
finais por memoriais escritos às fls. 55/57 não foi acolhida, sendo imposta
medida sócio-educativa diversa daquelas pretendidas, há sucumbência do
Ministério Público, preenchendo-se, assim, o pressuposto da legitimidade e do
interesse recursal, uma vez que houve prejuízo aos interesses indisponíveis
tutelados no feito, sendo manifesto o interesse ministerial em recorrer.
A
decisão proferida pelo magistrado a quo classifica-se
como sentença, sendo assim passível de recurso, preenchendo-se o pressuposto da
recorribilidade do ato.
Está
também preenchido o pressuposto da tempestividade, em face da regra do art.
198, II, do ECA, tendo em vista a data da interposição
da presente.
Observado
se encontra também o pressuposto da singularidade do recurso, visto que se trata
de sentença (decisão terminativa, que põe fim à demanda), cujo adequado recurso
é a apelação, consoante prevêem os artigos 296 e 513 do CPC. Destarte,
preenchido se encontra o pressuposto da adequação recursal.
De
igual maneira encontra-se observado o pressuposto da motivação, uma vez que foi proposto sob a forma do artigo 514 do código
supra-aludido.
PRELIMINARMENTE
NULIDADE ABSOLUTA DA
SENTENÇA POR AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL - CONSEQÜENTE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL POR EXCESSO DE PRAZO
O
adolescente A. R. E.S. foi apreendido e autuado em
flagrante de ato infracional de furto qualificado em
25 de fevereiro de 2002, estando desde então contido no estabelecimento de
internação provisória do Serviço de Atendimento Social (SAS) de Campo Mourão-PR, tendo tido sua internação provisória decretada
em 11 de março de 2002, oportunidade em que a respectiva representação
ministerial foi recebida e instaurada a ação sócio-educativa.
Apresentado
o adolescente, com sua oitiva e de sua genitora, em
audiência em continuação ouviu-se um informante e se inquiriram três
testemunhas, após o que o Ministério Público e a defesa apresentaram alegações
finais por memoriais escritos, ambos em 08 de abril de 2002 (fls. 55/57 e
58/59).
Conclusos
os autos para prolação de sentença no mesmo dia 08 de abril (fls. 60),
converteu-se o feito em diligência, quando a autoridade judiciária de primeiro
grau determinou lavratura de certidão pormenorizada quanto aos antecedentes do
representado, inclusive quanto a eventual descumprimento reiterado de medidas
por parte do inimputável em outros autos, o que se cumpriu às fls. 64, em 09 de
abril deste ano, mesma data em que foi juntado ao feito o relatório de estudo
social efetuado pela equipe técnica da unidade de internação provisória (fls.
61/63).
Voltaram
os autos diretamente conclusos no mesmo dia 09 de abril de 2002, quando foi
prolatada sentença datada de 08 de abril de 2002, julgando procedente a ação
sócio-educativa e impondo ao representado a medida sócio-educativa de internação
em estabelecimento educacional, fundamentando a adequação da medida constritiva
de liberdade em face de sua incapacidade de cumprir medidas sócio-educativas em
meio aberto, pelo descumprimento reiterado e injustificável de medida imposta
em outras ações sócio-educativas, por já ter sido internado provisoriamente
quatro vezes anteriores, fazendo alusão direta e expressa à referida certidão
de fls. 64, para a qual as partes não tiveram qualquer acesso, muito menos
tendo tido o representado oportunidade para se defender em relação ao nela
contido.
Inquestionável
a supressão do devido processo legal, vedando-se o contraditório e a ampla
defesa, visto que o inimputável e sua defesa técnica não tiveram sequer
possibilidade de ter conhecimento ou acesso à certidão utilizada na
fundamentação da sentença, nem mesmo ao estudo social da equipe técnica da
unidade de internação.
Desde
a instauração da ação sócio-educativa até o oferecimento de suas razões finais,
A. e sua defesa técnica vinham neste
processo se defendendo apenas da imputação da prática dos atos infracionais descritos na exordial,
e não da imputação de descumprimento injustificado e reiterado de medida
sócio-educativa imposta em outro processo, motivação expressa da autoridade
judiciária a quo para determinar a medida de
internação neste feito.
Evidentemente,
a não observância do processo legal, em face da conversão do feito em
diligência por parte do Juízo sem vistas às partes, contamina de nulidade
absoluta a sentença, por violar as garantias e regras básicas do devido
processo legal, visto que a Constituição Federal garante aos acusados em geral
a “ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV) dentre os
quais o direito básico de ter acesso e vista sobre qualquer documento juntado
no processo em seu desfavor, conforme prevê o art. 398 do Código de Processo
Civil e o art. 564, “e”, in fine, do Código de Processo Penal.
Restaram,
assim, invariavelmente descumpridos os preceitos constitucionais relacionados
no art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal,
instituídos justamente para impedir situações como a versada nos autos,
em que um indivíduo é mantido privado de sua liberdade de forma sumária e
arbitrária, sem que se lhe tenha sido permitido o formal conhecimento da atual
causa de sua contenção e contra ela a articulação de defesa, inclusive por
profissional habilitado, como aliás prevê expressamente o art. 111, III. da Lei
nº 8.069/90, dispositivo que aliás, juntamente com o art. 110 do mesmo Diploma
Legal, estende aos adolescentes as mesmas garantias processuais que todo
imputável acusado da prática de infração penal possui.
Nem
se alegue que a supressão de vista dos autos após a lavratura da multicitada certidão e da juntada do relatório de estudo
social, tudo feito após o oferecimento de memoriais finais pela defesa, que a nenhum desses documentos teve acesso para se pronunciar,
não teria trazido prejuízo para o adolescente. É que se cuida de nulidade
absoluta, porque atinge garantia fundamental e indisponível do cidadão
expressada no aludido dispositivo constitucional, e em conseqüência, sua
violação expressamente erigida à categoria de nulidade absoluta no processo
penal, nos termo do art. art. 564, “e”, in fine, do Código de Processo Penal,
aplicável por analogia ao processo sócio-educativo de imputação de ato infracional a adolescente (art. 152 do
ECA).
E
mesmo que não o fosse. O prejuízo para a defesa (e diretamente para a liberdade
de A., como se evidenciará adiante) foi flagrante, visto que a sentença
concluiu pela adequação da medida de internação em função justamente desse
decisivo documento produzido de ofício e acostado após o término da instrução.
Tanto é que, não houvesse tal certidão, não teria a autoridade judiciária como
fundamentar sua conclusão pela necessidade da medida constritiva de liberdade,
inclusive porque a tal documento faz menção expressa na sentença (fls. 68),
fazendo alusão direta ao aventado descumprimento reiterado de medida
sócio-educativa certificado na multicitada certidão
de fls. 64.
Assim,
cuidando-se de nulidade absoluta, pode e deve ser reconhecida em qualquer
instância ou Tribunal, até mesmo de ofício, por ser de ordem pública, que está
mantendo o adolescente em constrangimento ilegal que está sofrendo no momento,
e que precisa ser cessado.
Por
isso, verificando, em concreto, a ocorrência da apontada nulidade, de caráter
absoluto, decorrente de inobservância de formalidade essencia
para a ampla defesa, urge seja declarada a nulidade da sentença de fls. 66/70,
com a conseqüente posterior abertura de vista às partes para se manifestar
sobre os documentos juntados às fls. 61/64, e, após, nova conclusão para
prolação de nova sentença de mérito, conseqüentemente colocando-se de imediato
o representado em liberdade, visto que o prazo para sua internação provisória
já se escoou no dia 09 de abril de 2002, em face do art. 108 do
ECA: “A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo
máximo de 45 (quarenta e cinco) dias”.
Este
Egrégio Tribunal bem tem reconhecido a coação ilegal contra adolescentes em
casos análogos:
"HABEAS CORPUS - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE - DECISÃO QUE SUBSTITUIU A MEDIDA DE SEMILIBERDADE APLICADA A MENOR
PELA DE INTERNAÇÃO - AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - EXCESSO DE
PRAZO - ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. Não tendo sido oportunizado o
contraditório e a ampla defesa ao paciente, e havendo excesso de prazo, nos
termos do art.122, §1º do ECA, a ordem deve ser
concedida, para o fim precípuo de reinserir o
paciente no regime de semiliberdade originalmente
aplicado" (TJPR - 1ª C. Crim. - HC nº 94.596-4,
de Curitiba. Rel. Des. Moacir Guimarães. Acórdão nº
12.527 - j. 24/08/2000).
Nesse
contexto, não há como deixar de reconhecer que A. está a sofrer grave e injustificável
constrangimento ilegal à sua liberdade de locomoção, que pode e deve ser
reparado através da IMEDIATA concessão de writ ex officio,
visto que a flagrante nulidade da sentença, sendo reconhecida, evidencia que o
prazo de internação provisória já terminou, devendo se dar os atos processuais
conseqüentes, a serem renovados com a decretação da nulidade, com o
representado em liberdade, expedindo-se imediato alvará de soltura, se não
estiver contido em outro processo.
DO MÉRITO DO RECURSO
Na
remota eventualidade de tal relevante preliminar ser afastada e não anulada a
sentença de primeiro, tal veredicto deve ser em parte reformado, para que se
aplique ao representado medida sócio-educativa
diversa.
Cuida-se
de ação sócio-educativa promovida pelo Ministério Público em face do
adolescente A. R. E.S. por infração aos artigos 155 e
155, parágrafo 4º, II, em combinação com o art. 61, parágrafo 1º, II, “b”, e
71, todos do Código Penal, descrita na representação de fls. 02/04, em virtude
de ter o representado, no dia 25 de fevereiro deste ano, com consciência e
vontade, subtraído para si R$ 64,00 (sessenta e quatro reais) em dinheiro do
caixa de um posto de gasolina desta cidade e Comarca, e, após, para assegurar
sua impunidade decorrente da fuga, ter subtraído para si mediante destreza um bicicleta de um transeunte.
Após suprimida parte decisiva do devido processo legal, como
explicitado, foi prolatada a sentença ora impugnada, julgando procedente a ação
sócio-educativa e impondo ao representado a medida sócio-educativa de
internação, pelo prazo inicial de seis meses, com base nos seguintes
argumentos, em apertada síntese: a) não teria o infrene capacidade para cumprir
medidas em meio aberto, visto que responde mais de dez processos por atos infracionais, já esteve internado provisoriamente quatro
vezes, não tendo nenhuma delas surtido o efeito necessário; b) os genitores do
adolescente nunca demonstraram ânimo para recuperar o filho, alegando sempre
que Deus faria o melhor, e por tal falta de interesse prefeririram
deixar a educação e o futuro do adolescente a Deus e ao Poder Judiciário,
esquecendo-se de suas funções culminando assim no atual envolvimento do filho
com a marginalidade; c) não teve o representado interesse em desenvolver
atividades aptas a ressocializá-lo e colaborar com o
Juízo em outros feitos, a ponto de o Ministério Público ter requerido a
internação do adolescente por descumprimento reiterado e injustificado de
medida imposta, razão pela qual possivelmente o representado não cumpriria
medidas em meio aberto agora neste feito, inclusive porque a genitora alegara que apesar de conselhos A. não estaria disposto a estudar e a trabalhar;
d) as circunstâncias lhe seriam desfavoráveis, visto que agira o adolescente
para obter lucro fácil em detrimento de trabalho árduo de terceiro, sem
necessidade para furtar visto que possuía roupas para vestir; e) a gravidade da
infração decorreria das declarações das pessoas ouvidas na instrução, quando
atestaram que A. cometera o segundo furto para facilitar sua fuga em face do
primeiro, furtando para dar azo a seus caprichos; f) não seria adequada medida
de liberdade assistida porque o Município de Campo Mourão ainda não teria
projeto em funcionamento para tanto, o tornaria a medida em vão, caindo o Juízo
em descredibilidade.
Entretanto,
a aplicação da medida sócio-educativa mais gravosa não encontra amparo legal,
visto que não se verificam nenhuma das hipóteses autorizadoras previstas no
art. 122 do ECA. Não havendo previsão legal para
tanto, nem mesmo todas as supostas circunstâncias desfavoráveis, e todas as
eventuais necessidades pedagógicas do adolescente podem admitir a imposição da
medida mais gravosa.
De
início porque o ato infracional objeto da presente
ação sócio-educativa não foi praticado
com violência ou grave ameaça a pessoa (inciso I do
referido artigo), cuidando-se tão somente de furtos (um deles qualificado),
agravados por infração ao art. 61, parágrafo 1º, II, “b”, e 71, todos do Código
Penal, não havendo sequer notícias de ameaças, quer seja à vítima ou a
terceiros.
É
a orientação da jurisprudência:
“Infração
cometida por menor. Subtração de bens (dinheiro e roupas), em companhia de outrém. Representação. Procedência. Aplicação de medida
sócio-educativa de internamento. Apelação. Substituição da medida. Decisão
reformada, em parte. Não se revestindo de gravidade o ato infracional
praticado por adolescente, em companhia de outro (adulto), e sendo viável o
retorno do menor ao convívio familiar e social, recomenda-se a substituição da
medida sócio-educativa aplicada (de internamento) para a de liberdade assistida,
com prestação de serviços à comunidade, que tem caráter pedagógico, pois levará
o jovem a "repensar sua conduta e exercer
atividades produtivas em benefício de toda a coletividade", servindo,
ainda, de instrumento para sua reintegração social” Recurso de apelação nº
98.2534-0, Andirá, Rel. Des.
Accácio Cambi, ac. nº 8276,
j. 21/12/98
“Recurso
de apelação. Infância e Juventude. Ato infracional.
Internação. Ilegalidade. Adolescente que necessita de acompanhamento
psiquiátrico. Reforma da decisão. 1. A medida extrema de internação só poderá
ser aplicada quando tratar de ato infracional
cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa ou, ainda, no caso de
reiteração no cometimento de outras infrações graves, sendo indispensável, em
quaisquer casos, a cabal fundamentação da ocorrência dessas
hipótese. 2. Estado comprovada nos autos a necessidade de que o menor
infrator seja submetido a acompanhamento psiquiátrico, tal medida se impõe,
como a mais correta no caso. Recurso provido” Recurso de apelação nº 88.804-4,
Santo Antônio do Sudoeste, Rel. Des. Moacir
Guimarães, ac. nº 12284 - 1ª Câm. Crim.,
j. 27/04/2000 (grifos nossos)
“Recurso
de apelação. Infância e Juventude. Ato infracional.
Decisão nula. A medida de internação só poderá ser aplicada quando cuidar-se de ato infracional
cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa ou, ainda, no caso de
reiteração no cometimento de outras infrações graves, sendo indispensável, em
quaisquer casos, a cabal fundamentação da ocorrência dessas hipóteses” Recurso
de apelação nº 99.308-0, Jacarezinho, Rel. Des.
Moacir Guimarães, ac. nº 8478, j. 04/10/99. (grifos nossos)
“Habeas-corpus.
ECA. Prática de ato infracional sem violência ou
grave ameaça. Reiteração no cometimento de infrações graves inconfigurada.
Art. 122 do Estatuto. Internação. Impossibilidade. Coação configurada. Ordem
concedida. A prática de furto pelo adolescente, ainda que reiterada, não
reveste a gravidade necessária para autorizar a medida de internação, ante a
ausência dos requisitos da violência à pessoa ou grave ameaça, ou da reiteração
de outras infrações graves, elencadas na lei como numerus clausus” Habeas-corpus nº
84.714-9, Nova Fátima, Rel. Des. Nunes do Nascimento,
ac. nº 11883 - 2ª Câm. Crim.,
j. 23/12/99. (grifos nossos)
“Habeas-corpus.
ECA. Furto qualificado. Sentença que determinou o internamento da menor.
Alegada coação ilegal. Aplicação da medida de internação fora das hipóteses
exaustivamente catalogadas no artigo 122, incisos I, II e III, da Lei 8069/90.
Alvará de soltura clausulado. Ordem concedida” Habeas-corpus nº 93.095-8, Mamborê, Rel. Des. Clotário Portugal Neto, ac. nº 12409 - 1ª Câm. Crim., j. 29/06/2000.
(grifos nossos)
“Habeas-corpus.
ECA. Prática de ato infracional sem violência ou
grave ameaça. Reiteração no cometimento de infrações graves inconfigurada.
Art. 122 do Estatuto. Coação caracterizada. Ordem concedida. A prática de
tentativa de furto por adolescente, ainda que aliada ao uso de drogas, não
reveste a gravidade necessária para autorizar a medida de internação, ante a
ausência dos requisitos da violência à pessoa ou grave ameaça, ou da reiteração
de outras infrações graves, elencadas na lei como numerus clausus” Habeas-corpus nº
90.550-2, Foz do Iguaçu, Rel. Des. Nunes do
Nascimento, ac. nº 12346 - 2º Câm. Crim., j. 29/06/2000. (grifos nossos)
O
Superior Tribunal de Justiça também vem decidindo com observância do Estatuto
da Criança e do Adolescente em casos análogos:
“PENAL.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ART.122. INTERNAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE
EXTENSÃO. 1. O art. 122 do ECA enumera de forma
taxativa os casos em que se aplica a internação. Apesar do delito ser
equiparado ao crime hediondo, é vedada a interpretação prejudicial ao menor.
Precedentes. 2. Recurso provido.” Recurso Ordinário em Habeas
Corpus 9688/SP, Min. Fernando Gonçalves, em 18/04/2000.
“HABEAS
CORPUS. ECA. SITUAÇÃO NÃO PREVISTA PELA LEI COMO HIPÓTESE DE INTERNAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A enumeração contida no artigo 122 do ECA
é exaustiva, sendo que, não se amoldando o caso in concreto a nenhuma das
hipóteses elencadas no dispositivo, constitui
constrangimento ilegal a imposição de medida sócio-educativa de internação. 2.
Ordem concedida.” Habeas Corpus 11277/SP, Min.Edson
Vidigal, julgado em 09/05/2000. (grifos nossos)
Também
não se trata de reiteração no cometimento de infrações graves (inciso II do
mesmo aludido dispositivo), porque, embora o representado tenha contra si
instaurados outros dez procedimentos prévios à presente ação e atinentes a
maioria a furtos, pela certidão de fls. 64 (à qual somente agora as partes
tiveram acesso), em dois deles houve decisão judicial transitada em julgado
conferindo a procedência da pretensão sócio-educativa deduzida nas
correspondentes representações ofertadas (autos nº 303/97 e 51/00). Assim, pela
garantia constitucional de presunção de inocência prevista no art. 5º, LVII, da
Constituição Federal de 1988 (que se estende igualmente aos adolescentes aos
quais se impute prática infracional, embora raras
vezes seja efetivada) o representado não pode sequer ser considerado reiterador no cometimento de infrações graves.
Valem
os esclarecimentos doutrinários:
“Ainda
nesse tópico em particular, merecem comentários as
distorções que se tem visto quando da análise, pela autoridade judiciária, do
que seriam os "antecedentes" do adolescente, haja vista que é comum
considerar como tal procedimentos nos quais foi concedida remissão, o que
contraria a cristalina disposição contida no art. 127 da Lei nº 8.069/90 (que
de maneira expressa estabelece que a remissão não prevalece para efeito de
antecedentes), bem como outros feitos ainda em trâmite, o que afronta o
princípio constitucional da presunção do estado de inocência, insculpido no art. 5º, inciso LVII da Constituição
Federal.
O
mais grave desse tipo de entendimento, no entanto, reside no fato de ser o
adolescente responsabilizado com maior rigor em decorrência das lacunas e
falhas "operacionais" do próprio sistema de atendimento ao jovem em
conflito com a lei, quando o correto seria o empenho das autoridades na sua
implantação e aperfeiçoamento, que sem dúvida teria resultados muito mais
satisfatórios.
Em
decorrência dessa forma injusta e equivocada de enfrentar a questão do
adolescente em conflito com lei, jovens que têm contra si instaurados - e não
concluídos - vários procedimentos, alguns dos quais em tramitação há anos, são
sistematicamente considerados "multi-reincidentes"
(portanto "irrecuperáveis") e sumariamente submetidos à medida de
internação, sem que na verdade jamais tenham recebido, de forma efetiva,
qualquer outra medida sócio-educativa em meio aberto” (DIGIÁCOMO,
Murillo José. Internação não é solução. In Revista
Igualdade, da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná, com grifos
nossos)
Ora,
como se poderia admitir que A. é reiterador no
cometimento de duas infrações graves, se somente foram julgadas procedentes
duas ações sócio-educativas anteriores por dois furtos, e se a resposta
repressiva do aparato penal para os crimes de furto permitem, em tese, a
fixação da reprimenda em pena restritiva de direitos substitutiva, inclusive a
reincidentes, nos estritos termos do art. 44, I, a III, combinado com seu
parágrafo 3º, do Código Penal? Assim, se para crimes de furto se admite penalização em meio aberto, inadmissível que se considere
tal infração de natureza grave, simplesmente pela apenação
genérica de reclusão, que em regra se substituiu por penas restritivas de
direito.
E
mesmo que o fosse. Mesmo que se considerasse eventualmente A. reiterador no
cometimento de infrações graves, isso não bastaria para a imposição da medida
extrema, porque, aliado a uma das hipóteses dos incisos do art. 122 do ECA, há que se justificar e fundamentar que as
necessidades pedagógicas do adolescente exigiriam a contenção, de acordo com as
circunstâncias do caso (e não meramente do ato infracional,
pois já subsumidas na própria violação ao preceito primário da norma
repressiva) e da capacidade do infrene em cumprir as medidas, razão da
expressão do princípio da excepcionalidade do
parágrafo 2º do art. 122: “em nenhuma hipótese será aplicada a internação,
havendo outra medida adequada”.
A
doutrina esclarece:
“Sem
dúvida alguma, o aspecto mais importante do art. 122 se encontra no parágrafo
2º, que, literalmente, ´inverte o ônus da prova´, obrigando a autoridade
judicial a demonstrar que não existe outra medida mais adequada que a
internação. A expressão ´em hipótese alguma´ deve ser entendida no sentido de
que, mesmo nas hipóteses dos incs. I e II do art.
122, a privação da liberdade deve ser evitada, existindo, antes dela, outras
medidas de caráter mais adequado” (MENDEZ, Emílio García. Estatuto da Criança e
do Adolescente Comentado. Comentários Jurídicos e Sociais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001. Página 402, com grifos nossos).
Muito
menos a hipótese de descumprimento injustificado de medidas anteriores (último
inciso do art. 122 do ECA), pode admitir a imposição
de medida de internação neste processo.
Ainda
que A. tenha descumprido medida sócio-educativa imposta, injustificadamente,
em outra ação sócio-educativa julgada procedente, isso não seria justa causa
para decretação de sua internação definitiva neste feito, em que se trata de
outro ato infracional, mas apenas e tão somente
naquela ação sócio-educativa originária (ou em próprio procedimento de execução
da respectiva medida sócio-educativa), naquela em que foi imposta medida em
meio aberto descumprida de modo reiterado e
injustificado. Mas jamais aqui e agora, em outro posterior processo, por outro
ato infracional, o que significa intolerável bis in
idem: pode ter a qualquer momento a medida regredida naquele feito originário,
se suas justificativas não forem acolhidas (típica “internação-sanção”), e a
partir daí se presume sua incapacidade ou desinteresse em cumprir medidas sócio-educativas
em meio aberto em qualquer outro processo, em qualquer outra oportunidade.
É
o entendimento doutrinário:
“A
propósito, os casos de descumprimento de medida sócio-educativa anteriormente
imposta devem ser apurados também de forma célere, em procedimento próprio ou
nos mesmos autos do procedimento em que a decisão judicial respectiva foi
proferida, não podendo tal ocorrência servir de pretexto para a internação em
procedimento diverso, pois ou as circunstâncias em que ocorreu o noticiado
descumprimento ainda não foram devidamente esclarecidas, e portanto não se pode
concluir seja ele "injustificado" (e/ou "reiterado"), ou isto já se verificou e o
adolescente já teve sua sorte em relação a esse fato definida, não podendo
sofrer dupla penalização por sua conduta omissiva
(pois do contrário ocorreria o execrável bis in idem, que por razões óbvias é
inadmissível em especial em procedimentos de apuração de ato infracional praticado por adolescente)” (DIGIÁCOMO, Murillo José. Internação não é solução. In Revista
Igualdade, da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná, com grifos
nossos)
Por
que não aplicar a A. a medida de “internação-sanção”,
se for o caso, naquela ação originária, em face daquele correspondente ato infracional, na medida das necessidades pedagógicas naquele
feito? Será porque se o fizer naquele feito há limite temporal mais exíguo do
que neste (art. 122, parágrafo 2º, do ECA), em que se
determinou sua contenção pelo prazo inicial de seis meses? Aliás, diga-se de
passagem, tal fixação de prazo é absolutamente incorreta e abusiva, em face da
regra expressa do art. 121, parágrafo 2º, do ECA, a evidenciar
ainda mais o caráter punitivo da sentença ora recorrida, que já está
pressupondo a desnecessidade de reavaliação da medida antes dos seis meses,
mesmo que a medida já tenha eventualmente atingido seus limites antes disso,
fazendo do princípio da brevidade da medida de internação mera letra
morta.
Assim
é que a sentença ora atacada tem caráter nitidamente repressivo, aplicando pena
privativa de liberdade “disfarçada” de medida sócio-educativa, e acaba por
penalizar A. pura e simplesmente pela pessoa que ele tem sido até hoje – e não
em face do ato infracional praticado (cometido sem
violência ou grave ameaça a pessoa), nos moldes do
velho “direito penal do autor”, tão intolerado pela
doutrina e pela jurisprudência atuais, e, acima de tudo, em contrariedade a
todos os princípios constitucionais e legais aplicáveis à espécie.
A
tal conclusão se chega em face dos argumentos expendidos pela ilustrada
autoridade judiciária para justificar a medida extrema, senão vejamos, com base
em pelo menos sete razões que se passam a expor.
A
uma, quando pressupõe a sentença que não teria o infrene
capacidade para cumprir medidas em meio aberto, por responder mais de
dez processos por atos infracionais e por já ter
permanecido internado provisoriamente quatro vezes, não tendo nenhuma delas
surtido o efeito necessário para compreender a ilicitude de suas ações.
Cuida-se
de presunção desprovida de fundamento e de lógica. A uma, porque admitir que o
adolescente teria personalidade voltada para a delinqüência não encontra nenhum
fundamento técnico (nem jurídico, em face da garantia constitucional da
presunção de inocência, nem sócio-psicológico, em decorrência do relatório da
equipe interprofissional, que em momento algum
concluiu ou rotulou o representado como mero “delinqüente”).
A
duas, porque afirmar que o fato de A. ter sido internado provisoriamente quatro
vezes, não tendo nenhuma delas surtido o efeito necessário, seria justificativa
o bastante para interná-lo definitivamente, é pura contradição que só evidencia
ainda mais a impropriedade total da medida aplicada: se o adolescente já foi
internado tantas vezes sem bons resultados, porque insistir na mesma medida, se
já se está reconhecendo que a internação nada resolveu até hoje? Por que se
aplicar uma medida que de antemão já se sabe que nada resolverá? Por que apenas
postergar o problema? Ou alguém ainda acreditaria, em sã e tranqüila
consciência, que A., retornando daqui a meses (ou até três anos) para o mesmo
ambiente sócio-familiar deficiente e desestruturado, depois de tanto tempo
privado de sua liberdade, estará “curado” ou “livre” de qualquer influência
negativa?
Ou
será que não se impôs tal medida apenas com caráter retributivo,
sancionatório ou punitivo, assim como faz a Justiça
Criminal, ao condenar um réu a medida privativa de
liberdade, quando são obrigatoriamente impostos anos de detenção ou reclusão em
regime fechado, mesmo se sabendo da total falência do sistema carcerário para
recuperação?
Tantas
internações provisórias, correspondendo a tantas ações sócio-educativas com
andamento tão lento e sem resultados eficazes, apenas reforçam o desacerto da
medida ora imposta e a necessidade de urgente reforma da sentença.
A
três, porque afirmar que todas as tentativas de recolocar A. no meio social teriam sido em vão, pois nunca
teria tido interesse em desenvolver atividades aptas a ressocializá-lo,
é mais uma contradição que evidencia ainda mais o desacerto da medida de
internação imposta. Tem-se a impressão que o nobre juízo a quo
considerou o adolescente mais um “irrecuperável delinqüente” - se não quis
prestar serviços a comunidade em outros feitos, e se
em outros tantos já permaneceu internado provisoriamente, e se nada disso lhe
bastou “para compreender a ilicitude de suas ações” (fls. 68), nada mais
haveria que se fazer, a não ser apenas segregá-lo pelo máximo de tempo possível
do convívio social.
Ora,
se já se “tentaram” medidas em meio aberto, como a prestação de serviços
comunitários, e sucessivas medidas de internação provisória também inexitosas, porque não enfrentar de uma vez por todas as
causas da incursão do adolescente no meio infracional,
como esclarecido e sugerido no relatório da equipe interprofissional às fls. 61/63? Por que não
tratá-lo, porque não tratar sua família, por que não resgatar sua dignidade de
pessoa em peculiar condição de desenvolvimento, resgatando os vínculos de
afetividade familiar hoje praticamente inexistentes? E por que postergar esse
inevitável enfrentamento –decisivo – para daqui a meses (ou anos), quando for
liberado da internação, em período no qual seu afastamento do meio familiar,
social e comunitário só terá dissolvido de vez seus escassos vínculos afetivos
para com sua família e sua comunidade, dificultando ainda mais o resgate
necessário?
Ademais,
questiona-se quais seriam todas as tentativas de
recolocar A. no meio social que teriam sido em vão. O que o poder público fez
até hoje por este adolescente? O que se fez que não tenha sido apenas em
desfavor de A.? Que tentativas foram essas, se todas as vezes
em que foi liberado das sucessivas internações provisórias tão somente
foi formalmente encaminhado para prestações de serviços comunitários ou para
liberdades assistidas efetuadas sem a existência de qualquer programa com
verdadeiras propostas pedagógicas (haja vista que até hoje nesta Comarca o
Município de Campo Mourão ainda não instituiu programa algum para medidas
sócio-educativas em meio aberto, em que pese estar em vias de efetiva
implantação)? Quais foram as verdadeiras tentativas,
se o Estado e a sociedade nada fizeram para resgatar o ambiente familiar e
comunitário saudável que tanto foi prometido ao adolescente pela Constituição
Federal de 1988 e pela Lei nº 8069/90?
A
consideração doutrinária a seguir retrata com infeliz coincidência a trajetória
de vida de A.:
“Assim
já se pode informar que o contexto normalmente encontrado na família dos
adolescentes autores de atos infracionais é de
absoluta miséria e disfunção (renda per capita
inferior a R$ 20,00; residência de pequenas proporções, de chão batido, peça
única, sem divisórias, água, luz ou esgoto; condições de higiene precárias;
parca alimentação; ineficiente atendimento médico-hospitalar; família numerosa;
filhos com idades próximas, de diversos pais, diversas mães, com pais, mães ou
ambos em local ignorado, sendo criados por avôs, irmãos, tios, amigos; membros alcoólicos, viciados em droga, entregues à
prostituição, delinqüentes), e é partir daí que temos de passar a analisar seu
desenvolvimento, pois é inserido nesse contexto que o cidadão adquire em torno
de 80% (oitenta porcento) de toda sua bagagem constituidora da “personalidade”.
Portanto,
começam, portanto, com o nascimento as dificuldades desse cidadão, pois fruto
de um relacionamento desarmonioso e, normalmente, não
desejado, o que, num primeiro momento, já faz com que seja colocado em segundo
plano, como um atrapalho de vida, razão pela qual não
recebe a adequada alimentação, a tão difundida amamentação materna, os mínimos
cuidados higiênicos ou médicos, e, apesar de indefeso, é constantemente
agredido oral e fisicamente pelos demais membros da família, principalmente
quando chora e os deixa impacientes.
Mas
ele vence, consegue crescer nesse contexto, inicia seus primeiros passos, e é
nesse momento, novamente, que necessita da ajuda de sua família, estabelecendo
seus limites, dando o primeiro “tapinha” em sua mão
para lhe mostrar que nem tudo pode ser seu, que há coisas que não pode ter, não
pode tocar, não pode danificar, que pertencem a outras pessoas, o que não
acontece, ou se realiza de forma desastrosa, através de intensas surras.
Não
aprendeu os seus limites, e aqui cabe uma afirmação,
“somos delinqüentes natos”, uma vez que nascemos sem qualquer dos limites
sociais, o que conhecemos como certo ou errado, legal ou ilegal, justo ou
injusto, moral ou imoral, foram valores adquiridos em nosso desenvolvimento,
foram informações obtidas de nossos pais, familiares, amigos, escola, meios de
comunicação, enfim, da sociedade em que vivemos, e tanto é verdade que os
limites do cidadão variam conforme a sociedade em que viveu e de sociedade para
sociedade.
E
esse cidadão que não aprendeu seus limites, passa a conviver, com filhos de
outras famílias disfuncionais, os quais também não receberam a devida
orientação, por aquela série de fatores que já foram alinhavados e pelo fato
dos pais não terem tempo para os mesmos, saem de casa durante a madrugada,
retornam tarde e cansados, sem qualquer disposição de conversar com seus
filhos, ficam eles, então, pelas ruas, “aprendendo com a vida” e sujeitos a
adoção, adoção por traficantes, o que normalmente ocorre.
Tem-se
uma saída, chega a idade escolar e é a grande
oportunidade que esse cidadão tem de apreender “coisas boas”, “coisas certas”,
de alguém influenciá-lo positivamente, porém, ele vai a escola faminto, sujo,
não tem material, em casa ninguém lhe faz qualquer cobrança para estudar,
assim, seus colegas não querem contato consigo, suas notas não satisfazem a
necessidade do ensino, as brincadeiras e as ruas lhe parecem mais atraentes, os
professores não têm mais paciência consigo, apenas xingam e zombam de si,
incentivam que não fique na escola, afinal atrapalha os demais colegas e a
escola é local para quem tem interesse de aprender, como se esse interesse não
devesse ser despertado.
Outra
saída não lhe resta, a rua é seu lugar e é ali que deve conquistar seu espaço,
dividi-lo com seu grupo e tentar recuperar sua autoestima,
principalmente tentando se destacar no grupo escolhido.
03.
A Criminalidade: Uma Via de Mão Única
O
uso de drogas passa a ser constante, afinal assim fica eufórico, sua vida toma
cores, seus sonhos parecem possíveis, encontra o amparo e a paz que desejava.
Mas há um porém, isso tudo tem um custo, já que a droga tem que ser comprada,
então, ou consegue comercializá-la ou passa a praticar outros delitos (atos infracionais).
Inicia-se
aí o seu ciclo, o seu ciclo da delinqüência, que passa a ser definitivo quando
marcado pela intervenção das instituições, quando apreendido pela primeira vez,
pois é assinalado com o estigma de criminoso, passa a ser perseguido pelas
autoridades policiais e o preconceito social não lhe permite qualquer acesso as outras pessoas, que quando o vêem, observam-no com
receio, desconfiança e medo, afinal de contas é um “bandido”, não importando se
o seu maior crime foi subtrair uma peça de roupa ou alguns trocados, o valor
pouco importa, o que importa mesmo é a sua situação de miséria, pois se assim
não fosse, qual é o tratamento que mereceriam os autores de crimes do colarinho
branco, principalmente agentes públicos e empresários sonegadores que lesam com
maior gravidade a coletividade (“aliás, em nosso país sonegação parece não
existir”)?
E
qual a chance que tem ele de sair dessa situação? De mudar de vida? Talvez pelo
adequado atendimento que o poder público tem dado às famílias dessas crianças,
pelas adequadas medidas que se têm aplicado e feito cumprir nas Varas da
Infância e Juventude, ou talvez porque a sociedade mereça, afinal deu a esse
cidadão tudo aquilo que a lei lhe garantia, família, lar, saúde, educação,
lazer.
Ora,
não sabe esse cidadão que para interromper o seu ciclo de delinqüência basta
que tenha vontade? Afinal de contas ingressou nele porque quis, tinha, como
considera a lei penal, livre arbítrio, ninguém o obrigou a fazer essa opção de
vida, ao invés de estudar, de trabalhar; assim, interrompa sua jornada antes
que atinja a maioridade penal e a sociedade consiga colocá-lo atrás das grades
para não incomodar mais e para não manchar os belos cenários sociais com sua presença.
Afinal,
ele também só faz o que faz porque a lei não o pune, não prevê qualquer sanção
aos adolescentes autores de atos infracionais, só os
protege, é a completa irresponsabilidade por seus atos, conforme alguns
divulgam de boca cheia, sedentos pela vingança estatal.
04.
Considerações Finais.
Desconhecem
os “críticos” que todas as espécies de penas previstas aos imputáveis pelo
direito penal são previstas como medidas sócio-educativas pelo Estatuto da
Criança e Adolescente, com uma só diferença, devem ser tratadas e aplicadas
como medidas sócio-educativas que são, aplicadas não para pura vingança
estatal, retribuição, mas para socialização e educação desse cidadão que está
em processo de formação, de desenvolvimento, e por isso precisa que as coisas
lhes sejam ditas, mostradas, que lhe seja dada a oportunidade de aprender
aquilo que “a vida” não pôde ensinar” (BÜRKLE. Rudi Rigo. Uma Visão Criminológica do Adolescente Infrator. In Cadernos do
Ministério Público do Estado do Paraná, com grifos nossos).
A
pressuposição do Juízo a quo, de que A. não cumpriria
medidas em meio aberto (“possivelmente não a cumpriria o infrator”, fls. 69), é
desprovida de fundamentos – jurídicos e
sociais, traduzindo-se em mera presunção, que não encontra respaldo jurídico e social.
Jurídico,
porque qualquer eventual adequação da medida restritiva de liberdade deve
obrigatoriamente atender a um dos requisitos do art. 122 do
ECA, nenhum deles presente no caso em tela, como já explicitado - ou
seja: mesmo que a internação fosse de fato a medida mais adequada para as
necessidades pedagógicas do sócio-educando, ainda assim a medida extrema só
poderia ser admitida numa das hipóteses de um dos incisos do multicitado dispositivo. Se assim não o fosse, seria
possível a imposição de medida de internação quando do cometimento de qualquer
ato infracional, mesmo correspondente aos delitos de
menor potencial ofensivo, o que possibilitaria aplicação de medida restritiva
de liberdade até mesmo a ato infracional de direção
sem habilitação...
E
social, porque em nenhum momento o relatório da equipe técnica do SAS (para o
qual as partes não tiveram acesso no momento adequado, e para o qual sequer a
sentença apreciou) concluiu quanto à inadequação de medidas em meio aberto em
face da personalidade e do comportamento social de A. Portanto, a presunção do
juízo de primeiro grau não encontra guarida nos autos (nem na lei, diga-se de
passagem). A conclusão da equipe técnica do SAS às fls. 61/63, após descrever
os aspectos familiar, escolar, de saúde, social e psicológico,
concluiu pela necessidade de resgate dos vínculos familiares, noticiando
inclusive ser A. viciado em maconha e crack (fls.
62), o que indica a necessidade de tratamento para dependência química.
Mas
nada disso se fez até agora ao adolescente para modificar essa situação, que
remonta há anos.
A
quatro, porque justificar a necessidade de internação pelo desinteresse dos
pais, somente reforça o caráter penalizador da
sentença, quando afirma que os genitores do adolescente nunca demonstraram
ânimo para recuperar o filho, alegando sempre que Deus faria o melhor, e por
tal falta de interesse prefeririam deixar a educação e o futuro do adolescente
a Deus e ao Poder Judiciário, esquecendo-se de suas funções culminando assim no
atual envolvimento do filho com a marginalidade (fls. 68/69).
Por
que penalizar A. pela “incompetência” de seus pais? Trancafiar o adolescente
porque seus pais não sabem, não conseguem, ou não tem interesse em educá-lo?
Não é princípio básico em direito que ninguém pode ser responsabilizado por
aquilo que não deu causa?
E
se seus pais erraram, transferindo a educação e o futuro do filho a Deus e ao
Poder Judiciário, porque então o Poder Judiciário não assume essa tarefa,
conferindo a A. a efetiva educação, a efetiva saúde e
o efetivo convívio familiar dos quais o adolescente é credor? Porque o
Estado-juiz não lhe conferiu até hoje o tratamento para dependência química do
qual A. necessita há dois anos (como informado no estudo
social), não lhe possibilitou freqüência em escola de acordo com suas
deficiências de aprendizagem (também relatadas às fls. 62), e não aplicou a
seus familiares o tratamento, a promoção e a assistência tão necessárias, para
reestruturar a família e resgatar os vínculos de afetividade de A.?
É
evidente que, somente quando o adolescente puder viver em ambiente familiar
saudável, com afetividade, livre da dependência química após tratamento,
estudando com alguma chance de êxito, e tendo alguma perspectiva de futuro com
dignidade, vislumbrando alguma possibilidade de profissionalização e orgulho de
si mesmo, somente aí é que terá verdadeiras e efetivas chances de não entrar
novamente em conflito com a lei, e de ser mesmo um cidadão, e não mero objeto
de intervenção do Estado. Tanto é que, conforme noticiou-se
no estudo social sequer levado em consideração na sentença (para o qual sequer
se conferiu vistas às partes), no curto período em que A. permaneceu morando no
Estado de São Paulo com seus tios, com quem tem bons laços de afetividade, não
causou maiores problemas (fls. 62).
Por
isso é que o pretexto da falência de seus pais como educadores é mero exercício
de retórica desprovido de compromisso com a efetiva proteção integral da qual o
adolescente é credor, desprovido de interesse em resolver as causas que levam
A. a infringir a lei, tanto é que sequer se preocupou a decisão a quo em aplicar quaisquer medidas tendentes a tratar da
família de A., de recuperar a capacidade afetiva e educadora de seus pais.
Evidente
que a segregação não é melhor medida para A., servindo
apenas para afastá-lo, a força e temporariamente, do meio nocivo em que se
encontrava. Se ao infrene forem possibilitadas perspectivas de vida com
dignidade, se seus genitores receberem o tratamento necessário, a possibilidade
de sua efetiva recuperação então existirá. Segregado, longe da afetividade de
que tanto necessita há tanto tempo, não se conseguirá transformar sua
realidade, pois também não se conferirá o atendimento terapêutico familiar
imprescindível para A. Mas o juízo a quo não atentou
para tal necessidade, preferindo a mera privação de liberdade, transferindo
para o Poder Executivo a árdua tarefa de ressocializar
o adolescente sem tratar as causas de seu conflito com a lei.
A
cinco, porque alegar que as circunstâncias lhe seriam desfavoráveis, visto que
agira o adolescente “para obter lucro fácil em detrimento de trabalho árduo de
terceiro”, sem necessidade para furtar visto que possuía roupas para vestir,
não é razão jurídica para justificar a medida extrema. Primeiro porque se
sequer a lei penal não erigiu tais circunstâncias à categoria de causas gerais
ou especiais de aumento de pena ou qualificadoras, não se pode aqui reconhecer
agravante desprovida de objetividade e previsão legal. Em segundo lugar porque
eventual intento de “lucro fácil em detrimento de trabalho árduo de terceiro”
(sendo o terceiro proprietário de posto de gasolina que teve pouco mais de
sessenta reais subtraídos) já é inerente ao próprio tipo descrito no art. 155
do Código Penal, visto que todos os que subtraem para si coisa alheia móvel o
fazem para seu proveito próprio em detrimento do titular do direito de
propriedade.
A
seis, porque acreditar que a gravidade da infração decorreria das declarações
das pessoas ouvidas na instrução, quando atestaram que A. cometera o segundo furto para facilitar sua
fuga em face do primeiro, furtando para dar azo a seus caprichos, é igualmente
desprovido de fundamento jurídico. É que a gravidade da infração não pode ser atestada
por testemunhas, e decorre de critérios objetivos previstos em lei, e não na
convicção pessoal de quem quer que seja.
Se
a resposta repressiva do aparato penal para os crimes de
furto permitem, em tese, a fixação da reprimenda em pena restritiva de
direitos substitutiva, inclusive a reincidentes, nos estritos termos do art.
44, I, a III, combinado com seu parágrafo 3º, do Código Penal, bastariam
declarações de testemunhas atinentes a autoria, somadas à convicção pessoal?
Assim, se para crimes de furto se admite penalização
em meio aberto, inadmissível que se considere tal infração de natureza grave,
simplesmente pela apenação genérica de reclusão, que
em regra se substituiu por penas restritivas de direito. Inaceitável que se
imponha a um adolescente infrator, sem qualquer critério pedagógico, solução
mais gravosa que resultaria em um processo penal a um autor de um crime. Se
assim o fosse, de que adiantaria a Constituição Federal garantir a
inimputabilidade de pessoas menores de dezoito anos?
A
sete, porque justificar a inadequação de medida de liberdade assistida porque o
Município de Campo Mourão ainda não teria projeto em funcionamento para tanto,
o que tornaria a medida “em vão, caindo o Juízo em descredibilidade”,
evidencia ainda mais o caráter penalizador da
sentença.
De
início porque o art. 122, parágrafo 2º, do ECA, não
confunde medida sócio-educativa com programa para execução dessa medida: “Em
nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”, e
não outro programa. E nem poderia ser diferente, visto que o adolescente não
pode ser prejudicado pela inércia estatal, em não oferecer a execução das
medidas sócio-educativas estatuídas na lei. Afinal, não é princípio básico em
direito que ninguém pode ser responsabilizado por aquilo que não deu causa?
Se
eventualmente ainda não existe na Comarca programa para liberdade assistida,
não pode o sócio-educando ser penalizado com a segregação de sua liberdade pela
eventual desídia do poder público. Cabe ao Ministério Público e ao Poder
Judiciário atuação positiva, no sentido de compelir o Município a instalar os
programas previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Pelas
mesmas razões e por óbvio, não tem o menor cabimento aplicar ao adolescente a
medida sócio-educativa extrema em razão da "falta
de estrutura" do município ou comarca para aplicação de medidas em meio
aberto, cabendo sim à autoridade judiciária e órgão do Ministério Público,
consoante acima ventilado, a cobrança, notadamente junto ao Conselho Municipal
de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a definição de uma política
de atendimento para esse tipo de situação, com a previsão da criação de
programas de proteção (inclusive voltados à família) e sócio-educativos idôneos
(em especial de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade) que
permitam os encaminhamentos devidos.
De
igual sorte, mesmo em procedimentos em que, aplicada a medida sócio-educativa
em meio aberto, é verificado seu descumprimento por parte do adolescente, antes
de o recriminarmos por tal conduta é fundamental que verifiquemos se existe um
programa sócio-educativo específico e bem definido, assim como em que consiste
e se está sendo executada a contento sua proposta pedagógica, pois infelizmente
é comum nos depararmos com "programas" de liberdade assistida e
prestação de serviços à comunidade totalmente inadequados em sua concepção e
execução, despidos de qualquer proposta pedagógica, em que o adolescente acaba
sendo desrespeitado e mesmo humilhado por parte daqueles que deveriam
orientá-lo e apoiá-lo, o que sem dúvida torna sua resistência em se submeter a
eles mais do que justificada”
Pelo
exposto, não é difícil concluir que, a nível de
município a internação de um adolescente acusado da prática de ato infracional, ainda que seja este de natureza grave, não
pode servir de sucedâneo à ausência de uma estrutura adequada ou comarca, para
aplicação de medidas outras em meio aberto previstas pela legislação
específica” (DIGIÁCOMO, Murillo José. Internação não
é solução. In Revista Igualdade, da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do
Paraná, com grifos nossos)
Também
não se compreende tal assertiva por parte do juízo a quo,
quando bem sabe que o Município de Campo Mourão está na iminência de instalar
nas próximas semanas programa oficial de liberdade assistida (em decorrência de
compromisso de ajustamento firmado pelo referido Município junto a esta
Promotoria de Justiça no bojo de inquérito civil em trâmite para se detectar as
falhas na política municipal de atendimento à infância e a juventude), tanto é
que esta mesma autoridade judiciária de primeiro grau já vem, em outras ações
sócio-educativas, aplicando medidas de liberdade assistida para serem cumpridas no programa do Município de Campo Mourão,
consoante cópia de sentença anexa. Porque não também a A.?
Ademais,
a preocupação da sentença, em não deixar “o Juízo em descredibilidade”
(fls. 70), não encontra guarida na ordem jurídica, que foi estabelecida para
proteção integral de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento,
colocando-os em prioridade de atendimento para efetivação de todos os seus
direitos, priorizando-os acima de tudo e de todos, até mesmo acima do Poder
Judiciário (art. 227 da CF/88 e artigos 1º a 4º do ECA). A. não pode permanecer segregado para manter
credibilidade de qualquer instituição, por mais nobre e respeitável que seja.
A. somente poderá ser segregado nas hipóteses legais, quando for estritamente
imprescindível para seu desenvolvimento sadio, e somente quando não houver
outras medidas aptas para tanto.
A
imagem do Poder Judiciário não pode ser priorizada em detrimento do direito de
liberdade de uma pessoa em peculiar condição de desenvolvimento, que precisa
urgentemente resgatar seus laços de afetividade familiar e tratar sua
dependência química para adquirir a cidadania que tanto lhe é prometida e para
ter condições efetivas (e não meramente formais) de não voltar a infringir a
lei. Afinal, não é à toa que a dignidade da pessoa humana foi eleita como um
dos fundamentos do Estado democrático de direito, no art. 1º, II, da CF/88.
Aliás,
cairá a Justiça da Infância e da Juventude em “descredibilidade”
quando A. voltar da internação, daqui a meses ou até anos, e voltar a infringir
a lei penal, cometendo os mesmos atos infracionais
como os descritos na representação (senão mais graves), porque então se
evidenciará que o Estado foi completamente incompetente para reeducá-lo, para ressocializá-lo, e para torná-lo um cidadão, pois não foi
capaz de atender as suas necessidades pedagógicas no momento exato, não
conferindo a efetividade de seus direitos e garantia tanto
prometidos, e não tratando as verdadeiras causas do problema. Por isso é
que tantos jovens e adolescentes, ao retornar de suas internações, depois de
meses ou anos segregados, retornam aos mesmos ambientes familiares e
comunitários e cometem as mesmas infrações, sendo então enfim encarceirados em cadeias públicas ao adquirir a maioridade
penal. E depois ainda há quem fale em impunidade para os adolescentes
infratores.
Por
tudo isso, reitera-se: a medida ora imposta vem realmente a penalizar o
adolescente, não como intervenção estatal positiva como resposta ao ato infracional praticado para sua proteção integral, mas como
pura reação – ou castigo – à pessoa que hoje ele é, pessoa que vem passando sua
vida inteira à margem de todos os direitos e garantias que tanto lhe foram
prometidos pelo ordenamento jurídico.
Se
hoje A. está “tão envolvido com a marginalidade” (fls. 68), como se afirmou na
sentença apelada, é porque, antes de estar à margem da lei penal, está há
vários anos à margem da Constituição Federal e à margem do Estatuto da Criança
e do Adolescente, que lhe prometeram uma família estruturada, digna e saudável,
saúde, acesso, permanência e sucesso na escola, a salvo de qualquer forma de
negligência, violência, exploração, crueldade e opressão, mas para o que a
família, a comunidade e o poder público nada fizeram até agora, a não ser
penalizá-lo pelo seu infortúnio, retirando um dos poucos direitos que lhe
restaram – a liberdade.
Não
se pode admitir tal ilegalidade e tal incongruência, determinando-se a
internação definitiva em decorrência de furtos praticados sem violência ou
grave ameaça a pessoa, como única medida
sócio-educativa, sem se considerar a excepcionalidade
e a brevidade da medida segregadora de liberdade, e
já de antemão se sabendo que não trará quaisquer resultados benéficos ao
adolescente. A manutenção da sentença ora atacada condenará o representado à
segregação e ao indesejável convívio com outros adolescentes, na unidade de
internação definitiva, muito mais comprometidos com a
delinqüência, levando o representado, hoje ainda mero autor de furtos,
ao contato e convivência com adolescentes autores de infrações realmente graves
e que de fato precisam da medida e dos recursos humanos da unidade hoje já
superlotada.
Cuida-se
de ilegalidade e retrocesso que não podem ser admitidos. Cabem aqui alguns
comentários da doutrina mais atualizada:
“Dentre as medidas sócio-educativas
relacionadas na Lei nº 8.069/90, a de internação, que importa na privação de
liberdade do adolescente por um período que pode se estender por até 03 (três)
anos, é no entender de educadores e técnicos da área social a menos
recomendável de todas, pois contrária aos princípios sobre os quais se assenta
a própria sistemática de atuação junto ao adolescente em conflito com a lei,
que pressupõe a análise do caso sob o ponto de vista sócio-pedagógico (e não
repressivo-punitivo), voltado ao fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários do jovem (com a realização de trabalho específico junto à
família), que precisa ter sua auto-estima aumentada e vislumbrar, através da
escolarização e profissionalização, perspectivas concretas de um futuro melhor
e mais digno.
Na
correta compreensão que a consecução dos objetivos sócio-educativos não se dará
através da reprodução do sistema penal, procurou o Estatuto da Criança e do
Adolescente, com respaldo na Constituição Federal, reservar a aplicação de
medidas sócio-educativas privativas de liberdade para situações extremas e excepcionais,
ditadas não pela gravidade do ato infracional em tese
praticado, mas sim em razão das necessidades pedagógicas da pessoa do
adolescente, apuradas através da criteriosa análise, por equipe interprofissional habilitada de todo o
contexto pessoal, familiar e social em que o mesmo vive, tendo sempre
por objetivo a solução que seja a ele menos gravosa, com a sistemática
aplicação de medidas de proteção e sócio-educativas em meio aberto, somadas a
medidas de orientação e promoção sócio-familiar, que permitam estabelecer os
tão necessários limites e responsabilidades ao jovem, sem ter de privá-lo de
sua liberdade.
(...)
A
prática, no entanto, tem sido infelizmente outra, com
a aplicação da medida de internação sem qualquer critério legal, em flagrante
desrespeito ao princípio constitucional que estabelece sua excepcionalidade,
em procedimentos que se arrastam por anos a fio sem solução.
Como
resultado, as unidades de internação ficam cada vez mais abarrotadas de
adolescentes, alguns de tenra idade, sendo certo que a indevida aplicação da
medida privativa de liberdade àqueles que poderiam perfeitamente receber
medidas em meio aberto, acaba prejudicando não apenas estes (por razões que
dispensam comentários), mas os próprios adolescentes cuja condição psicossocial de fato reclama a medida extrema, que não irão
receber dos técnicos e educadores a atenção e o
tratamento devidos.
Uma
das causas dessa situação, que coloca em "xeque" toda sistemática de
atendimento ao adolescente em conflito com a lei prevista pela Lei nº 8.069/90,
está na falta de compreensão, por parte de muitos de seus operadores
"jurídicos", justamente dos princípios que norteiam a aplicação e
execução das medidas sócio-educativas e protetivas
àquele, fazendo com que a questão seja encarada sob o prisma penal e o
adolescente seja tratado como um "criminoso juvenil", com tanto ou
(não raro) mais rigor do que ocorreria fosse ele um adulto imputável.
Se esquecem eles que, por mandamento constitucional,
o adolescente deve ter respeitada sua peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento, princípio basilar que é reproduzido no art. 6º da Lei nº
8.069/90 como verdadeira regra de interpretação e aplicação de todas as
disposições estatutárias, inclusive daquelas referentes ao adolescente em
conflito com a lei.
Incabível
e inadmissível, portanto, "equiparar" a conduta do adolescente à de um adulto imputável, traçando paralelos e ilações, inclusive
no que diz respeito à quantidade de pena prevista in abstracto
pela Lei Penal para a infração praticada, de modo a justificar a aplicação da
medida privativa de liberdade extrema.
(...)
Contrariando
a orientação legal e constitucional, no entanto, é comum vermos em distritos
policiais (mesmo quando especializados no atendimento a adolescentes em
conflito com a lei), jovens sendo desrespeitados e humilhados já no momento de
sua apreensão, submetidos ao mesmo tratamento degradante e execrável destinado
a adultos imputáveis, acabando por ficarem, como estes, cada vez mais
brutalizados, revoltados e descrentes com o sistema.
(...)
O
pior de tudo, no entanto, diz respeito justamente à aplicação da medida
sócio-educativa em si, que para muitos é vista, de forma absolutamente
equivocada, como uma verdadeira pena, com finalidade unicamente retributiva.
Essa
noção imprópria sobre o que é e qual a finalidade da medida sócio-educativa
pode ser facilmente aferida pela simples análise da imensa maioria das
sentenças que aplicam a medida de internação, que usualmente, após elaborada argumentação voltada à aferição da
comprovação da autoria e materialidade do ato infracional
atribuído ao adolescente, em poucas linhas concluem, sem qualquer respaldo
técnico ou em elementos concretos trazidos aos autos, que a gravidade da
conduta praticada faz "presumir" sua "periculosidade" e que
portanto sua privação de liberdade se apresenta como a "única"
solução possível.
(...)
Ainda
nesse tópico em particular, merecem comentários as
distorções que se tem visto quando da análise, pela autoridade judiciária, do
que seriam os "antecedentes" do adolescente, haja vista que é comum
considerar como tal procedimentos nos quais foi concedida remissão, o que
contraria a cristalina disposição contida no art. 127 da Lei nº 8.069/90 (que
de maneira expressa estabelece que a remissão não prevalece para efeito de
antecedentes), bem como outros feitos ainda em trâmite, o que afronta o
princípio constitucional da presunção do estado de inocência, insculpido no art.5º, inciso LVII da Constituição
Federal.
(...)
Em
decorrência dessa forma injusta e equivocada de enfrentar a questão do
adolescente em conflito com lei, jovens que têm contra si instaurados - e não
concluídos - vários procedimentos, alguns dos quais em tramitação há anos, são
sistematicamente considerados "multi-reincidentes"
(portanto "irrecuperáveis") e sumariamente submetidos à medida de
internação, sem que na verdade jamais tenham recebido,
de forma efetiva, qualquer outra medida sócio-educativa em meio aberto.
(...)
Assim
sendo, se o adolescente acusado da prática de ato infracional
não recebe, ao tempo e modo devidos (ou seja, dentro do menor período de tempo
possível e à luz dos parâmetros traçados pela Lei nº 8.069/90), as medidas que
lhe permitiriam repensar sua conduta e, através de um tratamento sério dos
problemas e deficiências relacionados à sua educação (na mais ampla acepção da
palavra), encontrar alternativas de vida e perspectivas de futuro, não é
correto responsabilizá-lo com maior rigor quando da prática de novo ato infracional como decorrência do cômputo daquela conduta
pretérita, pois tivesse o jovem recebido a resposta
sócio-educativa adequada, muito provavelmente não teria voltado a
delinqüir.
(...)
Imprescindível,
pois, que tenhamos a exata noção de que o problema do adolescente em conflito
com a lei não será resolvido com o incremento de sua repressão e, muito menos,
com a sistemática aplicação da medida extrema e excepcional da internação, que
não é e nem pode ser utilizada como "pena", mas sim através da
efetiva implantação de políticas e programas de atendimento a crianças
adolescentes e famílias, tal qual previsto no Estatuto da Criança e do
Adolescente, que sem a menor sombra e dúvida, se elaborados e executados com
seriedade e clareza quanto a seus objetivos, permitirão o enfrentamento da
questão pela via correta, de forma muito mais abrangente e eficaz.
Do
contrário, ficaremos para todo o sempre ´administrando o prejuízo´ resultante
de nossa própria omissão, com o cômodo, porém indevido, ilegal e injusto
encaminhamento a unidades de internação cada vez mais superlotadas, de
adolescentes que tinham o direito de receber medidas de proteção e
sócio-educativas em meio aberto, fazendo dos únicos beneficiados com tamanha
falta de visão e sensibilidade os ´governantes de plantão´, que contrariando de
forma até mesmo acintosa o Estatuto da Criança e do Adolescente e Constituição
Federal, têm tradicional e impunemente relegado a área
da infância e juventude a segundo, terceiro ou quarto planos, acarretando assim
prejuízos incomensuráveis à sociedade e às gerações futuras.”
(DIGIÁCOMO, Murillo José. Internação não é
solução. In Revista Igualdade, da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do
Paraná)
Pelo
exposto, o Ministério Público em primeiro grau, por sua agente signatária,
postula o conhecimento e provimento do presente recurso de apelação, com a
anulação da sentença de fls. 66/70 e dos atos subseqüentes, com a conseqüente
concessão de habeas corpus de ofício, liberando-se de
imediato o adolescente A. R. E.S. do encarceramento
ilegal decorrente do excesso de prazo da internação provisória, ou,
alternativamente, a reforma parcial da mesma decisão, a fim de que sejam impostas
ao adolescente A. R. E.S. as medidas sócio-educativas
dos artigos 117 e 118 do ECA (a primeira pelo prazo
mínimo de três meses e a segunda pelo prazo mínimo inicial de seis meses,
conforme determina o parágrafo 2º do art. 118), e demais medidas protetivas necessárias, a cargo do Conselho Tutelar local,
tudo em substitutivo à medida sócio-educativa de internação, colocando-o em
liberdade.
Campo Mourão, 22 de abril
de 2002.
Fernanda Nagl Garcez
Promotora de Justiça