PROGRAMA “JUSTIÇA
DINÂMICA”
I – INTRODUÇÃO:
Com a vigência da nova Constituição
Federal, em 05 de outubro de 1988, e com a ratificação pelo Congresso Nacional
da Convenção da Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança, através do Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990,
introduziu-se no ordenamento jurídico brasileiro uma nova doutrina, denominada
DOUTRINA SÓCIO-JURÍDICA DA PROTEÇÃO INTEGRAL, que somente em 13 de julho de
1990, foi regulamentada através da Lei nº 8.069, chamada Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), que entrou em vigor 03 meses após sua regulamentação.
Respeitando a normativa internacional
e de acordo com a Constituição Federal (art. 227), o Estatuto transformou
radicalmente o ordenamento jurídico vigente à época, em especial por considerar
criança e adolescente não mais como objetos de direito e sim como sujeitos de direito.
Com essa mudança de paradigma, uma
nova era foi implantada em nosso sistema jurídico, exigindo os reordenamentos dos programas da área infanto-juvenil, de
suas entidades executoras e do próprio Sistema de Justiça da Infância e da
Juventude.
Assim, a Vara da Infância e da
Juventude de Boa Vista/RR elaborou um projeto juntamente com a sociedade e
órgãos governamentais para implementar um novo sistema de controle judicial da
delinqüência juvenil, com envolvimento de todos os participantes e com a
finalidade de agilizar os julgamentos para diminuir o número de processos e a
reincidência.
II – SISTEMA DE CONTROLE JUDICIAL DA
DELINQÜÊNCIA JUVENIL:
O Estatuto da Criança e do
Adolescente criou no Brasil um sistema de controle da
delinqüência juvenil, baseado na responsabilização sócio-educativa dos jovens
entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade, que venham a descrever um
comportamento definido como crime ou contravenção penal, denominado ato
infracional.
Dessa maneira, as leis penais são o
ponto de referência para a verificação se a conduta de um adolescente
caracterizou-se em ato infracional, a fim
de que possa ser responsabilizado.
No Brasil, o Estatuto responsabiliza
o adolescente autor de ato infracional mediante um devido processo legal,
estabelecendo sanções, sob a forma de medidas sócio-educativas. É o marco
histórico do rompimento do paradigma da legislação anterior, que permitia a
internação do adolescente como medida de tratamento, sem direito à defesa e sem
determinação de tempo.
Ao adolescente autor de ato
infracional foi-lhe assegurado pela nova legislação: o direito de se defender
de uma acusação formal através de advogado; o direito de receber todas as
informações sobre sua situação processual e seus direitos; a comunicação
imediata de sua apreensão ao juiz, à família ou a qualquer pessoa que o
adolescente indique; além dessa apreensão só acontecer em flagrante de ato
infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz (arts.
110 e 111 do ECA).
As garantias processuais indicam a
possibilidade de um julgamento mais justo e mais eficiente no rompimento do
processo de delinqüência juvenil, além de evitar a discriminação de cor e de
situação econômica entre os adolescentes que são apresentados na Justiça. O julgamento com as garantias processuais tem maior eficácia
na responsabilização do adolescente, pois ele estará ciente de que suas
justificativas estão sendo consideradas e de que há uma autoridade isenta
examinando seu comportamento à luz das normas do convívio social.
Neste tópico a Vara da Infância e da
Juventude da Comarca de Boa Vista/RR, em 01 de agosto de 1998, lançou o
programa “JUSTIÇA DINÂMICA”, a fim de executar todos os procedimentos
necessários à responsabilização do adolescente no período de tempo mais próximo
do cometimento da infração, através de trabalho articulado entre os atores do
novo sistema.
Para a implementação dos
procedimentos exigidos na legislação, a fim de responsabilizar o adolescente
autor de infração, foram realizados diversos cursos de capacitação para todos
os atores envolvidos neste novo sistema de justiça, para que fosse compreendida
a nova doutrina e sobretudo a existência de vidas dentro dos processos e que os
mesmos dependiam da rapidez de suas atuações, para uma imediata solução do
caso.
Um
novo conceito de atuação estava lançado, onde cada colaborador da
Justiça Infanto-Juvenil (Polícias Militar e Civil, Ministério Público,
Defensoria Pública, Juizado da Infância e da Juventude e Entidades de
Atendimento Sócio-Educativo) conseguiu visualizar vidas nas páginas e carimbos
dos autos do processo, passando a obedecer os prazos
previstos no ECA, e consequentemente proporcionando a ordem normal do processo,
quase sempre concluído dentro do prazo máximo de 45 dias.
Ao juiz facilitou a sua tarefa de
julgar, visto que o processo passou a ser bem conduzido e ao adolescente
proporcionou a possibilidade de receber imediatamente a resposta ao seu
comportamento tipificado como ato infracional, e ingressar em um processo
sócio-pedagógico capaz de romper o processo de delinqüência e evitar a
reincidência.
III – FUNÇÃO DOS ATORES:
A)
POLÍCIA MILITAR:
A participação da Polícia Militar no
programa tem sido o de fazer a apreensão em flagrante do adolescente que tenha
cometido ato infracional, encaminhando-o imediatamente à Delegacia de Defesa da
Infância e Juventude, onde é apresentado à Autoridade
Policial, para os devidos fins.
A atuação da Polícia Militar, ao
atender as ocorrências de ato infracional, marca o ingresso do adolescente no
Sistema de Justiça, devendo a mesma ser feita de forma correta, para que se
evite futuros prejuízos ao desenvolvimento do jovem. Por isso, a Polícia
Militar passou por um ciclo de treinamento e capacitação, gerando, inclusive, a
introdução da disciplina de Direito da Criança e do Adolescente no currículo da
Escola de Formação de Policiais Militares/RR e a formação de um grupamento com
atuação nesta área, sob o comando de dois oficias que passaram a ter
incumbência de realizarem as articulações necessárias com os demais órgãos.
Dessa forma, não houve mais registro
de adolescentes apreendidos por suspeitas, reduziu-se o número de denúncias de
violência praticadas por policiais militares contra os adolescentes autores de
ato infracional e não se teve notícia destes sendo transportados ou conduzidos
em compartimentos fechados das viaturas policiais, em condições atentatórias à
sua dignidade ou que implicassem risco à sua integridade física ou mental.
B)
POLÍCIA CIVIL:
C)
MINISTÉRIO PÚBLICO:
D)
DEFENSORIA PÚBLICA:
A Procuradoria Geral da Defensoria
Pública, com a criação da Delegacia, da Promotoria e do Juizado, inaugurou a
Defensoria junto a estes órgãos, contudo com o intuito de efetivamente
participar do programa “Justiça Dinâmica”, aumentou o seu quadro de servidores
e melhorou a sua estrutura física, designando 02 Defensores
Públicos, 02 estagiários, 02 secretárias e 01 motorista com veículo.
Esta estrutura tem garantido ao
adolescente autor de ato infracional à assistência jurídica gratuita em 02
expedientes integrais (manhã e tarde), bem como nos finais de semana.
Sublinha-se, que esta parceria foi de
fundamental importância, para que se pudesse garantir o aspecto formal ao
acesso à Justiça e aos princípios da ampla defesa e do contraditório, através
de Defensor, de forma gratuita para àqueles que não têm as condições
financeiras para contratar um advogado.
A presença da Defensoria tem
garantido desde o primeiro momento da apreensão em flagrante do adolescente até
a decisão judicial ou de recurso, a defesa de seus direitos, também estendidos
a estes na fase da execução de medida sócio-educativa imposta.
E)
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL/RR:
A inclusão da OAB/RR, entidade
não-governamental no programa “Justiça Dinâmica”, legitimou o programa, dando
oportunidade a sociedade civil organizada de
fiscalizá-lo, como também facilitou os encaminhamentos de denúncias sobre
violações aos direitos humanos especiais de adolescentes autores de ato
infracional, uma vez que a Ordem instalou a Comissão de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente, com a finalidade de receber denúncias, encaminhá-las
e acompanhar o desfecho do caso, além de ser um fórum permanente para debate
das questões ligadas a delinqüência juvenil, apresentando propostas concretas
de aperfeiçoamento e melhoria do atendimento nesta área.
F)
ENTIDADES DE ATENDIMENTO:
G)
JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE:
A lentidão da Justiça da Infância e
da Juventude na prestação da tutela jurisdicional tem sido um dos fatores de
descrédito e da sensação de impunidade, quanto à questão do controle da
delinqüência juvenil entre a opinião pública, a mídia e a polícia.
É comum ouvir-se o questionamento do
que adianta apreender o adolescente num dia se no outro dia ele estará nas
ruas. É a falsa idéia de que a legislação em vigor propicia um ciclo vicioso ao
adolescente em conflito com a lei, ou seja, “RUA-DELEGACIA-RUA”.
Assim, a Vara da Infância e da
Juventude da Comarca de Boa Vista/RR, que no início de 1999 contava com 2036
processos em tramitação, lançou o programa “Justiça Dinâmica”, uma iniciativa
de aproximar as datas da prática do ato infracional e de seu julgamento,
visando fortalecer a responsabilização e por conseguinte dar eficácia à medida
sócio-educativa a ser aplicada.
Dessa forma, foi necessário reduzir
todos os procedimentos antigos relativos a adolescentes em
conflito com a lei, organizando-se um amplo mutirão nos setores do
Juizado, com a realização diária de 10 audiências, ou seja, 210 audiências
mensais. Com isto, a Vara não ficou mais amarrada a uma infinidade de processos
antigos que impediam o rápido atendimento dos casos do momento.
Ao mesmo tempo, o Tribunal de Justiça
dispensou todo apoio necessário a implantação do
Programa no Juizado, não medindo esforços em adequar novos espaços físicos para
a execução do programa em uma mesma sede, bem como de informatizar os setores
de atendimento, instalando, inclusive, o programa SIPIA do Ministério da
Justiça.
Com o apoio necessário e com o número
suficiente de servidores, o Juizado passou a ter a seguinte estrutura: 01 Juiz, 02 escrivães, 02 oficiais de justiça,
02 Auxiliares Judiciários, 02 psicólogos, 02 assistentes sociais, 01 pedagoga,
06 agentes de proteção efetivos, 30 agentes de proteção voluntários, e 11
agentes administrativos cedidos dos Governos Estadual e
Municipal, distribuídos no cartório, sala de audiência, gabinete do
Juízo, setor interprofissional, divisão de proteção à infância e juventude e
assessorias de projetos e de comunicação.
Com o atendimento imediato evitou-se
que o decurso do tempo para o julgamento do caso acarretasse a desresponsabilização do adolescente, que acabaria
contribuindo para sua permanência na trajetória de marginalização. Para que
este atendimento pudesse ser imediato, o mesmo passou a ser feito das 07h30min
às 18h, em todos os dias úteis, contando nos finais de semana e feriados com
plantões, o que se denominou nesta fase de implementação do programa de
“Plantão Integral”.
O programa, através de ações
articuladas e integradas, rompeu com preconceitos e posições corporativistas,
fazendo com que o magistrado saísse de seu “castelo” e passasse a compartilhar
suas decisões com todos os novos atores do sistema, sem perder sua autoridade
definida no ECA.
O programa proporcionou uma definição
clara do andamento do processo e das atribuições dos referidos setores do
Juizado. Os servidores foram envolvidos na realização de suas tarefas através
de capacitação e treinamento e de reuniões constantes de avaliação e
planejamento, que se realizam todas as sextas-feiras. O cartório passou a
agilizar os processos de forma simples e prática, dividindo-se em setores de
atuação: do ato infracional, do cível e da execução de medidas.
O setor interprofissional assumiu sua
verdadeira identidade dividindo-se também em grupos de atuação nas áreas
infracional, execução de medidas sócio-educativas e cível.
O primeiro grupo procede uma imediata intervenção no
adolescente em conflito com a lei e seus familiares, elaborando não só o estudo
de caso como indica a melhor medida a ser aplicada no caso de reconhecimento da
prática do ato infracional. Garante também desde este momento a escolarização,
saúde, assistência social e outros programas necessários ao desenvolvimento do
adolescente e seus familiares, conscientizando estes últimos da
responsabilidade em acompanhar o filho em todo o processo. O segundo grupo
elabora uma rotina de fiscalização das entidades executoras dos programas
sócio-educativos, monitorando sua proposta pedagógica e articulando a sua
melhoria, além de acompanhar cada processo judicial de execução de medida,
emitindo os pereceres visando auxiliar o Juiz.
A divisão de proteção criou uma equipe
de busca e localização de adolescentes e seus familiares, onde geralmente
conseguem localizar membros da família extensa do adolescente em conflito com a
lei, facilitando dessa forma a intervenção necessária ao fortalecimento dos
vínculos familiares pelos programas de retaguarda.
A criação das assessorias de projeto
e de comunicação foram inovações pioneiras em Roraima, sob orientações dos
Desembargadores Amaral e Silva (SC) e Marcel Hoppe
(RS), para desempenharem as funções de divulgação das ações da área
infanto-juvenil, de melhor relacionamento e esclarecimento com os meios de
comunicação e elaboração de projetos de ponta, para implementação do ECA.
Com essa mudança de paradigma, a
eficácia do programa “Justiça Dinâmica” alcançou em 1999 dados estatísticos
surpreendentes, que demonstram que esta ação é capaz de controlar a
delinqüência juvenil, especialmente com a aplicação das medidas
sócio-educativas em regime aberto.
Com a criação e instalação do
programa “Justiça Dinâmica” a Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Boa
Vista/RR, que no passado chegou a ter 2036 processos em tramitação, conseguindo
alcançar a marca histórica de 677 processos em andamento, com previsão de ter
até agosto do corrente ano aproximadamente 400 processos aguardando sentença, o
que representa uma redução de 81 % de feitos, adequando-se a um número ideal de
feitos sob responsabilidade de um Juiz.
IV – OBJETIVOS ALCANÇADOS:
A ação conjunta e articulada de todos
os procedimentos necessários à responsabilização do adolescente autor de ato
infracional pelos atores do novo sistema de controle judicial da delinqüência
juvenil na Comarca de Boa Vista/RR, em um plantão integral, proporcionou os
seguintes resultados observados no ano de 1999:
1º. Diminuição
da prática de infrações entre os adolescentes;
2º. Agilizou
com eficiência o funcionamento do sistema de controle judicial da delinqüência
juvenil, possibilitando o julgamento do caso para o mesmo dia da prática do ato
infracional ou da apresentação do adolescente em Juízo;
3º. Reduziu
a impunidade gerada pelo sistema anterior;
4º. Estrito cumprimento do ECA,
promovendo a garantia de direitos e adequadas utilizações das medidas
sócio-educativas;
5º. Garantiu
a mudança de praxe da banalização da aplicação de medidas em regime fechado,
pela prática da utilização das medidas em regime aberto, resultando somente 26
medidas em regime fechado aplicadas contra 306 em regime
aberto, sendo destas 168 advertências;
6º. Aumento
da utilização do instituto da remissão, registrando 310 remissões concedidas,
evitando um maior contato do adolescente com o Sistema de Justiça;
7º. Reduziu
a reincidência onde dos 595 adolescentes julgados, somente 05 eram
reincidentes;
8º. Promoveu
soluções criativas e resolutivas para formação da cidadania dos adolescentes
autores de atos infracionais;
9º. Transformação
do processo formal (Ação Sócio-Educativa) em um procedimento em caráter
pedagógico e criação do Processo de Execução de Medidas Sócio-Educativas;
10º. Rompimento
do imobilismo dos atores da Justiça e experimentação coletiva de novas formas
de trabalho;
11º. Redefinição
das atividades dos setores técnicos, acarretando novos compromissos e uma nova
identidade para os profissionais desta área;
12º. Criou
um novo perfil do Juiz, do Promotor, do Defensor, e dos Policiais que atuam no
sistema;
13º. Redução
do número de processos em tramitação de 2036 para 677 (maio/2000), com previsão
para 400 em agosto/2000;
14º. Desmistificação
da violência juvenil, demonstrando que os adolescentes cometem muito mais atos
infracionais contra o patrimônio do que contra a vida, registrando-se 197
furtos e 29 roubos em face de 40 homicídos tentados
ou consumados;