Ação Civil Pública. Trabalho da Criança e do
Adolescente. O Brasil, gradativamente, vem
enquadrando-se na política internacional de proteção dos direitos humanos,
inclusive dos direitos das crianças e adolescentes, tendo, para tanto, ratificado a Declaração dos Direitos da
Criança, em 1959, e a Convenção sobre os
Direitos da Criança, em 24.09.90. Na esteira da tendência dos debates
internacionais, o Brasil fez incluir importantes dispositivos na Constituição
Federal de 1988, dentre os quais os arts. 203, 227 e 228. Ainda, foram
promulgados o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 10097/2000. Todo esse arcabouço jurídico
enfatiza a concepção de que crianças e adolescentes devem ter resguardados a
primazia na prestação de socorros, a precedência de atendimento nos serviços
públicos, preferência na formulação e execução de políticas sociais e, por
derradeiro, privilégio da destinação de recursos públicos para a proteção
infanto-juvenil. O estímulo à aprendizagem, em termos de formação
técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência
obrigatória ao ensino regular por parte do adolescente. De conseqüência,
proliferam entidades, ainda que com boas intenções, espalhando o trabalho
infantil e realizando verdadeira intermediação de mão de obra, sob os auspícios
de realizarem atividades filantrópica e social, reduzindo a incidência de
menores de rua e de marginalidade
infantil, encaminhando-os ao mercado de trabalho, sem qualquer proteção e
cumprimento desse arcabouço jurídico. O trabalho educativo é aquele em que a dimensão produtiva está
subordinada à dimensão formativa.
Distingue-se do trabalho stricto sensu,
subordinado, por não restar configurada, precipuamente, a sua finalidade econômica e, sim, uma
atividade laborativa, que se insira no contexto pedagógico, voltada mais ao
desenvolvimento pessoal e social do educando. Não encontradas essas
características, a entidade está descumprindo os ditames legais, devendo
abster-se dessas práticas, pelo que tem pertinência a Ação Civil Pública. (RO
nº 01001-1999-007-15-00-8, Recurso
Ordinário Da 1ª Vt De Americana, Recorrente: Ministério Público Do Trabalho –
Procuradoria Regional Do Trabalho Da 15ª Região, Recorrido: Soma – Serviço De
Orientação De Menores De Americana)
ACÓRDÃO Nº.
PROCESSO TRT/15ª. REGIÃO Nº.
01001-1999-007-15-00-8 RO(02136/2002-RO-0)
RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VT DE
AMERICANA
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO – PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO
RECORRIDO: SOMA – SERVIÇO DE
ORIENTAÇÃO DE MENORES DE AMERICANA
EMENTA: Ação
Civil Pública. Trabalho da Criança e do Adolescente. O Brasil,
gradativamente, vem enquadrando-se na política internacional de proteção dos
direitos humanos, inclusive dos direitos das crianças e adolescentes, tendo,
para tanto, ratificado a Declaração dos
Direitos da Criança, em 1959, e a
Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24.09.90. Na esteira da tendência
dos debates internacionais, o Brasil fez incluir importantes dispositivos na
Constituição Federal de 1988, dentre os quais os arts. 203, 227 e 228. Ainda,
foram promulgados o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 10097/2000. Todo esse arcabouço jurídico
enfatiza a concepção de que crianças e adolescentes devem ter resguardados a
primazia na prestação de socorros, a precedência de atendimento nos serviços
públicos, preferência na formulação e execução de políticas sociais e, por
derradeiro, privilégio da destinação de recursos públicos para a proteção
infanto-juvenil. O estímulo à aprendizagem, em termos de formação
técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência
obrigatória ao ensino regular por parte do adolescente. De conseqüência, proliferam entidades, ainda que com boas
intenções, espalhando o trabalho infantil e realizando verdadeira intermediação
de mão de obra, sob os auspícios de realizarem atividades filantrópica e
social, reduzindo a incidência de menores de rua e de marginalidade infantil, encaminhando-os
ao mercado de trabalho, sem qualquer proteção e cumprimento desse arcabouço
jurídico. O trabalho educativo é aquele
em que a dimensão produtiva está subordinada à dimensão formativa. Distingue-se do trabalho stricto sensu, subordinado, por não
restar configurada, precipuamente, a sua
finalidade econômica e, sim, uma atividade laborativa, que se insira no
contexto pedagógico, voltada mais ao desenvolvimento pessoal e social do
educando. Não encontradas essas características, a entidade está descumprindo
os ditames legais, devendo abster-se dessas práticas, pelo que tem pertinência
a Ação Civil Pública.
Da R.Sentença de fls. 454/460, cujo relatório
adoto, que julgou improcedente o
pedido, recorre o Requerente, tempestivamente (fls. 484/508), pretendendo a
reforma da julgado, a fim de que a Requerida deixe de intermediar trabalho de
adolescentes, abstendo-se de encaminhar menores de 16 anos, de despedir menores
grávidas, e proceder descontos nos salários, bem como seja excluída da
condenação custas processuais.
Fls. 513 – Contra-razões pela Requerida,
argüindo, preliminarmente, intempestividade do recurso, ilegitimidade ativa do
Ministério Público, deserção do recurso pelo não recolhimento das custas
processuais e a inépcia da inicial.
Fls. 524/526 – Opina o Ministério Público do
Trabalho, por parecer, pela reautuação dos autos, visto a inexistência de
Remessa Oficial, pelo conhecimento e
provimento do apelo.
Representação processual regular.
Alçada permissível.
Em contra-razões, a Requerida alega, preliminarmente, a
intempestividade do recurso ordinário, aduzindo que a intimação ocorrera com a
publicação no Diário Oficial, sendo inadmissível a data aposta pelo MP, quando
do recebimento de autos, através de remessa (20.07.01).
Nos termos previstos pela Lei Complementar 75/93, art. 18,
“h”, é prerrogativa processual dos membros do Ministério Público a intimação
pessoal. Outrossim, a Consolidação das
Normas da Corregedoria deste Regional prevê a intimação do Ministério Público
mediante a remessa dos autos àquele órgão, o que se dera em 13.07.01.
Insta-se salientar, a despeito das razões veiculadas pela
Requerida, que a remessa dos autos se dera da cidade de Americana para a cidade
de Campinas, cujo serviço de malote se verifica, somente, uma vez por semana.
Portanto, plenamente plausível o prazo transcorrido entre a remessa e o
recebimento dos presentes autos pela Procuradoria, não havendo que se falar em
intempestividade na interposição.
Invoca, ainda, a Requerida deserção recursal, diante da
ausência do recolhimento de custas processuais.
Em que pese a condenação pela R.Sentença, o art. 18 da Lei
7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, expressamente prevê a
impossibilidade de tal condenação à Autora, salvo comprovada má-fé.
Assim, incabível a exigência do pagamento de custas
processuais por parte do Requerente, como pressuposto de admissibilidade do
presente recurso, afastando-se a deserção.
Estabelecidas essas premissas, conheço o
recurso interposto, eis que preenchidas as exigências legais.
Argui a Requerida a ilegitimidade
ativa do Ministério Público e inépcia, matérias essas não abordadas em
defesa(fls. 224 e segs.).
Embora as condições da ação se constituam
matéria de ordem pública, repita-se, a matéria fora ventilada pela Requerida,
somente, em sede de contra-razões. É cediço que o efeito devolutivo dos
recursos devolve ao ad quem a
totalidade das questões postas em Juízo, inclusive as não analisadas pela
Instância inferior, mas discutidas pelas partes. Assim, se a Requerida opõe
duas defesas ao pedido, mas o Juiz acolhe somente uma delas, o recurso
devolverá à Instância Superior o conhecimento de ambas as defesas, podendo
manter a improcedência, por exemplo, pelo outro fundamento.
O que não pode ocorrer é a dilação
defensiva, através das contra-razões.
Não conheço, pois, das preliminares de ilegitimidade de
parte e inépcia da inicial, argüidas pela Requerida.
No mérito, temos questão de alta indagação, tratada
internacionalmente, consistente na tutela e proteção ao menor.
Destacamos que a legislação tutelar do menor remonta ao
Século XVIII e encontra sua origem nos países industrializados, onde se buscou
vedar seu trabalho em locais perigosos, insalubres, diminuir a jornada de trabalho, dentre outras normas protetivas.
As Nações Unidas, através da Declaração dos Direitos da
Criança, de 1959, ratificada pelo Brasil, demonstrara a preocupação com a
preservação, em especial, dos direitos das crianças, em decorrência de sua imaturidade física e
mental, anteriormente, objeto de deliberação na Declaração dos Direitos da
Criança, em Genebra, de 1924, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e
nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais
interessadas no bem-estar da criança, estabelecendo princípios, dentre os
quais:
A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a
crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão
proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré
e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência
médica adequadas.
Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a
criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos
cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num
ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias
excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e
às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às
crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência.
É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da
manutenção dos filhos de famílias numerosas.
A criança terá direito a receber
educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.
Ser-lhe-á propiciada uma educação
capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais
oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e
seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da
sociedade.
Os melhores interesses da criança
serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta
responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.
A criança terá ampla oportunidade
para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a
sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste
direito.
A criança gozará proteção contra
quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto
de tráfico, sob qualquer forma.
Não será permitido à criança
empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a
ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique
a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou
moral.
No Brasil, a partir da Constituição
Federal de 1934, vislumbrou-se maior preocupação com o menor, estabelecendo-lhe
limites para admissão ao trabalho.
A Constituição Federal de 1988, pródiga no que tange aos
temas sociais, mas atual nas questões internacionalmente debatidas, sobretudo
no que tange aos direitos humanos, trata a questão da criança com respaldo sem
precedentes, adotando a teoria da proteção integral. Vários dispositivos
destacam o compromisso do Estado com os direitos da criança e do adolescente,
principalmente, o art. 227, ao dispor que "...o
Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do
adolescente, admitida a participação de entidades não-governamentais...".
Assistência esta reafirmada no artigo 203, ao prever a sua
prestação a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, com ênfase no amparo às crianças e adolescentes carentes.
Na mesma linha, como a educação constitui um ponto nodal de
toda e qualquer política infanto-juvenil, a Constituição Federal detalha, no
artigo 228, os deveres próprios do Estado:
"I – ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria;
II – atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
de ensino;
III – atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
IV – oferta de ensino noturno
regular, adequado às condições do educando;
V – atendimento ao educando, no
ensino fundamental, através de programas suplementares de material
didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde."
Para
integrar esse arcabouço jurídico, a
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.89, adotou a Convenção sobre os
Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24.09.90, em cujo artigo 28 os
Estados-partes se comprometem:
“...
a)
tornar o ensino primário
obrigatório e disponível gratuitamente a todos;
b)
estimular o
desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o
ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as
crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito
e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade;
c)
...
d)
tornar a informação e a
orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as
crianças;
e)
...”
Também, no
art. 32, o Brasil se comprometeu:
“Artigo 32 – 1. Os Estados-partes
reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração
econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou
interferir em sua educação, ou seja nocivo para saúde ou para seu
desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.
2. Os Estados-partes adotarão medidas
legislativas, administrativas, sociais e educacionais com vistas a assegurar a
aplicação do presente artigo. Com tal propósito, e levando em consideração as
disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais, os
Estados-partes deverão, em particular:
a)
estabelecer uma idade ou
idades mínimas para a admissão em empregos;
b)
estabelecer
regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego;
c)
estabelecer penalidades
ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar o cumprimento efetivo do
presente artigo.”
Na esteira do texto Constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, promulgado pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, regula muitas das conquistas consubstanciadas pela Carta Magna em favor da infância e da juventude. O Estatuto introduz inovações importantes no tratamento dessa questão, sintetizando mudanças, deslocando a tendência assistencialista prevalecente em programas destinados ao público infanto-juvenil para o âmbito sócio-educativo, de cunho emancipatório.
Além disso, no campo do atendimento a crianças e
adolescentes em condição de risco pessoal e social, o Estatuto rejeita as
práticas subjetivas e discricionárias do direito tutelar tradicional e introduz
salvaguardas jurídicas, de forma a
conferir à criança e ao adolescente a condição de sujeito de direitos,
frente ao sistema administrador da justiça para a infância e juventude.
Institucionalmente, o ECA criou os Conselhos Tutelares (art.
131), com o intuito de garantir a aplicação eficaz das propostas estatutárias.
Órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, são encarregados pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Sempre que esses direitos forem violados, por ação ou omissão do Estado ou da
sociedade, caberá aos ditos Conselhos Tutelares adotar medidas de proteção
cabíveis, interpondo, quando necessário, representação junto à autoridade
judiciária.
Além de constituir um marco legal inédito sobre a temática
em apreço, o ECA buscou assegurar às crianças e aos adolescentes o pleno
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e dignidade. Permeia, ainda, o Estatuto, a concepção de que crianças
e adolescentes devem ter resguardados a primazia na prestação de socorros, a
precedência de atendimento nos serviços públicos, preferência na formulação e
execução de políticas sociais e, por derradeiro, privilégio da destinação de recursos
públicos para a proteção infanto-juvenil. Essas prioridades reiteram os
preceitos constitucionalmente previstos.
Nessa esteira, o ECA, também, regula o direito à
profissionalização e proteção ao trabalho.
O estímulo à aprendizagem, em termos de formação
técnico-profissional, subordina-se à garantia de acesso e freqüência
obrigatória ao ensino regular por parte do adolescente. Nessa esteira, voltada
para a regulamentação do instituto do trabalho educativo previsto no ECA e
destinado ao adolescente entre 14 e 18 anos, de modo a conciliar atividades
educativas com a inserção desse grupo no mercado de trabalho, foi promulgada a
Lei nº 10097/2000.
E, ainda, a Lei
Orgânica de Assistência Social (LOAS), promulgada em 7 de dezembro de 1993 (Lei
nº 8.742), que regulamenta os artigos 203 e 204 da Constituição, estabelece o
sistema de proteção social para os grupos mais vulneráveis da população, por
meio de benefícios, serviços, programas e projetos.
Em seu art. 2º, estabelece que a assistência social tem por
objetivos, dentre outros: I) a proteção à família, à infância e à adolescência;
II) o amparo às crianças e adolescentes carentes.
Integrado ao combate de erradicar o trabalho infantil, o
Governo brasileiro tem participado, de forma intensa, de conferências internacionais,
que abordam a temática sobre as mais diversas perspectivas. O Ministério do
Trabalho esteve presente na Conferência de Amsterdã (fevereiro 1997), na qual
se discutiu com mais de 30 países, representantes de empregadores e empregados
e organizações não-governamentais, medidas de combate às mais intoleráveis
formas de trabalho infantil. Embora o trabalho infantil seja um dado nacional,
em alguns ramos de atividades assume uma dimensão internacional. Nessa linha, a
Conferência foi um marco fundamental para fortalecer a cooperação internacional
e regional em torno da temática.
Por ocasião da Primeira Reunião Ibero-americana Tripartite
de Nível Ministerial sobre Erradicação do Trabalho Infantil (Cartagena das
Índias, maio de 1997), o Governo brasileiro, representado pelo Ministério do
Trabalho, assinou a Declaração de Cartagena, que reitera o compromisso dos
países signatários de reconhecer os direitos da infância como fundamentos dos
direitos humanos. Para implementar as políticas, todos concordaram a se
empenhar em: I) promover o crescimento econômico, que resulte na mitigação da
pobreza; II) redobrar os esforços para erradicar o trabalho infantil, através
de estratégias que agreguem e comprometam os diversos atores sociais; III)
criar comitês nacionais, para desenhar e implementar um Plano Nacional de Ação
para Erradicação do Trabalho Infantil; IV) estabelecer um acompanhamento
sistemático desses comitês, bem como um sistema regional de informações.
A preocupação do governo brasileiro se encontra lastreada em
dados estatísticos a demonstrar mais de 3 milhões de crianças e adolescentes menores de 16 anos (Anuário
Estatístico do IBGE) trabalhando durante
o dia para garantir o sustento próprio e da família, ao invés de participar de
atividades de socialização, brincadeiras e de ter tempo para o estudo.
Trabalham nas mais diversas atividades em prejuízo de sua educação e
desenvolvimento físico e psicológico.
O trabalho
infantil é um fenômeno complexo, principalmente, quando consideradas as
contingências culturais, econômicas e sociais predominantes atualmente em nosso
país.
A idéia prevalecente, no âmbito de nossa sociedade, consiste
em manter o menor inserido no mercado de trabalho, como forma de contribuir
para o aumento da renda familiar e evitar seu ingresso na marginalidade.
De forma alguma, fomentam-se idéias no sentido de uma ação
social, que possibilite a essa família uma renda mínima adequada, excetuando-se
o atual programa bolsa-escola, e permita manter seus filhos na escola, de modo
que nos afigura cada vez mais natural a situação do menor trabalhando.
De conseqüência,
proliferam entidades, mesmo com a melhor das intenções, como a
Requerida, propalando o trabalho infantil, realizando verdadeira intermediação
de mão de obra, sob os auspícios de realizarem atividades filantrópica e
social, reduzindo a incidência de menores de rua e de marginalidade infantil, encaminhando-os ao mercado de trabalho.
Entretanto, verifica-se, quando de eventual fiscalização,
como no caso dos autos, que os preceitos constantes do art. 68, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, em hipótese alguma, encontram-se
observados.
O trabalho educativo, no dizer de Oris de Oliveira, é aquele em que a dimensão produtiva está
subordinada à dimensão formativa.
Distingue-se do trabalho stricto sensu,
por não restar configurada, precipuamente,
a sua finalidade econômica e, sim, uma atividade laborativa, que se
insira no contexto pedagógico, voltada ao desenvolvimento pessoal e social do
educando.
Nessa linha, a Recomendação
117 da OIT, sobre a formação profissional, estabelece:
A preparação pré-profissional deverá
proporcionar aos jovens que ainda não tenham uma atividade profissional,
uma iniciação a uma variedade de tipos
de trabalho, nunca, porém, em detrimento da educação geral, nem como substituto
da primeira fase de formação profissional .
A jornada completa de oito horas
diárias de trabalho é incompatível com o processo de escolarização, que é um
direito Constitucionalmente assegurado
às crianças e adolescentes, além de ser prejudicial ao seu desenvolvimento
cognitivo, afetivo e motor. A aprendizagem profissional não deve substituir a
escolarização de primeiro grau, que, inclusive, forma trabalhadores mais aptos
a se inserirem no mercado formal de trabalho.
No caso em tela, foram constatadas e verificadas pelo
Conselho Tutelar de Americana a
inobservância do estatuído pela Lei nº 8069/90, no tocante ao trabalho do menor
e trabalho educativo, tais como o labor em jornada de 7:30 horas, sem qualquer
vínculo empregatício com as chamadas conveniadas, ou, em verdade, tomadoras,
inexistência de complementação ou reforço escolar ou de um programa adequado
de preparação e capacitação dos menores,
condições de higiene deficitária, o
desligamento do programa, quando da gravidez das adolescentes ou quando
em idade de alistamento militar, ausência de qualquer contato com a família do
adolescente, conforme constante do item “c” do Capítulo I, do seu Estatuto, e, ainda, imposição de multas e
penalidades vexatórias aos adolescentes.
Instaurado o Inquérito Civil Público, não se logrou êxito em
firmar um termo de ajuste de conduta(fls. 161/164), recusando-se a
Requerida-SOMA a providenciar regularização da situação trabalhista e
previdenciária dos menores.
Aliás, extrai-se da cópia de Ata de Reunião (fls. 289/291),
a relutância da Requerida em reconhecer
a necessidade de adequação da instituição aos preceitos do ECA.
Os elementos constantes dos autos demonstram que o labor dos
menores ocorria, em verdade, na forma de autêntica relação empregatícia
subordinada, nada se vislumbrando acerca dos elementos caracterizadores do
trabalho educativo alegado pela Requerida.
Somente a jornada a que se submetem os menores, já
impossibilita sua freqüência em qualquer outra atividade de cunho educativo ou
de capacitação profissional, cujo fornecimento é inerente ao conceito de
trabalho educativo.
Demais disso, o labor desses adolescentes se encontra à
margem, ante os termos dos convênios estipulados pela Requerida e empresas
conveniadas, de qualquer legislação trabalhista, seja na modalidade de
aprendizagem ou mesmo na modalidade de estágio profissionalizante.
A situação dos menores, indubitavelmente, é de total desproteção
legal, no tangente ao trabalho desempenhado, ao arrepio do Direito
Internacional, dispositivos Constitucionais, infra-constitucionais
previdenciários e Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por outro lado, as assertivas da Requerida, quanto a promover um atividade de cunho social,
encaminhando menores ao trabalho, recolhendo-os da rua e, mesmo no sentido de
possuir um programa educacional, não podem prevalecer.
Outrossim, o argumento sórdido de, diante da realidade
social do país, a forma de encaminhamento praticada é preferível à
marginalidade, não obstante se revista de forte apelo emocional, não se
sustenta juridicamente, sob pena de o Judiciário compactuar com um continuísmo desregrado e desgarrado dos compromissos
internacionalmente firmados pelo nosso País,
Destarte, impõe-se o provimento do recurso interposto,
devendo, sim, a Requerida se abster de intermediar o trabalho de adolescentes e
com idade inferior a 16 anos ao trabalho, salvo na condição de aprendiz, de
desligar adolescentes grávidas, de descontar da remuneração dos adolescentes
quantias destinadas a uniforme, salvo autorização legal, de reter salários,
para compelir os adolescentes a apresentarem atestado escolar.
Isto posto, decido conhecer o recurso interposto, para lhe dar provimento e julgar procedente em
parte a Ação Civil Pública, determinando à Requerida que se abstenha de
intermediar trabalho subordinado de adolescentes em empresas, inclusive com
idade inferior a 16 anos, salvo na condição de aprendiz, sem que lhes assegure
todos os direitos trabalhistas e previdenciários, inclusive registro em CTPS, e
sem a efetiva formação profissional acompanhada pela entidade-Ré, através de
profissionais especializados, abstenha-se, também, de desligar adolescentes
grávidas, abstenha-se de efetivar descontos nos salários dos adolescentes,
especialmente a título de uniformes, salvo autorização legal, abstenha-se de
reter salários, sob a condição de ser apresentado atestado escolar, sob pena de
ser cominada multa diária, nos termos da Lei nº 7347/85, ora arbitrada em R$
20,00 por adolescente em situação irregular, reversível ao FAT(Lei nº 7998/90),
devendo ser oficiado o Ministério do Trabalho, para fiscalização do cumprimento
da presente. Custas a cargo da Requerida, calculadas sobre o valor ora
arbitrado em R$ 10.000,00, no importe de R$ 200,00.
LUCIANE STOREL DA SILVA
Juíza Relatora