Índice: 1. Introdução – 2. Generalidades – 2.1. Direito do Menor: perplexidades – 2.2. Direito da
Criança e do Adolescente: um novo Direito – 2.3. As novas
tendências do Direito da Criança e do Adolescente – 3. A Criança e o Adolescente em Conflito com a Lei – 3.1. Generalidades – 3.1.1. A
Delinqüência Juvenil – 4. O Sistema de Justiça da Infância e da
Juventude – 4.1. Histórico – 4.2. Características – 4.3. O Juiz
– 4.3.1. As Funções do Juiz – 4.4. Medidas – 4.4.1. Medidas de
proteção – 4.4.1.1. Colocação em
Família Substituta – 4.4.2. Medidas
Sócio-educativas e o Mito da Inimputabilidade Penal – 4.4.2.1. A Doutrina da Proteção Integral e o Novo Sistema de
Justiça – 4.4.2.2. Medidas
Sócio-educativas – 4.4.2.3. Remissão
– 4.4.2.4. Advertência – 4.4.2.5. Reparação do Dano – 4.4.2.6. Prestação de Serviços à Comunidade –
4.4.2.7. Liberdade Assistida –
4.4.2.8. Inserção em Regime de Semiliberdade
– 4.4.2.9. Internação – 4.5. Os Procedimentos – 4.5.1. Colocação em Família Substituta – 4.5.2. Processo de apuração de infração penal –
4.5.2.1. Generalidades – 4.5.2.2. Privação da Liberdade – 4.5.2.3. Apuração de Ato Infracional – 4.5.2.4. O Controle Judicial da Execução das Medidas
Sócio-educativas – 4.6. Proteção
Judicial dos interesses coletivos e difusos – 4.7. Os Recursos – 4.8. O Ministério
Público – 4.9. O Advogado – 4.10. Serviços Auxiliares – 5. Rede
Administrativa de Atendimento.
1. Introdução
O presente
trabalho objetiva expor em linhas gerais o novo sistema preconizado a partir do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Uma nova
Justiça e um novo Direito são apresentados com base na doutrina da “Proteção
Integral”.
A
explanação inclui crítica ao antigo modelo e à doutrina da “situação
irregular”, enfatizando o papel de cada um dos integrantes do sistema: Juiz,
Promotor, Advogado, Autoridade Policial e Técnicos.
Valoriza-se
o Juiz como figura central do processo que age dentro dos princípios da
legalidade estrita. Salienta-se a importância do Ministério Público, defensor
dos direitos indisponíveis, da ordem jurídica, do “justo”, distinguindo-se as
funções do Advogado como indispensáveis à administração da justiça.
Cada
personagem com o seu papel. Nada de eufemismos ou mitos capazes de desvirtuar
institutos ou órgãos já consolidados no Direito.
O Direito
das Crianças e dos Adolescentes, como os demais, está preso aos princípios, às
normas, às regras da ciência jurídica.
A Justiça
da Infância e da Juventude, seus integrantes, o sistema, estão jungidos ao
Direito Judiciário.
O processo
surge como elemento de garantia e segurança da liberdade jurídica, dos direitos
de crianças e adolescentes, cujo sistema de justiça, como os demais, busca a
prevenção e a composição dos litígios.
2.1 Direito do Menor: perplexidades
Segundo os
defensores da doutrina Cavallieri, há que se limitar o alcance do Direito do
Menor[1]; o ramo não se ocupa de toda a menoridade, mas dos menores de dezoito
anos que se encontrem em situação irregular, e, excepcionalmente, nos casos
previstos em lei, entre 18 e 21 anos. Ora, não é possível cogitar de um ramo do
Direito cuja denominação não corresponda ao conteúdo principal da matéria por
ele tratada. Cuidando essa parte da ciência jurídica apenas de uma parcela dos menores,
daqueles que tenham menos de 18 anos e, assim mesmo, estejam numa situação de
“patologia jurídico-social”, definida legalmente, a crítica pode começar pela
impropriedade da denominação.
Para ser adequado
à denominação, o Direito do Menor teria de se dirigir a todos os menores de 21
anos e não apenas aos de 18 e, ainda assim, em “situação irregular”.
A nominação
é sempre pelo conteúdo, pela regra de incidência. Aqui se nominou pela exceção.
Cavallieri
define Direito do Menor como “o conjunto de normas jurídicas relativas à
definição da situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção[2]”.
O Direito
do Menor é comparado à Medicina. Diz-se serem suas medidas terapêuticas. Há um
diagnóstico que identifica a “patologia social”.
O Juiz, à semelhança do médico, determina o tratamento, buscando no elenco do Código a medida terapêutica adequada.
O equívoco
está em “diagnosticar” o menino, que é posto como mero objeto da intervenção
estatal, quando, na realidade, se trata de sujeito ativo de direitos.
Entre as
medidas ditas “terapêuticas”, o Juiz não encontrava uma única de apoio material
ao jovem ou à família, restando, na maioria dos casos, a colocação em lar
substituto ou internamento como os únicos viáveis.
Os pobres
podiam perder o pátrio poder e os filhos, por indigência, serem colocados sob
tutela do Estado ou em família substituta.
2.2 Direito da Criança e do
Adolescente: um novo Direito
Com o
surgimento da Carta Política de 88 apareceu no país um novo direito, o Direito
da Criança e do Adolescente, evolução natural do chamado Direito do Menor. É
que o artigo 227 reuniu e sintetizou os principais postulados da Doutrina da
Proteção Integral das Nações Unidas para a Infância.
O novo
ramo, que tem como fontes materiais a denominada “questão do menor” e a “crise
da justiça tutelar” (casos Gault e Miranda), lastreou suas fontes formais em
declarações e tratados de direitos humanos, entre outros a Declaração de
Genebra de 1924, a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, a
proposta de Convenção (Polônia de 1978 – hoje Convenção Internacional dos
Direitos da Criança), as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração
da Justiça Juvenil, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos
Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção
da Delinqüência Juvenil.
Em julho de
1990, o artigo 227 da Carta Política foi regulamentado pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente. Em 14 de setembro de 1990, a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança foi aprovada (Decreto Legislativo nº 28). Tais fatos
despertaram redobrados interesses a
respeito das fontes das novas disposições.
A mudança
no panorama legislativo foi radical. Passou-se da chamada Doutrina da Situação
Irregular do Menor para a Doutrina da Proteção Integral da Criança e do
Adolescente; a criança pobre deixou de freqüentar o sistema policial e
judiciário para ser encaminhada com os pais à instância político-administrativa
local, os Conselhos Tutelares; desapareceu a figura do Juiz de Menores, que
tratava da situação irregular do menor, para surgir o Juiz de Direito que julga
da situação irregular da família, da sociedade ou do Estado, podendo, decidir,
inclusive, a respeito da eficácia de políticas públicas básicas, condenando o
Estado a propiciar medidas de apoio, auxílio e orientação à criança, ao
adolescente e à família.
A questão
da delinqüência juvenil passou a ser encarada de forma realista e científica;
apareceram as ações de pretensão sócio-educativas; a remissão; o direito ao
contraditório e à ampla defesa; o julgamento; os princípios de presunção de
inocência, da proporcionalidade, da legalidade, da fundamentação das decisões.
Muito mais adequado falar-se em Direito da Criança e do Adolescente, um novo ramo mais científico, mais jurídico, dirigido a todas as crianças e adolescentes, com denominação correspondente ao conteúdo da matéria por ele tratada.
A nova
doutrina evoluiu “da situação irregular do menor” para a situação irregular da
família, da sociedade e do Estado, preconizando novas medidas, também para os
responsáveis ativos da situação irregular.
“Irregular”
é o mesmo que “estar contra o que é regular”, conforme a regra. Estamos no
campo semântico-jurídico. Aqui, as expressões têm significado próprio.
Segundo De
Plácido e Silva[3] “irregular: (contrário a regular) que sai da regra jurídica
ou contravém à lei ou ao regulamento. Equivalente à ilegal”.
Ora, a
criança negligenciada pelo Estado ou abandonada pelo pai jamais estará em
situação irregular, isto é, na ilegalidade. Na irregularidade incidirão o pai,
a família ou o Estado.
2.3 As novas tendências do
Direito da Criança e do Adolescente
Existe em
todos os países, qualquer que seja o modelo ou sistema adotado (“do devido
processo legal”, do “bem-estar” ou do “participativo”), uma forte tendência no
sentido de melhorar a posição do jovem quanto aos seus direitos processuais e
materiais.
A
inclinação é registrada por vários autores: Emilio Garcia Mendez[4], Tânia da
Silva Pereira[5], Alenka Selih[6], Luiz Rodrigues Manzanera[7], Ubaldino
Calvento Solari[8], Gilbert Armijo[9], Mary Beloff[10], Alessandro Baratta[11],
Luigi Ferrajoli[12].
Crianças e
jovens gozam todos os direitos fundamentais da pessoa humana e, além disso, têm
direito à proteção integral.
“As
características próprias dos tribunais especializados são estabelecidas para a
realização dos direitos da criança e do adolescente, sem olvidar os direitos fundamentais
garantidos na Constituição”, como, por exemplo, o devido processo legal,
“evitando-se dessa forma que através do exercício de faculdades discricionárias
e arbitrárias se convertam em centros de poder ilimitado” (Solari).
No Brasil,
versando a matéria, Grünspun diz que “a posição paternalista não está
resolvendo porque é autoritária e antijurídica”.[13]
Depois de
analisar a questão detalhadamente, o cientista faz interessante crítica:
“Criam-se então situações antijurídicas, modificando o transitado em julgado, com sentenças novas que, mesmo chamadas de medidas educativas ou de proteção, não mudam o aspecto do fato na prática: injustiças para os menores infratores são mais freqüentes do que as penas que, na maioria das vezes, são atenuadas para o adulto”.
“Bom
comportamento de maiores nas prisões pode abreviar o tempo para a liberdade de
um adulto, mas o menor infrator, com sentença de medida corretiva até à
maioridade, pode ficar confinado por muitos anos, sem mudanças por bom
comportamento”.
“A
proposição é de igualar os direitos, aceitar e compreender que existe crime
infantil e juvenil, haver defesa pela
patologia que pode existir e indicar a medida correta.
“O que deve
preocupar é o reconhecimento da patologia da violência”.
O que importa é
conter o sistema de justiça e de atendimento do infrator nos limites da estrita
legalidade. Tais marcos existem para assegurar os direitos fundamentais e não
para punir, como equivocadamente se manifestam alguns defensores do sistema
ab-rogado.
3. A Criança e o
Adolescente em Conflito com a Lei
O conceito de
delinqüência juvenil tem sido alargado para abarcar comportamentos não
tipificados nas leis penais, como acontecia, por exemplo, no país, com o
ab-rogado Código de Menores, que sancionava o
desvio de conduta. O menor em “situação irregular” podia ser privado de
liberdade, em estabelecimento penitenciário, sem determinação de tempo e sem o
devido processo legal, aí permanecendo, inclusive, depois de atingida a
maioridade, só sendo liberado pelo Juiz das Execuções Penais. Confira-se art.
2º, inciso V e 41, § 3º.
A moderna
inclinação no sentido de restringir a delinqüência juvenil às infrações do Direito
Penal foi seguida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que atendeu às
Regras de Beijing.
O equívoco de
incluir na delinqüência juvenil fatos penalmente indiferentes têm conduzido a
injustiças. As decisões tutelares, geralmente, resultavam em medidas mais
severas para os menores, além de se revelarem completamente ineficazes na
prevenção dos delitos e na recuperação de jovens.
Linguagem
obscena, inadaptação social, familiar ou escolar, permanência nas ruas,
afastamento da casa paterna e indisciplina, em algumas legislações
correspondem, na prática, a respostas mais severas do que a adultos em casos
análogos. Acresce serem tais comportamentos indiferentes às leis penais.
É clássico o caso
Estado do Arizona x Gault em que o jovem, por palavreado obsceno, foi
sentenciado a internamento (privação de liberdade) por até seis anos para ser
“tratado”. O processo, submetido à Suprema Corte, resultou na constatação de
que os Tribunais de Menores, ditos Tutelares, não reconheciam os direitos
fundamentais.
O julgamento da
Suprema Corte, marco importante na história do Direito do Menor, desmistificou
o caráter tutelar de medidas punitivas, disfarçadas em protetivas.
Manzanera[14]
critica a intervenção da justiça juvenil em casos paradelinqüenciais ou de desvio
de conduta. Observa o jurista:
“Se
discute el derecho de los tribunales de menores a intervenir para evitar que
menores predispuestos a la delincuencia se conviertan en delincuentes, no sólo
desde un punto de vista estrictamente legal, sino también porque los servicios
judiciales actuales no garantizan que esa intervención produzca resultados
satisfactorios. Se sabe, en efecto, que aun en las comunidades más avanzadas
los recursos disponibles son demasiado limitados para asegurar el logro del
objectivo perseguido.
“La
intervención de los tribunales de menores, en los casos de menores necesitados
de cuidado y protección, pero que no han cometido ningún delito, puede producir
o acentuar una reacción de resistencia y hostilidad.”
O envolvimento da polícia judiciária com crianças e jovens que não estejam em situações delinqüenciais (crimes) é desaconselhável. Pode provocar reações de resistência e hostilidade, predispondo à violência.
As causas da
delinqüência juvenil e da crescente violência urbana, de longa data, vêm sendo
ligadas à marginalização social. Embora existam outros fatores, a grande
maioria dos atos delinqüenciais praticados por jovens tem origem nas situações
particularmente difíceis em que se encontram.
O prefixo “sub”
caracteriza suas vidas: subnutridos, vivendo do subsalário, na submoradia, no
subemprego, pertencem a um submundo, impenetrável às políticas públicas, salvo a da segurança
e, assim mesmo, de forma equivocada.
Sendo de sobrevivência
e de ocasião a maioria das infrações praticadas por crianças e adolescentes, o
que preocupa mais é a patologia da violência, como observou, com propriedade,
Hain Grünspun[15].
O Estatuto,
atento as Beijing Rules, determina a
desjudicialização das hipóteses sem gravidade, preconizando medidas protetivas
ou preventivas, independentemente de processo formal. Para reincidentes ou
violentos, prevê ação de pretensão sócio-educativa. Os casos de reincidência,
gravidade, violência, podem resultar em medidas mais severas, inclusive
privação de liberdade, em flagrante ou provisória. Em qualquer hipótese,
observados os direitos constitucionais.
O novo modelo consagra: prevenção primária, multissetorial, assegurando direitos fundamentais como saúde, educação, esporte, lazer, profissionalização, etc., inclusive através de ações civis públicas; prevenção secundária, pelos Conselhos Tutelares com medidas protetivas e assistência educativa à família; prevenção terciária, através de medidas sócio-educativas, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e privação de liberdade em estabelecimento educacional.
O desconhecimento
dos princípios, das normas, das garantias processuais, principalmente a falta
de estrutura para a aplicação correta de medidas sócio-educativas, muito
contribui para a inexistência de uma adequada política de resposta à
delinqüência juvenil.
Instituições
impróprias, falta de pessoal qualificado e confinamento arbitrário podem ser
apontados como políticas equivocadas.
Enquanto não se qualificar a área policial, judicial e técnica; enquanto a sociedade não se conscientizar da importância da prevenção; enquanto os apelos e as soluções continuarem centradas na repressão, será muito difícil implementar uma política correta de resposta à delinqüência juvenil.
O fato é que
crianças e jovens, às vezes, praticam ações anti-sociais graves, violentas.
Nesse caso, impõe-se resposta, tratamento, medida sócio-educativa, como
queiram. A verdade é que tal resposta deve variar conforme o fato e o agente,
sempre limitada pela humanidade, pela ética e pelos princípios do Direito, de
tal forma que o jovem não seja penalizado
com mais rigor do que o adulto, muito menos, desnecessariamente.
A prevenção da
delinqüência juvenil está ligada também ao relacionamento do sistema de justiça
com o jovem acusado. Uma intervenção inadequada, violenta ou arbitrária, pode
trazer sérias conseqüências. Do comentário à Regra 19, das Regras Mínimas da
ONU, traduzidas por Maria Josefina Becker:
“A
criminologia mais avançada advoga o uso do tratamento não institucional. As
diferenças encontradas no grau de eficácia da institucionalização em relação à
não institucionalização são pequenas ou inexistentes. É evidente que as muitas
influências adversas que todo estabelecimento institucional parece exercer
inevitavelmente sobre o indivíduo, não podem ser neutralizadas com um maior
cuidado no tratamento. Isso ocorre principalmente no caso dos menores, que são
especialmente vulneráveis às influências negativas. Além do mais, os efeitos
negativos, não apenas da perda da liberdade, mas também da separação do meio
social habitual, são certamente mais agudos em sua etapa inicial do
desenvolvimento”.
“A
Regra 19 pretende restringir a institucionalização em dois aspectos: em
quantidade (‘último recurso’) e em tempo (‘mais breve período possível’), a
Regra 19 reflete um dos princípios norteadores básicos da resolução 4 do 6º
Congresso das Nações Unidas: um menor infrator não deve ser encarcerado a não
ser que não haja outra resposta adequada. A regra, portanto, proclama o
princípio de que, se o menor deve ser institucionalizado, a perda da liberdade
deve limitar-se ao menor grau possível, com arranjos institucionais especiais
para contenção e tendo em mente as diferenças entre tipos de infratores,
infrações e instituições. Definidamente, os estabelecimentos ‘abertos’ aos
‘fechados’. Além do mais, qualquer instalação deve ser do tipo correcional ou
educativo e não carcerária”.
A prevenção terciária requer alternativas para a privação de liberdade como programas de liberdade assistida, apoio e acompanhamento temporários, serviços à comunidade, etc (...)
4. O Sistema de Justiça da Infância
e da Juventude
Bulhões de
Carvalho[16] lembra que a Justiça de Menores nasceu da Justiça Criminal,
decorrência da reação humanitária contra a “prisão-educação”, que não passava
de prisão.
“Surgiu, desde
então, e desenvolveu-se a idéia de que se deveria atribuir a juízes especiais o
encargo de submeter os menores infratores a medidas educativas, inteiramente
alheias à pesquisa do discernimento e da aplicação de pena ou castigo”.
“Instituído
em Chicago pela Lei de 21 de junho de 1899, passou esse Tribunal Especial para
a Inglaterra em 1905, com a criação do Tribunal de Birmingham, seguido do Children Act, em 1908. Em 1911, foi
adotado em Portugal pela lei de proteção à infância, na Bélgica e na França, em
1912, na Espanha, em 1918, e no Brasil, em 1921”.
Se a Justiça de Menores nasceu da indignação referida por Bulhões, citando o Juiz Magnaud, que se recusava a mandar jovens para as escolas de preparação de crimes e criminosos, a Justiça da Infância e da Juventude surgiu da luta contra o sistema equivocado da “carrocinha de menores” exposto por Rivera[17] durante o debate “Código/Estatuto”:
A
“carrocinha de menores” decorria da aplicação do artigo 94 do Código, que
determinava às autoridades administrativas o encaminhamento à autoridade
judiciária dos menores em situação irregular.
Ora, pelo
artigo 2°, I, b, os meninos pobres, os meninos de rua, entre outros, eram
apreendidos pela polícia ou ronda do comissariado, sem que nada estivessem
fazendo além de exercitarem um direito fundamental de ir e vir, estar e
permanecer nos logradouros públicos e espaços comunitários. Nessa “apreensão”
indiscriminada misturavam-se meninos sem qualquer desvio de comportamento com
adolescentes já “contaminados” pela patologia da violência. O resultado era
evidente: mais destrutividade.
As Delegacias de Menores
estavam “cheias” de meninos com pequenos furtos de sobrevivência, outros sem
qualquer comportamento desviante, estes últimos, injustamente acusados de
“vadiagem” ou “atitude suspeita” ou “perambulância”, todos “misturados”,
inclusive com adolescentes envolvidos em infrações graves. Como no “Direito do
Menor” não havia “acusação”, muito menos “idéia de punição”, aí permaneciam
aguardando outro “encaminhamento”, tudo em nome “do superior interesse do
menor”.
Essa antijuridicidade fez com que grupos da sociedade civil se organizassem iniciando campanha pela revogação do Código e dos princípios “autoritários e simplistas” do Direito do Menor. O detalhe é importante para fixar o espírito do novo “Direito da Criança e do Adolescente”, cuja fonte é o fenômeno social já referido.
De um Código que não
mencionava direitos, evoluímos para um Estatuto de Direitos e Garantias; de um
sistema autoritário, que controlava e penalizava a pobreza, passamos para
outro, participativo e descentralizado.
O avanço
foi extraordinário.
Vejo como
importante assumir a transparência em área onde sempre predominou a falácia da
“tutela”, da “proteção”, da “reeducação”, que, via de regra, resultava em
respostas injustas, simples controle social da pobreza.
É preciso
reconhecer que em muitos casos, adolescentes, entrando em conflito com a lei,
precisam ser conscientizados de sua responsabilidade social.
Destaco a
importância do sistema, que é misto. Garantia de direitos com a correspondente
responsabilidade juvenil, que ouso denominar “penal juvenil”.
É
imprescindível assumir que o novo modelo não oculta a delinqüência dos jovens;
tem sustentação científica, afasta-se dos eufemismos; não subtrai conflitos; é
pedagógico e proclama a dignidade do jovem como pessoa responsável.
O antigo
sistema “protetor” penalizava “o menor com desvio de conduta em virtude de
grave inadaptação familiar ou comunitáira” com a chamada “terapia do
internamento”, que não passava de medida de segurança detentiva, para hipóteses
não deliqüenciais.
Ao tempo em
que prestigiava a “periculosidade” (desvio de conduta), o sistema “tutelar”
exorcisava a responsabilidade juvenil.
Através de
simples jogo de palavras, pretendia afastar a conotação penal das medidas
“protetoras”, na verdade penas indeterminadas, sanções disfarçadas, geralmente
mais gravosas do que as do Direito Penal dos adultos.
A nova
doutrina do Estatuto deixa claro o caráter responsabilizante das medidas
sócio-educativas, caracterizadas pela predominância da proposta pedagógica, que
não oculta a existência do conflito; do dano; da necessidade da reparação e da
imprescindível resposta, adequada e justa, à delinqüência juvenil.
Não é
admitindo o caráter retributivo da resposta, que retiraremos das medidas
sócio-educativas o conteúdo predominantemente humanitário e pedagógico,
reconhecido como ínsito até nas penas criminais.
A
responsabilidade estatutária penal juvenil, com os consectários da legalidade (nulla
poena sine lege); da proporcionalidade (individualização da medida); da
prévia mediação com a vítima, nada afeta os direitos do adolescente. Ao
contrário, surge como imprescíndivel ao reconhecimento da dignidade do jovem,
pessoa capaz de assumir responsabilidades sociais e legais, e que, inclusive,
goza do direito à remissão/transação, incorporada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Na chamada
delinqüência juvenil, optamos pelo sistema judicial, portanto de legalidade
estrita.
As questões
da resposta à infração penal (atos infracionais), atribuído a jovens
inimputáveis penalmente, se submetem aos princípios, às normas do Direito da
Criança e do Adolescente, do Direito Penal e da Criminologia.
A resposta
será tanto mais adequada, quando optar pela remissão (conciliação com a
vítima); pela reparação do dano, sem que o Estado se aproprie do conflito, que
pertence aos envolvidos.
A nova
postura é claramente pelas alternativas ao internamento, como a liberdade
assistida, serviços à comunidade, adolescentes que não têm família, etc (...)
Ao
reconhecermos a existência do delito juvenil, da respectiva responsabilidade e
que o sistema é de Justiça Especializada (diferente da Justiça Penal Comum), estaremos
agindo de maneira correta, dentro dos princípios preconizados pelo direito
ciência e pelo direito norma, garantindo o jovem e a sociedade. Além disso,
estaremos preservando os adolescentes dos resultados negativos das respostas
meramente repressivas, decorrentes do possível rebaixamento da idade da
imputabilidade penal ou da “proteção” do Sistema Tutetar, que não passava da
odiosa e discriminatória opressão, sempre lançada sobre jovens das classes
menos favorecidas.
O novo
sistema participativo, descentralizado, confere às crianças e jovens, o status
de sujeitos de direito; a cidadania, portanto, direitos e deveres.
No que
tange aos direitos, cabe ao Executivo, ao Judiciário e à Rede de Atendimento,
garantir a eficácia das políticas sociais básicas e da política de assistência
social. Esforço que encontra no Estatuto os necessários instrumentos, como, por
exemplo, as ações civis públicas.
No que
tange aos adolescentes em conflito com a Lei Penal (ECA – art. 103), cabe-nos
garantir a eficácia das medidas sócio-educativas, principalmente, as
alternativas à privação de liberdade e a assistência educativa à família.
Há que
implementar programas de prestação de serviços à comunidade; liberdade
assistida; assistência educativa.
Programas
bem estruturados pedagogicamente, cujo custo pela simplicidade do projeto, seja
acessível ao mais pobre dos municípios brasileiros.
Há em
nossas comunidades, em nossos Estados e em nosso País, instrumentos e recursos
capazes de garantir direitos e deveres de crianças e jovens.
Basta
vontade política.
Será a
Justiça da Infância e da Juventude um sistema de justiça parcial? A
especialização do Juiz, do Promotor de Justiça, do Advogado e dos demais
integrantes do sistema não torna a justiça “parcial” como queriam Wilson
Barreira e Paulo Brazil[18].
O sistema,
como a legislação correspondente, é garantista e responsabilizante.
A
interpretação mais favorável aos interesses da criança e do adolescente obedece
a princípios da orientação zetética preconizada pela hermenêutica jurídica.
Estudos de casos,
diagnósticos, prognósticos; defesas, pareceres, sentenças e acórdãos
freqüentemente exsurgem fundamentados apenas no “melhor interesse da criança”,
critério simplista e autoritário, porquanto subjetivo.
Esse mito, do
“melhor interesse”, geralmente arbitrário, tem conduzido às maiores injustiças,
separando crianças e pais, quebrando raízes afetivas e biológicas.
A pretexto de
garantir “um futuro melhor”, crianças e jovens são separados dos pais, perdendo
vínculos afetivos, sem que suas opiniões e anseios sejam devidamente
considerados.
Nas separações e
divórcios, pais e mães partilham bens e filhos sem que crianças e adolescentes
se manifestem, decidindo Advogados, Promotores e Juízes, ao arrepio da opinião
dos mais atingidos pelo drama familiar.
É dito que as
decisões levam em conta o “melhor interesse”, mas, geralmente, os
pronunciamentos não esclarecem em que o pressuposto se baseou, faltando, na
maioria das vezes, análise dos aspectos psicológicos e fáticos.
Decisões se
executam e se exaurem sem acompanhamento e avaliação das conseqüências.
O suprimento da
incapacidade, na maior parte dos casos, não passa de falácia, que precisa ser
desmascarada: os atores do processo deverão assumir que “o melhor interesse”,
não deve ser a “justificativa”, simplista e autoritária, do “adulto” para
decidir do destino do “menor”.
Laudos,
pareceres, sentenças, não devem se basear em tão singelo e arbitrário
princípio, que nem sempre coincide com as expectativas e direitos fundamentais
(liberdade, intimidade, opinião) de crianças e jovens.
Outras falácias
podem ser encontradas quando se proclama o aspecto Tutelar da Justiça e a
inimputabilidade penal. Estas contribuem para o exacerbamento do preconceito
relativamente aos “menores”, apontados como irresponsáveis.
Uma justiça que
obriga a reparar o dano, prestar serviço à comunidade, que priva o adolescente
do bem jurídico mais importante depois da vida, a liberdade, não pode ser
considerada exclusivamente tutelar do “melhor interesse” do jovem.
Ao “internar” o
adolescente, privando-o da liberdade, a justiça também tutela o interesse
social da segurança pública e da prevenção e repressão da delinqüência.
No sistema,
apontado como tutelar, o jovem, além de estigmatizado como irresponsável,
inimputável penalmente, é “punido” com restrições severas que, inclusive,
implicam na perda da liberdade.
Tal falácia
(Inimputabilidade = Proteção) não resiste a qualquer análise crítica.
Quanto à
reeducação e ressocialização de “jovens infratores”, tais mitos e suas nefastas
conseqüências, são por demais conhecidos, dispensando qualquer argumento. A
matéria é cediça. Basta a referência.
As “medidas
protetivas”, implicando a separação da criança da família ou do grupo afetivo,
em muitos casos, resultam na institucionalização, cujos males são por demais
conhecidos.
As “medidas
sócio-educativas”, na realidade, penas criminais disfarçadas, impostas com base
em “princípios” e “paradigmas dos adultos”, são bastante questionáveis.
A comunidade
jurídica e o sistema de justiça, para serem coerentes, têm de admitir a
existência do crime juvenil e da necessidade da resposta justa e adequada,
abandonando mitos, eufemismos e falácias, próprios do antigo e autoritário Direito
do Menor.
A Carta Política
de 88, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção Internacional dos
Direitos da Criança, não podem continuar a serem interpretados e aplicados com
base na antiga “Doutrina da Situação Irregular”. É dela que advém tais viéses,
com equívocos e injustiças.
A partir do
Estatuto implantou-se um novo modelo jurídico, garantista e responsabilizante.
O adolescente,
embora penalmente inimputável, passou a ter responsabilidade juvenil (que
denomino responsabilidade penal-juvenil ou sócio-educativa).
Como as demais
pessoas, os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais e sociais. Em
contrapartida, respondem pelos seus atos frente à justiça, se submetendo a
respostas predominantemente educativas, mas cujo caráter retributivo tem de ser
reconhecido.
A liturgia do
julgamento é pedagógica. A resposta também.
O Estado, mesmo à
guisa de proteger, não pode se apropriar do “conflito”, que pertence ao jovem e
que tem de ser composto, com a participação dele e da vítima.
Crianças e jovens
precisam ser conscientizados de que, se o sistema, de um lado garante os seus
direitos, de outro, estabelece responsabilidades.
É preciso que a
criança, desde cedo, se conscientize da dignidade de ser responsável.
Os atores do
sistema têm de se conscientizar das mudanças
surgidas com a nova Doutrina da Proteção Integral que inspirou o
Estatuto e que o modelo, além de garantista, é responsabilizante.
A criança e o
adolescente não podem ser encarados como meros objetos de proteção, “menores”,
“incapazes”, mas como verdadeiros “sujeitos de direito”.
A grande
violência que ainda se comete contra eles, é a interpretação do Estatuto a
partir dos princípios da chamada “Doutrina da Situação Irregular”, no qual,
pela “patologia social”, juízes aplicavam “medidas terapêuticas” baseadas na
“regra de ouro” do Direito do Menor, o “melhor interesse” – mito conveniente
que legitimou arbítrio e freqüentes injustiças.
O descumprimento por parte da família, ou do Estado, do direito objetivo (normas estatutárias da proteção integral) cria para a criança ou adolescente o direito subjetivo de invocar a aplicação coercitiva da norma, o que só pode ser feito jurisdicionalmente. Isto não quer dizer que a jurisdição, por ser também tutelar, deixe de ser jurisdição. É especializada, mas é jurisdição. Participa da “justiça ordinária”.
O Juiz da
Infância e da Juventude é o Juiz de Direito que exerce essa função na forma da
lei de organização judiciária local.
Compete à União
legislar sobre processo (Carta 88, art. 22, I), cabendo aos Estados dispor
sobre organização judiciária (art. l25, § 1º).
O Direito
Processual regulamenta o exercício da jurisdição (o poder de julgar) que vem
instituído na Constituição.
Em que pese
à zona cinzenta, é possível distinguir Direito Processual e Organização
Judiciária.
A União
estabelece normas processuais, disciplinando a forma de desenvolvimento da
prestação jurisdicional. O Estado organiza sistema de justiça, criando
tribunais, juízes e serviços auxiliares.
A
organização judiciária é sempre dependente, subordinada, regulamentadora dos
órgãos necessários à prestação jurisdicional.
O Estatuto regulamenta a proteção integral preconizada no artigo 227 da Carta Republicana, explicitando os direitos de crianças e adolescentes e a forma da realização coercitiva desses direitos por meio do processo judiciário (competência da União).
O Juiz da
Infância e da Juventude deverá ser especializado, necessidade reconhecida
unanimemente. D’Antônio afirma ser tão prejudicial o sistema que submete o
menor a um Juizado leigo como aquele que concede jurisdição a magistrados sem
especialização[19]. Solari[20] defende a necessidade, lembrando que isto já
acontece com o Direito Administrativo e com o Direito do Trabalho. Bulhões de
Carvalho[21] sustenta que a especificidade da jurisdição exige formação
especializada.
O comentário às “Regras de Beijing”, tratando do profissionalismo, enfatiza a imperiosa necessidade de formação mínima em direito, sociologia, psicologia, criminologia e ciências do comportamento, dizendo ser esta questão tão importante como a especialização organizacional e a independência da autoridade competente.
O processo visa
à realização da justiça. As funções do Juiz são processuais.
O Juiz é juiz no processo. O fenômeno se repete na Justiça da Infância e da Juventude onde há processo simplificado, célere, mas processo, mesmo na jurisdição voluntária.
Tratando-se
de ato infracional, o Magistrado observará o disposto no art. 381 do CPP.
O Estatuto
é claro: “A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que
reconheça na sentença: estar provada a inexistência do fato; não haver prova da
existência do fato; não constituir o fato ato infracional; não existir prova de
ter o adolescente concorrido para o ato infracional” (art. 189).
A aplicação
da medida sócio-educativa pressupõe a existência de prova da autoria e da
materialidade do ato (art. 114).
Na
jurisdição voluntária, cabe ao Juiz disciplinar através de portaria ou
autorizar mediante alvará a entrada de criança ou adolescente desacompanhado
dos pais ou responsáveis em diversão pública. A competência não inclui poder
normativo de caráter geral.
O antigo poder
normativo foi extinto. O Estatuto, na matéria, foi mais jurídico.
Não é
próprio do Poder Judiciário ditar normas de caráter geral, mas decidir, em caso
concreto, a aplicação do direito objetivo.
Juiz não é legislador, não elabora normas de comportamento social. Julga os comportamentos frente às regras de conduta da vida social. Essas geralmente decorrem do processo legislativo reservado pela Constituição a outra órbita.
Entende-se,
genericamente, por medidas de proteção, as decorrentes do Estatuto, aplicadas
no interesse da criança e do adolescente, mesmo que aos pais, responsáveis ou
terceiros.
A
penalização ao médico que deixa de identificar corretamente o neonato e o
encaminhamento do pai ou responsável a programa de auxílio e promoção à família
são exemplos de medidas genéricas de proteção.
As medidas
específicas, dirigidas exclusivamente à criança e ao adolescente, vêm no
capítulo II do título II do Estatuto e são as seguintes:
“Encaminhamento aos pais ou responsável, mediante
termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários;
matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família,
à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou
psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa
oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos; abrigo em entidade; colocação em família substituta”.
Tais
medidas não podem ser aplicadas sem que se observe o respectivo processo. Só há
intervenção judicial por meio da jurisdição voluntária ou contenciosa.
Não havendo
conflito instalado ou conflito a prevenir, não há atuação jurisdicional.
Se a
criança, o adolescente, os pais ou responsáveis aceitam a proteção da
assistência social, se não há resistência ao cumprimento dos deveres pela
família, sociedade ou Estado, mas exercício do pátrio poder, a questão não é
judicial, litigiosa; é de assistência e a medida de proteção cabe à autoridade
administrativa, o Conselho Tutelar. Vide arts. 131 a 137 do Estatuto.
4.4.1.1 Colocação em
Família Substituta
A crítica
ao ab-rogado Código residia na falta de menção aos direitos da criança e do
adolescente e na ausência de medidas de apoio à família. A lacuna foi suprida.
Tínhamos um
código de controle social da pobreza, agora temos uma lei tutelar.
Via de regra, a privação de direitos, os conflitos do pátrio poder decorrem da pobreza, da indigência. Em muitos casos a proteção à criança e ao adolescente só será proteção se envolver auxílio material, inclusive à família.
Pelo
Estatuto, colocação em família substituta só se realizará sendo inviável a
manutenção da criança na família de origem. Tenha-se presente o disposto no
art. 23 e no parágrafo único: “A falta ou a carência de recursos materiais não
constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder”.
Não
existindo outro motivo que, por si só, autorize a decretação da medida, a
criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, o qual deverá
obrigatoriamente ser incluído em programas oficiais de auxílio.
Inovação
importante vem no § 1º do art. 28: “Sempre que possível, a criança ou o
adolescente deverão ser previamente ouvido e sua opinião devidamente
considerada”.
Adolescentes
e até crianças, em muitos casos, revelam maior maturidade do que adultos,
principalmente quando ocorrem conflitos familiares.
Grünspun[22]
explica:
“O desafio
é sobre a presunção tradicional sobre a incompetência do menor”.
Segundo
Eppel (34), a maturidade intelectual e moral de um adolescente de 14 anos de
idade é semelhante à do adulto. Schetki e Benedek (91) ainda reduzem a idade,
mostrando que crianças de 9 anos de idade podem não compreender informações
precisas sobre uma doença, mas tomam decisões na escolha dos tratamentos
propostos, iguais às dos adultos.
O argumento
é de que a idade da competência é variável e depende além do menor dos
procedimentos usados.
A postura
que considera a criança e o adolescente sujeitos de direitos implica
necessariamente no reconhecimento ao direito de opinião e expressão (art. 16,
I).
O Juiz,
sempre que possível, ouvirá a criança e o adolescente, levando em consideração
o grau de desenvolvimento da personalidade, o controle sobre as reações
instintivas e passionais e o desenvolvimento emocional e intelectual.
O artigo 12
da Convenção sobre os direitos da criança garante “o direito de exprimir
livremente a sua opinião sobre questões que lhe respeitam, assegurada a
oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos”.
No que
tange à adoção, as mudanças são radicais. O adotado rompe os laços com a família
biológica, sendo a adoção irrevogável, reduz-se a idade dos adotantes para 21
anos; proíbe-se a adoção de descendentes e irmãos; exige-se o consentimento do
adotado maior de 12 anos e permite-se a adoção pelos concubinos.
A colocação
em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente
admissível na modalidade de adoção (art. 31).
Mazzilli[23],
com propriedade, insiste em que a adoção
deve ser facilitada:
“Bem se vê que a própria evolução do Instituto e a
tendência liberalizante da jurisprudência são uma mostra de como se deve
interpretar a matéria: sempre num sentido mais flexível, para aprimorar a
adoção, que até aqui não tem sido mais amplamente usada, porque ainda poderia e
deveria ser mais simplificada. Nem se diga que as conquistas do filho adotado
reverteriam em prejuízo aos legítimos (na parte sucessória, p. ex.), ou em
equiparação cada vez maior entre adoção simples e plena (a figura dos avós
adotivos, p. ex.). Igualmente, não podemos admitir posições simplistas como a
do Código Civil de 1916, que no seu artigo 358 fechou os olhos para a
realidade, vedando o reconhecimento dos filhos incestuosos ou adulterinos, como
se com isso eles deixassem de existir ou de serem procriados, e protegida
ficasse a família! Como se incestuosos e adulterinos fossem os filhos e não os
seus pais! A se prestigiar o formalismo em tal matéria, o que se continuará a
ver será infelizmente o estiolamento do instituto da adoção, mantendo-se o
atual estado de coisas: poucas adoções; muitos registros de nascimento
atribuindo filiação falsa; muitos menores abandonados; muitas guardas de fato,
de pessoas que não querem, nem podem se sujeitar às inúmeras exigências para
obterem uma correta adoção, que faça o menor, que já têm como filho, realmente
integrado e amparado na sua família”.
4.4.2 Medidas
Sócio-educativas e o Mito da Inimputabilidade Penal
É cediço que o Estatuto da Criança e do Adolescente
trasladou as garantias do Direito Penal, propiciando como resposta à
delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas
predominantemente pedagógicas.
Não defendo a carcerização do sistema sócio-educativo, muito
menos medidas meramente retributivas. Ao contrário, ao invocar o Direito Penal,
preconizo a humanização das respostas, as alternativas à privação de liberdade,
a descriminalização e a despenalização – o Direito Penal Mínimo.
O que procuro desmascarar são as posições “paternalistas” do
sistema de penas disfarçadas, impostas com severidade e sem os limites do
Direito Penal, em muitos casos mais rigorosas do que, em iguais circunstâncias,
seriam fixadas pela Justiça Criminal.
Sem embargo do aspecto predominantemente pedagógico das
medidas sócio-educativas, insisto na necessidade de tornar efetivos os limites
e as garantias do Direito Penal.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não
cabe persistir reproduzindo viéses, equívocos, mitos e falácias do antigo
modelo, onde a “proteção” não passava de odiosa “opressão”, onde o sistema
“educacional” e “protetivo”, na prática, reproduzia o sistema carcerário dos
adultos.
Uma das grandes preocupações dos militantes da defesa dos
direitos humanos de adolescentes submetidos às medidas sócio-educativas tem
sido a falta de critérios objetivos capazes de conter o arbítrio do Estado,
haja visto a existência de muitos casos de privação de liberdade em hipóteses
sem gravidade.
O fenômeno, confirmado através de levantamento do Grupo de
Trabalho do Ministério da Justiça, deve-se à interpretação do Estatuto da
Criança e do Adolescente com base nos princípios da chamada “Doutrina da
Situação Irregular”.
A Lei nº 8.069/90, que teve como fontes formais os
Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, introduziu no país os
princípios garantistas do chamado Direito Penal Juvenil. Reconheceu o caráter
sancionatório das medidas sócio-educativas, sem embargo de enfatizar o seu
aspecto predominantemente pedagógico. Também que, tendo traço penal, só podem
ser aplicadas excepcionalmente e dentro da estrita legalidade, pelo menor
espaço de tempo possível.
Esta postura, além de ser útil aos jovens e à sociedade, traslada para o âmbito da Justiça da Juventude às garantias do Direito Penal, aceitando como resposta à delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas predominantemente pedagógicas, afastando o estigma e os males do sistema carcerário dos adultos.
4.4.2.1 A
Doutrina da Proteção Integral e o Novo Sistema de Justiça
A nova Doutrina
Jurídica da Proteção Integral preconiza que crianças e adolescentes são sujeitos
especiais de direito. Gozam de todos os direitos fundamentais e sociais,
principalmente de proteção, decorrência de se encontrarem em fase de
desenvolvimento.
Recomenda a
Doutrina das Nações Unidas que na ordem jurídica interna de cada país existam
normas legais capazes de garantir todos os direitos: vida, saúde, liberdade,
respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura,
esporte, lazer, profissionalização, proteção no trabalho, etc (...)
Para tornar
efetivos os direitos individuais, difusos ou coletivos, principalmente à saúde,
à educação, à recreação, à profissionalização, à integração sócio-familiar,
inclusive contra o Estado, as novas legislações baseadas na Doutrina da
Proteção Integral vêm introduzindo modernas ações judiciais, por exemplo: ações
civis públicas.
De outro lado, a
doutrina da ONU deixa claro que a educação para cidadania exige que o
adolescente se conscientize de sua responsabilidade social, tendo o direito de
ser julgado por autoridade imparcial e independente, num devido processo,
sempre que acusado de conduta penalmente reprovada.
A superação de
viéses (“situação irregular do menor”), mitos (tutela e superior interesse),
eufemismos (medidas protetivas) e falácias (reeducação, ressocialização) exigem
normas legais adaptadas substancialmente aos Documentos de Direitos Humanos das
Nações Unidas, principalmente a Convenção e as Regras Mínimas de Beijing.
Segundo o
Assessor Regional do Unicef para América Latina e Caribe, Emilio Garcia Mendez,
essa adaptação só será completa e efetiva quando expurgar dos sistemas
judiciário e administrativo interpretações e práticas próprias da antiga
“Doutrina da Situação Irregular”, onde havia enorme confusão de papéis.
O Juiz não
julgava o “menor”, “definia a situação irregular”, aplicando “medidas
terapêuticas”.
O Ministério
Público, inclusive quando pleiteava “internação” como resposta pela prática de
atos delinqüenciais, rotulados de “desvios de conduta”, de atos anti-sociais,
etc., estava “defendendo o menor”.
A defesa e o
superior interesse justificavam tudo. Serviam para tudo, inclusive para limitar
e, até, impedir a participação do Advogado, figura praticamente desconhecida no
“Direito do Menor”. No nosso Código, chamado procurador, era constituído por
familiares, não pelo “menor”.
Para estar
conforme a Doutrina da Proteção Integral, o Sistema de Justiça precisa banir o
“modelo tutelar”, que propiciava decisões simplistas e autoritárias, onde
operadores, abandonando princípios garantistas do Direito, baseavam-se
fundamentalmente num suposto “superior interesse do menor”.
O novo sistema se
contém nos limites do Estado Democrático de Direito, onde as decisões judiciais
para terem validade carecem do pressuposto da fundamentação, onde os operadores
têm papéis definidos, Juiz é o experto em Direito que julga de acordo com a
Hermenêutica Jurídica; o Ministério Público, o titular das ações de pretensão
sócio-educativa e das ações necessárias à defesa dos interesses da sociedade e
dos incapazes; o fiscal do fiel cumprimento das leis; o Advogado, o
representante dos interesses da criança e do adolescente, defensor de direitos,
atua, como os demais, no devido processo legal.
Os técnicos,
assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, médicos são peritos que produzem
prova necessária à convicção do Juiz, que não pode ser arbitrário, mas deve se
fundar, como na Justiça Comum, em elementos contidos no processo.
Não se cogita, na
nova Justiça da Infância e da Juventude, das decisões sem fundamentação ou das
providências extraprocessuais.
Princípios,
normas e cautelas secularmente consolidadas como indispensáveis à segurança dos
direitos têm de estar presentes para validade e legitimidade de decisões e
sentenças.
Processo de conhecimento,
processo cautelar, processo de execução e recursos surgem no novo Direito como
indissociáveis da prestação jurisdicional.
Na chamada
delinqüência juvenil, a nova posição é realista e científica. Reconhece que
jovens penalmente inimputáveis, cometendo crimes, por eles devem ser
responsabilizados, o que resulta pedagógico e corresponde à necessidade do
controle social.
Não mais se tolera privações de liberdade, mesmo eufemisticamente rotuladas de internações, sem os pressupostos da estrita legalidade, do juízo natural e da observância do devido processo.
4.4.2.2 Medidas
Sócio-educativas
O Estatuto,
responsabilizante e garantista, muito acertadamente, distinguiu as hipóteses da
conduta reprovada penalmente, da privação de direitos e das medidas de
proteção.
Não se
olvide o intérprete. As medidas sócio-educativas, em que pese o caráter
predominantemente pedagógico, são impostas e implicando restrições, inclusive
em privação de liberdade, têm inescondível caráter penal. Só podem ser fixadas
dentro dos princípios da estrita legalidade e da proporcionalidade.
O infrator pode receber qualquer das medidas específicas de proteção (art. 112, VII), mas o abandonado negligenciado, vítima, será sempre alvo de medidas específicas de proteção, jamais se sujeitando a qualquer medida sócio-educativa.
As crianças
menores de 12 anos, envolvidas em atos infracionais, não se sujeitam às mesmas
medidas impostas aos adolescentes. Vide art. 105.
Quando uma
criança pratica uma conduta típica prevista na legislação penal, o caso é
exclusivamente de educação ou saúde. A hipótese impõe, pela sua peculiaridade,
tratamento educacional exclusivo, ou pertence à psicologia, à psiquiatria, ou a
outra área da saúde.
O Estatuto,
nos casos de infrações penais cometidas por adolescentes, preconiza medidas de
proteção; advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à
comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade;
internação em estabelecimento educacional.
As
necessidades pedagógicas e o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários devem ser levados em conta na escolha da medida aplicável.
A imposição
de medida sócio-educativa pressupõe a existência de provas suficientes da autoria
e da materialidade, salvo a hipótese de remissão, que não incluirá o
internamento e o regime de semiliberdade. Confiram-se os arts. 112, § 1º, 114 e
127.
Na
remissão, se a conduta infracional teve origem na pobreza, pode ser aplicada a
advertência e o encaminhamento ao Conselho Tutelar para inclusão do adolescente
em programa oficial ou comunitário de auxílio. Nesse caso, bastam prova da
materialidade e indícios suficientes da autoria. Vide art. 114.
Vale
transcrever o comentário traduzido por Maria Josefina Becker:
“A remissão, que envolve a supressão do
procedimento ante a justiça e, com freqüência, o encaminhamento a serviços
apoiados pela comunidade, é praticado habitualmente em muitos sistemas
jurídico, oficial ou oficiosamente. Essa prática serve para atenuar os efeitos
negativos da continuação do procedimento na administração da justiça de menores
(por exemplo, o estigma da sentença). Em muitos casos, a não-intervenção seria
a melhor resposta. Por isso, a remissão desde o início e sem formalização a
serviços alternativos (sociais) pode constituir a resposta ótima. Este é
especialmente o caso, quando a infração não tem um caráter grave e quando a
família, a escola ou outras instituições de controle social não institucional já
tiver reagido de forma adequada e construtiva, ou seja, provável que venham a
reagir desse modo”
“Como se prevê na Regra 11.2, a remissão pode ser
utilizada em qualquer momento do processo de tomada de decisões – pela
polícia, ministério público ou outros órgãos como juizados, juntas ou
conselhos. Podem utilizar-se de
remissão, uma, várias ou todas autoridades, de acordo com as regras e normas
dos respectivos sistemas e em consonância com as presentes regras. Não precisa
necessariamente limitar-se a casos menores, tornando-se, assim, a remissão um
instrumento importante”.
“A Regra 11.3 salienta o requisito primordial de
assegurar o consentimento do menor infrator (ou de seus pais ou tutores) quanto
às medidas de remissão recomendadas. (A remissão que consistir na prestação de
serviços à comunidade sem tal consentimento constituiria uma infração à
Convenção relativa à abolição do trabalho forçado). Não obstante, é necessário
que a validade do consentimento possa ser objeto de impugnação, pois algumas vezes
o menor poderia concordar por puro desespero”.
“A regra sublinha que devem ser tomadas precauções
para diminuir ao mínimo a possibilidade de coerção e intimidação de todos os
níveis do processo de remissão. Os menores não deverão sentir-se pressionados
(por exemplo, para evitar o comparecimento ao juizado) nem induzidos a aceitar
os programas de remissão. Por isso, preconiza-se que se faça uma avaliação
objetiva da conveniência da intervenção de uma ‘autoridade competente, se assim
for solicitado’ (a ‘autoridade competente’ pode ser diferente da mencionada na
Regra 14”).
“A Regra 11.4 recomenda que se prevejam
alternativas viáveis ao processo perante a justiça na forma de uma remissão
baseada na comunidade. Recomenda-se especialmente os programas que incluam a
indenização da vítima e os que procurem evitar futuras transgressões da lei
mediante a supervisão e orientação temporárias. As características dos casos
particulares determinarão o caráter adequado da remissão, mesmo quando tenham
sido cometidos delitos mais graves (por exemplo, a primeira infração, o fato de
ter sido praticada sob pressão de companheiro, etc.)”.
Se
houver sentença e nada se apurar da participação do adolescente, mas surgir
como necessário o apoio e o auxílio, inclusive à família, nada obsta o
encaminhamento do caso ao Conselho Tutelar.
O Conselho não é órgão jurisdicional, mas de assistência e, assim, providenciará o necessário para garantir os direitos do adolescente.
Medida
sócio-educativa importantíssima, cuja eficácia depende de redobradas cautelas.
Isto para não estigmatizar o adolescente com uma sanção injusta.
Na lição de
Carlos Tiffer[24]:
“AMONESTACIÓN
Y ADVERTENCIA”
“Esta sanción es
de ejecución instantánea y tiene como objetivo llamar la atención del
adolescente exhortándolo a que, em lo sucesivo, se acoja a las normas de
conducta que exige la convivencia social. La amonestación versará sobre la
conducta delictiva realizada y se advertirá al joven que debe procurar llevar
una vida sin la comisión de delitos.”
Tenha-se
presente: a advertência só pode ser imposta em caso de estrita necessidade.
A liturgia
do ato, que deve ser presidido pelo juiz, na presença do representante do Ministério Público, os pais ou responsáveis,
consistirá em admoestação verbal, reduzida a termo e assinada.
Miguel
Moacir Alves de Lima[25] explica:
“Aparentemente inofensiva, a ‘advertência’, como
qualquer outra efetivação desse poder social, que se manifesta de forma difusa,
não deixa de ser uma forma sutil e eficaz de inserção, exclusão, reinserção,
reexclusão, e, portanto, também de externação de preconceitos, discriminações e
constrangimento, nem sempre legítimo, dos indivíduos em face dos pontos de
vista do sistema social dominante (visão do mundo, crenças, valores, condutas
‘socialmente úteis’ etc.). A despeito disso, via de regra, os discursos
disciplinares encaram a advertência como algo banal, singelo. Na análise e
aplicação do art. 115 do Estatuto da Criança e do Adolescente devemos nos
prevenir contra esse simplismo hermenêutico, que, além de constituir temerário
exercício de abstração, bem ao gosto da Dogmática da forma (a Dogmática da
forma caracteriza-se por considerar o Direito como um mundo de puras normas
racionais, lógico-abstratas, isto é, desconectadas dos conteúdos
sócio-econômicos da realidade social de que emergem), pode propiciar a
banalização da práxis jurídico-administrativa do Estatuto no que concerne à
primeira experiência ou aos contatos de menor gravidade do adolescente que
comete um ato infracional com as instituições e os agentes incumbidos do
atendimento especializado a que ele tem direito. Essa simplificação ou
banalização da advertência e de seus efeitos será um equívoco tanto mais grave
quanto mais frágil e sensível for a estrutura psicológica e quanto mais
problemática for a situação vivenciada pelo adolescente. Episódio ocorrido há
pouco tempo com um aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro pode ser um
referencial ilustrativo destas observações. Referimo-nos ao caso do estudante
que se suicidou por não suportar os efeitos morais (psicológicos) de uma
punição disciplinar de ‘somenos importância’ – a suspensão de freqüência às
aulas por um curto período – e a vergonha de lhe ter sido atribuída a prática,
tão comum, da ‘cola escolar’. Nesse episódio, a subestimação do potencial
repressivo e estigmatizador de uma ‘singela punição’ na pessoa do
indisciplinado, socorrida pelo discurso de legitimação da ordem lesada,
conduziu a conseqüências irreparáveis. O exemplo relatado pode ser raro, mas
não deve ser esquecido”.
A reparação
do dano é materializada através de restituição ou ressarcimento. Havendo
restituição da coisa lavra-se termo de entrega.
Mário
Volpi[26] explica:
“A reparação do dano se faz a partir da restituição
do bem, do ressarcimento e/ou compensação da vítima. Caracteriza-se como uma
medida coercitiva e educativa, levando o adolescente a reconhecer o erro e
repará-lo. A responsabilidade pela reparação do dano é do adolescente, sendo
intransferível e personalíssima. Para os casos em que houver necessidade,
recomenda-se a aplicação conjunta de medidas de proteção (artigo 101 do ECA).
Havendo manifesta impossibilidade de aplicação, a medida poderá ser substituída
por outra mais adequada.“
Não sendo
possível a devolução, proceder-se-á de comum acordo entre o sentenciado e a
vítima à substituição por bem de valor equivalente ou dinheiro, preferentemente
de recursos do próprio adolescente, ou dos seus pais ou responsável, mediante
concordância dos mesmos.
Medida
interessante deverá ser precedida da indispensável mediação com a vítima.
Embora o
Estatuto possibilite a imposição da medida, o caráter pedagógico recomenda
cautela. A hipótese deve ser relegada aos casos de manifesta possibilidade de
reparação.
4.4.2.6 Prestação de
Serviços à Comunidade
É de se
trazer à colação o escólio de Mário Volpi[27]:
“Prestar serviços à comunidade constitui uma medida com forte apelo comunitário e educativo tanto para o jovem infrator quanto para a comunidade, que por sua vez poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral desse adolescente. Para o jovem é oportunizada a experiência da vida comunitária, de valores sociais e compromisso social”.
Importante:
a medida não pode ser imposta. Não corresponde à prestação de trabalhos
forçados, o que seria iniquo e, há muito, ausente das legislações dos países
civilizados.
O
consentimento é fundamental, como a escolha do tipo de serviço e da entidade
onde o adolescente atuará.
As tarefas
terão em conta a idade, as condições do adolescente e o caráter pedagógico.
Imprescindíveis
a presença de orientador, de preferência pedagogo e o acompanhamento de equipe
técnica.
O serviço
visará a conscientização do adolescente e o fortalecimento dos princípios de
convivência social.
Cabe
repetir Roberto Bergalli[28]:
“Tais aspectos num País cuja perspectiva de vida
digna, de planos pessoais a nível profissionalizante, Inserida num contexto
comunitário abrangente (entidades assistenciais, hospitais, escolas, programas
comunitários, governamentais etc.), a medida possibilita o alargamento da
própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto
deve estar inserido numa verdadeira práxis, onde os valores de dignidade, cidadania,
trabalho, escola, relação comunitária e justiça social não para alguns, mas
para todos, sejam cultivados durante sua aplicação. Porém, há a necessidade não
só da cultivação de tais valores, mas também da inserção e exercício prático da
cidadania, aqui entendida como efetivação de todos os direitos e garantias
inerentes à pessoa e elencados na lei e na Constituição. Inegáveis se fazem,
pois, conhecimento desalienante, realização pessoal, dentre outros, sofre
profunda deterioração entre a população juvenil”.
Na
liberdade assistida, o orientador se obriga “a promover socialmente o
adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se
necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência
social”.
A liberdade
assistida, segundo Bulhões, é o “instrumento fundamental” para o direito do
menor: “Com ela foi criado, em 1869, o juizado de menores, como forma de evitar
o internamento e auxiliar os menores infratores, passando a seguir a ser aplicada
também aos menores chamados menores abandonados, e em geral sempre que a saúde,
segurança, moralidade ou educação do menor estiver em perigo e sempre que o
juiz entender necessário à proteção do menor, aproximando-se então das normas
da assistência educativa”.
Martins[29]
fundamenta o instituto:
“As
vantagens da liberdade assistida são irretorquíveis e incalculáveis, evitando
que o menor seja afastado da sua família, submetido ao vexame da internação na
Delegacia de Menores ou em Instituto de Menores, correndo o risco de maior
deformação moral na promiscuidade com outros menores mais experientes na senda
do crime. Dá-se a oportunidade, agora com apoio da Justiça, a que a família
reconduza um seu membro extraviado a uma conduta condigna”.
Referindo-se aos elementos da liberdade assistida, lembra Níveo Geraldo Gonçalves[30]:
“No
período de prova é decisiva a ação da pessoa capacitada, ressaltando-se o seu
contato pessoal com o assistido. Essa pessoa é uma educadora, pois sua missão é
de reeducação. Comparou-se esse papel à do educador em meio fechado, porém é
menos penoso, porque tem de conquistar a colaboração do adolescente e a
confiança da família”.
“Essa pessoa
capacitada está sujeita a várias obrigações. Na França, cumpre-lhe registrar no
prontuário do adolescente toda a informação sobre a personalidade do
adolescente, sua conduta passada e seu meio familiar, bem como exercer controle
assíduo sobre as condições materiais e morais da existência do assistido, sua
saúde, trabalho e emprego do tempo livre. Além disso, terá que enviar ao Juiz
relatório sobre a progressividade do tratamento. O art. 119 do Estatuto enumera
as obrigações da pessoa capacitada, porém de forma não exauriente”.
Tenha-se
presente que a liberdade assistida é medida sócio-educativa de apoio e também
de restrições à liberdade. Só pode ser imposta nos casos previstos em lei.
Não havendo
prova da existência do ato infracional e da autoria, não cabe a liberdade
assistida. Se o adolescente ou sua família necessita apoio, devem ser
encaminhados ao Conselho Tutelar. As medidas específicas de proteção
normalmente cabem à assistência social. Há a medida do art. 101, IV.
As medidas específicas de proteção são aplicáveis (Estatuto, título II, capítulo II) e nos casos de infração cuja etiologia não seja a miséria, a pobreza, a falência das políticas públicas, e seja necessário, poderá ocorrer, inclusive, a privação de liberdade, mas sempre precedida do devido processo legal.
Mário
Volpi[31] adverte:
Liberdade
assistida:
“Constitui-se numa medida coercitiva quando se
verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola,
trabalho e família). Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento
personalizado, garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária,
cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção
no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos”.
4.4.2.8 Inserção em
Regime de Semiliberdade
Severa, geralmente
forma de transição para o meio aberto, a semiliberdade pode ser imposta como
medida autônoma, sempre reservada aos casos graves.
Dependente
dos mesmos pressupostos da internação, só é cabível nos casos expressos no
artigo 122 do ECA, vale dizer, ato infracional cometido mediante grave ameaça
ou violência à pessoa ou reiteração no cometimento de outras infrações graves.
Lembre-se o
intérprete que no Direito Penal o regime semi-aberto é reservado aos crimes
punidos com pena superior a quatro anos e o aberto para os delitos com pena até
quatro anos.
O roubo e a
extorsão, por exemplo, implicam em penas que variam de quatro a dez anos.
Ora, os
crimes mais comuns são punidos com penas inferiores, nada justificando submeter
os adolescentes a regime mais severo que o dos adultos, que condenados até
quatro anos, gozam do regime aberto, principalmente da substituição da pena
privativa da liberdade por restritiva de direitos: prestação de serviços à
comunidade, interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana,
etc...
O furto, a
mais comum das infrações, é punida com pena de 01 (um) a 04 (quatro) anos.
Adultos,
penalmente imputáveis, via de regra, têm direito à substituição da reclusão por
prestação de serviços à comunidade ou limitação de fim de semana.
Como
justificar a internação (privação da liberdade) de adolescentes, autores de
idêntico fato, mesmo havendo reiteração na prática infracional?
A hipótese
é de novas condições na liberdade assistida ou cumulação de medidas, cujo
descumprimento poderá resultar, aí, sim, em internação na forma do artigo 122,
III, do ECA.
A respeito
da semiliberdade cabem as ponderações de Mário Volpi[32]:
“A falta
de unidade nos critérios por parte do judiciário na aplicação de semiliberdade,
bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm impedido a
potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os programas de
semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes
em transição da internação para a liberdade e/ou regressão da medida; e a outra
aplicada como primeira medida sócio-educativa”.
Especificações:
a. Princípios da estrutura educacional;
b. Organização do cotidiano como espaço de convivência que possibilite a expressão individual, o compromisso comunitário, atividades grupais etc.;
c. Elaboração de um regulamento prevendo deveres e normas de funcionamento da unidade;
d. Acompanhamento do adolescente em atividades externas de inserção no mercado de trabalho, escolarização formal, profissionalização e outros;
e. Programa de acompanhamento escolar e de inserção do adolescente em escolarização.
“Constatamos a existência de, basicamente, duas modalidades de aplicação da medida de semiliberdade:
a. Programas caracterizados por unidades de atendimento para grupos de até 40 adolescentes, onde o acesso ao meio externo é programado progressivamente a partir do processo de desenvolvimento educacional do adolescente. São conhecidos como semi-internatos.
b.
Programas de semiliberdade caracterizados por unidades comunitárias de moradia,
para grupos de cerca de 12 adolescentes, para manutenção e inserção do
adolescente em programas sociais e comunitários.”
Quanto à
internação, fica claro tratar-se de medida “privativa de liberdade, sujeita aos
princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoas em desenvolvimento” (art. 121).
Embora o
internamento seja em estabelecimento educacional, afastou-se o discurso “tutelar”
que equiparava o internamento do abandonado ao do infrator, do de conduta
desviante atípica ao envolvido em infrações gravíssimas. Ficou clara a
dicotomia entre infração e privação de direitos, situação anti-social passiva e
ativa, só podendo haver internamento nos casos expressamente mencionados: ato
cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; reiteração no cometimento
de outras infrações graves ou descumprimento reiterado e injustificável de
medida anteriormente imposta (art. 122).
O Estatuto
segue a Regra 17.l.C das “Regras de Beijing”.
O
adolescente em situação passiva de abandono ou negligência não sofrerá privação
de liberdade; será abrigado. O abrigo em entidade (antiga internação em meio
aberto) é caracterizado pela preparação gradativa para o desligamento;
preservação dos vínculos familiares; atendimento personalizado em pequenos
grupos; desenvolvimento de atividade em regime de co-educação; participação na
vida da comunidade local (art. 92).
A
internação tem, entre outras, as seguintes características: observância dos
direitos e garantias de que são titulares os adolescentes; atendimento
personalizado em pequenos grupos; preservação da identidade em ambiente de
respeito e dignidade; restabelecimento e preservação dos vínculos familiares;
escolarização e profissionalização; apoio e acompanhamento de egressos;
participação comunitária (art. 94).
A
internação é sempre medida excepcional, não pode ser imposta havendo outra
medida adequada. O Juiz só a decretará em último caso.
Comprovada
a infração, atenderá o Magistrado ao elemento subjetivo; à conduta social, à
personalidade do adolescente; aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do
ato infracional; ao comportamento da vítima, e estabelecerá, consoante entenda
necessário à reprovação do ato, a medida aplicável.
A
internação será a última alternativa, reservada aos casos de extrema gravidade.
Assim mesmo, não terá prazo determinado e não poderá exceder, em caso algum, a
três anos. Atingindo o limite, o adolescente deverá ser liberado e colocado em
regime de semiliberdade ou de liberdade assistida (art. 121).
Aboliu-se a
possibilidade de internação em estabelecimento de adultos, salvo a internação
provisória pelo prazo de cinco dias (art. 185).
Cabe ao
Juiz providenciar estabelecimento adequado na comarca mais próxima, na mesma ou
até em outras unidades da Federação. Decorrido o prazo de cinco dias sem a
transferência, surge o recurso ao habeas corpus.
A
internação, embora diversa da pena de prisão, na realidade cotidiana, o que é
lamentável, objetivamente, nada difere daquela; é um “mal necessário”. Só deve
ser aplicada em último caso e, assim mesmo, por prazo estritamente
indispensável ao afastamento do ambiente delinqüencial e criminógeno, com
educação, profissionalização, progredindo o mais depressa possível para
semiliberdade e liberdade assistida.
Tenha-se
presente: “É dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente,
pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,
vexatório ou constrangedor” (art. 18).
4.5.1 Colocação em Família
Substituta
A colocação
em família substituta na forma de guarda e responsabilidade, tutela e adoção, é
de jurisdição voluntária, sendo subsidiárias as disposições do procedimento
respectivo, previsto no Código de Processo Civil.
Permite-se
pedido formulado diretamente em cartório, se os pais forem falecidos,
destituídos ou suspensos do pátrio poder ou houverem aderido expressamente ao
pedido de colocação em família substituta.
Mesmo já
tendo concordado, os pais deverão ser ouvidos pelo Juiz, cautela que melhor
assegura o direito à convivência familiar. Também, sempre que possível, deve
ser ouvida a criança e o adolescente, e sua opinião devidamente considerada.
Não esqueçamos: criança e jovem são sujeitos de direito e não meros objetos do
direito da família, da sociedade ou do Estado.
Tratando-se
de perda ou modificação da guarda em que haja controvérsia, o procedimento será
o do Estatuto, arts. 155 a 163. Se for destituição da tutela, o prazo para
responder e o desenvolvimento do processo será o previsto no Código de Processo
Civil, arts. 1.194 a 1.197. Em se tratando de requerido sem recursos, cabe a
providência do art. 159 do Estatuto.
São
invocáveis as disposições a respeito da realização do estudo social e da
perícia, bem como da oitiva da criança e do adolescente.
Há cuidados
especiais no sentido de resguardar os direitos das partes: assim, “deverão ser
esgotados todos os meios para citação pessoal” (art. 158, parágrafo único).
Esgotar
todos os expedientes para a localização do citando é procurá-lo na rua onde
resida, no local de trabalho; é pesquisar, indagar sobre o seu paradeiro. É
fazer pesquisa no cartório para ver se tem domicílio eleitoral no município e
que endereço forneceu.
4.5.2 Processo de Apuração
de Infração Penal
Se o
Estatuto representou extraordinário avanço no campo dos direitos fundamentais, reconhecendo
que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, foi no processo de
apuração de ato infracional que a nova lei deixou bem clara a novidade.
Foram
inseridos na ordem jurídica interna os princípios das Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça da Juventude. Reconheceu-se
expressamente, entre outros, o direito à liberdade de ir e vir em logradouros
públicos e espaços comunitários; o direito de não ser privado de liberdade
senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade competente; sendo privado de liberdade, examina-se, desde logo, a
possibilidade de liberação imediata; não ser privado de liberdade sem o devido
processo legal; garantia do pleno e formal conhecimento do ato infracional;
igualdade na relação processual; defesa técnica por advogado; direito de ser
ouvido pessoalmente e de solicitar a presença de seus pais ou responsável.
Confiram-se arts. 15/18, 106/111.
Freqüentemente
tem-se apresentado o Juiz da Infância e Juventude como um juiz tutelar,
protetor, mesmo do jovem em conflito com a sociedade.
Segundo os menoristas, a tutela seria incompatível com a função jurisdicional através do processo contraditório. O processo seria prejudicial à educação do “menor” que não deve ser acusado, muito menos condenado. Em nome desta pseudoproteção, os “menores” eram “encaminhados” às Delegacias de Menores, aos “estabelecimentos adequados”, à “internação”, vale dizer, prisão, detenção, reclusão, medida de segurança, sem determinação de tempo e, o que é pior, sem qualquer observância dos princípios e limites da estrita legalidade observada na jurisdição comum.
O caráter
tutelar do Tribunal melhor se afina com as garantias processuais. Processo nada
tem com a natureza da medida resultante da aplicação de suas normas que são
sempre formais. Processo é forma, direito adjetivo. Medida é conteúdo, direito
substantivo. Processo é garantia, segurança da liberdade jurídica, nada tem com
punição, repressão. Ao contrário, é forma de segurança para aplicação da
justiça, é limite ao arbítrio do Estado. Processo não é sinônimo de
complicação, demora, sofrimento, penalização. Exprime “o conjunto de princípios
e de regras para que se administre justiça”[33], caracteriza-se como forma de
garantia dos direitos do cidadão.
Para ser
mesmo garantista, a justiça especializada tem de se submeter às regras do
devido processo legal, que, no caso, é caracterizado pela remissão, celeridade
e simplificação dos atos processuais.
Remissão de
casos, simplificação e celeridade sem sacrificar os direitos do jovem à
presunção de inocência; direito de conhecer as acusações; de não responder; de
ter advogado; direito à presença dos pais ou responsável; à confrontação com
testemunhas e a interrogá-las; e à apelação a um tribunal superior. Confiram-se
Regras 7.1 e 11 das “Regras de Beijing”.
Como diz
Noronha[34] “as leis de processo, mais do que quaisquer outras, protegem e
tutelam o direito de defesa de todos os
direitos de que o homem goza na vida em sociedade”.
O processo de
apuração de ato infracional visa não só averiguar a existência e a autoria do
ato para aplicação de uma medida sócio-educativa, mas surge como garantia da
liberdade jurídica do adolescente e segurança contra o possível arbítrio do
Estado.
Em matéria
de internação, tenha-se presente o caráter garantista do processo: as normas
procedimentais são eminentemente tutelares. Resguardam os direitos do
adolescente através de formalidades essenciais à validade da atuação dos agentes
do Estado, principalmente no que tange às restrições à liberdade pessoal.
O estatuto
só admite privação de liberdade em caso de ato infracional cometido mediante
grave ameaça ou violência à pessoa por reiteração no cometimento de outras
infrações graves ou por descumprimento de outras medidas anteriormente impostas
(art. 122).
Para a
internação provisória (processual), ou a decorrente de flagrante, exigem-se os
pressupostos da “gravidade do ato, repercussão social, garantia da segurança do
adolescente ou manutenção da ordem pública”. Confira-se artigo 174.
O processo
é formal e as formalidades indispensáveis à validade da medida provisória.
Assim, não preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos de validade do internamento,
a privação da liberdade do adolescente será ilegal, passível de habeas
corpus.
Os
pressupostos da medida extrema estão no Estatuto e no Código de Processo Penal,
que é subsidiário: prova da existência de fato definido como infração penal
cometido com grave ameaça ou violência à pessoa; indícios da autoria do ato
infracional; repercussão social; garantia da segurança pessoal ou manutenção da
ordem pública.
A prova do
ato infracional implica a certeza de que houve, mesmo, um fato definido como infração
penal “pesada”, envolvendo grave ameaça ou violência à pessoa.
A certeza
do fato se fundamentará em declarações, auto de exame de corpo de delito e
outros elementos indispensáveis à convicção do Juiz.
A autoria
não precisa ser indubitável, bastando indícios suficientes, provas menos
robustas, mas capazes de ensejar convicção provisória.
Tenha-se
presente a subsidiariedade da lei processual comum. Não cabe internamento
provisório nos fatos definidos como infrações penais punidas com detenção.
O
pressuposto da gravidade da infração tem de ser atendido.
Lesões
corporais leves, culposas, infanticídio, aborto, rixa, embora envolvam
violência à pessoa, não comportam a medida extrema.
A
repercussão social está ligada ao “alarme”, ao “clamor”, ao “abalo” no meio
social, decorrente da gravidade do fato.
A gravidade
há de ser tal a impor a medida extrema.
Se o fato
não tem grande repercussão, se não causa revolta, não cabe internamento.
Garantia da
segurança pessoal do adolescente ou da ordem pública, são pressupostos
alternativos.
Há
necessidade de contenção para segurança pessoal, quando o jovem corre perigo
iminente por ameaças concretas de familiares, amigos da vítima, grupos de
extermínio, etc.
O conceito
de garantia da ordem pública está sedimentado, corresponde ao caso daquele que
cometeu, está cometendo ou ameaça cometer, novos crimes. As hipóteses devem
traduzir ameaça concreta à ordem pública, não bastando simples maus
antecedentes.
Há, ainda,
a tutela da fundamentação do despacho que ordena o internamento provisório
(arts. 106 e 108, parágrafo único).
Os
pressupostos subjetivos e objetivos devem vir satisfatoriamente demonstrados.
Não basta mencionar que o internamento se impõe para garantia da ordem pública.
É preciso explicitar os motivos e a conveniência da medida extrema, que é
violenta e excepcional.
Tenha-se
presente a presunção de inocência que beneficia adultos e é extensiva aos
adolescentes.
Fundamentar
é dizer os motivos, os fundamentos, as razões da decisão.
Se o despacho
não estiver fundamentado, haverá ilegalidade remediável através de habeas
corpus.
Quanto ao
flagrante, só há necessidade da lavratura do auto nas hipóteses de violência ou
grave ameaça à pessoa; nos demais casos, o auto poderá ser substituído por
boletim de ocorrência circunstanciado (art. 173, parágrafo único).
Mesmo nos
casos graves, desde que compareçam os pais ou responsável, o adolescente será
prontamente liberado, sob compromisso de responsabilidade de apresentação ao
Ministério Público. Aqui o Estatuto – art. 174 – cumpre a Regra 10.2 das
“Regras de Beijing”.
O flagrante
do ato infracional se submete às exigências do Código de Processo, que é
subsidiário.
São
invocáveis os art. 301 a 310 com as modificações estatutárias. De qualquer
modo, tenha-se presente, o auto deve se revestir das formalidades intrínsecas e
extrínsecas de validade, caso contrário não prevalecerá, cabendo habeas
corpus.
Em caso de
internação decorrência de flagrante, impõe-se a apresentação imediata ao Órgão
do Ministério Público. Só na impossibilidade, que deverá ser justificada, o
jovem será encaminhado à entidade de atendimento ou à delegacia especializada,
mas o prazo de 24 horas não poderá ser ultrapassado.
O
descumprimento do prazo do art. 175 pode ensejar crime sujeito à detenção de
seis meses a dois anos (art. 235).
Não se olvide o caráter tutelar do processo, principalmente como forma de garantia da efetividade dos direitos constitucionais.
4.5.2.3 Apuração de Ato
Infracional
O Estatuto
segue a moderna tendência do Direito relativamente às infrações penais
atribuídas aos jovens. Processo garantista simples, célere, mas contraditório.
A
simplificação dos atos processuais é claramente visualizada nos arts. 171 a
189, onde são resguardados os direitos fundamentais. As Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil estão presentes,
disciplinando o procedimento. Os respectivos comentários são invocáveis.
O
procedimento de apuração de infração penal previsto no Estatuto pode ser
complementado (Constituição, art. 24, XI). Os Estados poderão legislar
adaptando as regras gerais à realidade local. Não será o mesmo o procedimento
nos grandes centros urbanos, Rio, São Paulo, e nas cidades menores, Porto Velho
ou Macapá. A cada realidade o seu procedimento.
O Estatuto
não foi lacunoso. Deixou espaço para o legislador estadual.
O
procedimento tem fase prévia na polícia seguindo-se a apresentação ao
Ministério Público. Não havendo flagrante, a autoridade policial notificará o
adolescente e seus pais para a apresentação ao órgão do Ministério Público,
durante o expediente forense, no dia útil imediato à remessa das investigações
(art. 177). Em caso de não comparecimento, o Ministério Público notificará os
pais ou responsável para a apresentação, podendo requisitar o concurso da
polícia (art. 179, parágrafo único).
Com a
apresentação do adolescente, o Ministério Público, no mesmo dia, poderá
promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar para a aplicação
de medida sócio-educativa (Vide art. 180).
A remissão,
introduzida a partir da Regra 11, das Regras Mínimas, constitui extraordinário
avanço no campo do Direito Positivo, porquanto minimiza o efeito do contato do jovem
com o sistema e simplifica a aplicação de medidas sócio-educativas.
Podendo ser
revista a qualquer tempo, a remissão não implica necessariamente o
reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade nem prevalece para efeitos
de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das
medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a
internação (art. 127/128)
Não havia
porque instaurar o contraditório para uma simples advertência, acompanhada do
“encaminhamento” a programa de auxílio.
Oferecida a
representação, na audiência, ou em qualquer fase, o Juiz poderá conceder a
remissão suspendendo ou extinguindo o processo. A decisão será fundamentada.
Na hipótese
de fato grave, onde não caiba remissão, não tendo o adolescente um advogado, o Juiz lhe nomeará defensor que,
no prazo de três dias, apresentará defesa prévia e rol de testemunhas (art.
186). Segue-se a instrução e julgamento em dia e hora previamente designados. As
partes podem requerer diligências, perícias, etc.
A sentença
pode ser condenatória ou absolutória. Sendo subsidiário o Código de Processo
Penal, há que se observar os art. 381 a 384 e art. 189, todos do Estatuto.
Há que se ter em conta os princípios já sedimentados
no Direito Processual, onde as sentenças têm classificação própria. São
declaratórias, condenatórias, constitutivas e mandamentais.
Quando
o Juiz impõe uma medida sócio-educativa, claramente condena. A sentença é,
pois, condenatória.
A Regra 17
das Regras Mínimas e o respectivo comentário são aplicáveis.
A sentença
passa a ter requisitos extrínsecos e intrínsecos de validade, destacando-se a
indicação dos motivos de fato e de direito em que se funda a decisão, bem como
os artigos de lei aplicados.
A
fundamentação é requisito indispensável; sem ela a sentença é nula.
Tenha-se
presente: “A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que
reconheça na sentença: não estar provada a existência do fato; não haver prova
da existência do fato; não constituir o fato ato infracional; não existir prova
de ter o adolescente concorrido para o ato infracional” (art. 189).
À Justiça
da Infância e da Juventude está reservado importante papel no combate à
violência e à privação indevida de liberdade, fatores produtores e reprodutores
da delinqüência.
O sistema
existe para proteger e restabelecer os direitos de crianças e adolescentes.
Não se
trata de uma “Justiça Parcial”, mas de um sistema de interpretação e aplicação
de lei responsabilizante, protetora, tutelar, tuitiva.
Se o Juiz
criminal deve estar atento aos direitos fundamentais, à liberdade jurídica do
acusado, impedindo o arbítrio, o Juiz da Infância e da Juventude deverá agir
com redobrada cautela, tendo presente que “a lei do processo é o prolongamento
e a efetivação do capítulo constitucional sobre os direitos e as garantias
constitucionais”.
É seu dever
expedir, de ofício, ordem de habeas corpus quando verificar, no
curso do processo, que criança ou adolescente sofre ou está na iminência de
sofrer coação ilegal (CPP, art. 654, § 2º).
No processo
de apuração de infração penal atribuída a adolescente há redobrada preocupação
com a liberdade jurídica, os direitos fundamentais. Assim, os prazos para a
apresentação (art. 174); para o encaminhamento a estabelecimento (art. 175);
para a remissão (art. 179); para a conclusão do processo (art. 183) e para a
permanência em estabelecimento de adultos (art. 185) têm de ser atendidos.
Ultrapassados, deve o Juiz imediatamente determinar a liberação do adolescente.
A perda do prazo
enseja habeas corpus e
responsabilidade das autoridades processantes. Havendo, inclusive,
responsabilidade penal. Confiram-se artigos 234 e 235.
Se a
Constituição e as leis processuais garantem o direito das pessoas privadas de
liberdade, assegurando que a medida extrema só pode persistir nos casos
expressos, a excepcionalidade da restrição relativamente aos adolescentes é
ainda maior.
Não se podia compreender e aceitar que relativamente aos adultos só se admitisse a privação da liberdade em certos casos, cercada de formalidades e requisitos intrínsecos e extrínsecos, e que os “menores” fossem “internados”, isto é, presos em cadeias e penitenciárias, sem que se atendesse a qualquer formalidade, como por exemplo, o auto de flagrante ou a ordem escrita e fundamentada. A injustiça foi corrigida, cabendo ao Juiz, ao Promotor e ao Advogado zelarem para que jovens não se submetam a um processo mais rígido do que o adulto e menos preocupado com as garantias constitucionais.
Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana” (art. 3º). Não são meros objetos do direito de intervenção dos pais, da família ou do Estado.
4.5.2.4 O Controle Judicial da Execução das Medidas
Sócio-educativas
Questão
tormentosa e desafiante, a eficácia da sentença na jurisdição dos atos
infracionais não teve, ao que se saiba, pesquisa científica capaz de certificar
o resultado da intervenção judicial.
Embora não se
possa avaliar com a necessária segurança, o fato é que informações disponíveis
deixam antever a probabilidade de se prosseguir com resultados pouco
animadores.
A inexistência ou
a oferta irregular de propostas pedagógicas; a falta de programas de preservação
ou restabelecimento de vínculos familiares e comunitários; a carência de
pessoal técnico e de instalações físicas adequadas; a omissão de envolvimento
com os pais ou responsável e a falta de medidas a eles aplicadas; a deficiência
na escolarização e na profissionalização; a falta de programas de preparação
para o desligamento e a ausência de acompanhamento de egressos podem ser
apontadas como as principais causas da ineficácia do sistema.
As práticas
usuais de reintegração, ressocialização e reeducação persistem como mitos
convenientes, legitimadores do controle social da pobreza.
A incompletude ou
os resultados negativos da sentença na fase executória, no final do processo,
tem como causas não só o desaparelhamento do sistema administrativo, mas a
interpretação equivocada de normas estatutárias.
Em muitos casos,
a imposição de medidas sócio-educativas continua embasada nos princípios
enviesados da “Doutrina da Situação Irregular”.
Promotores,
Advogados, Técnicos e Juízes persistem no viés da “tutela”, da “proteção”, do
“melhor interesse”, sem atentar para as novidades das garantias constitucionais
e processuais. São ignorados os princípios da legalidade, da proporcionalidade,
da individualização da medida, bem como a desmistificação do “sistema
protetivo”.
Operadores do
Direito e executores administrativos, geralmente, não consideram o estigma da
sentença que impõe medida sócio-educativa. Também, não levam em consideração o
caráter punitivo, claramente visualizado nas restrições à liberdade e ao
direito à convivência familiar e comunitária.
A inexistência ou
a oferta irregular de propostas pedagógicas faz com que as medidas
sócio-educativas resultem impostas apenas no aspecto repressivo e, o que é
pior, sem observância do critério da proporcionalidade.
Adolescentes
infratores, em muitos casos, são ainda tratados com maior rigor do que jovens
adultos penalmente imputáveis, credores de benefícios inacessíveis dos
adolescentes, como prazos reduzidos de prescrição, de substituição de penas
privativas de liberdade por simples restrições de direitos, etc (...)
A garantia da
fundamentação e a da individualização da medida, geralmente, não constam das
sentenças, faltando referência à alternativa meramente protetiva.
Também as
sentenças e o respectivo processo restringem-se ao adolescente, sendo raras as
hipóteses de aplicação simultânea de medidas
aos pais ou responsáveis.
Continua pálida a
participação do Advogado e as defesas exsurgem muito deficientes,
insistindo-se, ainda, que o Advogado deve ter uma atuação diferente, limitada.
Olvida-se o secular princípio da presunção de inocência e tudo é tratado com
muita singeleza.
Tais viéses
contribuem à falta de boa jurisprudência, principalmente no que tange às
garantias do habeas corpus e do devido processo legal.
A defesa
verdadeiramente técnica persiste inacessível à maioria dos jovens em conflito
com a lei penal. Esta geralmente é invocada para a conceituação do ato
infracional, mas abandonada quando se trata do exame da culpabilidade e das
respectivas excludentes.
Pretensos
infratores são punidos com medidas sócio-educativas, quando não passam de
portadores de doença ou deficiência mental, credores de tratamentos
especializados.
Impõe-se assumir
o novo modelo do Estatuto responsabilizante e garantista, o que implica
desmistificar o caráter exclusivamente protetor das medidas sócio-educativas,
reconhecendo a índole punitiva que lhes é imanente. Punição pedagógica, justa e
adequada, sem caráter vexatório, constrangedor, humilhante.
Uma boa interpretação
do Estatuto não dispensará a comparação com o sistema repressivo dos adultos,
no qual estes gozam da substituição de medidas privativas de liberdade por
penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição
temporária de direitos, limitação de fim de semana), inclusive do direito ao sursis.
Medidas que não são facultativas, mas imperativas.
Na comparação,
tenha-se presente que o adulto primário, de bons antecedentes, condenado por
furto, lesão corporal, etc., normalmente não responde com a liberdade.
A eficácia da
sentença depende de vários fatores, entre eles a correta interpretação do
Estatuto, que inclui princípios garantistas do Direito Penal (ciência e norma).
A perfeita
execução exige que o caráter repressivo seja contrabalanceado por apropriada
proposta pedagógica. O envolvimento da família e da comunidade também é
indispensável.
Execução eficaz e perfeita pressupõe sentença hígida, portanto, completa, objetiva e subjetivamente, formando um silogismo perfeito, onde a fundamentação (artigo 93, IX, CF) exsurja relevante.
Entre os
incidentes da execução, exsurge relevante a progressão de regimes: internação
para semiliberdade. Desta, para liberdade assistida. Da medida sócio-educativa,
para a de proteção.
É inadaptável a
garantia da reavaliação periódica, visando a progressão de regimes.
Os seis meses do
§ 2º do artigo 121 constituem prazo máximo. Ultrapassado, surge o direito ao habeas
corpus.
Todos os
incidentes se submetem ao princípio do contraditório, principalmente à
internação prevista no item III do artigo 122.
A medida tem
natureza cautelar, mas só pode ser imposta facultada justificativa em despacho
fundamentado, onde se demonstre a necessidade imperiosa da restrição que pode
ser suspensa, uma vez que o adolescente se disponha a cumprir a medida
anteriormente imposta.
Enquanto não
editada lei de execução (CF, art. 24, XV e parágrafos), as Corregedorias Gerais
de Justiça poderão normatizar procedimentos no sentido de garantir os direitos
do sentenciado, regulando, por exemplo, a espécie de documentos que devem
acompanhar o adolescente quando determinada a internação ou outra medida:
sentença, laudo da equipe técnica, certidões de registro civil e da escola,
trânsito em julgado, ou, até, fotocópia da íntegra do processo. A cautela
facilitará a individualização do tratamento.
4.6 Proteção Judicial dos
Interesses Coletivos e Difusos
Vivendo a época dos direitos
difusos de terceira geração, defrontamo-nos com sérias dificuldades, decorrência
do sedimentado conceito de direito subjetivo individual.
Direitos até então não
cogitados sob o ângulo difuso, como o direito à saúde, à educação, à
profissionalização, ao lazer, exigiram novas posturas, notadamente dos Juízes.
A moderna tendência é de
alargar o acesso à tutela jurisdicional, possibilitando o julgamento dos
grandes litígios, principalmente relacionados com direitos sociais.
Moacir Motta da Silva[35]
explica:
“Ainda
hoje, observam-se certas decisões jurisdicionais nas quais os fundamentos do
juiz continuam limitados aos ensinamentos hauridos do tradicional conceito do
direito, cuja função jurisdicional resume-se na aplicação da lei, diante do
caso concreto. A idéia de prestação jurisdicional representa algo mais do que
simples técnica de procedimentos, repassados pela doutrina clássica do direito.
O conceito de prestação jurisdicional entrado em uma concepção formal,
positivista, por si só, não é suficiente para a compreensão dos interesses
difusos, como novos valores jurídicos consagrados pelo direito positivo. É
indispensável que o juiz, ao julgar conflitos de interesses difusos, interesses
de massa, reconheça que está diante de matéria que envolve valores éticos que
afetam a sociedade. São demandas judiciais de natureza coletiva, que se fundam
em interesses sociais de toda a coletividade; por exemplo, o direito de
respirar ar puro, direito à educação, à saúde, ao trabalho. O mundo
contemporâneo não mais se conforma com o pensamento ortodoxo do juiz
desatualizado, que ainda imagina ser a prestação jurisdicional algo formalmente
subordinado à lei”.
Josiane Rose Petry Veronese[36] completa:
“Contrariando a visão individualista do século XVIII, com suas
seqüelas no processo civil brasileiro, o ajuizamento das ações fundamentadas em
interesses difusos são de grande importância, pois que implicam o
reconhecimento de que o processo ultrapassa as esferas de mera garantia
constitucional e passa a ser encarado sob o ponto de vista teleológico, ou
seja, como instrumento de participação política do indivíduo e do grupo social
nos centros de decisão do Estado”.
Com o
Estatuto, a negligência do Estado no cumprimento de políticas públicas básicas
passou a possibilitar o recurso à via judicial.
Cabe a ação
havendo não-oferecimento ou oferta irregular de ensino obrigatório; de
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; de
atendimento em creche e pré-escola à criança de zero a seis anos de idade; de
ensino noturno regular, adequado às condições do educando; de programas
suplementares de oferta de material didático escolar, transporte e assistência
à saúde do educando do ensino fundamental; assistência social visando a
proteção à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como o
amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem; de acesso às ações e
serviços de saúde; de escolarização e profissionalização dos adolescentes
privados de liberdade.
As
hipóteses previstas não excluem da proteção judicial outros interesses
individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência,
protegidos pela Constituição e pela lei (parágrafo único do art. 208).
Direitos
coletivos são os pertencentes a determinados grupos, enquanto os difusos tocam
à categoria dos que não podem ser fruídos com exclusividade.
Há, no
direito difuso, uma indeterminação de titulares, enquanto no coletivo, o grupo
de interessados é determinado.
Direito
coletivo à educação: determinado grupo de meninos de rua fora da escola,
inexistindo turno compatível.
Direito difuso:
inexistência de ações e serviços de saúde.
A descrição
das hipóteses do artigo 208 do Estatuto não é taxativa, mas, meramente
enumerativa, porquanto a lei não exclui da proteção judicial outros interesses
individuais difusos ou coletivos.
Não só a
falta de oferecimento ou a oferta irregular de políticas públicas de saúde,
educação, assistência social, mencionadas no Estatuto, ensejam direito às ações
cíveis, outras ações poderão ser propostas.
A
competência é do Juízo da Infância e da Juventude do local onde ocorreu ou deva
ocorrer a ação ou omissão da política básica. Há que se atender à hierarquia
das leis. Sendo o Estatuto lei federal, prevalece sobre lei local que atribua
privilégio de foro (Vide art. 209).
A
legitimação é concorrente do Ministério Público da União, dos Estados,
Municípios, Distrito Federal, Territórios e das Associações de Defesa de
Direitos da Criança e do Adolescente.
Quanto às
associações, dispensar-se-á autorização dos associados, havendo prévia
autorização estatutária.
Importante
dispositivo: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados
compromissos de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá
eficácia de título executivo extrajudicial” (art. 211).
Não há
necessidade de adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e
quaisquer outras despesas.
Só há
sucumbência com a responsabilidade pelas despesas processuais em caso de
litigância de má-fé.
Cabe a
instauração de inquérito civil pelo Ministério Público, o que facilitará a
propositura da demanda.
É subsidiária a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que tutela o valor ambiental.
Recurso,
segundo Lima, “é o meio dentro da mesma relação processual, de que se pode servir
a parte vencida ou quem se julgue prejudicado, para obter, total ou
parcialmente, a anulação ou reforma de uma sentença”[37]. Marques, em feliz
síntese conceitua: “recurso é um procedimento que se forma para que seja
revisto pronunciamento jurisdicional contido em sentença, decisão
interlocutória, ou acórdão”[38].
No seu
sentido amplo, recurso é o procedimento para revisão das decisões e, em sentido
restrito, refere-se à pretensão de anulação ou reforma da sentença.
Na Justiça
da Infância e da Juventude é adotado o sistema recursal do Código de Processo
Civil (art. 198).
Como em
matéria de recurso, a interpretação é restritiva. Tem-se que, no processo de
apuração de ato infracional, o recurso é o do Estatuto, com as alterações ali
consignadas, e não o do Código de Processo Penal.
Não há
preparo; o prazo para interpor e responder a apelação é de dez dias. Há
preferência de julgamento e dispensa de revisor.
No agravo,
é de cinco dias o prazo para interpor e responder.
O efeito da
apelação é sempre devolutivo, salvo: quando interposta contra sentença que
deferir adoção por estrangeiro e a juízo da autoridade judiciária, sempre que
houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 198, VI).
Relativamente
à adoção por estrangeiro, a cautela é percebida à primeira vista. O envio da
criança para o exterior dificultaria o regresso, face os transtornos no
cumprimento do acórdão que teria de ser homologado na justiça alienígena.
Dano
irreparável é o insuscetível de reparação civil. Há uma impossibilidade
material de ressarcimento.
O conceito serve para a difícil reparação, aduzindo-se que a hipótese é a mesma que a da incerta reparação, duvidosa, melhor dizendo.
Em qualquer
caso, antes de determinar a remessa dos autos à instância superior, o juiz
proferirá despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão.
Fundamentar
é motivar, alicerçar. É dizer dos motivos em que se funda a mudança do julgado.
Os
fundamentos são as razões determinantes da nova decisão.
Um dos
postulados da Justiça da Infância e da Juventude reside na fundamentação de
todas as decisões. Trata-se de princípio constitucional (CF, art. 93, IX) e
processual (CPC, art. 165) importantíssimo de garantia das partes que têm
direito de saber o motivo das decisões.
Mantida a
decisão, os autos sobem.
No caso de
reforma, a parte vencida terá de pedir expressamente a remessa à superior
instância. A falta de pedido expresso torna deserta a apelação ou o agravo pelo
abandono do recurso.
O
Ministério Público, na Justiça da Infância e da Juventude, atua como parte
processual ou custos legis.
Embora atue
como parte, não é órgão de acusação e nem simples defensor dos direitos
individuais de cada criança e/ou adolescente em conflito com a sociedade, mas o
responsável pela ordem jurídica, pelos direitos sociais e individuais
indisponíveis.
Não cabe
discutir a vexata quaestio relativa
às funções do Ministério Público, nem seria próprio examinar se se trata de
“função integradora da função do Juiz” (Zanolini, of. Carnelutti)[39], ou se
“parte instrumental”, “parte imparcial”, etc. O que importa é destacar o órgão
como Promotor de Justiça, da eqüidade, defensor dos direitos sociais e
individuais indisponíveis.
Quando atua
como parte, propondo a “ação sócio-educativa pública”, não age de forma parcial
contra o adolescente; promove justiça. Trata-se de parte sui generis, apenas interessada
em realizar justiça, tanto que pode pedir o arquivamento das peças informativas
ou a improcedência da ação por ele mesmo proposta.
Se na área
criminal o Ministério Público é o órgão estatal da pretensão punitiva, surge
aqui como órgão estatal da pretensão sócio-educativa, tanto que concede a
remissão como forma de exclusão do processo (art. 126).
Como parte
ou em posição assemelhada, pouco importa: a verdade é que, na Justiça da
Infância e da Juventude, as funções do Ministério Público crescem de
importância.
Cabe ao
Ministério Público, entre outras atribuições, promover e acompanhar a ação de
alimentos, de suspensão e destituição do pátrio poder; de nomeação e
destituição de tutores e guardiães; promover o inquérito civil e a ação civil
pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos;
instaurar procedimentos administrativos e impetrar mandado de segurança,
injunção e habeas corpus.
Como Promotor de Justiça, o órgão do Ministério Público atua na defesa da ordem jurídica, sempre atento às ameaças ou violações dos direitos fundamentais de crianças e jovens, cabendo-lhe propor as medidasjudiciais e extrajudiciais cabíveis.
O Estatuto,
regulamentando a Constituição, assegura as garantias processuais e a participação
obrigatória do advogado (Vide arts. 110/111 e 206/207).
No estado
democrático de direito a figura do Advogado é indispensável à administração da
justiça, sendo inaceitável qualquer restrição a sua participação em processo
administrativo, civil ou penal.
Na área dos
adolescentes infratores, as funções do defensor técnico crescem de importância
na medida em que a atuação do Advogado aparece como importante elemento de
controle da prestação jurisdicional.
Controle
das informações levadas ao Juiz; das declarações das testemunhas; dos laudos
técnicos; dos prazos; das decisões; recorrendo à instância superior sempre que
necessário.
Se o mais
perigoso dos delinqüentes tem direito à presunção de inocência, de não ser preso
a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada do Juiz; se o
mais temível dos bandidos tem obrigatoriamente Advogado, dispondo de ampla
defesa com recursos a ela inerentes, causava perplexidade que, no Direito, dito
Tutelar, os “menores” fossem privados de liberdade sem os mesmos direitos,
argumentando-se que eram defendidos pelo Ministério Público e que as medidas
eram sempre protetoras.
As novas
legislações, editadas com base na Convenção Internacional (art. 40), enfatizam
a obrigatoriedade da participação do advogado. Assim, dispõe o artigo 170 da
Lei Equatoriana e o artigo 48 da Lei Salvadorenha. Também exigem a presença do
Advogado, sob pena de nulidade, as Leis da Guatemala (art. 194), de Honduras
(art. 229), da Nicaraguá (art. 122), do Panamá (art. 17, § 2º), do Peru (art.
170) e da República Dominicana (art. 274).
No mesmo
sentido os projetos de reforma legislativa do Uruguai, da Venezuela, do Chile e
da Argentina.
Em nosso
país a presença do Advogado é obrigatória. Decorre de exigência Constitucional
e Estatutária. Confira-se a Carta Federal, artigo 133 e o ECA, artigos 206 e
207.
Tenha-se
presente o § 3º do artigo 207 que dispensa a outorga de mandato, quando se
tratar de defensor nomeado, ou constituído, tiver sido indicado por ocasião de
ato formal com a presença da autoridade judiciária.
Quanto ao
Advogado, tem-se dito que atua diferentemente da área penal dos adultos. É
fato. Todavia, não há legitimidade no restringir a defesa do adolescente, que
deve ser a mais ampla possível, inclusive com argüição de nulidades e
promovendo o Advogado de defesa técnica na verdadeira acepção da palavra.
É cabível defesa indireta, formal.
Havendo
pretensão, tem de haver resistência. Isso é próprio do contraditório.
Na Justiça
da Infância e da Juventude, o Advogado, como nos demais processos, atua
tutelando, amparado a liberdade e os direitos individuais.
Atuação
eminentemente técnica, porquanto a autodefesa é realizada pelo próprio
adolescente.
No estado
democrático de direito, não se admite acusação sem defesa. O adolescente não é
mais objeto passivo de “medidas tutelares”. O mito desapareceu. Hoje é sujeito
de direito. Goza da presunção de inocência, tendo garantido os direitos
constitucionais e estatutários.
Cabe ao
Advogado propor todas as medidas técnicas no sentido de defender o adolescente.
Sua função é a de assistir tecnicamente o jovem em conflito com a lei (ECA,
art. 103).
Processo
sem defesa técnica não é processo. Há nulidade absoluta.
Se o Advogado
não defende técnica e completamente, deve o Juiz substitui-lo.
O princípio
do devido processo com a amplitude da defesa para ser garantia efetiva,
elemento lógico e indispensável, exige atuação eficiente.
O defensor,
constituído ou nomeado, tem o dever de ofício de lutar pelos direitos do
adolescente, podendo, para tanto, comunicar-se pessoal e reservadamente com o
jovem e seus familiares, mesmo quando internado. Confira-se o artigo 124, III,
do Estatuto.
As regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil, Resolução nº
40/33, de novembro de 1985, são claras:
“Regra 15 – Assistência judiciária e
direitos dos pais e tutores”
“15.1 O
menor terá direito a se fazer representar por um advogado durante todo o
processo ou a solicitar assistência judiciária gratuita, quando prevista nas
leis do país.
“15.2 Os
pais ou tutores terão direito de participar dos procedimentos e a autoridade
competente poderá requerer a sua presença no interesse do menor. Não obstante,
a autoridade competente poderá negar a participação se existirem motivos para
presumir que a exclusão é necessária aos interesses do menor”.
Do
comentário traduzido por Maria Josefina Becker[40]:
“A regra 15.1. usa terminologia similar à da regra 93 das
Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros. Enquanto o assessoramento
jurídico e assistência judiciária gratuita são necessários para garantir a
assistência judiciária ao menor, o direito à participação dos pais ou tutores,
de acordo com a regra 15.2. deve ser considerada uma assistência geral ao
menor, de natureza psicológica e emocional, que se estenda ao longo de todo o
processo”.
“A
autoridade competente, para determinar medidas adequadas ao caso, pode valer-se
da colaboração dos representantes legais do menor (ou, com essa finalidade, de
algum outro assistente pessoal em quem o menor possa confiar e realmente
deposite confiança). Esse interesse pode ser frustado se a presença dos pais ou
tutores na audiência exercer uma influência negativa, manifestando, por exemplo,
uma atitude hostil ao menos; por isso, deve-se prever a possibilidade de sua
exclusão da audiência”.
Os serviços
auxiliares são organizados de acordo com as leis locais de organização
judiciária.
Não há mais
a figura do comissário de menores.
As leis
judiciárias poderão criar cargos de agentes de proteção. Tais servidores não
são policiais, órgão de repressão de meninos. São agentes de proteção, cumprem
diligências necessárias, garantindo que os adultos não ameaçem ou violem
direitos assegurados no Estatuto. Zelam pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor (Estatuto, art. 18).
A equipe
técnica, composta de assistente social, psicólogo, educador, faz os estudos de
caso, subministrando ao Juiz os elementos necessários à convicção.
É invocável
a legislação processual, subsidiária respectiva. Cabem as mesmas regras de
quesitos, assistentes, incompatibilidades e impedimentos do Direito Comum.
O escrivão
e o oficial de justiça também estão sujeitos às normas do Direito Judiciário e
da Organização Judiciária.
Relativamente aos serviços auxiliares, cabem as recomendações das “Regras de Beijing”. Vide Regra 22 e respectivo comentário.
5. Rede Administrativa de
Atendimento
Falar na rede de atendimento é referir principalmente às medidas de proteção e sócio-educativas previstas no Estatuto:
-
orientação, apoio e acompanhamento temporários;
- matrícula
e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
- inclusão
em programa de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
-
requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico em regime
ambulatorial;
- inclusão em
programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
- abrigo em
entidade;
- prestação
de serviços à comunidade;
- liberdade
assistida;
- inserção
em regime de semiliberdade;
-
internação em estabelecimento educacional.
Tenha-se
presente:
As medidas
sócio-educativas constituem resposta ao ato infracinal, não se confundem com as
medidas de proteção. No primeiro caso o adolescente é vitimizador e no segundo
vítima. Também que a rede administrativa não se confunde com o Sistema de
Justiça.
A primeira
atua na assistência social, aplica medidas protetivas. A justiça age na
prevenção e composição de conflitos.
Não é
próprio do Judiciário prestar assistência social. Seus operadores só atuam
processualmente, vale dizer na prestação jurisdicional, graciosa ou
contenciosa.
Juízes e
Promotores só devem se envolver com a rede de atendimento administrativa ou
não-governamental, incentivando e apoiando a implementação e aperfeiçoamento de
programas.
Fiscais
naturais, decorrência da jurisdição voluntária, não tem sentido que mantenham
programas ou entidades de atendimento.
Assistência
e execução, como dito, são do executivo e da comunidade.
Juízes e
Promotores não são “tutores” da comunidade.
Agentes políticos
têm compromisso com o direito e a sociedade na implementação do Estatuto, mas
isso não quer dizer que devam influir ou interferir na rede, principalmente nos
Conselhos de Direitos, responsáveis pelas diretrizes da política de
atendimento, Constituição Federal, artigo 227, § 7º.
A fiscalização das entidades, artigo 148, V, e 201, XI, discreta e respeitosa, verificará da observância dos princípios e normas estatutárias, principalmente daqueles referidos nos artigos 90 a 95.
Tenha-se
presente a nova ótica do sistema de garantias. Crianças e Adolescentes como
sujeitos de direito e não objetos passivos de tutela.
Garantem-se
direitos fundamentais e sociais, notadamente através de programas.
Apoio à
família, à integração sócio-familiar.
Menos bases
físicas. Menos abrigos e menos internatos que, via de regra, não dão bons
resultados.
Mais
programas, menos prédios.
Os serviços
da rede necessitam do voluntariado, mas não dispensam profissionalismo e
capacitação. Pressupostos para os quais Juízes, Promotores e Técnicos podem
contribuir, organizando cursos, seminários, principalmente do pessoal da
Justiça.
Indispensável
à integração do Judiciário e do Ministério Público com entidades do executivo e
não-governamentais.
Diálogo
franco constante entre Conselhos de Direito, Tutelares e os demais integrantes
da rede.
Programas
de restabelecimento de vínculos familiares, com apoio dos Técnicos do
Judiciário, se apresentam como alternativa bastante importante.
O
tratamento não-institucional deve ser priorizado.
Há que
valorizar e incentivar programas de assistência educativa à família.
A rede de
atendimento deve priorizar o direito à convivência familiar e comunitária,
valorizando iniciativas e programas integrados com a Escola.
Tenha-se presente
o artigo 54 do Estatuto e o respeito aos valores culturais, artísticos,
históricos, próprios do contexto social das crianças e adolescentes.
É preciso
exorcizar o discurso menorista da “tutela”, da “proteção”, que acaba por
segregar “menores” em “instituições” de toda espécie.
Os viéses
da antiga “doutrina”, marcados pelo assistencialismo e pela experiência
correcional repressiva, lamentavelmente, persitem em muitas organizações da
rede de atendimento, prestigiados por operadores do sistema judicial.
Em que pese
a resistência de certos “especialistas”, a mudança de ótica do assistencialismo
para a garantia de direitos, vem, progressivamente, ganhando espaços.
A eficácia
do Estatuto depende, fundamentalmente, da rede, do profissionalismo e da capacitação.
Sem
capacitação em torno do novo modelo, o Estatuto prosseguirá simples carta de
intenções, onde os viéses da “tutela”, do superior interesse e outros mitos
convenientes, continuarão justificando confinamento e segregação.
É preciso
mudar!
A mudança inclui o
compromisso com a democracia participativa, que implica reconhecer e valorizar
os Conselhos de Direitos.
Notas:
[1]
CAVALLIERI, Alyrio. Direito do Menor.
Rio: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1978, p. 14.
[2] CAVALLIERI, Alyrio. Ibidem, p. 9
[3] SILVA, De Plácito e. Vocabulário
Jurídico. Rio: Forense, 1982, p. 321.
[4] MENDEZ,
Emilio Garcia. Derecho de
la infancia – adolescencia en América Latin: De la situacion irregular a la
protección integral, Bogotá: Ed. UNICEF, 1998
[5] PEREIRA,
Tânia da Silva, Direito da Criança e do
Adolescente: uma proposta interdisciplinar, Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
[6] SELIH,
Alenka. Os jovens separados de suas famílias. Anais do XII Congresso da Associação Internacional de Magistrados de Menores
e de Família. Rio : Dinigraf
Empreendimentos Gráficos e Editoriais Ltda. pp. 29 e 30.
[7] MANZANERA,
Luiz Rodrigues. Criminalidade de menores.
México: Editorial Porrúa S.A., 1987, pp. 365 e 371-372.
[8] SOLARI,
Ubaldino Calvento, Lineamentos del Derecho
de Menores en Latino América, Montevideo :
Imprensa Marte, 1981, p. 21.
[9] ARMIJO,
Gilbert. Manual de
Derecho Procesual Penal Juvenil, San José: IJSA, 1998,
p.49/69.
[10] BELOFF,
Mary. Infancia, Ley y Democracia em
America Latina, Buenos Aires: Ed. Temis, 1998.
[11] BARATTA,
Alessandro. Infancia, Ley y Democracia em
America Latina, Buenos Aires: Ed. Temis, 1998.
[12] FERRAJOLI,
Luigi. Infancia, Ley y Democracia em
America Latina, Buenos Aires: Ed. Temis, 1998.
[13] GRÜNSPUN, Haim, Os direitos dos
menores, São Paulo, ALMED, 1985. p. 86.
[14] MANZANERA,
Luiz Rodriguez. Criminalidad de Menores. México
: Editorial Porrúa, 1987, pp. 370/371.
[15] GRÜNSPUN, Hain. Os Direitos dos Menores. São Paulo :
Almed, 1985, p. 86.
[16] BULHÕES
DE CARVALHO, Francisco Pereira. Direito do Menor. Rio : Forense, 1977, pp. 2/3.
[17] RIVERA, Deodato. A Criança e
seus direitos. Estatuto da Criança e do Adolescente & Código de Menores,
Rio, PUC-RJ, Funabem, 1990, pp. 51/52.
[18] BARREIRA, Wilson e BRAZIL, Paulo
Roberto. Ob. cit., p. 15.
[19] D’ANTÔNIO, Daniel
Hugo. Derecho de Menores. Buenos Aires : Editorial Astrea, 1968, p. 323.
[20] SOLARI,
Ubaldino Calvento. Lineamentos del Derecho de Menores en Latino América. Montevideo,
Oficina de Publicaxiones del Instituto Interamericano del Niño, 1982, p. 22.
[21] BULHÕES
DE CARVALHO, Francisco Pereira de. Ob. cit., p. 330.
[22] GRÜNSPUN, Haim. Ob. cit., p. 77.
[23] MAZZILLI,
Hugo Nigro. As várias formas de adoção. Revista
de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, Lex Coletânea de
legislação e jurisprudência, São Paulo : Lex Editora, 1985, vol. 95, p. 25.
[24] TIFFER,
Carlos S. e LLOBET, Ravier. La sanción
penal juvenil y sus alternativas en Costa Rica – Con jurisprudencia nacional,
1ª ed., San José, C. R.: UNICEF – ILANUD – CE, 1999, p. 188.
[25] LIMA,
Miguel Moacir Alves de. Estatuto da
Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais, Coordenadores:
Munir Cury, Antonio Fernando do Amaral e Silva e Emilio Garcia Mendez, 2ª ed.,
São Paulo : Malheiros, 1992, pp. 347/348.
[26] VOLPI, Mário. O Adolescente e o
Ato Infracional, São Paulo : Cortez,
1997, p. 23.
[27] VOLPI, Mário. Ob. cit., pp.
23/24.
[28] BERGALLI, Roberto. Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado: comentários jurídicos e sociais, Coordenadores: Munir Cury, Antonio
Fernando do Amaral e Silva e Emilio Garcia Mendez, 2ª ed., São Paulo :
Malheiros, 1992, pp. 361/362.
[29] MARTINS, Anísio Garcia. O Direito do
menor. São Paulo : Livraria Editora Universitária de Direito Ltda, 1988,
pp. 398/399.
[30] GONÇALVES, Níveo Geraldo e
Moacir Rodrigues. Conselho Tutelar,
Justiça da Infância e da Juventude, Liberdade Assistida, Belo Horizonte :
Del Rey, 1990, pp. 58/59.
[31] VOLPI, Mário. Ob. cit., p. 24.
[32] VOLPI, Mário. Ob. cit., pp.
26/27.
[33] SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, Rio : Forense,
1982, vol. III, p. 456.
[34] NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São
Paulo : Saraiva, 1971, p. 6.
[35] SILVA, Moacyr Motta da e
VERONESE, Josiane Rose Petry. A tutela
jurisdicional dos direitos da criança e do adolescente, SãoPaulo : LTr,
1998, pp. 81/83.
[36] VERONESE, Josiane Rose Petry, Interesses difusos e direito da criança e do
adolescente, Belo Horizonte : Del Rey, 1996, pp. 16/17
[37] LIMA, Alcides de Mendonça. Dicionário
do Código de Processo Civil Brasileiro. São Paulo : Revista dos Tribunais,
1986, p. 491.
[38] MARQUES, José Frederico. Ob.
cit., vol. III, p. 113.
[39] CARNELUTTI, Francisco. Lecciones sobre el proceso penal. trad. Santiago S.
Melendo, Buenos Aires, Bosch, 1950, vol. 1, p. 232.
[40] Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça de Menores. As
Regras de Beijing, tradução de Maria Josefina Becker, Rio de Janeiro :
FUNABEM, 1988.