EXPLORANDO O CIBERESPAÇO NAS TRILHAS DA INCLUSÃO

 

 

Maria Teresa Eglér Mantoan

Universidade Estadual de Campinas. Unicamp.

Faculdade de Educação.

Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade.

 

 

Novos cenários educacionais

O impacto do uso de novas tecnologias de comunicação e de informação potencializado pelos desafios da inclusão escolar provoca mudanças verdadeiramente revolucionárias no contexto educacional e precipita o rompimento com modelos tradicionais de ensinar e aprender.

Consoante novas tendências educacionais, em que a multi/interdisciplinaridade, a interatividade, a acessibilidade são motores desses avanços, este texto foi organizado de modo a apresentar ao leitor contribuições das tecnologias educacionais ao processo de inclusão escolar de pessoas com e sem deficiências temporárias ou permanentes de adaptação, nessa nova perspectiva.

A tarefa é desafiante, pois os conceitos e práticas envolvidos e a extensão do significado dessa inovação educacional necessitam de diferentes sistemas interpretativos e de novas explicações e artefatos que dêem conta da sua complexidade.

 Por tudo isto é que nos aventuramos a explorar o ciberespaço, nas trilhas da inclusão!

O problema

Muitas indagações estão surgindo a respeito das formas de comunicação e de ensino e dos estilos de aprendizagem decorrentes do uso de novas mídias eletrônicas na escola, especialmente no ensino infantil e fundamental. O problema se amplia e se complica ainda mais, quando é proposta a utilização de ferramentas de comunicação a distância em ambientes educacionais inclusivos.

A multiplicação infinita das informações e a quebra das fronteiras geográficas da comunicação tornam impossível o domínio do conhecimento. O homem moderno precisa aprender a buscar, selecionar, tratar e construir conhecimentos autônoma e cooperativamente, no coletivo das representações, das idéias e sentimentos que se complementam e se interpenetram, abalando com tudo isso o ensino disciplinar, tradicionalmente praticado nas escolas.

Todas as mudanças próprias do nosso tempo inserem novos fatos no universo educacional, tais como o diálogo entre as diferenças, as redes de conhecimento resultantes dessas interações, a complexidade do pensamento.

Sabemos que a existência de computadores na escola não é suficiente para se desencadear toda a gama de possibilidades que esse equipamento pode trazer à educação, especialmente, nos seus níveis básicos.

Dificilmente se associa a existência dos computadores na escola à idéia de co-criação do conhecimento, interdisciplinaridade, aprendizagem colaborativa, ampliação de experiências de comunicação e expressão entre aprendizes e professores, vivências intra e interescolares, que implicam na multiplicidade de pontos de vista, intercâmbio de idéias, diante de um mesmo tema ou resolução de problemas pela troca de soluções possíveis, escolhas compartilhadas.

O uso de computadores na escola tem sido reduzido a atividades que o sub-utilizam, realizadas em laboratórios, recheados de programas que reproduzem técnicas de ensino mecanicistas. Não são exploradas e valorizadas as atividades interativas que empregam ferramentas de telecomunicação, como o correio eletrônico, as listas de discussão, os fóruns, as teleconferências e outras.

O design de ambientes de aprendizagem que utilizam a Internet como mídia é um tópico de pesquisa que começa a surgir em função do desenvolvimento tecnológico e das expectativas em torno da educação a distância. Por outro lado, pouco temos feito para torná-los acessíveis a todos os aprendizes, indiscriminadamente.

Explorar o ciberespaço na escola é ainda uma promessa, mas não podemos deixar de cumpri-la, mesmo com um bom atraso...

Por outro lado, é imprescindível que se integre a esses ambientes a idéia de que os conhecimentos se constroem a partir de conexões, de idéias enredadas, de uma trama imprevisível de relações, próprias de uma concepção indissociável das áreas disciplinares, como as que naturalmente tecemos, nos hipertextos, no ciberespaço.

Essas novas tendências de ensino escolar, que implicam o uso de ferramentas computacionais de comunicação a distância e envolvem uma atuação do professor, que não está habituado e/ou preparado a fazer uso delas é um barreira que temos de transpor.

A transposição, no nosso ponto de vista, não ocorrerá enquanto se pretender ensinar o professor a usar essas ferramentas, fora de suas salas de aulas, em cursos específicos, isolados do contexto escolar em que atuam. Acreditamos que se aprende a ensinar o novo, conhecendo e praticando a novidade, em toda a sua extensão, no cotidiano de suas salas de aulas. Ele precisa viver o desafio de aprender pela descoberta, pela experimentação, com seus alunos, diante de situações que problematizam a sua atuação, pois, do contrário, continuarão reproduzindo em suas turmas, o que queremos que seja abolido – conhecer antes para aplicar, depois!

Precisamos, pois, desconfiar de toda formação que pretende fazer com que os professores progridam, evoluam nas suas práticas (mesmo as que são intermediadas pela mais poderosa tecnologia), mas que continuam fundamentadas nos velhos princípios educacionais que sustentam a escola tradicional.

Democracia eletrônica e inclusão escolar

A emergência de novas competências de comunicação, que surgem da passagem de uma lógica distributiva, unidirecional e hierárquica da escola tradicional para a lógica interacional da escola da contemporaneidade, desconsidera a passividade do educando e propõe a criação coletiva, como sua fonte revitalizadora.

Tecnologias que provocam interatividade entre os usuários permitem confrontação coletiva e construção de conhecimentos em teias interdisciplinares e baseados na liberdade de expressão, pluralidade de idéias e cooperação. Essas tecnologias liberam o autoritarismo do professor, como fonte do conhecimento e propiciam a materialização de outra ética escolar, tendo como eixos o convívio com as diferenças, a aprendizagem relacional, participativa, que faz emergir a subjetividade dos alunos e novos sentidos do saber.

O poder revolucionário de certas ferramentas que envolvem experiências de comunicação e de construção do conhecimento, via Internet, não se resume em dotar o professor e o aluno de novos recursos didático-metodológicos para o desenvolvimento do processo formal de educação a distância. Essa já seria uma importante contribuição, não fora a possibilidade que elas têm de condicionar novas maneiras de pensar o outro e de viver em grupo, democraticamente.

É certo que a nossa maneira de engendrar e de administrar o conhecimento é uma das geradoras da nossa (in)capacidade de ver e/ou de entender o outro.

A inclusão propicia experiências pessoais e interpessoais que afetam objetiva e subjetivamente as relações entre os educandos e entre professor e sua turma, exigindo avanços nas práticas pedagógicas e na estruturação dos sistemas de ensino.

Eis aí a condição ideal para que se enfrentem os desafios de se ensinar a turma toda, sem discriminações, currículos adaptados e ensino à parte, em classes e escolas especiais.

Ambientes computacionais inclusivos

Visando a esta condição, estamos realizando um estudo de natureza interdisciplinar, que reúne alunos e professores da Faculdade de Educação/Unicamp e do Instituto de Computação/Unicamp, focando o processo de aprendizagem de alunos com e sem deficiências, incluídos no ensino fundamental, no ensino fundamental.

Vale reafirmar que, afinados com os princípios da educação inclusiva, buscamos um design de ambientes computacionais que não seja exclusivo para usuários com necessidades específicas, mas que possa ser usado por todos os aprendizes, sem discriminar as possibilidades de cada um, no processo educativo.

O estudo iniciou-se em 1999, quando reunimos um grupo de alunos com síndrome de Down, em processo de alfabetização, e solicitamos a participação ativa desses alunos como usuários finais do primeiro software educativo que estávamos produzindo. A participação se deu ao longo de todo o ciclo de design do Papo-Mania. e do Desenho-Mania (Barcellos e Higachi, 1999). Estes dois softwares e o Teatro no Computador (Oliveira, 2000), são produtos de dissertações de Mestrado e de tese de Doutorado do Instituto de Computação/ Unicamp.

Cada um desses ambientes tem a sua especificidade e a sua proposta educacional. Todos eles foram desenvolvidos a partir de uma abordagem participativa e mudanças foram gradualmente introduzidas nas interfaces, visando uma melhor adaptação ao usuário: alunos do ensino fundamental, com e sem deficiência.

O Papo-Mania é um ambiente de chat, em que o acesso ao conhecimento é entendido como a possibilidade de o software mediar a comunicação, propiciando aos alunos com e sem deficiências situações em que ampliam os recursos necessários ao uso da linguagem escrita.

O Desenho-Mania é software proposto para possibilitar o desenvolvimento de trabalhos cooperativos a distância, estimulando o compartilhamento de metas, a interação em grupo, a colaboração e a capacidade de decisão entre as crianças em geral, com e sem deficiências. Esta ferramenta destaca que outras linguagens e não apenas o código escrito podem ser utilizadas para expressão do pensamento, além de desenvolver a memória visual, a seqüência lógica temporal, a organização do trabalho, a mudança de perspectiva para analisar um objeto e outras competências educacionais produzidas.

O Teatro no Computador é o resultado de uma metodologia de design de interfaces em que as pessoas não são meros usuários, mas atuam como habitantes dos espaços virtuais criados pelo designer. As crianças, nesse ambiente, podem habitar de diversas maneiras o espaço virtual do teatro. Cada uma dessas maneiras é função da relação semiótica que a criança contrai com as demais entidades que habitam a interface e cria diferentes oportunidades de aprendizagem. Da mesma forma que os ambientes anteriores, o Teatro no Computador é uma ferramenta inclusiva, pois não especifica um tipo de usuário para sua utilização, dada a flexibilidade e a abrangência de seus recursos e propostas educacionais.

Neste momento, um outro software está sendo produzido para ampliar ainda mais os meios pelos quais estamos propiciando aos professores e alunos melhores condições de ensinar e de aprender, dentro do que nos propõem as novas teorias educacionais.

Essas teorias vão de encontro a todas as formas de fragmentação e disjunção do pensamento, combatem as hiper-especializações e se propõem a formar “cabeças bem feitas”, ao invés de “cabeças bem cheias” (Morin, 2001).

Alguns resultados animadores

Primeiramente é de se destacar que os alunos com e sem deficiência contribuíram em todas as fases do design participativo dos ambientes computacionais propostos, mostrando suas necessidades e expectativas diante dos recursos das ferramentas em produção.

Os alunos com e sem deficiência participaram com interesse e espontaneidade do que lhes foi solicitado, nas fases posteriores do estudo.

Apesar dos obstáculos iniciais (a maioria deles referentes ao acesso à tecnologia), ficou evidente que não há barreiras para a participação dos alunos em geral nesse e nos demais ambientes de comunicação à distância aqui referidos. Todos eles atendem à diversidade das possibilidades de participação das crianças em geral – por exemplo, quando não sabem escrever uma fala, podem gravá-la ou mesmo ditá-la a um colega da turma.

Eles conseguiram produzir várias peças de teatro, utilizando o Teatro no Computador[1], como atores e diretores e influíram no roteiro, apresentando sugestões muito pertinentes.

As ferramentas desenvolvidas propiciaram a esses alunos com e sem deficiência, até então, ampliar seus recursos de comunicação oral e escrita e uma compreensão dos conteúdos escolares, que foge ao que é da rotina nas salas de aula, em que as práticas de ensino separam, repartem o saber em fatias disciplinares e colocam grades entre o que precisa ser explorado e descoberto de modo integrado.

As práticas dos professores têm evoluído pouco a pouco para uma concepção transversal, unificadora, mesmo quando essas ferramentas não são as intermediárias dos processos escolares de ensino e aprendizagem.

Como a nossa intenção não á de criar apenas tecnologias “web-acessíveis”, mas de acesso aos conhecimentos e interconexão entre os mesmos, acreditamos estar a meio caminho dos nossos objetivos que pretendemos alcançar neste estudo.

Tendo conseguido afinar os instrumentos, fazendo convergir o design dos ambientes com os preceitos educacionais inclusivos e com práticas de ensino cooperativas, multi/ interdisciplinares, esperamos chegar aos benefícios que esses softwares poderão propiciar ao desempenho escolar de alunos com e sem deficiência, na aquisição dos conteúdos acadêmicos e na sua efetiva e pertinente utilização como veículo de comunicação facilitador da inclusão o escolar e social.

Estamos conscientes de que há muito a caminhar, porque, as escolas resistem muito à adoção de práticas pedagógicas transgressoras e de aparatos educacionais inovadores, que fazem parte das propostas de um ensino, verdadeiramente, inclusivo.

Mas estes são os desafios educacionais do milênio e temos mais é que não esmorecer e buscar soluções para enfrentá-los.

 

Notas:

[1] Essas histórias constituem o material de estudo de uma dissertação de Mestrado em Educação de uma de nossas orientandas do LEPED, Profa. Janaína Speglish Amorim. O trabalho intitula-se: “Uma Janela Para Todos: as novas mídias informatizadas nas escolas abertas às diferenças”.

 

Como citar este artigo:

Referências bibliográficas

BARCELLOS, G. C., HIGAKI, P. L. (1999). O processo comunicativo em ambientes virtuais de aprendizagem – um estudo exploratório. Anais do X Simpósio Brasileiro de Informática na Educação. V.1 (pp271-278).

MORIN, E. (2001). A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá Jacobina, 4ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

OLIVEIRA, O.L. (2000). Design da interação em ambientes virtuais: uma abordagem semiótica.  Tese de doutorado, Instituto de Computação, Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, São Paulo.