NATUREZA
DO TRABALHO SÓCIO EDUCATIVO À LUZ DE UMA ANÁLISE SÓCIO-JURÍDICA DO ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Sinara Porto Fajardo
Universidade de Zaragoza, abril de 2000.
1. Contexto
político da análise
Desde antes de sua entrada em vigor, o ECA concentra
interesses contraditórios e, quase sempre, antagônicos que se expressam de
forma ora mais, ora menos, visíveis no processo de implementação.
Para além dos debates políticos, mas coerente com a totalidade
da luta ideológica sobre a nova normativa e suas conseqüências, os trabalhos
científicos atuais situam-se em torno a duas grandes tendências: os críticos ao
ECA, que ressaltam seus problemas de forma mais ou menos global ou pontual, e
os defensores, que comentam e reforçam seu caráter inovador, garantista e
participativo.
O ECA ampliou o leque da tutela do Estado para todas as
pessoas em idade de desenvolvimento físico e emocional. Duas importantes
conseqüências vêm com este novo paradigma: em primeiro lugar, o protagonismo do
Poder Judiciário nas políticas de assistência à criança e ao adolescente deu
lugar a uma divisão de responsabilidades entre o Estado e a sociedade, através
dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares. Em segundo lugar, o estigma
da criança e adolescente desamparado, em
perigo ou perigoso tende a dar
lugar a um reconhecimento de sujeitos de direitos, independentemente de sua
situação pessoal e social.
A correlação de forças na sociedade brasileira atual demanda
uma postura política de fortalecimento incondicional do texto legal, contra
toda forma de resistência e ataques provindos do conservadorismo mais ou menos
esclarecido. Está claro o perigo de retrocesso numa conjuntura instável como
costuma ser o cenário político e legislativo no Brasil. O rebaixamento da idade
mínima para a imputabilidade penal de 18 para 16 anos é, atualmente, uma
bandeira disputada por todos os segmentos conservadores e contrários aos
direitos humanos de adolescentes em conflito com a lei.
Cada artigo e a totalidade do ECA têm sido sistematicamente
questionados por juristas, técnicos e políticos, com o intuito de retroceder à
antiga doutrina da situação irregular[1]. Por outro lado, há uma espécie de
pacto implícito entre profissionais, técnicos, políticos, ONGs, militantes de
defesa dos direitos humanos, etc., de não enfrentar as debilidades,
ambigüidades ou lacunas do ECA, com o objetivo de não vulnerar a própria
existência da lei e de não apresentar entraves a sua implementação.
O debate atual entre duas posições diferentes em relação à
necessidade ou não de regulamentar mais detalhadamente alguns artigos da lei,
concernentes à execução de medidas sócio educativas, tem-se dado à luz de um
pacto mais geral de defesa incondicional do texto atual da lei, tal e como se
apresenta.
A esta postura conjunturalmente correta, situamo-nos numa
postura cientificamente crítica, ou seja, que levanta e enfrenta dúvidas e
busca respostas a partir da referência da defesa dos direitos humanos das
crianças e adolescentes. Em tal panorama, definimos uma proposta de estudo
crítico do ECA dentro do marco da Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU
e da Constituição Federativa do Brasil.
2. Luzes
e sombras do ECA
As normas, como as relações sociais, expressam ambigüidades,
cuja existência ilumina o enfoque segundo o qual a lei constitui-se em reflexos
e alavancas das contradições na sociedade e no Estado; expressa o resultado,
num contexto histórico dado, da correlação de forças entre distintas
representações do papel de Estado (ou de direito) em relação ao objeto da
norma. O Estado apresenta-se principalmente através de suas caras normativa e
política, em sua relação com a sociedade. De acordo com as representações
sociais sobre seu papel em relação aos direitos da criança, a normatividade
vai-se configurar de forma mais ou menos intervencionista, promocional,
garantista, tutelar, autonomista, etc..
Identificamos quatro ambigüidades do discurso e da prática
decorrente da implementação do ECA, que podem ser condicionadas por este
processo histórico de disputa de representações de infância e, principalmente,
do papel do Estado em relação aos direitos das crianças. Podemos resumir as
quatro ambigüidades como entre teorias de Estado subjacentes à lei, entre
finalidades mais protetoras ou mais controladoras, entre elementos internos do
conceito de proteção integral e entre concepções inerentes ao modelo de justiça
juvenil.
Ambigüidades no discurso e
na prática
Os conceitos ambíguos são os que expressam duas ou mais representações
sociais em si mesmos, opostas ou não, dando margem a distintas interpretações e
práticas. Levando em conta que as normas são ou expressam relações sociais que,
por definição, são contraditórias, óbvio que apresentem ambigüidades mais ou menos
complexas. O ECA expressa, em seu conteúdo global, as relações sociais
concretas a que se refere, e constitui-se como a síntese historicamente
possível entre distintas representações sociais sobre infância, Estado, sociedade, família, etc..
Representações de Estado e
direitos fundamentais
Em primeiro lugar, está a ambigüidade de representações de
Estado quanto a seu papel em relação aos direitos fundamentais das crianças e
dos adolescentes.
O ECA pode ser examinado à luz de algumas teorias sobre o papel
do Estado em relação aos direitos fundamentais, pois sempre o direito influi e
é influenciado pelas representações de Estado e sociedade que o contextualiza[2].
Esta lei expressa elementos da teoria clássica ou liberal, ao positivar as
liberdades e direitos individuais[3]; da teoria institucional, ao criar
instituições para influenciar ou transformar a realidade social; da teoria dos
valores, ao decorrer da Constituição Federal, que fundamenta-se no princípio da
dignidade humana[4], apesar do ECA, especificamente, declarar ou definir
direitos, ao invés de fundamentar-se neles[5]; da teoria da função democrática,
também em decorrência do ordenamento constitucional, que define como objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil princípios de uma sociedade
democrática[6]; e, finalmente, da teoria do Estado de bem estar social, ao
responsabilizar, ainda que não exclusivamente, o Estado pela garantia da
liberdade e igualdade reais entre os cidadãos[7].
Em síntese, o ECA
reúne elementos teóricos de várias vertentes, o que expressa seu caráter de
resultante de uma correlação de forças em torno a distintas representações não
somente de infância, mas também de Estado e de seu papel em relação aos
direitos humanos. Se uma representação hegemônica de infância foi contemplada
na lei, apesar de ainda não totalmente nas práticas concretas, o mesmo não se
pode dizer das representações de Estado ou, melhor dito, de poder. Esse caráter
múltiplo deixa margem às polêmicas interpretativas de corte ideológico e, além
disso, a um leque bastante amplo de alternativas de aplicação das normas e
implementação das políticas delas decorrentes.
A partir do pressuposto de que as representações de Estado
são mais determinantes que as de infância na eficácia instrumental do ECA,
podemos facilmente intuir um objetivo latente de priorizar a eficácia
simbólica, legitimando através de uma visão democrática de infância umas
práticas autoritárias de poder público.
Assim é que, conforme o ponto de vista e os interesses
políticos, enfatiza-se uma ou outra vertente teórica do ECA e, ainda,
justificam-se umas ou outras práticas que dão consistência à lei.
Finalidades da lei
Em segundo lugar, está a ambigüidade entre a proteção da
infância e o controle social enquanto finalidades do ECA, que traz conseqüências
importantes no processo de sua implementação.
Os próprios fins protetores da lei são realizados através de maior controle social, na
medida em que legalizam-se ou juridificam-se, de forma mais profunda, as
relações sociais, ampliando e complexificando as formas de dominação ou de
intervenção. Por exemplo, o aparato institucional proposto no ECA abrange toda
uma gama de instâncias sociais que vão desde o poder público em nível federal,
até a responsabilidade individual de cada cidadão em velar pela garantia dos
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, num complexo
público/privado que penetra cada família, entidade de atendimento, escola,
hospital, vizinhança, organização não governamental, etc..
Uma reflexão mínima sobre os motivos pelos quais o Estado
promove a proteção indicaria, pelo menos, duas razões principais: para
compensar ou paliar os efeitos excludentes do modelo econômico e político
adotado em relação a parcelas importantes da população e, consequentemente, do
mercado; e para integrar estas mesmas parcelas num projeto de convivência
social que não ponha em risco a ordem estabelecida como “normal”. Nessa lógica,
as políticas sociais jogam um papel vital e ambíguo entre o que pode-se chamar
de garantias de direitos econômicos, sociais e culturais e, por outro lado, o
controle social baseado na busca de legitimidade do Estado ou, pura e
simplesmente, na legalização das relações sociais (García e Susín 1998).
Legalizando as relações sociais, contribui para o
aprofundamento do controle sobre os comportamentos que põem em risco não só os
direitos das crianças e dos adolescentes, mas também a ordem e a segurança
cidadã. Normatizando a prevenção e a proteção, não necessita positivar a
repressão de forma explícita, pois contempla seus conteúdos negativos de forma
muito mais sutil e eficaz. Reunindo, num só texto, alternativas de intervenção
com objetivos tão complexos como contraditórios como são, por exemplo, os de
proteção e os de sócio-educação, expressa a ambigüidade mais geral entre
proteger/assistir e integrar/controlar.
O ponto de partida é o elemento que mais evidentemente
expressa esta ambigüidade: são os supostos de intervenção, tal como se
positivam no ECA. As medidas de proteção desencadeiam-se a partir da ameaça ou violação
de um valor protegido constitucionalmente, que é a infância[8], enquanto as
medidas sócio-educativas desencadeiam-se a partir da violação de outro valor,
que é a segurança, também protegido constitucionalmente[9], violado através do
ato infracional, análogo ao crime ou contravenção penal[10]. Neste caso,
formalmente, a ambigüidade tem seu ponto de equilíbrio indicado na própria
Constituição, ou seja, a prioridade absoluta é um princípio dirigido à infância
(artigo 27 CF). Portanto, qualquer que seja o valor violado, a prioridade
absoluta de proteção, em qualquer circunstância, deve ser dirigida à criança ou
adolescente autor de ato infracional (artigo 4, parágrafo único ECA).
Na prática, o equilíbrio é inverso, deixando clara a tendência
patrimonialista e a lógica de segurança cidadã como hegemônicas entre as
finalidades do ECA. A representação de criança perigosa prepondera, assim, sobre a de criança em perigo. A ausência de conteúdo pedagógico das medidas
sócio-educativas é indicador empírico claro desta tendência, confirmando a
finalidade controladora como preponderante sobre a protetora dos adolescentes
em conflito com a lei.
Equívoco seria considerar, nessa ambigüidade, dois pólos
opostos de forma maniqueísta, pois o controle social, desde que num espaço
garantista, atende a necessidades de convivência social pacífica e de garantia
dos direitos das crianças em situação de ameaça ou violação, enquanto a
proteção e a assistência proporcionam, contraditoriamente, tanto a possibilidade
e a qualidade de vida para muitas crianças e adolescentes desamparados, como
uma forma de integração numa sociedade reforçada, simbolicamente, como boa em
si mesma.
O conceito de proteção
integral
Em terceiro lugar, encontra-se a ambigüidade interna ao
conceito de proteção integral absorvido pelo ECA a partir da normativa
internacional sobre os direitos das crianças.
A doutrina da proteção integral é clara em relação ao seu
destinatário, mas não ao seu método nem aos seus objetivos. A ambigüidade no
ECA está entre um enfoque intervencionista, tutelar,
que sobrepõe-se a uma ênfase autonomista,
mais coerente com o conceito de criança e adolescente como sujeitos de
direitos. A noção de sujeito de direitos
(artigo 3º ECA) contrapõe-se à idéia
de incapacidade, de criança objeto de
intervenção, de tutela ou de repressão. Mas, também, pressupõe a oposição entre
as represenções de criança como protagonista
e criança como vítima, que
contribuem para reforçar os estereótipos da criança adulta e da criança incapaz.
O artigo 15 ECA define a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, o
que sugere negar concepções como menor
incapaz, objeto de intervenção, vítima, irresponsável. Sujeito de direitos
pressupõe protagonismo, responsabilidade, mas, por outro lado, não pode
significar adulto, culpado, protagonista exclusivo de sua situação. Todas estas
contradições aparecem na prática de aplicação das normas legais, principalmente
com respeito às medidas de proteção e sócio-educativas.
Por outro lado, está o equilíbrio entre a prevenção e o
controle (de comportamento das crianças e das famílias), como conteúdos do
conceito de proteção integral. Se o único caminho da prevenção é a previsão, e
a única forma de prever cientificamente é identificando fatores, populações e
comportamentos de risco, o passo seguinte - efetivamente preventivo - seria,
logicamente, a tentativa de evitar o mal previsto: evitar os fatores, controlar
as populações ou modificar os comportamentos de risco. Todas estas ações
consistem, em última análise, em estratégias de intervenção preventivas com um
forte acento repressivo e protetivo, pois sempre pressupõem um menor ou maior
grau de intervenção seja tutelar, seja controladora de comportamentos.
O ECA expressa, em seu conteúdo híbrido entre penal e
promocional, o caráter misto que resulta da transição de umas estratégias de
controle social “negativo” ao “positivo”, ou seja, da repressão à ênfase na
prevenção e proteção integral, o que traz como conseqüências a necessidade de
implementação de políticas e, para isso, a normatização de uns critérios de
comportamento social e de aportes do Estado[11].
Finalmente, está a relação entre a natureza dos supostos de
intervenção (amplos, genéricos) e as medidas concretas de proteção, que
pressupõem uma potência de medidas individuais para solucionar problemas
sociais[12]. Essa ambigüidade é tratada, mas não superada, na própria lei,
através de distintas esferas de intervenção normatizadas de acordo com uma
classificação de violação de direitos. Para os direitos econômicos, sociais e
culturais, o ECA prevê a proteção dos interesses individuais, difusos e
coletivos, principalmente a educação (artigos 208 a 224 ECA). Para os direitos
individuais, prevê medidas pertinentes aos pais ou responsáveis (artigos 129 e 130
ECA), fiscalização de entidades de atendimento (artigos 95 a 97 ECA) e
garantias constitucionais (artigo 5º CF) e estatutárias (artigos 106 a 111 e
124 ECA).
A proteção integral contrapõe-se ao antigo paradigma de
regularização da situação irregular do menor, o que, por um lado, reduz a
estigmatização da criança desamparada mas, por outro, abre as portas ou
justifica um intervencionismo ampliado, mais capilar, apesar de menos
discriminador, que a doutrina anterior.
O modelo de justiça juvenil[13]
A quarta ambigüidade do conteúdo do ECA está no modelo de
intervenção na parte dedicada ao ato infracional. O problema básico é a
indefinição teórica e prática do modelo de justiça juvenil adotado. As
decorrências são confusões, ao menos entre um caráter mais pedagógico, mais
terapêutico ou mais penal do tratamento dos adolescentes em conflito com as
normas jurídicas.
O ECA expressa a ambigüidade, ainda não solucionada em quase
nenhum ordenamento jurídico sobre a infância e a adolescência, entre o caráter
pedagógico e o penal do tratamento da delinqüência infanto-juvenil. Isso
porque, apesar de garantir direitos individuais coerentes com a normativa
internacional, incorre em vicissitudes decorrentes da concepção pedagógica que,
em si mesma, pode ser anti-garantista, ao mesmo tempo em que acolhe princípios
garantistas questionáveis quanto ao seu caráter pedagógico. Exemplo da primeira
contradição é a duração indeterminada das medidas sócio-educativas, que atende
a critérios pedagógicos mas viola o direito de segurança jurídica. Da segunda,
é exemplo o direito de não falar nada que possa comprometer o processo de ampla
defesa, que atende a critérios garantistas mas interfere no processo
pedagógico, através do direito de mentir
ou omitir a verdade, ou de não assumir responsabilidades pela própria conduta.
Giménez-Salinas (1998) apresentou um quadro comparativo de
modelos de justiça, como material facilitador em palestra sobre o tema de
justiça juvenil[14], resumindo cinco sistemas principais, nos quais podemos
identificar aspectos conceituais do ECA.
Quadro III.2. Aspectos conceituais de cinco
modelos de justiça juvenil
|
Sistema protector |
Sistema bien-estar/educativo |
Sistema normalizado no intervencionista |
Sistema de justicia |
Sistema reparador/responsabilizante |
Objeto |
El menor |
Menor y família |
Reacción
social |
El
delicto |
Daño/dolor |
El
delicto es una expresión de: |
Patológica |
De
necesidad educativa |
De
normalidad |
De
libre elección |
De
conflicto |
La
intervención consiste en: |
Tratar |
Educar |
Evitar
la estigmatización |
Castigar |
Reparar
el daño |
Personal |
Psico/social |
Psico/educativo |
Comunitário |
Judicial |
Mediadores |
Finalidad |
Protectora
-moralizante |
Educativa |
Integradora |
Respecto
a la ley y al orden |
Responsabilizar |
Fonte: Giménez-Salinas (1998). Jornadas
sobre Justiça Juvenil: Teruel.
Analisando o ECA a partir deste quadro, podemos observar que,
no discurso explícito e latente do
texto legal, o objeto de intervenção é a criança (menores de 18 anos) e a
família (objeto de medidas próprias), característicos do sistema de
bem-estar/educativo. O delito é o ponto de partida, mas não se apresenta como
objeto de intervenção, apesar de ser expressão de necessidade educativa, também
oriundo do modelo de bem-estar/educativo. A intervenção consiste em educar,
outro elemento do mesmo modelo. O pessoal pode ser psicossocial,
psico-educativo ou judicial, contemplando os modelos protetor, de bem-estar/educativo
e de justiça. O ECA dispõe, ainda, sobre pessoal comunitário, mas quando
refere-se mais às medidas de proteção de crianças e adolescentes autores de ato
infracional. A finalidade da intervenção, de acordo com o ECA, é educativa,
também ressaltando o modelo de bem-estar/educativo.
Na prática,
costumam-se implementar as medidas sócio-educativas, de acordo com o ECA,
seguindo um modelo híbrido entre os sistemas protetor e de justiça. O objeto de
intervenção prática é a criança, conforme o modelo protetor, assim como a visão
do delito como uma expressão patológica, que fundamenta práticas baseadas em
conhecimentos oriundos da psiquiatria, psicologia e farmacologia. Essa
tendência, entretanto, costuma ser distorcida e manipulada, reforçando umas
práticas mais repressivas que terapêuticas. A intervenção consiste em tratar,
conforme o modelo protetor, mas também em castigar, o que coincide com o
sistema de justiça. O pessoal judicial, na prática, é também encarado de forma
distorcida em relação ao modelo de
justiça original, pois além dos juristas, advogados, juizes, etc., tratam-se de
agentes de segurança no manejo direto com os adolescentes. A finalidade prática
do ECA é protetora/moralizante (mais moralizante que protetora), de acordo com
um sistema protetor, mas também visa o respeito à lei e à ordem, conforme um
sistema de justiça.
Em síntese, identifica-se uma ambigüidade teórica entre elementos do modelo de
bem-estar/educativo e o modelo protetor, com ênfase no primeiro. E uma
ambigüidade prática entre elementos
dos modelos protetor e de justiça. Supõe-se que a ambigüidade prática seja, em
parte, decorrente da indefinição teórica e da remanescência do modelo anterior,
normatizado pelo Código de Menores de 1979, ainda presente na formação e na
mentalidade de uma grande parte do pessoal que hoje em dia implementa a atual
legislação[15].
O ECA, assim, apresenta-se
como síntese dos modelos protetor e educativo e implementa-se como síntese dos modelos protetor e de justiça. Em
termos gerais, o adolescente infrator é visto ao mesmo tempo como sujeito de
direitos e como vítima/objeto de proteção e educação.
Os riscos deste caráter ambíguo do ECA são, basicamente,
três:
O protecionismo com ênfase terapêutica reforça a estigmatização
do adolescente autor de ato infracional, como se o delito fosse uma questão
patológica, com origem claramente funcionalista e conseqüências totalmente
anti-garantistas.
O educativismo retórico reforça a falácia pedagógica do ECA -
segundo a qual a sócio-educação (indeterminada) é instrumento de transformação
ou, pior, de reintegração num sistema social em si mesmo aceitável e bom.
Uma visão penalista estreita da justiça juvenil restringe
possibilidades de resolução de conflitos com as normas desde fora do sistema
judicial, tendo em conta realmente a condição de pessoa em desenvolvimento.
As vantagens desse ecletismo expresso no ECA são,
evidentemente, importantes, pois pode-se aproveitar o melhor de cada modelo.
Assim, ao garantismo, que nunca é exagerado, soma-se a proteção que sempre é
necessária, desde que num sentido autonomizador, mais que tutelar. A uma visão
global do adolescente como pessoa em desenvolvimento físico, intelectual e
emocional, soma-se a possibilidade de construir formas alternativas de educação
para a liberdade e convivência ao mesmo tempo pacífica e crítica. Às medidas de
proteção ao adolescente, somam-se as dedicadas aos pais ou responsáveis,
superando tanto a infantilização quanto a culpabilização da criança, ao mesmo
tempo em que supera um familiarismo exagerado de corte paternalista ou
repressor.
Na justiça juvenil brasileira a ambigüidade principal, em
resumo, que aparece tanto no texto quanto em sua aplicação, é entre o caráter
pedagógico e o penal, enquanto que a secundária, mas que aparece com força na
prática, é entre os anteriores e o terapêutico/repressivo. Em nível de
discurso, o argumento hegemônico sustenta o caráter pedagógico das medidas
sócio-educativas (o próprio termo demonstra), mas em nível das práticas, as
características principais são a ausência do caráter pedagógico e a violação do
caráter garantista próprio do modelo penal.
As medidas sócio-educativas contrapõem-se à noção de pena, no
sentido retributivista, tendendo a uma ênfase retórica no conteúdo
educativista, mas isso não se reflete na prática. Sobre o caráter pedagógico do
modelo, o ECA é claro, no inciso VI do artigo 112, quando define a internação
em estabelecimento educacional como medida sócio-educativa. Nota-se, também, a
clareza da lei ao definir o tipo de estabelecimento no qual devem-se internar
os adolescentes: educacionais. Assim, a privação de liberdade, se imposta e
realizada de acordo com o ECA, é medida sócio-educativa e não condição para a
mesma. Ao não cumprir-se a lei, entretanto, surge a necessidade de justificar a
privação de liberdade como meio para concretizar o conteúdo educacional, nunca
efetivado, da medida imposta, como se o conteúdo pedagógico fosse alheio à
própria natureza da medida, algo acrescido, mas necessário. Essa distorção
resulta também justificadora de medidas cada vez mais repressivas em termos de
segurança interna dos internatos, inclusive, eventualmente, com a presença de
forças de segurança externa dentro das casas de internação.
Concretamente, várias situações contrárias aos direitos dos
adolescentes em conflito com a lei e dos trabalhadores surgem dessas
ambigüidades: 1) As sentenças baseadas nos antecedentes criminais, que compõem o quadro do comportamento e da personalidade
que fundamentam as decisões do juiz[16]. 2) A duração indeterminada das medidas
sócio-educativas, que viola os princípios de proporcionalidade, legalidade e
segurança jurídica[17]. 3) Os laudos técnicos que fundamentam as mudanças de
medidas, baseados nos comportamentos mais que no alcance de objetivos definidos
individualmente. 4) A medicalização ou psicologização do conteúdo das medidas.
5) A coisificação ou vitimização do adolescente infrator. 6) A desilusão sobre
a eficácia instrumental da norma. 7) O espaço aberto para o retorno de modelos
superados, mediante alarmas sociais sobre a ineficácia do atual.
Duas coisas mais sobre os modelos de justiça juvenil. A
intervenção tendente a evitar a estigmatização do adolescente autor de ato
infracional, a importância do pessoal comunitário e a finalidade integradora,
próprios do sistema normalizado não intervencionista, são elementos presentes
no conteúdo do ECA, mas de forma secundária e, de qualquer forma, com escassa
eficácia instrumental. Além disso, não se pode identificar nenhuma marca do
sistema chamado reparador/responsabilizante[18]. Talvez seja útil,
oportunamente, examinar as vantagens e desvantagens deste modelo, com vistas a
contribuir para a implementação de alguns de seus elementos, de forma
compatível com o ECA. Isso porque trata-se de um modelo muito valorizado e
discutido atualmente, tanto em nível teórico quanto de experiências práticas
com resultados apreciáveis, ainda que incipientes.
3. Conseqüências
teóricas
A aparente confusão
entre modelos expressa no ECA não é alheia às contradições presentes nas
representações em conflito na própria sociedade, sobre infância, segurança
cidadã, etc.. Supõe-se que a sociedade brasileira normatizou o que aspira, mas
mantém institucionalizado o que realmente representa em relação à segurança cidadã
e à infância em perigo ou perigosa.
“Aquello a que los actores
realmente responden y realmente han respondido con su decisiones y su razones, sólo se podrá entender si se
conoce la imagen que esos
actores implicitamente hacen de su sociedad, si se sabe qué estructuras, qué
operaciones, qué resultados, qué rendimientos, qué potenciales, qué peligros y
qué riesgos atribuyen a su sociedad a la luz de la tarea que esos actores se
proponen, a saber, la tarea de realizar los derechos y de aplicar el derecho”
(Habermas 1998, p.470).
Isso explicaria, em parte, a defasagem entre a retórica e a
realidade da proteção da infância e da sócio-educação dos adolescentes
infratores. A falácia de enfatizar retoricamente a legitimidade global do ECA
está em tomar a parte pelo todo, pois não há garantias dos direitos
fundamentais nas sentenças nem na execução das medidas. A ênfase garantista do
processo contradiz-se com a ênfase substancialista ou comportamentalista no
julgamento e repressiva na execução. Por outra parte, o discurso educativista
garante, também simbolicamente, a legitimação do modelo, enquanto a prática
repressiva e terapêutica garantem a eficácia de objetivos latentes de controle
social.
A solução das ambigüidades apontadas não está mais no
discurso que na própria prática. A primeira, entre representações de Estado,
possibilita uma pluralidade de intervenções em direção à garantia dos direitos
da criança, apesar de também poder confundir sobre as condições concretas desta
garantia. A segunda, entre as finalidades da lei, pressupõe um conflito entre
racionalidades opostas e indica a possibilidade de solução mais política que
legal, entre uma retórica ligada aos direitos humanos e a lógica de mercado. A
terceira expressa o núcleo do conflito específico entre paradigmas de
intervenção e deverá, em qualquer caso, pender para o lado da representação
hegemônica na lei, que é a de criança sujeito de direitos e, portanto, para o
caráter autonomista da proteção integral. A quarta ambigüidade tem sua solução
incógnita, pois reflete um debate internacional ainda não resolvido e cheio de
possibilidades, apontando apenas para um modelo eclético que acolha elementos
compatíveis com a Convenção Sobre os Direitos da Criança.
Todas estas ambigüidades identificadas no ECA não levam à
necessidade de mudança da lei, e sim indicam a riqueza de possibilidades de sua
implementação. Pois se a lei expressa a convivência tensa entre distintas
forças sociais, sua implementação será a expressão prática, a continuidade
concreta dessa luta, e a história informará as sínteses construídas a partir
destas ambigüidades.
4. Conseqüências para direções e trabalhadores
A natureza ambígua do trabalho sócio-educativo, assim
elucidada, contribui para uma “crise de identidade” permanente dos
trabalhadores na área: Educam? Tratam? Reprimem? Protegem? Protegem-se?
Como se não bastasse, às ambigüidades teóricas e práticas
apontadas somam-se características peculiares do trabalho sócio-educativo, que
contribuem ainda mais para a necessidade de explicitação e sistematização das
práticas e das propostas normativas, políticas e técnicas.
O contexto real do trabalho sócio-educativo em meio fechado
é, via de regra, o único elemento que não apresenta ambigüidades: a instituição
total. Caracterizada por um alto grau de controle e de contenção física, pela
normativa de funcionamento e de convivência impostas e pela existência de um
sistema de reforços e castigos, a instituição total delimita claramente o
espaço e o tempo nos quais tudo o mais é ambíguo. Ninguém sabe exatamente se o
contexto deve ser educativo, terapêutico, repressivo, protetor ou, em última
análise, uma mescla de tudo isso.
Em meio a tantas ambigüidades em termos da natureza do
trabalho, ressalta-se a maior delas: a população adolescente privada de
liberdade, com todas suas características de período evolutivo especialmente
complexo, da situação de conflito que supõe o ato infracional, das
especificidades de cada personalidade, cognição, emoção, etc..
A violência como elemento presente, de forma mais ou menos
explícita ou potencial, também conforma um contexto incerto e inseguro. Os
alarmas sociais reforçados pela imprensa, pressionam a ênfase na segurança
pública como meta do sistema sócio educativo. O “pessoal dos Direitos Humanos”
pressiona a ênfase na defesa dos direitos individuais dos internatos. O Poder
Judiciário pressiona pela absorção de adolescentes para medidas de privação de
liberdade, num sistema esgotado quantitativa e qualitativamente. O Poder
Executivo, responsável pelo trabalho sócio-educativo, pressiona as instituições
específicas para que mantenham uma razoável estabilidade interna.
Com tantas pressões, o trabalho sócio-educativo tem-se
apresentado como um conjunto de atividades vagamente norteadas por iniciativas
e oportunidades que objetivam, na prática, manter um equilíbrio entre demandas
externas e internas, causando no trabalhador direto uma possível sensação de
desproporcionalidade entre a responsabilidade assumida (ambígua), os recursos
(sempre escassos para esta área) e as expectativas próprias e alheias.
Isso não é outra história. Mas extrapola o propósito de
análise sócio jurídica do ECA neste momento. Examinar as condições de trabalho,
incluindo elementos objetivos e subjetivos dos contextos e sujeitos, exigiria
outros enfoques analíticos, de fôlego superior mas não menos urgente e
importante para definir a natureza do trabalho sócio educativo.
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Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979: Código de Menores de
1979.
Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990: Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
Notas
[1] Ver, por exemplo,
Cavallieri (1997), uma coleção de 395 falhas do ECA, reunidas e coordenadas por
um dos principais menoristas
brasileiros. A obra enumera objeções à lei em sua totalidade e a cada artigo,
colhidas e apresentadas sem o menor rigor científico que dê crédito a sua
fiabilidade, posto que descontextualiza cada afirmativa e mescla críticas com
sugestões, análises jurídicas com opiniões políticas, etc.
[2]
Seguiremos o esquema de Bödkenforde (1991, p. 179-98), onde aponta e
caracteriza as teorias que citamos, aqui, brevemente.
[3]
Por exemplo, os artigos 15 a 18 ECA, onde definem-se os direitos à
liberdade, respeito e dignidade, caracterizam a criança como sujeitos de
direitos civis, humanos, etc., e positivam-se os direitos à integridade física,
psíquica e moral, à própria imagem e identidade. E os artigos 106 a 111, onde
afirma-se o direito à liberdade e regulamentam-se os procedimentos de privação
ou restrição deste direito em caso de adolescente que comete ato infracional.
[4]
Artigo 1, inciso III CF.
[5]
O ECA, entretanto, também fundamenta-se em direitos “inerentes” à pessoa
humana, conforme o caput do artigo 3: “A criança e o adolescente gozam de todos
os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, (...).
[6] “Artigo
3 CF: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -
Construir uma sociedade livre, justa e soberana; II - garantir o desenvolvimento
nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalidade social e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, cor, idade, e quaisquer outras formas de
discriminação”.
[7]
O ECA é claro quanto às atribuições do Estado em relação aos direitos
sociais das crianças e adolescentes, como por exemplo nos artigos 8, 9, 11
parágrafo 2 (sobre saúde), 54, 57 e 59 (sobre educação).
[8]
Artigos 6, inciso XV, 24 e 227 CF e artigo 98 ECA.
[9]
Artigo 6 CF. Tanto a infância como a segurança estão positivados na
Constituição como direitos sociais, mas a infância adquire maior relevância na
medida em que é o único valor constitucionalizado ao qual se atribui como
critério de garantia a “absoluta prioridade” (artigo 227, caput, CF)
[10]
Artigo 103 ECA: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime
ou contravenção penal”. Artigo 112 ECA: “Verificada a prática de ato
infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes
medidas (...)”.
[11]
Sobre isso ver Calvo (1998-b, p. 158-62) e Calvo (1999).
[12]
Para uma crítica a esta questão, ver García e Susín (1998).
[13]
Sobre modelos de justiça juvenil ver Sánchez García (1998, p. 99 a 117);
Ríos Martín (1993, p. 215-48); López et al (1995, p.31 a 45); Garrido e
Martínez (1998, p. 245-56).
[14]
Jornadas sobre Justiça Juvenil, realizadas em Teruel, Aragón, em junho de
1998.
[15]
O modelo anterior tampouco se adequava a nenhum dos modelos sistematizados
neste quadro. Tratava-se, sim, de um modelo cujo objeto de intervenção era o
menor, a partir de uma situação irregular amplamente indeterminada, sendo a
intervenção baseada na institucionalização e profissionalização. O pessoal
majoritário era burocrático/administrativo e agentes de segurança, que atuavam
com a finalidade de isolar, regularizar, reintegrar.
[16]
O ECA define que todas as medidas, de proteção e de sócio-educação, podem
ser aplicadas isolada ou cumulativamente, assim como substituídas a qualquer
tempo (artigo 99), o que traz vantagens e desvantagens, desde um ponto de vista
das garantias individuais dos adolescentes infratores. Por um lado, garante o
direito à proteção integral, mas por outro permite que as medidas
sócio-educativas sejam substituídas sem que se passe pelo devido processo
legal. Este último, entretanto, refere-se (artigo 110), especificamente, às
medidas de privação de liberdade, com o qual supõe-se que todas as demais
medidas podem ser aplicadas pela autoridade competente, com ampla margem de
discrecionalidade. Apesar disso, os juízes costumam assegurar as garantias
previstas no artigo 111, pois é lógico que não conhecem de antemão a medida que
resultará do devido processo legal. O que costuma vulnerar direitos individuais
são as decisões judiciais baseadas nos antecedentes e no comportamento dos
adolescentes. Primeiro, porque não se formam antecedentes criminais a partir de
processos estatutários, e segundo porque não se podem aplicar medidas a atos já
com anterioridade processados. Isso é conseqüência de que não se definem
rigidamente os procedimentos em relação aos atos infracionais de adolescentes
enquanto caracterizados como penais ou não. Se são penais, cabe a decisão com
base no delito; se não, cabem outros critérios pedagógicos e, ainda, cabem
parâmetros comportamentais como base para a aplicação e revisão das medidas.
[17]
No direito penal juvenil comparado observamos o caráter indeterminado das
medidas como critério diferenciador em relação às penas, sob o argumento do
conteúdo pedagógico peculiar do primeiro. Entretando, no ordenamento espanhol,
por exemplo, tal indeterminação jamais ultrapassa a duração máxima determinada
pelo juiz quando da decisão firme, sendo possível somente ser reduzida, mas
nunca aumentada. Assim mesmo, há quem ponha em dúvida o caráter pedagógico da
indeterminação temporal das medidas para menos. No ECA, não há decisão firme
sobre da duração inicial da medida e, além disso, esta deve ser reavaliada
periodicamente, conforme o parágrafo 2 do artigo 121.
[18]
Talvez o único indício deste modelo fosse a medida sócio-educativa de
obrigação de reparar o dano (artigo 112, inciso II e artigo 116 ECA).
Entretanto, o fato de esta medida integrar, também, outros modelos e,
principalmente, seu caráter patrimonialista, tal como está disposto na lei
brasileira, indica uma desconexão como o modelo reparador/responsabilizante,
olhado como um todo.