ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO INSTAURADO VISANDO A APURAÇÃO DE EVENTUAL RISCO PESSOAL ENVOLVENDO CRIANÇAS - APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA DE ENCAMINHAMENTO DAS INFANTES AO GENITOR – COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA CAUSA - DECISÃO. NA PRATICA, QUE MODIFICOU A GUARDA ANTERIORMENTE ESTABELECIDA EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - INOBSERVANCIA, NO PROCEDIMENTO IMPRIMIDO, DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO, A PARTIR DA SENTENÇA, INCLUSIVE, PARA ASSEGURAR À APELANTE O DIREITO DE PRODUZIR AS PROVAS NECESSÁRIAS À SOLUÇÃO DO LITÍGIO, COMO RESTABELECIMENTO DA GUARDA DAS INFANTES À GENITORA - RECURSO PROVIDO. TJPR. RECURSO DE APELAÇÃO Nº 318-3, DE PONTA GROSSA, RELATOR: DES. TADEU COSTA, 09.02.98.

 

 

RECURSO DE APELAÇÃO Nº 318-3, DE PONTA GROSSA

APELANTE:...

APELADOS: ... E MINISTERIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

RELATOR: DES. TADEU COSTA.

 

 

ACÓRDÃO Nº 7912

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de recurso de apelação n0 318-3. de Ponta Grossa, em que é apelante ... e apelado...

 

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por ... contra a respeitável sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Ponta Grossa que, em procedimento investigatório requerido pelo Ministério Público. aplicou a medida protetiva de encaminhamento das crianças ... e ... ao genitor mediante termo nos autos, bem como orientação, apoio e acompanhamento temporário e avaliação psicológica das referidas infantes, verificando-se a necessidade de tratamento. Argüi, em preliminar, a apelante a incompetência do Juízo da Infância e da Juventude para o processamento e julgamento da causa, bem como a nulidade do processo em face do evidente cerceamento de defesa, urna vez que não foram ouvidas as partes interessadas nem se ensejou a produção de prova testemunhal, adotando-se um procedimento inadequado à hipótese em exame. No mérito, pretende a reforma da decisão recorrida, para o fim de restabelecer a guarda das infantes.

 

Regularmente processado o recurso, com resposta ofertada e despacho de sustentação, vieram os autos a este Tribunal, onde receberam parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, que opinou no sentido de ser decretada a nulidade do processo a partir da sentença de fls. 53 usque 63, inclusive.

 

E. em síntese, a necessária exposição.

 

2.       Não procede a preliminar de incompetência do Juízo da Infância e da Juventu­de pura o processamento e julgamento da presente causa.

 

O procedimento investigatório foi instaurado visando à apuração de eventual situação de risco das infantes, especificamente, a hipótese do inciso II, do art. 98, do Estatuto da Criança e do Adolescente, culminando com a aplicação da medida protetiva de encaminhamento ao pai, mediante termo de responsabilidade (art. 101, inciso I, do retendo estatuto), o que importou, na prática, na modificação da guarda anteriormente estabelecida.

 

Dessa forma, encontrando-se as infantes em uma das situações previstas no art. 98, da Lei n0. 8.069/90, era de rigor o processamento do feito perante a Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Ponta Grossa, por tratar-se de processo de jurisdição especial, sendo irrelevante para a aferição da competência do referido juízo, como bem salientou o órgão opinante, “o fato de ter sido a guarda das crianças ... e ... conferida à apelante por decisão homologatória de separação consensual que tramitou numa Vara de Família, pois o que nos interessa é a situação vivenciada pelos jovens quando da deflagração do procedimento (fls. 240-241).

 

3. Entretanto, é de ser acolhida a preliminar de nulidade do processo, por restar configurado o cerceamento de defesa, tendo em vista à gravidade da medida aplicada. que, na verdade, alterou a guarda das crianças, impedindo, face ao procedimento adotado pelo MM. Juízo a quo, o direito a ampla defesa da apelante.

 

É o que bem demonstra o judicioso pronunciamento da douta Procuradoria-Geral de Justiça, cuja fundamentação aqui se reproduz e adota-se como razões de decidir:

 

‘Embora o tenha feito en passant, a apelante alega a NULIDADE do presente procedimento por não ter sido observado o procedimento ordinário previsto na legislação processual civil, não tendo sido oportunizada a tomada do depoimento pessoal das partes nem a oitiva de testemunhas.

 

Os argumentos utilizados pela apelante em mais essa preliminar aparentemente são frágeis, mas se analisados à luz dos princípios que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal e a legislação processual em geral. chegaremos à conclusão que de fato afeito padece de NULIDADE INSANÁVEL.

 

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente não prevê, expressamente, o que se convencionou chamar de “procedimento investigatório para verificação de situação de risco envolvendo criança ou adolescente”, que como vimos, visa apurar a ocorrência de alguma das hipóteses do Art. 98 do referido Diploma Legal para fins de aplicação de alguma das medidas protetivas nos Arts. 101 e 129 do mesmo Estatuto.

 

Assim sendo, e até mesmo em função dos objetivos do “procedimento investigatório” e do contido no Art. 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente, não há. a rigor a necessidade da observância de qualquer procedimento previsto na Lei n0 8.069/90 ou outro Diploma Adjetivo, podendo a autoridade judiciária “investigar os fatos e ordenar de oficio as providências necessárias” (verhis/omissis).

 

Fiel a esse entendimento, a deflagração do presente procedimento, a pedido do Ministério Público e alicerçado em relatório do Conselho Tutelar de Ponta Grossa, com seu trâmite desprovido de uma “fórmula” preestabelecida é perfeitamente possível ex vi legis, não havendo como exigir a observância de “procedimento ordinário” ou de qualquer outro, muito embora não se conceba possa o julgador encontrar um rito processual mais eficaz que o rito ordinário, sendo a adoção deste de todo recomendável.

 

OCORRE que, se por um lado é correto se concluir pela maior liberdade da autoridade judiciária na colheita de provas e condução de “procedimento investigatório” como por exemplo, POR OUTRO não se pode admitir que essa atividade seja exercida deforma ARBITRÁRIA, quase INQUISITORIAL, com aplicação de medidas que acarretem graves conseqüências e inegáveis prejuízos a pessoas diretamente envolvidas na questio sem que se lhes seja dado qualquer oportunidade de defesa.

 

E foi isso que infelizmente se verificou na hipótese dos autos.

 

Com efeito, superada está a questão da competência da Justiça da Infância e da Juventude para atuar em casos como o presente, em que nitidamente se detecta a presença de GRAVE SITUAÇÃO DE RISCO pessoal envolvendo as crianças.

 

De outra banda, não há que se questionar a possibilidade de aplicação em sede de “procedimentos investigatórios”, de medidas protetivas que podem importar em DESTITUIÇÃO DE GUARDA, pois a enumeração do Art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente é apenas exemplificada e o Art. 29, inciso VIII do mesmo Diploma Legal prevê a “perda da guarda” (verbis) como uma das medidas aplicáveis aos pais ou responsável.

 

NO ENTANTO, a fórmula encontrada para a retirada das crianças ... e ... da companhia de sua genitora, ora apelante, NÃO PODE DE MODO ALGUM PREVALECER.

 

Bem, consoante se infere da sentença apelada e do despacho de sustentação elaborado pelo Juízo a quo, a decisão que houve por bem “encaminhar as crianças acima nominadas a seu genitor tem por fundamento o disposto no Art. 101, inciso I do Estatuto da Criança e do Adolescente, que por ser de cunho eminentemente protetivo, não importaria em modificação da guarda.

 

Data vênia a louvável tese, em primeiro lugar nos termos do que dissemos acima, para justificar a atuação da Justiça da Infância e da Juventude em casos como o agora analisado, inclusive com a adoção da solução encontrada, não se faz necessário forçar a interpretação do disposto no Art. 101, inciso I do Estatuto da Criança e do Adolescente, que nitidamente tem por escopo situações bem diversas da nestes Autos relatada, bastando nesse sentido invocar o princípio da proteção e demais dispositivos legais atinentes à matéria já relacionados.

 

Em segundo, por mais que se argumente, não há como deixar de reconhecer que a solução adotada, com o “encaminhamento” e entrega das crianças a seu genital; na prática IMPORTA SIM EM MODIFICAÇÃO DE GUARDA, ou melhor dizendo, importa na DESTITUIÇÃO DE GUARDA da apelante em relação a suas filhas a teor do previsto no Art. 129, inciso VIII do Estatuto da Criança e do Adolescente, que obviamente representa uma medida DRÁSTICA, de conseqüências bastante GRAVES para a genitora e, em especial, para as crianças.

 

Eufemismos à parte, a verdade é que, no caso sub examen, onde houve a adoção de uma solução EXTREMA, com a DESTITUIÇÃO DA GUARDA que a apelante exercia em relação às suas duas filha, JAMAIS se poderia ter deixado de observar os sagrados princípios do CONTRADITÓRIO e da mais ampla defesa, previstos no Art.5º, inciso LV da Constituição Federal, conto de fato acabou ocorrendo.

 

Note-se que não estamos falando da necessidade de adoção do procedimento ordinário ou de qualquer outro previsto em leis adjetivas, mas sim, que a autoridade judiciária, na livre condução do procedimento nos termos do citado Art. 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao vislumbrar a POSSIBILIDADE de ao final do procedimento destituir a apelante da guarda de sua filhas, OBRIGATORIAMENTE teria de assegurar a ela, que sofreria diretamente os efeitos da decisão respectiva, produção de todas as provas que se fizessem necessárias para rebater os elementos que lhe eram contrários.

 

Por sinal, vale observar que no presente caso, a própria descrição dos fatos contrários à apelante não é precisa, .sendo sua aferição decorrente da análise de inúmeros relatórios existentes, o que certamente, de per se, já dificulta sobremaneira a defesa da acusada.

 

O MM. Juiz sentenciante, quando de sua decisão, consignou que, por ter sido permitida a presença de defensor constituído quando da oitiva das crianças em Juízo, e por ter a apelante apresentado memoriais no prazo de 48 (quarenta e oito) horas assinado para esta finalidade, teria sido “garantido o direito público subjetivo de ampla defesa, vez que já exercido o direito à assistência jurídica integral, na forma do Art. da Constituição Federal” (sic. fls. 60).

 

Mais uma vez com todo respeito, reputa-se INSUSTENTAVEL a tese segundo a qual a simples presença de defensor constituído quando dei realização do ato procedimental e a abertura de vista unicamente para fins de apresentação de memoriais possa ser considerado SUFICIENTE como “garantia do direito de ampla defesa “, máxime quando houve por parte da apelante requerimento expresso de produção de prova oral, que sequer chegou a ser objeto de consideração pelo Juízo a quo.

 

Nesse contexto, verifica-se que a sentença apelada é NULA DE PLENO DIREITO não por ter, na prática, retirado da apelante a guarda das crianças,...e... com subsequente “encaminhamento” das jovens ao seu genitor (pois como limos a Justiça da Infância e Juventude EM TESE é competente para proceder, ex vi do disposto nos Art. 148 par único, da alínea “b” e 129, inciso VIII, dentre outros), mas sim por não ser observado, no procedimento respectivo, os mais elementares princípios Estatutários e Constitucionais relativos principalmente ao contraditório e a ampla defesa.

 

Como derradeiro argumento nesse sentido, resta refletir acerco: das conseqüências da solução adotada (principalmente se considerarmos a forma como se chegou a ela e os argumentos utilizados para tanto).

 

A prevalecer a tese defendida pela sentença recorrida, a apelante teria, por direito, a “guarda” de suas filhas, pois assim havia sido determinado por ocasião da separação judicial (documentos de fls. 100 usque 102, item 1.1), mas não teria de fato, pois as crianças haviam sido “encaminhadas mediante termo” a seu genitor; por força de decisão do Juízo da Infância e Juventude.

 

Não poderia postular nova modificação de guarda perante o Juízo da Vara de Família, pois esta já era sua, por direito, e nem poderia postular tal providência Perante o Juízo da Infância e Juventude, pois “TEORICAMENTE”, com a entrega das crianças a seu genitor estas (a princípio) não mais estariam em situação de risco a autorizar a incidência do Art. 148, parágrafo único, alíneas ‘a ou b” do Estatuto da Criança e do Adolescente” (fls. 243-248).

 

Dessa forma, pelos argumentos expendidos, é de ser decretada a nulidade do processo, a partir da sentença, inclusive, concedendo-se à apelante o direito de ampla defesa, restabelecendo-se Outrossim, a guarda das crianças em seu favor, até decisão final.

 

Ante o exposto:

 

ACORDAM os Desembargadores integrantes do Conselho da Magistratura, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso, para fins acima colimados.

 

Estiveram presentes e acompanharam o voto do Relator os eminentes

 

Desembargadores Accácio Cambi e Newton Luz.

 

Curitiba, 09 de fevereiro de 1998.

 

DES. NASSER DE MELO

Presidente

 

DES. TADEU COSTA

Relator