ENTRE
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O CÓDIGO PENAL: POR UMA NEGOCIAÇÃO DE
FRONTEIRAS, NAVEGANDO PELA PRESCRIÇÃO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA
Jayme Weingartner Neto[1]
Promotor de
Justiça no RS.
Daiana
Pereira Teixeira[2]
Bacharel em Direito, Ulbra/RS,
“Outros
males me tocam, pois consentiu [Zeus] que eu gerasse e educasse o mais belo dos
filhos. Como oliveira vistosa cresceu, de beleza adornado. (...) Venho ver se
desejas para o meu filho de curta existência aprestar elmo e escudo, grevas formosas de belas fivelas, que se lhe adaptem, e
cintilante couraça, que o amigo perdeu isso tudo. O coração excruciado,
na poeira o meu filho se encontra”. Ilíada, Canto XVIII, 435-7, 457-60. Palavras
de Tétis, implorando a Hefesto
que forje um escudo para o filho Aquiles, de pés ligeiros[3].
S.S.L, 15 anos de idade, adolescente fragilizada, de família pobre, envolvida em inúmeros atos infracionais (pouco graves) na Comarca de Cachoeira do Sul.
Preta, drogada e prostituída. Sentença recente (24 de março de 2002, Processo
n° 3511-349/01), após analisar as provas dos autos e convencer-se da
inarredável necessidade de intervenção estatal para dar efetividade à proteção
integral da adolescente, julgou procedentes as representações contra S.S.L e
aplicou-lhe medida sócio-educativa de liberdade assistida, bem como medida de
proteção consistente em freqüência obrigatória em estabelecimento de ensino
fundamental, além de programa para tratamento de desintoxicação. E, com
fundamento no art. 129, incisos II a VI, da Lei 8.069/90, submeteu os pais da
adolescente a programas específicos de orientação psicológica e tratamento de
alcoolismo e freqüência obrigatória a cursos de orientação, além de adverti-los
quanto à persistência da omissão e descumprimento das medidas impostas.
Índice Eletrônico do Documento: 1. Introdução; 2. Aos
vencedores ... atos indeléveis!; 3. A minoria e a dissolução
“garantista” ; 4. Um esboço de desconstrução; 4.1 Da conclusão que não
decorre da premissa; 4.2 Da conclusão que excede da premissa;
5. Por uma reconfiguração de fronteiras;
5.1 Concordância prática dos princípios em jogo; 5.2 Edificar a dignidade, uma tarefa de todos; 5.3 Mapeando
a rota legal; 6. O entreposto proposto.
A questão da eventual prescrição da pretensão estatal de
aplicar medidas sócio-educativas a adolescentes infratores é controversa.
Digladiam-se, em síntese, duas correntes opostas, que divergem acerca da natureza
jurídica das medidas sócio-educativas. Os defensores da inaplicabilidade do
instituto da prescrição formam a corrente dominante.
Ajustado o foco, percebe-se a insuficiência de fundamentação,
axiológica e dogmática, dos tópicos que vêm sendo esgrimidos na discussão[4]. A hipótese deste trabalho é de que
se trata de natural dificuldade, decorrente de limitação epistemológica para
enfrentar um tema de vocação interdisciplinar, que transgride fronteiras,
colocando em choque (e em cheque) princípios de direito penal e, pressuposta sua autonomia, de direito da
criança e do adolescente. A melhor solução, na ótica da investigação, passa por
uma necessária intermediação constitucional, que, em termos metódicos,
proporcionará a concordância prática, a concluir-se pela inaplicabilidade da
medida sócio-educativa por analogia prescricional substancial, não porém do
procedimento para apuração de ato infracional, que
pode (e deve, muitas vezes) culminar com aplicação de medidas de proteção,
inclusive aos pais ou (irr)responsáveis pelos
adolescentes infratores[5].
É o que se passa a demonstrar.
2. Aos
vencedores ... atos indeléveis!
O argumento da posição majoritária, amparada em farta
jurisprudência, vai no sentido de que a essência teleológica do estatuto é protetiva, cujas medidas não visam a punir o adolescente,
mas antes a “encaminhá-lo corretamente para a vida”.
A exegese do artigo 1° do ECA (o sistema da proteção integral
à criança e ao adolescente), bem como do artigo 6° (os fins sociais e as
exigências do bem comum), permite afirmar que as medidas sócio-educativas têm
natureza diversa das penas.
Tais medidas têm caráter pedagógico e visam a ressocializar e a reeducar os adolescentes infratores.
Conforme SILVA/BARDOU[6], “o caráter expiatório da medida infracional
tem marcante alcance terapêutico e inequivocamente possui preponderante
utilidade à formação do adolescente, demonstrando-lhe, de forma indelével, a
reprovação social de sua conduta infratora, para que se torne indivíduo
socialmente ajustado e útil à sociedade”.
Afirmada a distância entre o sistema punitivo do Direito
Penal e as medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, a
corrente majoritária, inclusive com respaldo no STJ[7], assevera que o instituto da prescrição não é aplicável à
apuração de atos infracionais.
Na visão da doutrina dominante, a imprescritibilidade das
medidas sócio-educativas não afasta o princípio constitucional da isonomia; ao
contrário, traz inegáveis benefícios tanto ao
infrator quanto à sociedade, uma vez que possibilitam a reeducação
social e a reestruturação do adolescente. As medidas ressocializadoras
previstas no ECA possuem maior relevância social que o instituto da prescrição.
Norteada pelos princípios consagrados nos artigo 1° e 6° da
Lei 8.069/90, a tese defendida pelos ilustres Procuradores Ricardo de Oliveira
Silva e Luis Achylles Petiz Bardou[8] sinala o surgimento de um novo
Direito e é preciso abandonar o pensamento antigo para enfrentar o novo: há o
balizamento do artigo 121, § 5°, do ECA, termo final da medida de internação e
que, numa interpretação sistêmica, conjugado com o parágrafo único do artigo 2°
do Estatuto, serve de limitação à pretensão versada em ação sócio-educativa do
Estado. Vale dizer, o dispositivo especificamente previsto para a internação
deve, por analogia, aplicar-se às demais disposições do artigo 112, uma vez que o caráter liberatório
compulsório aos 21 anos de idade está em perfeita sintonia com as finalidades
do Estatuto. Na conclusão de Adílson
de Oliveira Nascimento[9]: “A
extinção dos procedimentos e das referidas medidas verifica-se completada a
maioridade civil, ou com a imposição de pena privativa de liberdade ao infrator
em maioridade penal”, hipótese última que é vista como causa supralegal de extinção da medida sócio-educativa.
3.A minoria
e a dissolução “garantista”
De outro lado, há corrente contrária, a vislumbrar a
possibilidade de aplicação do instituto da prescrição aos atos infracionais. Elencam-se os
principais argumentos.
De início, refere-se o ponto comum a todos os defensores da
tese em comento – o Estatuto da Criança e do Adolescente não pode ser mais
severo do que o Código Penal. Consigna-se que o instituto da prescrição é
aplicado ao processo penal, ao processo trabalhista, ao processo
administrativo, ao processo eleitoral, ao processo civil e ao processo penal
militar e, ainda, há respaldo constitucional no princípio da igualdade, bem
como no devido processo legal, eis que vedada a imprescritibilidade da pretensão
punitiva do Estado, salvo exceções previstas no artigo 5°, incisos XLII e XLIV,
da Constituição Federal.
No que tange à natureza jurídica das medidas
sócio-educativas, há os escritos de Amaral e Silva[10]. Segundo o doutrinador, a imputabilidade é capacidade de
atribuir responsabilidade a alguém pela violação de determinado preceito legal,
pelo que não se confunde com a responsabilidade, a qual é pressuposto da
imputabilidade.
Partindo desse pressuposto, tem-se que os adolescentes não
podem ser responsabilizados frente ao Estatuto Penal, uma vez que são
inimputáveis[11]. Entretanto,
regem-se por legislação especial e, com base nas normas desse Estatuto próprio,
poderão ser submetidos a medidas
sócio-educativas.
Segundo Amaral e Silva, tais medidas revestem-se de “inescondível caráter penal”. Embora apresentem aspecto ressocializador e reeducador, com
forte pretensão pedagógica, tais medidas inserem-se no gênero das respostas sancionatórias, ao qual pertencem as penas, que se dividem
em administrativas, civis e sócio-educativas, etc.[12].
Assim, o reconhecimento do caráter penal das medidas
sócio-educativas representará um avanço para a sociedade, na medida em que só
poderão ser impostas nos estreitos limites da legalidade[13].
Ao concluir que os adolescentes, embora inimputáveis frente à
legislação penal comum, podem ser responsabilizados diante da norma especial –
o Estatuto da Criança e do Adolescente –, Amaral e Silva afirma que é possível
a incidência do instituto da prescrição na apuração de atos infracionais.
A matéria permanece “em discussão no mundo jurídico”, tendo
Amaral e Silva sugerido a conveniência de inclusão em lei própria de um lapso
prescricional para regular a pretensão sócio-educativa do Estado. Uma primeira
versão do anteprojeto dispunha, em seu artigo 106: “a prescrição da ação de
pretensão sócio-educativa e a prescrição das respectivas medidas ocorrerá em 2
anos”[14].
Entretanto, em junho de 2001, a Associação Brasileira de
Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP) assinou
“Proposta de Lei de Diretrizes Sócio-Educativas”(em forma de “texto para
discussão”), com o intuito de apresentar um norte para uma futura lei de
execução de medidas sócio-educativas. Referido
estudo prevê a imprescritibilidade
das medidas sócio-educativas[15].
Na mesma senda prescricional, a perspectiva de Joubert Farley Eger[16].
Segundo o Advogado, a classificação dicotômica da infração penal, gênero do
qual o crime e a contravenção penal são espécies, é decorrência da
característica da pena imposta.
Assim, possível afirmar que os atos infracionais
previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente possuem essência idêntica às
condutas tipificadas como crimes ou contravenções penais, diferindo apenas no
que tange ao preceito sancionador, previsto nos artigos 101 e 112 do ECA. Em
decorrência, o sistema penal nacional poderia ser classificado como
tricotômico, sendo o ato infracional a terceira
espécie. Dessa forma, evidente que as infrações cometidas por adolescentes
deverão estar sob o “crivo dos princípios do direito penal”[17].
O articulista sustenta, ainda, a necessidade de reconhecer a identidade essencial entre
medidas sócio-educativas e penas. E argumenta: “o fato de uma pena ou medida visar
o ideal pedagógico ou repressivo não descaracteriza a essência do preceito
maior que é integrante, ou seja, se a sanção imposta agrega carga imediata
pedagógica e mediata retributiva não a destituirá de
sua natureza penal que a sua causa
(momento preceptivo) lhe origina”.
Percorrendo tal caminho, Eger
conclui que as medidas sócio-educativas são “penas especiais” e dada a
semelhança com a essência dos crimes e
das contravenções, não há como negar as manifestações dos institutos penais garantistas, dentre eles a prescrição, que deverá ser
aplicada ao direito penal juvenil segundo as disposições do Código Penal
previstas no artigo 115, “imperativo de ordem pública ao escopo da legalidade e
igualdade de tratamento”.
Referida tese encontra guarida jurisprudencial, certo que
minoritária[18].
Consciente de que é mais fácil desconstituir, impõe-se
análise das duas correntes apresentadas.
4.1 Da
conclusão que não decorre da premissa
Quanto à primeira, o caráter pedagógico e a finalidade de
reeducação dos adolescentes infratores podem, de fato, diferenciar a medida
sócio-educativa da pena criminal[19]. Não, porém, o escopo de ressocialização (aliás, diante de adolescente melhor seria
falar em socialização), já que tal finalidade é emblema de todas as teoria
relativas que fundamentam a pena em termos de prevenção especial[20]. Já o caráter expiatório apenas
aproximaria a medida sócio-educativa da sanção criminal[21].
O salto lógico, entretanto, decorre de concluir, da diferença
entre pena e medida sócio-educativa, a conseqüência, automática, de afastar da
última a possibilidade da prescrição, que é, bem de ver, instituto geral de
direito. Também por demais questionável pretender impingir, ao adolescente
infrator, “indelével” reprovação social por sua conduta[22].
A linguagem binária, linear, é muito nítida na arquitetura
argumentativa dos arestos citados. Pena prescreve. Medida sócio-educativa não é
pena. Logo, medida sócio-educativa não prescreve. Uma retórica pobre, que,
quando procura agregar tópicos, não resulta. Por exemplo: “criança [que não
está em discussão] e adolescente, apesar da conduta ilícita, não cometem
infração penal”. Leva aonde a assertiva? A lugar algum. Inimputáveis (art. 26,
“caput”, do Código Penal), apesar da conduta ilícita (contra a qual cabe
legítima defesa), não cometem infração penal. São absolvidos. Aplicam-se-lhes medidas de segurança. Que prescrevem
(artigo 96, parágrafo único, c/c artigo 107, IV, do
Código Penal).
Talvez com coerência axiológica (no sentido de maximizar a
aplicação das medidas sócio-educativas, vistas de forma um tanto idealizada), a
corrente ora criticada apenas admite, como limite à pretensão sócio-educativa,
a maioridade civil, diante da liberação compulsória aos 21 anos de idade (§ 5°
do artigo 121 do ECA). A construção, todavia, não se sustenta. O termo do § 5°
limita, expressa e exclusivamente, o cumprimento (execução) da medida (breve e
excepcional) de internação[23]. É
certo que, combinado com o parágrafo único do art. 2° do ECA, permite a aplicação
excepcional do Estatuto a adultos jovens (já imputáveis), entre 18 a 21 anos de
idade (quando, pelo critério legal, já não são mais adolescentes), o que se
justifica para obviar a lacuna de reação estatal no caso de atos infracionais graves praticados por adolescentes que
estivessem às vésperas da maioridade penal. A norma, portanto, nada tem que ver
com prescrição, com limite de pretensão de aplicar medida sócio-educativa -
que, ao revés da inércia estatal, já vem sendo aplicada. Não se permite, no § 5°,
que o Estado continue a agir! Além do que, e decisivo, não pode balizar a
aplicação de qualquer outra medida sócio-educativa que não a de internação.
Pois uma interpretação sistêmica não desconhece que regras especiais devem ser
restritivamente interpretadas, não se prestando para analogias gerais, mormente
em face da excepcionalidade da aplicação do Estatuto
às pessoas entre 18 a 21 anos de idade, que depende de expressa previsão legal.
Não há em relação a todas as outras medidas sócio-educativas elencadas no art. 112, incisos I a V (arts.
115 a 120 do ECA, respectivamente), sequer menção (menos ainda expressa
permissão) de que possam ser aplicadas até os 21 anos de idade. Por essa via,
então, o que se poderia concluir é que, para as outras medidas sócio-educativas (exceto a internação), não há possibilidade
de aplicação após os 18 anos de idade[24].
4.2 Da
conclusão que excede da premissa
Tangente à segunda, comunga-se da premissa de que o ECA não
pode revelar-se mais severo do que seria a intervenção penal. Correto, também,
que a medida sócio-educativa reveste-se de “inescondível
caráter penal”[25].
O equívoco, contudo, consiste em, a partir de tal
constatação, que permitiria no máximo reconhecer a necessidade de integrar o
instituto da prescrição no âmbito do ECA, simplesmente importar, “tout court”, uma dogmática
positivada no Código Penal, fazendo tábula rasa de
uma série não desprezível – também porque constitucionais – de princípios que
informam o ECA, a ponto de obnubilar evidentes
assimetrias logo em nível de respostas estatais decorrentes do ato infracional, que se não esgotam na aplicação de medida
sócio-educativa. Apenas transpor, acriticamente, um
determinado sub-sistema de direito penal juvenil (em torno do qual não há
dogmática no Brasil, já que não exteriorizado em normas legais) para resolver a
complexa relação entre o Estado e o adolescente infrator, significaria
inconstitucional substituição do legislador pelo intérprete, escancaradamente
vedada em face da ordem jurídica nacional, a avultar a Lei Federal nº8.069/90.
Consigna-se, em reforço, que o direito penal ancora-se no princípio da subsidiariedade,
da última e “extrema ratio”, crivado hoje por
princípios político-criminais de descriminalização e
diversão (desjudiciarização), ao passo que o direito
da criança e do adolescente alicerça-se no princípio da proteção integral, a reclamar tendencial
e progressiva judiciarização.[26] É impossível não perceber que a interpretação e operacionalização
dos sistemas, assentados em princípios tão distintos, serão obrigatória e
racionalmente diversas. Os próprios princípios, é certo, assumem matizes
diferentes e, às vezes, esmaecem bastante. Figure-se o princípio da
publicidade, basilar como garantia do cidadão no processo penal contemporâneo, coartado pela infração administrativa prevista no art. 247
do ECA. Ou, em se fazendo concessões à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento do adolescente, as diferentes implicações do princípio da insignificância,
nomeadamente no que tange à drogadição.
Não escapam, em geral, os defensores da prescrição nua e crua
da lógica binária disjuntiva, de argumentos formais derivados de um conceitualismo apriorístico. Pena
prescreve. Medida sócio-educativa é pena. Logo, medida sócio-educativa
prescreve. Ademais, oscilando entre regras e conceitos têm imensa dificuldade
em construir uma solução para o problema. Qual, afinal, o lapso prescricional?
Embora a lacuna, como resolver os conflitos dentro do sistema? Exemplifica-se
com a jurisprudência do TJSC, citada no item 3. No afã de buscar uma regra de
apoio para a tese prescricional, assevera que ao ato infracional
aplicam-se as normas da Parte Geral do Código Penal, segundo inteligência do
art. 226 do ECA. Até onde vai a dos autores deste trabalho, rompe-se, aqui o
limite lógico! Basta leitura isenta do citado art. 226, que determina que se
apliquem, aos crimes praticados contra crianças e adolescentes (tipificados nos arts.
228 a 244 do ECA), as normas gerais do CP. Como não poderia deixar de ser.
5.Por uma reconfiguração de fronteiras
É chegada, nesta altura, a hora de construir.
Inegável, assim, o caráter aflitivo (embora não unicamente e
discutível até se preponderante) das medidas sócio-educativas. Tal percepção é
uma conquista das atuais visões doutrinárias, que têm arejado a dogmática penal
com os bons ventos da política criminal, numa concepção teleológico-racional do
sistema penal, como faz o professor catedrático de Munique Claus
Roxin, ao definir o direito material como parte da
ciência global do direito penal, composta por diversas disciplinas, dentre as
quais destaca-se o direito penal juvenil. Nas palavras do autor: “Não pelo
âmbito das normas tratadas, senão que pela especial classe do autor, o direito
penal juvenil converte-se num campo autônomo de direito. Trata dos delitos dos
jovens (de 14 a 18 anos) e suas conseqüências (só parcialmente penais) (...)
contém preceitos especiais de direito material, processual, de dosimetria da pena e penitenciária para jovens menores
(...), e, portanto, aos efeitos de sistemática jurídica, deve enquadrar-se
parcialmente em todas as disciplinas antes indicadas (...) O direito penal
moderno não é imaginável sem uma constante e estreita colaboração de todas as
disciplinas parciais da ‘ciência do direito penal’”[27].
Ressalte-se, de toda sorte, que o melhor entendimento acerca
do direito penal juvenil percebe com clareza suas notas distintivas em relação
à dogmática jurídico-penal tradicional, e já nas espécies de reação sancionatória (a penal juvenil e o grupo das medidas
disciplinares). Junto a elas, “encontram-se as reações não sancionatórias
(em que importa não só a ‘a causa’ do fato, senão também ‘a conseqüência’ do
mesmo) no grupo das medidas de seguridade educativa (§ 5, parágrafos 1 e 2 JGG
– Lei sobre Tribunais de Menores)”[28].
Negar a substância aflitiva das medidas sócio-educaticas
não passaria de mera “burla de etiquetas”, como se chamando as coisas por outro
nome fosse possível alterar sua natureza jurídica, o que seria um incentivo a
um nominalismo positivista insustentável. Assim, é razoável e imperativo que,
de fato, a situação jurídica do adolescente infrator não acabe por se revelar
mais gravosa do que aquela do adulto autor de crime, pelo mesmo fato, até
porque se o desvalor de resultado seria o mesmo, o desvalor da ação[29]
praticada por uma pessoa cuja personalidade está em desenvolvimento é condição
peculiar a considerar na interpretação da lei (artigo 6° do ECA), devendo
operar nesta hipótese em benefício adicional para adolescentes.
Todavia, a mera transliteração das regras prescricionais[30]
do sistema penal para o sub-sistema infracional (que
integra o sistema do direito da infância e da juventude) revela-se inadequada e
inadmissível, a menos que mediada por uma interpretação constitucionalmente
adequada e sistêmica, que não deixa de ser uma solução de compromisso, e nem
por isso leva a mácula de um tertium andrógino,
antes representa a harmonização dos
direitos fundamentais postos em linha de um potencial conflito, não sendo caso
de esvaziar por completo qualquer um dos princípios em jogo, mas de encontrar
solução concreta e razoável, imperativo do princípio geral da
proporcionalidade, imanente ao Estado Democrático de Direito. É o princípio da concordância
prática que se pretende efetivar.
Abordagem interdisciplinar da delinqüência juvenil propõe uma
superação dialética entre abolicionismo e repressão, entre um puro modelo de
proteção (welfare model) e
outro de justiça (justice model), mesmo porque a delinqüência juvenil “não é um
conceito psicopatológico, mas jurídico”, pelo que o delito “não é o único fator
em questão, nem o mais importante.”[31]
Preciosa observação, que serve ao tema em questão: “Um direito mínimo para
crianças e adolescentes não pode ser tão mínimo a ponto de prescindir das
garantias individuais e se satisfazer com o modelo do direito das penas. A
noção de irresponsabilidade está tão equivocada quanto a da imputabilidade, e
coloca as crianças e os adolescentes num registro de anormalidade ou de
anomalia.” Adiante, a responsabilidade juvenil diferencia-se da imputabilidade
do adulto, “mais qualitativamente do que quantitativamente. Reclama uma
dimensão social. Em outras palavras, é simultaneamente pessoal e social;
individual e coletiva. Deve servir para estimular o processo de socialização e,
neste sentido, aumenta a responsabilidade dos adultos, das instituições e da
sociedade”[32].
5.1 Concordância
prática dos princípios em jogo
Há que se compreender, na melhor perspectiva, a Constituição
como um sistema aberto de regras e
princípios. Ambos participam do gênero normas
jurídicas, com distinções qualitativas:[33] os princípios
impõem optimização,
variando sua concretização conforme o condicionalismo
fático-jurídico – as regras prescrevem
exigências que se cumprem ou não;
a convivência dos princípios
é conflitual – das regras é antinômica (os princípios coexistem, as regras excluem-se;
os princípios permitem o balanceamento de
valores e interesses, consoante peso e ponderação de outros princípios – as
regras, ao revés, obedecem à lógica do
tudo ou nada.[34]
Tal concepção permite ao sistema respirar (pela “textura aberta” dos princípios), legitimar-se (os princípios consagram valores,
dignidade, justiça, com capacidade deontológica de
justificação), enraizar-se
(referências sociológicas aos programas e pessoas) e caminhar (através da dinâmica processual e procedimental adequados,
densificando e realizando na prática as mensagens
normativas constitucionais). Permite “que a Constituição possa ser realizada de
forma gradativa, segundo circunstâncias factuais e legais”[35].
A harmonização, ínsita à convivência principiológica,
significa que um princípio não tem validade absoluta, no sentido de que possa
se impor com o sacrifício total de outro. Ao revés, como princípio de
interpretação, o princípio da concordância prática (da harmonização) parte da ideia de igual “valor dos bens constitucionais (e não uma
diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em
relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos
recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre
estes bens”[36].
A solução é de procurar “no quadro da unidade da Constituição, isto é, tentando harmonizar da melhor
maneira os preceitos divergentes. Esse princípio da concordância prática (...) é apenas um método e um processo de
legitimação das soluções que impõe a ponderação
de todos os valores constitucionais aplicáveis, para que se não ignore algum
deles, para que a Constituição (essa, sim) seja preservada na maior medida do
possível.”. Tal princípio executa-se “através de um critério de proporcionalidade na distribuição dos
custos do conflito”; exige-se que “o sacrifício de cada um dos valores
constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros.”. “É,
nessa medida, uma actividade simultaneamente de
interpretação e de restrição – de interpretação restritiva – mas que parece
dever, tal como a concretização dos limites imanentes, integrar-se na
competência interpretativa do juiz e, em geral, dos aplicadores da
Constituição”[37].
Com os olhos no diploma legal brasileiro (precisamente artigo
112, inciso VII, do ECA), verificada a prática de ato infracional,
a autoridade judicial poderá aplicar ao adolescente além das medidas sócio-educativas estrito senso, qualquer uma das
previstas no artigo 101, incisos I a VI, do ECA, cuja mera leitura aponta para
o evidente caráter protetivo, o que significa, na realidade,
interpretar a lei levando em conta seus fins sociais (valor da proteção integral), bem como os direitos
e deveres individuais e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento[38].
5.2 Edificar a dignidade, uma tarefa de todos
“Eu
também sou real e racional, pensava, eu que não aceito, eu que construo
esquemas, eu que farei tudo mudar. Mas para fazer tudo mudar é preciso partir
daí, do homem com o tique nervoso, da velha com o pó-de-arroz, e não dos
esquemas...” (Italo Calvino, Um general na
biblioteca, Vento numa cidade, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 60-1)
Esta é uma tarefa estatal da qual os sujeitos jurídicos não
podem abrir mão.
Pode-se trazer a lição de Ingo Sarlet[39], ao
discorrer sobre o princípio da dignidade da pessoa humana. No que interessa mais de perto, é de se destacar o
aspecto cultural da dignidade humana,
o que a torna, a um só tempo, “limite e tarefa dos poderes estatais”[40]. Seu elemento fixo e imutável é o núcleo inviolável, vale dizer, limite à
atividade dos poderes públicos. Como tarefa imposta ao Estado – reconhecendo-se
que depende, em maior ou menor grau, do ambiente comunitário – reclama ações
estatais no sentido de preservá-la e, mesmo, maximizá-la[41].
A par da óbvia garantia negativa (nenhuma pessoa será objeto
de ofensas ou humilhações), o sentido positivo do princípio implica o tendencial
e pleno desenvolver da personalidade de cada indivíduo. Sua eficácia vincula
toda e qualquer atividade estatal, a traduzir-se em dever de respeito e de
proteção: direta abstenção do Estado e proteção
contra agressões por parte de terceiros. O princípio, assim, impõe ações
tendentes a efetivar e proteger a
dignidade do indivíduo, sendo especial tarefa
do legislador “edificar uma ordem jurídica que corresponda às exigências do
princípio”, isto é, “a concretização do programa normativo do princípio da
dignidade da pessoa humana”[42].
A dignidade também
tem uma função integradora e hermenêutica, não menos importante por ser instrumental,
ao servir de parâmetro para aplicação de todo ordenamento jurídico,
revestindo-o de coerência interna, a
par de legitimar a ordem jurídica e
comunitária, alçando-se à condição da democracia.
Quanto à vinculação dos juizes e tribunais aos direitos fundamentais,
além da dimensão negativa óbvia (controle da constitucionalidade, não aplicação
de normas ofensivas aos direitos fundamentais), há uma “faceta positiva, no
sentido de que os juizes e tribunais estão obrigados, por meio da aplicação,
interpretação e integração, a outorgar às normas de direitos fundamentais a
maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico”[43].
Voltam-se, agora, aos preceitos legais.
Fácil de ver que, na seara da Infância e da Juventude, o
dever de proteção do Estado é exigível quando configurada situação de risco à
sua dignidade de pessoa humana. Nos termos do art. 98 do ECA, medidas de
proteção são aplicáveis aos adolescentes (foco da investigação) sempre que seus
direitos forem ameaçados/violados, seja pela sua
conduta (ato infracional) ou por ação/omissão
da sociedade/Estado (catalisadores de risco). Uma das
formas de aplicar tais medidas protetivas vem no bojo
de um procedimento para verificação da prática de ato infracional
(ECA, art. 112, VII, e Seção V, art. 171 a 190, do Capítulo III, dos
Procedimentos, do Título VI, do Acesso à Justiça, tudo do Livro II – Parte
Especial)[44].
É preciso harmonizar quais princípios?
A imprescritibilidade é exceção expressa na Constituição
Federal (art. 5°, XLII e XLIV).
O princípio da proporcionalidade não se compadece com o
tratamento mais severo dispensado a um adolescente do que a um adulto[45]. Em situação de risco, é dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os
direitos ameaçados dos adolescentes, também (talvez principalmente) dos
infratores (art. 227, “caput”, da Constituição Federal), o que se consubstancia
num direito a proteção especial, que compreende: garantias processuais quando lhes
forem atribuídos atos infracionais (art. 227, § 3°,
IV); obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade
e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento em caso de privação
da liberdade (inciso V)[46], e
programa de prevenção e atendimento especializado nos casos de drogadição (inc. VI do § 3° do art. 227 da CF).
Na concordância prática de princípios em tensão, primeiro há
que reconhecer, lisamente, que não há regra
específica. Inexiste referência nos arts.171 e 190 do
ECA. A norma legal de remissão está no art. 152 do ECA e conduz à legislação processual pertinente no que tange aos procedimentos regulados no ECA. Não
serve, portanto, para legitimar a aplicação, nem mediata, da prescrição[47]. Não há norma de envio nas
disposições gerais acerca da prática de ato infracional
(arts.103-5), dos direitos individuais (arts.106-9), das garantias processuais (arts.110
e 111) e, tampouco, nas disposições gerais atinentes às medidas
sócio-educativas (art. 112 a 114, salvo remessa, no art. 113, aos arts. 99 e 100, que regulam a aplicação das medida de
proteção).
O esforço argumentativo, enfim, pretende ter demonstrado:
a) os adolescentes não devem ser tratados de modo mais severo
que um adulto que tivesse praticado fato semelhante[48] – circunstância que aponta para a conveniência da aplicação
analógica das regras incidentes sobre a prescrição penal, a fim de atingirem a
pretensão do Estado, de impor medida sócio-educativa, de natureza aflitiva,
passado tempo além do razoável em que se quedou inerte (e que se esvai ainda
mais rápido para um adolescente);
b) o Estado tem o dever de proteção irrenunciável em relação
à sua pessoa e sua família, do qual não se pode demitir pela mera inércia de
autoridades administrativas – circunstância que indica a necessidade de se
manter a jurisdição da Infância e da Juventude, a fim de que, ao cabo do devido
processo legal, aferindo o fato concreto, exerça seu dever, sendo o caso, de
aplicar medidas de proteção para o adolescente ou mesmo (e provavelmente) em
relação a seus pais[49].
Não se trata, pois, propriamente, de prescrição de pretensão
estatal. Mas de afastar-se a aplicação de medidas sócio-educativas a
adolescente, por inconstitucional violação do princípio da proporcionalidade,
sempre que, para fato semelhante, não subsistir possibilidade de apenamento para adulto (mesmo entre 18 e 21 anos de idade).
Consideração que deixa incólume o dever estatal de levar a cabo o procedimento
de apuração do ato infracional e, sendo necessário,
aplicar medida de proteção ao adolescente e a seus pais ou responsáveis[50].
Não se pense que a proposta culminaria num idealismo que
poderia deixar a sociedade desprotegida e desafiada por infratores perigosos. A
conseqüência pragmática pode-se alinhavar em breves pinceladas: o homicídio
doloso (mesmo na figura simples), o furto qualificado, o estelionato, o roubo,
a extorsão (em qualquer das suas formas), o estupro, o atentado violento ao
pudor, o tráfico de entorpecentes – nenhum destes atos infracionais
sofreria efeitos prescricionais (todos têm penas superiores a quatro anos,
inexistindo lapso prescricional menor do que seis anos – arts.
109, incs. I a III, e 115, ambos do CP –, pelo que um
adolescente inusitadamente precoce, que os cometesse aos 12 anos de idade,
continuaria passível de medida sócio-educativa até os 18 anos de idade, marco
da imputabilidade); o Estado teria quatro longos anos para aplicar medida
sócio-educativa a atos infracionais não
particularmente graves, como o auto-aborto, o furto simples, a apropriação
indébita e a receptação dolosa (CP, arts. 109, inc.
IV, e 115); contaria com prazo de dois anos para responder a atos infracionais de calúnia ou de invasão de domicílio à noite
ou com emprego de arma, de resistência ou porte de substância entorpecente para
uso próprio (arts. 109, inc. V, e 115, ambos do CP);
e, no que parece suficiente, não deveria ultrapassar o prazo de um ano para
aplicar medida sócio-educativa em relação a delitos de menor potencial
ofensivo, tais como lesão corporal simples, ameaça, dano, injúria etc. (CP, arts. 109, inc. VI, e 115).
Uma solução que se ancora em pressupostos epistemológicos.
Por exemplo, na subjetividade barroca da transição paradigmática vislumbrada
por Boaventura de Sousa Santos também socorre o extremismo que produz/devora
as formas: através do sfumato (técnica de pintura que consiste em
esbater os contornos e as cores entre os objetos, com o que se cria o próximo e
o familiar entre inteligibilidades diferentes) e da mestiçagem (a criar novas formas de constelações de sentidos)[51].
O último conceito é uma das manifestações da hibridação, que deriva da sociabilidade
de fronteira própria de um período de
transição, cujo tipo-ideal induz: a) ao uso seletivo e instrumental das tradições
(a novidade da situação leva à criação e ao oportunismo); b) à invenção de
novas formas de sociabilidade (a reforçar a responsabilidade pessoal pela
conseqüência de cada ato); c) às hierarquias fracas; d) à pluralidade de
poderes e ordens jurídicas; e) à fluidez das relações sociais; e f) à
promiscuidade de estranhos e íntimos, de herança e invenção. Tal sociabilidade
assenta em limites e na constante transgressão destes, numa “escassez de
centros e na abundância de margens”, que resulta de uma permanente definição e
redefinição dos limites: experienciá-los sem os
sofrer. Dita experiência pode-se dar pela navegação de cabotagem e, no que
interessa mais de perto, pela hibridação,
que consiste em “atrair os limites para um campo argumentativo que nenhum
deles, em separado, possa definir exaustivamente (...) obrigando-os a
confrontarem-se reciprocamente fora do seu terreno próprio”[52].
O ECA é, sem desdouro, um diploma híbrido, a dinamizar
fronteiras tradicionais e provocar o diálogo entre disciplinas amiúde
encasteladas. Se é certo que tem um núcleo duro autônomo (art. 208 e 148, I a
VII), convive com uma pluralidade teórica de ordens jurídicas, cuja pedra de
toque é uma fluida situação de risco (art. 148, parágrafo único c/c art. 98, I a III), agrega hipóteses de competência
administrativa, estranhas à jurisdição (art. 149) e incita à invenção de novas
formas de sociabilidade, a reforçar a responsabilidade pessoal do
artífice-intérprete, em face da clara supremacia da necessidade de resolver o
problema sobre o sistema (art. 153)[53].
Um espaço-desafio, portanto, propício, com garantia de
prioridade, à efetivação de direitos fundamentais e orientado por idéia de
prevenção e pela implantação de política de atendimento. Um campo de atuação instrumentalizado por medidas de proteção e
sócio-educativas.
Nessa ampla moldura (limites) e num movimento em busca de um
ideal justo e digno para a juventude brasileira (período de transição) é
preciso selecionar, com senso de oportunidade, as tradições dogmáticas que (ainda)
não têm consciência de suas fronteiras. E, sempre que necessário,
transgredi-las. Para que se possa experimentar a convivência com nossos jovens,
sofrê-la, mas não a temer[54].
O campo argumentativo proposto, enfim, recusa que os tópicos
referidos definam, exaustiva e exclusivamente, os limites e as possibilidades
de soluções dos problemas concretos de jovens infratores. E deseja que desse
confronto recíproco, numa fronteira dialética, apareçam novos centros, e novas
margens.[55]
Pois, navegar é preciso ...
Por ora, na resposta ideal (olímpica?), Hefesto-Juiz
não volta as costas a Tétis-famílias em risco. Não
lava as mãos.[56] Antes, aviva as
chamas e forja um maravilhoso escudo (medida de proteção). Com o qual, a
seguir, Aquiles-infrator vencerá tantas batalhas...
S.S.L,
15 anos de idade, neste ínterim, em 08 de abril de 2002 compareceu com seus
pais, M.S. e A., para entrevista regular com a
assistente social J.M.D.B. Está freqüentando com assiduidade e regularidade o
programa de socialização. Está cursando a 5ª série do ensino fundamental na
Escola M.R.A. Está participando do grupo de gestantes na Secretaria de Saúde
(Unidade Sanitária 4, enfermeira responsável A.L.O). Está freqüentando o “Curso
de pintura em tecido”, nas tardes de quinta-feira, que acontece na Secretaria
de Trabalho e Ação Social (responsável a senhora G.) – Processo de Execução de
Medida nº 3971-113, 2ª Vara Criminal e Juizado da Infância e da Juventude da
Comarca de Cachoeira do Sul, fl. 39.
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Notas
[1] Mestre em Ciências Jurídico-Criminais (Coimbra, Portugal), Coordenador do
Curso de Direito Ulbra/Cachoeira do Sul
[2] pós
graduanda em Direito Processual Civil
[3] As referências literárias
pretendem resgatar um dos tipos de racionalidade moderna, talvez o mais
esquecido em nosso campo de atuação, a racionalidade estético-expressiva das
artes e da literatura, acanhada diante da racionalidade moral-prática do
Direito e esmagada pela cognitivo-instrumental das ciências. A classificação,
partindo de conceitos weberianos, encontra-se em
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. 7ª ed.
Porto, Afrontamento, 1999, p. 193.
[4] Boa parte
da doutrina específica, mesmo comentários ao ECA, tangencia ou omite a questão.
As obras indicadas na bibliografia e não citadas no corpo do texto enquadram-se
nesta situação.
[5] “Ah, é a
saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem
outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos
beijos na cara pequena? Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande
parte na minha indiferença sentimental. (...) Sou todas essas coisas, embora o
não queira, no fundo confuso de minha sensibilidade fatal.” (Fernando Pessoa, O livro do desassossego. 2ª ed. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 66).
[6] SILVA, Ricardo de Oliveira/BARDOU,
Luiz Achyllez Petiz. ECA – Prescrição da Pretensão Punitiva. 6° Congresso Estadual do
Ministério Público de 28 de junho de 2000, Canela (RS).
[7] MENOR. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. PRESCRIÇÃO. A Turma proveu o
recurso ao entendimento de que em se
tratando de menor inimputável, o Estado não tem pretensão punitiva, mas
tão-somente pretensão educativa, assim as medidas sócio-educativas no art. 112
do ECA não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de
direito, em razão do que não se lhes aplicam as disposições previstas na lei
processual penal relativas à prescrição (Resp 270.181 – SC. Rel. Min Vicente Leal, j. 2/4/2002). Nesta esteira: Recurso ordinário em HC
n° 7698/MG, 6ª Turma do STJ. Rel. Vicente Leal . j. 18.8.1998 – www.stj.org.br). Nesse mesmo sentido é o entendimento dos Tribunais do
Rio Grande do Sul, Paraná e de Minas Gerais: ATO INFRACIONAL Inaplicabilidade
do instituto aos procedimentos infracionais. A
prescrição atinge a pena e não a medida sócio-educativa. O caráter expiatório
da medida de prestação de serviços à comunidade tem um marcante alcance
terapêutico e será útil à formação do adolescente pois mostrará a ele, de forma
indelével, a reprovabilidade social que pesa sobre a
conduta irresponsável e imprudente que desenvolveu causando lesões corporais”
(Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP – Jurisprudência – Vol. 1/97. AC
596122382, TJRS, 7ª C. Civ, Rel Juiz de Alçada Sérgio
Fernando de Vasconcelos Chaves, vu, 04/12/96). Cf. Apelação Cível n°
70003379427, 7ª Câmara Cível do TJRS,
Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis,
vu, 28/11/2001; Biblioteca dos
Direitos da Criança ABMP – Jurisprudência
- Vol 01/97. AI 94.0001469-4 – TJPR. Conselho de Magistratura, Rel. Des. Tadeu Costa, vu 21/11/94.
[8] SILVA, Ricardo de Oliveira/BARDOU, Luiz Achyllez
Petiz. ECA – Prescrição da Pretensão
Punitiva
[9] NASCIMENTO, Adilson de Oliveira. Impossibilidade de Prescrição da Medida Sócio-educativa: solução
jurídica. www.direitopenal.adv.br/artigo5). Neste caminho: Ação Sócio-educativa – Infrator que completa 18 anos – Extinção da
ação – Há possibilidade de extinção e arquivamento da ação sócio-educativa, em
caso de já ter o adolescente completado 18 anos e estar respondendo a processo
criminal, porém, somente quando já houver condenação criminal e nas hipóteses
de prisão preventiva decretada (Ementários dos posicionamentos do Conselho de
Procuradores e Promotores da Infância e da Juventude – CONPPIJ, do Ministério
Público do RS).
[10] AMARAL
E SILVA, apud João Batista da Costa Saraiva, Adolescente e ato infracional
– Garantias Processuais e Medidas socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, pp.
37-44. Vide, também, sobre o Direito Penal Juvenil AMARAL E SILVA, Antonio
Fernando do. O Mito da Inimputabilidade
Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Rev. ESMESC, n°5.
[11] Trata-se de óbvia constatação, em face de preceitos legais:
artigos 228 da Constituição Federal, 27 do Código Penal e 104 do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
[12] No horizonte, todavia, de controle social, são paisagens
diferentes. As respostas sancionatórias elencadas têm lógicas diversas, pena de dissolverem-se os
campos específicos e só restar, aos defensores da tese, uma inviável absorção,
pelo direito penal, como metanorma, das respectivas
prescrições.
[13] Já o são, ao menos no que tange ao processo de conhecimento,
“ex vi” dos artigos 110 e 111 do ECA. Idem, em relação à conduta infracional propriamente dita (art. 103 do ECA). Essa
também a percepção de Leoberto Brancher,
justamente pugnando contra a ausência de legalidade que macula a execução de medida sócio-educativa:
“como atividade estatal coercitiva, muitas vezes mais rigorosa, e no mais das
vezes mais arbitrária com os adolescentes do que com adultos, é inadmissível
que, ao contrário do que já ocorre desde a Lei 8.069/90 com o processo de
conhecimento, a execução sócio-educativa se proceda sem as garantias da
legalidade expressas pela norma prévia, escrita, estrita e certa” (Proposta de
lei de Diretrizes Sócio-Educativas, ABMP, junho de 2001). O problema, bem
vistas as coisas, não é de legalidade, e sim de lacuna. Tanto que os próceres da
prescrição, como segue no texto, apresentam sugestões “de lege
ferenda”.
[14] Conforme SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente
e ato infracional – Garantias Processuais e Medidas socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. O autor comungava do entendimento.
[15] “Art. 5° - A medida sócio-educativa não comporta prescrição.
§ 1° – Em razão do decurso do tempo entre a conduta infracional
e o momento do início e reinício do cumprimento da medida sócio-educativa,
poderá o juiz da execução, ouvido o Defensor e o Ministério Público, mediante
decisão fundamentada declarar sua extinção em razão da perda do objeto
sócio-educativo. § 2° – O disposto no parágrafo anterior também se aplica a
procedimentos ainda em curso, que em tal caso serão declarados extintos sem a
análise de seu mérito”. A origem do trabalho remonta ao 18° Congresso da ABMP
(Gramado, RS) 14/17 de novembro de 1999, que culminou num grupo de trabalho (do
qual participaram, do RS, Saraiva e a Promotora de Justiça Eleonora
Machado Poglia) que consignou, na apresentação do
texto, expresso reconhecimento ao Des. Amaral e
Silva. O conceito, indeterminado, de “perda do objeto sócio-educativo”
representa evidente recuo da tese prescricional. Harmonizado com tendência do
pensamento jurídico contemporâneo, precisará ser densificado
por doutrina e jurisprudência, em busca de coerência dogmática e segurança
jurídica. Deixa em aberto a possibilidade de, afirmada a subsistência do objeto
sócio-educativo, aplicar-se medida sócio-educativa para fato que, em relação a
adulto, estaria prescrito.
[16] EGER, Joubert Farley.
Nova Classificação da Infração Penal no
Atual Sistema Criminal Brasileiro e Aplacamento da
Controvérsia de Aplicação do Instituto Prescricional. (www.abmp.org.br)
[17] Não
é possível, na ótica da investigação, partilhar tal visão “essencialista”.
Ora, justamente a peculiar condição subjetiva do sujeito ativo – que integra
qualquer “essência” ou conteúdo material do ato humano infracional
– determinou a clivagem disciplinar e a autonomia, seja do Direito Penal
Juvenil, seja, num ulterior desenvolvimento, do próprio Direito da Criança e do
Adolescente. Pior, assimilado tal argumento, serviria para provar, “a
contrario”, que seria axiologicamente possível punir
– com igual severidade – adultos e adolescentes. A substância do Direito Penal
Juvenil, diversa do Direito Penal comum, não era desconsiderada sequer por uma
legislação ainda parcialmente medieval. Confira-se a “modernidade” inscrita no
famigerado Livro V das Ordenações do Reino: “... E se for de idade de dezessete
anos até vinte, ficará em arbítrio dos julgadores dar-lhe pena total ou diminui-lha. E neste caso olhará o julgador o modo com que
o delito foi cometido e as circunstâncias dele e a pessoa do menor; e se achar
em tanta malícia que lhe pareça que merece total pena, dar-lha-á,
posto seja de morte natural. E parecendo-lhe que a não merece poder-lhe-á
diminuir segundo a qualidade ou simpleza com que
achar que o delito foi cometido. E quando o delinqüente for menor de dezessete
anos cumpridos, posto que o delito mereça morte natural, em nenhum caso lhe
será dada, mas ficará ao arbítrio dos julgador dar-lhe outra menor pena. E não
sendo o delito em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do
direito comum” (LARA, SILVIA Hunold. Ordenações Filipinas – Livro V. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 479-480).
[18] ESTAUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL.
REMISSÃO. PRESCRIÇÃO. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. As medidas sócio-educativas
perdem a razão de ser com o decurso do tempo. Consequentemente,
a fortiori,
tratando-se de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição (REsp. n°
226.379, STJ. 5° turma. Rel. Ministro
Félix Fischer, j. 21/8/2001). ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. “Ato infracional praticado por menor de 18 anos. Medidas socioeducativas, de advertência e prestação de serviços à
comunidade, aplicadas pelo prazo de 01 ano. Aplicação das normas da parte geral
do Código Penal. Inteligência do artigo 226 do referido Estatuto. Prescrição.
Ocorrência entre a data do recebimento da representação e a da publicação do decisum condenatório. Decretação, de ofício,
prejudicado o exame do mérito” (Biblioteca dos Direitos da Criança e do
Adolescente ABMP – Jurisprudência - Vol.
01/97. Ap Crim. 30.496, TJSC, 2ª C. Crim, Rel Des. Alberto Costa, j.
27/08/96). Também: Apelação Criminal n° 99.0186628, Segunda Câmara Criminal do
TJSC, São Francisco do Sul, Rel. Des. Nilton Macedo
Machado. J. 23.11.1999.
[19] “As
medidas que se aplicam aos menores que realizam condutas típicas não são penas.
A pena tem por objetivo a prevenção especial, como meio de prover a tutela dos
bens jurídicos. De sua parte, o direito penal do menor pretende tutelar, em
primeiro lugar, o próprio menor. O direito penal do menor pretende ter caráter
tutelar porque o menor é um ser humano em inferioridade de condições, devido a
seu incompleto desenvolvimento físico, intelectual e afetivo. Trata-se, pois,
de um direito que aspira ser formador do homem. (...) O direito penal do menor,
ao contrário, não pode contentar-se com uma imagem imperfeita do homem, porque
geralmente é chamado a atuar diante do fracasso de uma instituição social
básica: a família. Quando um pai educa seu filho, não se orienta somente pela
imagem do homem não-delinqüente; impõe-se que pretenda para ele algo mais. Por
isso, o direito penal do menor deve necessariamente aspirar a ser formador do
homem e isto coloca uma problemática inteiramente diferente à do direito penal.
Um direito penal formador seria um direito penal totalitário, enquanto um
direito penal do menor que não seja formador não lograria cumprir a sua tarefa”
(ZAFFARONI, Eugenio Raúl/PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1997). Mesmo um autor como Jakobs,
que tantas concessões faz ao sistema social, em seu funcionalismo
jurídico-penal, ao discorrer sobre modelos recentes que legitimam a sanção
penal em teorias relativas, sinala as limitações jurídicas da prevenção
especial. “O Estado não está legitimado para regular a disposição moral dos
cidadãos, senão que há de se conformar com a obediência externa do Direito (relegalização). Não é meta da prevenção especial criar um
membro útil à sociedade, senão facilitar ao autor comportar-se conforme a lei”
(JAKOBS, Günther. Derecho Penal – Parte General. Madrid: Marcial Pons,
1997, pp. 33-34).
[20] “Todas estas doutrinas
se irmanam, todavia, no propósito de lograr a reinserção
social (ou talvez melhor: a inserção social, porque pode tratar-se de alguém
que foi desde sempre um de-socializado) do
delinqüente e merecem, nesta medida, que elas se considerem como doutrinas da
prevenção especial positiva ou de socialização” (DIAS, Jorge de Figueiredo/ANDRADE, Manuel da Costa. Direito Penal. Questões fundamentais – A doutrina geral do crime.
Coimbra: Universidade de Coimbra, 1996, p. 89).
[21] “Pena é a perda de
bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem comete crime. Trata-se da
sanção característica do direito penal, em sua essência retributiva.
A sanção penal é em essência retributiva porque opera
causando um mal ao transgressor” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 292). Tais
considerações, convém lembrar, não são novidade. Já em maio de 1983, no item 23
da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal , ao defender-se a
manutenção da inimputabilidade ao menor de 18 anos, gizava-se
que a opção apoiara-se em critério de Política Criminal. “Os que preconizam a
redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada
dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o
menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é
socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter
deve ser cometido à educação, não à pena criminal” (Código Penal, p. 08).
[22] Desde logo, porque “se de um lado, a ação delituosa constitui, de fato,
ao menos como regra, o mais grave ataque que o indivíduo desfere contra os bens
sociais máximos tutelados pelo Estado, por outro lado, a sanção criminal,
também por sua natureza, dá corpo à mais aguda e penetrante intervenção do
Estado na esfera individual” (PALLAZZO, Francesco. Valores Constitucionais e Direito Penal trad.
Gérson Pereira dos Santos, Porto Alegre: Fabris, 1989). E, mesmo assim, os
crimes prescrevem, e “por razões de natureza jurídico-penal substantiva (...)
Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se
não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as
exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao
cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem
sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objetivos: quem fosse
sentenciado por um facto há muito tempo cometido e
mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério
risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de
socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da
prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o
decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não
possa falar-se de uma estabilização contrafática das
expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustadas” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português. As consequências
jurídicas do crime. Lisboa: Aequeitas Editorial
Notícias, 1993, pp. 698-699).
[23] Pode ser comparada ao artigo 75 do Código Penal, que
estabelece que “o tempo de cumprimento
das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta)
anos”.
[24] O que não é, modo algum, incoerente. Interna-se, após os 18
anos, como “ultima ratio”, medida escorada em
expresso preceito legal e considerando de prevenção especial. Naturalmente, a
intervenção é restrita à medida mais gravosa (internação), até por questão de
proporcionalidade. Uma advertência, por exemplo, ou seria desnecessária ou
insuficiente.
[25] Repele-se, para que não fiquem dúvidas, a concepção ôntica, que identifica crime/contravenção
(e, agora, ato infracional), apenas reconhecendo
diferenças nas sanções. A doutrina e a experiência européias, em sentido
oposto, avançaram (desde a década de 50 na Alemanha) com a supressão da
categoria (penal) das contra-ordenações (ao considerar o domínio ético-social
neutro destas infrações), substituindo este Direito Penal Administrativo, por um direito administrativo
sancionador, de mera ordenação social, plasmado nas contravenções. Hoje, “o
ponto mais importante a assinalar ainda neste contexto é o de que, de uma
perspectiva político-criminal, a persistência da categoria penal das
contravenções, a par de um ilícito de
mera ordenação social legalmente institucionalizado, é contraditória e
sem sentido: ou um comportamento possui dignidade punitiva e deve constituir um
crime, pertença este ao direito penal primário, ou antes ao secundário; ou não
possui e deve ser descriminalizado e passar
eventualmente a constituir uma contra-ordenação, punível com uma coima. E além de político-criminalmente contraditória
e sem sentido, pode a persistência da dualidade acabar por conduzir ao aniquilamento prático da categoria das
contra-ordenações, se o legislador continuar no futuro a deixar-se seduzir pelo
vício da hiper-criminalização, criando novas
contravenções (DIAS/ANDRADE, p. 144).
[26] “Essa consideração se tem afirmado
como uma reação lógica ante os abusos do critério tutelar e levado a uma maior
‘juridicização’ do direito do menor comparado dos
últimos anos” (ZAFFARONI /PIERANGELLI, p. 146). O problema, aqui, comporta
diferente matiz. As diretrizes internacionais do Direito Juvenil vêm plasmando
“um modelo misto de justiça penal juvenil em que se combinam aspectos dos
sistemas educativo ou de bem estar com os precedentes do sistema judiciário e
que reflete em boa medida as notas características do denominado modelo dos
‘4D’, de procedência norte-americana: descriminalização, desinstitucionalização,
diversão e devido processo” (GARCIA-PÉREZ, Octavio Garcia. “Los
actuales principios rectores del derecho
penal juvenil: un analisis
critico”, Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, Ano 2, n° 2,
janeiro-abril 2001, p. 173). Quanto à desjudiciarização
(diversion),
ampara-se em dois fundamentos: “por um lado a necessidade de evitar a estigmatização do infrator por meio de processo penal e das
sanções a eles impostas, pois isso contribui a criar e fortalecer a
criminalidade em vez de evitá-la, como se sabe desde a teoria do etiquetamento; por outro, a necessidade de descongestionar
uma Administração da Justiça sobrecarregada de trabalho” (GARCIA-PÉREZ, p.
175). Há tensão entre a concepção do Estado de Direito (segurança jurídica via
formalização) e a desjudiciarização, que implica a
substituição da intervenção penal juvenil formal por outra, de índole informal,
que entra “em aberta contradição com um dos princípios básicos do Direito Penal
Juvenil: o respeito as garantias processuais essenciais” (GARCIA-PÉREZ, p.
192). Duas palavras, com olhos na questão prescricional. O instituto, em si,
não tem qualquer base “divertida”. Segundo, é possível conciliar a manutenção
do procedimento para a apuração de ato infracional
(hoje, no Brasil, crivado pelo devido processo legal), esvaziado de conteúdo
aflitivo, com uma política “divertida”, tendo em vista o grande filtro que se
opera, no sistema positivo brasileiro, por meio da remissão (arts. 126 a 128 do ECA),
a indicar que, num funcionamento adequado, apenas as situações mais
problemáticas (os “hard cases” – não necessariamente
os atos infracionais mais graves) ultrapassam a
compota da necessidade de tutela jurisdicional. Não fulminar o processo infracional, pois, não colide com um programa de diversão,
pressuposto, como é lícito, que a desjudiciarização
(conceito reflexivo) depende de uma área de reserva para a judiciarização,
em que é preciso intervir. Tais argumentos confirmam-se na prática de 10 anos
de Promotoria da Infância e da Juventude de um dos autores e em dados empíricos
obtidos em Cachoeira do Sul, como se vê de levantamento (intervalo 1997-2001)
realizado junto à Promotoria da Infância e da Juventude de Cachoeira do Sul
(RS) pelos acadêmicos de Direito Tiago Nunes Port e
Vinícius Diniz Vizzotto. Com base nos relatórios
oficiais remetidos (trimestrais) à Corregedoria do Ministério Público (RS) e
nos mapas estatísticos do respectivo Juizado, percebe-se que as representações
(efetivo desencadear de prossecução por ato infracional) ficam em torno de um terço das ocorrências
registradas nas delegacias de polícia da comarca.
[27] ROXIN, Claus. Derecho Penal.
Parte General. Madrid: Civitas,
1997, pp. 46-47. Reparem-se nas ressalvas: “só parcialmente penais”, “enquadrar-se
parcialmente em todas as disciplinas”. Ao revés, os corifeus
da prescrição pura e simples operam como se estivessem a aplicar uma regra (que
não existe, é preciso que se repita), na lógica do tudo ou nada, sequer
tentando a integração parcial – no caso, da prescrição no
sub-sistema do ato infracional, cujos princípios
informadores (que devem ser otimizados) estão, por óbvio, no ECA e não no CP. Se
bem que, numa estratégia de despenalização, uma das
vias hoje apontadas é a adoção de novos critérios objetivos (a redução de fatos
tipificados como delitos) para a configuração do ato infracional
(dos pressupostos materiais do Direito Penal Juvenil), por dupla via: “o
estabelecimento de um catálogo mais restrito dos tipos penal e a introdução de eximentes específicas” (GARCIA-PÉREZ, p. 180). A intervenção penal deve ser excepcional,
pois muitas infrações juvenis têm um “caráter episódico e não constituem um
sintoma da existência de um déficit educativo. Neste sentido deverá se
configurar como causa de exclusão da sanção penal a adoção de medidas por parte
dos grupos primários encarregados dos menores
(família, escola, etc) e a reparação do dano” (GARCIA-PÉREZ, pp.
202/203).
[28] “Na medida em que há um tratamento especial para os não
adultos, recentemente, como é natural, reforçado e aberto, há desejos de
apresentar ‘formas procedimentais e modos de reação alternativos e informais
que permitam, sem efeito estigmatizador, uma reação
mais rápida aos fatos puníveis menores e medianos e às faltas juvenis,
apartando-se do procedimento penal normal previsto no StPO
e JGG (desviando-se antes de chegar a uma solução jurídico-penal: diversão). O
aspecto compreende desde a inatividade da polícia nos casos de bagatela (diversion to nothing) até os
programas de educação intensiva” (JAKOBS,
p. 17).
[29] Confira-se, entre tantos, Jeschek,
pp. 43-44. No fundo, discute-se, nesta grelha conceitual, se o Direito Penal
opera através de normas de determinação (à conduta) ou de valoração (do
resultado). Ampla análise em ROXIN, pp.
318-326.
[30] Mesmo no exclusivo âmbito penal, uma coisa é a prescrição das
penas, outra a prescrição do procedimento criminal. Ao fulminar-se o
procedimento criminal (e a única conseqüência do crime é a aplicação de pena ou
medida de segurança), torna-se impossível, “por essa via, a aplicação de uma
qualquer sanção”. Mas não é disso que se trata no procedimento infracional, que pode culminar com aplicação de medida
sócio-educativa ou de proteção. Acompanhe-se o catedrático da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra: “É óbvio que o mero decurso do tempo sobre
a prática de um facto não constituiu motivo para que
tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma
tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito
penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção”( DIAS, p. 699). E se o fato não deixou de existir,
ainda que se possa, com boa razão (pela incidência do princípio da prescrição),
deixar de aplicar medida sócio-educativa, nada autoriza (pelo contrário) que se
não devam apurar suas circunstâncias e providenciar em medidas de proteção.
[31] TRINDADE,
Jorge. Delinqüência juvenil: uma
abordagem transdisciplinar. 2ª ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1996, p. 67. “A contraposição estática entre o paradigma
abolicionista e o paradigma repressor é improdutiva do ponto de vista
científico e tem levado à oscilação entre indulgência e severidade, que
corresponde, no fundo, ao contraste entre assistência e defesa social”
(TRINDADE, p. 68).
[32] TRINDADE, pp. 69-70.
[33] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina,
1999, pp. 1.088 e 1.087,
respectivamente.
[34] CANOTILHO, p. 1.177.
[35] CANOTILHO, pp. 1.089 e 1.109,
respectivamente.
[36] CANOTILHO, p. 1.150. Vide, também,
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os
direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Coimbra
Editora, 1998, pp. 220-224.
[37] ANDRADE, pp. 222, 223 e 224, respectivamente.
[38] Gizando que a prática de ações
puníveis, nas formas menos graves, é um fenômeno normal no desenvolvimento de
muitos jovens (criminalidade juvenil), Jescheck
considera, com razão, mais perigosa a “criminalidade precoce” (na faixa dos
jovens entre 14 e 17 anos e jovens adultos entre 18 a 20), “com manifestações
de desamparo e desordem presentes na infância e juventude (assistência
irregular na escola, interrupção prematura da educação , incapacidade para uma atividade profissional duradoura, vida
irregular e rápida sucessão de delitos), que podem representar sintomas de uma
disposição criminal. Calcula-se que constituem em média 15% dos jovens
delinqüentes, e se supõe que destes infratores precoces uns 25% aproximadamente
acabam na senda do delito, podendo-se estimar que com 25 a 30 anos serão
delinqüentes habituais. O número dos jovens e jovens adultos condenados por
delitos graves e menos graves tem crescido continuamente desde meados da década
dos anos 50.” (JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho
Penal – Parte General trad. José Luis Manzanares Samaniego. Granada:
Editorial Comares, 1993, pp. 4-5).
[39] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998, pp. 98-116.
[40] “(...) o princípio da
dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir
que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica
(numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas
nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta
permanente, promoção, proteção e realização concreta de uma vida com dignidade
para todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta de Clèmerson Clève, a necessidade de
uma política da dignidade da pessoal humana e dos direitos fundamentais. Com
efeito, de acordo com a lição de Pérez Luño, ‘a
dignidade da pessoa humana constitui não
apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou
humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento
de cada indivíduo’” (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos
Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2001, pp.107-108).
[41] O Estado deve acudir em ajuda de qualquer pessoa cuja
dignidade resulte ameaçada, com independência da origem pública ou privada
destes perigos (BENDA, Ernst. “Dignidad Humana y Derechos de la Personalidad”, Manual de Derecho Constitucional, BENDA, Ernst,
MAIHOFER, Werner “et al.”, Madrid, Marcial Pons, 1996, p. 120). E tem que fazer frente às ameaças novas, que
surjam no curso de mudanças sociais (p. 126). Certamente, proteger a população
ante o crime conta-se entre as obrigações do Estado (p. 127). Benda refere que a ordem constitucional há que se definir
ante a tensão entre a auto-suficiência do indivíduo e as necessidades, direitos
e obrigações que derivam das circunstâncias atuais da vida em comunidade – a
qualidade de uma constituição depende decisivamente de ofertar recursos para
fazer frente com êxito a tais inevitáveis conflitos. Assim, o Tribunal
Constitucional Alemão não vislumbra, na Lei Fundamental, um indivíduo soberano
em si mesmo, antes uma pessoa vinculada à comunidade (BENDA, Manual, p. 119).
[42] Hoffmann-Riem fala do “estrato
programático da norma fundamental”, a encomendar ao Estado apoiar, assegurar e
consolidar a liberdade ameaçada, o que foi elaborado, em grande medida, a
partir “dos direitos fundamentais da comunicação”, que só é realizável como
“liberdade mediante e com os demais” (HOFFMANN-RIEM, Wolfgang, “Libertad de Comunicación y de Medios”, in Manual de
Derecho Constitucional, Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 146).
[43] “...é de destacar-se o dever de os tribunais interpretarem e
aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamentais, assim como o
dever de colmatação de eventuais lacunas à luz das
normas de direitos fundamentais, o que alcança, inclusive, a Jurisdição Cível
(...)” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1998, p. 331).
[44] De fato, o inciso VII do art. 112 opera como norma de ligação
do Título II do Livro II ( das medidas de proteção) com o respectivo título III
(da prática do ato infracional), tudo unificado procedimentalmente.
[45] Mesmo a um adulto jovem, entre 18 e 21 anos de idade, que tem
a seu favor, prazos prescricionais reduzidos pela metade (art. 115 do Código
Penal).
[46] Que só podem jogar a favor do adolescente quando em cotejo com
adultos que praticaram condutas semelhantes.
[47] Sem que seja preciso entrar na polêmica acerca da natureza
jurídica da prescrição, se é regulada por normas de natureza substancial ou
processual, dominante a teoria mista (FRAGOSO, pp. 421-422; DIAS, pp. 700-701),
prevalecendo na jurisprudência a contagem do prazo prescricional como prazo
penal, aplicando-se-lhe o art. 10 do CP. Isso porque
é evidente que o instituto da prescrição não tem caráter procedimental.
[48] “Também para a delinqüência juvenil se procuram
insistentemente novos caminhos de política criminal que são, em boa medida,
caminhos de descriminalização. Por um lado, parece adquirido que não devem ser
criminalmente punidas as condutas dos menores que não constituiriam crimes se
praticadas por adultos. Por outro lado e sobretudo, aumento o coro dos que
reclamam um recurso maior a solução de diversão, ou mesmo de não intervenção
radical, como vias privilegiadas para induzir a conformidade por parte dos
jovens – na linha conhecida reivindicação leave the kids wherever possible (Schur); e em conformidade, de resto com os ensinamentos da criminologia interaccionista. São, com efeitos, os jovens os que menos
resistência oferecem à eficácia criminógena das reacções criminais, através designadamente da adscrição duma identidade desviante e da entrada numa
carreira delinqüentes” (DIAS/ANDRADE, p. 431).
[49] O que se harmoniza com as bases da mais arejada
política-criminal de prevenção do delito.
Das oito apresentadas por García-Pablos, cinco podem ser importadas e aplicadas ao Direito Penal Juvenil: a)
Prevenir significa “intervir na etiologia do problema criminal, neutralizando
suas causas”; b) A efetividade dos programas de prevenção deve ocorrer a médio
ou longo prazo. Um programa é tanto mais eficaz quanto mais se aproxime etiologicamente das causas do conflito em que o delito se
exterioriza; c) A prevenção deve configurar-se, antes de tudo, como prevenção
social e comunitária, precisamente porque o crime é um problema social e
comunitário; d) A prevenção implica prestações positivas para neutralizar
situações de desequilíbrio. Só a reestruturação da convivência entre a
comunidade e seus membros poderá trazer resultados satisfatórios para a ordem e
para a prevenção do delito; e) A prevenção pressupõe uma definição mais
completa do cenário criminal e dos fatores que interagem, uma estratégia
coordenada e pluridirecional: o infrator não é o
único protagonista do sucesso delitivo. Os programas de prevenção devem
orientar-se para todos os elos da comunidade. (GARCIA-PABLOS
DE MOLINA, Antonio García. Criminologia – Una
introducción a sus fundamentos teóricos para juristas. Valencia: Tirantlo blanch, 1996, pp.
264-265). Para uma intervenção reabilitadora, há que
“conscientizar a sociedade para que assuma a responsabilidade que a ela
corresponde (...) o crime se compreenda nos limites comunitários: como problema
nascido na e da comunidade a que o infrator pertence e segue pertencendo”
(GARCIA-PABLOS DE MOLINA, pp. 85-86).
[50] “Voltava
a ver o rosto exageradamente maquiado de sua mãe dizendo ‘você existe porque me
descuidei’. Coragem, sim senhor, coragem é o que lhe havia faltado. Pois, do
contrário, ele teria terminado na cloaca. Mãecloaca (...) – Sempre fui um estorvo. Desde que nasci. Sentia-se como se
gases venenosos e fétidos tivessem sido injetados em sua alma, a milhares de
libras de pressão. Sua alma, inchando-se a cada ano mais perigosamente, já não
cabia em seu corpo e ameaçava a qualquer momento lançar jatos de imundície
pelas fissuras. – Grita o tempo todo: Por que me descuidei?” (Ernesto
Sabato, Sobre heróis e tumbas, São Paulo: Cia. das
Letras, 2002, pp. 16 e 28).
[51]SANTOS, Boaventura de Souza, A crítica da razão indolente – Contra o
desperdício da experiência. v. 1 Porto: Edições Afrontamento, 2000, p. 335.
[52] SANTOS, Boaventura de Souza.
A crítica da razão indolente – Contra o desperdício da experiência. v. 1
Porto: Edições Afrontamento, 2000, pp. 321-330.
[53] O
relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa giza
a particularidade da jurisdição de menores, que reúne funções oriundas da
justiça penal, da justiça civil etc., sinalando que o recurso a conceitos
fluidos, como perigo, “e o valor programático dos textos normativos, obriga o
juiz a construir, em cada situação, soluções jurídicas que, recorrentemente,
reenviam às normas sociais”, a inserir o trabalho do juiz “numa área mais
vasta, que não é meramente jurídica, mas de intervenção social” (Relatório do
Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, v. IV – A Justiça de Menores: as
crianças entre o risco e o crime – dir. Boaventura de
Sousa Santos, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de
Coimbra, p. 13).
[54] Evidente
que há adolescentes infratores violentos, mas há exagero na histeria da
(in)segurança pública que assola a pauta nacional. A um, porque o ECA, bem
aplicado, tem condições de responder com eficácia (entre parênteses a limitação
da internação em três anos). A dois, porque o que às vezes é apresentado como
“guerrilha urbana” não passa de manifestação cultural própria da fase de
desenvolvimento peculiar. Confira-se Norbert Schindler,
Os tutores da desordem: rituais da cultura juvenil nos primórdios da era
moderna (História dos Jovens, org. Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt, São
Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 265-324), que inicia com caso exemplar:
o clero protestante de Schaff (Suíça) reclama
energicamente ao Conselho da Cidade contra o vandalismo juvenil – “nas trevas
da noite circulam com tambores, e durante a noite saem lambuzando com fezes
humanas as fechaduras das portas dos pregadores; e mais: cortam árvores de
homens probos, a quem custara tanto esforço, dinheiro e trabalho plantá-las.”.
Isso, no ano de 1532! Por outro lado, “estudos da Europa Ocidental e Canadá
demonstram que 50% a 60% da delinqüência juvenil é dirigida a bens materiais
(furtos) e apenas 5% dos casos se dirige exclusivamente contra as pessoas”
(Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, p. 9).
[55] “As
mestiçagens nunca são uma panacéia; elas expressam combates jamais ganhos e
sempre recomeçados. Mas fornecem o privilégio de se pertencer a vários mundos
numa só vida: Sou um tupi tangendo um
alaúde...” (Serge Gruzinski,
O pensamento mestiço, São Paulo:
Companhia das Letras, 2001, p. 320). Assim o historiador francês termina sua
obra, com os mesmos versos de Mário de Andrade que abrem, em epígrafe, o cap.
1. Na obra, interroga sobre os obstáculos que entravam nossa compreensão das
mestiçagens. “Alguns são próprios à experiência comum, outros decorrem de
hábitos intelectuais e automatismos de pensamento dos quais as ciências sociais
têm por vezes dificuldade em se livrar.” (p. 19).
[56] “Qualquer
juiz, não importa a instância em que atue, a
fortiori o juiz constitucional, precisa arrimar-se
na técnica jurídica para decidir, com a clara consciência da necessidade de um
juízo político, em que se incluem o senso de conveniência e de oportunidade e a
prefiguração dos resultados da decisão.” (AZEVEDO, Plauto
Faraco de. Aplicação do Direito e
Contexto Social. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998. p.
156). No mesmo sentido, “a opção final,
no sentido de privilegiar tal ou qual método (interpretativo), faz-se sempre em
conformidade com o resultado que se deseja atingir.” (AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método
e Hermenêutica Material no Direito. Porto Alegre, Livraria do Advogado,
1999. pp. 140-141).