JOVENS E ADOLESCENTES NA AGENDA 21
Se dice, con frecuencia, que el adolescente
habla
y no realiza. Sin
embargo, el mundo actual ha
mostrado cómo este
proceso temprano de
intelectualización y de
tendencia a la teorización
puede ser llevado
rapidamente a la acción, cuando
el medio externo lo
permite.
(Arminda Aberastury,
Psicopatología y Psiquiatría del Adolescente, 1973)
O que espera
pelos jovens e adolescentes no século XXI?
As dificuldades que esperam pelos jovens e adolescentes, no início do próximo século, independente do lugar em que vivam e do grupo social a que pertençam, estão relacionadas com transformações profundas e ameaças de desintegração de um processo civilizatório, cujas bases estiveram voltadas para garantir, ao ser humano, condições de segurança contra os perigos à sua trajetória existencial. Eles serão parte de uma sociedade que valoriza cada vez mais as saídas individuais.
Vivendo em condições de insegurança sem precedentes na história da humanidade, com a falta de estabilidade das instituições e de credibilidade dos valores éticos transmitidos do passado, os jovens estarão sendo confrontados com um futuro imprevisível, em que as chances de desenvolvimento serão determinadas, essencialmente, pela maior ou menor capacidade que desenvolvam para conviver e protagonizar situações de mudança. Este é o grande desafio, no início do século XXI, e terá de ser enfrentado ao mesmo tempo em que passam pelos processos psicossociais e emocionais próprios da idade, no caminho da substituição da dependência infantil pela autonomia adulta.
Nesse contexto de insegurança e atravessando uma fase da vida em que percebem que o Universo é algo que compartilham com outros seres vivos e em que consideram a sobrevivência imediata uma questão secundária, a maior preocupação dos jovens das próximas décadas será com a sobrevivência do gênero humano enquanto espécie. Essa preocupação, identificada mais claramente a partir da segunda metade da década de 60, vem-se estruturando como uma nova proposta de desenvolvimento econômico e social de bases ecológicas - o denominado “desenvolvimento sustentável”. É no fluxo da corrente ecológica que se está plasmando a identidade política da juventude das próximas décadas.
O papel de jovens e adolescentes na busca planetária do desenvolvimento sustentável
Ao traçar as linhas de ação global que os governos, as Nações Unidas e organizações internacionais deverão implementar para que o desenvolvimento sustentável se torne realidade, no próximo século, a Agenda 21[1] parte do princípio que é imperiosa a participação ativa da juventude de todas as partes do mundo - cerca de 30% da população do planeta - nos processos de tomada de decisão sobre proteção do meio ambiente e fomento do desenvolvimento econômico e social, nos níveis local, nacional e regional, pois afetam tanto a vida atual quanto o futuro de jovens e adolescentes.
Para que isso ocorra, a Agenda 21 recomenda aos governos que:
a) Estabeleçam procedimentos para que os jovens participem dos processos de tomada de decisão;
b) Promovam o diálogo com organizações juvenis interessadas na redação e avaliação de planos e programas sobre o meio ambiente ou questões relativas ao desenvolvimento;
c) Incorporem recomendações das conferências e fóruns juvenis às políticas pertinentes;
d) Assegurem o acesso dos jovens a todos os tipos de educação, que o ensino reflita as necessidades da juventude e incorpore conceitos de conscientização ambiental e desenvolvimento sustentável em todo o currículo, bem como ampliem a formação profissional, implementando métodos inovadores destinados a aumentar os conhecimentos práticos em relação ao meio ambiente;
e) Criem oportunidades alternativas de emprego e proporcionem treinamento aos jovens de ambos os sexos;
f) Estabeleçam forças-tarefas formadas por jovens e organizações juvenis não-governamentais, para desenvolver programas de ensino e conscientização voltados para a população juvenil, com o apoio de meios de comunicação, organizações não-governamentais, empresas e outras organizações;
g) Apóiem programas, projetos, redes, organizações nacionais e organizações não-governamentais juvenis;
h) Incluam representantes da juventude em delegações de reuniões internacionais;
i) Ratifiquem e implementem a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, dedicando-se às necessidades básicas da juventude e da infância;
j) Promovam atividades primárias de cuidado ambiental que atendam às necessidades básicas das comunidades, e, ao mesmo tempo, estimulem a participação das populações locais nessas atividades, investindo-as de autoridade para alcançar o objetivo de um manejo comunitário integrado dos recursos.
Vivencia-se, hoje, um processo de mutação de consciência, que deve dar origem a uma nova civilização consciente da interdependência entre povos e nações, e reafirma a relação entre o homem e o Universo, entre a parte e o todo. Todos esperamos que a juventude do Século XXI assuma o papel de protagonista desse processo, usando o enorme potencial que possui para transformar estruturas e criar o novo.
No Brasil, jovens e adolescentes - faixa etária de 10 a 24 anos - representam 1/3 da população total do país. Se o governo brasileiro colocasse em prática as recomendações da Agenda 21, estaria nossa juventude preparada para reconhecer as questões que podem afetar o seu futuro e participar dos processos de tomada de decisão sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável, que definirão os destinos da humanidade no próximo século?
O jovem brasileiro - como de resto, toda a nossa população adulta - não se vê como parte integrante do meio ambiente, conforme pesquisa realizada pelo Ibope (1997). Ele também confunde meio ambiente com natureza, essa distorção conceitual acaba por limitar seus horizontes de participação nos processos de que fala a Agenda 21, pois não consegue enxergar as cidades como campo de atuação de quem se preocupa com a proteção do meio ambiente. E o jovem de hoje preocupa-se. E muito.
Essa pesquisa demonstra que sua “consciência ambiental” manifesta-se especialmente na disposição a não aceitar a poluição e a degradação ambiental, ainda que isso signifique maior crescimento econômico e mais empregos, e na reverência religiosa pela natureza. É na proteção da natureza, portanto, que se pode esperar uma maior participação da juventude, no caminho do desenvolvimento sustentável.
A pesquisa do Ibope também oferece indicações importantes sobre “onde” e “como” o jovem brasileiro irá participar dos esforços de implementação do desenvolvimento sustentável no planeta, ao constatar seu apoio à descentralização, valorização de ações locais, e uma significativa disposição (66%) para o trabalho voluntário. Esses resultados confirmam uma tendência mundial de se elaborar Agendas 21 locais e organizar ações em defesa do meio ambiente no município, comunidade, bairro ou escola. É no nível local que a Agenda 21 vem tomando força. No nível central, os governos pouco estão investindo no desenvolvimento sustentável, quando estão.
É interessante observar que, embora se atribua uma responsabilidade cada vez maior ao nível local na defesa do meio ambiente, a atuação das prefeituras foi avaliada na pesquisa como “ruim”. A grande simpatia do brasileiro, principalmente entre 16 e 24 anos (>80%), recai sobre as organizações ecológicas ou de proteção do meio-ambiente. Essa preferência pela atuação de organizações não governamentais que não visam lucro - o denominado “terceiro setor” - pode ser parcialmente compreendida a partir dos resultados de uma pesquisa recente, realizada pela UNESCO e Fundação Oswaldo Cruz (1999) no Rio de Janeiro, entre jovens de 14 a 20 anos, que demonstraram uma rejeição consciente do jovem às instituições do país - em ordem decrescente, ao Poder Judiciário, Congresso Nacional, Governo, Polícia e partidos políticos.
Se a gente pensar bem, é muito estranho viver num mundo assim, onde existe a gente, outras pessoas, animais e tantas outras coisas geniais que a gente não conhece e nem sonha em conhecer, a gente poderia ter qualquer outra forma, ou viver em qualquer outro planeta, mas não, moramos aqui neste mundo constantemente ameaçado por nós mesmos, seus moradores. Um dia li uma frase muito interessante e que eu guardo pra mim pra sempre, ela diz assim: O Mundo é uma nave, onde não existe nenhum passageiro, somos todos tripulantes. Acho que todo mundo deveria assumir esta função, ser os melhores tripulantes possível. Eu sei que a adolescência é uma fase muito difícil, que a gente se questiona muito, sobre muitas coisas e sonha muito também, e eu também sonho muito, acho que vivo nas nuvens. Eu sonho sempre com um mundo melhor, mais justo, mais humano, com a natureza cada vez mais respeitada, onde só a paz reina entre os povos, aí a gente entra naquele velho blá, blá, blá de sempre, é porque todo mundo quer isso, e o mais estranho é que não conseguimos chegar a esse sonho que parece que está cada vez mais distante de virar realidade. Eu acho que é por isso que eu estudo, pra um dia tentar mudar esta situação, nós vamos precisar de todo mundo pra fazer cumprir este sonho, é por isso que não devemos parar de sonhar, quem sabe se assim não tira este sonho de debaixo do travesseiro. (Gabriela Buril, 14 anos - Concurso Literário-Artístico “Eu, Adolescente, e o Mundo”, 1990).
Como a juventude está tentando protagonizar uma mudança de paradigma - a luta pelas causas ambientais
A juventude de hoje parece sentir uma enorme culpa por não possuir uma causa comum, que represente seu continente ideológico, como tiveram seus pais. Reagindo a uma sensação de impotência para resolver o problema da distribuição injusta dos bens e riquezas entre os habitantes do planeta, sobre os quais estão muito bem informados neste nosso mundo globalizado e cada vez mais informatizado, os jovens, em número crescente, estão transformando a defesa do meio ambiente em sua bandeira de luta. Isso lhes possibilita preencher necessidades intrínsecas da fase da vida que estão atravessando, de busca incessante do novo, de experiências e de transformação.
A movimentação em prol do meio ambiente é grande e explora possibilidades ilimitadas de um dos recursos mais poderosos do planeta - a Internet. Existem hoje centenas de redes de jovens buscando criar novas formas de ação coletiva, da escala local à global, no desafio de construir um mundo responsável e solidário. O jovem brasileiro acompanha essa tendência e conquista espaços próprios, sobretudo aquele jovem com nível de instrução secundária.
São inúmeras as experiências em curso no Brasil, em que a atuação dos jovens vai das redes internacionais às pequenas iniciativas de bairro ou escola. Em contato com experiências de outros países, fica mais fácil para o jovem compreender o quanto os problemas ambientais estão interligados. Começa a perceber, então, a dimensão global dos problemas e soluções.
Um movimento interessante de ser analisado - pela visão ambiental mais ampla, de contexto, que define a qualidade de vida e pelo potencial de mudança - é a Aliança Internacional, que tem o objetivo maior de fortalecer as propostas para a juventude no planeta. Sua plataforma de ação baseia-se nos princípios do respeito e preservação da natureza, criação de um mundo equilibrado, fim do desperdício na produção, consumo, criação e uso de tecnologia sem riscos para a humanidade, e preservação da diversidade cultural.
A Aliança não tem sede, membros ou hierarquia, mas também não é apenas uma rede de contatos. O que faz com que a Aliança não seja mais um fórum de discussões é o envolvimento das pessoas em ações concretas no dia-a-dia de seus países. A idéia é que cada participante atue para solucionar os problemas de sua terra. Além de se reunirem em encontros, os participantes da Aliança tentam manter um diálogo constante, muito facilitado pela Internet. No Brasil, ela mobiliza jovens, desde os grupos do hip-hop e punk, até o pessoal das igrejas, grêmios estudantis ou movimento rural, na busca solidária de soluções para problemas em que os governos não podem ou não querem atuar.
No Brasil, a iniciativa, em rede, de maior sucesso entre os jovens, que conta com o apoio do Unicef, secretarias de educação, escolas, jornalistas e profissionais de todas as áreas, em todo o país, tem sido o Projeto Aprendiz do Futuro[2]. Sua proposta é usar a Internet como uma ferramenta para a discussão de temas ligados à cidadania e de grande interesse para juventude, tais como discriminação, ecologia, fome, racismo, trabalho infantil, violência, emprego, ética, tecnologia, etc.
A Internet está ajudando a dar visibilidade a inúmeros grupos de jovens e adolescentes que protagonizam ações em defesa da natureza, em âmbito local e regional. Há o grupo “Rio Santa Fé”, que busca soluções para recuperar e preservar a mata ciliar, em Palotina -PR. O “Saúde e Alegria”, da Amazônia, que busca formas de proteger o meio ambiente com a ajuda dos meios de comunicação. O “Filhos da Terra”, do norte do Paraná, empenhado na preservação da fauna e flora da reserva natural Volton. O grupo do projeto “Altonia”, que procura conscientizar a comunidade sobre a importância da coleta de lixo no Parque Nacional de Ilha Grande. Neles, prevalece, todavia, a visão de que natureza é igual a meio ambiente.
Esse também é o caso de algumas organizações não governamentais que contam com participação massiva de jovens, como o caso da Patrulha Ecológica, que atua no Distrito Federal e entorno, com projetos abertos à comunidade. Ou de prefeituras, como a de Olinda, de Palmeira dos Índios, de Rio Branco e Manaus, que implementam uma gestão participativa do lixo urbano, centrada em crianças e adolescentes, com o apoio do projeto Meio-Ambiente e Cidadania do Unicef.
Ao jovem brasileiro do Século XXI, tocará viver em um mundo globalizado, dominado pela informática, mas ainda sem solução para o problema da pobreza e da exclusão social, que coloca a idéia do desenvolvimento sustentável na condição de grande utopia deste final de século.
A Internet chegou na crista de uma revolução tecnológica. Mas são ainda poucos os brasileiros que têm e terão acesso a ela. A maioria de nossos jovens será irremediavelmente excluída das inumeráveis oportunidades de interação com o meio virtual, que certamente fará surgir uma nova mente planetária. No país da desigualdade, enquanto crianças da periferia das metrópoles ainda morrem de diarréia, pelas péssimas condições ambientais, falta de acesso aos serviços de atenção básica à saúde e baixo nível de instrução dos pais, médicos do sistema público de saúde já começam a utilizar os recursos avançados da telemedicina.
Como o jovem brasileiro deve desenvolver-se para que a consciência virtual, que vem brotando da Internet, sirva para unir crenças e povos e não para instaurar a barbárie no planeta? Para que lute pela superação do ciclo de reprodução da pobreza, exclusão social e, conseqüentemente, pela conservação do meio ambiente?
“A liberdade de navegar pela rede e discutir em qualquer fórum pode emancipar os cidadãos. Se, no entanto, for o prelúdio de um tempo sem política, sem Estado e sem identidade histórica, então a utopia emancipadora fará o ideal voltar para trás”. (Del Nero, 1995).
A prática da solidariedade e da cooperação, o exercício da cidadania plena e a garantia de ampliação dos direitos básicos exigem mudanças profundas de atitudes e valores, para que a juventude supere o individualismo em que se encontra imersa. Participação social é um fator fundamental para o reordenamento das relações de poder e uma nova articulação entre os diferentes atores sociais. É pela participação, que o jovem irá integrar-se nos processos coletivos, aumentar sua auto-estima e tornar-se sujeito de sua própria história.
No próximo século, as possibilidades de participação social e, especialmente, de acesso a emprego estarão cada vez mais dependentes do domínio do conhecimento científico e tecnológico disponível, que dará ao jovem o poder para realizar aquilo que deseja. Todavia, será o conhecimento orientador, absolutamente individual, constituído por cultura, valores e costumes, que dará a ele a medida de tudo o que pode fazer pela construção de um mundo mais solidário com as gerações futuras.
BLOCH, DIDIER,
ATANÁSIO, FÁBIO, MAZZOLI, MARCELO. Criança, catador, cidadão - experiências de
gestão participativa do lixo urbano. Recife: UNICEF, 1999. 89 p.
CLAR, G., DORÉ, J., MOHR, H. Humankapital und Wissen _ Grundlagen einer nachhaltigen Entwicklung. Berlin-Heidelberg-New York: Springer, 1997, 343 p.
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992: Rio de Janeiro). Agenda 21. Brasília: Senado Federal, 1997, 2. ed. , 598 p.
IV Congresso Brasileiro de Adolescência (1991: Recife). Eu, adolescente, e o mundo.1991, p. 25-6
DEL NERO, HENRIQUE SCHULTZER, Folha de São Paulo, 30.05.95. In NASCIMENTO, AURÉLIO E., BARBOSA, JOSÉ PAULO. Trabalho: história e tendências. São Paulo: Ática, 1996, p. 52.
IBOPE. O que o brasileiro pensa sobre meio ambiente, desenvolvimento e sustentabilidade. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1997.
KRAUSKOPF, DINA. Adolescência y educación. San José: Universidad Estatal a Distancia, 1988, 204 p.
OSORIO, LUIZ CARLOS. Adolescente hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, 103 p.
UNESCO. Fala, galera - Juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.
Notas:
[1] A Agenda 21 é o documento pelo qual 175 países comprometeram-se formalmente com a implementação do desenvolvimento sustentável, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Contém as bases para que cada país elabore sua própria agenda. A Agenda 21 Brasileira está sendo elaborada no âmbito de uma comissão da Casa Civil da Presidência da República, sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, e deverá estar concluída e aprovada até setembro/99. Seu desenvolvimento pode ser acompanhado pelo site www.mma.gov.br/port/SE/agen21/index.html.
[2] O Projeto Aprendiz do Futuro surgiu a partir de uma obra de mesmo nome, do jornalista Gilberto Dimenstein. V. site www.aprendiz.com.br.
Sueli Corrêa de Faria
A autora é consultora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e professora visitante da Universidade de Brasília, atuando no campo do desenvolvimento sustentável, especialmente no que se refere à organização espacial ecologicamente adequada das atividades antrópicas e a metodologias de planejamento e implementação de sistemas de gestão ambiental.
Texto extraído de:
http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap04/cap04.htm