A BUSCA DA DELIMITAÇÃO DO ESPAÇO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO[*]
Eduardo Silveira Netto
Nunes[1]
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.
Delimitar e reconhecer o espaço ocupado pelo Direito da Criança e do Adolescente, se é que o mesmo ocupa algum, partindo de requisitos e parâmetros estabelecidos quer pela Doutrina, quer pela “Ciência” Jurídica, apresenta-se com grande relevância, em função de que partindo disso, poder-se-á, ou não, diferençar, e se exigir “coerência” desse Direito com especificidades especiais, que talvez o distinga dos demais ramos do Direito lato sensu.
Para esse intento levar-se-á a cabo a divisão da abordagem em quatro pontos principais, um ligando-se ao outro, em caráter suplementar e complementar.
O primeiro deles será os Elementos caracterizadores de um subsistema, como pressuposto lógico dos demais, em que se buscará identificar quais os requisitos que são “exigidos” para a configuração de um sistema e de um subsistema/micro-sistema[2].
Num segundo momento, tendo-se minimamente claro os elementos de um sistema, identificar-se-á Os princípios e os direitos fundamentais do Direito da Criança e do Adolescente, como um dos fundamentos para verificar-se posteriormente, num quarto momento, A possibilidade do Direito da Criança e do Adolescente ser “realmente” um ramo autônomo do Direito. Antes disso, porém, num terceiro momento, trabalhar-se--á na tentativa de reconhecer A hibridez desse Direito e seus fundamentos unificadores.
Feito isso, poder-se-á ter o reconhecimento, mesmo que mínimo, da existência de um ramo autônomo dentro do Direito Brasileiro, e como tal deve ser encarado, respeitando-se as suas peculiaridades, especificidades, e sobretudo as suas mudanças paradigmáticas no que toca a redefinição jurídica dos antes “menores” e hoje crianças e adolescentes[3].
Com isso, passa-se à verificação de quais os requisitos para a existência de um sistema/subsistema/micro-sistema[4].
1 Elementos caracterizadores de um subsistema
Alguns alertas devem ser feitos, antes de se iniciar a descrição-análise propriamente dita sobre os Elementos caracterizadores de um subsistema. Trata-se de chamar a atenção de que, por mais que se busque reconhecer a autonomicidade de determinado sistema, por atender requisitos pré-estabelecidos, não se pode negar jamais o caráter abstrato/formal deste recorte interpretativo, uma vez que, ainda que se reconheça a existência formal de sistemas e de seus intercâmbios, comunicações e interferências com outros sistemas, a teoria busca apreender e condicionar a intelecção ou compreensão dessas interferências e relações. Portanto, aquela é limitada a uma meta-realidade, ou a uma meta-explicação da realidade, sendo então que o que se produz a partir disso ou é uma busca de aproximação da meta-explicação com a realidade – caráter externo –, ou então uma busca de explicação ou enquadramento formal da própria meta-explicação, tendo então uma dimensão interna (auto-identificação/auto-referência)[5].
Com isso, pode-se passar a um segundo alerta, que diz respeito à “opção” metodológica adotada na busca da identificação das exigências que a Doutrina e a “Ciência”[6] Jurídica imputam para a caracterização de um sistema ou subsistema dentro de si.
Nesse ponto, antecipando-se à crítica, reconhecendo que, teoricamente, várias das posições expressas sobre sistema ou critérios para um sistema ou micro-sistema, são incompatíveis entre si, para não dizer excludentes. Entretanto, faz-se aqui um corte[7] utilitário-arbitrário, epistemológico, para a identificação dos pressupostos mínimos para a configuração de um sistema, que no campo teorético-abstrato, podem ser antagônicos e auto-anulatórios entre si.
Essa opção, é bom que se diga, consciente, justifica-se, pois não é objetivo da presente monografia discutir ou pesquisar com profundidade tal assunto de cunho filosófico, embora o mesmo seja da maior importância. Pelo contrário, aqui ela aparece apenas como um instrumento, um pressuposto lógico, constante do trabalho.
Inicia-se agora a “violência” à abstração.
Parte-se da premissa de que o Direito é um sistema e que esse sistema, na sua dimensão interna, têm divisões, especificidades, que compõem sub-áreas, micro-sistemas, e que esses, dentro de si, igualmente têm divisões internas, chamadas então subsistemas, que podem ainda ter subdivisões menores.
O ponto em comum de cada um deles, respeitando a sua hierarquia, é que cada qual dispõem de uma espécie de regras internas, limites próprios, finalidades e características fundamentais, que lhes permite reconhecerem-se como diferentes, e lhes exigir uma logicidade interna mínima, sob pena de não poder ser considerado como um sistema[8]..
Visto isso, remete-se à análise das primeiras contribuições que, grosseiramente, podem ser classificadas como de influência neokantiana/neopositivista, ou à moderna teoria dos sistemas de Niklas Luhmann ou de Talcott Parsons, expressas num primeiro momento por NASCIMENTO[9]. Reproduzimo-las a seguir.
NASCIMENTO,
tratando do enquadramento do Direito nos requisitos de configuração de um
(grande) sistema e citando BUCKLEY[10], expõe o seguinte conceito:
“A espécie de sistema
que nos interessa pode ser descrita, de modo geral, como um complexo de
elementos ou componentes direta ou indiretamente relacionados numa rede causal,
de sorte que cada componente se relaciona pelo menos com alguns outros, de modo
mais ou menos estável dentro de determinado período de tempo.”
Seguindo, afirma que: “Esses componentes podem ser relativamente simples e estáveis, complexos e mutáveis; podem variar em apenas uma ou duas propriedades ou assumir muitos estados diferentes” (p. 43).
Indicando um conceito extraído de um Dicionário de Ciências Sociais (1987), NASCIMENTO observa: “entende-se por sistema o conjunto de coisas que ordenadamente entrelaçadas contribuem para um determinado fim.” (p. 43)
E continuando:
“Trata-se de um todo coerente, cujos diferentes elementos são interdependentes e constituem uma unidade completa. A noção de sistema tem aplicação nas ciências sociais como instrumento metodológico, isto é, como modelo para compreender a inter-relação de elementos distintos que, para efeitos de conhecimento, são considerados como unidades, isolados dos outros dados da sociedade.” (p. 43)
Falando sobre critérios para a aplicação metodológica do sistema como modelo para o Direito, relaciona-os em quatro, dos quais dois reproduzem-se aqui:
“[...] b) O estudo das tensões e conflitos entre os elementos que integram o sistema, na medida em que os fenômenos sociais são dados da vida humana, que implicam ações e reações a processos de integração, mudança ou inovação (normalmente conflitos sobre os fins, a participação no poder ou tipo de ordem a realizar). c) O equilíbrio do sistema, que pode ser estático ou dinâmico e que se manifesta com sua estrutura, ao estabelecer uma relação proporcionada e estável entre os diferentes elementos e os seus processos, equilíbrio esse que implica a possibilidade de alterações e ajustes na situação dos diversos elementos.” (p. 43-44)
Como pré-requisitos funcionais de um sistema, NASCIMENTO, citando PARSONS[11], elenca-os em quatro:
“a) adaptação; b) de consecução – afirmando: “trata da definição dos objetivos do sistema, para mobilizar e gerar recursos e energias em vista da obtenção desses fins e, por fim, conseguir a gratificação procurada”; c) de integração – dizendo que “trata-se da dimensão estabilizadora do sistema, isto é, aquela em que se reúnem as ações que tendem a proteger o sistema contra mudanças bruscas e a manter o estado de coerência ou de ‘solidariedade’ necessário à sua continuidade e ao seu funcionamento”; d) de latência – concluindo: ”trata-se aqui da acumulação de um potencial de motivações de que deve dispor qualquer sistema de ação, potencial que deverá se renovar sempre, porque se esgota incessantemente.” (p. 49)
O mesmo autor ainda expressa o seguinte, no tocante à possibilidade de especificações dentro do próprio sistema:
“No sistema há um duplo processo de ação. De um lado, há o processo de diferenciação, pelo qual as partes de um sistema se distinguem, afirmando a sua singularidade[12], a sua relativa autonomia e, por outro lado, ao mesmo tempo, o processo de integração destinado a ligar uns com os outros elementos diferenciados, a estabelecer entre eles relações mútuas e trocas e a agrupá-los para formar um todo cujos elementos são suficientemente coordenados.” (p.50)
Finalizando as contribuições retiradas de NASCIMENTO, um ponto se expressa de maneira interessantíssima: a idéia atribuída[13] à finalidade do Direito, e ao mesmo tempo o que permite a sua sustentabilidade enquanto sistema, estabelecendo o seguinte:
“O
sistema jurídico é um conjunto de elementos juizes, advogados, tabeliães
despachantes com seus tribunais, cartórios, códigos, equipamentos e parca
tecnologia para, através da aplicação das normas e leis da sociedade, regular a
coexistência triádica, evitando a anomia.
Complementa essa visão sistêmica ao referir-se à justiça, leis ao processo de
estabelecê-las (legislativo) e o processo de fazê-las cumprir via forçamento e
força coercitiva (judiciário).
[...]...Cada subsistema tem autonomia para elaborar as sanções escritas
ou consuetudinárias, de acordo com as suas tradições morais e legais. As sanções[14] existem em todos os subsistemas, sendo que
do subsistema jurídico estão catalogadas no Código Penal e podem ser positivas
ou premiais, enquanto as jurídicas são sempre punitivas.” (p.84)
Com isso, passa-se agora à segunda contribuição, colhida em CAMPILONGO[15], que baseia suas análises sobre sistema principalmente em LUHMANN:
“A função infungível do sistema jurídico moderno é produzir direito por meio do direito, vale dizer, reproduzir comunicação jurídica a partir da comunicação jurídica. Por isso o sistema é autopoiético. Para tanto, o sistema jurídico, assim como os demais sistemas parciais, especifica suas operações com base num código comunicacional[16] particular e exclusivo. No caso do direito, esse código gira em torno do binário direito/não direito (lícito-ilícito).” (p. 146-147 – Teoria do direito e globalização econômica)
Continuando, reconhecendo alguns problemas que o Direito necessitava resolver, pelos anos 70, DE GIORGI[17] coloca:
“1) A unidade do direito continuava a
representar um problema sob diversos aspectos...
Ao problema da unidade do direito
estão vinculados os problemas da auto-reprodução e dos limites do direito, da
operacionalização da dogmática e da capacidade evolutiva do direito. E, além
disso, se é verdade que o caráter fundamental e problemático do direito moderno
é sua positividade, é dela que deriva, de modo central, a necessidade de focar
a unidade do direito, isto é, a especificidade das suas operações, a tipicidade
da sua estrutura, a particularidade dos processos seletivos sobre os quais o
sistema do direito é constituído...
2) O direito moderno caracteriza-se
pela sua positividade..., é posto com base em decisões e pode ser continuamente
transformado com base em decisões, cuja produção é regulada por procedimentos
de natureza jurídica, definidos, também estes, pela sua própria transformabilidade... [18]
... Os limites do direito não podem ser prescritos ou induzidos: eles são constituídos pela unidade do sistema, isto é, pelo seu potencial de auto-reprodução...teoria do direito – que, assim, assume uma função de guia das operações internas do sistema – a teoria só pode ser reflexo do sistema sobre si mesmo. Ela é teoria reflexiva do objeto, isto é, parte do próprio objeto, momento de autocontrole do sistema no interior do próprio sistema. A teoria do direito não é um instrumental externo que prepara conhecimento sobre o objeto, mas sistema parcial mediante o qual o sistema do direito observa e descreve a si mesmo. (p.183-185)[19]
[...]Quanto mais o direito se deixa influenciar pela sociedade, pelas relações sociais, tanto mais o sistema jurídico é aberto[...]
O direito é um sistema diferenciado da sociedade moderna, funcionalmente especificado, que estabiliza estruturas de expectativas e institucionaliza a possibilidade da sua própria transformação.” (p.188-189)[20]
Tomando uma perspectiva complementar e indicativa de um rumo aos problemas identificados, DE GIORGI aponta:
“O sistema na sociedade moderna é diferenciado em sistemas especificados segundo a função... Disto resulta a auto-referência e a autopoiese do sistema: o sistema produz e reproduz os elementos dos quais é constituído, mediante os elementos que o constituem. Os sistemas fechados são, porém, ao mesmo tempo sistemas abertos, na medida em que a própria reprodução se dá em um ambiente sem o qual o sistema não poderia existir, nem se auto-reproduzir. Autonomia dos sistemas sociais, então, significa que os sistemas auto-regulam as formas da própria dependência e da própria independência. Nisto os sistemas devem se autodeterminar e, portanto, auto-identificar. Devem, em outras palavras, observar a própria identidade” [21]. (p.191)
Passado isso, selecionaram-se duas dissertações de mestrado (uma de BRANCO[22], a outra de SCHWARTZ[23]), que trabalham com o pressuposto de sistema (partindo de LUHMANN), para desenvolver suas pesquisas, reconhecendo o enquadramento de seus objetos (sistema contratual do cartão de crédito; o sistema do direito da saúde) nos requisitos de um sistema, ou subsistema dentro do direito.
Nesse sentido, SCHWARTZ diz:
“Baseado na
teoria sistêmica de direito, de Niklas Luhmann, o presente trabalho pretende analisar a
problemática da efetivação do direito à saúde no Brasil...
Essa opção de matriz teórica fundante do trabalho é, em verdade, uma procura de
racionalização do problema, ao mesmo tempo em que visa a uma redução de complexidade,
partindo da idéia de que inexiste verdade absoluta[24], mas somente conhecimento aproximado, em
conformidade com as concepções sistêmicas de que o todo não pode ser analisado
separadamente das partes, assim como as partes não podem ser vistas fora do
contexto total, conforme o pensamento de Capra
(1996).
Ademais, não haveria propósito em analisar o direito à saúde a partir de uma dogmática jurídica conservadora, apegada a conceitos tradicionais que não se adaptam mais às necessidades de uma sociedade complexa como a que ora se apresenta.” (p.23-24)
Mais adiante, esse autor, buscando reconhecer a saúde como um sistema, a conceitua a partir de diversos matizes, dizendo ao fim que:
“A saúde faz parte do sistema
social sobre o qual nos encontramos, e se quisermos ir mais adiante, faz parte
do sistema vida... Ela (saúde) é um sistema dentro de um sistema maior (a
vida), e com tal interage[25]...
[...] É um sistema aberto(com limites), por ser extremamente complexo, já que ‘intercambia insumos con el medio ambiente’ (Morales, 1998, p.38), ao mesmo tempo que opera de forma fechada, conservando sua unidade interna.
[...]...‘os sistemas adquirem a sua identidade numa permanente diferenciação com o ambiente e os outros sistemas’ (Leonel Severo Rocha, 1999, p.41).” (p.37)[26]
Em sentido complementar e esclarecedor, BRANCO[27] assinala, num primeiro momento, sobre a possibilidade da existência de um sistema do cartão de crédito:
“... o
entendimento do cartão de crédito como um sistema contratual unitário, com um
conjunto de deveres gerais e específicos entre as partes, leva a conseqüências
distintas na resolução de problemas, em razão de ser um instituto unitário
economicamente, mas formado por três relações contratuais independentes.
A unidade é garantida pela conexão
dos contratos que constituem o cartão de crédito, e não pela existência de um
só contrato. Tal conexão é tão forte que autoriza a afirmação de que o
instituto não é um contrato, mas um sistema contratual,
formado pela comunidade das finalidades específicas de cada um dos contratos.[28]
[...] E, adequando-se à noção de sistema enquanto um conjunto de elementos dirigidos a um fim...” (p.11-13)
Falando sobre “requisitos” para a configuração de um sistema, o autor instrui:
“É necessária uma
visão sistemática do direito para que se possa compreendê-lo no seu sentido
mais amplo, aproximando-o da experiência jurídica, que está associada, em
geral, aos problemas atuais da coletividade.
A noção de sistema que é adotada
aqui, sem pretender um conceito exaustivo, que não é objeto
do presente trabalho, é fornecida pela orientação de Canaris,
para quem ‘é ainda determinante a definição clássica de Kant, que caracterizou
o sistema como a unidade, sob uma idéia, de conhecimentos variados ou também,
como um conjunto de conhecimentos ordenados segundo princípios.’ O mesmo autor elenca
vários conceitos de sistema, concluindo que ‘há duas características que
emergiram em todas as definições: a da ordenação e da unidade’...
[...] Mesmo a concepção mínima de sistema admite mais de um significado, como por exemplo, os de sistema interno e externo. O sistema interno é uma conexão imanente diretamente ligada ao ‘mundo dos conceitos’ ou à racionalização do conhecimento cujos elementos são ordenados e unidos com uma finalidade didático-pedagógica e metodológica. O sistema externo de um ordenamento é conhecido como a ordenação a que uma determinada ordem jurídica nacional está submetida, pela forma de criação e eficácia de suas normas, da qual depende a integridade ou a superação do próprio ordenamento. Assim, o problema das fontes e da eficácia jurídica está condicionado a um tratamento lógico, necessário para a descoberta, organização e aplicação das regras de um dado ordenamento jurídico.” (p.14-16)
Na direção ainda de expressar conceitos e noções, ou características sobre sistema, reporta-se a BOBBIO[29] [30], quando analisando a possibilidade da existência de um Ordenamento Jurídico como sistema, o mesmo registra:
“...O próximo problema que se nos
apresenta é se um ordenamento jurídico, além de uma unidade, constitui também
um sistema. Em poucas palavras, se é uma unidade sistemática. Entendemos por
‘sistema’ uma totalidade ordenada, um conjunto de entes entre os quais existe
uma certa ordem. Para que se possa falar de uma ordem, é necessário que os
entes que a constituem não estejam somente em relacionamento com o todo, mas
também num relacionamento de coerência entre si[31].
Quando nos perguntamos se um ordenamento jurídico constitui um sistema,
nos perguntamos se as normas que o compõem estão num relacionamento de
coerência entre si, e em que condições é possível essa relação.(p.71)
[...] Na linguagem jurídica corrente, o uso do termo ‘sistema’ para indicar o ordenamento jurídico é comum... Lemos no ensaio de Del Vecchio, Sobre a estatalidade do direito, este trecho: ‘Cada proposição jurídica em particular, mesmo podendo ser considerado também em si mesma, na sua abstratividade, tende naturalmente a se constituir em sistema. A necessidade da coerência lógica leva a aproximar aquelas que são compatíveis ou respectivamente complementares entre si, e a eliminar as contraditórias ou incompatíveis. A vontade, que é um lógica viva, não pode desenvolver-se também no campo do Direito, a não ser que ligue as suas afirmações, à guisa de reduzi-las a um todo harmônico’. Perassi, em sua Introdução às ciências jurídicas, menciona: ‘as normas, que entram para constituir um ordenamento, não ficam isoladas, mas tornam-se parte de um sistema, uma vez que certos princípios[32] agem como ligações pelas quais as normas são mantidas juntas de maneira a constituir um bloco sistemático’.” (p. 75)
Feito isso, no sentido de engrossar o caldo sobre sistema, cita-se RADBRUCH[33]:
“...Não a natureza, mas a
finalidade de um instituto jurídico é portanto o princípio
uniforme, ao qual a construção deve reconduzir seus preceitos individuais...
O trabalho realizado pela construção teleológica com relação a um determinado
instituto, dá então, para a ordem jurídica inteira, continuidade ao sistema
(que não deve ser confundida com a disposição didática de um manual).
(...) O ideal da sistemática jurídica é a construção sem contradições de toda a ordem jurídica a partir de um princípio finalístico uniforme.” (p.219)
Aproveitando ainda a contribuição de uma obra específica sobre um assunto jurídico (a eficácia dos Direitos Fundamentais, no caso), que aborda a questão dos elementos necessários mínimos para caracterização de um sistema (ou subsistema/micro), desenvolvida por SARLET[34], retira-se o seguinte:
“...em se reconhecendo a existência de um sistema dos direitos fundamentais, este necessariamente será, não propriamente um sistema lógico-dedutivo (autônomo e auto-suficiente), mas sim, um sistema aberto e flexível[35], receptivo a novos conteúdos e desenvolvimentos, integrado ao restante da ordem constitucional, além de sujeito aos influxos do mundo circundante.” (p.75)
Destacando a não emergência de um princípio basilar único e rígido para a configuração de um sistema, o mesmo autor consigna:
“a diversidade de conteúdo do catálogo dos direitos fundamentais..., impede, em princípio, que se estabeleçam critérios abstratos e genéricos que possam demonstrar uma identidade de conteúdos, inclusive no sentido de uma construção baseada numa relação de generalidade e especialidade. Outrossim, também os direitos fundamentais de nossa Constituição não radicam, em sua totalidade, ao menos não de forma direta, no princípio da dignidade da pessoa humana[36], havendo que reconhecer, neste sentido, no mínimo relevantes distinções quanto ao grau desta vinculação.” (p.75)
Em direção complementar, e talvez, aparentemente contraditória, ainda SARLET considera:
“Tendo em vista
que um certo grau de coerência interna é algo inerente à noção de sistema, é
possível falar de uma unidade do sistema dos direitos fundamentais, que,
todavia, como oportunamente lembra Vieira de Andrade, consiste numa unidade
apenas relativa, fruto de uma convivência marcada pela necessidade de
harmonização de posições jurídicas muitas vezes conflitantes entre si, uma vez
que correspondentes a valores fundamentais distintos, ligados a situações
historicamente localizadas, as quais, inobstante
sejam resultado de uma luta histórica pela afirmação do princípio da dignidade
da pessoa humana, que constitui o núcleo essencial de todas as reivindicações e
do qual constituem explicitações de maior ou menor grau, não podem, neste
contexto, ser deduzidas diretamente ‘de um valor único (unicitário)-
que assim se dividiria em frações de soma igual à unidade.’ (citação retirada
de J.C. Vieira de Andrade. Os direitos
fundamentais. p.108-109).
... o fato é que a coerência
interna do sistema dos direitos fundamentais encontra justificativa – para além
de sua vinculação com um ou mais valores (princípios) fundamentais – em
referenciais fornecidos pelo próprio direito constitucional positivo. (p.76)
[...] mesmo que se queira negar a existência de um autêntico sistema dos direitos fundamentais em nossa Constituição, que, no mínimo, há como sustentar – na esteira de Klauss Stern – uma convergência sistêmica (systemkonvergenz) nesta seara, com reflexos imediatos no que concerne à sua concretização, aplicação e interpretação.[37]
... além de no mínimo uma relativa unidade do conteúdo (ou se quisermos, do reconhecimento de certos elementos comuns), o princípio da aplicabilidade das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, bem como sua proteção reforçada contra a ação erosiva do legislador, podem ser considerados elementos identificadores da existência de um sistema de direitos fundamentais também no direito constitucional pátrio, caracterizado por sua abertura e autonomia relativa no âmbito do próprio sistema constitucional que integra. É justamente sua autonomia relativa que determina a maneira pela qual se inter-relaciona o sistema dos direitos fundamentais com o restante da Constituição, de modo especial com sua parte orgânica e com os dispositivos da ordem econômico e social... resolvendo-se os inevitáveis conflitos por meio dos mecanismos de ponderação e harmonização dos princípios em pauta.” (p.77-78)
Complementando finalmente esse segmento, retira-se da Teoria Geral, doutrina mais dogmática, algumas opiniões acerca de sistema e seus requisitos configurativos.
Assim que para GUSMÃO[38], um sistema deve derivar idealmente “... de uma unidade lógica de conceitos homogêneos decorrente de um princípio fundamental” (p.26).
Em sentido semelhante, mas mais preciso, POLLETI[39] propugna: “Para que uma disciplina possa existir do ponto de vista científico, é mister que preencha certos requisitos relativos ao campo onde incida, isto é, o seu objeto, o método próprio, os princípios gerais extraídos de estudo sem estarem confundidos com outras disciplinas” (p.265).
Buscando mais
clareza ainda, LATORRE[40] sintetiza:
“Dentro do Direito..., distinguem-se grupos ou conjuntos de normas que, por se referirem a sectores individualizados da vida social e por se apoiarem em princípios comuns que lhes dão coesão interna, e os diferenciam doutros grupos de normas, se consideram ramos autônomos do direito, cuja autonomia se baseia na natureza peculiar dos seus métodos ou no ângulo pelo qual contemplam o direito” (p. 207).
Reconhecendo um sistema ou ordem maior, da qual deriva ramificações e especializações, ASCENÇÃO[41] expõe: “A ordem jurídica é uma, mas o seu estudo impõe a demarcação de setores,.... os ramos do Direito. ... O conteúdo de cada ramo deve ser estruturado por intermédio de princípios gerais próprios” (p.265).
Após todas essas citações, faz-se indispensável, agora, uma síntese do que se pode perceber como mínimo necessário para a configuração e aceitação de um sistema dentro do macro-sistema Direito.
Como pôde ficar bastante claro, o primeiro requisito diz respeito à existência de principio, ou princípios gerais, aos quais competirão dar uma espécie de unidade, ou coerência interna mínima ao sistema, que inclusive pode se ramificar em sub-sistemas.
Um segundo elemento é a constante especialização dentro das áreas de conhecimento, o que repercute na necessidade de se assimilar diferenças e “novidades”, em busca de uma melhor compreensão dessas especialidades.
Um terceiro elemento, que de certa forma já está imerso nas propositivas anteriores, diz respeito à possibilidade de ramificações, não excludentes, e de complementações, bem como interligações dos diversos sistemas, ou seja, o caráter aberto dos sistemas. Se, por um lado, pensarmos, ainda que formalmente, de maneira a reduzir a análise sobre o objeto em questão, o macro-sistema Direito, como sendo fechado internamente, ou seja, excluindo as influências e trocas que poderia sofrer de outros sistemas sociais externos, e, por outro lado, considerarmos que os sistemas que compõem o Direito (internamente), analisados de maneira aberta (na dimensão interna do macro-sistema Direito), em suas constantes imbricações e interligações, de modo a não ser possível pensar que cada área específica do Direito encerra-se em si mesma (caráter fechado). Entretanto, não é pelo fato dela (determinada área específica/sistema-interno do Direito) ter caráter aberto, ou seja, sofrer influências, se relacionar e incorporar elementos de outras áreas específicas, ou influenciar outras, que redundará numa não possibilidade de que lhe seja reconhecida a capacidade de ser considerada como um campo (área/sistema) específico, ou impropriamente autônomo.
Ou seja, novamente, pergunta-se o que é fundamental, ou indispensável para que possa, ainda que formalmente, reconhecer algum área, como um sistema, ou um complexo mínimo de condicionantes gerais, formador de uma especificidade.
Essa resposta, já foi dada acima, mas não custa repetir para reforçar.
O ponto unânime das análises propostas pelos autores citados, é de que o mínimo indispensável para se pensar falar em um ramo específico é que sobre o mesmo recaia e sejam reconhecidos, princípios condicionantes mínimos. E sobre isso, se reconhece um sistema, a partir de princípios bem menos significativos que os daqueles que se apresentam ao Direito da Criança e do Adolescente.
2 Os princípios e os direitos
fundamentais informadores do direito da criança e do adolescente
Tendo-se minimamente traçado os “requisitos” mínimos para a identificação de um sistema, cabe agora reconhecê-los efetivamente, para poder-se então, pensar em se falar do Direito da Criança e do Adolescente como um ramo do Direito, dotado de particularidades que o distingue e o especifica, tendo como conseqüência a exigibilidade dessa tomada de consciência quando da sua interpretação, ou práxis[42].
Assim que, como exposto no item anterior, um dos requisitos fundamentais, para se pensar em falar de um sistema dotado de certa “autonomia” (pelo menos no campo de sua própria auto-identificação/auto-referência), está expresso pela identificação de princípios basilares, que repercutem sobre todo o sistema específico, e que, toda a decorrência desse (sistema) deva convergir e respeitar aqueles princípios.
Com isso, mister se faz no presente estudo identificá-los, o que ocorre a seguir.
É uma espécie de consenso que os seguintes princípios norteiam o novo paradigma sobre a criança e o adolescente no campo jurídico. Entretanto, disso não se conclua que as conseqüências/efeitos interpretativos desta tomada de posição, redunde em consenso. Essas diferenças serão oportunamente trabalhadas.
O novo paradigma se fundamenta prioritariamente em três princípios[43] [44], todos eles compondo aquilo que se chama, em tom maior, de Doutrina da Proteção Integral[45], compreendendo-se então como: 1º- o princípio do reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos; 2º- o princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; e 3º- o princípio da proteção integral.[46]
Cabe ressaltar que esses princípios seriam aqueles genéricos que permitiriam certa coerência e harmonizariam o sistema, e que informariam e condicionariam o próprio sistema a sempre buscar essas referências quando da sua interpretação ou efetivação na realidade e no próprio corpo de idéias sobre essa doutrina.
Com isso, se quer dizer que há divisões internas dentro do próprio Direito da Criança e do Adolescente, cada uma com suas peculiaridades[47], mas todas com liames de ligação, quais sejam, esses princípios unificadores e genéricos, que passa-se a expor mais detalhadamente.
O princípio do reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos às crianças e aos adolescentes, significa o reconhecimento (formal) de que esses indivíduos também são portadores de Direitos, quer humanos, quer fundamentais, exigíveis e oponíveis ao Estado, aos pais e à sociedade, que até então, não lhes eram estendidos pela doutrina da situação irregular, que os via como sujeitos carentes de tutela, benemerência, caridade, ou então de um outro pai , no caso, o Estado.
A partir dessa nova circunstância, o que se passa a exigir, não é favor, mas efetivação e garantia de direitos.
A qualidade desses direitos humanos e fundamentais, ganha duas perspectivas, uma de cunho genérico, outra de cunho especial.
Pela primeira, fica claro que os Direitos Humanos e Fundamentais[48], genéricos e extensíveis a todos seres humanos, pela simples condição de humano, ou de pertencente a determinado país, abarcam também crianças e adolescentes, pois estes são seres humanos[49], logo, portadores de tais direitos e, logo, sujeitos de direitos.
Quanto à segunda, agregando o princípio subseqüente da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que será analisado mais abaixo, declarou-se um segundo núcleo de Direitos Humanos e Fundamentais, só que agora de caráter especial[50], que não exclui o primeiro, ao contrário, o pressupõem e o complementa especificadamente.
E, a partir dessa nova condição, passam a ser objetos (pelo menos no campo abstrato e formal) não mais de caridade ou assistencialismo calcado no patrimonialismo Estatal, mas sim como, quando for o caso, indivíduos violados em seus direitos, quando estes não garantidos ou efetivados.
Com isso, busca-se romper diretamente com o paradigma da situação irregular, que apenas enquadrava os, grosseiramente falando, pobres, ou os menores-problema como “beneficiários” da bondade Estatal. Agora, todos os indivíduos-criança-adolescente[51] são portadores de direitos exigíveis e oponíveis, cabendo em cada circunstância específica, através de uma estratégia estabelecida, a respectiva efetivação dos direitos.
Passa-se, então, para a verificação de como se conceitua esse princípio nos autores seguintes.
Para SILVA PEREIRA[52], a qualidade de sujeitos de direitos soa como sinônimo de que eles são “titulares de Direitos Fundamentais”, deixando “de ser tratados como objetos passivos, passando a ser, como os adultos, titulares de Direitos Fundamentais”.
No entendimento de SARAIVA[53], pelo “novo ideário norteador do sistema, todos aqueles com menos de 18 anos, independentemente de sua condição social, econômica ou familiar, são crianças (até doze anos incompletos) ou adolescentes (até 18 anos incompletos), segundo o art.2º da Lei 8.069/90..., qualificando-se como sujeitos de direito e de obrigações” (p.15-16). Mais adiante (p.17-18), complementa, afirmando que o ECA “parte do pressuposto de que todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos” e de que estes direitos “se constituem em direitos especiais e específicos, pela condição que ostentam de pessoas em desenvolvimento”.
Na compreensão de AMARAL E SILVA[54], a Doutrina da Proteção Integral preconiza que :
“...crianças e jovens são sujeitos de direitos, gozam de todos os direitos fundamentais da pessoa humana relacionados na Constituição, nos tratados, convenções internacionais e leis e, além disso, desfrutam de proteção especial, um plus decorrente da ‘condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.”
Em outro texto[55], esse autor, reportando-se ao mesmo assunto, fala que “não era mais possível conviver com legislações e sistemas que não reconheciam crianças e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais (p.177)”, gozando esses indivíduos de “todos os direitos fundamentais e sociais, principalmente de proteção, decorrência de se encontrarem em fase de desenvolvimento (p.178-179)”.
Linha de pensamento semelhante segue VERONESE[56], quando buscando embasamento no Estatuto da Criança e do Adolescente, afirma que ele “contém em seu Livro I uma declaração dos direitos da criança e do adolescente (p.87)”. Em seguida, corroborando tal assertiva, fala que o “Estatuto protege todo o universo de crianças e adolescentes, que passam a ser sujeitos de direitos (p.88)”. A mesma autora, em certo ponto de seu livro, é esclarecedora sobre o assunto, quando diz:
“...a atual Carta Política tem essa nova base doutrinária, a qual implica que, fundamentalmente, as crianças e adolescentes brasileiros passam a ser sujeitos de direitos. Essa categoria encontra sua expressão mais significativa na própria concepção de Direitos Humanos de Lefort: ‘o direito a ter direitos’, ou seja, da dinâmica dos novos direitos que surge a partir do exercício dos direitos já conquistados. Desse ponto de partida, o sujeito de direitos seria o indivíduo apreendido do ordenamento jurídico com possibilidades de, efetivamente, ser sujeito-cidadão.” (p.99-100)
Complementando as informações acima e partindo da
Convenção sobre Direitos da Criança da ONU, BRUÑOL[57]
afirma que:
“Uno de
los logros del movimiento de protección de los derechos humanos en este siglo
es el reconocimento que todas las personas, incluidos los niños, gozan de los
derechos consagrados para los seres humanos, y que es deber de los Estados
promover y garantizar su efectiva protección igualitaria. Por su parte, en
virtud del citado principio de igualdad, se reconoce la existencia de protecciones
jurídicas y derechos específicos de ciertos grupos de personas, entre los que están los niños.
En consecuencia, el niño es titular de los
derechos fundamentales que las constituciones, los instrumentos internacionales
y las leyes reconocem a todas las personas, y goza además de protección
específica a sus derechos que se encuentran en instrumentos especiales y
también en diversos instrumentos generales de derechos humanos, tanto de
alcance universal como regional. (p.31)
[...]De esta forma se construye un sujeto de
derecho especialísimo, dotado de una superprotección, o protección
complementaria, pues se agregan nuevas garantías a las que corresponden a todas
las personas...
Así, la Convención es portadora e inspiración de una doctrina que considera al niño como un pleno sujeto de derecho.” (p.35)
Finalizando as citações[58], que têm o intuito de corroborar as reflexões emitidas no trabalho, aproveita-se o que GOMES DA COSTA[59] fala sobre essa condição de sujeitos de direito: “Isto significa que a criança e o adolescente já não poderão mais ser tratados como objetos passivos da intervenção da família, da sociedade e do Estado. A criança tem direito ao respeito, à dignidade e à liberdade e este é um dado novo que em nenhum momento poderá deixar de ser levado em conta.”
Quanto ao princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, representa a necessidade de se ter sempre presente que quando se tratar de questões envolvendo criança e adolescente, tem que ser levado em consideração essa qualidade “natural” (pessoa em desenvolvimento), com repercussões diretas na esfera cultural e de percepção do mundo social que permeia o processo de “crescimento” biológico, cultural e intelectual, pelo qual, estão sujeitos os seres humanos, e que têm como conseqüência a emergência de necessidades, incapacidades, limitações e restrições, que vão sendo superadas, ou pelo menos amenizadas, com o “crescimento”.
Desta forma, por esse princípio, a criança, o adolescente, não deve ser concebida analiticamente a partir de preceitos adultos, ou de necessidades que os adultos estendem à esses indivíduos, mas sim, numa espécie de hermenêutica/compreensiva[60] da(s) peculiaridade(s) que envolvem esse ser humano, o que por si só representa uma dificuldade imensa, bem como, pode sugerir um campo de discricionariedade temerário, que circundava o paradigma da situação irregular.
Ainda que não se queira reconhecer esse processo hermenêutico, em função do temor referido acima, na verdade, o que esse princípio indica é justamente a necessidade fundamental desse tipo de compreensão, embora o que o novo sistema faça, é criar uma espécie de hermenêutica condicionada aos limites e regramentos legais, que são singularmente (pelo menos no campo formal) auto-limitados/controlados, de maneira a se vedar que se enverede para o lado da discricionariedade como sinônimo de arbítrio.
Sobre esse princípio, passa-se a citar o que se pensa sobre o mesmo.
De todas as afirmações sobre esse princípio, a que mais se destaca, pela clareza e sinteticidade, é a expressa por GOMES DA COSTA[61], que se referindo à Convenção sobre Direitos da Criança[62], diz:
“A Convenção parte do
reconhecimento do valor intrínseco da criança enquanto pessoa humana em
condição peculiar de desenvolvimento, condição que faz da criança, credora de
atenção e cuidados especiais, devido ao fato de as crianças freqüentemente não
conhecerem de modo pleno seus direitos; não terem condições de fazer valer e
defender esses direitos; não deterem condições de suprir, para si mesmas, as
suas necessidades básicas; e serem seres humanos em pleno desenvolvimento
físico, mental, afetivo e espiritual.”
Além desse valor intrínseco, as
crianças têm, ainda, um valor prospectivo, ou seja, são portadoras do futuro,
isto é, da continuidade de sua família, da continuidade do seu povo e da
continuidade da espécie humana. (p.18-19)
“[...] o reconhecimento à criança e ao adolescente do direito
de expressarem-se à medida que vão crescendo em anos e em maturidade, sobre o
modo como se aplicam os seus direitos na prática.” (p.21)
Complementando essa visão, mas percebendo esse princípio na Constituição brasileira de 1988, VERONESE[63], fazendo inclusive um juízo de valor, afirma que:
“certamente ter-se-ia uma sociedade mais equilibrada, se cada fase do desenvolvimento do ser humano fosse bem vivida, no plano psíquico, biológico e cultural. E é justamente isso que fala a atual Constituição, ao proclamar que toda criança e adolescente são merecedores de direitos próprios e especiais[64], em face de sua condição específica de pessoas em desenvolvimento –art. 227,§3º, V.”
Voltando à influência da Convenção na definição desse princípio, dá-se luz à opinião de BRUÑOL[65] a esse respeito, que refere:
“Ser niño no es ser ‘menos adulto’; la niñez
no es una etapa de preparación para la vida adulta. La infancia y la
adolescencia son formas de ser persona y tienen igual valor que cualquier otra
etapa de la vida... La infancia es concebida como una época de desarrollo
efectivo y progresivo de la autonomía personal, social y jurídica.(p.35)
[...] Esta disposición relativa a la
autonomía progresiva del niño en el ejercicio de los derechos, constituye uno
de los principios que estructuran el sistema, reconocidos por la Convención,
por cual, la promoción y respeto de la autonomía del niño en ejercicio de sus
derechos, se convierte en uno de los intereses jurídicos que deben ser
protegidos.” (p.36)[66]
Fechando as contribuições através de citações, expressa-se a opinião de AMARAL E SILVA[67], pelo reconhecimento da necessidade premente, infungível, de se ter em consideração esse princípio, em qualquer tipo de intervenção ou atuação jurisdicional, que se estende a qualquer tipo de consideração sobre esse direito, bem como aos demais princípios aqui expostos. Assim, o mesmo aduz: “O Juiz, sempre que possível[68], ouvirá a criança e o adolescente, levando em consideração o grau de desenvolvimento da personalidade, o controle sobre as reações instintivas e passionais e o desenvolvimento emocional e intelectual.”.
No que diz respeito ao princípio da proteção integral, está diretamente vinculado ao princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, bem como ao princípio do reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos, e os completa pois significa que os direitos reconhecidos às crianças e aos adolescentes devem ser efetivados, garantidos, fornecidos, prestados, na amplitude e na dimensão necessária, não como favores mas como direitos. Resumidamente, significa a proteção completa a que devem ficar submetidas crianças e adolescentes diante de seus direitos, e por outro lado o dever extensível ao Estado, à família e à sociedade, na satisfação dos mesmos, não partindo das perspectivas emergidas dessas três esferas, mas sim do peculiar contexto do indivíduo criança-adolescente.
Ainda imerso nesse princípio, e informando-o, essa proteção integral corresponde à circunstância de pôr crianças e adolescentes a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Desse princípio, decorre outro, o da prioridade absoluta, que corresponde a emergência dos direitos da criança e do adolescente à condição de primazia no atendimento e efetivação[69], por parte tanto das políticas públicas, como também de circunstâncias específicas, como por exemplo, atendimento médico.
A exemplo das exposições anteriores sobre os princípios, tomar-se-á a mão de citações complementares.
Seguindo as importantes contribuições já colhidas em VERONESE[70], e esta, reconhecendo a vinculação “genética” das bases do Direito da Criança e do Adolescente com a Convenção sobre Direitos da Criança, no particular do princípio da proteção integral, demonstra:
“...a Lei n.
8.069/90, ao assegurar em seu art. 1º a proteção integral à criança e ao
adolescente, reconheceu como fundamentação doutrinária o princípio da
Convenção, que em seu art.19 determina: ‘Os Estados Partes adotarão todas as
medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para
proteger a criança contra todas as formas de violência física e mental, abuso
ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, inclusive abuso sexual,
enquanto a criança estiver sob custódia dos pais, do representante legal ou
qualquer pessoa responsável por ela’. (p.99)
[...] a Lei n. 8.069/90 significou
para o Direito infanto-juvenil uma verdadeira revolução, ao adotar a doutrina
da proteção integral.
Essa nova postura tem como alicerce a convicção de que a criança e o adolescente são merecedores de direitos próprios e especiais que, em razão de sua condição específica de pessoas em desenvolvimento, estão a necessitar de uma proteção especializada, diferenciada e integral.”[71] (p.100-101)
Voltando-se a BRUÑOL[72], sobre a proteção integral, este cita:
“La amplitud de sus disposiciones permite
señalar que la CDN[73] constituye un verdadero programa de acción para los Estados que
ratifican, destinado a proteger el desarrollo integral a través del disfrute de
los derechos que al niño se le reconocen. Estos derechos son estrictamente interdependientes,
exigiéndose la satisfacción conjunta de ellos para la consecución efectiva del
desarrollo. Esta interdependencia exige una protección integral de los derechos
del niño, debiendo evaluarse cualquier situación de vulneración, amenaza o
restricción de derechos, en la perspectiva de los efectos que producen sobre el
conjunto de derechos protegidos.
De este modo del carácter integral e
interdependiente de los derechos consagrados por la CDN, se deriva la necesidad
de una protección integral, que es la aspiración fundamental que pretenden
satisfacer los nuevos códigos de la infancia y adolescencia.”
Finalizando, AMARAL E SILVA[74] sintetiza esse princípio, examinando:
“A nova lei[75] protege crianças e adolescentes contra toda forma de violência, garantindo os direitos com medidas específicas de proteção, sanções administrativas e penais e ações civis públicas em torno dos direitos individuais, difusos e coletivos. Assim, assegura políticas sociais básicas, políticas e programas de assistência social em caráter supletivo e, entre outras, orientação e apoio sócio-familiar; proteção jurídico-social; apoio sócio-educativo; serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.”
Embora tenha-se expressado que o princípio da prioridade absoluta fosse uma decorrência do princípio da proteção integral, ou seja, que aquele pressupunha e “derivava” desse, o fato é que o primeiro é considerado por diversos autores como um dos três princípios do novo direito da criança e do adolescente, fato esse que não pode de maneira nenhuma ser ignorado, até porque o mesmo, ainda que considerado uma decorrência do segundo, não perde, de forma alguma, a sua importância.
Assim, passa-se a expressar algumas opiniões abordando tal princípio.
Para LIBERATI[76], a absoluta prioridade assim deve ser entendida:
“...a criança e o
adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupação dos
governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas todas as
necessidades das crianças e adolescentes...
Por absoluta prioridade entende-se que, na área administrativa, enquanto não existissem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças, são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder governante.”
Buscando ser mais precisa e funcional, SILVA PEREIRA[77] diz que a “Constituição determinou, como Prioridade Absoluta, a proteção das pessoas em desenvolvimento. A prioridade absoluta está presente no texto constitucional e no art. 4º do Estatuto.” Mais adiante, revelando a sua precisão, afirma que, priorizar “o recém-nascido é, antes de tudo, oferecer assistência pré-natal, saneamento básico, saúde alimentação, vacinação em massa”. Priorizar “a criança até 12 anos é dar ensino primário, cultura, lazer, entre outras medidas, além de esporte e assistência médico-odontológica”. Em se tratando de adolescente, o priorizar “abrange, além de tudo...,ensino profissionalizante, proteção ao trabalho, assistência familiar e também ao jovem em situação irregular[78]”.
Na mesma direção, sendo ainda mais restrito e preciso, sem entretanto desconhecer a extensão da prioridade além do exposto, GOMES DA COSTA[79] afirma que a prioridade absoluta à criança e ao adolescente deve ser entendida como a “primazia em receber proteção e socorro em qualquer circunstância; precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer Poder; preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas” e a “destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção da infância e a juventude”.
Sobre essas duas últimas opiniões, especialmente, deve ser esclarecido que a prioridade ali exposta, não vai na direção da exaustão, não abrangendo a sua real amplitude, que, pelo menos, é compreendida naquilo constante do art. 227, “caput”, da Constituição da República. Esses posicionamentos partem sim, de uma restrição proposital, para não dizer “necessária”, já que o escopo é a busca de uma celeridade, compreendendo um tom de certa forma emergencial (sobre as restrições conceituadas acima), onde não se é possível, sob pena de danos maiores, uma maior delonga na efetivação do direito. Dessa forma, essa enumeração (apresentada acima), tem uma função nitidamente prática, mas não encerra de maneira nenhuma a extensão e a exigibilidade da prioridade absoluta a outras circunstâncias e direitos.
Juntando todos esses princípios acima trabalhados – principalmente o do reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos, da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e o da proteção integral –, está montado o tripé basilar da Doutrina da Proteção Integral, que tem como fontes normativas principais, a Convenção sobre os Direitos da Criança[80], a Constituição da República Brasileira de 1988, principalmente no artigo 227, e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sendo mais preciso, o princípio do reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos, em termos gerais, está expresso nos princípios fundamentais da CF/88, especialmente no art. 1º, II e III[81], no art. 5º, “caput”[82], e nos Direitos Sociais (art. 6º, CF/88) genéricos da educação, saúde, trabalho, lazer segurança e previdência; em termos especiais, está presente sobretudo no art. 227[83], bem como no art. 6º, da CF/88, “in fine”[84]. Se restasse alguma dúvida ainda sobre a existência desse princípio, o ECA espanca-o de maneira claríssima, principalmente no art. 3º quando diz “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral”[85].
No que diz respeito ao princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a CF/88 é restritiva, pois diz que essa condição deverá ser observada “quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade”, contrariando dessa forma a finalidade do princípio, que é expresso na CDN[86], quando diz: “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes, quanto após o seu nascimento.”[87]. Isso é retomado, com clareza indiscutível e na dimensão desejada pelo ECA, no art. 6º: “Na interpretação dessa lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige,..., e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”[88].
Já sobre o terceiro princípio, o da proteção integral, o próprio “caput” do art. 227 da CF/88 o reconhece[89] e o ECA o destaca já no primeiro artigo, quando sinala: “Art.1º[90] - Esta lei dispõem sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.”
Com isso, passa-se à explicitação[91] dos direitos fundamentais especiais, ressaltando-se apenas que esta se dará de forma bastante sintética e não atendendo ao aprofundamento que deveria ser exigido de cada um deles, tendo por objetivo muito mais a tomada de consciência (superficial, daria para se dizer) de que os mesmos existem, do que uma análise esmiuçada e exaustiva.
A Constituição (art. 227 principalmente) é tida como, e realmente é, a grande fonte dos direitos fundamentais especiais das crianças e dos adolescentes. O ECA entra como elemento esclarecedor, ou aclarador, desses direitos, buscando potencializar a sua exigência, aplicação e efetivação, principalmente quando estabelece explicitamente o mínimo de prioridade absoluta a se exigir (constante do art.4º, parágrafo único).
Assim, o primeiro direito fundamental é o Direito à vida e à saúde, o qual preconiza a proteção no processo de geração/gestação do indivíduo até o nascimento, e posteriormente a isso, o “desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (art.7º ECA).
Seguindo, tem-se o Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (art.15 ECA), que estabelece a proteção à integridade física, psíquica e moral e as suas extensões. Cabe indicar que, o princípio da dignidade humana, segundo SARLET[92], é base fundamental de onde se originam todos os demais direitos. Seria o princípio dos princípios e o ponto elementar de entroncamento de toda a pretensão de validade de um, e principalmente do nosso Ordenamento Jurídico.
Posteriormente, visualiza-se o Direito na convivência familiar e comunitária (art.19 ECA), que estabelece como prioridade a permanência em família, só podendo desta ser retirada/o em circunstâncias extremas de violações de direitos, mas nunca podendo ser justificada pela carência de recursos financeiros. Paralelamente a isso, a convivência comunitária visa permitir a sociabilidade, indispensável para uma convivência em vida adulta minimamente harmoniosa em sociedade e para que se possa criar processos de identificação social, que redundem em tomada de consciência sobre as conseqüências de se viver em sociedade, em termos de cidadania, ou seja, na internalização de valores como direitos e deveres.
Dando seqüência, apresenta-se o Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (art.53 ECA). Embora o ECA priorize a temática do processo educacional formal, buscando estabelecer diretrizes e deveres mínimos à sociedade, ao Estado, e à família/pais, deve-se levar em consideração que o objetivo dos Direitos, expostos acima, dizem respeito à necessidade de um crescimento saudável, quer da parte física (educação física), quer da parte intelectual (cultura), em que o brincar (lazer) é um elemento fundamental, e que esses devem ser disponibilizados de alguma maneira.
No tocante ao Direito à profissionalização e à proteção no trabalho, busca-se impedir a exploração da mão-de-obra infantil, tutelando esses, de maneira complementar às normativas trabalhistas, na tentativa de instrumentalizar a profissionalização adequada à condição do adolescente (visto que a idade mínima para algum tipo de trabalho, ainda que na condição de aprendiz, é quatorze anos), como forma de não antecipar responsabilidades, que não competem ao indivíduo nessa fase de sua vida, nem sobrecarregar física e psicologicamente um indivíduo em fase de estruturação corporal e intelectual.
Cabe a referência final que, crianças e adolescentes também têm o Direito à garantia de alimentação, bem como à proteção contra qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão (que na verdade, é um dos princípios que norteiam o direito da criança e do adolescente, proteção integral) (art.227, CF).
Outro apontamento que se torna importante é o objetivo de se democratizar a construção das políticas públicas de implementação e efetivação dos direitos juvenis, a desjudicialização da atuação frente à crianças e adolescentes, restringindo-se somente a casos “particulares” e especiais, havendo intervenção restritiva mínima (sobre crianças e adolescentes) e protetiva máxima (no sentido de garantir e efetivar direitos dos mesmos), à descentralização das decisões e das atuações, além de chamar à responsabilidade, família, sociedade e Estado.
3 A hibridez deste direito e seus
fundamentos unificadores
Uma das principais razões para se refutar que o Direito da Criança e do Adolescente possa ser considerado um ramo dotado de certa autonomia dentro do estudo e da aplicação do Direito[93], diz respeito justamente à sua interferência em diversos outros ramos destacadamente reconhecidos como dotados de “autonomia”, tal como o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Administrativo, o Direito do Trabalho, entre outros. E cada um desses busca, numa espécie de re-justificação, o acoplamento desse novo ramo, castrando justamente o potencial de transformação e as diferenças substanciais do mesmo.
Uma coisa é verdade: ele foge das características normais dos demais ramos, pois tem sua origem e é dirigido para determinados indivíduos, crianças e adolescentes, e não necessariamente em relações jurídicas normatizadas. Desse modo, onde esses sujeitos estiverem presentes, no âmbito da Ordem Jurídica, lá deve estar as construções e regramentos específicos do Direito da criança e do adolescente, permanentemente informando e “constrangendo” as interpretações às suas diretrizes, princípios e dinâmicas.
Porque o que lhe estabelece unidade,não é apenas as finalidades e as estratégias próprias de efetivação do direito, mas sim os sujeitos que se enquadram nela. É um direito que parte fundamentalmente dirigido a certos sujeitos e os acompanham, quando for o caso, com seus princípios fundantes e seus direitos fundamentais especiais, onde estes sujeitos possam sofrer ou causar influência.
Com isso, pode se dizer que os efeitos do Direito da criança e do adolescente, bem como a sua composição, são híbridos, ou seja, formados por diversos ramos do direito, influenciando-os também.
Mas por serem híbridos, a exemplo da mula, que é resultado da cruza do burro/a com a égua/cavalo, e que origina uma espécie nova com especificidades próprias que as distinguem das outras duas espécies, não sendo nem um cavalo/égua, nem um burro/burra, mas sim mula/mulo. Obviamente que, guardadas as devidas diferenças, o Direito da criança e do adolescente não deixa de ser uma coisa nova, uma espécie nova, um ramo específico, não sendo nem um subsistema do Direito Civil, como alguns pensam[94], nem um subsistema do Direito penal[95]. Embora ele possa se relacionar com outros ramos – e isso acontece em grande dimensão, como se verá abaixo –, não perde as qualidades de sua especificidade, que devem ser reconhecidas e levadas em conta, principalmente quando está em questão a sua auto-referência com os seus elementos de coerência interna. Nessa última situação, o que ocorre é que, o Direito da criança e do adolescente se destaca como especificidade, e a exemplo dos demais ramos, sofre a influência do sistema (Direito), naquilo que lhe toca.
Assim, quando ele quer determinar sua influência, como no Direito do Trabalho, estabelece diretrizes e direitos que devem ser respeitados, quando estão em questão crianças e adolescentes[96] imersos naquela relação, que como o próprio ECA dispõe, não busca criar uma sistemática, mas sim influenciar e estabelecer parâmetros a serem atendidos quando esses sujeitos tiverem participação no direito do trabalho. Outra coisa, os princípios fundantes do Direito da criança e do adolescente se estendem e devem ser respeitados naquele direito especial.
No caso do Direito Administrativo, também deve-se ter presente a influência e regramentos específicos estabelecidos no Direito da criança e do adolescente, respeitando-se igualmente os princípios deste, quando estes sujeitos forem objetos de atenção daquele.
No Direito financeiro, por exemplo, quando da formulação, e posteriormente, dos dispêndios orçamentários, a influência do Direito da criança e do adolescente é fundamental, principalmente tendo-se em mente o princípio da prioridade absoluta. Agora, isso não pode levar à conclusão de que existe um direito da criança e do adolescente financeiro, pois este apenas compõe um dos elementos daquele, que contém peculiaridades próprias, bem como princípios “funcionais” próprios. Contudo, ainda assim, é necessário, sobretudo quando da composição da peça orçamentária, bem como da seqüência dos gastos públicos, ter sempre presente, e mais, ser condicionado pelas diretrizes do Direito da criança e do adolescente (seus princípios, seus direitos fundamentais, a proteção integral, etc.).
Não obstante a tudo isso, em outras circunstâncias, o Direito da criança e do adolescente buscou criar uma sistemática própria, específica, especial, e não mais ela, nesses casos, é que vai influenciar, mas sim ser influenciada pelos demais ramos quando for o caso. Isso se observa especialmente no sistema das medidas sócio-educativas e de proteção e, além da instrumentalização de uma especialização procedimental através dos Juizados da infância e juventude, com competência que, de certa forma, finaliza o sistema no aspecto formal[97].
Com isso, a hibridez do Direito da criança e do adolescente vem a ser um dos elementos de sua riqueza, bem como de sua abrangência e interferência no sistema Direito.
Passa-se agora à análise da possibilidade de, efetivamente, o Direito da criança e do adolescente ser recepcionado e entendido pelo Direito como um ramo específico ou um sistema/subsistema do macro-sistema Direito (o Ordenamento Jurídico).
4 A possibilidade do direito da
criança e do adolescente ser um sistema autônomo dentro do grande sistema
direito
Depois de ter sido destacado quais os requisitos mínimos para um sistema ou, como conseqüência, de um subsistema/micro-sistema; em seguida, de ter sido verificado se existem princípios que poderiam informar e possibilitar ao direito da criança e do adolescente ser considerado como um ramo dotado de autonomia[98], bem como, de maneira extremamente superficial, ter sido informado os direitos fundamentais desses indivíduos; logo após, também de maneira superficial, mas crê-se que de maneira conclusiva, ter-se percebido e analisado a hibridez desse ramo como um elemento enriquecedor, não só dele, mas também do próprio macro-sistema direito; e considerando que, embora por certos momentos, tenha se dado como definitivo a existência de um ramo autônomo/sistema (dentro do macro-sistema Direito), agora sim, é que passamos a concluir pela sua positividade, justamente pelo somatório desses elementos, combinados com estudos em separado[99] relativo ao “processo histórico” do mesmo, mas não sem antes fazer determinadas observações.
Neste ponto, retomam-se as conseqüências das tomadas de posição, referenciadas no início do tópico 2.2, que se pautam, no campo doutrinário, em duas grandes posições: a dos menoristas de um lado e os estatutistas do outro, que brigam, no campo das idéias entre si, com o segundo condenando o primeiro, pelo seu passado irregular e este (os menoristas) “desprezando” os avanços conquistados pelos estatutistas.
Uma coisa que causa um certo desconforto nos formuladores do novo paradigma, é de se pôr, simbolicamente, contra qualquer possibilidade de influência dos menoristas, buscando uma espécie de ruptura completa[100].
Ocorre, no entanto, que essa ruptura é paradigmática e também simbólica, e nessa direção, como anteriormente (entre os menoristas) havia uma espécie de consenso quanto à existência de um ramo específico dentro do Direito, qual seja, o Direito do Menor, os novos protagonistas da Doutrina da Proteção Integral, insistem, ainda que não tão declaradamente, em não aceitar a possibilidade do Direito da Criança e do Adolescente ser um campo especializado no Direito[101], muito porque, estariam, no campo da imaginação, aderindo minimamente a pelo menos um preceito do “antigo” Direito do Menor, que era, à sua época, consenso de que o mesmo era um ramo específico e ditava requisitos “científicos” de sua própria validade como especificidade do conhecimento jurídico, tendo como seu grande informador CAVALLIERI[102].
Os seguidores[103] das concepções menoristas buscam “enquadrar”, ou melhor, abortar o potencial, bem como a intencionalidade transformadora da doutrina da proteção integral, dentro de suas antigas concepções, entre as quais, a identificação de um ramo autônomo é peça chave. Deste modo, redefinem o ramo especial com pinceladas ou uma incorporação em nível superficial, ou lingüistico, da proteção integral (e de seus princípios decorrentes), mas mantendo latente, ou sendo mais preciso, presente, o, pelo menos incompatível no nível paradigmático abstrato, modelo da situação irregular, ao lado da proteção integral. Isso pode ser percebido claramente nas seguintes conceituações:
1) D’ANTÔNIO [104] -
“EL DERECHO DE MENORES COMO RAMA JURÍDICA
AUTÓNOMA ... Es la rama de derecho que, tomando en consideración la calidad del
sujeto en razón de su especificidad, regula las relaciones jurídicas e
institucionales referidas al menor de edad[105] (p.03).
[...] la
calidad del sujeto constituye el elemento básico y único en torno del cual gira
la disciplina, sustentada precisamente en su especificidad (p.04).
[...] EL
MENOR EN ESTADO DE ABANDONO. TIPIFICACIÓN DEL ABANDONO- El derecho de menores
no restringe su ámbito de conocimiento a las particulares situaciones por las
que atraviese su sujeto, sino que extiende los alcances de su regulación
jurídica, con la plena aplicación de los principios que los individualizan, a
todo el espectro constituido por la menoridad.
Pero es una realidad innegable
que este derecho, eminentemente protector y pedagógico, enfatiza su
vigencia y encuentra máxima expresión en relación al menor en estado de
abandono (grifo nosso).” (p.56)
“[...] Tal denominación comprende el estado
carencial tanto físico como moral y abarca una serie de situaciones que
resultan difícilmente determinables en su totalidad, pero que pueden ser
individualizadas en sus tipificaciones más advertibles.” (p.59)[106]
2) TAVARES [107]–
“Eis a
justificativa para adotar-se a locução Direito da infância e da juventude.
Substitui, sem repudiar, a conhecida
expressão DIREITO DO MENOR, com o mesmo sentido jurídico com que esta permanece
empregada em inúmeros textos. (p.21)
[...] A necessidade de estudos específicos, com autonomia acadêmica, a par da construção legislativa apropriada para reger as interações sociais que envolvem a população infanto-juvenil e a institucionalização de Justiça especializada, implicaram o surgimento de um novo ramo do Direito, inicialmente chamado Direito do Menor (p.26)
[...] A menoridade foi sempre, desde épocas mais remotas, considerada segundo o fator biológico, ou melhor dizendo, biopsicológico, já agora, mais precisamente, biopsicossocial. O estágio da vida humana abaixo de limites etários arbitrados em lei, resultou no emprego universal do vocábulo menor, e a doutrina, a legislação, os princípios e normas sobre tal destinatário, seus bens e interesses, passaram a ser sistematizados como direitos do menor. Generalizou-se a terminologia entre os estudiosos de diferentes concepções que dedicaram atenção ao incipiente ramo especializado do Direito, que alguns interpretavam grosseiramente como se fossem direitos sobre os menores[108] (p.28).
[...] A nomenclatura menor (Direito
do Menor; Código de Menores, Justiça de Menores), conhecida de todos e de uso
uniforme, foi banida, sob o pretexto de que o vocábulo detonava uma filosofia
de ação político-judiciária acanhada, agora superada pela doutrina da proteção integral que tem amplitude máxima.” (p.29)
Essa circunstância dos menoristas tentarem “acoplar” o sistema irregular ao sistema protetivo integral, de maneira a ser mantido o espírito anterior como condutor principal do novo direito da criança e do adolescente, redunda diretamente num rechaço dos adeptos da doutrina da proteção integral à possibilidade, de a exemplo dos menoristas, concordarem com a idéia desse direito ser um ramo dotado de certa autonomia.
Existe porém um outro dado que, agregado ao anterior, sentencia peremptoriamente, por parte dos seguidores da proteção integral, a impossibilidade da configuração de um ramo “autônomo”, pois, pensam, implicaria necessariamente numa aceitação dos argumentos menoristas, o que, repete-se, no campo da imaginação simbólica, é impossível. Esse dado se refere à abordagem/tratamento que recai sobre os adolescentes infratores.
Os menoristas, nesse ponto, dizem mais o seguinte: “por ser o direito da criança e do adolescente um ramo autônomo, não há como confundi-lo com o direito penal, e justamente por isso, no particular dos infratores, deve se amoldar aos objetivos, finalidades e estratégias próprias do ramo especial”[109]. Ou seja, pensa-se que em função da autonomicidade, os princípios que norteiam o direito penal, devem ser esquecidos, e por outro lado, deve-se realçar os princípios da especialidade jurídica. Não pode-se perder de vista que, para os menoristas, ocorre o “acoplamento” da nova doutrina à diretrizes, expectativas e idéias da doutrina irregular. De modo que, dentro dessa perspectiva, a leitura sobre a ato infracional, dentro do ramo autônomo, não abandona jamais às expectativas, crenças e limitações menoristas.
Com isso, se quer dizer que não é pelo fato dos menoristas tentarem subverter as modificações do novo ramo ou então adaptá-las ao paradigma irregular, que resultará na impossibilidade de, tomando-se consciência disso, reconhecer a especialidade, de acordo com o paradigma da proteção integral. Ou seja, não é por perceber a possibilidade do direito da criança e do adolescente ser um ramo dotado de certa autonomia, que implica na aceitação dos argumentos, fundamentos e crenças dos menoristas.
E no caso especial de se pensar na inexistência do chamado direito penal juvenil e na prevalência de uma sistemática própria, advinda do direito da criança e do adolescente, não há que se falar do abandono de determinados princípios penais – a exemplo do que ocorre, em sentido contrário, no direito financeiro quando ele sofre influências do direito juvenil, pois esse se agrega àquele, só que no presente caso, pensa-se no inverso, o direito penal influencia o direito juvenil, não o determina, mas “apenas” influencia –, pelo contrário, eles se fazem presentes, mas em termos de finalidades e estratégias para atingi-las, há diferenças que devem ser reconhecidas, respeitadas e sobretudo consideradas.
Dito isso, passa-se a citar posições dos menoristas, refutando a penalização das relações infracionais[110], buscando enquadrá-las naquilo que eles concebem como sendo o direito juvenil ou direito do menor.
Inicia-se com CAVALLIERI[111] dizendo:
“Outro grande
equívoco do Estatuto está em, a pretexto de proporcionar ao adolescente os
mesmos direitos e garantias do adulto, impor-lhe o sistema penal...
Ignoram que o adolescente não pode
ser tratado da mesma forma que o adulto , pois este está imerso no Direito
Penal, ao passo que aquele é uma personalidade em formação. (p.177)
[...] O sistema penal imposto pelo Estatuto é o retrocesso ao ano de 1927.
[...] O critério da
proporcionalidade, adotado pelo Estatuto, revela nítido sistema penal. Quando o
Código de Menores impõe que o Juiz examine, primeiro, a pessoa do menor e
depois o ato por ele praticado, indica, claramente, a linha divisória entre o
Direito Penal e o Direito do Menor. Enquanto o Direito Penal impõe a condenação
do bom ladrão à pena mínima, mas jamais a uma pena inferior ao mínimo, qualquer
que seja a personalidade do réu, o Código de Menores manda examinar o contexto
sócio-econômico e cultural do agente e sua família e impõe o estudo de cada
caso. Ao estabelecer seis situações irregulares, numa gradação que vai do
abandono à infração penal e ao propor seis medidas aplicáveis, não estabeleceu
correspondências. O infrator pode ser entregue aos pais; o abandonado pode
(poderia) ser internado. A pessoa, a individualidade acima de tudo. A proporcionalidade é um dos pecados mortais
do Estatuto. (p.178)
[...] O Estatuto estabelece a relação processual rígida, na sua aplicação da lei do adulto ao menor. Este fica desamparado, em sua condição de pessoa de pouca idade, em geral desvalida, minusválido sob o aspecto jurídico-social.” [112] (p.180)
Em direção complementar, visto a clareza das posições/opções paradigmáticas de CAVALLIERI, retoma-se a opinião de D’ANTONIO[113], só que agora abordando a esfera infracional de crianças e adolescentes e sua necessidade de não ser vinculada a esfera penal, mas sim, no derecho de menores, lembrando-se apenas, a adesão do citado autor à prevalência do paradigma irregular, mesmo sobre a nova construção doutrinária. Diz o mesmo:
“...en el derecho penal surgió lo que se
denominó derecho penal de menores, determinándose una abierta contradicción
entre una regulación en que campeaban las finalidades vindicativas y de
reproche punitivo y la exigencia del tratamiento de la problemática minoril
derivada del comportamienteo desviado, a la que resultó imposible aplicar
instituiciones tipicamente penales. (p.17)
Con el
estudio metódico de esta normatización y la aplicación de principios que son de
imperiosa vigencia para la solución ajustada de la problemática minoril, emerge
ya autónomamente el derecho de menores, especificidad que encuentra resistencia
en la doctrina apegada a la regulación parcial de los aspectos jurídicos
vinculados con el menor.
La oposición más intensa se registra en él
ámbito de los penalistas, aferrados a reconocer la necesidad de un tratamiento
diferenciado del menor, pero manteniéndolo en la esfera del derecho penal,
sosteniendo la existencia de un derecho penal de menores. (p.22)
[...] Esta desvinculación del derecho del derecho penal se constituye en la plataforma de sustentación de la autonomía del derecho de menores, en tanto la inaplicabilidad de los institutos tipicamente penales al menor de edad pode de manifesto la necesidad de un tratamiento jurídico específico, orientado por una finalidad tutelar, con aplicación de principios propios.” (p.23)
Como um balanço disso tudo, a pesquisa desenvolvida por PIETROCOLLA, SINHORETTO e CASTRO[114], que verifica o discurso de partícipes do processo jurisdicional afeto à infância e à adolescência, identificou uma busca da penalização, das condutas de crianças e adolescentes, mas de cunho muito diverso dos estatutistas que propugnam o direito penal juvenil, bem como a presença forte da mistura das posturas menoristas maquiadas pela proteção integral. Isso está patente na seguinte exposição:
“Constatou-se a repetição, durante as entrevistas , de determinados termos e expressões cunhadas pelo paradigma inaugurado pelo ECA pela quase totalidade dos operadores: ‘personalidade em desenvolvimento’, ‘necessidade de oferecer perspectiva de futuro aos jovens’, ‘entender o lado psicológico do jovem’, ‘importância do respaldo familiar’, ‘levar em conta o contexto social’. Por outro lado, pode-se notar a presença, entre alguns operadores, de termos próprios do antigo Código de Menores (como ‘desvio de conduta’ e até o próprio termo ‘menor’) e de uma tradição penal (revelada numa insistência em estabelecer correspondências entre a prática da Justiça da Infância e Juventude e práticas próprias do Código Penal e da Lei de Execuções Penais), revelando uma construção argumentativa fundada no paradigma retributivo[115].
Há ainda menções que denunciam uma visão de mundo que contradiz aquela implícita no ECA, como as idéias de ‘segregação’, ‘periculosidade contaminante’ e de ‘criminosos irrecuperáveis’.
A análise da linguagem[116] indica, de um lado, que a mentalidade dos operadores jurídicos é influenciada por legislações e abordagens da problemática criminal estranhas ao ECA, e de outro, a evidência de uma visão de mundo claramente incompatível com essa lei.”
Pelo lado dos estatutistas ou adeptos ao novo paradigma, as posições rejeitando a possibilidade de um ramo especial, recaem sempre na consideração da temática infracional ou da verificação e aplicação das medidas sócio-educativas, partindo do pressuposto de que os menoristas negariam certas garantias advindas do direito penal às crianças e aos adolescentes, porque reconheceriam o, para eles, direito do menor como especialidade jurídica que não poderia ser “contaminada” por outro ramo do direito, pois, pelos critérios de cientificidade, haveria a necessidade de uma autonomia da especialidade, para que pudesse ser assim considerada.
Assim, considerar o direito da criança e do adolescente um ramo específico dentro do Direito, seria aceitar a condição de negar a esses sujeitos certos princípios e garantias, conquistadas com bastante dificuldade. Isso pode ser notado nos argumentos seguintes.
Importante dizer, antes de qualquer coisa, que esta primeira colaboração (BELOFF) é a que deixa mais clara a sua posição de contrariedade à possibilidade de existência de um direito da criança e do adolescente. A segunda (AMARAL E SILVA), por sua vez, se não descarta a possibilidade – posição essa que será destacada mais abaixo – de que realmente esse direito possa se constituir num ramo específico, ao menos aceita que haja apartado dela, e vinculada à área penal, o chamado direito penal juvenil. O terceiro (SARAIVA), por sua vez, não entra na discussão objetiva sobre a existência ou não de um ramo específico, mas nem por isso deixa de aceitar a existência do direito penal juvenil.
Passa-se então às contribuições de BELOFF[117] que, sobre a permanência, no plano das idéias, do paradigma irregular, em que pese a nova doutrina, manifesta: “En qualquier área temática relacionada con los derechos del niño, la falta de claridad respecto de qué es lo que se entiende por interés superior o por sujeto de derecho – aún más, por protección integral –, plantea en muchos casos la discusión en términos del viejo paradigma de la situación irregular.” (p.49)
Logo a seguir, reconhecendo onde o novo paradigma encontra dificuldades de assimilação, diz que:
“Existen tres áreas en las que en el marco de
la llamada doctrina de la protección integral de los derechos de los niños, las
aguas continúan divididas: el trabajo infantil, la adopción internacional y lo
relacionado con las personas que tienen menos de dieciocho años que llevan a
cabo una conducta descripta como antecedente de una sanción en el Código Penal.
(p.49)
Donde con mayor claridad se plantea lo que podría considerarse como ‘cierta’ continuidad entre el antiguo modelo de la situación irregular y el de la protección integral, es en el área que se relaciona con las personas menores de dieciocho años que cometen delitos. En realidad, la ruptura es precisa en relación con el reconocimiento de las garantías sustantivas y formales de que deben gozar los niños y jóvenes frente ao aparato coactivo del Estado.” (p.50)
Dando seguimento ao seu pensamento, expressa de maneira muito clara o grande foco de confusão que povoa a lógica de parte dos defensores da doutrina da proteção integral:
“También en este
tema la auto-proclamada ‘autonomía científica’ del ‘derecho de menores’ se
revela como una falacia. En ese sentido, la tesis que se defiende aquí es
aquella según la cual, en el marco de la doctrina de la protección integral , las cuestiones relativas a la responsabilidad del
niño o joven infractor de la ley penal y a la reacción coactiva estatal frente
a sus conductas delictivas pueden -y- deben- ser comprendidas dentro de la
discución actual acerca del sentido y de los limites de la pena estatal.” (p.50)
Com isso, o citado autor
reconhece a existência de um “sistema de responsabilidad penal juvenil (p.50)”,
como forma de refutar o modelo anterior, quando afirma que “de esto modo
desaparecen las categorías de abandono, riesgo o peligro moral o material,
situación irregular o las más modernas de vulnerabilidad, o disfunción familiar
y los remedios restablecen derechos, en lugar de vulnerarlos, como en el
antíguo sistema (p.52)”[118].
Passa-se à verificação das opiniões de AMARAL E SILVA. Este, reconhece a possibilidade do direito da criança e do adolescente ser um sistema dentro do Direito[119], bem como, a existência do direito penal juvenil. Isto pode ser identificado nas suas palavras a seguir:
“Não se
impressione o leitor com as referências ao Direito Penal Juvenil encontradas no
texto.
[...] Não defendo a carcerização do sistema sócio-educativo. Muito
menos medidas meramente retributivas. Ao
contrário, ao invocar o Direito Penal, preconizo a humanização das respostas,
as alternativas à privação de liberdade, a descriminalização e a despenalização: o Direito Penal Mínimo.
O que procuro desmascarar, são as
posições ‘paternalistas’ do sistema de penas disfarçadas, impostas com
severidade e sem os limites do Direito Penal, em muitos casos, mais rigorosas
do que, em iguais circunstâncias, seriam fixadas pela Justiça Criminal.
Sem embargo do aspecto
predominantemente pedagógico das medidas sócio-educativas, insisto na
necessidade de tornar efetivos os limites e as garantias do Direito Penal. (p.175)
O fenômeno,... deve-se à interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com base nos princípios da chamada ‘Doutrina da Situação Irregular’.
A Lei nº 8.069/90, que teve como
fontes formais os Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas, introduziu
no país os princípios garantistas do chamado Direito
Penal Juvenil.
[...] Esta postura, além de ser
útil aos jovens e à sociedade, translada para o âmbito da Justiça da Juventude
as garantias do Direito Penal, aceitando como resposta à delinqüência juvenil,
ao invés de severidade das penas criminais, medidas predominantemente
pedagógicas, afastando o estigma e os males do sistema carcerário dos adultos. (p.176)
[...] Como no Direito Penal Comum, no Estatuto (Direito Penal Juvenil) predominam os princípios de despenalização, da descriminalização do Direito Penal Mínimo, optando a lei juvenil pelas penas restritivas de direitos, como importantes alternativas à privação de liberdade.(p.182)
[...] O que não se admite no Direito Penal Juvenil, são respostas mais severas e duradouras do que em idênticas situações seriam impostas aos adultos. (p.183)
[...]...Os princípios garantistas do Direito Penal Comum e do Direito Penal Juvenil (Especial) devem ser invocados, comparando o intérprete as respectivas categorias jurídicas, para que, por idêntico fato, não seja o jovem punido com maior rigor do que seria o adulto.” (p.184)
Em segmento, dá-se voz à posição de SARAIVA[120], que reconhece a existência do direito penal juvenil, dentro do ECA. No entanto, não problematiza a possibilidade de existência do direito da criança e do adolescente. Sustenta o autor:
“...O Estatuto da Criança e do Adolescente
instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um
sistema de sancionamento, de caráter pedagógico em
sua concepção, mas evidentemente retributivo
em sua forma, articulando sob o fundamento do organismo penal e de todos os
princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania,
fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo.
Quando se afirma tal questão, não
se está a inventar um Direito Penal Juvenil. Assim como o Brasil não foi
descoberto pelos portugueses, mas sempre houve. Estava aqui. Na realidade, foi
desvelado. O Direito Penal Juvenil está
ínsito ao sistema[121] do ECA.”
Feitas essas
citações, o que novamente se percebe é que há uma recorrente tentativa dos
defensores da doutrina da proteção
integral de se oporem ao paradigma irregular¸
que como já foi afirmado antes, busca de maneira “subliminar”
reduzir o potencial e as diferenças do paradigma integral, numa interpretação “conservadora” do novo paradigma. Como resultado disso, há constante negação,
ainda que não declaradamente aberta, da possibilidade de se aceitar o direito da criança e do adolescente como
uma especificidade, ou então, de se aceitar que essa especificidade possa, no
campo do ato infracional e das medidas
sócio-educativas, não ser tida como direito
penal juvenil. Reafirma-se o que já foi dito anteriormente. Não é o
reconhecimento do Direito da Criança e do
Adolescente como um ramo dotado
de certa autonomia, que fará com que se aceite e concorde coma as idéias da Doutrina da Situação Irregular, pelo
contrário, ele emerge e se destaca como uma afirmação da Doutrina da Proteção Integral. Para espancar qualquer dúvida
pode-se dizer o que segue: Direito do
Menor = Doutrina da Situação Irregular ¹
Direito da Criança e do adolescente = Doutrina da Proteção Integral.
Mas o que há de fundamental nisso tudo é que, ao se deslocar o foco de interpretação para uma influência predominante do direito penal¸ se restringem, mesmo que imperceptivelmente e não intencionadamente, as possibilidades inovadoras que emergiriam duma reflexão partindo do novo paradigma, e no caminhar, nesse particular, agregaria, sem sombra de dúvida, influências e certos princípios/garantias advindas do ramo penal.
Frisa-se que, ao se pensar deste modo, não se está de maneira nenhuma requentando o menorismo. Pelo contrário, está se buscando fortalecer as intencionalidades/finalidades do novo paradigma, que se por um lado, repete-se, nesse particular, não busca ser um direito penal com todas as suas debilidades, tampouco busca reavivar o paradigma irregular. O que deve se buscar é tentar fortalecer a própria doutrina da proteção integral que, como já identificado acima, compõem um ramo específico, que sofre influências internas e causa influências externas.
Dito isso, passa-se à exposição de posicionamentos de partidários da proteção integral, que sinalizam o aceite do direito da criança e do adolescente como uma especialidade no campo jurídico.
Para começo, nada melhor que colher a opinião de AMARAL E SILVA[122], que como já foi dito acima, tem uma posição ambígua, pois de um lado reconhece a especialidade e por outro, não dá à especialidade a dimensão necessária, reconhecendo também o direito penal juvenil. Diz ele:
“O Direito das Crianças e dos
Adolescentes, como os demais, está preso aos princípios, às normas, às regras
da ciência jurídica.” (p.259)
“[...] 2.2 Direito da criança e do adolescente: Um
novo Direito
Muito mais adequado falar-se em
Direito da Criança e do Adolescente, um novo ramo mais científico, mais
jurídico, dirigido à todas as crianças e adolescentes,
com denominação correspondente ao conteúdo da matéria tratada.
O novo Direito traz normas e
institutos exclusivos, não de alguns, mas de todas as crianças e adolescentes.
Consagra na ordem jurídica a doutrina da proteção integral; reúne, sistematiza
e normatiza a proteção preconizada pelas Nações
Unidas.”
“[...] O novo
Direito assegura às crianças e adolescentes medidas de proteção e ações de
responsabilidade por ofensa aos seus direitos.
Há no Direito-norma e no Direito-ciência, institutos próprios, princípios e métodos inconfundíveis capazes, agora sim, de elevar o Direito da Criança e do Adolescente à categoria de Direito autônomo. Aí estão a autonomia científica baseada na doutrina da proteção integral...” (p.260-261)
Na visão de SILVA PEREIRA[123], que parte do princípio de que a especialização normativa, uma lei, um código, um estatuto, produz uma especialização jurídica, desde que esteja, além disso, imersa em princípios, reconhecendo então esta condição ao direito da criança e do adolescente. Sobre isso, assevera:
“...ao se criarem
novas áreas de especialização em nosso sistema jurídico, fundadas em leis
especiais, a exemplo das locações, da defesa do consumidor, da proteção ao meio
ambiente, e mesmo da Criança e do Adolescente, não podemos nos abstrair dos
princípios básicos constitucionais que orientam todas estas novas
peculiaridades.
[...] É nesta nova dimensão que
colocamos o Direito da Criança e do Adolescente, hodierna área de
especialização dentro do nosso sistema jurídico, orientado
por princípios constitucionais e entremeado de regras públicas e privadas.
(p.13-14)
[...] Novos paradigmas passaram a orientar o Direito da Criança e do Adolescente, esboçando a partir daí uma nova especialidade dentre as Ciências Jurídicas. A Constituição de 88 e o Estatuto revelam três elementos fundamentais que dão novo direcionamento à proteção da infância-adolescência.
Como ‘sujeitos de direitos’, ou
seja, titulares de Direitos Fundamentais...
Como ‘pessoas em condição peculiar
de desenvolvimento’ ...
A ‘prioridade absoluta’ [124].” (p.28-29)
Finalizando as contribuições de SILVA PEREIRA, buscando o distinguir do direito do menor (do paradigma irregular), paralelamente à interligação necessária deste novo ramo com outros ramos e também com outros saberes, colhe-se o seguinte:
“Alírio Cavalieri, defendendo com fortes argumentos a
autonomia do Direito do Menor, esclareceu que se tratava de uma nova
especialidade, com normas e institutos próprios.
[...] Totalmente distinto, o
Direito da Criança e do Adolescente se apresenta com suas características próprias, diverso do Direito do Menor, mesmo tendo, em
comum, como destinatários, os menores de 18 anos (grifo nosso). (p.36)
[...] tratando-se do Direito da Criança e do Adolescente, fundado em Direitos Fundamentais Constitucionais, tais como Educação, Saúde, Liberdade, Dignidade, Cultura, Lazer, Esporte etc., não se pode prescindir de recorrer à outras ciências para prevenir violações e proteger direitos. É prioritária a integração entre as disciplinas, sobretudo entre aquelas que diretamente irão contribuir para a proposta de maior proteção dos novos ‘sujeitos de direitos’. (p.38)
[...] Ao buscar a integração deste novo ramo do Direito às outras áreas das Ciências Humanas, caberá ao Direito da Criança e do Adolescente incorporar os resultados de várias disciplinas, assumindo seus esquemas conceituais para integrá-los, após destacado trabalho de comparação e avaliação.” (p.39)
Dando continuidade a posições favoráveis à existência de um ramo específico, cita-se TAVARES[125]:
“Os estudos especializados vêm
desdobrados em vários ramos da ciência jurídica[126], sem que se perca a unidade do Direito.
De há muito se distinguem os campos do Direito Civil, Comercial, Direito Penal, Direito Processual, Civil e Processual Penal, Direito Constitucional, Administrativo, Direito Internacional Público,...Privado. E já há algum tempo, o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário. Mais recentemente, o Direito Financeiro, o Tributário, o Autoral, o Industrial. E já agora, o Agrário, o Urbanístico, o Ambiental, o Bancário, o Direito do Consumidor, o Educacional, esboçando-se já o Biodireito, o Direito Cibernético ou Informático, dentre outros, além das subdivisões mais particularizadas, a critério dos estudiosos de cada matéria enfocada, com a correspondente sistematização.” (p.25)
“[...] A árvore do Direito cresce
em ramos com feições peculiares em decorrência da evolução doutrinária, da
sistematização legislativa e da aplicação concreta na vida social, formando
novas correntes de pensamento e ação. Para fins didáticos, a
nucleação de energia dos estudiosos e operadores exige a delimitação do
seu campo de inferências, a identificação dos princípios, objetos, métodos,
requisitos e preceitos que particularizem a matéria tratada na sua área de
especialidade, conferindo-lhe autonomia jurídica, ou seja, autonomia
doutrinária, acadêmica, legislativa e judiciária.” (p.26)
“O advento do
Estatuto da Criança e do Adolescente sistematizou a doutrina constitucional (e
internacional) da proteção integral e radicalizou na terminologia jurídica. (p.29)
[...] Direito da Infância e da Juventude é, em sentido genérico, o sistema de métodos de estudo, doutrina, princípios e normas jurídicas aplicáveis às relações ocorrentes na interação social, concernentes às pessoas, aos bens e aos interesses dos que se acham em fase de desenvolvimento biopsicossocial.” (p.31)
Por tudo isto[127], identificação de princípios gerais, que os diferem de qualquer outro no campo do direito, desses princípios derivarem todo um complexo normativo/sistemático, que chama a si a tarefa de dar coerência ao próprio ramo e suas implicações, pela existência de finalidades especiais, pelo reconhecimento de um paradigma doutrinário como elemento fundante de novas concepções e normas jurídicas especiais, pelo reconhecimento da doutrina de que trata-se de uma especialidade jurídica, de outra parte, pela falta de posições realmente fundamentadas contrária a essa possibilidade, pode se dizer[128] que o direito da criança e do adolescente pode ser concebido e analisado como uma especialidade dentro do sistema Direito.
Disso deriva a necessidade, premente e indispensável, de se respeitar essa condição quando de sua aplicação ou interpretação, cabendo então perceber onde essa especialidade dá as diretrizes, e propõe o novo, onde ela inova, se agregando simplesmente ao já existente (ao ramo já existente, como por exemplo, o direito financeiro).
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b)Documentos jurídicos
BRASIL. Decreto n.º 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Consolida as leis de Assistência e Proteção aos menores.
NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de dezembro de1948).
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NACÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 1966.
NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude: Regras de Beijing/Pequim. 1985.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre Direitos da Criança. 1989.
NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados da Liberdade. 1990.
NAÇÕES UNIDAS. Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil: Diretrizes de Riad. 1990.
BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
* O presente artigo é parte integrante e destacada da
monografia “A POSSIBILIDADE DAS MEDIDAS
SÓCIO-EDUCATIVAS SEREM COMPREENDIDAS A APARTIR DO NOVO DIREITO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE” de nossa autoria, apresentada como um dos requisitos para a
conclusão do curso de Ciências Jurídicas e Sociais junto à faculdade de Direito
da UPF em novembro de 2002. A respeito do presente, alerta-se que, sobretudo no
item 1, utilizou-se as citações diretas quase monopolizando o texto, tal expediente foi
necessário, em vista da não premência, para a pesquisa, do aprofundamento em
questões de cunho filosófico, bem como da necessidade de, através dos autores
citados, acumular posicionamentos das mais diversas matizes em seus pontos de
semelhança, que talvez diante de uma análise mais profunda fosse reconhecida a
incompatibilidade e o antagonismo entre os mesmos.
1. Eduardo Silveira Netto Nunes é bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo.
2. Embora um não seja sinônimo do outro, aqui utiliza-se como tal.
Quando se for trabalhar com a identificação precisa de cada um,
alertar-se-á para esse fato.
3. Ver: a) NUNES,
Eduardo Silveira Netto. A criança e o
adolescente vistos pela lei: uma perspectiva do infrator à lei no Brasil,
do Império ao Século XXI; b) NUNES, Eduardo Silveira Netto. Apontamentos legais a respeito dos direitos
da criança e do adolescente no Brasil.
4. A utilização destes termos poderá por vezes parecer
confusa. Esclarece-se o seguinte: trabalhar-se-á com a idéia de que o Direito da Criança e do Adolescente pode
ser considerado como um sistema ou
subsistema. Quando se falar de um ou de outro, deve-se ter a noção de
que o que o diferenciará é o Objeto com
o qual ele esta sendo comparado. Sendo mais claro:
a) se o objeto de comparação for o Direito (o ordenamento jurídico) considerado como um sistema, o Direito da Criança e do Adolescente, como o Direito Penal, o Direito Tributário, será considerado um subsistema (ou micro-sistema) do grande sistema Direito. b) se o objeto
de comparação for uma ramificação do Direito,
a exemplo do Direito Penal, e esse
for considerado como um sistema, o Direito da Criança e do Adolescente será
considerado um sistema.
5. DE GIORGI, Raffaele. Luhmann e a teoria jurídica dos anos 70. In:
CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na
sociedade complexa – apêndice – p.192 e 194.
6. As aspas “” são propositais, a respeito de uma discussão
que não cabe aqui, sobre o estatuto de Ciência atribuído à “Ciência Jurídica”.
7. Reconhece-se que a palavra corte, no presente caso, é um mero eufemismo. Talvez fosse mais adequado utilizar-se a
expressão decapitação epistemológica.
8. Ou então micro-sistema;
ou ainda, sub-subsistema.
9. NASCIMENTO, José do. Ciências
sociais e sistema jurídico.
10. BUCKLEY apud NASCIMENTO, op. cit. , p.42.
11. PARSONS apud NASCIMENTO, op. cit., p. 49.
12. Entendido como um micro-sistema, ou então como um
subsistema.
13. Coloca como situação intelectiva a
perspectiva iluminista da exclusão, se bom, não mal, se lícito, não ilícito, se
permitido, não sancionado, baseando a idéia de direito em coação, coerção e
força regular de um ente superior, o Estado.
Então, esse seria o fundamento básico do Direito: a coerção, a
punição. Isso não deve ser perdido de
vista, pois o raciocínio moderno está fundado na exclusão, numa espécie de ética da incompatibilidade de pontos
extremados conceitualmente e abstratamente.
Se vida, não morte, se morte, não vida; se ordem, não desordem, se
desordem, fim da possibilidade moderna (e essa ordem deve ser
garantida pela imposição de padrão, excludente, a submissão à força, o subjugamento à ordem formal, ao Direito. Isso impossibilita, no campo do pensar sobre
o Direito, de tentar buscar um outro paradigma, não excludente no campo
intelectivo e contemporizador no plano da efetividade do Direito: a dicotomia.
14. Trabalha com a lógica da exclusão binária.
15. CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa.
16. A título de comentário, ALEXY(Teoría del discurso y derechos humanos) trabalha com a questão do discurso e
formas teorizadas do discurso jurídico.
17. DE GIORGI. op.cit. p. 183.
18. A possibilidade, o diferente, também pode ser
confrontado com o sistema binário.
19. É bom salientar que as posições críticas buscam outras dimensões do Direito, sobretudo os elementos
que o influenciam, que interferem na sua produção, principalmente da função
política, que a teoria “conservadora” busca negar através de um critério pseudo-científico, que a praxis
jurídica ocasiona e reproduz majoritariamente.
20. Esse autor faz uma pequena crítica à “teoria” crítica,
dizendo: “...A obsolescência da teoria crítica é substituída pela revitalização
transcendental da moral, por meio da teoria do agir comunicativo.” (p.190)
21. Isso serve também para os subsistemas/micro-sistemas. E
no caso específico, essa “identidade” é que está sendo buscada.
22. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do
cartão de crédito.
23. SCHWARTZ, Germano André Doederlein.
O direito à saúde: efetivação de uma
perspectiva sistêmica.
24. Nesse particular, ou seja, no tocante às considerações sobre a verdade, faz-se também, a idéia
constante neste trabalho.
25. É bom ressaltar que o autor considera saúde como um grande sistema social, a
exemplo do direito, e com este, ela também interage, tendo-se então o direito
da saúde (p.37). De outro lado, a
possibilidade de coexistência de sistemas, ou então de um sistema “maior” ou de
maior dimensão, com outros de menor dimensão, ou “micro-sistemas” ou ainda
“subsistemas”, compondo o maior, mas se diferenciando dos demais subsistemas
que também se somam na formação do sistema maior.
26. Ou seja, se busca permanentemente
elementos de auto-identificação e de diferenciação através da
identificação que se um sistema é A e o outro é B, A não é B, e B
não é A.
27. Op. cit.
28. No campo contratual, esse autor identifica a
possibilidade de um sistema contratual, devendo assim ser interpretado e
analisado, a partir de suas especificidades, tendo como uma das justificativas
a razão da sua finalidade específica. O
que se dirá, então, de um direito com regras/princípios (informa-se que se
reconhece a diferença conceitual entre ambas) destacadamente reconhecidas como
é o Direito da Criança e do Adolescente.
29. BOBBIO, Norberto. Teoria
do ordenamento jurídico. É bom ressaltar que em diversos outros momentos o
autor toca no assunto, privilegiando sobremaneira a possibilidade do
Ordenamento Jurídico ser um sistema.
30. Ainda que reconhecidamente contrário à “lógica” que se
pretende desenvolver nessa fase do trabalho, recebe-se
as críticas e os argumentos de ARAÚJO
(ARAÚJO, Vandyck Nóbrega de. Idéia de sistema e de ordenamento no Direito) contrários à
necessidade ou à insistência de se buscar a idéia de sistema ou ordenamento no
Direito. Nesse sentido, ARAÚJO “detona”
o livro de BOBBIO, Teoria do Ordenamento Jurídico e arremata dizendo que o
Direito não é uma ciência (p.59), coisa que confesso, também tenho certas
dúvidas, que não cabem serem trabalhadas aqui. Deve ser informado, contudo, que
ARAÚJO parte de premissas de cunho método intuitivo/iluminado, a partir de
revelações mentais (eu proponho máximas, verdades intelectivas e as reconheço
como verdade.)
31. Ou seja, requisito é a coerência interna mínima.
32. Princípios mínimos como requisito de sistema.
33. RADBRUCH, Gustav. Introdução à ciência do direito.
34. SARLET, Ingo Woflgang. A eficácia
dos direitos fundamentais. Uma coisa
importante, e recorrente, nos trabalhos que abordam de passagem a questão do sistema, diz respeito à constante
chamada de atenção para a não profundidade da análise do assunto, utilizando-se
dele apenas como um pressuposto positivo à existência de um sistema no objeto a
ser, ou então, que está sendo estudado.
Ao lado disso, se chama a atenção também, para a importância e as
conseqüências da adoção desse pressuposto. SARLET, falando acerca do seu objeto
de estudo, sobre isso diz: “A problemática não é destituída de relevância
prática, visto que do seu enfrentamento decorrem conseqüências diretas , com reflexo na seara hermenêutica, bem como no que diz com a
compreensão da concepção dos direitos fundamentais consagrada pelo Constituinte
de 1988.”
35. Sobre a dependência e inter-relação de um sistema,
remete-se às colaborações extraídas de SCHWARTZ, anteriormente citadas.
36. Convém alertar que SARLET entende que o princípio da dignidade humana é a
base de um sistema de direitos fundamentais, e que nem todo os direitos
fundamentais, positivados, se enquadrariam dentro desse maior, ou então, não se
limitariam às possibilidades desse, já que ele é entendido como sem lacunas. (op. cit. p.
74).
37. Esse fragmento pode ser analogamente utilizado para o
Direito da Criança e do Adolescente.
38. GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à ciência do direito. Utilizando GUSMÃO como fonte, CHRISTOFARI (CHRISTOFARI, Victor
Emanuel. Introdução ao estudo do direito.p.75-76),
ao sabor da tradicional dogmática, ainda se prende à divisão do direito entre duas grande áreas, a Pública e a Privada, reconhecendo,
porém, a possibilidade de um ramo misto,
a exemplo do Direito do Trabalho. Em sentido diverso, NADER (NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p.120)
falando sobre a diferença entre o direito
comum e o direito especial, diz que este “não atinge a todos
indiscriminadamente”, acrescentando: “Via de regra o Direito especial nasce e
se destaca do Direito comum... pela necessidade de se submeterem a princípios
próprios e possuírem índole mais dinâmica”.
39. POLETTI, Ronaldo. Introdução
ao direito.
40. LATORRE, Angel. Introdução ao direito.
41. ASCENÇÃO, José de Oliveira. O direito– introdução e teoria geral: uma perspectiva
luso-brasileira.
42. A movimentação para se tornar práticas reais e
existentes materialmente.
43. Visto que existem outros princípios que aparecem de
maneira esparsa e não consensual, como por exemplo, o Princípio do Interesse Superior , que não é posto por todos os
autores como um princípio elementar, mas específico dentro do sistema, o que
pressupõem a existência de outros princípios que dão vida ao próprio sistema.
Na direção de colocá-lo como princípio fundante,
aparece SILVA PEREIRA(SILVA PEREIRA, Tânia da. A convenção sobre direitos da criança (ONU)
e a proteção da infância e da adolescência no Brasil. p. 297.). Em sentido
de enquadrá-lo como um princípio específico AMARAL E SILVA(AMARAL
E SILVA, Antônio Fernando do. O Estatuto, o novo direito da criança e do
adolescente e a justiça da infância e da juventude. p. 272)
44. Paralelo a esses princípios existe um referencial, no campo simbólico, que também deve servir de elemento imerso nesse
paradigma. Fala-se do caráter
“renovador”, “revolucionário”, “transformador” e superador
do sistema anterior, ou seja, se pensa que a Doutrina da Proteção Integral veio
a modificar profundamente as bases normativas, mas não só essa, também as
práticas sobre Criança e Adolescente, e também sobre o próprio Direito. Nesse
sentido, apenas a título ilustrativo, não buscando exaurir as referências sobre
essa perspectiva, recorremos a GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. A mutação
social. p. 38; MENDEZ, Emilio García.
Cidadania da criança: a Revolução Francesa com 200 anos de atraso. p.195-202;
RIVERA, Deodato. A mutação civilizatória. p.37.
45. Esse termo (Proteção
Integral) por vezes é usado como referencial de um dos princípios,
especificadamente. Em outras
circunstâncias, como a síntese paradigmática
das novas concepções e regramentos sobre criança e adolescente.
46. Como dito acima, poderiam ser listados alguns outros
princípios que decorrem deste, quais sejam: a
prioridade absoluta, a da busca da
mantença da estrutura familiar, etc...
47. Com princípios internos próprios, etc.
48. Explica-se que a diferença entre um e outro é
reconhecida, em termos simplificados, da seguinte maneira: 1-Os Direitos
Humanos são aqueles explicitados em documentos internacionais, tais como: Declaração Universal dos Direitos do Homem e
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais. 2- Os Direitos Fundamentais são aqueles
Direitos Humanos reconhecidos e positivados por certa ordem jurídica nacional
(interna), como por exemplo os Direitos Fundamentais constantes na Constituição
Brasileira de 1988.
49. Pode parecer meio tola essa afirmação, mas ela até certo
tempo atrás era, senão negada, ao menos não reconhecida na sua amplitude. Ver:
NUNES. A criança e o adolescente vistos
pela lei... ; NUNES. Apontamentos
legais a respeito dos direitos... .
50. Nesse caso, em Direitos Humanos especiais, tem-se como exemplo a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção sobre Direitos da Criança(1989).
Tratando-se de Direitos Fundamentais especiais,
tem-se como exemplo o “caput” do art. 227 da Const.
Federal de 1988.
51. Não deve se perder nunca da mente que esta análise se
fundamente sobretudo nos preceitos de ordem formal, pois caso se vá, ainda que
empiricamente, olhar para a realidade, ainda estarão
presentes recalques ou crenças baseadas no paradigma irregular.
52. SILVA PEREIRA, Tânia da. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar.
p.30.
53. SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e ato infracional: garantias
processuais e medidas sócio-educativas. p.15-18.
54. AMARAL E SILVA, Antônio Fernando. O Estatuto, o novo
direito da criança e do adolescente e a justiça da infância e da juventude.
p.269
55. AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. O mito da
inimputabilidade penal e o estatuto da criança e do adolescente.177-179.
56. VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da
criança e do adolescente. p.87-88.
57. BRUÑOL,
Miguel Cillero. Infancia, autonomia y derechos: una cuestion de principios.
p.31 e 35.
58. Haveria uma infinidade de outras fontes que poderiam ser
agregadas nessas citações, mas tendo em vista o caráter redundante das mesmas,
opta-se pela citação de apenas algumas fontes.
59. GOMES DA COSTA, Antônio Carlos . É possível mudar: a criança, o adolescente e a família na política
social do município.p.27.
60. Talvez soe como uma tautologia essa repetição (e talvez
realmente o seja), mas de qualquer forma serve para realçar essa circunstância.
61. GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. A convenção
internacional dos direitos da criança. p.18-19 e 21.
62. É necessário deixar claro que GOMES DA COSTA estabelece
os fundamentos do princípio da condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento nessa Convenção e que tal princípio é assimilado pela ordem jurídica
brasileira na sua completude, até porque a citada Convenção faz parte do Direito brasileiro, pois foi aprovada pelo
Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo n.º 28, de 1990 e promulgada pelo
Decreto 99.710 de 21 de novembro de 1990.
Se não bastasse, esse autor diz, praticamente repetindo, o seguinte, em
uma análise sobre o novo Direito da
Criança e do Adolescente no livro É
possível mudar ( a
criança, o adolescente e a família na política social do município. p. 27):
“Serem consideradas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, foi uma
das principais conquistas. Isto
significa que, além de todos os direitos de que desfrutam os adultos e que
sejam aplicáveis à sua idade, a criança e o adolescente têm ainda os direitos
especiais decorrentes do fato de que: ainda não têm acesso ao conhecimento
pleno de seus direitos; ainda não atingiram condições de defender seus direitos
frente às omissões e transgressões capazes de violá-los; não contam com meios
próprios para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas; por se
tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e
sócio-cultural, a criança e o adolescente não podem responder pelo cumprimento
das leis e demais deveres e obrigações inerentes à cidadania, da mesma forma
que os adultos.”
63. VERONESE. op.
cit. p.105.
64. Chama-se a atenção para a interligação dos princípios fundantes desse direito,
ficando por vezes difícil de segregá-los, como é o caso.
65. BRUÑOL. op. cit. p.35-36.
66. Sob pena de
“fraude” intelectual, reproduz-se aqui a continuação do pensamento de BRUÑOL:
“Recapitulando, de la necesidade de proteger el desarrollo de la autonomía
progresiva del ejercicio de los derechos de la infancia, se derivan las
funciones parentales de orientación y dirección los subsidiarios poderes del
Estado. Igualmente, de la consideración del niño como sujeto de derechos y del
principio de la autonomía progressiva se desprende que el niño es también
portador de una creciente responsabilid por sus actos, que permitirá no sólo
afirmar que la infancia y la adolescencia son destinatarias de las normas
prescriptivas y prohibitivas del ordenamiento jurídico, sino también que
pueden, segun su edad y la evolución de sus facultades, constituirse en
responsbles de sus actos ilícitos.” (p.37)
67. AMARAL E SILVA. O estatuto, o novo direito da criança e
do adolescente e a justiça da infância e da juventude. p. 279.
68. Por que, por exemplo, um neném não tem como emitir
opinião.
69. Nesse sentido, BRONZEADO (BRONZEADO, Valério. Notas para
a efetivação do estatuto da criança e do adolescente.) e MARCHESAN (MARCHESAN,
Ana Maria Moreira. O princípio da prioridade absoluta aos direitos da criança e
do adolescente e a discricionariedade administrativa.) discorrem sobre como viabilizar
juridicamente os direitos da criança e do adolescente.
70. VERONESE. op.
cit.
71. Aqui, chama-se a atenção para uma observação
anteriormente feita, qual seja, a da inter-relação e dificuldade de separar um
princípio do outro.
72. BRUÑOL. op.
cit. p.34
73. Convención
sobre los Derechos del Niño.
74. AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. A mutação judicial.
p.49.
75. No caso, o ECA.
76. LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. p.16-18
77. SILVA PEREIRA, Tânia da. A convenção sobre os direitos
da criança (ONU) e a proteção da infância no Brasil. p. 281. Em outro trabalho,
SILVA PEREIRA, diz o seguinte: “A meu ver a prioridade
absoluta determinada pela Constituição e pelo Estatuto deve compreender
iniciativas imediatas vinculadas a alguns aspectos básicos. a)Aprimoramento,
seleção e capacitação dos recursos humanos que atendam à criança e ao
adolescente. b)Num trabalho entrosado com a comunidade, promoção de
programas de assistência e atendimento integrais à família e à população
infanto-juvenil na satisfação de suas necessidades básicas (alimentação, saúde,
educação e lazer). c)Humanização do tratamento dispensado à criança no âmbito
doméstico, na escola, como na sociedade, eliminando práticas institucionais vexatórias
e humilhantes, proibição absoluta de agressões e maus tratos, tanto físicos
como verbais. d)Assistência psicológica, psiquiátrica
e mesmo psicopedagógica às famílias, exercidas na
comunidade por entidades municipais e principalmente, pelos Conselhos Tutelares
criados pelo Estatuto, auxiliando sempre os pais no desenvolvimento de seus
filhos. e)Criação de programas que levem crianças órfãs e abandonadas a terem
convivência familiar, estimulando a guarda, a adoção ou integrando-as a
programas como lares-escolas. f)Reformulando o
processo educacional, integrando o ensino profissionalizante ao currículo
elementar, de forma a transferir para a escola uma básica formação
profissionalizante. g)Mobilização da opinião pública para definir a área de
atuação e as responsabilidades do poder constituído, da sociedade e da família,
neste processo. (SILVA PEREIRA, Tânia da. Infância e
adolescência: uma visão histórica de sua proteção social e jurídica no Brasil.
p. 316-317.
78. Percebem-se aqui as influências passadas sobre a autora,
da Doutrina da Situação Irregular,
posições como essa que a mesma iria frontalmente refutar, em suas reflexões
posteriores, como pode ser percebido
claramente em seu livro O direito da
criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar
79. GOMES DA COSTA. op. cit. p.27.
80. Da Convenção emergem principalmente os seguintes
princípios: Reconhecimento como sujeitos de direitos humanos gerais e
especiais, Proteção integral, Prioridade
absoluta, Interesse superior da criança e Família como grupo social
primário. Não podendo, por óbvio, ser
esquecido que, juntamente com a Convenção, em âmbito internacional, outros
instrumentos servem de fonte para a nominada doutrina. São eles: Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça Juvenil (regras de Beijing);
Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade;
Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil
(Diretrizes de Riad). Ver: MÉNDEZ, Emilio García.
Legislações infanto-juvenis na América Latina: modelos e tendências. p.34. Ainda do mesmo autor: MENDEZ. Legislação de
“menores” na América Latina: uma doutrina em situação irregular.p.97-98.
81. O artigo diz: “A República Federativa do Brasil,...,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...II- a
cidadania; III- a dignidade da pessoa humana.”
82. Quando declara: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”
83. O art. dispõe: “É dever da família, da sociedade e do
Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária”
84. Art. 6º- São direitos sociais ... a proteção à
maternidade e à infância...
85. A continuação do artigo é extremamente pedagógica:
“...sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-lhes,
por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de
lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.”
86. Convenção sobre Direitos da Criança.
87. Preâmbulo.
88. O art. 6º assim instrui: “Na interpretação desta lei,
levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.”
89. Como tal artigo já foi citado anteriormente, não se irá
repeti-lo. De qualquer forma, em uma
leitura excluindo o termo prioridade
absoluta, a proteção integral
está patente. Cabe apenas a observação
de que a prioridade absoluta, como
dito anteriormente, pressupõe a proteção
integral como antecedente.
90. Se não bastasse, o art. 3º e o 5º, especialmente, o
expressam.
91. Optar-se-á em não fazer citações. Apenas se vai
apresentar referências onde pode ser encontrado o assunto, dividindo-se esse de
duas maneiras: a primeira, são aquelas referências em que o assunto é
facilmente encontrado, recorrendo-se ao índice; a segunda, são aquelas que
abordam a questão em fragmentos pequenos dentro do trabalho referido.
Assim, se optará por fazer citações genéricas sem constar nº
das páginas em que contém o assunto, no primeiro caso, e por outro lado, no
caso da segunda, indicar precisamente as páginas onde o assunto é encontrado.
Ver: VERONESE, Josiane Rose Petry. op. cit.;
TAVARES, José de Farias. Direito da
infância e da juventude.; AGLIARDI, Décio Antônio; CIRNE, Ana Cristina Ferrareze. Direitos
humanos: infância e juventude.; QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito da criança e do adolescente.;
SILVA PEREIRA, Tânia da. Direito da
criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar.; BRONZEADO,
Valério. Notas para efetivação do estatuto da criança e do adolescente.; SÊDA,
Edson. Construir o passado ou como mudar
hábitos, usos e costumes, tendo como instrumento o estatuto da criança e do
adolescente.; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais.
p.73, 99, 122-124.; SILVA PEREIRA. A convenção sobre os direitos da criança
(ONU) e a proteção da infância e adolescência no Brasil. p.283.; AFONSO DA
SILVA, José. Curso de direito
constitucional positivo. p.317-318, 820.; GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. A convenção internacional dos Direitos da
Criança. p.20-21.; AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do. Mutação judicial.
p.52.; entre outros.
92. Ver: SARLET. op. cit. p.95-116.
93. Ou se preferir, “Ciência” Jurídica, ainda que, em nosso
ponto de vista, tal qualidade do conhecimento é perfeitamente discutível. Essa discussão, porém, não cabe ser abordada
neste trabalho.
94. Como no caso de: MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil. p.77-89.
95. Nesse caso, qualificam-no como Direito penal juvenil.
96. Embora apenas adolescentes possam, ainda que sob a
condição de aprendizes, participar de relação semelhante a
de emprego.
97. Não nos aprofundaremos nesse particular. Apenas se faz referência do assunto nos seguinte autores: SILVA PEREIRA. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar.
GOMES DA COSTA. É possível mudar: a
criança, o adolescente e a família na política social do município. SÊDA. Construir o passado ou como mudar hábitos,
usos e costumes, tendo como instrumento o estatuto da criança e do adolescente.
AMARAL E SILVA. O Estatuto, o novo
direito da criança e do adolescente e a justiça da infância e da juventude.
98. Relembra-se que a “autonomia” é expressa aqui não no
sentido de um sistema fechado. Pelo
contrário, ela é entendida como um elemento caracterizador de uma dinâmica
mínima de coerência, tendo como ponto basilar princípios que a diferenciam de
outros ramos e compõem o sustentáculo unificador desse mesmo ramo.
99. Confira os trabalhos citados de NUNES.
100. Frisa-se que ao menos simbolicamente.
101. Faz-se indispensável referir que AMARAL E SILVA, num
primeiro momento (op. cit. p. 60-61),
se posiciona claramente favorável à existência de um ramo autônomo Mas, em um
texto mais recente (O mito da inimputabilidade penal e o estatuto da criança e
do adolescente), se não abre mão dessa posição, ao menos permite que um
segmento dele (ramo) se destaque e se incorpore em um outro ramo: tratar-se-ia
do direito penal juvenil.
102. CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1978. Especialmente na p. 09, ele estabelece um conceito dessa
disciplina, afirmando que ela é “o conjunto de normas jurídicas relativas à
definição da situação irregular do menor, seu tratamento e prevenção”.
103. Ou pelo menos simpatizantes de CAVALLIERI, no campo
profissional ou pessoal, visto que em regra recebe destes uma espécie de
solidariedade corporativa, frente ao grande desgaste que o rechaço a suas
posições, pelos estatutistas,
embora esses em regra não façam uma referência pessoal, mas percebe-se uma
espécie de rancor quase que pessoal entre uns e outros, até porque os estatutistas
defendem a superação da doutrina da situação irregular, base do direito menorista,
e estes se vêem “agredidos” em suas crenças, e que frente a isso simplesmente
respondem ou com omissões à literatura produzida pelos estatutistas,
ou diretamente através da linguagem (CAVALLIERI, Alyrio.
Da apuração do ato infracional– Nesse artigo, o
ressentimento do autor com os estatutistas é notório, bem como a sua não perfeita
assimilação da pretensão dos mesmos.
Aparte disso, se percebe o confronto de representações e formas de ver o
mundo, e essas, nesse particular, são insanáveis). Mas, o que se sobreleva é a latente, perceptível
através de leituras mais atentas, birra,
e conflito entre essas duas posições. E provavelmente isso também ocorre, pois
os estatuistas batalham no campo político engajadamente a suas posições, e o fato que é real, é que
as influências da situação irregular
são ainda bastante presentes e limitadoras, inclusive da assimilação do novo
paradigma. Não obstante tudo isso, uma análise mais desapaixonada permite se
identificar, a exemplo do instituto da liberdade assistida, presente já no
código de Menores de 1927 (e ainda antes dele), a permanência de influências
nas próprias estratégias de ação institucional, ou de intervenção, ou garantia
de direitos, das doutrinas anteriores
que legitimavam a intervenção à infância.
104. D’ANTÔNIO, Daniel Hugo. Derecho de menores.
105. Chama-se a atenção que, um elemento tido como
importante para os protagonistas do novo
paradigma diz respeito à forma de como se tratar os indivíduos imersos
nessa concepção, ou seja, a substituição do termo menor (que servia como estigmatizante e
uma espécie de adjetivo desabonador do sujeito, onde ser criança, representava estar em um outro status) para criança e adolescente. Refere-se que, no espanhol, o termo utilizado
pelos adeptos da doutrina da proteção
integral corrente é o genérico niño, sendo excepcionalmente também utilizado adolescente, e que o termo menor é derivado das concepções irregulares. Cabe frisar que o citado autor, na nota de rodapé nº 10 (p.06), explicita
claramente a sua adesão ao paradigma irregular,
com a incorporação relativizada de preceitos da proteção integral, inclusive com a referência, em termos de
concordância conceitual, às proposições de CAVALLIERI.
106. Justamente nessas duas últimas referências se apresenta
todo norte da visão do citado autor.
107. TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Quanto a esse autor e a citada
obra, faz-se indispensável uma certa observação mais crítica, muito em razão do
mesmo assumir posições semelhantes em alguns pontos à nossa, como por exemplo,
da possibilidade da configuração e aceitação do Direito da Criança e do Adolescente em um sistema,
bem como uma posição contrária à tentativa de se criar uma espécie de Direito Penal Juvenil. A crítica vai mais na direção de uma tomada
de postura do referido autor, frente às fortes influências de doutrinadores
da situação
irregular e à incorporação dessas influências em certos momentos. Seguindo isso, há uma espécie de omissão,
senão deliberada, indicativa da não aceitação aberta, aos principais protagonistas,
ou escritores, do novo paradigma da proteção
integral, o que pode ser percebido com uma simples olhada na bibliografia
indicada por ele. O que por si só não desqualifica o livro, que têm sim seus
méritos, embora peque pela extensiva generalidade, ainda que procure ser uma
espécie de manual/didático sobre o assunto. Em tempo, informa-se que o prefácio
do citado livro foi entregue às mãos de Alyrio Cavallieri, o que sem
dúvida deve ter algum significado sobre as influências do mesmo. Ver também de
TAVARES, o seu livro de comentários ao ECA, em que se
percebe substancial, para não dizer total, assimilação do paradigma integral (TAVARES, José de Farias. Comentários ao estatuto da criança e do
adolescente. Rio de Janeiro:Forense, 1992.).
108. Nesse ponto, parece haver uma não leitura do passado,
de modo crítico, uma vez que como procurou-se mostrar
em trabalhos anteriores a respeito dos aspectos históricos (ver os trabalhos
anteriormente citados de NUNES), o que balizou a intervenção estatal foi a arbitrariedade-legal, o “des-direito”.
109. Frase nossa, buscando sintetizar as idéias menoristas.
110. Repete-se que esse é um dos principais fundamentos para
se refutar tanto a especialidade do direito
da criança e do adolescente quanto a diferença que
existiria entre esse e o Direito Penal.
Mas não se deve fazer confusão: os menoristas partem
do paradigma irregular para as
justificações.
111. CAVALLIERI, Alyrio. Da
apuração do ato infracional atribuído a adolescente.
p.177.
112. Cabe uma observação. CAVALLIERI
não busca eufemismos para suas posições.
Assume-as conscientemente, ao contrário de boa parte dos menoristas
camuflados que, sob o temor de receber a pecha
de retrógrados, assumem a capa de moderninhos
/progressistas, não passando porém de eloqüentes pseudo-sábios (como é
típico na atividade dos partícipes da prática jurídica) preconceituosos e
intelectualmente confusos. No sentido da crítica aos eufemismos, SÊDA (SÊDA,
Edson. Os eufemistas
e as crianças no Brasil. Obs.: Esse
material é uma espécie de desabafo de SÊDA) é uma voz altissonante, em favor do
Direito da criança e, acima de tudo,
da realidade. Mas, como não poderia deixar de ser, a sua própria posição,
simbólica e representativa dos seguidores mais coesos do novo paradigma (proteção integral), tem como resultado
mental uma espécie de atemorização a qualquer possibilidade de crítica
dissonante, mesmo que mínima, das posições predominantes entre os protagonistas
(em nível doutrinário) do novo paradigma, sob o risco de, assim procedendo,
cair na vala comum dos menoristas,
aplicando de certa forma uma “pena moral” a quem se arriscar a refletir também
o novo paradigma. Isso de certa forma inibe, pois ninguém quer receber a
alcunha de anacrônico, atrasado, ou qualquer coisa que o valha. Nessa direção,
não é a crítica a “A” que faz com que o crítico adira a ”B”. E essa impossibilidade ou restrição à crítica
é expressa também em: FAJARDO, Sinara Porto. Natureza do trabalho sócio educativo à luz
de uma análise sócio-jurídica do estatuto da criança e do adolescente. '“Cada artigo e a totalidade do ECA têm sido sistematicamente
questionados por juristas, técnicos e políticos, com o intuito de retroceder à
antiga doutrina da situação irregular*. Por outro lado, há uma espécie de pacto
implícito entre profissionais, técnicos, políticos, ONGs,
militantes de defesa dos direitos humanos, etc., de não enfrentar as
debilidades, ambigüidades ou lacunas do ECA, com o objetivo de não vulnerar a
própria existência da lei e de não apresentar entraves a sua implementação.
(citação da autora)* - Ver, por exemplo, Cavallieri
(1997), uma coleção de 395 falhas do ECA, reunidas e coordenadas por um dos
principais menoristas
brasileiros. A obra enumera objeções à lei em sua totalidade e a cada artigo,
colhidas e apresentadas sem o menor rigor científico que dê crédito à sua
fiabilidade, posto que descontextualiza cada afirmativa e mescla críticas com
sugestões, análises jurídicas com opiniões políticas, etc. – Firma-se posição, neste trabalho, de
acolhimento dessa opinião-crítica na sua totalidade. Lembrando-se que a citada
autora é, no nosso modo de ver, uma das figuras que contribui decisivamente no
processo de abertura à critica criteriosa, prudente e
responsável à temática da criança e do adolescente.
113. D’ANTONIO. op. cit.
114. PIETROCOLLA, Luci Gati; SINHORETTO, Jacqueline; CASTRO, Rosa. O judiciário e a comunidade: prós e
contras das medidas sócio-educativas em meio aberto. p. 31
115. Essa citação expressa muito claramente, os pontos de
divergência e de convergência tanto dos menoristas como
dos estatutistas.
Os primeiros lutam contra a penalização de crianças e adolescentes, para eles menores, mas radicalizam nessa
contrariedade, se remetendo aos velhos parâmetros do arbítrio da situação irregular. Assim, partem da
parte final da citação para fundamentar suas posições, dizendo mais ou menos o
seguinte: se os “menores” têm toda uma
legislação especial para a sua condição, não há por que aplicar o direito penal
a eles, pois os mesmos necessitam de regras mais flexíveis (leia-se
discricionárias como sinônimo de arbitrárias),
coisa que os defensores do direito penal juvenil se negam a reconhecer. Os estatutistas, por outro lado, mas convergindo na confusão,
reconhecem que o direito penal juvenil não é o direito
penal adulto, e que se for considerado o direito da criança e do adolescente como um ramo específico, ele perderia elementos e princípios que nada mais
seriam que garantias e reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos à crianças e aos adolescentes. Ou seja, não considerar que exista um direito penal juvenil é voltar ao
arbítrio da situação irregular, ao
velho direito do menor. Tentando
traduzir a opinião dos estatuistas,
seria mais ou menos assim: Os avanços
conquistados a partir do paradigma da proteção integral, redundam no
reconhecimento da qualidade de sujeitos de direitos e de todas as garantias que
venham a emergir dessa circunstância.
Considerar que as (algumas) garantias/princípios advindas do direito penal não possam ser
estendidas a esses indivíduos, em nome da existência de um ramo específico,
qual seja, o direito da criança e do adolescente (fundado no direito do menor e
no paradigma irregular), é negar o próprio novo paradigma. Assim, existe sem
sombra de dúvidas o
direito penal juvenil, que estende a esses uma série de elementos do
direito penal.
A conseqüência dessa discussão é que possibilita aos
operadores judiciais medianos munição para atirar para qualquer lado, pois
ambas convergem nos pontos fundantes de suas
análises: a briga paradigmática, que perde em objetividade,
deixando notória a birra de ânimos, bem como qualquer possibilidade de
se fazer algo que se pareça concessão ao “rival”. Isso se traduz no seguinte: a
refutação peremptória de tudo que possa se aproximar do velho paradigma, por um
lado, e a crítica ao novo, incorporando-o ao “velho”, em nome da necessidade de
não se perder a batalha paradigmática, ou então, de se reconhecer equívocos
advindos de posturas do passado.
O que se quer dizer com isso é que a possibilidade do direito da criança e do adolescente ser
considerado um ramo dotado de certa
“autonomia” advém de seu próprio novo paradigma e não de recauchutagens
passadas. Além disso, essa aceitação não tem como conseqüência o abortamento do
diálogo, bem como as influências que esse ramo
sofre dos demais ramos do
Direito. Tampouco limita a
interferência daquele em outros ramos,
como brevemente tentou-se demonstrar no item que trata da hibridez desse ramo/direito.
Com isso, aceitar que o direito
da criança e do adolescente é um ramo
não implica, no caso do ato infracional, ou da
aplicação das medidas sócio-educativas, a negação absurda a certos princípios
do direito penal, que se destacam e
informam aquelas duas situações
específicas. Por isso, é importante tentar se reconhecer onde um se difere do
outro, onde um informa o outro e por que um não é o outro.
116. Essa linguagem
pode ser identificada, a título de exemplo, nas duas obras seguintes: MOUSNIER,
Conceição A. O ato infracional
à luz da Constituição federal, do estatuto da criança e do adolescente (lei nº
8.069, de 13/07/90) e das regras mínimas de Beijing;
MILANO FILHO, Nazir David; MILANO, Rodolfo Cesar. Da apuração do
ato infracional e a responsabilidade civil da criança
e do adolescente.
117. BELOFF,
Mary. Los sistemas de responsabilidad penal juvenil en América Latina.
118. Com essas citações, percebe-se claramente que a
contrariedade é dirigida a qualquer possibilidade de influência, advinda do
paradigma irregular. Não se quer dizer
com isso que, no caso da verificação da possibilidade da constituição de uma ramo
específico, partindo do novo paradigma, se aceite essa influência. O que se
quer dizer apenas é o seguinte: pela tentativa de se diferenciar/romper com
todo o sistema anterior, pode-se estar
limitando as possibilidades que o novo paradigma tem a oferecer, ou seja, não é
pelo fato do sistema anterior, partindo de suas bases (discricionárias, etc.),
ser identificado como um ramo “autônomo”, que impossibilita o novo direito de ser considerado como um ramo dotado de certa ”autonomia”,
partindo de seus preceitos e imbricações com os demais ramos do Direito, enfim, de suas peculiaridades e “avanços”.
119. No trabalho intitulado O estatuto, o novo direito da criança e do adolescente e a justiça da
infância e da juventude, ele reconhece essa possibilidade, especialmente na
p. 260-261. Essa posição será retomada
em breve.
120. SARAIVA, João Batista Costa. Direito penal juvenil.
Esse mesmo autor, em uma outra obra, não dá ênfase, sequer aborda diretamente,
à existência do direito penal juvenil, ainda que estivesse discutindo a questão
do ato infracional e das medidas sócio-educativas ( Ver: SARAIVA, João Batista Costa. O estatuto da criança e
do adolescente In: VOLPI, Mário; SARAIVA, João Batista Costa. Os adolescentes e a lei: o direito dos
adolescentes, a prática de atos infracionais e sua
responsabilização). Outra observação, de caráter genérico, é que, muitas vezes,
a frase direito da criança e do
adolescente é empregada não no sentido do reconhecimento de um ramo especial, mas sim da
existência de direitos subjetivos .
121. Essa identificação do ECA como
um sistema é importante, entretanto dela não decorre as conseqüências que se
esperariam por parte do autor.
122. AMARAL E SILVA. O Estatuto, o novo direito da criança e
do adolescente e a justiça da infância e da juventude. p.259-261.
123. SILVA PEREIRA. Direito
da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar.
124. Nesse particular, já foi manifestada nossa posição.
Entende-se que esse princípio decorre do princípio
da proteção integral.
125. TAVARES. Direito
da infância e da juventude. Chama-se a atenção para que as críticas
anteriormente feitas a esse autor não sejam de maneira alguma abandonadas,
principalmente a respeito de possíveis, mas limitadas influências do direito do menor sobre as posições do
citado autor.
126. Renova-se a observação de que o mais correto para nós
seria a utilização de “ciência” entre aspas.
127. Refere-se a título de complementação a seguinte obra,
ainda que considerando a sua superficialidade (fato que o próprio autor
reconhece): QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito
da criança e do adolescente. p.21-22.
128. Ainda que limitadamente, pois, como foi referido anteriormente, o estudo sobre essa particularidade não se buscou exaustivo, nem final, apenas viável das conclusões retiradas.
Eduardo Silveira Netto Nunes[1]
edunettonunes@yahoo.com.br