Universidade Estadual de Campinas. Unicamp.
Faculdade de Educação.
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade.
O impacto do uso de novas tecnologias de comunicação e de informação potencializado pelos desafios da inclusão escolar provoca mudanças verdadeiramente revolucionárias no contexto educacional e precipita o rompimento com modelos tradicionais de ensinar e aprender.
Consoante
novas tendências educacionais, em que a multi/interdisciplinaridade,
a interatividade, a acessibilidade são motores desses avanços, este texto foi
organizado de modo a apresentar ao leitor contribuições das tecnologias
educacionais ao processo de inclusão escolar de pessoas com e sem deficiências
temporárias ou permanentes de adaptação, nessa nova perspectiva.
A tarefa é
desafiante, pois os conceitos e práticas envolvidos e a extensão do significado
dessa inovação educacional necessitam de diferentes sistemas interpretativos e
de novas explicações e artefatos que dêem conta da sua complexidade.
Por tudo isto é que nos aventuramos a explorar
o ciberespaço, nas trilhas da inclusão!
Muitas
indagações estão surgindo a respeito das formas de comunicação e de ensino e
dos estilos de aprendizagem decorrentes do uso de novas mídias eletrônicas na
escola, especialmente no ensino infantil e fundamental. O problema se amplia e
se complica ainda mais, quando é proposta a utilização de ferramentas de
comunicação a distância em ambientes educacionais
inclusivos.
A
multiplicação infinita das informações e a quebra das fronteiras geográficas da
comunicação tornam impossível o domínio do conhecimento. O homem moderno
precisa aprender a buscar, selecionar, tratar e construir conhecimentos
autônoma e cooperativamente, no coletivo das representações, das idéias e
sentimentos que se complementam e se interpenetram, abalando com tudo isso o
ensino disciplinar, tradicionalmente praticado nas escolas.
Todas as
mudanças próprias do nosso tempo inserem novos fatos no universo educacional,
tais como o diálogo entre as diferenças, as redes de conhecimento resultantes
dessas interações, a complexidade do pensamento.
Sabemos que
a existência de computadores na escola não é suficiente para se desencadear
toda a gama de possibilidades que esse equipamento pode trazer à educação,
especialmente, nos seus níveis básicos.
Dificilmente
se associa a existência dos computadores na escola à idéia de co-criação do
conhecimento, interdisciplinaridade, aprendizagem colaborativa, ampliação de
experiências de comunicação e expressão entre aprendizes e professores,
vivências intra e interescolares, que implicam na
multiplicidade de pontos de vista, intercâmbio de idéias, diante de um mesmo
tema ou resolução de problemas pela troca de soluções possíveis, escolhas
compartilhadas.
O uso de
computadores na escola tem sido reduzido a atividades que o sub-utilizam,
realizadas em laboratórios, recheados de programas que reproduzem técnicas de
ensino mecanicistas. Não são exploradas e valorizadas as atividades interativas
que empregam ferramentas de telecomunicação, como o correio eletrônico, as
listas de discussão, os fóruns, as teleconferências e outras.
O design de ambientes de aprendizagem que
utilizam a Internet como mídia é um tópico de pesquisa que começa a surgir em
função do desenvolvimento tecnológico e das expectativas em torno da educação a distância. Por outro lado, pouco temos
feito para torná-los acessíveis a todos os aprendizes, indiscriminadamente.
Explorar o
ciberespaço na escola é ainda uma promessa, mas não podemos deixar de
cumpri-la, mesmo com um bom atraso...
Por outro
lado, é imprescindível que se integre a esses ambientes a idéia de que os
conhecimentos se constroem a partir de conexões, de idéias enredadas, de uma
trama imprevisível de relações, próprias de uma concepção indissociável das
áreas disciplinares, como as que naturalmente tecemos, nos hipertextos, no
ciberespaço.
Essas novas
tendências de ensino escolar, que implicam o uso de ferramentas computacionais
de comunicação a distância e envolvem uma atuação do
professor, que não está habituado e/ou preparado a fazer uso delas é um
barreira que temos de transpor.
A
transposição, no nosso ponto de vista, não ocorrerá enquanto se pretender
ensinar o professor a usar essas ferramentas, fora de suas salas de aulas, em
cursos específicos, isolados do contexto escolar em que atuam. Acreditamos que
se aprende a ensinar o novo, conhecendo e praticando a novidade, em toda a sua
extensão, no cotidiano de suas salas de aulas. Ele precisa viver o desafio de
aprender pela descoberta, pela experimentação, com seus alunos, diante de
situações que problematizam a sua atuação, pois, do contrário, continuarão
reproduzindo em suas turmas, o que queremos que seja abolido – conhecer antes
para aplicar, depois!
Precisamos,
pois, desconfiar de toda formação que pretende fazer com que os professores
progridam, evoluam nas suas práticas (mesmo as que são intermediadas pela mais
poderosa tecnologia), mas que continuam fundamentadas nos velhos princípios
educacionais que sustentam a escola tradicional.
A emergência de novas competências
de comunicação, que surgem da passagem de uma lógica
distributiva, unidirecional e hierárquica da escola tradicional para a lógica
interacional da escola da contemporaneidade,
desconsidera a passividade do educando e propõe a criação coletiva, como sua
fonte revitalizadora.
Tecnologias que provocam
interatividade entre os usuários permitem confrontação coletiva e construção de
conhecimentos em teias interdisciplinares e baseados na liberdade de expressão,
pluralidade de idéias e cooperação. Essas tecnologias liberam o autoritarismo
do professor, como fonte do conhecimento e propiciam a materialização de outra
ética escolar, tendo como eixos o convívio com as diferenças, a aprendizagem
relacional, participativa, que faz emergir a subjetividade dos alunos e novos
sentidos do saber.
O poder revolucionário de certas
ferramentas que envolvem experiências de comunicação e de construção do
conhecimento, via Internet, não se resume em dotar o professor e o aluno de
novos recursos didático-metodológicos para o desenvolvimento do processo formal
de educação a distância. Essa já seria uma importante
contribuição, não fora a possibilidade que elas têm de
condicionar novas maneiras de pensar o outro e de viver em grupo,
democraticamente.
É certo que a nossa maneira de
engendrar e de administrar o conhecimento é uma das geradoras da nossa (in)capacidade de ver e/ou de entender o outro.
A inclusão propicia experiências
pessoais e interpessoais que afetam objetiva e subjetivamente as relações entre
os educandos e entre professor e sua turma, exigindo avanços nas práticas
pedagógicas e na estruturação dos sistemas de ensino.
Eis aí a condição ideal para que se
enfrentem os desafios de se ensinar a turma toda, sem
discriminações, currículos adaptados e ensino à parte, em classes e escolas
especiais.
Ambientes computacionais inclusivos
Visando
a esta condição, estamos realizando um estudo de natureza interdisciplinar, que
reúne alunos e professores da Faculdade de Educação/Unicamp
e do Instituto de Computação/Unicamp, focando o
processo de aprendizagem de alunos com e sem deficiências, incluídos no ensino
fundamental, no ensino fundamental.
Vale
reafirmar que, afinados com os princípios da educação inclusiva, buscamos um design de ambientes computacionais que
não seja exclusivo para usuários com necessidades específicas, mas que possa
ser usado por todos os aprendizes, sem discriminar as possibilidades de cada
um, no processo educativo.
O estudo iniciou-se em 1999, quando reunimos um grupo de alunos com síndrome de Down, em processo de alfabetização, e solicitamos a participação ativa desses alunos como usuários finais do primeiro software educativo que estávamos produzindo. A participação se deu ao longo de todo o ciclo de design do Papo-Mania. e do Desenho-Mania (Barcellos e Higachi, 1999). Estes dois softwares e o Teatro no Computador (Oliveira, 2000), são produtos de dissertações de Mestrado e de tese de Doutorado do Instituto de Computação/ Unicamp.
Cada um desses ambientes tem a sua especificidade e a sua proposta educacional. Todos eles foram desenvolvidos a partir de uma abordagem participativa e mudanças foram gradualmente introduzidas nas interfaces, visando uma melhor adaptação ao usuário: alunos do ensino fundamental, com e sem deficiência.
O Papo-Mania é um ambiente de chat, em que o acesso ao conhecimento é entendido como a possibilidade de o software mediar a comunicação, propiciando aos alunos com e sem deficiências situações em que ampliam os recursos necessários ao uso da linguagem escrita.
O Desenho-Mania é software proposto para possibilitar o desenvolvimento de trabalhos cooperativos a distância, estimulando o compartilhamento de metas, a interação em grupo, a colaboração e a capacidade de decisão entre as crianças em geral, com e sem deficiências. Esta ferramenta destaca que outras linguagens e não apenas o código escrito podem ser utilizadas para expressão do pensamento, além de desenvolver a memória visual, a seqüência lógica temporal, a organização do trabalho, a mudança de perspectiva para analisar um objeto e outras competências educacionais produzidas.
O Teatro no Computador é o resultado de uma metodologia de design de interfaces em que as pessoas não são meros usuários, mas atuam como habitantes dos espaços virtuais criados pelo designer. As crianças, nesse ambiente, podem habitar de diversas maneiras o espaço virtual do teatro. Cada uma dessas maneiras é função da relação semiótica que a criança contrai com as demais entidades que habitam a interface e cria diferentes oportunidades de aprendizagem. Da mesma forma que os ambientes anteriores, o Teatro no Computador é uma ferramenta inclusiva, pois não especifica um tipo de usuário para sua utilização, dada a flexibilidade e a abrangência de seus recursos e propostas educacionais.
Neste momento, um outro software está sendo produzido para ampliar ainda mais os meios pelos quais estamos propiciando aos professores e alunos melhores condições de ensinar e de aprender, dentro do que nos propõem as novas teorias educacionais.
Essas teorias vão de encontro a todas as formas de fragmentação e disjunção do pensamento, combatem as hiper-especializações e se propõem a formar “cabeças bem feitas”, ao invés de “cabeças bem cheias” (Morin, 2001).
Alguns
resultados animadores
Primeiramente é de se destacar que os alunos com e sem deficiência contribuíram em todas as fases do design participativo dos ambientes computacionais propostos, mostrando suas necessidades e expectativas diante dos recursos das ferramentas em produção.
Os alunos com e
sem deficiência participaram com interesse e espontaneidade do que lhes foi
solicitado, nas fases posteriores do estudo.
Apesar dos
obstáculos iniciais (a maioria deles referentes ao acesso à tecnologia), ficou
evidente que não há barreiras para a participação dos alunos em geral nesse e
nos demais ambientes de comunicação à distância aqui referidos. Todos eles atendem
à diversidade das possibilidades de participação das crianças em geral – por
exemplo, quando não sabem escrever uma fala, podem gravá-la ou mesmo ditá-la a
um colega da turma.
Eles
conseguiram produzir várias peças de teatro, utilizando o Teatro no Computador[1], como atores e diretores e influíram
no roteiro, apresentando sugestões muito pertinentes.
As
ferramentas desenvolvidas propiciaram a esses alunos com e sem deficiência, até
então, ampliar seus recursos de comunicação oral e escrita e uma compreensão
dos conteúdos escolares, que foge ao que é da rotina nas salas de aula, em que
as práticas de ensino separam, repartem o saber em fatias disciplinares e
colocam grades entre o que precisa ser explorado e descoberto de modo
integrado.
As práticas
dos professores têm evoluído pouco a pouco para uma concepção transversal,
unificadora, mesmo quando essas ferramentas não são as intermediárias dos
processos escolares de ensino e aprendizagem.
Como a nossa intenção não á de criar apenas tecnologias “web-acessíveis”, mas de acesso aos conhecimentos e interconexão entre os mesmos, acreditamos estar a meio caminho dos nossos objetivos que pretendemos alcançar neste estudo.
Tendo
conseguido afinar os instrumentos, fazendo convergir o design dos ambientes com os preceitos educacionais inclusivos e com
práticas de ensino cooperativas, multi/
interdisciplinares, esperamos chegar aos benefícios que esses softwares poderão propiciar ao
desempenho escolar de alunos com e sem deficiência, na aquisição dos conteúdos
acadêmicos e na sua efetiva e pertinente utilização como veículo de comunicação
facilitador da inclusão o escolar e social.
Estamos conscientes de que
há muito a caminhar, porque, as escolas resistem muito à adoção de práticas
pedagógicas transgressoras e de aparatos educacionais inovadores, que fazem
parte das propostas de um ensino, verdadeiramente, inclusivo.
Mas estes são os
desafios educacionais do milênio e temos mais é que não esmorecer e buscar
soluções para enfrentá-los.
Notas:
[1] Essas
histórias constituem o material de estudo de uma dissertação de Mestrado em
Educação de uma de nossas orientandas do LEPED, Profa. Janaína Speglish Amorim. O
trabalho intitula-se: “Uma Janela Para Todos: as novas mídias informatizadas
nas escolas abertas às diferenças”.
Como citar este artigo:
BARCELLOS, G. C., HIGAKI, P. L.
(1999). O processo comunicativo em ambientes virtuais de aprendizagem
– um estudo exploratório. Anais do X
Simpósio Brasileiro de Informática na Educação. V.1 (pp271-278).
MORIN,
E. (2001). A cabeça bem feita: repensar a
reforma, reformar o pensamento. Trad. Eloá
Jacobina, 4ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
OLIVEIRA,
O.L. (2000). Design da interação em
ambientes virtuais: uma abordagem semiótica. Tese de doutorado, Instituto de Computação,
Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, Campinas, São Paulo.