REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO TUTELAR: PROPOSTAS[1]

 

 

Murillo José Digiácomo

Promotor de Justiça com atribuições junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.

 

 

1 – Introdução

 

O Conselho Tutelar é definido pelo próprio ECA, que em seu art. 131 estabelece que é ele "ÓRGÃO PERMANENTE E AUTÔNOMO NÃO JURISDICIONAL ENCARREGADO PELA SOCIEDADE DE ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE" (verbis/omissis).

 

O Conselho Tutelar atua caso a caso, substituindo a intervenção da autoridade judiciária na aplicação de medidas de proteção a crianças, adolescentes e suas famílias, bem como a atuação da autoridade policial no trato com crianças acusadas da prática de ato infracional, razão pela qual se diz que com a instalação do Conselho Tutelar está havendo a "despolicialização" e a "desjurisdicionalização" do atendimento à criança e ao adolescente.

 

Com a instalação do Conselho Tutelar, o Juiz da Infância e Juventude passará a desempenhar especificamente sua atividade principal: a JURISDIÇÃO, com especial destaque para a solução de questões coletivas, quando do julgamento de ações civis públicas resultantes da ameaça ou ofensa a direitos assegurados pelo Estatuto e pela Constituição Federal a crianças e adolescente (art. 148, inciso IV, c/c art. 208 e parágrafo único, da Lei nº 8.069/90), deixando de lado a atuação administrativa e assistencialista que nos termos do revogado "Código de Menores" lhe competia.

 

As CARACTERÍSTICAS BÁSICAS do Conselho Tutelar são TRÊS, que abstraímos do próprio conceito: ESTABILIDADE (PERMANÊNCIA), AUTONOMIA (INDEPENDÊNCIA) e CARÁTER NÃO-JURISDICIONAL.

 

a) É ESTÁVEL (ou PERMANENTE) porque deve ter uma AÇÃO CONTÍNUA e ININTERRUPTA, não podendo a ação dos conselheiros ter qualquer solução de continuidade.

 

Uma vez criado, o Conselho Tutelar não desaparece, não mais se extingue, sofrendo apenas uma RENOVAÇÃO de seus membros.

 

b) É AUTÔNOMO por ser INDEPENDENTE em relação ao exercício de suas atribuições.

 

Toma decisões e age sem interferência de qualquer outro órgão ou Poder, somente devendo respeito à lei, à constituição e aos superiores interesses de crianças e adolescentes.

 

Sendo o Conselho Tutelar dotado de PLENA AUTONOMIA FUNCIONAL, não ficam suas deliberações e determinações sujeitas a escalas hierárquicas, no âmbito da administração, podendo-se dizer que, para o exercício de suas atribuições, o órgão detém uma parcela da SOBERANIA Estatal.

 

ADMINISTRATIVAMENTE (APENAS) está vinculado (e não subordinado) a outro órgão e/ou financeiramente depende de verbas externas, mas tal situação NÃO ABALA SUA AUTONOMIA.

 

Não necessita de ordem judicial para deliberar pela aplicação de medidas a crianças, adolescentes e/ou a seus pais ou responsáveis (art. 136, incisos I e II, c/c arts. 101 e 129, todos do ECA), sendo que a eventual REVISÃO de suas decisões pelo Juiz da Infância e Juventude, a pedido do interessado, (art. 137 do ECA), também não importa em quebra da autonomia do órgão, fazendo apenas parte do sistema de freios e contrapesos que dão suporte a nosso regime democrático e sendo também decorrente do princípio constitucional insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88.

 

O ECA chegou mesmo a equiparar as deliberações e determinações do Conselho Tutelar às proferidas pela autoridade judiciária, considerando que o NÃO-CUMPRIMENTO de qualquer delas, a título de dolo ou culpa, em tese caracteriza INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA (art. 249 do ECA), sem embargo de eventual CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (art. 330 do Código Penal).

 

c) É órgão NÃO-JURISDICIONAL porque não pertence ao Poder Judiciário e não exerce suas funções.

 

O Conselho Tutelar tem NATUREZA ADMINISTRATIVA E EXECUTIVA, sendo vinculado (apenas administrativamente, como vimos) ao Poder Executivo municipal.

 

O Conselho Tutelar não tem a atribuição de compor lides, não cabendo ao mesmo estabelecer, sponte propria, sanções para forçar o cumprimento de suas decisões.

 

As sanções decorrentes do descumprimento injustificado das determinações do Conselho Tutelar (o que, em tese, caracteriza a infração administrativa prevista no art. 249 do ECA) serão aplicadas pelo Poder Judiciário, após a deflagração do procedimento específico pelo Conselho Tutelar ou Ministério Público, via REPRESENTAÇÃO (art. 194 e sgts do ECA).

 

É importante observar que o Conselho Tutelar é um ÓRGÃO COLEGIADO, e suas determinações, para que tenham legitimidade e validade, devem ser resultantes da deliberação desse colegiado, e NUNCA de UM CONSELHEIRO ISOLADO.

 

Para tomada de decisões, devem ser realizadas SESSÕES PERIÓDICAS, em número compatível com a demanda local, sendo que, de modo a otimizar o atendimento à criança e ao adolescente, a atuação do Conselho Tutelar deve estar disciplinada de forma clara e objetiva, respeitadas as disposições já contidas na legislação Federal e Municipal específicas, através de um REGIMENTO INTERNO, objeto da presente exposição.

 

O REGIMENTO INTERNO, por definição, consiste no ''ATO ADMINISTRATIVO QUE DISCIPLINA O FUNCI0NAMENTO DE ÓRGÃOS COLEGIADOS. TENDO A NATUREZA DE ATO REGULAMENTADOR INTERNO, SÓ ALCANÇA AQUELES QUE EXECUTAM UMA ATIVIDADE FUNCIONAL REGIMENTADA, NÃO ABRANGENDO OS PARTICULARES EM GERAL. Órgãos executivos, legislativos e judiciários têm seu próprio REGIMENTO INTERNO" (In Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. Editora Jurídica Brasileira, 3º Edição, São Paulo, 1993, pág. 1064).

 

É deveras evidente que o REGIMENTO INTERNO do Conselho Tutelar deve ser ELABORADO PELO PRÓPRIO CONSELHO e aprovado na primeira sessão do colegiado, não podendo contrariar as determinações legais expressas ou não acerca da matéria.

 

Destarte, de modo a evitar conflito entre o disposto no REGIMENTO INTERNO do Conselho Tutelar e a Lei, seja Federal (diga‑se o Estatuto da Criança e do Adolescente), seja Municipal (diga-se a Lei nº 9.008/97), passaremos em primeiro lugar a apontar as determinações legais existentes acerca do FUNCIONAMENTO do Conselho Tutelar, que devem ser do domínio de todos.

 

II – Disposições genéricas contidas na Lei Federal N° 8.069/90 (ECA) e na Lei Municipal N° 9.008/97

 

O art. 134 do ECA remete à Lei Municipal a fixação do DIA, HORA e LOCAL do funcionamento do Conselho Tutelar.

 

A Lei Municipal nº 9.008/97, que criou os Conselhos Tutelares de Curitiba, estabeleceu que, nos dias úteis, o Conselho Tutelar funcionará ininterruptamente das 8h30min às 12h e das 13h30min às 18h, de segunda a sexta‑feira, sendo que, nos sábados, domingos e feriados, haverá plantão na sede do Conselho, mediante escala de serviços, sempre sob a orientação e responsabilidade de um dos membros do Conselho Tutelar (art. 24).

 

Estabeleceu ainda que o Conselho Tutelar terá como sede o endereço indicado pela Prefeitura Municipal (art. 28).

 

O art. 136 do ECA fixa as ATRIBUIÇÕES do Conselho Tutelar, sendo que, em seus arts. 191 e 194, o ECA ainda dispõe expressamente acerca da ATRIBUIÇÃO do Conselho Tutelar de REPRESENTAR à autoridade judiciária para fins de instauração de procedimento para APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM ENTIDADE DE ATENDIMENTO à criança e/ou adolescente (seja governamental ou não-governamental), e também para fins de instauração de procedimento para APURAÇÃO DE INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA (respectivamente).

 

A enumeração das atribuições do Conselho Tutelar efetuada pelo ECA é EXAUSTIVA, não podendo o Conselho Tutelar agir fora dos casos estabelecidos na mencionada Lei Federal, ainda que a Lei Municipal disponha de modo diverso.

 

A Lei Municipal n° 9.008/97, no entanto, em seu art. 19, ao tratar das hipóteses de atribuição do Conselho Tutelar, apenas se reporta ao contido nos já citados arts. 136, 191 e 194 do ECA, nada inovando na matéria.

 

 O § 1° do citado art. 19 da Lei Municipal nº 9.008/97, atendendo ao preceito estatutário contido no art. 102 do ECA, estabelece que a PROVIDÊNCIA PRIMEIRA a ser adotada pelo Conselho Tutelar quando da verificação de que uma criança ou adolescente atendido não possui registro de nascimento, é a COMUNICAÇÃO DO FATO À AUTORIDADE JUDICIÁRIA, para que o assento seja lavrado junto ao Cartório do Registro Civil, após trâmite regular do procedimento.

 

Embora a Lei Municipal não estabeleça, pelo contido no citado art. 102 do ECA se extrai a conclusão de que procedimento semelhante deve ser adotado pelo Conselho Tutelar quando houver a constatação de que o assento de nascimento está INCORRETO, precisando ser de qualquer modo retificado ou complementado.

 

Obs.: em se tratando de criança ou adolescente em situação de risco pessoal ou social (art. 98 do ECA), a competência para determinar cancelamento, retificação ou suprimento dos registros de nascimento e óbito é do Juiz da Infância e Juventude (art. 148, parágrafo único, alínea "h", do ECA), sendo que de outro modo competente será o Juiz da Vara dos Registros Públicos.

 

O § 2° do mesmo art. 19 da Lei Municipal nº 9.008/97 trata do ABRIGO, praticamente reproduzindo o contido no art. 101, parágrafo único, do ECA.

 

Aqui vale um especial DESTAQUE:

 

A medida de abrigo DEVE DURAR O MENOR TEMPO POSSÍVEL, pois corre‑se o risco da "INSTITUCIONALIZAÇÃO" da criança e/ou do adolescente.

 

Dada a redação do art. 136, inciso II (que não permite a aplicação aos pais ou responsável, pelo Conselho Tutelar, medidas que importem destituição de guarda, tutela, suspensão ou destituição do pátrio poder), bem como do art. 30 (que não permite a transferência de criança ou adolescentes a entidades governamentais ou não-governamentais sem autorização judicial), conclui-se que o Conselho Tutelar SOMENTE pode aplicar a medida de ABRIGO na hipótese de FALTA dos pais ou responsáveis nos termos do art. 98, inciso II, do ECA, devendo ser previamente realizadas diligências no sentido de localizar ou ao menos obter maiores informações acerca do paradeiro dos mesmos.

 

Mesmo assim, deverá o Conselho Tutelar COMUNICAR IMEDIATAMENTE o abrigamento à autoridade judiciária (o PRAZO de DOIS DIAS ÚTEIS contido no art. 93 do ECA pode até ser tomado como parâmetro, mas, preferencialmente, a comunicação deve ser feita ANTES).

 

Tendo a criança ou o adolescente pais ou responsáveis CONHECIDOS e com endereço TAMBÉM CONHECIDO, deve ser o jovem, EM PRINCÍPIO, a eles imediatamente encaminhado.

 

Caso não seja RECOMENDÁVEL o encaminhamento aos pais ou responsáveis (pela prática de ABUSOS ou MAUS-TRATOS ao jovem por parte destes, por exemplo), deverá o Conselho Tutelar utilizar as atribuições previstas no art. l36, incisos IV OU V, do ECA, repassando INCONTINÊNTI o caso ao Ministério Público OU à autoridade judiciária competente, para que sejam tomadas as providências cabíveis, em procedimento judicial próprio (com vista ao requerimento e decreto do afastamento cautelar do agressor da moradia comum, suspensão ou destituição do pátrio poder).

 

Isto ocorre porque, consoante acima ventilado, não é dado ao Conselho Tutelar tomar decisões que importem na modificação ou destituição de guarda, suspensão ou destituição do pátrio poder, que deverão ocorrer em procedimento contencioso a ser instaurado na Justiça da infância e juventude. Sobre a matéria são também aplicáveis os arts. 19, 30, 93 e 130 do ECA.

 

O art. 21 da Lei Municipal n° 9.008/90 estabelece que o PRESIDENTE do Conselho Tutelar será escolhido pelos seus pares, na PRIMEIRA SESSÃO, cabendo‑lhe doravante a presidência (condução dos trabalhos) das sessões.

 

O parágrafo único do mesmo dispositivo legal estabelece que, na FALTA ou IMPEDIMENTO do presidente, assumirá a presidência, SUCESSIVAMENTE, o VICE-PRESIDENTE e o SECRETÁRIO GERAL, daí se extraindo a conclusão lógica de que, na mesma sessão em que for escolhido o presidente, também deverão o ser o vice-presidente e o secretário geral.

 

O art. 22 da citada Lei Municipal estabelece que as sessões onde o Conselho Tutelar irá DISCUTIR e RESOLVER os casos (que deverão ocorrer fora do horário normal de funcionamento do órgão), bem como PLANEJAR e AVALIAR suas ações (com vista ao aperfeiçoamento do atendimento), serão instaladas com QUORUM MÍNIMO de 03 (TRÊS) CONSELHEIROS.

 

O art. 23 do mesmo Diploma Legal estabelece que o Conselho Tutelar atenderá informalmente as partes, mantendo registro das providências adotadas em cada caso e fazendo consignar na ata da sessão apenas o essencial.

 

Na seqüência, o parágrafo único do referido dispositivo estipula que as decisões serão tomadas por MAIORIA de votos, cabendo ao presidente o VOTO DE DESEMPATE.

 

Daí se extrai a conclusão lógica de que o PRESIDENTE do Conselho Tutelar, que, como vimos, tem a missão de dirigir a sessão, somente deverá votar após os demais conselheiros, caso haja EMPATE na votação até então.

 

É interessante ainda citar que a COMPETÊNCIA TERRITORIAL do Conselho Tutelar, ou seja, a área onde cada Conselho Tutelar irá atuar, é estabelecida pelo art. 28 da Lei Municipal nº 9008/97 (em complemento às regras já traçadas pelo art. 138, c/c art. 147, do ECA), e corresponderá à abrangência territorial de cada circunscrição das regiões administrativas do Município de Curitiba.

 

 Deve haver, pois, uma estreita comunicação entre os diversos Conselhos Tutelares, de modo que, após o atendimento emergencial da criança ou adolescente, se necessário (que deve ser prestado independentemente da análise da competência ou não do Conselho Tutelar para o caso), deverá o caso ser encaminhado ao Conselho Tutelar competente, com todas as informações e elementos até então colhidos.

 

A COMPETÊNCIA TERRITORIAL é ainda estabelecida segundo as regras traçadas pelo art. 147 do ECA, seus incisos e parágrafos, praticamente REPRODUZIDO pelo art. 29 da Lei Municipal nº 9.008/97 (primeiro pelo domicílio dos pais/responsável e, ante a falta de pais/responsável, pelo local onde se encontra a criança/adolescente).

 

As PRERROGATIVAS, VANTAGENS e DEVERES dos conselheiros tutelares são fixadas pelos arts. 30, 31 e 32 da Lei Municipal n° 9.008/97, que foi omissa em diversos pontos, razão pela qual os conselheiros tutelares não terão direitos a férias, décimo terceiro salário, licenças etc. Por outro lado, o descumprimento de algum dos DEVERES enumerados no art. 32 do referido Diploma Legal (cumprir as obrigações legais, ou seja, as atribuições contidas nos já citados arts.136, 191 e 194 do ECA, ter conduta compatível com a função, comparecer assiduamente ao trabalho, nos termos da Lei e tratar com urbanidade os colegas, bem como os membros da comunidade em geral) poderá importar na PERDA DO MANDATO do conselheiro tutelar.

 

As HIPÓTESES DE PERDA DO MANDATO de conselheiro tutelar, por sinal, foram estabelecidas pelo art. 41 da Lei Municipal n° 9.008/97 (ausência injustificada a TRÊS SESSÕES CONSECUTIVAS ou CINCO ALTERNADAS, no mesmo mandato, descumprimento dos deveres inerentes à função, condenação por sentença irrecorrível pela prática de crime ou contravenção), tendo sido também estabelecido que a análise do caso caberá ao COMTIBA.

 

Importante que as faltas dos conselheiros tutelares, bem como suas eventuais justificativas, constem das ATAS a serem lavradas por ocasião das sessões ordinárias e extraordinárias do Conselho Tutelar, ficando os documentos comprobatórios da ausência justificada (atestados médicos, cópias de certificados de participação em cursos de aperfeiçoamento etc.) em arquivo próprio, de modo a permitir a análise pelo COMTIBA, Secretaria Municipal da Criança, Ministério Público ou mesmo de qualquer membro da comunidade (que deverão ter livre acesso a tais documentos para poderem exercer seu direito à deflagração do procedimento de destituição do mandato do conselheiro tutelar, nos termos do art. 41, parágrafo único, da Lei Municipal n° 9.008/97), sendo assegurado ao conselheiro acusado a ampla defesa.

 

III – Do conteúdo do Regimento Interno

 

Consoante acima ventilado, o REGIMENTO INTERNO do Conselho Tutelar, por ser norma infralegal, não pode contrariar expressa ou implicitamente as disposições legais acima reproduzidas, devendo disciplinar apenas as situações não previstas em Lei, atuando em COMPLEMENTO ao texto legal.

 

Em anexo, seguem MODELOS de REGIMENTO INTERNO, que, obviamente, não devem ser reproduzidos integralmente, até porque, em alguns pontos, contrariam as disposições da Lei Municipal n° 9.008/97.

 

Os referidos modelos, no entanto, poderão servir como ponto de partida para o REGIMENTO INTERNO a ser elaborado pelos Conselhos Tutelares de Curitiba, com as observações que faremos a seguir:

 

1 ‑ Consoante se infere da inteligência do art. 27, parágrafo único, da Lei Municipal n° 9.008/97, os Conselhos Tutelares do Município de Curitiba estão VINCULADOS ADMINISTRATIVAMENTE (APENAS, nos termos da exposição contida na introdução supra) à Secretaria Municipal da Criança, que foi encarregada de fornecer o suporte administrativo necessário ao funcionamento dos referidos órgãos colegiados.

 

Assim sendo, após contato com a Secretaria Municipal da Criança, deve o REGIMENTO INTERNO prever como se dará o recebimento do material, distribuição e atribuições do pessoal (fixo) fornecido pela referida Secretaria, forma de solicitação de equipamentos e servidores outros, quando necessários, número de veículos colocados à disposição etc., ou seja, prever em que consistirá e como será fornecido o "suporte administrativo" fixado em Lei (ressaltamos que este item deve ser previamente AJUSTADO com a Secretaria Municipal da Criança), de modo a dar cumprimento ao contido expressamente no art. 134, parágrafo único, do ECA;

 

2 ‑ O LOCAL de funcionamento do Conselho Tutelar, bem como o HORÁRIO DE ATENDIMENTO e outras disposições referentes aos PLANTÕES também já foram disciplinados pela mencionada Lei Municipal n° 9.008/97 (arts. 24 e 28 acima analisados), restando a possibilidade de o REGIMENTO INTERNO estabelecer o CRITÉRIO DA DISTRIBUIÇÃO DOS PLANTÕES entre seus membros, como, por exemplo, a forma de alternância (a distribuição dos plantões será feita por sorteio, obedecerá ao critério de idade ou outro critério), início e término do plantão (o plantão será de segunda a domingo, ou de sexta a quinta, ou qualquer outro critério, com horários de início e término).

 

2.1 ‑ O REGIMENTO INTERNO deverá prever que a ESCALA dos PLANTÕES dos conselheiros tutelares (contendo o local ou telefone onde o conselheiro de plantão poderá ser encontrado) será afixada na sede de Conselho Tutelar, em local visível ao público ainda que fechada a sede do Conselho, bem como estabelecer os locais onde deverão ser distribuídas e afixadas cópias da referida escala, recomendando‑se tal afixação nos diversos locais onde se presta ou poderá se prestar o atendimento (inicial) a crianças e adolescentes em situação de risco, como nas delegacias de polícia, hospitais e postos de saúde, SOS Criança, Fóruns, Prefeitura Municipal etc.

 

3 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve disciplinar a forma de DISTRIBUIÇÃO dos casos entre os diversos conselheiros tutelares, estabelecendo critérios que garantam a IGUALDADE na sua divisão.

 

3.1 - Interessante constar que alguns casos devem ser distribuídos por "DEPENDÊNCIA" a um determinado conselheiro, ficando estabelecido, por exemplo, que o conselheiro que prestar o primeiro atendimento a uma criança ou adolescente em situação de risco ficará encarregado de atender todos os demais casos referentes ao jovem e a seus irmãos (garantindo, assim, o estabelecimento de uma espécie de "vínculo" entre o conselheiro e a família do jovem).

 

3.2 ‑ Devem ser também elencados os casos de IMPEDIMENTO para atuação de determinado conselheiro (como, por exemplo, na hipótese de a criança ou adolescente em situação de risco ser parente até o terceiro grau do conselheiro).

 

4 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve prever a existência de um CADASTRO das crianças e adolescentes atendidas, bem como um ARQUIVO onde serão anotadas as ocorrências, o nome do conselheiro que acompanha o caso, as providências tomadas para instrução do procedimento e as medidas aplicadas aos jovens e a seus pais ou responsáveis (ou seja, todo "'histórico" do jovem e sua família).

 

4.1 ‑ Paralelamente ao cadastro, conveniente a criação de um arquivo específico para os casos em andamento, ainda não resolvidos, e outro com medidas já aplicadas em curso, para facilitar o acompanhamento do procedimento e da execução das medidas (a criação de tais arquivos não exclui o cadastro acima referido, que irá centralizar as informações).

 

5 ‑ Como nem todos os casos serão atendidos na SEDE do Conselho Tutelar, e como certamente serão necessárias VISITAS a famílias para fins de aferição da ocorrência de violação de direitos de crianças e/ou adolescentes (valendo sempre lembrar que o Conselho Tutelar deve sempre agir de forma PREVENTIVA e ITINERANTE, e JAMAIS como um órgão estático e burocrático), deve o REGIMENTO INTERNO estabelecer quando e como estas visitas serão efetuadas, de modo a racionalizar a utilização do(s) veículo(s) colocado(s) à disposição do órgão e permitir que, na SEDE do Conselho, durante o horário normal de atendimento, esteja presente um número MÍNIMO de conselheiros (dois ou três).

 

5.1 ‑ A regra acima referida não deverá ser aplicada aos casos que demandem uma atuação IMEDIATA, EMERGENCIAL, quando, A QUALQUER MOMENTO, DEVERÁ SER REALIZADO O DESLOCAMENTO, se necessário inclusive com o concurso da força policial para fins de garantia da segurança do conselheiro e/ou prisão em flagrante do autor de infração contra criança ou adolescente (como, por exemplo, os pais que mantêm filho em cárcere privado, estejam promovendo espancamento contra este ou outros casos).

 

6 ‑ Deve o REGIMENTO INTERNO estabelecer o NÚMERO DE SESSÕES ORDINÁRIAS a serem realizadas por SEMANA, bem como estabelecer AS HIPÓTESES EM QUE PODERÃO SER CONVOCADAS SESSÕES EXTRAORDINÁRIAS (estabelecendo também a forma como se dará essa convocação, se pelo presidente, pela plenária durante a sessão ordinária, por qualquer conselheiro etc.), fazendo constar, em qualquer, caso seu HORÁRIO DE INÍCIO (o término estará condicionado à discussão acerca de todas as questões contidas na pauta).

 

6.1 ‑ Vale lembrar que o quorum mínimo para instalação da sessão, seja ordinária, seja extraordinária, já foi estabelecido pela Lei Municipal nº 9.008/97, em seu citado art. 22 (onde está previsto que este quorum será de TRÊS conselheiros).

 

6.2 ‑ A PRESIDÊNCIA das sessões também já foi estabelecida pela Lei Municipal que, em seu art. 21 e parágrafo único, dispõe que deve ela ficar a cargo do PRESIDENTE DO CONSELHO TUTELAR e, na falta ou impedimento deste, sucessivamente ao VICE‑PRESIDENTE e SECRETÁRIO GERAL.

 

7 ‑ O REGIMENTO INTERNO deverá estabelecer como se dará a escolha do PRESIDENTE, VICE e do SECRETÁRIO GERAL do Conselho Tutelar (se por voto aberto ou secreto, qual o critério de desempate a ser adotado, se haverá escolha separada para o secretário ou será ele o terceiro mais votado etc.), bem como a duração dos MANDATOS para os respectivos cargos (seis meses, um ano etc.), sendo recomendável mandato não superior a 01 (um) ano (dada a duração de apenas TRÊS anos do mandato do conselheiro tutelar).

 

7.1 ‑ Deve ser prevista a possibilidade ou não de RECONDUÇÃO do presidente do Conselho Tutelar (à presidência do órgão), devendo, em caso positivo, ser estabelecido que esta recondução estará sujeita a novo processo de escolha entre seus pares, como se a primeira fosse.

 

7.2 ‑ Não deve ser permitida mais de 01 (uma) recondução à presidência do Conselho Tutelar (nada impedindo que um conselheiro que já foi presidente do Conselho Tutelar, após não ter concorrido à recondução, novamente se candidate à presidência do órgão para mais um mandato).

 

7.3 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve também estabelecer as ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DO CONSELHO TUTELAR, que, além da presidência das sessões, deverá representar o Conselho Tutelar ou delegar sua representação a outro conselheiro, assinar a correspondência oficial, da convocação das sessões extraordinárias etc.

 

7.4 ‑ Da mesma forma, o REGIMENTO INTERNO deverá elencar as ATRIBUIÇÕES DO SECRETÁRIO GERAL do Conselho Tutelar, a quem, dentre outras, caberá providenciar a distribuição (e eventual redistribuição) dos casos entre os conselheiros tutelares, de acordo com o critério previamente estabelecido no próprio REGIMENTO (item "3" supra), manter sob sua responsabilidade os livros, fichas e documentos do Conselho Tutelar, cuidar dos serviços de datilografia e da expedição da correspondência do Conselho etc.

 

7.5 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve estabelecer QUEM será o encarregado de elaborar a PAUTA DAS SESSÕES ordinárias e extraordinárias, que CRITÉRIO será utilizado para inclusão e ordenação dos casos, com que antecedência dela será a dada ciência aos conselheiros e público em geral e onde será esta afixada (para o público em geral deverá ser evitada a exposição da identidade da criança ou adolescente atendido, nos termos da exposição adiante efetuada ‑ itens ''8.1 e 8.2").

 

8 ‑ Quanto à realização das sessões, deve ser estabelecido quando serão elas públicas e quando serão realizadas "a portas fechadas" (o que será a regra), caso em que deverá ser previsto quais as pessoas que a ela poderão estar presentes.

 

8.1 ‑ Vale lembrar que, caso a sessão verse sobre ATO INFRACIONAL PRATICADO POR CRIANÇA, a divulgação de qualquer ato, peça de procedimento ou providência tomada pelo Conselho Tutelar é EXPRESSAMENTE VEDADA POR LEI, devendo ser observado o disposto nos arts. 143 e 144 do ECA, sob pena da prática de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art. 247 do mesmo Diploma Legal e tornando o conselheiro responsável PASSÍVEL DE PERDA DO MANDATO, nos termos do art. 41 da Lei n° 9.008/97.

 

8.2 ‑ EM QUALQUER HIPÓTESE, no entanto, deve ser respeitado o disposto nos arts.17 e 18 do ECA, que estabelecem princípios referentes aos direitos fundamentais à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, que também abrange a preservação da sua imagem e identidade, devendo ser eles colocados a salvo de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor.

 

Assim sendo, a nosso ver, poucas serão as hipóteses em que as sessões poderão ser abertas ao público em geral, ficando estas praticamente restritas às sessões onde serão debatidas questões meramente administrativas do Conselho Tutelar (eleição do presidente, modificação no regimento interno etc.).

 

8.3 ‑ Recomendável, entretanto, que periodicamente sejam realizadas sessões PÚBLICAS em que será discutido e AVALIADO o FUNCIONAMENTO do Conselho Tutelar, de modo a aprimorar a forma de atendimento e melhor servir a população infanto-­juvenil. Para tais sessões, deverá ser dada ampla PUBLICIDADE, para que a comunidade possa comparecer e tomar conhecimento das ações do Conselho, apresentar sugestões e reclamações, exercendo seu controle sobre o órgão, que foi criado para servi-la.

 

8.4 ‑ Nas sessões ordinárias ou extraordinárias, deve ser permitida a presença dos familiares da criança ou adolescente atendidos, seus eventuais procuradores (assim considerados os que exibirem procurações com poderes especiais expressos, cujo original ou cópia deverá ser anexada ao procedimento, ou que forem indicados no próprio ato pelo interessado, constando tal mandato verbal da ata da sessão), e os técnicos que acompanharam o caso, cabendo ao REGIMENTO INTERNO disciplinar o número máximo de familiares e técnicos que poderão estar presentes, de modo a evitar tumulto nas sessões.

 

8.5 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve prever como se dará o CONTROLE DA FREQÜÊNCIA dos conselheiros tutelares nas sessões ordinárias e extraordinárias e a forma de apresentação de justificativa quanto às faltas (inclusive quanto ao PRAZO para a apresentação de tal justificativa), devendo estabelecer que as faltas OBRIGATORIAMENTE CONSTARÃO DA ATA DA SESSÃO e serão anotadas em livro próprio, onde também serão anotados os eventuais documentos comprobatórios da ausência justificada (atestados médicos e outros), inclusive para análise dos eventuais interessados, consoante alhures mencionado.

 

9 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve disciplinar como se dará o PROCEDIMENTO para verificação de situação de risco pessoal ou social de criança ou adolescente, estabelecendo como será ele deflagrado (através de comunicação de caso de situação de risco efetuado por particular, apenas após manifestação do conselheiro tutelar etc); em que consistirá a instrução do mesmo (através de visita domiciliar, oitiva informal de testemunhas, em número de quantas no mínimo e máximo); se o acompanhamento e instrução do caso será efetuado apenas por um (entendemos suficiente) ou mais conselheiros (no sistema "relator" e "revisor"); em que momento haverá a intervenção da equipe técnica a que se refere o art. 25 da Lei Municipal n° 9.008/97, em que momento haverá a notificação dos pais responsáveis pela criança ou adolescente etc., tudo isto acompanhado da previsão dos PRAZOS para o encerramento de cada "fase" do procedimento (que deverão ser reduzidos, pois IMPRESCINDÍVEL a solução do caso DA FORMA MAIS CÉLERE POSSÍVEL).

 

Os elementos informativos colhidos, bem como as deliberações tomadas, deverão ser devidamente materializadas (estas últimas através da ATA a ser lavrada por ocasião da sessão ordinária ou extraordinária onde o caso será analisado), inclusive para fins de eventual e ulterior análise por parte da autoridade judiciária (art. 137 do ECA);

 

9.1 ‑ Na hipótese de se vislumbrar a possibilidade de aplicação, ao final do procedimento, de alguma(s) das medidas previstas no art. 129 do ECA aos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente em situação de risco, devem aqueles ser previamente cientificados das condutas irregulares que lhes estão sendo imputadas, assegurando‑lhes a possibilidade de, por ocasião da sessão do Conselho, apresentar DEFESA, pessoalmente ou por procurador habilitado, nos termos do acima exposto.

 

Tal providencia é FUNDAMENTAL para garantir a regularidade do procedimento e da medida ao final aplicada, nos termos do art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, referentes aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

 

9.2 ‑ Caso seja aplicada à criança, ao adolescente e/ou a seus pais/responsáveis medidas cuja execução se prolongue no tempo (como, por exemplo, as medidas de apoio, orientação e acompanhamento temporários e a de encaminhamento dos pais/responsáveis a tratamento psicológico ou psiquiátrico), é necessário que o REGIMENTO INTERNO estabeleça um PRAZO MÁXIMO para sua REAVALIAÇÃO, impedindo assim sua perpetuação, que não é recomendável (caso a caso, poderão ser estabelecidos prazos outros, menores, em que será tal reavaliação efetuada, servindo a disposição de caráter genérico neste item sugerida como uma garantia contra o prolongamento indeterminado da medida).

 

Importante observar que, caso a medida aplicada com o passar do tempo se mostre inadequada, poderá ser SUBSTITUÍDA por outra, nos termos do art. 99 do ECA, devendo ser estabelecida a forma como se dará tal substituição, com previsão no REGIMENTO INTERNO da prévia oitiva do jovem e/ou de seus pais/responsáveis (que terão a oportunidade de JUSTIFICAR O DESCUMPRIMENTO).

 

10 ‑ O REGIMENTO INTERNO deverá prever como se darão os trabalhos no dia da sessão propriamente dita, estabelecendo que: os casos serão encaminhados para deliberação de acordo com a ordem de inclusão na pauta; o conselheiro encarregado de acompanhar o caso fará um relatório prévio, passando‑se após à discussão e deliberação; a votação respectiva será realizada por voto nominal e aberto, sob a condução do presidente etc.

 

11 ‑ O REGIMENTO INTERNO deve também estabelecer como se dará a EXECUÇÃO da medida aplicada, prevendo que o acompanhamento de seu cumprimento ficará a cargo do próprio conselheiro que atendeu o caso.

 

12 ‑ Por fim, deve o REGIMENTO INTERNO estabelecer a forma como se dará sua própria ALTERAÇÃO, fixando o quorum necessário, se a alteração se dará em uma ou em duas votações etc.

 

Obs.: Deve ser dada AMPLA PUBLICIDADE ao REGIMENTO INTERNO do Conselho Tutelar e suas eventuais alterações, para o conhecimento da população em geral, Secretaria Municipal da Criança, COMTIBA, Ministério Público e Juizado da Instância e Juventude. Como irá disciplinar o funcionamento de um órgão público, deverá ser também devidamente PUBLICADO NA IMPRENSA OFICIAL, ficando tal incumbência a cargo da Secretaria Municipal da Criança (em função do já citado art. 27, parágrafo único, da Lei Municipal nº 9.008/97).

 

 

Notas:

 

[1] Texto elaborado para ser apresentado quando da realização do curso de capacitação de conselheiros tutelares de Curitiba-PR, tendo tomado por base a Lei Municipal nº 9.008/97, de Curitiba-PR, que dispõe sobre a criação e instalação dos Conselhos Tutelares do Município de Curitiba (em número de 08), estabelece o processo de escolha de seus membros e dá outras providências. O texto da Lei Municipal em questão se encontra publicada na Revista Igualdade nº 19, à pág. 100.