A APRENDIZAGEM COMO INSTRUMENTO DE PROFISSIONALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE
Cláudio Carvalho Menezes
Auditor-Fiscal do Trabalho.
1. Aspectos legais
A aprendizagem profissional, como instrumento legalmente exigível, data de 1942, ou seja, ela surge com o início da industrialização do Brasil e, conseqüentemente, com a necessidade de profissionais qualificados para o trabalho nas fábricas.
Surgiram, naquela época o SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria e, logo depois, o SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio. Mais recentemente, surgiu o SENAT para atender ao setor de Transportes e o SENAR para atender ao setor rural. E há dois anos, através da Medida Provisória n.° 2.168-40 de 24/08/2001, ocorre a criação do SESCOOP para a realização da aprendizagem para o setor das cooperativas.
O objetivo da criação dessas instituições, assim como das contribuições que as sustentam, é proporcionar o surgimento de cursos de formação profissional onde o jovem aprendiz participa de curso gratuito voltado à aquisição de conhecimentos teóricos e práticos para o exercício de uma profissão.
Salienta-se que a aprendizagem foi concebida para atender àqueles com escolaridade mínima de 5ª série, ou seja, visava a formar mão-de-obra qualificada sem a necessidade de longo tempo de preparação para ingressar no mercado de trabalho.
1. Determinação da obrigatoriedade da contratação dos aprendizes para todos os estabelecimentos empresariais.
2. Unificação da base de cálculo para a contratação de aprendizes para todos os integrantes dos Serviços Nacionais de Aprendizagem.
3. Previsão de prática no ambiente de trabalho como parte integrante do curso.
4. Classificação do curso como de nível básico, buscando compatibilizar a aprendizagem com a legislação de educação.
5. Permissão para o desenvolvimento de cursos de aprendizagem por Escolas Técnicas e Entidades sem Fins Lucrativos que tenham como objetivos a assistência ao adolescente e a formação profissional.
6. Ampliação da jornada diária para até 6h quando o jovem não tiver concluído o ensino fundamental e até 8h diárias quando ele tiver concluído o ensino fundamental.
7. Discriminação das condições nas quais o contrato de aprendizagem pode ser rescindido.
8. Garantia do salário-mínimo-hora ao aprendiz e redução do percentual do FGTS para 2%.
Quando permitiu a prática no local de trabalho, a lei também colocou algumas ressalvas que são importantes. Primeiramente, as atividades do aprendiz no estabelecimento devem estar organizadas em tarefas de complexidade progressiva, logo não é possível colocar o aprendiz num posto de trabalho e deixá-lo lá durante todo o tempo da prática. É necessário que o aprendiz troque periodicamente de função – desde que compatível com o seu curso – para consolidar os conhecimentos adquiridos.
Além disso, a duração da parte prática do curso está condicionada à existência de tarefas de complexidade progressiva a serem desenvolvidas no ambiente de trabalho.
Segundo, a lei proíbe o desenvolvimento de atividades em locais insalubres ou perigosos a menores de 18 anos. Conseqüentemente, esse tipo de tarefa ao menor de 18 anos através da Portaria n.º 20 de 13 de setembro de 2001. Entretanto, deve ser feita uma ressalva: existe a possibilidade de – sob determinadas condições e para algumas tarefas específicas onde se pode controlar o risco – se permitir
não pode ser atribuída ao aprendiz. O Ministério do Trabalho e Emprego disciplina as atividades proibidaso trabalho do menor de 18 anos: quando se oferece meios de proteção coletiva adequados(item 10 da citada Portaria) e quando se trabalha com equipamentos não energizados (item 33).
Além disso, é necessário que a empresa elabore um laudo técnico, previsto pela Portaria n.º 04 do Ministério do Trabalho e Emprego, de 23 de março de 2002, dispondo sobre a forma de controle do risco e deposite o mesmo na unidade mais próxima do MTE.
Assim, obedecidos aos pressupostos acima, é possível ao jovem aprendiz desenvolver atividades práticas na empresa visando ao aperfeiçoamento de seus conhecimentos teóricos.
Entretanto, um ponto que a Lei não explicitou claramente foi a definição de que funções compõem a base de cálculo. Ao definir que o número de aprendizes a serem contratados seria de, no mínimo, 5% e, no máximo, 15% das funções que demandam formação profissional[1], a Lei gerou a pergunta: quais são essas funções?
Não há uma resposta simples, mas podemos tecer alguns princípios que devem nortear a identificação das mesmas:
1. Como a aprendizagem é curso de nível básico, as funções de nível superior, técnico[2] e outras a essas equiparadas (direção, gerência) estariam fora da base de cálculo.
2. Os cursos de nível básico não possuem tempo mínimo de formação, entretanto funções muito simples[3], ou cujo exercício não necessite de preparação prévia, devem ser excluídas da base de cálculo, pois a aprendizagem visa à formação profissional como um fator de preparação do jovem para ingresso e permanência no mercado de trabalho. Logo, se uma função não necessita de uma qualificação específica, ela não deve ser incluída. Chegamos a um impasse: qual o tempo mínimo de formação profissional para que isso ocorra? Não se pode determinar um valor numérico porque isso contrariaria a Lei, mas a importância da formação para o desenvolvimento das tarefas do cargo e o conjunto de atribuições da função pode auxiliar na elucidação do problema.
3. O fato de uma empresa contribuir para o SENAI, por exemplo, não exclui da base de cálculo os empregados que exercem funções administrativas que demandem formação profissional, assim como uma empresa do comércio não pode retirar os funcionários da manutenção elétrica da base de cálculo. Dois fatores contribuem para essa premissa: primeiro, ao contribuir para o Serviço Nacional de Aprendizagem, a base de cálculo é a totalidade da folha de pagamento e, segundo, a lei não faz essa distinção.
4. Não é fundamental – para que uma função integre a base de cálculo - a existência de um curso de aprendizagem para aquela função, mas sim que ela necessite para seu exercício de uma qualificação profissional prévia, sem a qual o empregado não possa desempenhar suas funções. Assim, caso uma empresa não tenha – entre as funções que demandam formação profissional exercidas pelos seus empregados – nenhuma que o Serviço Nacional de Aprendizagem respectivo atenda com seus cursos, ela não se isenta da contratação. Somente o fato de não ter empregados cujas funções demandem formação profissional a deixaria fora do alcance da Lei[4].
2. A função social da aprendizagem
A aprendizagem proporciona ao jovem o preenchimento de parte de tempo 'ocioso' com atividades que visam a prepará-lo para o ingresso no mundo do trabalho. Ao retirar-lhe um turno livre – pois ele freqüenta a escola regular pela manhã ou pela tarde – a aprendizagem preenche a vida do adolescente e, ao mesmo tempo, afasta-o das drogas e outros vícios. Isso se reflete diretamente nos pais que, normalmente, trabalham dois turnos e assim ficam mais tranqüilos sabendo que seus filhos estão, a princípio, protegidos.
Por outro lado, as empresas também são beneficiadas por esse instrumento. São elas que recebem esses profissionais capacitados para trabalhar em suas unidades após o término do curso. Elas contribuem com 1% do valor bruto de suas folhas de pagamento, através do recolhimento à Previdência Social no item Encargo de Terceiros, para custear o respectivo serviço nacional de aprendizagem. Além disso, elas são responsáveis pelo pagamento do salário dos aprendizes durante o curso, assim como o vale-transporte, FGTS e demais encargos trabalhistas.
Contudo, há retornos importantes que compensam esse esforço:
1. Ao contratar um jovem aprendiz, a empresa estará contribuindo não só para a formação profissional do mesmo, mas também garantindo que ele permaneça no curso, pois a grande maioria dos jovens que participam dos cursos de aprendizagem possui origens nas classes menos abastadas.
2. Se a empresa posteriormente contratar esse jovem, com certeza ela estará contratando não só um profissional qualificado, mas um profissional ‘compromissado’. Isso porque o jovem sabe que a empresa participou de forma decisiva na sua formação e, com certeza, ele está pronto para retribuir com seu esforço e dedicação.
3. A empresa pode indicar um jovem para realizar o curso e isso aumenta ainda mais o compromisso deste. Entre as possíveis indicações, estão os filhos e parentes dos empregados, ou ainda, através de contato com uma Escola Pública, os seus melhores alunos, dentre outros métodos. Relembra-se que, ao indicar o filho de um funcionário da empresa, a tranqüilidade do pai ou da mãe, juntamente com o sentimento de gratidão para com seu empregador, reforçam os laços existentes no ambiente de trabalho. É, inclusive, um aumento salarial indireto, pois o jovem terá um pequeno montante para sustentar seus gastos.
4. Esse profissional possui uma formação profissional qualificada e isso significa uma maior ‘rendimento’ no exercício das funções. Assim, o aprendiz é um investimento da empresa, a médio prazo, que melhora os produtos ou serviços oferecidos pela mesma.
5. Por fim, não custa citar a questão da responsabilidade social das empresas. Muitas vezes elas querem colaborar diretamente com o processo para a melhoria das condições de vida das comunidades em que estão inseridas e a aprendizagem pode muito bem se encaixar como uma de suas ações.
3. A ampliação da aprendizagem
Visando a permitir que um maior número de jovens participem desses cursos de qualificação profissional, o legislador – através da Lei 10.097/2000 – possibilitou que outras Entidades ministrassem cursos de aprendizagem, dando especial destaque ao trabalho que pode ser desenvolvido por Entidades sem fins lucrativos.
O art. 430 da CLT cria essa possibilidade, posteriormente regulamentada através da Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego, n.º 702, de 18 de dezembro de 2001, que regulamenta os requisitos mínimos que devem ser obedecidos pelas Entidades sem fins lucrativos na criação dos cursos de aprendizagem. Entre eles, cita-se:
1) público-alvo, objetivos e conteúdos a serem desenvolvidos;
2) carga horária, estrutura física e de recursos humanos; e
3) mecanismos de avaliação, prática orientada e inserção do adolescente no mercado de trabalho.
Porém, esses requisitos não resolvem o problema de como esses cursos serão custeados, visto que não há previsão na lei de como fomentar essa atividade. Algumas Entidades sem Fins Lucrativos possuem fonte de renda própria, mas essa não é a realidade na maioria dos casos.
Apesar dessa aparente inexistência de recursos, pouco se ouve falar do destino dos recursos recolhidos mensalmente ao Sistema Nacional de Aprendizagem. Esse recolhimento compulsório atinge todas as empresas que não estão enquadradas no SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – e alcança valores razoáveis em cada município do país. Em especial, naqueles onde não há nenhuma sede de um dos integrantes do Sistema Nacional de Aprendizagem. Como se pode lançar mão desses recursos em prol dos adolescentes?
Não é uma pergunta fácil de responder, mas uma solução pode começar junto à Associação Comercial e Industrial da cidade e também com setor de transportes, pois os empregadores são prejudicados economicamente, ao contribuírem mensalmente para um órgão privado que recebe recursos com a finalidade específica de proporcionar a formação de mão-de-obra qualificada para seus estabelecimentos.
Com certeza, esses empregadores, zelosos pela aplicação dos seus recursos, podem provocar o Serviço Nacional de Aprendizagem respectivo para que ele aplique a parcela que lhe é devida em sua cidade. Entretanto, a quantidade de recursos pode não ser o suficiente para permitir a construção de uma escola, porém existe uma grande alternativa: a realização de Convênios. Todos esses órgãos podem realizar convênios com outras Entidades e, nesse momento, as Entidades sem Fins Lucrativos podem ser beneficiadas no custeio de suas atividades voltadas à profissionalização.
Esse percurso é razoavelmente curto, mas precisa de determinação política e engajamento responsável dos envolvidos. O MTE pode participar como fomentador ou negociador junto ao respectivo Serviço Nacional de Aprendizagem, mas, com certeza, só uma vontade firme da sociedade pode reverter essa subtração mensal de recursos do município.
4. Considerações finais
São importantes as implicações da aprendizagem na vida do adolescente e estas se refletem diretamente na modificação de sua condição de mero espectador à participante ativo na construção de seu futuro. Precisamos fazer a nossa parte, tornando-nos conscientes da nossa responsabilidade na efetivação do direito constitucional à profissionalização dos nossos jovens, chamando à responsabilidade os órgãos que podem contribuir para essa formação.
De outra parte, ao proporcionarmos a participação de um adolescente em um curso de formação profissional, estamos contribuindo para o resgate de sua cidadania e para a saída do ciclo de pobreza em que ele possa estar incluso.
Com certeza, a qualificação profissional não é a única condição que determinará seu sucesso, mas nesse mundo globalizado ela pode ser a porta que permitirá o acesso do jovem a outras situações encorajadoras que mantenham vivo o sonho de um futuro melhor.
Referências :
2.
Constituição
Federal, art. 7º, inciso XXXIII, e art. 227, § 3º, inciso I
3.
Consolidação
das Leis do Trabalho, Capítulo IV do
Título III da CLT . alterado
pela Lei 10.097/2000.
4.
Decreto-lei
4048 de 22 de janeiro de 1942 - Cria o Serviço Nacional de Aprendizagem dos
Industriários SENAI
5.
Decreto-Lei
n.º 8.621, de 10/01/46 – Dispõe sobre a criação do SENAC.
6.
Decreto-Lei
n.º 8.622, de 10/01/46 – Dispõe sobre o aprendizado dos comerciários.
7.
Lei
n.º 8.069, de 13/07/90, arts. 60/65 – Dispõe sobre o
estatuto da criança e do adolescente.
8.
Lei
nº 8.706, de 14 de setembro de 1993 – Dispõe sobre a criação do Serviço Social
do Transporte (Sest) e do Serviço Nacional de
Aprendizagem do Transporte (SENAT).
9.
Lei
8315 de 23 de dezembro de 1991 – Cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
(SENAR) nos termos do art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias
10.
Medida Provisória no 2.168-40, de
24 de agosto de 2001 - autoriza a criação do
Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo - SESCOOP Decreto n°
1.007, de 13 de dezembro de 1993 – Dispõe sobre as contribuições compulsórias
devidas ao Serviço Social do Transporte (Sest) e ao
Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat)
e dá outras providências.
11.
Portaria do Ministério do Trabalho e Emprego
nº 702, de 18 de dezembro de 2001 –
dispõe sobre normas para avaliação da competência das entidades sem fins
lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação
profissional.
Notas:
[1] Foi revogada recentemente a Portaria n. º 43, de 23 de abril de 1953, que listava as funções que demandavam formação profissional, pois, face à sua desatualização, ela havia se tornado obsoleta.
[2] Há uma ressalva a se considerar quanto às funções de nível técnico que é apresentada mais detalhadamente no texto “A APRENDIZAGEM E OS CURSOS TÉCNICOS”, Menezes, Claudio C., Martins, Silvana R., e Allemand, João A. N., 2003.
[3] Pode ocorrer
de uma função ser simples, mas o empregado desempenha um conjunto de tarefas
que, em seu conjunto, capacitam-no para
o exercício pleno da função. Essas tarefas são apreendidas pela prática no
local de trabalho e não necessitam de conhecimentos teóricos para seu
exercício, mas somente um treinamento durante um determinado período lhe
fornecem os meios instrumentos mínimos para que ele a execute. A meu ver, essas
funções podem ser incluídas na base de cálculo.
[4]
As microempresas e empresas de pequeno porte estão isentas da obrigação da contratação de aprendizes por força do
Estatuto da Microempresa – Lei 9.317 de 05 de dezembro de 1996.