Direito à Educação, à Cultura ao Esporte e ao Lazer

 

 

O Art. 227 da Constituição Federal proclama ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

 

Sob o prisma constitucional, a educação, enquanto direito basilar de crianças e adolescentes, objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da personalidade do educando, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A cultura, entendida como o conjunto de natureza material e imaterial, portador de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira é garantida constitucionalmente, devendo o Estado assegurá-la, através do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, apoiando e incentivando a valorização e a difusão das manifestações culturais. Igualmente o esporte é assegurado constitucionalmente, sendo dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados os preceitos de autonomia das entidades desportivas, com relação à organização e funcionamento, da destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e da proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. O lazer também é direito garantido constitucionalmente às crianças e adolescentes, como forma de contribuir para o seu desenvolvimento biológico, psicológico e social, firmado sobre a esteira do equilíbrio e da alegria.

                                  

Em razão da abrangência da área e da necessidade de interface com o direito, foi difícil dar um tratamento igualitário, no que diz respeito ao aspecto quantitativo, à área como um todo. Assim, nesta primeira fase do projeto foi priorizada a área da educação, sobretudo pela sua importância para crianças e adolescentes no contexto da sociedade brasileira.

 

Se lançarmos um olhar sobre a história da educação brasileira iremos observar que ela sempre foi marcada pelo caráter da exclusão, sobretudo do ponto de vista do gênero, da classe social, da raça e da etnia. Essa história não é difícil de ser estudada e compreendida. Ela evolui em rupturas marcantes. A primeira grande ruptura travou-se com a chegada mesmo dos portugueses ao território brasileiro. Os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, e as populações que por aqui viviam já possuíam características próprias de fazer educação, sem as marcas repressivas do modelo europeu, porém, esse jeito de fazer educação foi sufocado e desrespeitado.

 

Com os jesuítas veio não somente a moral, os costumes e a religiosidade européia, mas também os métodos pedagógicos. Esses métodos funcionaram de forma absoluta durante 210 anos, de 1549 a 1759, quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal. Se existia alguma coisa muita bem estruturada em termos de educação o que se viu a seguir foi o mais absoluto caos. Tentou-se as aulas régias, o subsídio literário, mas o caos continuou até que a Família Real, fugindo de Napoleão na Europa, resolveu transferir o Reino para o Novo Mundo.

 

Na verdade não se conseguiu implantar um sistema educacional nas terras brasileiras, mas a vinda da Família Real permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para preparar terreno para sua estada no Brasil, D. João VI abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de mudança, a Imprensa Régia. A educação, no entanto, continuou a ter uma importância secundária. Basta ver que enquanto nas colônias espanholas já existiam muitas universidades, sendo que em 1538 já existia a Universidade de São Domingos e em 1551 a do México e a de Lima, a nossa primeira Universidade só surgiu em 1934, em São Paulo. No entanto, a educação restringiu-se à formação das elites governantes e dos quadros militares.

 

Pela Constituição do Império, promulgada em 1824, competia às Assembléias Legislativas das províncias, o direito de legislar sobre instrução pública. No entanto, o ensino fundamental permaneceu em completo abandono, pois ao final do Império o país tinha cerca de 14 milhões de habitantes, dos quais 85% eram analfabetos.

 

Nos 20 primeiros anos do século passado, inspirados nos ideais liberais, na crença do poder da educação, os sucessivos governos criaram numerosas Escolas Normais de formação de professoras primárias, surgindo o movimento cívico-patriótico que postulava o combate ao analfabetismo. Surge nessa época (1932) o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em favor do ensino fundamental público, laico, gratuito e obrigatório. Ideais esses consagrados na Carta Magna de 1934.

 

Os períodos seguintes continuam marcados pela exclusão de milhões de crianças e adolescentes do acesso à educação pública. As escolas, sobretudo durante o regime militar, são marcadas pelo autoritarismo e pelo tecnicismo que aumentam as fileiras da exclusão.

 

Em que pese a expansão das oportunidades educacionais da última década e uma certa reorganização, sobretudo de cunho legislativo, dos trabalhadores em educação, a qualidade do ensino deteriorou-se profundamente e os índices de evasão ainda são alarmantes. No início da década de 90, devido à evasão e à repetência, apenas 44% dos alunos terminavam as oito séries do ensino fundamental e, para isso, eram necessários 11,4 anos em média para concluí-los; apenas 3% concluíam a oitava série sem nenhuma repetência e 65% dos alunos terminavam só a quinta série. Essa situação quantitativa tem apresentado melhorias substantivas nos últimos anos, porém ainda não temos em nosso país uma educação básica de qualidade para todos.

 

Associada à questão da exclusão, a leitura da história da educação brasileira também nos dá conta de que esse sistema educacional sempre rejeitou os diferentes, não os aceitando na sua inteireza, mas tratando-os sempre de forma preconceituosa, deixando-os, de preferência, à margem da educação formal. Assim, os índios, os negros, as mulheres, os homossexuais, as prostitutas e os portadores de necessidades especiais, são minoria nos índices de escolaridade em qualquer dos períodos analisados.

 

Observa-se ainda, na análise da educação brasileira a despolitização dos professores, em que pese a sua capacidade de poder transformador, a ser exercida de maneira crítica e consciente, mantiveram-se apáticos e não conseguiram ultrapassar seus limites para contribuir com mudanças estruturais na educação, que pudessem superar a exclusão, a ineficiência, a inoperância e o preconceito que marcaram a história de nossa educação.

 

É neste contexto, que queremos discutir o direito à educação, enquanto direito público subjetivo, dever do Estado e da família.  Ousamos pensar que essa educação cidadã precisa deixar de ser apenas um postulado constitucional e traduzir-se em ações concretas, que levem a construção de uma sociedade plural, justa e fraterna. Assim, estaremos superando a ausência de vínculos com a prática concreta e contribuiremos para a formação de seres humanos críticos, participativos, reflexivos e comprometidos com a justiça e a solidariedade.

 

 

Sandra Soares de Pontes

Promotora de Justiça