FUNDO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Patrícia Laczynski
Com apoio do UNICEF.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado em 1990, reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos: direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, entre outros. Para coordenar as ações nessa área, foram criados os Conselhos Municipais de Direitos das Crianças e dos Adolescentes. E, para que as políticas voltadas para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes tivessem recursos financeiros além do orçamento municipal, foram criadas leis de isenção fiscal no caso de doações para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.
Os recursos arrecadados pelo Fundo devem somar-se aos recursos já destinados no orçamento municipal a programas de atendimento à criança e ao adolescente e não substituí-los. Onde os Conselhos conseguiram ter Fundos atuantes, as doações do 1% do Imposto de Renda foram usadas em projetos que não estavam contemplados no orçamento da prefeitura, como os programas de informatização e apoio gerencial, que buscam otimizar os recursos humanos e financeiros de quem trabalha pela defesa dos direitos da infância e da adolescência.
A criação do Fundo também pode ser um meio de chamar a atenção da sociedade quanto à sua responsabilidade na solução destes problemas. Permite, também, que as empresas acompanhem, diretamente, a aplicação dos recursos que, via Imposto de Renda, não necessariamente, seriam aplicados nessa área.
O Fundo integra o orçamento municipal e está vinculado ao Conselho da Criança e do Adolescente, órgão paritário e autônomo, responsável pela sua gestão. Dentre as diversas funções do Conselho estão:
a) elaborar o Plano de Ação Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (objetivos e metas, especificando as prioridades) e o Plano de Aplicação (distribuição dos recursos por área prioritária, atendendo os objetivos da política definida no Plano de Ação). Este último, integrado à proposta orçamentária, deve ser submetido pelo Prefeito à apreciação do Poder Legislativo;
b) promover a captação de recursos para o Fundo;
c) acompanhar e avaliar a execução, o desempenho e os resultados financeiros do Fundo;
d) avaliar e aprovar os balancetes periódicos e o balanço anual do Fundo;
e) solicitar, quando achar conveniente, informações necessárias ao acompanhamento e à avaliação das atividades sob responsabilidade do Fundo; e
f) mobilizar os diversos segmentos da sociedade no planejamento, na execução e no controle das ações do Fundo.
Para garantir a transparência das decisões relativas ao Fundo, o Conselho deve criar mecanismos para que os doadores possam fiscalizar a aplicação dos recursos. É importante envolver os empresários no Conselho e também as associações de contabilistas, que incentivam e esclarecem as empresas sobre a existência desta possibilidade de doação.
Criação do Fundo
O Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente deve ser criado por lei municipal, que estabelece os objetivos, a origem das receitas, sua destinação, a gestão e execução. Para isso, a Prefeitura deve ter conhecimento sobre a dimensão do recolhimento do imposto de renda de seu município e a capacidade de destinação do imposto para o Fundo.
Além de doações por parte de pessoas físicas e jurídicas, os recursos do Fundo podem ser provenientes de multas e penalidades administrativas, transferências dos governos Estadual e Federal, doações de governos internacionais, doações de organismos nacionais e internacionais que financiam projetos para a infância e adolescência. O Fundo pode receber, ainda, recursos não contemplados no orçamento, que o integrarão através dos chamados créditos adicionais. Todos esses recursos estarão disponíveis somente após o encaminhamento da Lei oriunda do Executivo ao Legislativo e aprovação da mesma por este, e quando houver uma conta própria do Fundo.
Campanha
Após a criação do Fundo Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho pode fazer uma campanha para divulgar o plano de aplicação dos recursos, buscando o engajamento tanto das empresas quanto da população em geral. Esse plano de aplicação dos recursos deve incluir o diagnóstico atual da situação da infância e juventude no município, as demandas prioritárias, o número de crianças atingidas e as propostas de solução. Também devem ser divulgadas as ações que já são desenvolvidas e os seus impactos.
A campanha de captação de recursos deve esclarecer que as doações, tanto de empresas quanto de pessoas físicas, não significam desembolso a mais, mas são dedutíveis do Imposto de Renda a pagar, conforme determinados critérios.
Distribuição dos recursos
Os recursos do Fundo Municipal devem ser distribuídos, de acordo com o Plano de Aplicação pré-estabelecido, às associações e entidades que atuam na defesa dos direitos da infância e da adolescência, registradas no Conselho Municipal. A sua destinação deve atentar à seguinte ordem de prioridades:
a) programas de proteção especial: ações destinadas à criança e ao adolescente em situação de risco;
b) projetos de pesquisa e de estudos;
c) projetos de comunicação e divulgação de ações de defesa de direitos preconizados no ECA;
d) capacitação de recursos humanos: o Plano de Aplicação pode prover programas de capacitação de membros dos Conselhos Tutelares, dirigentes e monitores de entidades na defesa dos direitos da criança e do adolescente; e
e) políticas sociais básicas e de assistência social.
Dificuldades
A principal preocupação do Conselho deve ser com a formulação e a implementação de políticas públicas. As atividades de captação de recursos devem ser vistas como mecanismos viabilizadores dessas políticas e não como prioridade. Caso contrário, o Conselho cairá no descrédito da comunidade e do empresariado, prejudicando novas campanhas, e pode haver uma proliferação de programas que atuam junto às crianças e adolescentes de forma isolada e não articulada entre si.
Outra dificuldade é captar recursos junto às pessoas físicas. Como o seu imposto é retido na fonte, para realizar as doações, seria preciso efetuar mais um pagamento. Este duplo pagamento desestimula a participação.
Apesar da grande divulgação que se faz do “1% para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes”, a maioria dos Conselhos não conseguiu ter um Fundo atuante.
Experiências
Em Belo Horizonte-MG, o Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente é dividido em comissões e, entre elas, há a Comissão de Fundo, formada por pessoas da prefeitura e colaboradores de entidades sem fins lucrativos. Essa Comissão assumiu a elaboração e realização de uma campanha para captar recursos junto a pessoas jurídicas do Município. O período ideal para a campanha é de setembro a dezembro, quando as empresas têm mais noção de quanto poderão dispor para a doação.
A comissão fez um levantamento das empresas localizadas no Município e enviou para a diretoria de cada empresa uma carta assinada pelo prefeito, chamando a atenção para a questão do Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente. Três integrantes da Comissão de Fundo visitaram as empresas, entregando o material institucional do Conselho e do Fundo, explicando o funcionamento do incentivo fiscal para doações de empresas privadas, até 1% do Imposto de Renda devido, e esclarecendo que a utilização desses recursos é controlada por um Conselho integrado tanto por funcionários da prefeitura quanto por representantes da sociedade civil, constituindo um órgão paritário de decisão.
Com essa campanha, o Conselho conseguiu arrecadar, aproximadamente, R$ 400,00 para cada R$ 1,00 gasto. Os recursos foram entregues para entidades não-governamentais, que atuam de acordo com as políticas definidas pelo Conselho. Em Santos-SP (412 mil habitantes), a proposta de ajudar as crianças através de doações dedutíveis do Imposto de Renda ao Fundo Municipal, em vez de dar esmolas nas ruas, foi bem aceita e o objetivo de totalizar R$ 1milhão foi atingido. Para isso, o Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente conseguiu a aprovação de um decreto municipal que desburocratizou o trâmite legal das doações, criando uma conta específica e formulários próprios para esse fim, e possibilitou o depósito direto em qualquer agência do Banespa, da Cidade. Esses formulários foram enviados a diversos empresários da região anexados a peças publicitárias contendo detalhes sobre o Fundo, a utilização do dinheiro arrecadado e sobre o incentivo fiscal concedido às empresas colaboradoras. Parte da verba conquistada foi distribuída a 11 projetos de atendimento à infância e à juventude, tanto da iniciativa privada quanto da área governamental, cadastrados e aprovados pelo Conselho.
Contribuições
Pessoa Jurídica: As empresas podem destinar para o Fundo dos Direitos da Criança e Adolescente até 1% do Imposto de Renda devido, atendendo aos seguintes procedimentos:
a) as deduções não poderão exceder a 1% do imposto devido, diminuindo do adicional, se houver;
b) o valor da dedução não será dedutível como despesa operacional;
c) esta doação não está incluída no limite de 4% referente aos incentivos à cultura e audiovisual;
d) não é permitida qualquer dedução, a título de incentivo fiscal, do imposto apurado com base no lucro arbitrado ou no lucro presumido; e
e) as doações efetuadas durante o ano de 1998 serão registradas no formulário de Lucro Real. A empresa deverá registrar em sua escrituração os valores doados para fins de comprovação, bem como manter à disposição do Fisco a documentação correspondente.
Pessoa Física: A pessoa física pode destinar para o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, projetos culturais e audiovisuais até 6% do Imposto de Renda devido, não sendo aplicáveis limites específicos a quaisquer dessas deduções.
As doações, tanto de pessoas jurídicas quanto de pessoas físicas, serão feitas através do recolhimento bancário (DOC - Documento de Crédito) ou recibo de doação, devendo conter as seguintes informações: a) Razão social e CGC, ou, se for pessoa física, nome completo e CPF; b) Nome da entidade beneficiada: Prefeitura Municipal de .../Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de ...; e c) Número da conta da entidade beneficiada.
No mês de junho do ano seguinte, o Conselho de Direitos da Criança deverá entregar à Receita Federal uma relação com os dados dos doadores. Além disso, o Conselho deve emitir comprovante em favor do doador, com número de ordem, nome, número de inscrição no CGC e endereço do emitente; o nome, o CGC ou o CPF do doador, a data e o valor efetivamente recebido em dinheiro; assinado por pessoa competente para dar quitação da operação.