EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO FORO REGIONAL DE PINHEIROS

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu Promotor de Justiça designado, vem, mui respeitosamente à presença de V. Exa. para, nos termos do art. 129, inc. III da Constituição Federal, art. 25, inc. IV, a, da Lei 8.625/93, art. 103, VIII da Lei Complementar Estadual 734/93, arts. 4º, 5º, 19 e 21 da Lei 7.347/85, arts. 208 e ss. da Lei 8.069/90, arts. 3º, 83 e 90 da Lei 8/078/90 propor esta AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECLARATÓRIA DE RITO SUMÁRIO PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO DE ACESSO UNIVERSAL E GRATUITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E PRÉ-ESCOLAR em face do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, representado judicialmente em Juízo, por força do art. 12, II, do Código de Processo Civil, por seu Prefeito Municipal, DR. CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO, domiciliado no Palácio das Indústrias - Parque D. Pedro II, nesta Capital, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.

 

I.                   DOS FATOS

 

É de conhecimento público e notório que o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO vem sistematicamente negligenciando a oferta de educação infantil a milhares de crianças pela insuficiência de vagas nas Escolas Municipais de Educação Infantil - EMEIs, agravada também pelo sistemático descumprimento das leis orçamentárias quanto à construção e ampliação da rede existente.

 

Numerosos exemplos podem ser ofertados relatando a desídia municipal no provimento de vagas suficientes para atender em condições de igualdade todas as crianças em idade de escolarização infantil. À guisa de meros - mas chocantes – exemplos, apresentamos na seqüência quadro dramático extraído de inquéritos civis e procedimentos preparatórios de tais inquéritos em tramitação nesta Promotoria de Justiça.

 

1.1 OS DADOS LEVANTADOS PELO PRÓPRIO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO (IC 1/97)

 

Consta de notícias veiculadas pela imprensa no dia 30 de dezembro de 1996, especialmente pelo jornal “O ESTADO DE SÃO PAULO”, que cerca de 200 mil crianças ficarão sem vagas em pré-escolas, segundo estudos feitos pela Fundação Instituto de Administração da Universidade São Paulo (FIA-USP), cuja cópia encontra-se em anexo ao presente pedido.

 

O estudo indica que cerca de 44,1% das crianças compreendidas entre 4 e 6 anos de idade não encontrarão vagas na rede pública de pré-escola, incluindo estabelecimentos de ensino que devem ser mantidos conjuntamente pelo ESTADO e pelo MUNICÍPIO.

 

A apresentação dos resultados da PESQUISA SOBRE CENSO, MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA ESCOLAR, desenvolvida pela Fundação Instituto de Administração (FIA-USP), instituição conveniada com a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade São Paulo, e coordenada pelos Profs. José Afonso Mazzon e Helio Janny Teixeira, solicitada diretamente pela Secretaria Municipal de Educação do Município de São Paulo, evidencia que:

 

a) São estimadas matrículas de 275.048 crianças na pré-escola, no ano de 1997, em toda a cidade de São Paulo, segundo divisão feita entre as onze delegacias regionais de ensino municipal;

 

b) Estima-se que, pelo menos, 202.747 crianças de 4 a 6 anos de idade, ficarão fora da escola na cidade de São Paulo, no ano de 1997, o que corresponde a 38,9% das crianças, segundo a base de estimativa provável no limite inferior;

 

c) De um total de 530.299 crianças estimadas que vivem na cidade de São Paulo entre 4 e 6 anos, 36,8%, ou seja, 194.979 não freqüentam a pré-escola ou creche e das 335.320 que freqüentam, 41,4% estão na rede particular;

 

d) Há diversas regiões da cidade onde mais de 40% do total das crianças de 4 a 6 anos estão fora da escola: (DREM 6, 10, 3 e 5).

 

e) 44,1% das crianças que estão fora da escola entre 4 e 6 anos têm como motivo a falta de vaga em escola pública e outros 22,8% não podem pagar escola particular, ou seja, 66,9% das crianças fora da escola nessa idade por insuficiência de atendimento do Poder Público;

 

f) Nas classes sócio-econômicas C, D, e E, a falta de vaga em creche ou pré-escola pública é o maior motivo de não estarem matriculadas as crianças de 4 a 6 anos e a impossibilidade de pagamento, o segundo motivo mais relevante;

 

Segundo dados da própria Secretaria Municipal de Educação, de 1989 a 1993 tem havido sistematicamente decréscimo de vagas para educação infantil de crianças de 4 a 6 anos de idade. O ligeiro acréscimo verificado em 1996 não repõe sequer o número de vagas existentes em 1989, conforme o quadro seguinte:

 

MATRÍCULAS

 

1989

1992

1993

1996

VAGAS

208.721

200.704

182.790

199.758

 

O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, por sua vez, tem se mostrado absolutamente incapaz ao longo de gestões administrativas passadas de compreender a importância da educação no processo formador do cidadão, economizando vergonhosamente e deixando criminosamente de implementar os investimentos devidos na manutenção e no desenvolvimento do ensino, tema esse objeto de ações e inquéritos civis próprios no âmbito desta Promotoria de Justiça.

 

2. DO RITO SUMÁRIO

 

Conforme dispõe o art. 5º, § 3º da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a ação judicial intentada por qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, nos casos de não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou de sua oferta irregular, será de rito sumário.

 

Trata-se de aplicação das normas processuais previstas nos arts. 275 e ss. do Código de Processo Civil, independentemente de qualquer outra regulamentação, por força do disposto no art. 275, inc. II, g, que garante a observância do procedimento sumário nas causas, qualquer que seja o valor, nos demais casos previstos em lei, como a hipótese vertente.

 

3. DA NATUREZA DECLARATÓRIA DA AÇÃO

 

A presente ação civil pública funda-se no art. 19 da Lei 7.347/85 que prevê a aplicação à ação civil pública prevista naquela lei, subsidiariamente as regras do Código de Processo Civil. Outrossim, para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes (art. 211 da Lei 8.069/90).

 

Assim, podendo limitar-se o interesse do autor à declaração da existência de relação jurídica (art. 4º, I, do CPC) e cabendo ainda subsidiariamente na aplicação à defesa dos direitos e interesses difusos e coletivos as regras dos arts. 81 e ss. do Código de Defesa do Consumidor (art. 21 da Lei 7.347/85) e dispondo o art. 81, parágrafo único da Lei 8.078/90 que a defesa coletiva será exercida tanto em situações de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos e que para a defesa dos direitos e interesses protegidos são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar adequada e efetiva tutela (art. 83 da Lei 8.078/890) e que se aplicam também a essa lei as regras do Código de Processo Civil, tem-se por perfeitamente cabível e juridicamente possível pedido de natureza declaratória em ação civil pública.

 

4. DOS DISPOSITIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS PERTINENTES AO TEMA:

 

O direito fundamental à educação é tema afeto a inúmeros diplomas legais em todas as órbitas da Federação. Além de objeto da Constituição Federal e de leis nacionais como a que estabelece diretrizes e bases para a educação (Lei 9.394/96) e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), é também alvo de disciplina nas Cartas estaduais e nas leis de organização interna dos municípios.

 

4.1 A Constituição Federal

 

Antes mesmo daquele dispositivo específico, a própria Constituição Federal já consagrara a educação como direito social fundamental, dispondo sobre ela, dentre outros, nos seguintes artigos:

 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

            [...]

 

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

 

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

            [...]

 

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

            [...]

 

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

 

VII - garantia de padrão de qualidade.

            [...]

 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

 

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

            [...]

 

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade:

            [...]

 

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

 

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

 

§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

            [...]

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.

 

§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

 

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.

 

§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

 

§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.

 

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

            [...]

 

4.2 A Constituição do Estado de São Paulo

 

A Constituição Estadual Paulista dispõe com rara riqueza, em diversos dispositivos, o sistema de prioridades estabelecido para educação, mormente nos níveis fundamentais do ensino básico, do seguinte modo:

 

Art. 233 - As ações governamentais e os programas de assistência social, pela sua natureza emergencial e compensatória, não deverão prevalecer sobre a formulação e aplicação de políticas sociais básicas nas áreas de saúde, educação, abastecimento, transporte e alimentação.

            [...]

Art. 237 - A educação ministrada com base nos princípios estabelecidos no artigo 205 e seguintes da Constituição Federal e inspirada nos princípios de liberdade e solidariedade humana, tem por fim:

 

I - a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade;

 

II - o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais da pessoa humana;

 

III - o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional;

 

IV - o desenvolvimento integral da personalidade humana e sua participação na obra do bem comum;

 

V - o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos conhecimentos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio, preservando-o;

 

VI - a preservação, difusão e expansão do patrimônio cultural;

 

VII - a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe, raça ou sexo;

 

VIII - o desenvolvimento da capacidade de elaboração e reflexão crítica da realidade;

 

Art. 238 - A lei organizará o Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, levando em conta o princípio da descentralização.

 

Artigo 239 - O Poder Público, organizará o Sistema Estadual de Ensino, abrangendo todos os níveis e modalidades, incluindo a especial, estabelecendo normas gerais de funcionamento para as escolas públicas estaduais e municipais, bem como para as particulares.

Art. 240 - Os Municípios responsabilizar-se-ão prioritariamente pelo ensino fundamental, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, e pré-escolar só podendo atuar nos níveis mais elevados quando a demanda naqueles estiver plena e satisfatoriamente atendida, do ponto de vista qualitativo e quantitativo.

 

Art. 241 - O Plano Estadual de Educação, estabelecido em lei, é de responsabilidade do Poder Público Estadual, tendo sua elaboração coordenada pelo Executivo, consultados os órgãos descentralizados do Sistema Estadual de Ensino, a comunidade educacional, e considerados os diagnósticos e necessidades apontados nos Planos Municipais de Educação.

            [...]

 

Art. 247 - A educação da criança de zero a seis anos, integrada ao sistema de ensino, respeitará as características próprias dessa faixa etária.

 

Art. 248 - O órgão próprio de educação do Estado será responsável pela definição de normas, autorização de funcionamento, supervisão e fiscalização de creches e pré-escolas públicas e privadas do Estado.

 

Parágrafo único - Aos Municípios, cujos sistemas de ensino estejam organizados, será delegada competência para autorizar o funcionamento e supervisionar as instituições de educação das crianças de zero a seis anos de idade.

            [...]

 

Art. 255 - O Estado aplicará, anualmente, na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, no mínimo, trinta por cento da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de transferências.

 

Parágrafo único - A lei definirá as despesas que se caracterizem como manutenção e desenvolvimento do ensino.

            [...]

 

 

 

4.3 A LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

 

A Lei Orgânica do Município de São Paulo também é generosa ao abordar a educação, fazendo-o nos seguintes dispositivos principais:

 

Art. 200 - A educação ministrada com base nos princípios estabelecidos na Constituição da República, na Constituição Estadual e nesta Lei Orgânica, e inspirada nos sentimentos de igualdade, liberdade e solidariedade, será responsabilidade do Município de São Paulo, que a organizará como sistema destinado à universalização do ensino fundamental e da educação infantil.

 

§ 1º - O sistema municipal de ensino abrangerá os níveis fundamental e da educação infantil estabelecendo normas gerais de funcionamento para as escolas públicas municipais e particulares nestes níveis, no âmbito de sua competência.

 

§ 2º - Fica criado o Conselho Municipal de Educação, órgão normativo e deliberativo, com  estrutura colegiada, composto por representantes do Poder Público, trabalhadores da educação e da comunidade, segundo lei que definirá igualmente suas atribuições.

 

§ 3º - O Plano Municipal de Educação previsto no art. 241 da Constituição Estadual será elaborado pelo Executivo em conjunto com o Conselho Municipal de Educação, consultados os órgãos descentralizados de gesto do sistema municipal de ensino, a comunidade educacional do referido sistema, sendo ouvidos os órgãos representativos da comunidade e consideradas as necessidades das diferentes regiões do Município.

 

Art. 201 - Na organização e manutenção do seu sistema de ensino, o Município atenderá ao disposto no art. 211 e parágrafo da Constituição da República e garantirá gratuidade e padrão de qualidade de ensino.

 

§ 1º - A educação infantil, integrada ao sistema de ensino, respeitará as características próprias dessa faixa etária, garantindo um processo contínuo de educação básica.

§ 2º - A orientação pedagógica da educação infantil assegurará o desenvolvimento psicomotor, sócio-cultural e as condições de garantir a alfabetização.

 

§ 3º - A carga horária mínima a ser oferecida no sistema municipal de ensino é de 4 (quatro) horas diárias em 5 (cinco) dias da semana.

 

§ 4º - O ensino fundamental, atendida a demanda, terá extensão de carga horária até se atingir a jornada de tempo integral, em caráter optativo pelos pais ou responsáveis, a ser alcançada pelo aumento progressivo da atualmente verificada na rede pública municipal.

 

§ 5º - O atendimento da higiene, saúde, proteção e assistência às crianças será garantido, assim como a sua guarda durante o horário escolar.

 

§ 6º - É dever do Município, através da rede própria, com a cooperação do estudo, o provimento em todo o território municipal de vagas, em número suficiente para atender à demanda quantitativa e qualitativa do ensino fundamental obrigatório e progressivamente à da educação infantil.

 

§ 7º - O disposto no § 6º não acarretará a transferência automática dos alunos da rede estadual para a rede municipal.

 

§ 8º - Compete ao Município recensear os educandos do ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais e responsáveis, pela freqüência à escola.

 

§ 9º - A atuação do Município dará prioridade ao ensino fundamental e de educação infantil.

 

Art. 202 - Fica o Município obrigado a definir a proposta educacional, respeitando o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e legislação aplicável.

 

§ 1º - O Município responsabilizar-se-á pela integração dos recursos financeiros dos diversos programas em funcionamento e pela implantação da política educacional.

 

§ 2º - O Município responsabilizar-se-á pela definição de normas quanto à autorização, supervisão, direção, coordenação pedagógica, orientação educacional e assistência psicológica escolar, das instituições de educação integrantes do sistema de ensino no Município.

 

§ 3º - O Município deverá apresentar as metas anuais de sua rede escolar em relação à universalização do ensino fundamental e da educação infantil.

 

Art. 203 - É dever do Município garantir:

 

I - ensino fundamental gratuito a partir de 7 (sete) anos de idade, ou para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

 

II - educação igualitária, desenvolvendo o espírito crítico em relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais das aulas, cursos, livros didáticos, manuais escolares e literatura;

 

III - a matrícula no ensino fundamental, a partir dos 6 (seis) anos de idade, desde que plenamente atendida a demanda a partir de 7 (sete) anos de idade.

 

Parágrafo único - Para atendimento das metas de ensino fundamental e da educação infantil, o Município diligenciará para que seja estimulada a cooperação técnica e financeira com o Estado e a União, conforme estabelece o art. 30, inciso VI, da Constituição da República.

 

Art. 204 - O Município garantirá a educação visando o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício consciente da cidadania e para o trabalho, sendo-lhe assegurado:

 

I - igualdade de condições de acesso e permanência;

 

II - o direito de organização e de representação estudantil no âmbito do Município, a ser definido no Regimento Comum das Escolas.

 

Parágrafo único - A lei definirá o percentual máximo de servidores da área de educação municipal que poderão ser comissionados em outros órgãos da administração pública.

 

Art. 205 - O Município proverá o ensino fundamental noturno, regular e adequado às condições de vida do aluno que trabalha, inclusive para aqueles que a ele não tiveram acesso na idade própria.

 

Art. 206 - O atendimento especializado aos portadores de deficiências, dar-se-á na rede regular de ensino e em escolas especiais públicas, sendo-lhes garantido o acesso a todos os benefícios conferidos à clientela do sistema municipal de ensino e provendo sua efetiva integração social.

 

§ 1º - O atendimento aos portadores de deficiências poderá ser efetuado suplementarmente mediante convênios e outras modalidades de colaboração com instituições sem fins lucrativos, sob supervisão dos órgãos públicos responsáveis, que objetivem a qualidade de ensino, a preparação para o Trabalho e a plena integração da pessoa deficiente, nos termos da lei.

 

§ 2º - Deverão ser garantidas aos portadores de deficiência a eliminação de barreiras arquitetônicas dos edifícios escolares já existentes e a adoção de medidas semelhantes quando da construção de novos.

 

Art. 207 - O Município permitirá o uso pela comunidade do prédio escolar e de suas instalações, durante os fins de semana, férias escolares e feriados, na forma da lei.

 

§ 1º - É vedada a cessão de prédios escolares e suas instalações para funcionamento do ensino privado de qualquer natureza.

 

§ 2º - Toda área contígua às unidades de ensino do Município, pertencentes à Prefeitura do Município de São Paulo, será preservada para a construção de quadra poliesportiva, creche, posto de saúde, centro cultural ou outros equipamentos sociais públicos.

 

Art. 208 - O Município aplicará, anualmente, no mínimo 30% (trinta por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e da educação infantil, nos termos do art. 212, § 5º, da Constituição da República.

 

§ 1º - O Município desenvolverá planos e diligenciará para o recebimento e aplicação dos recursos adicionais, provenientes da contribuição social do salário-educação de que trata o art. 212, § 5º da Constituição da República, assim como de outros recursos, conforme o art. 211, § 1º da Constituição da República.

 

§ 2º - A lei definirá as despesas que se caracterizam como manutenção e desenvolvimento do ensino.

 

§ 3º - O atendimento ao educando se dará também através de programas de transportes, alimentação e assistência à saúde, nos termos dos art. 208, inciso VII e 212, § 4º da Constituição da República e não incidirá sobre a dotação orçamentária prevista no “caput” deste artigo.

 

§ 4º - A eventual assistência financeira do Município às instituições de ensino filantrópicas, comunitárias ou confessionais, não poderá incidir sobre a aplicação mínima prevista no “caput” deste artigo.

 

§ 5º - Será vedado o fornecimento de bolsas de estudo que onerem os cofres públicos, salvo para aperfeiçoamento e capacitação de recursos humanos da administração pública.

 

Art. 209 - O Município publicará, até 30 (trinta) dias após o encerramento de cada semestre, informações completas sobre receitas arrecadadas, transferências e recursos recebidos e destinados à educação nesse período, bem como a prestação de contas das verbas utilizadas, discriminadas por programas.

 

Art. 210 - A lei do Estatuto do Magistério disciplinará as atividades dos profissionais do ensino.

 

Art. 211 - Nas unidades escolares do sistema municipal de ensino será assegurada a gestão democrática, na forma da lei.

 

4.4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em inúmeros de seus dispositivos, registra o dever do Poder Público para com a educação, com ênfase no ensino fundamental e na educação infantil, premissas maiores de intervenção do Município na condução da gestão educacional. Destaca-se, nesse contexto, o próprio art. 4º do Estatuto, assim descrito:

 

Art. 4º É dever ... do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos concernentes à ... educação.

 

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

            [...]

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

 

  Depois desse, também o art. 54 do Estatuto ao dispor que:

 

Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

            [...]

 

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

            [...]

 

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

            [...]

 

4.5 A LEI 9.394/96

 

O tema da educação é de tal transcendência que há lei federal recente com quase uma centena de artigos estabelecendo apenas as diretrizes e bases para a educação. Esse diploma, a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no que se refere ao dever do Estado para com a educação, destaca, principalmente que:

 

Art. 4º - O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

            [...]

 

IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;

            [...]

Art. 5º - O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.

 

§ 1º - Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União:

 

I - recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso;

 

II - fazer-lhes a chamada pública;

 

III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência a escola.

 

§ 2º - Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.

 

§ 3º - Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.

 

§ 4º - Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.

 

§ 5º - Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.

 

Especificamente sobre a educação infantil, além dos dispositivos já citados anteriormente, trata ainda o Título V, Capítulo II, Seção II da Lei 9.394/96, assim disciplinando a matéria:

 

Art. 29 - A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

 

Art. 30 - A educação infantil será oferecida em:

 

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

 

II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

 

Art. 31 - Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

 

 

5. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 

Em face do disposto nos art. 127, caput, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

 

Nesta ordem que ora se requer, competem em igualdade harmônica a defesa desses três paradigmas legitimantes da intervenção ministerial e que pode ser sumularmente descrita como a defesa da ordem jurídica-democrática na proteção dos interesses sociais.

 

Mais ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, em seu art. 208, VI,  registra que regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular de ... ensino obrigatório, de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência; de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; de ensino noturno regular, adequado às condições do educando, de programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental.

 

O mesmo dispositivo legal, em seu parágrafo único, registra que as hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei.

 

Recentes pronunciamentos da jurisprudência referendam integralmente a legitimidade do Ministério Público para questões como esta posta em debate. Veja-se sobre o tema, dentre outras decisões:

 

MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE DE PARTE ATIVA - DEFESA DA ORDEM JURÍDICA, SOBRETUDO NO QUE DIZ RESPEITO AOS DIREITOS BÁSICOS DO CIDADÃO - RECURSO PROVIDO. Não se deve negar ao Ministério Público a legitimidade ativa ad causam, na defesa do cumprimento das normas constitucionais, sob o argumento da independência entre os Poderes. São independentes, enquanto praticam atos administrativos de competência interna corporis. Não são independentes para, a seu talante, desobedecerem à Carta Política, às leis e, sob tal pálio, permanecerem, cada uma seu lado, imune à reparação das ilegalidades. (TJSP, Apel. 201.109-1, Rel. Villa da Costa, 04.02.94)

 

 

 

5.1 O ENSINO FUNDAMENTAL COMO DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO E OS LEGITIMADOS PROCESSUAIS

 

O acesso ao ensino fundamental corresponde a direito público subjetivo. Entendemos neste ponto, uma vez que há outros deveres do Poder Público para com a educação estabelecidos no art. 4º, que todos aqueles constantes do rol dos incisos I a IX daquele artigo também são direitos públicos subjetivos, posto que não pode haver declaração de dever do Estado sem a correspondente transformação daquela obrigação em direito do cidadão, cujo cumprimento pode ser judicialmente exigível. Assim, além do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, também são direitos públicos subjetivo: a) a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; b) o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; c) o atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; d) o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; e) a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; f) a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; g) o  atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; h) o atendimento a padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

 

No tocante ao ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, é direito subjetivo do público, inclusive que ele cumpra seus objetivos legalmente definidos mediante o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Há, pois, direito público subjetivo não apenas quanto à sua prestação, mas também quanto ao cumprimento de suas finalidades importando o desvio em responsabilidade da autoridade pública, valendo o mesmo raciocínio aos demais direitos públicos subjetivos relacionados com a educação.

 

Reforça esse preceito o art. 208, § 1º, da Constituição Federal que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, assim como disposição à contida no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 54, § 1º.

 

Qualquer cidadão poderá demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à educação por meio de mandado de segurança (art. 5º, LXIX, da Constituição Federal), ação cautelar ou outra via adequada, em vista da declaração legal e constitucional de que tal acesso é direito público subjetivo e em face do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal). Aplica-se, fora dos casos de ações especiais, as normas processuais previstas nos arts. 275 e ss. do Código de Processo Civil, independentemente de qualquer outra regulamentação, por força do disposto no art. 275, inc. II, g, que garante a observância do procedimento sumário nas causas, qualquer que seja o valor, nos demais casos previstos em lei, como a hipótese vertente. Também para a defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei que forem comuns aos previstos do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o art. 212 daquele diploma, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, inclusive ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.

 

Grupos de cidadãos poderão demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à educação por meio de mandado de segurança (art. 5º, inc. LXIX, da Constituição Federal) ou por mandado de segurança coletivo, desde que preenchidas as condições previstas no art. 5º, inc. LXX, b, da Constituição Federal, ou ainda pelos meios já indicados.

 

As associações comunitárias, organizações sindicais, entidades de classe ou outras legalmente constituídas poderão demandar contra o Poder Público também por esses meios.

 

O Ministério Público[1] poderá demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à educação pelos meios já expostos, com exceção do mandado de segurança coletivo por lhe faltar legitimidade processual. Poderá, principalmente, por força do disposto no art. 129, III da Constituição Federal, art. 25, inc. IV, a, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica nacional do Ministério Público), no art. 5º, da Lei nº 7.347/85, propor ação civil pública[2] e nos arts. 201, inc. V e 210, inc. I do Estatuto da Criança e do Adolescente, propor ação civil pública. Aplica-se, fora dos casos de ações especiais, as normas processuais previstas nos arts. 275 e ss. do Código de Processo Civil, independentemente de qualquer outra regulamentação, por força do disposto no art. 275, inc. II, g, que garante a observância do procedimento sumário nas causas, qualquer que seja o valor, nos demais casos previstos em lei, como a hipótese vertente. Também para a defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei que forem comuns aos previstos do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o art. 212 daquele diploma, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, inclusive ação mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.

 

6. DA COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE

Não suscita dúvida a competência absoluta para processo e julgamento da causa por qualquer Vara da Infância e da Juventude da Capital, não sendo razoável pretextar-se  que vigora a competência do juízo especializado em causas em que figurem como parte a Fazenda Pública, sendo esta inquestionável, segundo os arts. 35 e 36 da Lei de Organização Judiciária do Estado de São Paulo.

 

O art. 148, inc. IV do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é Lei Federal (nº 8.069, de 13 de julho de 1990), estabelece que:

 

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

            [...]

 

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;

 

  O art. 209, por seu turno, dispõe que:

 

Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvada a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.

 

Vale dizer, apenas a competência da Justiça Federal e dos Tribunais Superiores prefere a da Vara da Infância e da Juventude. Nada ficou registrado quanto à competência da Vara da Fazenda Pública, que não goza da mesma qualidade daquela atribuída por Lei Federal à da Infância e Juventude. Mais, tal competência é absoluta.

 

Dispõe o aludido artigo 35 do Código Judiciário do Estado de São Paulo,  Decreto-Lei Complementar Estadual n° 3 de 27 de agosto de 1969, com a alteração dada pelo artigo 17 da Lei Estadual n° 6.166 de 29 de junho de 1988, que:

 

Art. 35. Aos Juizes das Varas da Fazenda do Estado compete:

 

I - processar, julgar e executar os feitos, contenciosos ou não, principais, acessórios e seus incidentes, em que o Estado e respectivas entidades autárquicas ou paraestatais forem interessados na condição de autor, réu, assistente ou opoente, excetuados:

a) os de falência;

b) os mandados de segurança contra atos de autoridade estaduais situados fora da Comarca da Capital; e

c) os de acidentes do trabalho.

 

II - conhecer e decidir as ações populares que interessem ao Estado ou às autarquias e entidades paraestatais; e

 

III - cumprir cartas precatórias e rogatórias em que seja interessado o Estado.

 

Parágrafo único. As causas propostas perante outros juizes desde que o Estado nelas intervenha como litisconsorte, assistente ou opoente, passarão à competência das Varas da Fazenda do Estado.

 

O artigo 17 da Lei Estadual n° 6.166 de 29 de junho de 1988 apenas dá nova denominação à Vara Especializada (para Vara da Fazenda Pública).

 

Os dois dispositivos em análise decorrem da competência dos Estados para organizar sua Justiça, nos termos do artigo 125 da Constituição Federal, e do teor do artigo 93 do Código de Processo Civil, e devem se harmonizar expressamente com o artigo 22 da referida Constituição, que prevê competência exclusiva da União para legislar sobre direito processual.

 

Como harmonizar os referidos preceitos? Torna-se evidente que ao organizar sua Justiça, os referidos Estados podem criar Foros Privativos (não privilegiados), desde que seus dispositivos se harmonizem com os preceitos de natureza processual, emanados de lei federal.

 

E nesse aspecto, temos que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao trazer em seu bojo normas de competência próprias, afasta por completo a possibilidade de aplicação do Código Judiciário do Estado, tornando patente a competência absoluta das Varas da Infância e Juventude para ações referentes a essa matéria, excetuando expressamente somente a Justiça Federal e as competências originárias dos Tribunais Superiores.

 

Diz o artigo 208 da Lei n° 8.069/90, expressamente:

 

Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:

 

Logo a seguir, no mesmo Capítulo, prossegue o Estatuto com o art. 209, já citado, afirmando que “As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.”(grifo nosso).

 

Finalmente, sobre o tema, diz ainda a lei especial em comento com o também já citado art. 148, onde se esculpe que  “A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: ... IV - conhecer de ações civis públicas fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no artigo 209;...”

 

A análise dos artigos em questão demonstra com segurança a competência absoluta em razão da matéria do Juízo da Infância e da Juventude, que não poderia ser afetada pelos foros privativos criados por normas de organização judiciária, que, aliás, é anterior a sua edição.

 

Outro, aliás, não poderia ser o entendimento.

 

De fato, desde  a Constituição Federal de 1988 foi estabelecido o princípio da absoluta prioridade da criança (artigo 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao repetir o princípio, perfilhou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, estampada no seu artigo 1° . A intenção do legislador foi de criar leis específicas para a proteção da pessoa humana em desenvolvimento e o aplicador dessa lei deve atuar especificamente no Juízo da Infância e Juventude, ressalvadas unicamente as competências expressamente previstas em seu texto legal, entre as quais não se situa o foro da Fazenda Estadual.

 

Embora a matéria seja nova em nossos Tribunais, já houve julgado em que foi admitida a Fazenda Pública do Estado no pólo passivo, discutindo-se unicamente se a competência seria da Vara  Especial ou não.

 

Entre a doutrina, também a matéria não é analisada, excetuando-se aqui apenas o entendimento do Ilustre Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, (Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentários - ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 365), que com maestria, enfrentou a questão em foco, explicando:

 

Tratando-se de ato comissivo ou comissivo que importe em violação dos direitos assegurados pela Constituição Federal e pelo Estatuto, a ação será proposta no foro do local onde o dano ocorreu. Se determinada cidade deixar de oferecer ensino obrigatório aos seus munícipes mirins, a demanda será proposta na comarca a que pertencer tal município, cujo Juízo da Infância e da Juventude terá competência absoluta para processar a causa.

A questão assumirá contornos mais complexos quando o ato comissivo ou omissivo for praticado dentro dos limites geográficos de uma grande cidade, como é o caso da Capital Paulista, cuja comarca apresenta mais de uma dezena de Juízos da Infância e da Juventude. Desses juízos, qual será o competente para o processamento e o conhecimento da ação? Um exemplo, decerto, responderá a indagação: se na Zona Norte de São Paulo o ensino público mostra-se deficitário devido a contínuas greves do corpo docente, dando azo a que o corpo discente passe a maior parte do ano letivo sem aulas, a ação será  proposta perante o juízo que tenha competência para açambarcar toda a região, no caso o Juízo da Infância e da Juventude do Foro Regional de Santana. No pólo passivo figurará o Estado, caso a rede de ensino seja estadual, ou o Município, se municipal. E mais: não prevalecerá, ante expressa disposição do artigo em estudo, o foro privativo de que gozam essas pessoas jurídicas de direito público.

 

Convém registrar enfaticamente que a Vara da Infância e da Juventude dispõe de competência absoluta em razão da matéria, o que se sobrepõe à competência em razão da qualidade da parte.

 

Importa ressaltar que as exceções previstas no próprio Estatuto, ou seja, a ressalva quanto à Justiça Federal e quanto à competência originária dos Tribunais, obviamente, não se aplica ao caso concreto.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente é lei especial e traça regra específica de competência material e a própria Constituição Federal prevê o princípio da absoluta prioridade de atendimento à criança, o que deve ser estendido aos limites da preferência processual. (art. 227).

 

A passagem citada de lavra do ilustre Promotor de Justiça JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, suscita-nos o tema da competência territorial para a presente ação, posto que a ação deveria ser prestada pelo ESTADO DE SÃO PAULO em áreas correspondentes aos mais diversos foros regionais da Capital.

 

O problema pode ser facilmente resolvido mediante algumas singelas considerações. Inicialmente, cabe ponderar que a competência territorial é relativa e, portanto, prorrogável.

 

Nos termos do art. 102 do Código de Processo Civil, a competência em razão do território poderá ser modificada pela conexão ou continência. Os juízes por onde se processam as ações conexas são competentes, isoladamente, para o julgamento das causas. A conexão é causa modificadora dessa competência, fazendo com que as causas conexas sejam reunidas para obter julgamento conjunto, a fim de se evitarem decisões conflitantes.

 

Em tema assim, expressa a lei, que ocorrendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado. a fim de que sejam decididas simultaneamente. (art. 105, do CPC).

 

Ora, se assim pode agir o magistrado, ex officio, ou a requerimento das partes, pode o autor, ab initio, ao invés de propor diversas ações idênticas em diversos foros, reuni-las em uma única e propô-la em qualquer daqueles que fosse competente para o julgamento de parte da demanda global, por força de sua jurisdição local.

 

Economia processual manifesta se concentra em tal proceder, obtendo-se maior celeridade e concentração de esforços da Justiça Pública na solução geral da causa.

 

Não fossem argumentos suficientes, há outro mais, quase desconhecido. As atuais Varas da Infância e da Juventude dos Foros Regionais foram criadas por força do art. 2º da Lei Estadual 3.947/83., à época denominada simplesmente Vara de Menores. Foi distribuída a competência territorial geral, sem referência específica às Varas de Menores de então pelo mesmo art. 2º. No art. 4º, inc. IV, e com a norma expressa no art. 7º, quando ficou assentado que:

 

Art. 4º A competência de cada foro regional será a mesma dos foros distritais existentes, com os acréscimos seguintes e observados, no que couber, os demais preceitos em vigor:

            [...]

 

IV - em matéria de menores, a mesma competência da atual Vara de Menores da Comarca de São Paulo, excluídas, porém, as infrações imputadas a menores e observado o disposto no artigo 7º desta Lei.

 

Art. 7º Os atos normativos dos juizados de menores da Comarca de São Paulo serão adotados, em conjunto, pelos titulares das respectivas varas regionais e central, ou das especiais, com a coordenação de um deles, designado, periodicamente, pelo Conselho Superior da Magistratura.

 

Vale dizer, há um nível de coesão e uniformidade na atuação das Varas da Infância e da Juventude, quer pela competência idêntica vigorante entre elas, quer pela atividade administrativa que deve ser conjuntamente desenvolvida por seus magistrados titulares. Tal aspiração de coesão reforça o sentido identificador de qualquer uma das Varas da Infância e da Juventude é igualmente competente para apreciar o tema da presente ação civil pública.

 

Ademais disso a jurisprudência dessa E. Corte tem firmado reiterada posição no sentido da firmar a competência, em casos que tais, na sede da Justiça da Infância e da Juventude.

 

Se na inicial fundou o autor seu pedido em defesa de interesse coletivo afeto à criança e ao adolescente, a competência somente poderia ser a Justiça da Infância e da Juventude, nos termos do acórdão exarado nos autos do Conflito de Competência n. 33.513-0/8, do qual foi relator o Des. Luís de Macedo.

 

Em termos análogos a decisão proferida na ação civil pública em recurso de Agravo n. 36.139-0/2, em que foi relator o Des. Carlos Ortiz.

 

7. DO ENSINO PÚBLICO

 

A preferência constitucional pelo ensino público importa em que o Poder Público organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo: ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creches às crianças de zero a três anos e em pré-escolas às crianças de quatro a seis anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas do educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; conteúdo mínimo para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais (art. 208).

 

O dever estatal com a educação implica a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, cada qual, com seu sistema de ensino em regime de colaboração mútua e recíproca, destinado, anualmente, a União não menos de dezoito por cento da receita de impostos, e os Estados e Municípios, cada um, no mínimo, vinte e cinco por cento da receita de impostos, compreendida a proveniente de transferências, com prioridade de aplicação no ensino obrigatório. Esses recursos, como qualquer outro recurso público, serão destinados à escola pública. Faculta-se, por exceção, dirigir recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, inclusive por meio de bolsa de estudos a quem demonstrar insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares na rede pública na localidade da residência do educando.[3]

 

O dever do Estado para com a educação aparece repetido em diversos diplomas legais. Na Constituição Federal, nos arts. 205 e 208; na Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no art. 54; na própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação nos arts. 2º, 4º, 58, § 3º e 87, §§ 2º e 3º.

 

A educação como processo de reconstituição da experiência é um atributo da pessoa humana[4] e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa concepção que a Constituição agasalha nos arts. 205 a 214, quando declara que ela é um direito de todos e dever do Estado.

 

Misteriosamente, mas nem tanto, o legislador neoliberal convicto e irresponsável, olvidou o mandamento constitucional no sentido de antes de ser um dever, a educação tratar-se de um direito do cidadão, exatamente porque de sua definição como direito (e como direito fundamental insujeito, pois, às restrições de aplicabilidade, sendo-lhe perfeitamente adequadas a extensão da aplicabilidade imediata prevista no art. 5,  1 da Constituição Federal) é que surge o correlato dever do Estado. Na espécie, a redução legal da amplitude do comando constitucional é absolutamente ineficaz quanto a qualquer pretensão limitadora dos efeitos da norma constitucional ou daquelas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Implica dizer, a educação é fundamentalmente dever do Poder Público, supletivamente da família, mormente porque, como estabelece a Lei 9.394/96, dispõe sobre a educação formal, aquela cujo ensino se dá por meio de instituições próprias e estas são de obrigação estatal e não familiar. Parece, desse modo, injusta e simultaneamente arbitrária e irresponsável a tentativa de mudança do pólo principal quanto aos deveres de educação.

 

Absolutamente indevida a inversão constitucionalmente definida sobre a preferência de responsabilidade pelo dever de educação. Este é prioritariamente do Estado, entendido como Poder Público, em seguida da família, não ao contrário, cabendo inicialmente àquele oferecer as condições para exigência do cumprimento do dever familiar, institucionalmente secundário. Tal inversão, que já se fazia presente no texto do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, é aqui robustecida pela omissão do direito público subjetivo expresso no art. 205 da Constituição Federal.

 

A consecução prática dos objetivos da educação consoante o art. 205 - pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho - só se realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios com eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição, como são: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino; garantia de padrão de qualidade (art. 206).

 

Segundo o art. 4º desta Lei, o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

 

7.1 DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO

 

Antes mesmo de iniciar a explicação sobre o significado de ser a educação um direito público subjetivo, cabe trazer ilustradora passagem de Pontes de Miranda,[5] onde conclama o mestre que não se deve confundir “o direito à educação com as bolsas sob os Antônimos, em Roma, ou sob Carlos Magno, ou nos séculos do poder católico. Não se trata de ato voluntário, deixado ao arbítrio do Estado, ou da Igreja, mas de direito perante o Estado, direito público subjetivo, ou, no Estado puramente socialista e igualitário, situação necessariamente criada no plano objetivo, pela estrutura mesma do Estado. A própria estatização do ensino constitui, nos ciclos evolutivos, grau avançado de progresso. Foi o que se deu em Roma e na França, o que tem sido moroso é o processo de tal intervenção do Estado. Surgiu na Alemanha antes de surgir entre os Franceses, porém lá mesmo estacou.”

 

Em outra passagem, o festejado mestre destila sua ira contra inúteis disposições legais ao expressar “a ingenuidade ou a indiferença ao conteúdo dos enunciados com que os legisladores constituintes lançam a regra “A educação é direito de todos” lembra-nos aquela Constituição espanhola em que se decretava que todos “os espanhóis seriam”, desde aquele momento, “buenos”. A educação somente pode ser direito de todos se escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas; portanto, se há direito público subjetivo à educação e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da educação, não é fazer leis, ainda excelentes; é abrir escolas, tendo professores e admitindo os alunos.”[6]

 

O legislador constituinte emprega tranqüilamente a expressão técnica especializada, direito subjetivo público ou direito público subjetivo, como se tratasse de proposição normal, de conhecido significado. Por isso tentaremos explicá-la, a fim de que o educando e sua família possam, eventualmente, ir a juízo, a exigir a prestação jurisdicional do acesso ao ensino gratuidade, que o Estado tem o poder-dever de ofertar. A importância do estudo dos direitos subjetivos e dos direitos subjetivos públicos não precisa ser posta em relevo, porque incontestável, no âmbito do Direito Administrativo.[7]

 

Na questão dos direitos públicos subjetivos, cumpre observar que a Administração deles pode participar como sujeito ativo ou como sujeito passivo, mas trataremos aqui apenas da relação jurídica pública, na qual, de um lado a Administração figura como sujeito passivo, de outro lado o administrado, ou o funcionário, como sujeito ativo. Desse modo, podemos entender, in genere, o direito público subjetivo como a faculdade específica de exigir prestação prometida pelo Estado, decorrente da relação jurídica administrativa.

 

O sujeito passivo tem interesse pessoal em exigir a obrigação por parte da Administração e essa potestas a exigir é condicionada por uma obrigação jurídica do sujeito passivo, fundamentada em norma de direito objetivo.

 

A obrigação do sujeito passivo decorre ou das leis e regulamentos ou de ato jurídico individual, porque, em ambos os casos foi editada regra de direito que originou a obrigação. Ao poder de exigir do administrado correspondente a obrigação jurídica “de pagar” da Administração, obrigação que nem sempre existe, como é, por exemplo, o caso do poder discricionário, causa determinante da restrição ou desaparecimento do direito subjetivo. O administrado, neste caso, pode ter interesse, jamais direito. Agindo na esfera da discricionariedade, a Administração desvincula-se de quaisquer obrigações, desaparecendo, desse modo, a possibilidade do direito público subjetivo, pela inexistência da obrigação jurídica do sujeito passivo. Por sua vez, ao poder de exigir da Administração, a qual também pode ser sujeito ativo da relação jurídica, correspondente a obrigação jurídica “de pagar” do administrado.

 

Não se empreendeu, até o momento, a classificação completa dos direitos públicos subjetivos, mas entre as tentativas apresentadas sobressaem as de Jellinek, Löning, Stengel, Hauriou e Rossi, expostas e analisadas por Santi Romano.

 

Segundo este último autor, em cinco diferentes categorias se distribuem os direitos públicos subjetivos: “de supremacia”, “de liberdade”, “cívicos”, “políticos” e “patrimoniais”. Os primeiros - direitos públicos subjetivos de supremacia - cabem ao Estado e correspondem à possibilidade de exigir a prestação de obrigações públicas.

 

Roger Bonnard classifica em três grupos os direitos públicos subjetivos dos administrados: 1º) direitos relativos aos serviços públicos e seu funcionamento; 2º) Direitos à legalidade dos atos da administração; 3º) direitos à reparação dos danos causados pelo funcionamento do serviço público.[8]

 

A fonte primeira dos direitos públicos subjetivos dos administrados reside na lei e no regulamento, mas ambos, em si, não são suficientes, muitas vezes, sem a complementação do ato administrativo, que dá origem ao direito subjetivo, porque se, em inúmeras hipóteses, basta que o indivíduo preencha uma série de requisitos prescritos pela norma para que seja titular ativo do “poder de exigir”, outras vezes, o pronunciamento da Administração completa o traçado do texto legal ou regulamentar.

 

É o que se passa, por exemplo, nos casos dos atos administrativos não-vinculados, nos quais o enunciado legal fixa as condições de fato e de direito, mas as vantagens só serão exigíveis quando surge o ato administrativo, enquadrado o administrado na hipótese, ao contrário do que ocorre nos atos vinculados, quando, preenchidos os requisitos prescritos, pode o funcionário ou administrado exigir do sujeito passivo - a Administração - a prestação a que tem direito como titular do direito subjetivo público, atuante, mesmo sem a edição de ato administrativo posterior.

 

Desse modo, a norma jurídica delineia apenas, de modo impessoal e geral, o direito, integrando-se este, imediatamente, no patrimônio jurídico do administrado, assim que este cumpra os requisitos enumerados. Nestes casos, o pronunciamento da Administração, dispensável quando ao surgimento do direito público subjetivo, serve apenas como um modo público de reconhecimento da situação jurídica legítima e eficaz.

 

Graças à estruturação de conceito preciso do direito público subjetivo, é possível empreender a tarefa, difícil, mas aplainada, em parte, de estudar-lhe o campo e os efeitos, em nosso sistema jurídico. Há um direito público subjetivo “quando a pessoa administrativa se constitui em obrigação, segundo o Direito Público, para com o particular; ou, igualmente, o Estado para com uma das pessoas administrativas por ele criadas” [9]. Acrescentamos: ou ainda para com um dos próprios agentes da Administração, o funcionário público. O direito que o administrando tem, diante do Estado, de exigir prestações ativas ou negativas, constitui o denominado direito público subjetivo.[10]

 

Neste particular, o mandado de segurança é utilizado a todo instante, no Brasil, para a proteção do direito subjetivo público, líquido e certo, ameaçado ou violado por ato de autoridade que cause dano ao cidadão, com a simples ameaça ou com a efetiva violação.

 

Embora não desconhecida no âmbito do Direito Provado, é no campo de Direito Administrativo que a relação de administração aparece com relevo todo especial, importância que transparece, dominando e paralisando a de direito subjetivo.[11] Podem, no Direito Administrativo, como no Direito Privado, nascer simultaneamente, do mesmo negócio jurídico, a relação de direito subjetivo e a relação de administração. Tais noções, aceitas no campo do Direito Administrativo, são, em nossa disciplina, de natureza hierárquica diferente, superando a relação de administração à de direito subjetivo.[12] Cumpre observar que os direitos públicos subjetivos, unidos à relação de administração, no Direito Administrativo, encontram, geralmente, no desenvolvimento desta relação, uma condição necessária. O funcionário público só adquire direito ao estipêndio quando presta, efetivamente, trabalhos impostos pela relação de administração[13], o mesmo se verificando no direito à aposentadoria ou à promoção, só possíveis quando determinados requisitos, possibilitados ela relação de administração, são preenchidos.

 

Subjetividade pública, pretensão e acionabilidade existem, quer da parte do administrado, particular ou funcionário, quer da parte da Administração, porque a obrigação jurídica ora se fixa nas pessoas públicas, ora nas pessoas privadas, o mesmo se verificando quanto à titularidade que é peculiar à Administração ou ao administrado.

 

Desse modo, quando o administrado tem o direito de exigir do estado o cumprimento de obrigações ativas ou passivas, dizemos que está de posse e no uso de seus direitos públicos subjetivos erga statum, figurando, pois, como sujeito ativo de tais direitos e a Administração como sujeito passivo, ao passo que quando o Estado, no uso do jus imperii ou potestade, como, por exemplo, na realização efetiva dos créditos resultantes da imposição tributária, exige do particular a cobrança, está, por sua vez, na acionabilidade de seus direitos públicos subjetivos, passando agora a figurar como sujeito ativo da relação de administração.

 

O direito à educação serve para ilustrar o tema dos direitos subjetivos públicos, mas não se confunda o direito à educação com o direito subjetivo público à educação. Direito declarado verbalmente, de lineamento discutível, é diferente de direito subjetivo, munido de ação protetória. O direito que todos têm ou teriam à educação, direito declarado, não é a solução melhor, mais perfeita, mais humana. Cumpre elevar, mediante pretensão, ação e remédio processual adequado, o direito à educação à categoria de realidade exigível, pela aplicação de sanções a quem não o cumpre.

 

Cria mera possibilidade de instrução para todos, sem, entretanto, o traço de direito subjetivo público, é um passo, condição mesma para a concretização desse tipo de subjetividade, a que falta, ainda, a chancela da pretensão, da ação e, no caso de inércia, da sanção.

 

Quanto à legalidade do ato administrativo, pois que a Administração se submete ao princípio da legalidade, o administrado tem o direito público subjeto de exigir tal conformidade de adequação do ato à lei, quando o pronunciamento o atinja individualmente, prejudicando-o.

 

Relativamente ao desencadeante da ação popular, é a particular parte legítima, fazendo, uso, então, de seu direito público subjetivo àquele remedium juris. Nem se diga, neste caso, que o direito subjetivo material é da pessoa jurídica pública, porque o cidadão, fração do estado, também se beneficia com a providência tomada, impedindo lesão patrimonial que indiretamente o atinge.

 

Tratando-se de acesso aos cargos públicos (art. 37, I), o cidadão, em nosso direito, tem os seguintes direitos públicos subjetivos: o de ser tratado com igualdade; o de ser escolhido de acordo com a lei; o de inscrever-se no concurso, preenchidos os requisitos legais, o de concorrer, em licitações e concursos, com os que se encontram nas mesmas condições ou em condições equivalentes, segundo critérios legais, constitucionalmente válidos; o de não ter acesso condicionado de modo diferente ao acesso de outros concorrentes que se acharem nas mesmas condições.

 

O art. 208, § 1º da Constituição vigente não deixa a menor dúvida a respeito do acesso ao ensino obrigatório e gratuito que o educando, em qualquer grau, cumprindo os requisitos legais, tem o direito público subjetivo, oponível ao estado, não tendo este nenhuma possibilidade de negar a solicitação, protegida por expressa norma jurídica constitucional cogente.

 

8. DA EDUCAÇÃO INFANTIL

8.1 Educação infantil como parte da educação básica

 

A educação escolar como processo de formação integral do cidadão compõe-se de educação básica (formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e de educação superior, de acordo com o art. 21 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

 

A educação infantil não paira, pois, abstratamente sobre o mundo dos fatos como um corpo errante de sentido, uma vez que é elo integrante da corrente denominada educação básica, e que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

 

Expressa o art. 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação apenas duas finalidades da educação básica: a) fornecer ao aluno a formação comum indispensável para o exercício da cidadania; b) fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

 

Desarticula-se o art. 22 das finalidades estabelecidas no art. 2º desta mesma Lei onde está previsto que a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Assim, parece curial que a mata primeira da educação básica seja alcançar o pleno desenvolvimento do educando.

 

Cada ramo da educação básica, por sua vez, tem seus objetivos próprios, assim definidos: a) a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade; b) o ensino fundamental terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social; c) o ensino médio terá como finalidade: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

 

8.2 DISCIPLINA GERAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL

 

A pré-escola, ou o antigo pré-primário, hoje estendido para períodos de quatro a seis anos e onze meses, capaz, pois, de ser desenvolvido ao longo de três anos letivos, sujeita-se a um regime intermediário entre a educação nas creches e o ensino fundamental.

 

Ainda não existe para o educando infantil, nem mesmo no campo da pré-escola a sujeição a sistemas de avaliação para fins de promoção, mas apenas para registro e tratamento individualizado do aluno, em apoio às suas dificuldades especiais e respeito à sua personalidade. De outro lado, pode começar a estar sujeita a reconhecimento de intervalos nos períodos escolares, a exemplo do que se passa com o ensino fundamental, onde a educação nem é prestada em período integral, nem por todo o ano, havendo longos períodos de férias.

 

Essa fase de intermediação entre os regimes de creche e de ensino fundamental pode e, sempre que necessário, deve ser complementada pelo Poder Público com programas auxiliares de caráter também educacional através de atividade própria ou conveniada de apoio pedagógico e assistencial integral através de centros de referência da infância ou programas análogos que permitam o completo desenvolvimento das crianças em todos os aspectos preconizados pelo art. 29 da Lei 9.394/96.

 

8.3 FINALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

 

  A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (art. 29), servindo assim como etapa básica para adequado aproveitamento do ensino fundamental.

 

8.4 GRATUIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL

 

Elogio que cabe para a Lei 9.394/96 que estendeu a garantia da gratuidade para a educação pré-escolar ou infantil. As pré-escolas destinam-se às crianças de quatro a seis anos de idade, fazendo-se idêntica ressalva que estas estão garantidas até aos seis anos e onze meses, salvo se a rede pública acolher no ensino fundamental com idade inferior a sete anos, o que consideramos perfeitamente possível e juridicamente exigível.

 

Veja-se que o ensino fundamental também é concedido sob a rubrica de gratuidade, a exemplo do ensino infantil. Ocorre que para o ensino fundamental há prática de crime de abandono intelectual pelos pais se deixarem de prover a educação de filho em idade escolar. Apenas para os pais existe essa obrigatoriedade especial, porque a obrigação genérica do Estado existe não apenas para o ensino fundamental, mas para todos aqueles previstos no art. 4º, no âmbito de sua competência. O art. 5º, § 2º indica apenas uma ordem de preferência na formulação das políticas de atendimento, mas todas as modalidades de ensino sendo deveres do Poder Público, são de prestação obrigatória.

 

9. DA OBRIGATORIEDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL PRÉ-ESCOLAR

 

Na sessão de 2 de julho de 1793, em pleno regime do terror, na Convenção Nacional, ROBESPIERRE queria, em Projeto daquela data, que toda a mocidade fosse educada, às expensas da República, desde os cinco anos. O art. 2º era assaz claro: “A educação nacional será igual para todos; todos receberão o mesmo alimento, as mesmas roupas, a mesma instrução e os mesmos cuidados”. O art. 3º considerava dívida da República a educação nacional e negava aos pais o direito de se oporem à instrução.[14]

 

À noção do direito natural (por exemplo, Wilhelm Von Humboldt, em 1729), de direito escolar para todos os povos, ligado à teoria geral do direito, fora dos limites em que o Estado pode exercer a sua atividade, sucedeu em que o Estado interessado na difusão do ensino; e a essa, a do Estado responsável pelo ensino de todos os seus cidadãos e realizador da igualdade intelectual (uma das espécies de igualdade material). Tal igualdade não significa primarização geral, e sim o asseguramento de iguais possibilidades educativas para todos.

 

As Constituições do fim do século XVIII não resolveram o problema técnico da obrigatoriedade, nem o problema técnico da generalização (compulsória para o Estado) da escola. Nem mesmo da escola primária. Institui-se o ensino gratuito, mas os dirigentes ficaram como os únicos juízes do número de postos escolares e das lotações. A escola única não veio à tona. Todavia, somente era do ensino primário que se cogitava. Ao lado do direito à educação deveria estar a obrigação de educação.[15]

 

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e o que nela contém a respeito de educação e, especialmente quanto à educação infantil, inúmeras inovações, em termos legais, têm sido verificadas. Dentre estas inovações o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) merecem destaque dado o seu caráter nacional e abrangente.

 

Tendo em vista a intrínseca relação jurídica que há entre as normas citadas e a correlação lógica existente entre elas, cumpre citá-las especificamente a fim de que seja possível demonstrar a evolução e a importância das mesmas, principalmente no que tange à educação infantil.

 

Assim, o art. 208 da Constituição Federal preleciona:

 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

 

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

            (...)

IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

            (...)

 

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

 

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (grifos nossos)

 

Desde já é possível verificar a dimensão da responsabilidade estatal no tocante ao tema da educação, sendo caracterizado como seu dever o oferecimento do ensino básico, ou seja, do ensino infantil, fundamental e médio, segundo definição proposta pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a seguir analisada. E aqui cabe adiantar que o texto constitucional, como se vê, não traça qualquer hierarquia ao enumerar as diversas áreas de atuação do Estado no universo da educação, limitando-se a defini-las como “deveres” a serem, obviamente, cumpridos, na medida em que a demanda da sociedade assim o exigir.

 

De acordo com este preceito constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente consagrou novamente, em seu art. 54, o dever do Estado em propiciar a educação básica, salientando os mesmos pontos tratados pela Carta Magna.

 

E por fim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada em 1996, retoma a questão da responsabilidade do Estado em tema de educação, conforme disposto em seu art. 4º. Esta Lei, por sua vez, define a composição dos níveis escolares, já tratado de maneira genérica nos textos legais acima citados. Deste modo, em seu artigo 21 fica definida a estrutura da educação escolar:

 

Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

 

I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

 

II - educação superior.

 

Ao tratar especificamente da educação básica determina a referida Lei:

 

Art. 22. A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

 

E aqui cumpre fazer algumas considerações. O legislador ao estipular o que comporia a educação básica, agrupou aqueles níveis escolares que, como diz o próprio nome, são básicos à formação do indivíduo e assim, indispensáveis ao seu desenvolvimento como ser humano e como cidadão. Tanto o é que não incluiu neste rol o ensino superior que, apesar de muito importante, não assume como objetivo primordial a formação da personalidade do aluno.

 

Deste modo, da mesma forma que o ensino fundamental e o ensino médio, o ensino infantil encontra-se em posição privilegiada no rol de deveres do Estado. E tal privilégio encontra respaldo não somente na esfera jurídica como, e principalmente, no campo da pedagogia e da psicologia. Qualquer profissional da área, ao ser inquirido a respeito, fornecerá resposta sempre no mesmo sentido: a imprescindibilidade do ensino infantil, ministrado em creches e pré-escolas. Desde estudos realizados, livros, artigos e outras publicações, até os índices estatísticos, indicam que as crianças que freqüentam creches e pré-escolas apresentam condições infinitamente superiores de ingressarem na 1ª série do primeiro grau do que aqueles que não cursaram.

 

Diante do exposto chega-se a uma conclusão lógica: não há nenhum tipo de preferência prevista pela Lei entre o fornecimento de educação fundamental e o de educação infantil. Isto significa, portanto, que o Estado será responsabilizado da mesma forma se deixar de prover adequadamente o ensino infantil, assim como o será se deixar de prover o ensino fundamental. E neste ponto cabe uma indagação: qual então o sentido do termo obrigatório atribuído à educação fundamental no § 1º do art. 208 da Constituição Federal e conseqüentemente da responsabilidade pelo seu não-oferecimento prevista no § 2º do mesmo artigo?

 

Ora, claro é que quando a Lei determina a obrigatoriedade do ensino fundamental, fica evidenciada a intenção do legislador em enfatizar o caráter indispensável desta etapa educativa, o que não significa colocá-la acima, em termos de importância, à educação infantil. Significa, por seu turno, que o legislador foi atento ao tema da educação fundamental, visando frisar aos administradores do Estado que o seu não fornecimento adequado pode gerar conseqüências várias no que tange à responsabilidade jurídica. Claro que o não fornecimento do ensino infantil também gera responsabilização estatal, mas que, como se verá adiante, apresenta aspectos diferentes da responsabilidade suscitada nos casos do não cumprimento da demanda do ensino fundamental.

 

Assim, enquanto a obrigatoriedade do ensino fundamental caracteriza-se como um dever de duas vias, ou seja, dever do Estado em propiciar e dever dos pais em garantir a matrícula do filho menor, a obrigatoriedade do ensino infantil caracteriza-se somente pelo dever do Estado em propiciá-la. Neste segundo caso, este caráter obrigatório não se encontra expresso na lei, como no caso da educação fundamental, mas implícito no “caput” do art. 208 da Constituição Federal, que determina: O dever do Estado com a educação...

 

Ambos os ciclos educacionais, portanto, têm caráter obrigatório, restando a diferença entre eles o fato de no caso do ensino infantil não estarem os pais compelidos pela lei a matricular suas crianças nas creches e pré-escolas. No caso do ensino fundamental, determina o Estatuto da Criança e do Adolescente:

 

            Art. 55: “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”

 

Tal obrigação é elemento integrante daquele rol de deveres que incumbe aos pais cumprirem, sob pena, inclusive de destituição de pátrio poder. Assim, dispõe novamente a referida Lei:

 

Art. 22: Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. (grifo nosso)

 

E quanto à sanção prevista por este Estatuto Legal:

 

Art. 24: A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

 

E, por fim, cumpre ressaltar que também incorrem em prática de crime os pais que não provêm ao filho a educação adequada, sendo este fato criminoso intitulado como “abandono material”, previsto no art. 246, do Código Penal.

 

O objetivo da citação destes dispositivos legais é exatamente demonstrar qual o tipo de vínculo obrigacional que existe entre o particular e o ensino fundamental. Sim, porque como já foi dito, em relação ao Estado, a obrigação se caracteriza seja quanto ao ensino fundamental, seja quanto ao ensino infantil.

 

A educação é obrigatória para o Estado como serviço público que deve ser posto em quantidade e qualidade necessárias para atendimento universal da população em condições de igualdade de conteúdo e aproveitamento àquele posto à disposição pela iniciativa privada.

 

Ora, se o ensino infantil é obrigatório, também pode se dizer que é direito público subjetivo, assim como o ensino fundamental. Tal conclusão, ainda que óbvia e baseada no bom senso, pois afinal está-se falando de uma etapa importantíssima na educação da criança, merece especial atenção.

 

Segundo o eminente professor Rodolfo de Camargo Mancuso, “os direitos subjetivos compreendem posições de vantagem, privilégios, prerrogativas, que, uma vez integradas ao patrimônio de seu titular, passam a beneficiar de uma tutela especial do Estado.” E complementa: “quando tais prerrogativas se estabelecem em forma de créditos formados contra ou em face do Estado, tomam a designação de direitos subjetivos públicos.” [16]

 

De acordo com tal definição, fica claro visualizar o direito à educação infantil como um direito subjetivo, já que, integrando o rol de direitos sob titularidade da criança, passam, necessariamente, a serem tutelados pelo Estado. E mais, patente é constatar que também se trata de um direito público subjetivo haja vista que figura como crédito em face do Estado.

 

Ora, se é a educação infantil direito público subjetivo e de caráter obrigatório, qual a motivação do legislador em expressar tais condições apenas para o ensino fundamental? A resposta é simples. Ao se proceder à análise dos textos legais pertinentes à educação, uma conclusão somente é cabível: não há hierarquia alguma entre o ensino fundamental e o infantil. Optou, porém, o legislador em ressaltar aos administradores do Estado que o ensino fundamental é tão importante para a criança a ponto de estarem os pais obrigados a matricular seus filhos, sob pena de sofrerem todas as sanções acima expostas. E se os pais estão obrigados a cumprir este dever, o Estado, logicamente, deve prover a escola de toda a infra-estrutura necessária, pois, caso contrário, as normas mencionadas teriam seu conteúdo esvaziado.

 

No caso do ensino infantil, tal obrigação legal dos pais em relação à matrícula dos filhos não existe, o que, em tese, abrandaria a urgência do fornecimento. O que não significa que não seja o ensino infantil obrigatório ou consistente em um direito público subjetivo, ou seja, passível de ser objeto de responsabilização estatal em função de seu não fornecimento adequado.

 

Ademais disso, por figurar como princípio a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola (art. 3º, inc. I), as crianças que puderam desfrutar, sobretudo, de pré-escola, tendem a ingressar em condições mais evoluídas no processo de alfabetização e desenvolvimento intelectual. Assim, diante do sistema de direitos e garantias preconizados pela Constituição Federal e pela Lei 9.394/96, somos inclinados a registrar a opinião no sentido de que, mesmo sem o caráter obrigatório para os pais ou responsáveis, a pré-escola, correspondendo a deveres do Estado para com a educação, são etapas do ensino fundamental, tornando-se secundário o disposto no art. 30.

 

Assim, o acesso à pré-escola também, e igualmente ao ensino fundamental propriamente dito, é direito público subjetivo, regendo-se pelas disposições tanto do Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto desta Lei, as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. (art. 208, III da Lei nº 8.069/90 e art. 5º da Lei nº 9.394/96).

 

Disposições análogas a essa disciplina jurídica da educação pré-escolar e infantil estão dispostas, como visto, nos arts. 208, inc. IV da Constituição Federal e 54, inc. VI do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Diante do exposto, evidenciado está o descumprimento de normas constitucionais pelo Estado nas situações em que não há um atendimento proporcional à demanda nas creches e pré-escolas municipais. Se o pai não é obrigado a propiciar o ingresso do filho na pré-escola, o Estado é sim, de maneira indiscutível, obrigado a colocá-la à disposição das crianças, sendo os seus pais, portanto, os únicos a possuírem legitimidade para decidir pelo ingresso ou não da criança na educação infantil.

 

Assim, inexiste discricionariedade administrativa do Poder Público no sentido de promover ou não a educação infantil na sua rede oficial de ensino. Sua omissão dá ensejo às ações judiciais já apresentadas anteriormente por todos aqueles legitimados.

 

10. DO CONTROLE DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO OBRIGATÓRIA

 

10.1 INTRODUÇÃO

 

Toda experiência haurida em mais de oito anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente tem despertado diversas indagações na doutrina que desembocam na seguinte pergunta: como tornar reais os direitos consagrados, à exaustão, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirados pela Constituição-Cidadã de 1988?

 

Se é certo que o art. 227 da CF decorreu de uma imensa pressão popular que guindou o princípio da prioridade absoluta à hierarquia de norma constitucional, “lex superior”, não é menos certo que a norma infraconstitucional que se lhe seguiu - o ECA - objetivou, através de uma série de preceitos ousados para nossa sociedade marcada por desigualdades e injustiças sociais, criar uma tensão entre a norma e a realidade, de tal sorte que, através de diversos mecanismos, notadamente os de participação popular, fosse possível forjar um avanço no tecido social.

 

Dentre estes mecanismos, sobressai o da ação civil pública para tutela dos bens-interesses contemplados pala Carta Magna e pelo ECA, para cuja propositura estão legitimados, concorrentemente, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, os Territórios, o Distrito Federal e as associações legalmente constituídas, há pelo menos um ano, e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo ECA.

 

Ocorre que a força vanguardeira que inspirou o art. 227 da CF e o Estatuto da Criança e do Adolescente e, de forma muito nítida, vem alimentado iniciativas do Ministério Público - especialmente o de primeiro grau - nessa seara, perde terreno quando essas demandas, de solução conturbada, desembocam nos tribunais.

 

Avaliando uma série de acórdãos sobre o tema - que ainda são poucos face à recenticidade dos dispositivos legais neles debatidos -, concluímos que o principal argumento para o não-acolhimento da pretensão deduzida em juízo decorre, direta ou indiretamente, do chamado “poder discricionário” do Administrador Público.

 

Nesses arestos, o Judiciário acaba por concluir não lhe ser possível, sob pena de se imiscuir na esfera de atribuições de outro Poder, condenar o Poder Executivo numa obrigação de fazer ou não-fazer (geralmente da primeira espécie), pena de ser vulnerado o postulado da discricionariedade administrativa.

 

Por entendermos que essa idéia não se coaduna com o espírito do Constituinte - que merece respeito - nem com o claramente vazado nas normas escritas por muitas e anônimas mãos aglutinadas na Lei nº 8.069/90 - é que resolvemos desenvolver este estudo, o qual se pretende seja INSTRUMENTAL, ou seja, ferramenta útil para todos aqueles que labutam na área da infância e juventude, principalmente direcionado aos que têm como compromisso pessoal forjar o avanço social, a partir de uma lei que pode ser adjetivada de revolucionária - O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

 

10.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

 

Como já pontificou com brilho o culto magistrado da Vara da Infância e da Juventude da Lapa, MM. Juiz de Direito Dr. Fermino Magnani Filho, ao conceder medida liminar em ação civil pública proposta pelo Ministério Público visando correções na política estadual sobre o programa de reorganização do ensino:

 

Orientação momentânea da política educacional está a sobrepor-se a um trabalho reconhecidamente bem sucedido. Esses momentos negros - valendo frisar que os governos passam, mas o lixo fica - seriam até compreensíveis sob regimes ditatoriais, tendem a perpetuar seus efeitos funestos. (pp. 230 e 232 do Proc. 385/96).

 

Tais considerações evidenciam a necessidade de controle sobre administração pública despossuída de valores, princípios e padrões legais e constitucionais de intervenção. Suscita rígido e enérgico controle jurisdicional para se fazer cumprir a Constituição Federal, a Constituição Estadual e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Há, pois, redução do nível de discricionariedade que se tolera em tema de políticas públicas direcionadas à infância e à adolescência, em especial quanto à educação.

 

São lições da doutrina que a Administração tem liberdade para decidir o que convém e o que não convém ao interesse coletivo, devendo executar a lei “vinculadamente, quanto aos elementos que ela discrimina, e discricionariamente, quanto aos aspectos em que ela admite opção[17]. Mas o fato de a lei conferir ao Poder Público certa margem de discrição significa que lhe deferiu o encargo de adotar a providência mais adequada à espécie, podendo examinar o momento e a forma de fazê-lo, mas não ficar inerte, pois os comandos legais não se subordinam à vontade do administrado.[18]

 

De fato, o dever de agir é um dos princípios da Administração, para quem a execução, a continuidade e a eficácia dos serviços públicos constituem imperativos absolutos. Por isso se diz que, sendo outorgado para satisfazer interesses indisponíveis, todo poder administrativo tem para a autoridade um caráter impositivo, convertendo-se, assim, em verdadeiro dever de agir.[19]

 

Em conhecida passagem, FLEINER adverte que, no exercício de um poder discricionário, a autoridade administrativa está autorizada a escolher entre as várias possibilidades de solução, aquela que melhor corresponda, no caso concreto, ao desejo da lei. [20]

 

Essa característica fundamental do poder discricionário, associada ao dever de eficiência que toca a Administração, evidencia que a existência de norma autorizadora de um determinado ato, embora requisito indispensável, não é suficiente para concluir pela sua legalidade em um caso concreto.

 

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO explica, a respeito, que, ao permitir alternativas de conduta, a lei não autoriza o administrador a fazer o que bem entenda, antes o encarrega de adotar o comportamento ideal: aquele que seja apto, no caso concreto, a atender com perfeição a finalidade da norma. [21]

 

O mesmo autor identifica em todas as normas (vinculadas ou discricionárias), o dever de adotar a melhor solução, praticando os atos logicamente idôneos ao atendimento das finalidades colimadas. Nas suas expressivas palavras, o dever jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas, única e exclusivamente, aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade da lei, para que sempre seja adotada a decisão pertinente, adequada à fisionomia própria de cada situação. [22]

 

Porque existe um dever jurídico de boa administração, entende-se que o ordenamento só quer a solução excelente e “se não for esta a adotada, haverá pura e simplesmente violação da norma de Direito, o que enseja correção jurisdicional, dado que ter havido vício de legitimidade”. Assim, “em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver eleito algum sumamente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional”.[23]

 

Portanto, o administrador só é livre, verdadeiramente, para, no caso concreto, decidir entre duas ou mais soluções igualmente aptas a atender a finalidade legal, na sua plenitude.[24]

 

10.3 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA:

 

A idéia de um poder discricionário do qual são adotados os administradores da coisa pública nasce concomitantemente com a do Estado de Direito.

 

A Revolução Francesa de 1789, ao soterrar a monarquia, fez eclodir profundas mudanças em nível de infra e superestrutura, numa linguagem marxista.

 

Na ordem jurídica, as alterações foram notórias, marcando a passagem do Estado de Polícia ou Absolutista - “L’Etat C’est moi” - para o Estado de Direito.

 

A concepção de Estado de Direito, gestada no início do Século XVIII e influenciada, decisivamente, por nomes como os de Rousseau e de MONTESQUIEU[25], tem como aspecto nuclear a submissão do Executivo à lei, a legalidade cede ao arbítrio que imperava na estrutura monarco-despótica rompida pela burguesia emergente.

 

Para Jean Jacques Rousseau, o Estado é resultado de um acordo de vontades, de um contrato social, concluindo que apenas o Estado é fonte de direito, sendo tal a legítima expressão da “volonté générale”. Ele acreditava que a justificação do poder residiria na vontade direta dos vários indivíduos que compõem o todo social.[26]

 

O pensamento de Montesquieu, o qual deixou sua confortável posição na magistratura francesa para refletir sobre a acelerada evolução política de seu tempo, vem resumindo em sua principal obra “O Espírito das Leis”, na qual expressa, com a ironia que lhe é peculiar:

 

A liberdade política somente existe nos governos moderados. Mas nem sempre ela existe nos governos moderados. Só existe quando não se abusa do poder, pois é uma experiência eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; e vai até onde encontra limites. Quem diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não abusar do poder, precisa que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder.

 

É na França que o direito administrativo ganha foros de disciplina, inclusive a nível acadêmico, país pioneiro na formulação de seus princípios basilares, dentre eles o do chamado “poder discricionário”.

 

Com efeito, costuma-se dizer que a “Certidão de Nascimento” do Direito Administrativo está materializada numa lei francesa de 1800, conhecida por Lei de 28 do pluvioso ano VII (calendário da Revolução Francesa).

 

Sem embargo da pertinência desse marco, de inegável valia do ponto de vista da organização histórica dos acontecimentos, é mister salientar que a função Administrativa sempre existiu, desde a Antigüidade, sem solução de continuidade, ao contrário das demais funções do Estado (Legislativa e Judicante), que sofreram algumas interrupções, principalmente em períodos de arbítrio e de hipertrofia do Executivo.

 

A escola de administrativistas franceses, que construiu o arcabouço doutrinário e principiológico sobre o qual nós, hoje, ainda, comodamente, trabalhamos[27] estruturou o conceito de discricionariedade administrativa em torno da idéia de PODER, colocando-a como atributo imprescindível ao seu exercício.

 

Nesse sentido, vale traduzir trecho da obra de Maurice Hauriou, vazado nos seguintes termos:

 

A administração não é animada, naquilo que ela faz, por uma vontade interior, mas sim, por vontade executiva livre submetida à lei como um poder exterior. Segue-se que, de um lado, nas matérias de sua competência, enquanto seu poder não está ligado por disposições legais, ele é inteiramente autônomo e, por outro lado, nas matérias em que seu poder parece ligado pela lei, ele se conforma sempre a uma certa escolha de meios que lhe permite de se conformar voluntariamente à lei.

Esta faculdade de se conformar voluntariamente à lei é tanto mais reservada à administração das leis quanto ela goza constitucionalmente de uma certa liberdade na escolha dos momentos e das circunstâncias em que assegura esta aplicação.

Conforme este ponto de vista, convém mostrar novamente que o poder discricionário da administração consiste na faculdade de apreciar a oportunidade que pode ter de tomar ou não tomar uma decisão executória, ou de não tomá-la imediatamente, mesmo que seja prescrita pela lei.[28]

 

Do escrito por Hauriou, no início do século, emerge a tônica da discricionariedade, segunda sua ótica: poder do administrador que, nas matérias de sua competência, não delimitadas pela lei, estaria livre para agir de acordo com critérios de conveniência e oportunidade.

 

Fiorini critica essa visão inicial do problema, por acabar deixando ao arbítrio do administrador (o que não se coaduna com o Estado de Direito) a forma de atuação quando a lei seja omissa quanto a ela.

 

São dele as seguintes palavras:

 

Para a velha tese da legalidade, donde o poder administrador devia executar a lei, resultava difícil justificar a existência da denominada discricionariedade da administração pública. Esta se apresentava como um poder que tinha a administração pública. Esta se apresentava como um poder que tinha a administração quando a lei não havia disposto como devia atuar ante certas circunstâncias. Este reconhecimento da existência da discricionariedade administrativa era a falência do caráter absoluto da legalidade, que sustentava o dogma de que a administração só executava a lei. A falência se salvava distinguindo-se a discricionariedade como um poder dentro da administração, criador de normas particulares, que não tinham a consistência jurídica das que executava a administração.[29]

 

O mestre português André Gonçalves Pereira, após vaticinar contra aqueles que vêem no poder discricionário uma resultante da falta de disciplina legal, faz questão de distingui-lo do poder arbitrário, “in verbis”:

 

O poder discricionário não resulta da ausência de regulamentação legal de dada matéria, mas sim de uma forma possível de sua regulamentação: através de um poder, ou seja, do estabelecimento por lei de uma competência, cuja suscetibilidade de produzir efeitos jurídicos compreende a de dar validade a uma decisão a uma escolha, que decorre da vontade psicológica do agente.

Discricionariedade e vinculação são assim formas diversas de regulamentação por lei de certa matéria; mas quando a lei não contemple determinada situação de vida, e não o integre pelo menos genericamente na sua previsão, nenhum poder tem em relação a ela o agente, - e sustentar o contrário seria pôr em dúvida o valor do princípio da legalidade.[30]

 

Michel Stassinopoulos, citado pelo legendário Themistocles Brandão Cavalcanti[31], fez um apanhado das teorias acerca da natureza do ato discricionário que, no início do nosso século, encontravam guarida doutrinária. Dentre elas, destaca-se a encampada pelo próprio Stassinopoulos, segundo a qual a discricionariedade coincide com a determinação ou a capacidade de determinação do sentido de uma noção deixada imprecisa pela lei, havendo nisso a possibilidade de escolher entre as diversas soluções, a melhor, ou a que for julgada melhor, por motivos de conveniência, de oportunidade, de interesse público.

 

Essa noção, a nosso ver superada pela melhor doutrina da atualidade, [32] ainda vem sendo reconhecida em diversos arestos de nossos tribunais, receosos de ousarem interferir no intangível “mérito” do ato administrativo.

 

Outra corrente, criticada pela sua falta de consistência científica (pois confunde a natureza do ato discricionário com uma de suas conseqüências), qualifica de discricionário o poder não sujeito ao controle jurisdicional (Strassinopoulos debita essa abordagem a Laun, Jellinek e Gegotz).

 

Essa teoria, a par de seu arrigorismo técnico, também não mais encontra respaldo na doutrina hodierna, que vem, paulatinamente, admitindo serem todos os atos administrativos, mesmo os de cunho discricionário, sujeitos ao crivo do Poder Judiciário. Lamentavelmente, na jurisprudência, ainda há algum receio de invasão na esfera de atuação do Poder Executivo,[33] a despeito de ter nossa vigente Carta Magna ampliado a noção de universalidade da jurisdição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; (inc. XXXV do art. 5º), aderindo a uma verdadeira tendência mundial de abertura do Poder Judiciário.[34]

 

A vigente Carta Magna avançou no tocante ao acesso à Justiça, pois, além de ter suprimido a expressão individual, o que franqueia a tutela dos interesses metaindividuais, acrescentou a expressão “ameaça a direito”, se comparada com o art. 153, § 4º, da Emenda constitucional nº 1/69.

 

Da ênfase que era dada à atividade discricionária enquanto vinculada à idéia de poder[35, 36], evoluiu-se, face ao fortalecimento do princípio da legalidade[37] para a idéia de poder-dever.

 

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, comentando o assunto, conclui ser preferível conceber a discricionariedade administrativa como uma competência para definir, no caso, o interesse público, atribuindo-lhe a natureza jurídica de poder-dever.[38]

 

Essa trajetória está associada ao acréscimo de funções sofrido pelo Estado que passou a ser de cunho social.

 

Consoante os adjetivos que as Constituições foram acrescentando a idéia de Estado, conclusão essa diagnosticada com precisão por Maria Sylvia Zanella Di Pietro,[39] esse passou de mero Estado de Direito para um Estado Social, que, hoje, ainda, se almeja seja democrático, atributo esse que virá a delimitar ainda mais a abrangência da discricionariedade administrativa.

 

Não por outra razão, a doutrina moderna passa a identificar a discricionariedade mais com a idéia de DEVER do que com a de PODER, acentuando sua condição de serviente, caracterizador de função pública.

 

Celso Antônio Bandeira de Mello[40], é categórico ao analisar:

 

Na ciência do Direito Administrativo, erradamente e até de modo paradoxal, quer-se articular os institutos do direito administrativo - inobstante ramo do direito público - em torno da idéia de poder, quando o correto seria articulá-lo em torno da idéia de dever, de finalidade a ser cumprida. Em face da finalidade, alguém - a Administração Pública - está posta numa situação que os italianos chamam de doverosità, isto é, sujeição a esse dever de atingir a finalidade. Como não há outro meio para se atingir esta finalidade, para obter-se o cumprimento deste dever, senão irrogar a alguém certo poder instrumental, ancilar ao cumprimento do dever, surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. Mas é o dever que comanda toda a lógica do Direito Público. - grifei -. Assim, o dever assinalado pela lei, a finalidade nela estampada, propõe-se, para qualquer agente público, como um ímã, como uma força atrativa inexorável do ponto de vista jurídico.

 

  Outros doutrinadores pátrios[41], menos ousados que o mestre Celso Antônio, não chegam a situar a discricionariedade na pauta dos deveres, mas questionam o porquê da nomenclatura usualmente empregada - “poder discricionário”-, bem como apontam os diversos limites constitucionais e legais a esse poder, face à marcha dos acontecimentos históricos que têm levado uma democratização do Estado de Direito, com sua tendência, inexorável, de passar a ser mais participativo, menos representativo.

 

Numa linha própria de pensamento, não menos vanguardista e científica, Lúcia Valle de Figueiredo afirma consistir a discricionariedade numa “competência-dever” atribuída ao administrador para agir no caso concreto, de acordo com o critério da razoabilidade geral.[42]

 

Por demais significativa é a lição trazida pelo mestre Karl Engish, em sua “Introdução ao Pensamento Jurídico”, onde, ainda em 1956, prelecionava:

 

“Aqui podemos também lançar mão do conceito evanescente de discricionariedade vinculada e dizer que a discricionariedade é vinculada no sentido de que o exercício do poder de escolha deve ir endereçado a um escopo e resultado da decisão que é o único ajustado, em rigorosa conformidade com todas as diretrizes jurídicas”.[43]

 

Por fim, há quem vislumbre, como o tedesco Huber e o francês Léon Duguit, antagonismo entre as idéias de discricionariedade administrativa e a de Estado de Direito, na medida em que, sob a inspiração do princípio da legalidade, inexiste atividade administrativa não submissa aos seus cânones.

 

Enquanto Huber ironiza, comparando a discricionariedade a um “Cavalo de Tróia” nos arraiais do Direito Administrativo[44], Duguit assevera:

 

“A limitação da competência, não somente quanto ao objeto do ato, mas ainda quanto ao motivo que o determina, constitui garantia muito forte contra o arbítrio dos agentes públicos. A conseqüência disso, com efeito, é que nada mais foi deixado à apreciação discricionária do agente administrativo”.[45]

 

Não compactuamos com as posições extremas dos ilustres autores estrangeiros, porquanto entendemos realmente haver um DEVER discricionário. A discricionariedade, sob nossa ótica, é natural da prática do direito, porque a vida é bem mais rica do que a lei, sendo impossível ao legislador ordenar e prever todas as situações de vida, de exercício do poder e de seus desdobramentos.

 

10.4 Controle jurisdicional da discricionariedade administrativa:

 

Razão assiste ao preclaro publicista Celso Antônio Bandeira de Mello (talvez o mais completo da atualidade brasileira) quando desloca o eixo metodológico do conceito de discricionariedade da noção de poder para a de DEVER, noção essa muito mais afinada ao Direito Público e à situação jurídica de FUNÇÃO.

 

O dever discricionário do administrador público está, inegavelmente, cingido por diversos princípios trazidos a lume pela Constituição de 1988 (inclusive em seu preâmbulo) e por normas de hierarquia inferior.

 

Por outro lado, o princípio da legalidade, norte maior do Administrador Público, foi ampliado de tal sorte a contemplar não mais somente a lei, formalmente considerada, mas o Direito como um todo, com toda a sua carga valorativa.

 

Não podemos conviver mais com a marca da democracia meramente representativa, segundo a qual os cidadãos limitam-se a eleger seus representantes e, após depositarem seu voto na urna, aguardam passivamente a sucessão de atos de governo, sem qualquer participação na tomada de decisões.

 

Se, desconformes com o modo de governar dos eleitos, resta aos eleitores a possibilidade de, no próximo pleito, não tornar a elegê-los.

 

Esse modelo político não serve ao terceiro milênio.

 

Dotados dessa visão prospectiva, nossos constituintes de 1988 engendraram e inscreveram no texto Constitucional diversos mecanismos de participação popular nos atos de governo, em perfeita consonância com o princípio gravado no parágrafo único do art. 1º da CF: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

 

Sabedores de que a mobilização popular, máxime em um país de dimensões continentais como o Brasil, é de difícil ou impraticável influência direta junto aos governantes, nossos legisladores (a nível Constitucional e Infraconstitucional), acolhendo soluções do Direito alienígena e criando algumas genuinamente brasileiras, outorgaram legitimação a certas entidades ou instituições, reconhecendo-lhes representatividade para levar à análise de um outro segmento do PODER, o Judiciário, anseios e pretensões que transcendem à esfera individual.

 

Essa multiplicidade de remédios processuais alinhados na CF de 1988 (“habeas data”; mandado de injunção; ação popular; mandado de segurança individual e coletivo; ação direta de inconstitucionalidade; ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão e quejandos) aliada aos inúmeros legitimados ativos para suas proposituras, consubstanciaria verdadeira letra-morta se mantido o dogma da inatacabilidade do mérito do ato administrativo.

 

Quando se aborda o tema da discricionariedade como reduto privativo do administrador[46], geralmente se leva em conta a clássica teoria da separação de poderes, cuja base teórica remonta aos séculos XVII e XVIII, tendo em Montesquieu seu mais prolífico ideólogo.

 

Deveras. Não se pode olvidar o contexto social e político que levou o famoso BARÃO DE BRÈDE e de MONTESQUIEU (1689/1755) a construir tal estrutura: o absolutismo monárquico que imperava no mundo ocidental antes da Revolução Burguesa de 1789, cuja característica marcante era, sem dúvida, a hipertrofia do Executivo sobre as demais expressões de poder.

 

Naquele cenário se tornava mais fácil compreender porque o nobre, conquanto partidário da repartição tricotômica do poder, idealizava um Judiciário amorfo, ao ponto de afirmar, literalmente: “Dos três Poderes, de que falamos, o de julgar é de certo modo nulo. Não restam senão dois[47]”.

 

A pouca relevância política dada ao Judiciário, era contraposta pelo teórico à força do Legislativo, único poder capaz de, na sua ótica, neutralizar os abusos do Executivo (“As leis devem, todo o tempo, castigar o orgulho da dominação”) e mitigar as desigualdades.

 

Esse Judiciário, definido por Montesquieu como “a boca que pronuncia as palavras da lei”, evoluiu, graças à plena superação da idéia de um poder ilimitado, e ganhou, na prática, status” de Poder, compreendido, politicamente, como a capacidade de decidir imperativamente e impor decisões.

Cândido Rangel Dinamarco[48] tece profundas considerações sobre a Jurisdição, enquanto expressão do poder estatal (que é uno), concluindo ser ela uma das funções do Estado, a qual, ontologicamente, não se distingue é sua vocação para voltar-se aos casos concretos, às situações de conflitos interpessoais.

 

O juiz de hoje deve ter presente, quando conduz um processo e julga uma causa, que suas ações são manifestações do poder estatal. Portanto, qualquer posição que adote tem conotação política, que deve se pautar, não em seus gostos pessoais, em suas idiossincrasias, mas nos valores dominantes do seu tempo, pois como afirma o multicitado Cândido Dinamarco, o juiz “é, afinal de contas, um legítimo canal de comunicação entre o mundo axiológico da sociedade e os casos que é chamado a julgar”.[49]

 

José Afonso da Silva define, com inequívoco bom senso, o que seja harmonia entre os poderes:

 

“cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que se verifica, primeiramente, por normas de mutuante todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutos. Há interferências que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”.[50]

 

Essa real harmonia leva o Judiciário, quando provocado, a ser o responsável pela identificação do interesse público, não podendo se furtar a fazê-lo. Discorrendo sobre o tema, o insigne Mauro Capelletti, após acentuar a possibilidade de o Judiciário atuar para coibir incorreções praticadas pelos membros dos outros poderes, afirma a relevância da atuação desse Poder para colaborar com identificação do interesse público e garantia de que esse seja realmente alcançado.[51]

 

Partindo-se da premissa de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito (individual, coletivo, difuso, público ou privado) não seja passível de apreciação pelo Poder Judiciário, resta concluir que também a discricionariedade administrativa está sujeita ao controle jurisdicional.[52]

 

Nessa linha de raciocínio, é digno de transcrição parte do aresto da lavra do Des. Nery da Silva, do Tribunal de Justiça de Goiás, onde, após trazer a lume lições exemplares da magistrada Federal Lúcia Valle Figueiredo, infere:

 

“Não há imunidade legal para quem infringe direito. O poder discricionário não está situado além das fronteiras dos princípios legais norteados de toda iniciativa da administração e sujeita-se a regular apreciação pela autoridade judicante”.[53]

 

Extrai-se das colocações acima a exata dimensão que o Relator daquela apelação interposta nos autos de uma ação civil pública tem de sua função de fazer uma lei para o caso concreto: do caráter indeclinável da Jurisdição e da legalidade que deve inspirar todos os atos administrativos.

 

Decisão da sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Relator o Des. Sérgio Gischow Pereira), entendeu ser passível de apreciação pelo Poder Judiciário obrigação de fazer demandada do Executivo Estadual, por ser respaldada em princípio constitucional e em lei infraconstitucional, sem que com isso estivesse havendo qualquer tipo de intromissão do Judiciário na discricionariedade do Administrador Público. Na ementa do acórdão, afirma o insigne Relator:

 

“Valores hierarquizados em nível elevadíssimo, aqueles atinentes à vida e à vida digna dos menores. Discricionariedade, conveniência e oportunidade não permitem ao administrador que se afaste dos parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema legal”.[54]

 

De todos os ensinamentos supra-expostos, resulta de meridiana clareza a possibilidade e até a necessidade de controle judicial dos atos administrativos, mesmo aqueles praticados dentro da chamada esfera de atuação discricionária, porque somente esse controle, a par de outros previstos na Lei Magna, é capaz de garantir que a Administração atue sempre pautada pelo princípio da legalidade estrita, jamais desbordando eventuais opções que o vazio da norma lhe deixe (já que o legislador não tem como prever todas as situações concretas da vida) para uso arbitrário do Poder.

 

10.5 CONCEITO DE DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA:

 

Através de uma ótica funcional da Administração, podemos definir a discricionariedade administrativa como sendo o dever de o Administrador Público, ante o grau de imprecisão existente na norma, seja essa imprecisão derivada de conceitos axiológicos ou multissignificativos, optar pela solução que mais se compatibilize com o interesse público, ditado pela Constituição, pelas normas de inferior hierarquia e pelos dominantes ao tempo da consecução do ato.

 

Despretensiosamente, nosso conceito busca realçar a idéia de um “DEVER” discricionário.

 

Compromete-se com a necessidade de o Administrador estar sempre vinculado à legalidade, enquanto conceito amplo, hoje integrado também por outras fontes de Direito distintas da lei “stricto sensu”.

 

Por fim, ressalta o império do interesse público sobre todas as condutas administrativas.

 

10.6 O PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:

 

De forma inédita na legislaçao brasileira, o Constituinte de 1988 fez sentir, no art. 227, o chamado princípio da prioridade absoluta, quando determina ser dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

 

Essa nota diferencial em relação a outros campos de atuação das políticas públicas, a fim de que não pairasse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do preceito constitucional (que alguns ainda insistem de taxar de meramente programático), veio reiterada e esmiuçada na Lei nº 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Reza o art. 4º:

 

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade - grifei -, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

 

Parágrafo Único - A garantia de prioridade compreende:

 

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude - grifos meus.

 

O dispositivo fala por si só. É por demais explicativo, mormente para quem está imbuído do espírito da lei e dos critérios que devem nortear sua interpretação.

 

O art. 6º do ECA traça os rumos da hermenêutica a ser empregada por seu aplicador, destacando os fins sociais a que se dirige; as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente de pessoas em desenvolvimento.

 

Ainda que não o fizesse, é mister ao intérprete abrir mão da chamada “hermenêutica tradicional”, que nunca valorou corretamente a força normativa dos princípios, e realizar um trabalho exegético multilateral, que leve em conta não só a valoração política, como a social e até a econômica.[55]

 

O mestre em Direito Econômico, Johnson Barbosa Nogueira, em excelente trabalho publicado na Revista GENESIS de Direito Administrativo, procura destacar a função hermenêutica dos princípios. Segundo ele:

 

“Os princípios são referenciais de valoração jurídica, os grandes responsáveis para não se ter uma valoração livre, mas emocionalmente conceitual. São os princípios a ferramenta primordial para o preenchimento das lacunas (axiológicas) do ordenamento jurídico”.[56]

 

Prioridade, segundo o mais popular dos dicionaristas brasileiros, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é:

 

“1. Qualidade do que está em primeiro lugar, ou do que aparece primeiro; primazia. 2. Preferência dada a alguém relativamente ao tempo de realização de seu direito, com preterição do de outros; primazia. 3. Qualidade duma coisa que é posta em primeiro lugar numa série ou ordem”.[57]

 

ABSOLUTA, segundo o mesmo “Aurélio” (hoje sinônimo de dicionário de nossa língua), significa ilimitada, irrestrita, plena, incondicional.

 

A soma dos vocábulos já nos indica o sentido do princípio: qualificação dada aos direitos assegurados à população infanto-juvenil, a fim de que sejam inseridos na ordem-do-dia com primazia sobre quaisquer outros.

 

Segundo o Promotor de Justiça Wilson Donizeti Liberati, especialista na área dos direitos da criança,

 

Por absoluta prioridade, devemos entender que a criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de preocupações dos governantes; devemos entender que: primeiro, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes (...).

Por absoluta prioridade, entende-se que, na área administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o poder do governante.[58]

 

O jurista Dalmo de Abreu Dallari,[59] comentando o art. 4º do ECA, destaca a necessidade de serem priorizados o apoio e a proteção à infância e juventude, por mandamento constitucional. Mais. Preceitua não ter ficado ao alvedrio de cada governante decidir se dará ou não apoio prioritário às crianças e aos adolescentes.

 

Exsurge com clareza, das considerações tecidas, não ser possível qualificar a norma esculpida no art. 227 da CF como sendo de eficácia contida (na classificação exemplar de José Afonso da Silva); nem como sendo “not self-executing”, na já superada taxionomia do Direito Americano.

  A norma é clara, passível até de uma exegese meramente gramatical, aquela que exige do intérprete o mínimo esforço racional, embora seja recomendável avançar no “iter” hermenêutico e se lançar mão dos métodos lógico e teleológico, quando, então, virão a lume os dispositivos dos arts. 4º e 6º do ECA.

 

A prioridade absoluta, enquanto princípio-garantia constitucional, vem sendo reconhecida em alguns julgados de nosso país.

 

É do Tribunal de Justiça do Distrito Federal o primeiro acórdão, verdadeiro “leading case”, do qual tivemos conhecimento no qual há menção clara a ele, “in verbis”:

 

Do estudo atento desses dispositivos legais e constitucionais, desume-se que não é facultado à Administração alegar falta de recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez que a Lei Maior exige PRIORIDADE ABSOLUTA - art. 227 - e determina a inclusão de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há é porque houve desobediência, consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais precitados encabeçados pelo parágrafo sétimo do art. 227.[60]

 

O Tribunal de Justiça Gaúcho, em decisão anteriormente mencionada, também faz referência ao princípio quando adverte:

 

A exigência de absoluta prioridade não deve ter conteúdo meramente retórico, mas se confunde com uma regra direcionada, especificamente, ao Administrador Público.[61]

 

Partindo da premissa de que a norma do art. 227 é de eficácia plena (distanciando-se em tudo daquelas que alguns insistem em catalogar como sendo de conteúdo meramente programático, cada vez mais raras em nosso ordenamento jurídico malcriadamente positivado), temos de reconhecê-la, sim, como um fator a mais a limitar o campo de atuação discricionária do administrador público.

 

Pensar de outra maneira é converter o art. 227 e o microssistema do ECA em meras cartas de intenções, desvirtuando-os de seu sentido evolutivo, de sua virtual condução a uma utopia concreta.

 

É também ignorar que diversas normas constitucionais, como bem ensina o juspublicista luso Gomes Canotilho, destinam-se a formular roteiros de ação que os poderes públicos devem concretizar, os quais adquirem especial relevância nos programas de governo[62].

 

Eduardo Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernández, dissertando sobre os princípios constitucionais[63] tecem considerações críticas a respeito dessa classificação de algumas normas inseridas na Constituição como sendo princípios meramente programáticos. Textualmente, vejamos:

 

“Estes valores não são pura retórica, temos de impugnar essa doutrina, de tanta força ineficaz entre nós - simples princípios programáticos - sem valor normativo de aplicação possível; pelo contrário, são justamente a base inteira do ordenamento; o que há de presidir, portanto, toda sua interpretação e aplicação” – grifei.

 

A partir do momento em que se tem uma visão nítida do sistema, do qual ressalta o princípio em foco, certamente que nenhum magistrado ousará denegar Justiça sob o argumento da inviabilidade de exame do agir discricionário do administrador.

 

10.7 PERIGO DE DESRESPEITO ÀS NORMAS CONSTITUCIONAIS

 

Ao se enfatizar o assento constitucional do princípio da prioridade absoluta (art. 227 da CF), é mister que explicitemos a sua eficácia jurídica.

 

Sob a inspiração da doutrina de José Afonso da Silva, é possível situar o princípio em comento dentre os princípios gerais informadores de toda a ordem jurídica nacional. Portanto, traduz-se ele em norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.[64]

 

Nessa linha de raciocínio, não merece acolhida a argumentação de que nossa Constituição, no tocante à priorização das questões atinentes à infância e juventude, seria de cunho programático. Por essa trilha equivocada, “data venia”, optou o E. Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Recurso Especial interposto nos autos de ação civil pública ajuizada pelo “parquet” de Goiás, “verbis”:

 

A nossa Constituição de 1988, mais do que todas as Cartas e Constituições brasileiras anteriores é dirigente (dirigierende Verfassung) e programática (programmatische Verfassung). Ela almeja construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) erradicando a pobreza e a marginalidade, e reduzir as desigualdades sociais e regionais (id. III). Em outras palavras, um dos objetivos fundamentais da nossa República Federativa é oferecer diretivas modeladoras para a própria sociedade, acenando na ordem econômica, financeira, cultural e ambiental. Essas normas programáticas se destinam especialmente aos Poderes Públicos; Ao Legislativo, para que ele procure elaborar as normas infraconstitucionais consoante programas e tarefas gizados pela Constituição; Ao Judiciário, para que ele igualmente exerça a denominada atualização constitucional (Verfassungsaktualisierung), ou seja, interprete as leis tal qual preceituado na Constituição. Acontece que no caso dos autos, as normas maiores não estabeleceram, de modo concreto, a escalada das prioridades - grifei. Assim, não se tem como obrigar o Executivo a construir o Centro de Recuperação e Triagem para a recepção de adolescentes submetidos ao regime compulsório de internamento. Haveria uma verdadeira intrusão do Judiciário no Executivo.[65]

 

Labora em erro o eminente Relator quando entende imprescindível uma definição, a nível infraconstitucional, de uma “escalada da prioridade”. Ora, ou a questão é prioritária, com a nota de absoluta, ou não é.

 

O Brasil parece regozijar-se de ser o país do faz-de-conta, o único no mundo onde 12% (doze por cento) podem ser 20,25%.

 

Sendo o Estado de Direito um Estado Constitucional, torna-se implícita a existência de uma Constituição que sirva de ordem jurídico-normativa fundamental, vinculando todos os poderes públicos.

 

Gomes Canotilho, ao discorrer sobre a noção de SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO, desdobra sua lição em quatro tópicos: a) vinculação do legislador à constituição; b) vinculação de todos os restantes atos do Estado à constituição; c) o princípio da reserva da constituição e d) força normativa da constituição.

 

Explicando o item b, acentua que o princípio da constitucionalidade não se impõe apenas sobre os atos que não violem positivamente a Constituição, mas também repercute sobre a omissão inconstitucional, por falta de cumprimento das imposições constitucionais ou de ordens de legislar.

 

Sobre a força normativa da Constituição adverte:

 

“No entanto, quando existe uma normação jurídico-constitucional ela não pode ser postergada quaisquer que sejam os pretextos invocados. Assim, o princípio da constitucionalidade postulará a força normativa da constituição contra a dissolução político-jurídica eventualmente resultante: (1) da pretensão de prevalência de fundamentos políticos, de superiores interesses da nação, da soberania da Nação sobre a normatividade jurídico-constitucional; (2) da pretensão de, através do apelo ao direito ou à idéia de direito, querer desviar a constituição da sua função normativa e substituir-lhe uma superlegalidade ou legalidade de duplo grau, ancorada em valores ou princípios transcendentes (Preuss).”[66]

 

O perigo de converter-se a Constituição em mera carta de intenções já havia sido apontado pelo Prof. Konrad Hesse, em sua monografia “A Força Normativa da Constituição”, escrita para rebater o texto “O que é uma Constituição Política” de Ferdinand Lassale.

 

Hesse confere peculiar destaque à chamada vontade da Constituição, alinhando-a a vontade de poder. Segundo ele,

 

“aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais será recuperado.”[67]

 

A lição do mestre germânico merece uma profunda reflexão, máxime em nosso país onde a regra é o desrespeito às normas constitucionais, sempre sob o argumento de não serem elas providas de aplicabilidade imediata.

 

Oprimir a eficácia do princípio da prioridade absoluta é condenar seus destinatários à marginalidade, à opressão, ao descaso.

 

É fazer de um diploma que se pretende revolucionário, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instrumento de acomodação.

 

10.8 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA CONCRETIZAÇÃO DOS BENS-INTERESSES TUTELADOS PELO ECA E PELA CONSTITUIÇÃO

 

Os idealizadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, no tocante à proteção judicial dos interesses desse contingente de cidadãos, agiram em total consonância com o princípio constitucional da Universidade da Jurisdição.

 

Tocante à ação civil pública (que é um dentre tantos remédios processuais a que alude a L. 8.069/90), foi ela objeto de ampliação.

 

Está o Ministério Público legitimado (coisa que, apesar dos quase sete anos de vigência do ECA, poucos lidadores do Direito o sabem)[68] a ajuizar ação civil pública para proteção de interesses individuais de crianças e adolescentes.

 

Louvando-se nesse permissivo (art. 201, inc. V, do ECA), o Ministério Público do Rio Grande do Sul ajuizou demanda contra o Estado do Rio Grande do Sul, com o fito de compeli-lo a suportar encargos decorrentes do transplante de medula óssea - única forma de salvar a vida de uma menor - e arcar com os remédios, transporte e despesas hospitalares derivadas do procedimento.

 

Em contestação, o Estado-réu argumentou, dentre outras coisas, ser o Ministério Público carecedor de ação, por fundamentar o pleito em matéria constitucional não regulamentada por lei ordinária.

 

A demanda foi julgada procedente, por sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. No acórdão, o Relator designado (houve um voto divergente) faz expressa referência ao art. 227 da CF, conforme veremos:

 

Então, atendendo a este fato e à circunstância bem colocada pelo Ministério Público, autor da ação civil pública, vislumbro a incidência do art. 227 da Constituição Federal, que obriga o Poder Público, o Estado como um todo, a assegurar à criança a ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, etc. No caso específico, o direito à vida.

Ainda, o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que: é dever da sociedade em geral e do Poder Público assegurar com prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, etc. No seu parágrafo único, diz que a garantia da prioridade compreende a primazia em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.[69]

 

O importante nessa decisão, a par do reconhecimento da legitimidade ministerial para o ajuizamento de ação civil pública para tutela de interesse individual (matéria essa que também foi objeto de impugnação estatal), é o posicionamento favorável à idéia de eficácia plena e aplicabilidade imediata dos direitos reconhecidos na CF à população infanto-juvenil.

 

A legitimação para as ações de responsabilidade civil por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente está regulada nos arts. 201, inc. V, e 210, ambos do ECA.

 

Dentre as espécies de interesses a serem argüidos em juízo, ressaltam, por sua abrangência, os difusos, aos quais Ada Pellegrini Grinover atribui a seguinte qualificação jurídica:

 

Trata-se de interesses comuns a uma coletividade de pessoas, que não repousam necessariamente sobre uma relação-base, sobre um vínculo jurídico bem definido que as congregue. Tal vínculo, nota Barbosa Moreira, pode até inexistir, ou ser extremamente genérico - reduzindo-se, eventualmente, à pura e simples pertinência à mesma comunidade política - e o interesse que se quer tutelar não é função dele, mas antes se prende a dados de fato, muitas vezes acidentais e mutáveis; existirá, v.g., para todos os habitantes de determinada região, para todos os consumidores de certo produto, para todos os que vivam sob tais ou quais condições sócio-econômicas ou se sujeitem às conseqüências deste ou daquele empreendimento público ou privado, e assim por diante.[70]

 

O objeto dessas ações civis públicas está elencado, exemplificativamente, no art. 208 do ECA.

 

Onde houver oferta irregular ou não-oferta dos serviços de educação, saúde, profissionalização infanto-juvenil e outros serviços relativos às crianças e adolescentes, o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os Territórios e as associações legalmente habilitadas (art. 210 do ECA) poderão propor ação civil pública.

 

Wilson Donizeti Liberati chega ao ponto de afirmar ser possível o emprego desse tipo de ação para impedir o gasto de dinheiro público em obras não prioritárias para a comunidade, apurando-se a responsabilidade civil e criminal do ordenador das despesas. Faz essa ousada e lúcida assertiva com base no princípio da prioridade absoluta, definido por ele como “viga-mestra” do Estatuto.[71]

 

Com todo esse arcabouço legislativo, não devemos vacilar quanto ao ajuizamento de demandas tendentes a tornar reais os direitos abstratamente assegurados à massa de crianças e adolescentes.

 

A utilização da via jurisdicional se faz necessária sempre que o Estado se omite quanto a alguma política social ou ação de abrangência individual contemplada no ECA.

 

Fábio Konder Comparato advoga ser do Executivo e do Legislativo a competência conjunta para aprovação e encaminhamento dos programas de ação governamental e que a intervenção do Judiciário somente se impõe quando determinado direito social é negligenciado. Nessa hipótese, esse Poder está reconhecendo uma omissão inconstitucional por parte dos demais poderes.[72]

 

Somente a proliferação dessas ações será capaz de fazer desabrochar o senso de Justiça dos integrantes de nossas cortes, pois o que se constata hoje, onde encontramos escassos julgados dessa natureza, é uma exacerbada timidez dos integrantes do Poder Judiciário.

 

Esse problema, aliás, foi detectado com percuciência pela Profª Josiane Rose Petry Veronese, na obra com a qual conquistou o título de Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, “in literis”:

 

Depreende-se dessa questão que, apesar da existência de todo um instrumental, cuja efetividade dependeria tão-somente de seu uso, restringe-se a poucos casos isolados, e o que é ainda pior, fica-se à mercê de determinados padrões, que antevêem na realização das normas jurídicas que tenham a função de contribuírem na transformação da sociedade, um certo perigo de desequilíbrio no sistema da tripartição dos poderes. Temem que o Poder Judiciário, à medida que julgue procedentes a grande maioria dos casos de conflitos que envolvem o indivíduo, ou coletividades inteiras que interpõem ações civis públicas em razão da inadimplência do Estado no cumprimento de suas políticas sociais, estaria adentrando um campo que não me pertence, pois são questões que tradicionalmente se entendia estarem a cargo dos outros dois Poderes.[73]

 

O acanhamento do Judiciário quando decide as ações civis públicas para tutelas de interesses protegidos pelo ECA pode ser atribuído a vários fatores.

 

É inequívoco o despreparo para lidar com a matéria (os cursos jurídicos de graduação e de pós-graduação raramente incluem em seus currículos uma visão sistemática da doutrina de proteção à infância e adolescência e, quando o incluam, o fazem à guisa de disciplina opcional).

 

Muitos dos atuais juízes, mormente aqueles que atualmente integram órgãos colegiados, tiveram sua formação sob a égide do Código de menores, calcado na doutrina da chamada “situação irregular”, o qual não contemplava em seu sistema qualquer forma de responsabilização do Estado por eventuais omissões, hoje, quem pode ser declarado em situação irregular é o Estado omisso.

 

Mas o que mais chama a atenção é, sem dúvida, o receio de invasão em atribuições afetas a outros poderes, tanto assim que, da leitura de diversos julgados nesse diapasão, surgiu nossa motivação para o presente trabalho.

 

Emblemático é o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no Agravo de Instrumento nº 8.443, interposto pelo respectivo Estado em ação civil pública promovida pelo “parquet” no intuito de condená-lo a reformar uma escola pública situada na cidade de Xaxim.

 

Houve deferimento da liminar pelo juízo “a quo”, o que motivou o recurso, apreciando a irresignação, a Câmara houve por bem provê-la. Na ementa, assim se expressa o relator:

 

A Câmara decidiu acolher o pedido de reforma para declarar a extinção da ação civil pública proposta pelo Ministério Público contra o Estado, por carência de ação, em face da impossibilidade jurídica do pedido, com base no art. 267, VI, combinado com o parágrafo 3º do mesmo artigo, do CPC, uma vez que a pretensão deduzida na petição inicial não encontra admissibilidade no ordenamento jurídico vigente, na medida em que não podem o Juiz, tanto quanto o próprio Tribunal, avocar para si a deliberação de atos da Administração Pública, que resultam sempre e necessariamente de exame de conveniência, oportunidade e conteúdo dos atos de exercício dos outros Poderes, Executivo e Legislativo, do Estado; tendo-se, ainda, em consideração que a Administração Pública nada pode fazer que não se contenha em seus recursos, e há de fazê-lo segundo as previsões programáticas e orçamentárias, com participação do Poder Legislativo, cujas atribuições igualmente restaram atropeladas... [74].

 

Há quem chegue ao ponto de fulminar a própria legitimidade ministerial para a ação civil pública “lato sensu”. Tal exagero pode ser constatado em voto proferido pelo Des. Lécio Resende, do Distrito Federal:

 

(...) tive notícia de que o professor Calmon de Passos, ardoroso defensor da introdução na Constituição dos predicamentos obtidos pela Instituição (Ministério Público), em conferência pronunciada na Escola Superior do Ministério Público, teria se penitenciado, convalidando até o entendimento que tenho casualmente me manifestado até quanto à absoluta ilegitimidade para a propositura da chamada ação civil pública, que para mim já induz a idéia de paradoxo, porque até quando aprendi a ação civil diz respeito, exclusivamente, a interesse privado tutelado pela lei. Não posso conceber a existência de ação civil pública.[75].

 

  Esse tipo de posicionamento bem externa a necessidade de uma reformulação no ensino jurídico brasileiro, para adequá-lo às novas demandas sociais, tão bem detectadas e definidas no magistral voto do Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, o qual se transcreve parcialmente:

 

É manifesto que as  demandas reais da sociedade naturalista de massas deste século têm lançado por terra, mesmo no âmbito dos regimes capitalistas, alguns dogmas fundamentais do primitivo liberalismo burguês, entre eles, particularmente, a aversão dos revolucionários do séc. XVIII às formações sociais intermediárias, que então se pretendeu proscrever, como intoleráveis resíduos do feudalismo. Hoje, ao contrário, o certo é que - dos sindicatos de trabalhadores às corporações empresariais e às ordens de diversas profissões, dos partidos às entidades de lobby de toda, das sociedades de moradores às associações ambientalistas, dos centros de estudo aos agrupamentos religiosos, das minorias organizadas aos movimentos feministas - tudo são formações sociais reconhecidas, umas e outras, condutos reputados imprescindíveis à manifestação das novas dimensões da democracia contemporânea, dita democracia participativa e fundada, não mais na rígida separação, sonhada pelo liberalismo individual da primeira hora, mas na interação cotidiana entre o Estado e a sociedade - grifei. Nesse contexto, era fatal, como tem ocorrido desde o início do século, que progressivamente se viesse pondo em xeque o dogma do direito processual clássico, corolário das inspirações individualistas da ideologia liberal, qual seja, o da necessária coincidência entre a legitimação para agir e a titularidade da pretensão material deduzida em juízo.[76]

 

Sem que se olvide da vinculação da Administração pública a existência de recursos e sua previsão orçamentária, a observância do princípio da prioridade absoluta impõe a necessária inclusão desses recursos que visem a atender os direitos previstos abstratamente no ECA e na Carta Magna em orçamento. Esse, aliás, deve ser o pedido nuclear das ações civis com a preponderante carga eficacial cominatória.

 

10.9 CONCLUSÃO

 

De tudo o que foi exposto, dessume-se ser o princípio da prioridade absoluta aos direitos das crianças e adolescentes mais um vetor de limitação ao agir discricionário do administrador público.

 

Tal conclusão decorre, em primeiro lugar, do próprio princípio da legalidade que deve nortear toda a pauta de ações dos integrantes do Poder Executivo, dogma esse insculpido no art. 37 da Constituição Federal.

 

Não há que se falar, por essa razão, em ingerência ou em falta de atribuição do Judiciário para determinar como deve ser o agir do Administrador, porquanto é a própria lei, e a Lei Maior, que o descreve no tocante aos direitos das crianças e adolescentes.

 

O fato de o princípio da prioridade absoluta encontrar assento constitucional denota seu sentido norteador, verdadeira super-norma a orientar a execução e a aplicação das leis, bem como a feitura de diplomas de inferior hierarquia, tudo dentro da mais estrita legalidade.

 

Na discussão sobre a implementação dos bens-interesses previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente jamais pode ser denegada qualquer pretensão deduzida em juízo sob o argumento de que o Administrador Público tem o discricionário “poder” de eleger prioridades e estabelecer prioridades, já que a Constituição Federal, em seu art. 227, ampliada pelo art. 4º do ECA, não estabelece qualquer hierarquia entre os direitos ali reconhecidos como prioritários.

 

De outra banda, impõe uma oxigenação ideológica nos integrantes do Judiciário e do Ministério Público para que de fato se conscientizem de sua função política, enquanto integrantes de instituições cujo compromisso maior é com o interesse público, tendo como valores supremos aqueles estabelecidos no preâmbulo de nossa vigente Carta Magna.

 

Também é de ser reconhecido o instituto da ação civil pública como um instrumento por demais relevante na prestação jurisdicional, de dimensão política considerável, permitindo o “vir ao mundo” de demandas outrora excluídas do acesso à Justiça, garantindo a efetivação e a democratização dos direitos fundamentais assegurados pelo ECA.

 

11. DO PEDIDO

 

  Diante desse quadro, requer-se a declaração de que se encontra o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO obrigado a prestar o serviço público de educação infantil em estabelecimento pré-escolar, em condição de igualdade, a todas as crianças a partir dos quatro anos de idade, cujos pais desejem matriculá-las, quer por meio de rede pré-escolar própria, conveniada ou indireta, respeitados os princípios da universalidade e gratuidade, até o ingresso no ensino fundamental.

 

                          Oportunamente requer seja citado o réu, por intermédio de seu Prefeito Municipal, DR. CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO, domiciliado no Palácio das Indústrias - Parque D. Pedro II, nesta Capital, para responder aos termos da presente ação, assim como, querendo, contestá-la, no prazo legal, sob pena de revelia.

 

                          Requer-se sejam as intimações ao autor expedidas para a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude da Capital, à Rua Major Quedinho, n. 90, 8º andar, tels. 257.2899, r. 214/215/216.

 

Dá-se à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Termos em que

Pede deferimento.

 

São Paulo, 05 de maio de 1999.

 

Maurício Antonio Ribeiro Lopes

Promotor de Justiça

 

Silvana Buogo

Promotora de Justiça

 

 

Notas:

 

[1] Sobre o Ministério Público e o ensino fundamental, veja-se o artigo de Valerio Bronzeado - “Ensino fundamental e Ministério Público: algumas considerações críticas e práticas”, ADV advocacia dinâmica, seleções jurídicas, p. 19-29, fev. 1995.

 

[2] Sobre o tema cabe examinar o trabalho de Francisco Chaves dos Anjos Neto, “Ação civil pública: direito à gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais de João Pessoa - PB; liminar concedida”, Boletim Informativo Secodid, vol. 7, nº 23, p. 40-48, jul./set., 1993.

 

[3] Silva, José Afonso da, Curso, p. 713.

 

[4] Anísio Teixeira, A pedagogia de Dewney, in John Dewnwy, Vida e educação, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959, p. 361.

 

[5] Comentários à Constituição de 1967, Tomo VI Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 333.

 

[6] Idem, p. 348.

 

[7] Bonnard, Le controle juridictionnel de l’administration, 1934, p. 35.

 

[8] Précis, p. 73.

 

[9] Cirne Lima, Princípios de direito administrativo, 4ª ed., 1964, p. 57.

 

[10] Miguel Seabra Fagundes, O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 5ª ed., 1979, p. 169.

 

[11] Cirne Lima, op. cit., p. 54-55.

 

[12] Id. Ibid.

 

[13] Id. Ibid.

 

[14] Cretella Jr., José, Comentários, p. 4.404.

 

[15] Pontes de Miranda, Comentários, p. 334-335.

 

[16] MANCUSO, Rodolfo de Camargo - Ação Popular, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998.

 

[17] HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo, p. 104.

 

[18] SEABRA FAGUNDES, “Responsabilidade do Estado - Indenização por Retardada Decisão Administrativa”, em Revista de Direito Público, 57-58/14.

 

[19] HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, pp. 82-83 e 88-89; CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., pp. 336/337; LUCIA VALLE FIGUEIREDO, Disciplina Urbanística da Propriedade, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, pp. 7 e 15; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Elementos de Direito Administrativo, pp. 30 e 46-48, e Discricionariedade e Controle Jurisdicional, Malheiros Editores, São Paulo, 1992, pp. 13 e 15.

 

[20] Iinstituciones de Derecho Administrativo, 1ª ed., Madrid, p. 117, citado por HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p. 152.

 

[21] Elementos de direito administrativo, ed. cit., p. 144.

 

[22] Discricionariedade, pp. 32-33 e 36; no mesmo sentido, WEIDA ZANCANER, Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 2ª ed., Malheiros, São Paulo, 1993, p. 54; JOSÉ AUGUSTO DELGADO, “Princípio da Moralidade Administrativa e a Constituição Federal de 1988”, em Revista Trimestral de Direito Público, vol. 1/214-215.

 

[23] CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Discricionariedade, ed. cit., p. 37.

 

[24] CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Discricionariedade, ed. cit., p. 38.

 

[25] Nesse sentido, positiva o jurista português AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, citado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO em: “Discricionariedade e Controle Jurisdicional”, p. 11. Ed. Malheiros, 2ª edição”, quando afirma: “Aquilo que o Estado de Direito é forçosamente é Montesquieu e Rousseau, talvez mais Rousseau que Montesquieu” (Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder, Coimbra Editora, 1940, p. 8).

 

[26] “El Contrato Social”, tradução espanhola, Editorial Maucci, Barcelona.

 

[27] Encabeçada por MAURICE HAURIOU: FRANCIS-PAUL BENOIT: LAFERRIÈRRE E BARTHELÉMY, dentre outros.

 

[28] No original, transcreve-se: L’administration n’est pas animée, dans ce qu’elle fait, d’une volonté intérieure légale: elle animée d’une volonté exécutive libre assujettie à la loi comme à un pouvoir extérieur. Il suit da là, d’une part, que, dans les matières de as compétence, lorsque son pouvoir n’est pas lié par des dispositions légales, il est entierement autonome, et, d’autre parte, que dans les matières où son pouvoir parait liè par la loi, il lui se conforme toujours à un certain choix des moyens qui lui permet de se conformer volontairement à la loi.

“Cette faculté de se conformer volontairement à la loi est d’autant plus rèservèe à l’administration des lois et qu’elle jouit constitutionnellement d’une certaine latitude dans le choix des moments et des circonstances où elle assure cette application.

“A ce point de vue, il convient d’indiquer à nouveau que le pouvoir discrètionnaire de l’administration consiste en la facultè d’apprecier l’opportunitè qu’il peut y avoir à prendre ou à ne pas prendre ine décision exécutoire, ou à ne pas la prendre immediatement, méme lorsqu’elle est precrite par la loi” (Précis Élémentaire de Droit Administratiff, Librairie du Recueill Sirey, 1938, p. 229).

 

[29] Bartolome A. Fiorini, “Manual de Derecho Administrativo”, Primeira Parte, Buenos Aires, Ed. La Ley, 1968, p. 233.

 

[30] Erro de Ilegalidade no Acto Administrativo, Lisboa, Ed. Ática, pp. 222-223.

 

[31] Tratado de Direito Administrativo, vol. V, p. 11. Ed. Freitas Bastos.

 

[32] v.g. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO; MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO; DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, dentre outros.

 

[33] v. RDA 89/134 e TJSDP, REO 165.977).

 

[34] CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, em sua magnífica obra “A Instrumentalidade do Processo”, p. 32, 3ª ed., Malheiros, quando discorre acerca das mutações constitucionais do processo, enfatiza a tendência do Estado contemporâneo, enquanto Estado-de-direito, onde assoma a legalidade e abertura do Poder Judiciário como guarda último da Constituição e dos valores e garantias que ela abriga e oferece, fruto dos sucessivos movimentos político-sociais da Humanidade nos últimos duzentos anos, com a Revolução Francesa, e a industrial, gerando a ascensão da burguesia e do proletariado e a universalização do voto mais a urbanização da população e expansão dos meios de comunicação de massa.

 

[35] HELY LOPES MEIRELLES traz noção emblemática da discricionariedade em torno da idéia de PODER: “Poder discricionário é o que o direito concede à Administração de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo” (Direito Administrativo Brasileiro, p. 97, 14ª edição, Revista dos Tribunais).

 

[36] EDIMILSON FARIAS, em artigo intitulado “Técnicas de Controle da Discricionariedade Administrativa” (Arquivos do Ministério da Justiça, 47/159), chega a falar em “potestades discricionárias da administração”.

 

[37] No Estado-de-direito, o exercício do poder está amarrado pelo princípio da legalidade. Cabe ao administrador público, em todos os casos, mesmo naqueles em que a lei não descreve em minúcias como e o quê fazer, procurar sempre a solução ótima para o caso concreto. Vale dizer, cabe ao administrador, enquanto ocupante de uma função pública, o dever de buscar o interesse social.

 

[38] In “Legitimidade e Discricionariedade”, p. 33. 1ª ed., Forense.

 

[39] Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, Ed. Atlas.

 

[40] In “Discricionariedade Administrativa e Controle Jurisdicional”, pp. 12/14, 2ª ed., Malheiros.

 

[41] v., nesse sentido, José Cretella Júnior, em seu Curso de Direito Administrativo, p. 224, 14ª edição, Forense, e Maria Sylvia Zanella di Pietro, op. cit., p. 171.

[42] Curso de Direito Administrativo, p. 123, 1ª ed., Malheiros.

 

[43] obra citada, p. 220, 6ª edição, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian.

 

[44] Citado por ODETE MEDAUAR, em “O Direito Administrativo em Evolução”, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 184.

 

[45] “apud” AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, “in” Teoria do Desvio de Poder em Direito Administrativo, Revista de Direito Administrativo, vol. VI, p. 44.

 

[46] Exemplo desse tipo de decisão retrógrada encontra-se em acórdão prolatado pela 6ª Turma do e. Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Adhemar Maciel, no Rec. Especial nº 63.128-9, oriundo de uma ação civil pública promovida com o fito de obrigar o Governo Goiano a construir um centro de recuperação e triagem para adolescentes infratores, onde encontramos afirmações como as que seguem: “A Constituição Federal e em suas águas a Constituição do Estado de Goiás são dirigentes e programáticas. Têm, no particular, preceitos impositivos para o Legislativo (elaborar leis infraconstitucionais de acordo com as tarefas e programas pré-estabelecidos) e para o Judiciário (atualização constitucional). Mas, no caso dos autos as normas invocadas não estabelecem, de modo concreto, a obrigação do Executivo de construir, no momento, o Centro. Assim, haveria uma intromissão indébita do Poder Judiciário no Executivo, único em condições de escolher o momento oportuno e conveniente para a execução da obra reclamada”.

 

[47] “O Espírito das Leis”, Traduzido e Anotado pelo Des. Pedro Vieira Mota, nota 55, p. 26, Ed. Saraiva.

 

[48] Encerra seus comentários sobre uma visão funcional da Jurisdição, apregoando: “Essa visão funcional da jurisdição, partindo da unidade do poder e diversidade das formas do seu exercício segundo os objetivos propostos, elimina certas preocupações minudentes e exageradas, como a da natureza jurisdicional ou não das atividades do juiz na execução civil ou no processo criminal. Muito mais relevante do que afirmá-la ou negá-la nesses casos, é saber que se trata invariavelmente do exercício do poder e que, por isso, são atividades que se pautam por desenganada marca de publicismo, sobrelevando aos interesses dos demais sujeitos os do Estado” (op. cit., p. 119).

 

[49] “O Poder Judiciário e o Meio Ambiente”, RT 631/28.

 

[50] Direito Constitucional Positivo; p. 101, Ed. Rev. dos Tribunais.

 

[51] “Juízes Legisladores?”, 1993, p. 100, Ed. Sérgio Antônio Fabris.

 

[52] A essa conclusão já chegara, aliás, o administrativista Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (em seus “Princípios Gerais de Direito Administrativo”, vol. 1/417), quando se posicionou a favor da sindicalidade do mérito do ato administrativo com respaldo no art. 153, parág. 4º, da antiga Carta Constitucional (hoje art. 5º, inc. XXXV).

 

[53] RT 721/212.

[54] Apel. Cível nº 596017897, 12.03.97.

 

[55] Nesse diapasão apregoa AUGUSTIN GRODILLO, em seus “Princípios Gerais de Direito Público”, apud Johnson Barbosa Nogueira, em artigo nominado “A Discricionariedade Administrativa sob a Perspectiva da Teoria Geral do Direito”, “in” GENESIS - Revista de Dir. Administrativo Aplicado, nº 3, p. 747.

 

[56] op. cit., p. 747.

 

[57] “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, p. 1393, Ed. Nova Fronteira.

 

[58] “O Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentários”, pp. 4/5, Ed. IBPS.

 

[59] Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 25, 1ª ed., Malheiros.

 

[60] Apel. Cível nº 62, de 16.04.93, acórdão 3.835.

 

[61] Apel. Cível 596017897, 7ª Câmara Cível.

 

[62] Direito Constitucional, p. 74, Ed. Almedina, 6ª edição, 1993.

 

[63] “in” Curso de Direito Administrativo, p. 393, Ed. Rev. dos Tribunais.

 

[64] Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 108, 2ª edição, Ed. Revista dos Tribunais.

 

[65] Rec. Especial nº 63.128-9 - Goiás; Rel. Min. Adhemar Maciel.

 

[66] op. cit., pp. 360/362.

 

[67] op. cit., p. 22, Ed. Sergio Antonio Fabris.

 

[68] O próprio HUGO NIGRO MAZZILLI, quando conceitua ação civil pública, em obra atualizada após a vigência do ECA, a designa como sendo aquela ajuizada pelo Ministério Público e demais legitimados, sempre no intuito de tutelar interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, partindo de critério objetivo-subjetivo, baseado na titularidade e no objeto específico da prestação jurisdicional pretendida na esfera cível.

 

[69] Reexame Necessário nº 596035428, 8ª Câm. Cível, Redator p/ acórdão Des. Eliseu Gomes Torres.

 

[70] “A Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos”, Rev. do Processo nº 14/15, pp. 27/27.

 

[71] op. cit., p. 141.

 

[72] A Nova Cidadania, Anais da XIV Conferência da OAB, Vitória, p. 49, set./1992.

 

[73] Interesses Difusos e Direitos da Criança e do Adolescente, p. 258, Ed. Del Rey.

 

[74] Julgado em 3.5.94, Rel. Des. Rubem Córdova.

 

[75] HC 6.656/94.

 

[76] RT 142/446.