MM. Juiz:

 

O jovem já se encontra privado de liberdade há um ano e um mês.

 

A Fundação, através de estudo multidisciplinar, já narrou a absoluta viabilidade de se pôr fim ao regime de segregação, por mais de uma vez. Na primeira oportunidade, em 06/07/2001, competentes profissionais de serviço social e psicologia, após detalhado exame de fatores pessoais, individuais e de desenvolvimento ao longo do regime recomendaram o encaminhamento do jovem para clínica de tratamento para drogadição (fls. 47/52). Tal proposta, aliás, foi lastreada em imposição da própria sentença (fls. 14), ratificada expressamente pelo Juízo de Execução (fls. 44). Curiosamente, a proposta técnica motivada por ordens judiciais expressas foi rechaçada pelo próprio Juízo, a pedido do Ministério Público. Determinou-se, assim, avaliação psiquiátrica “diante do requerimento apra suspensáo da execução e realização de tratamento de drogadição em local especializado (fls. 60). Ou seja, solicitou-se ao psiquiatra que se pronunciasse acerca da pertinência de se enviar o jovem para o centro terapêutico sugerido. Ele, contudo, como chegou a anotar o próprio Parquet (fls. 70), extrapolou sua missão e não se conteve em rotular o jovem como portador de um transtorno catalogado no Código Internacional de Doenças: Personalidade Dissocial (F60.2).  Em face do inesperado proceder – extra petita – do médico, as partes postularam esclarecimentos suplementares, através de quesitos (fls. 70/76). Não se compreende por qual motivo, houve por bem o Juízo, indeferindo a solicitação das partes (fls.77), ordenar avaliação do caso pelo IMESC, Instituto de Medicina Social e Criminológica de São Paulo. Mais incompreensivelmente ainda, ao cumprir a ordem judicial, que determinava a avaliação pelo Instituto, o funcionário responsável pela expedição do ofício fez nele constar que a ordem judicial era para avaliação psiquiátrica.

 

Pois bem, logo após a requisição da avaliação, enviou a Fundação novo parecer multidisciplinar, desta feita com sugestão de progressão para liberdade assistida com tratamento psicoterápico e antidrogas (fls. 97/91). Sem fundamentação, negou-se a sugestão técnica, ordenando-se que se aguardasse a avaliação do Imesc, cuja antecipação solicitada pela defesa também não se deferiu, malgrado o que dispõe o art.4º  “b” do ECA (fls. 95 e v.).

 

Finalmente aportou aos autos a tão esperada avaliação pelo Imesc (fls.  99/102) a qual, após tecer algumas pobres considerações concluiu, acerca do caso: “não cremos que tenha condições na progressão de seu regime de reeducação, devendo manter-se em regime fechado” (fls. 101).

 

Com lastro nas conclusões do Instituto, o Ministério Público, sem fundamentar, postula a manutenção da medida de internação (fls. 103), solicitando seja o jovem inserido em psicoterapia, assim como sua genitora (fls. 92 e v.).

 

Nesta oportunidade manifesta-se a defesa, tentando demonstrar a este Juízo que a desinternação do jovem se impõe como melhor forma de aplicação da lei ao caso concreto.

 

De fato, o minucioso estudo de fls. 87/91, revela, à saciedade, os indicadores necessários à conclusão judicial de que a medida de internação não tem mais motivos para ser mantida. J., dizem os técnicos que com ele convivem há quase um ano, cumpre com adequação a medida imposta. Cursou a sétima série, com bom desempenho. Realizou diversos cursos e atividades esportivas. Seu comportamento institucional é tão favorável hoje em dia que tem prestado serviços de manutenção na psicina do quadrilátero (fls. 89). De fato participou de um ato de vandalismo no interior da unidade, quando dos primórdios de sua segregação (fls. 30 – há quase um ano), mas nos demais momentos de tensão coletiva manteve-se distante e equilibrado. Tal comportamento é mostra eloqüente de que encontra-se mais fortalecido com relação à influenciabilidade. Do ponto de vista pessoal demonstra ser jovem afetuoso, alegre,  que não denota estruturação infracional severa. Mantém sua impulsividade e agressividade sob controle, demonstrando capacidade de refletir antes de agir (fls. 89/90) e criticidade amadurecida em face dos delitos praticados no passado (fls. 51). A genitora é pessoa bastante presente e capaz de dedicar ao jovem a atenção que necessita. Alguns problemas inerentes ao vínculo, formandos ao longo da história de vida entre mãe  e filho – que convergem em certa postura de superproteção – devem ainda se trabalhados, mas, advertem os técnicos, em regime de liberdade assistida (fls. 86). A postura da genitora, frise-se apenas para argumentar, não pode de maneira alguma justificar o encarceramento do jovem. Implicaria, como não raro acontece, punir a vítima, uma teratologia absolutamente afrontosa ao mais singelo conceito de Justiça. O que importa, e a avaliação multidisciplinar deixa isto claro, é que o jovem encontra-se hoje mais fortalecido internamente, ou seja, a postura protetora da mãe, ao contrário do que se dava no passado, já não mais se mostra fator ensejador de transgressão.

 

A medida de internação, regida pelos princípios da excepcionalidade e brevidade, não mais se justifica. Seu objetivo foi alcançado e deve cessar.

 

Transbordam, por conseguinte, motivos mais do que suficientes para se devolver a liberdade a J., não se devendo emprestar qualquer valor às avaliações psiquiátricas lançadas nos autos, tanto a oriunda da FEBEM quanto aquela  subscrita pelos peritos do IMESC.  Sua natureza, seu discurso, seu formato, seu conteúdo, seu cotejo com os demais elementos dos autos, tudo enfim impede que se  as considere  como subsídio para decisão judicial. É o que se buscará, humildemente, demonstrar a seguir.  Os argumentos, que se interpenetram, apenas para efeito didático serão divididos por seu caráter mais geral (I) ou por seu caráter mais específico (II). 

 

 

I – Argumentos de caráter geral

 

As características do regime de privação de liberdade a que se submete o jovem excluem por completo a chamada do profissional psiquiatra para opinar nos autos.

 

Não se vai aqui cuidar de criticar o trabalho do psiquiatra enquanto médico. Os profissionais que manejam os instrumentos desta relevantíssima parte da medicina em busca de aliviar o sofrimento físico ou psíquico das pessoas de fato doentes, de modo humanitário, desprendido, ético, merecem nossas homenagens e profunda admiração. A censura que se lança doravante atinge o trabalho do psiquiatra enquanto criminólogo, enquanto profissional chamado a investigar padrões (nomeados transtornos) de conduta ou personalidade indicadores de maior ou menor periculosidade, atividade que guarda pouco, muito pouco com a medicina e sua missão.

 

Assim o que se repudia, aqui, são as considerações deste profissional como alguém que:

 

a)      se  vê capacitado classificar o ser humano, através da metodologia utilizada (exame psíquico singelo), em uma categoria nosológica complexa, verificada pela presença simultânea de diversos sinais;

 

b)      se vê capacitado a, com tal classificação, dizer que tal ser humano é perigoso, ou seja apresenta indiscutivelmente  alta probabilidade de, em liberdade, vir a cometer novo crime, sendo o mais recomendável, portanto, mantê-lo encarcerado;

 

c)      se vê capacitado a, num prognóstico fechado, dizer que o indivíduo assim classificado é praticamente  intratável, ou seja, nunca mais vai se livrar desta sua condição de infrator perigoso. 

 

 

A atuação do psiquiatra no desempenho deste papel   recebe críticas no interior da própria Psiquiatria.

 

A investigação histórica dá conta de que o conceito psicopatia (modernamente rotulado de transtorno anti-social ou dissocial de personalidade) emergiu em um momento preciso, “momento histórico de afirmação da Psiquiatria (ou medicina mental) em torno de duas das figuras mais destacadas do “desvio”- o louco/alienado e o criminoso e, mais do que isto, seu cruzamento na figura do “criminoso alienado», particularmente, na entidade nosográfica proposta por Esquirol (em 1838) da «monomania homicida» e constatação, por este alienista, da existência de formas de loucura cujo único sinal evidente seria uma «desordem moral», sustentadora da prática de crimes” (...) “será a «monomania homicida» — a grande invenção da Psiquiatria do sec. XIX, segundo as palavras de M. Foucault (1981) — a porta, simultaneamente, de individualização deste ramo do saber, face à medicina, e de penetração progressiva no fechado domínio do jurídico, particularmente do Direito Penal. Entidade estranha e paradoxal, caracterizadora de um crime que não é senão e inteiramente uma forma de loucura e uma loucura que não se revela senão através do crime (ibidem), a «monomania homicida» revelar-se-á, de facto, a grande arma da Psiquiatria, na medida em que, enquanto doença mental, vai passar a exigir um perito da alienação para proceder ao seu adequado diagnóstico e eventual prognóstico, apelar à especificidade de um saber médico da alienação que instaurará e reforçará novas relações de poder entre estes dois domínios e seus representantes. ” [1]

 

Vê-se, assim, que a inclusão das psicopatias no terreno da psiquiatria deveu-se, historicamente, a interesses de afirmação de poder, muito mais do que em razão de pertinência científica a este ramo da medicina, então em construção.

 

A inclusão destas categorias no interior da medicina, mais por razões ideológicas do que científicas,  explica a contradição – tida como aparente, mas de fato real – de ter o Sr. Psiquiatra às fls. 68 concluído que “o jovem não apresenta quaisquer sinais ou sintomas de distúrbios psíquicos” para depois diagnosticá-lo como portador de um transtorno catalogado no CID-10 (F 60.2).

 

O próprio avaliador reconhece, assim, tratar-se, pois, de um distúrbio que não é distúrbio, de uma doença que não é doença, de fato, como diz o grande Foucault, uma entidade estranha e paradoxal[2].

 

Neste contexto, assim, não são poucos os que advogam o expurgo de tal categoria – entre outras – do território da patologia mental de cunho médico. A propósito:

 

Es campo de estudio del biólogo la variabilidad de la especie humana (raro – común); del sociólogo el ajuste del individuo en el grupo (adaptado – inadaptado); del moralista (religioso, ético) valorar lo bueno y lo malo; del legista juzgar las responsabilidades; del psicólogo las motivaciones de la conducta individual. El médico debe limitarse a su estricto campo que consiste en evaluar si una persona está sana o enferma. Y, el psicópata, puede ser raro, inadaptado, malvado, delincuente o tener una conducta incomprensible, pero, no es un enfermo.( Hugo Marietán, in  Personalidades psicopáticas   Publicado na revista Alcmeón, Volume 7, Nº 3, Novembro de 1998).

 

 O conceito médico de doença deve envolver algum processo biológico auto-prejudicial (Scadding, 1967). Psiquiatria é medicina psicológica. Nós podemos dizer que para uma pessoa ser classificada como “paciente psiquiátrico” ela deve apresentar efeitos de um processo biológico auto-prejudicial  em seu modo de pensar, sentir ou comportar-se (..) De acordo com este ponto de vista, pessoas anti-sociais devem ser consideradas como apresentando problemas psiquiátricos apenas quando cometem crimes auto-prejudiciais ... como tentar roubar na presença da polícia. Indivíduos anti-sociais que se abstêm destes comportamentos auto-prejudiciais devem ser considerados criminosos “normais”. Eles devem preocupar o sistema de justiça criminal mas não médicos ou comunidade médicas (...)..Se os profissionais de doença mental não prestam atenção a estes questionamentos, nós corremos o risco de confundir problemas médicos com problemas morais. Tal confusão trará apenas consequências deletérias tanto para os médicos quanto para  o sistema de justiça criminal (in  Caixeta, M. A. Critical Look at Current Concepts of Personality Disorders: Moral vs. Medical Aspects. Int J Psychopath Psychopharmacol Psychother 1996, 1 (1). URL http://www.psycom.net/ijppp.v1n1.html).

 

Embora pareça a priori temerário afirmar com convicção, há no mínimo dúvidas sobre a sustentabilidade de uma avaliação de transtorno de personalidade anti-social ou dissocial no âmbito da Psiquiatria considerando os termos da  Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.408/94:

 

Artigo 2º - O diagnóstico de que uma pessoa é portadora de um transtorno mental deve ser feito de acordo com os padrões médicos aceitos internacionalmente e não com base no status econômico, político ou social, orientação sexual, na pertinência a um grupo cultural, racial ou religioso, ou em qualquer outra razão não diretamente relevante para o estado de saúde mental da pessoa.

Parágrafo 1º - O diagnóstico de um transtorno mental não será determinado pelos seguintes fatores quando isoladamente: conflitos familiares ou profissionais, a não conformidade com valores morais, sociais, culturais ou políticos, com as crenças religiosas prevalentes na comunidade da pessoa, ou uma história de tratamento ou hospitalização psiquiátricos anteriores.

Parágrafo 2º - Nenhum médico pode diagnosticar que uma pessoa é portadora de um transtorno mental, fora dos propósitos diretamente relacionados ao problema de saúde mental ou suas conseqüências. (destaquei)

 

Vê-se, portanto, que o trabalho do psiquiatra enquanto perito nestes autos representa atividade essencialmente distinta daquela atribuída ao médico, em sentido estrito. As resposta do Sr. Perito avaliador a vários dos quesitos da defesa não deixam dúvida. Confira-se o que disse ele nos itens 8.2 e, especialmente 8.4 (fls. 102). Fica evidente, pelas próprias palavras do avaliador, que seu trabalho não tem qualquer finalidade clínica, terapêutica ou estatística. Aliás, um diagnóstico para tais objetivos – que são os objetivos da ciência e disciplina médica por excelência – como diz o Sr. Perito  é destituído de valor médico-legal.

 

Confirma-se  então a total diferenciação, estranheza, do médico-legal em relação ao médico em geral. Paradoxalmente, ao responder ao quesito 8.3, de forma enfática, o Sr. Perito insiste que, apesar da singularidade do trabalho que faz em relação a todo o resto da medicina,  sua tarefa é essencialmente médica. Todos os demais profissionais seriam legal e tecnicamente incompetentes para realizá-la.

 

Não é bem assim. 

 

Tal como os autores acima mencionados enfatizam, não havendo enfermidade, não havendo comportamento auto-prejudicial, não estamos dentro do terreno próprio da medicina. Ingressamos no território da criminologia, mais especificamente da criminologia clínica, aplicada a um caso concreto.  O médico que avalia este adolescente está num papel atípico, de médico-criminólogo. Para dizer se o caso se encaixa nas categorias do CID, pode até ser que somente ele se encontre habilitado do ponto de vista técnico ou legal. Todavia, para dizer se os jovem apresentam sinais ou sintomas que compõem o quadro, é evidente que outros profissionais também se mostram tecnicamente preparados. SE um psicólogo não for capaz de dizer se alguém é ou não indiferente aos sentimentos alheios; se  desrespeita ou não normas, regras e obrigações sociais; se tem ou não capacidade de manter relacionamentos;  se tolera ou não a frustração, se culpa ou não os outros por seus comportamentos, etc.; então o psicólogo não é capaz de nada, vez que a subjetividade é seu objeto de estudo, e a avaliação da personalidade uma de suas tarefas por excelência, tendo exclusividade no manejo de testes para a elaboração do psicodiagnóstico.

 

Mas, que valor se dá para a assertiva de que o jovem é portador de um transtorno de personalidade dissocial? Quase nenhum. Como estamos no terreno da criminologia, ciência interdisciplinar por natureza, opiniões acerca do caso podem e devem ser lançadas por profissionais de outras áreas do conhecimento, como a psicologia, a sociologia, a disciplina do serviço social, a genética, a nutrição, a pedagogia, etc.  Sim porque, além da hipótese de que a pessoa infraciona por ser portadora de um transtorno mental, há na criminologia, escolas – aliás bem mais modernas e rigorosas – apontando causas psicológicas, políticas, hereditárias, educacionais, econômicas, etc., como os reais móveis da contuda trasgressora.

 

É por isto que a determinação incial de V. Exa., no sentido de que o jovem fosse avaliado pelo IMESC e não simplesmente avaliado psiquiatricamente pelo IMESC seria muito mais correta.  Ao responder ao quesito 1 da defesa, o perito alude ao exame criminológico como um exame mais amplo – do qual o parecer psiquiátrico é apenas um elemento – realizado para maiores imputáveis. Ora, se os adultos fazem jus a um exame desta natureza, que vai além do singelo exame psiquiátrico, como negá-lo aos adolescentes? Nada justifica o tratamento desigual, deixando o adolescente em mãos e de uma visão escoteira e parcial do ser humano.

 

Em suma, ao contrário do que, sem fundamentar, o Sr. perito fez constar no laudo, não atuando como médico em sentido estrito, o psiquiatra opera em campo de investigação no qual outros profissionais também transitam. 

 

Assim, não se aceita o argumento de que um laudo psiquiátrico somente admitiria refutação por outro laudo psiquiátrico. Esta assertiva não vale para o laudo psiquiátrico para fins médicos legais, com caráter de investigação criminológica.

 

De outro lado, não se deve emprestar à avaliação médico-criminológica a mesma deferência que os leigos debitam ao saber médico em geral.

 

De qualquer maneira, ainda que se aceitasse com tranquilidade o fato de que a tarefa de avaliação criminológica se insira na atividade psiquiátrica em geral, incontáveis críticas continuam direcionáveis em face do trabalho apresentado

 

Todo diagnóstico psiquiátrico é, por natureza,  IMPRECISO (1). Não fosse impreciso, não ensejaria discussão. Contra certezas científicas rigorosas demonstradas, não se pode fechar os olhos.  Contudo, a imperiosidade de se rejeitá-lo não advém apenas da imprecisão, caso em que as avaliações psicossociais também deveriam ser desconsideradas, posto que também contingentes. A necessidade de descartar o diagnóstico e prognóstico psiquiátrico assenta-se em razões legais, decorrentes do fato  de ter ele  um conteúdo ideológico inescondível, absolutamente conflitante com as diretrizes inspiradoras de nossa legislação atual que cabe a este Juízo, nunca é demasiado lembrar, confirmar em cada momento decisório (2). Exemplificativamente, diagnósticos da natureza daqueles lançados sobre o jovem afrontam o princípio constitucional e legal da consideração do adolescente como pessoa em desenvolvimento (3), subverte os objetivos da medida sócio-educativa  (4) e contribui inegavelmente para a reincidência criminal, comprometendo interesses de defesa social (5). Mais, não fosse pela impertinência de se pedir a opinião destes examinadores,  ainda que algum valor se emprestasse ao discurso psiquiátrico destes moldes, no caso dos autos a fragilidade em concreto das avaliações pode ser constatada por qualquer leigo (II). Por fim, mesmo que por hipótese se confiasse no que disseram os senhores doutores médicos, no caso dos autos a liberação se impõe posto que, segundo a lei em vigor, no curso do processo de execução da medida de internação a dúvida beneficia o jovem cidadão cativo (III).

 

1.      DA IMPRECISÃO DO DIAGNÓSTICOS PSIQUIÁTRICO

 

Ensina-nos Hume que nada nos permite dizer que amanhã, ao atirarmos uma pedra para o alto, ela cairá. Não é rigorosamente lógico predizermos o futuro com base no que aconteceu no passado e no que acontece hoje. Se nem mesmo no terreno das ciências da natureza, supostamente governada por leis físicas capturáveis pelo conhecimento, os vaticínios são logicamente seguros, dúvida não resta quanto a absoluta imprecisão dos juízos lançados acerca do comportamento e da natureza  do homem. A realidade humana é absolutamente complexa e as ciências que a estudam, naturalmente contingentes. Não que não se possa lançar qualquer juízo sobre a espécie ou sobre um indivíduo em particular. O que não se pode é aceitar de forma acrítica afirmativas que não se coloquem de antemão cautelosas de seu alcance cognitivo, humildes quanto a sua cobertura compreensiva .

 

{O que pede a defesa a este Juízo é que lance um olhar crítico sobre os saberes que lhe são apresentados. Não aceite a fala do psicólogo como verdade absoluta. Não aceita a fala do assistente social como verdade absoluta. Não aceite a fala do Dr. Psiquiatra como verdade absoluta. Porque de verdade absoluta não se tratam. O que pede a defesa a este magistrado é que reconheça que, sob o manto dos discursos sobre o homem, estão escondidas visões de mundo,  posições valorativas bem demarcadas, que todos nós temos enquanto cidadãos juízes, psiquiatras e defensores. E que tendemos a aceitar, nos fenômenos e nos discursos sobre eles, a interpretação que mais se encaixa em nossa grade de afinidades. Apropriar-se disto, Sr. Magistrado, mostra-se indispensável para se separar o exercício da jurisdição do exercício da opinião pessoal, decidindo-se os casos conforme o que acredita a maioria representada no processo legislativo e não conforme aquilo no que os valores pessoais fazem o homem juiz acreditar.}

 

Neste contexto, qualquer discurso que aceite predizer o futuro, ou emitir juízos acerca do comportamento humano futuro de forma tão segura a ponto de sugerir que se mantenha o cativeiro de   um ser humano  deve ser recebido com reservas, com muitas reservas.

 

É o que fizeram os senhores psiquiatras. Disseram que J. teria transtorno de    de personalidade. Não revelaram este diagnóstico ao jovem. Não prescreveram tratamento. Não o aconselharam. Como esclareceu o Sr. Psiquiatra do IMESC, a finalidade de sua avaliação não é curativa, nem estatística, nem preventiva. Sua finalidade é extrair as consequências médico-legais do exame, que no caso foram aquelas apontadas às fls. 101: o jovem não tem condições de progressão de seu regime de reeducação. É curioso observar que esta conclusão decorre do fato de o jovem ter sido diagnosticado como portador de transtorno anti-social ou dissocial, sendo “natural” no discurso do Sr médico a conclusão de que o possuidor de tal “problema” não pode viver em liberdade. Por quê? A resposta é implicita, porque irá cometer novo crime. 

 

Estamos assim, pois, diante de profissionais que diagnosticam para predizer o futuro. Um futuro sombrio para J..

 

Ora, ainda que em termos de probabilidade, é inaceitável que se proclamem prognósticos desta natureza. Estatisticamente todos que passaram pelo regime carcerário têm alta probabilidade de reincidência (basta que o magistrado pesquise o grau de reincidência do jovens que liberou nos últimos anos) porque o sistema carcerário – FEBEM incluída, é claro – produz a reincidência.

 

Falar que o jovem tem alta ou baixa probabilidade de infracionar não significa nada. Inaceitável que se credencie com algum valor o discurso médico-criminológico sob argumento de que não fala certezas, mas se limita a emitir probabilidades. As dificuldades de predizer o futuro com certeza são as mesmas que impedem dizê-lo com certeza de alta ou baixa probabilidade. Aliás trocar a predição certa por mera probabilidade significa isentar-se de responsabilidade por seu discurso, que jamais poderá ser infirmado através do crivo da realidade. Formulada desta maneira, a assertiva torna-se confirmável de qualquer forma, sendo, pois, anti-científica por natureza. Se o jovem não infracionar, a hipótese confirmou-se, sendo explicável pela pequena chance de não recidiva. Se o jovem infracionar, por outro lado, isto confirmará a predição.

 

A boa lógica, a rigorosa ciência, pois, não aceitam que se fale em probabilidade para emprestar-se valor ao discurso do perito psiquiatra..

 

Na verdade, estas assertivas de futuro são informuláveis. São recusadas por um grupo cada vez maior de profissionais. Construir um discurso que afirme ou não a probabilidade de reincidência (periculosidade) é tarefa inviável, desumanizadora, que tende ser expelida do próprio sistema penal onde foi gestada e desenvolveu-se.

 

Os profissionais com um mínimo de consciência crítica acerca dos instrumentos que manejam falam hoje em avaliação do desempenho do preso segundo os objetivos da medida que lhe foi ministrada, como o adimplemento, de sua parte, do pacto firmado no início do regime.[3]

 

Se os psiquiatras consultados não atingem seus saberes com um juízo crítico mínimo, então que o magistrado o faça. É o mínimo que se espera.

 

Muito não é preciso para demonstrar a relatividade de um diagnóstico psiquiátrico. A dificuldades começam pela própria conceituação de doença (ou distúrbio,  ou transtorno) mental[4]. Passa pela definição de um modelo diagnóstico e os diversos tipos de patologia e, por fim, pelas técnicas necessárias para emprestar objetividade à subsunção dos sinais/sintomas a estes modelos preorganizados.  Todas estas questões são objeto de intenso debate no interior da medicina mental, bastanto que se consulte qualquer manual para divisá-las.

 

Francisco Lotufo Neto, Laura Helena Silveria Guerra de Andrade e Valentim Geral Filho, todos psiquiatras do Instituto de Psiquiatria da USP  - aos quais não se pode atribuir qualquer pecha de radicais reformistas -  editaram um manual para graduandos[5] no qual fazem consignar, com relação ao diagnóstico psiquiátrico, que:

 

a)      Tem sofrido continuadas críticas ao longo de sua história;

b)      Para Cooper é uma construção ideológico-política[6].  ;

c)      Tenta centrar-se em categorias confiáveis, mas que carecem, em grande parte, de validação;

d)      Ainda não conseguiu construir-se como um sistema que leve em consideração as características; individuais e faça justiça à riqueza da pessoa humana, evitando toda espécie de reducionismo;

e)      Carece em geral de confiabilidade. Ou seja, com freqüência, dois psiquiatras, examinando o mesmo paciente não formulam o mesmo diagnóstico. Isto porque, os profissionais podem ter diferentes concepções teóricas, diferenças na experiência profissional e no lidar com os processos de transferência e contratransferência, diferentes influências interpessoais e, em especial, serem de classe social diversa da de seus examinados. Além disto, no processo diagnóstico podem ser utilizadas diferentes técnicas de entrevista, diferentes percepções da patologia do paciente, atribuição de pesos diferentes a determinados sintomas e a outros dados da história, e diferentes sistemas de classificação;

f)         Carece em geral de validade, ou seja,  de garantia de que a categoria utilizada de fato identifica o fenômeno em questão, diferenciando-o dos outros membros de sua classe. Esta dificuldade se deve porque a validade coincide com o grau de vinculação do diagnóstico com a etiologia da doença. Todavia, somente uma pequena classe dos transtornos psiquiátricos – os orgânicos -  tem etiologia definida e precisável. Os de personalidade não tem em absoluto etiologia unívoca precisável. A etiologia, quando conhecida, é multifatorial .  Aliás, as classificações que conduzem aos grandes protolocos diagnósticos (DSM e CID), como bem se sabe, justamente por não se basearem  nas causas, mas por terem de se valer de critérios sindrômicos, ou seja, agrupamento de sintomas arranjados de forma não rara por questões históricas, ligadas aos interesses particulares dos pesquisadores, e que, no final acabam por compor categorias específicas pouco definidas, sem limites claros e heterogêneos;

g)      Apresenta, como dificuldades,  baixa confiabilidade na detecção dos sintomas, uso idiossincrático da terminologia com grande confusão conceitual. As técnicas de entrevista são variáveis e sua abrangência pode ser incompleta. Erros sistemáticos podem ocorrer, como o efeito halo e o erro de contraste. No efeito halo a impressão geral inicial que o médico tem do paciente pode desviar toda a avaliação posterior. Além disso, diagnósticos recebidos anteriormente pelo paciente podem influenciar o julgamento do estado atual.

 

Ora, se os próprios psiquiatras duvidam da precisão de seus diagnósticos, como o Sistema de Justiça pode depositar, nele, credibilidade bastante para manter sob cárcere um cidadão?

 

Tal como na psicologia, também na Psiquiatria subsistem vários modelos de abordagem. A Psiquiatria Kraepeliana, geratriz dos grandes catálogos de transtornos (CID e DSM), está longe de representar a última palavra, a versão mais depurada da verdade psiquiátrica[7]. É apenas um dos enfoques possíveis, subsistindo diversas outra correntes igualmente representativas de um saber sustentável, contudo ainda distante de nossos principais centros de formação[8].

 

Mas há que se ir mais fundo. Não bastasse a inconsistência geral do diagnóstico psiquiátrico não etiológico, quando se ingressa no terreno dos transtornos de personalidade as críticas ganham proporções. O descarte grosseiro das diferenças individuais, a própria indefinição do que seja personalidade[9], as diversificadas heranças taxonômicas, a inexistência de instrumentos confiávies de avaliação[10], etc, tornam este solo ainda mais pantanoso e , via de consequência,  desenraizados seus conceitos e conclusões.

 

Assim, informam os professores acima indicados sobre esta categoria:

 

Dentre diversos modelos de abordagem dos transtornos psiquiátricos, o CID-10 adotou o modelo tipológico. Nele, as pessoas são agrupadas em categorias discretas, tentando-se  explicar os comportamentos baseado em alguns tipos de personalidade. Apesar de sua operacionalidade, é certo que a personalidade é algo bem mais complexo para ser estudado de maneira tão simplista. É que muitos indivíduos não apresentam todas as características do tipo extremo, mas algumas delas e, outras vezes, características de vários tipos de personalidade” [11]

 

Em outro momento, assinalam:

 

Defensores de um modelo interacionista negam que os traços ou as situações em que as pessoas se encontrem sejam responsáveis pelo comportamento, de modo isolado. Contudo, o comportamento individual é modificado continuamente através de um feedback entre o indivíduo e a situação”. (p. 250)

 

Para, por fim, arrematarem:

 

A baixa confiabilidade e a falta de validade das classificações categoriais como a CID 10 e o DSM-III-R são patentes e aguardam futuras sistematizações. As deficiências destas classificações  incapacitam a sua operacionalidade e a sua utilidade clínica, além de invalidá-las parcialmente como critério diagnóstico. Assim, um transtorno de personalidade permanece, muitas vezes, como rótulo estigmatizante do indivíduo, por comunicar pouca informação acerca do mesmo, incapaz de preditividade clínica”[12]  (....)  “A confiabilidade diagnóstica baixa, considerando a superposição de vários traços de personalidade no mesmo indivíduo, sem estabilidade temporal tem levantado oposições ao uso de categorias de personalidade, preferindo-se uma abordagem dimensional”. (p. 256).

 

 

O próprio CID 10, humildemente, adverte a seus usuários que:

 

“Em todas as classificações psiquiátricas atuais, transtornos de personalidade em adultos incluem problemas graves, cuja solução requer informação que pode vir apenas a partir de investigações extensas e que consomem muito tempo. A diferença entre observações e interpretação se torna particularmente problemática quando são feitas tentativas de redigir diretrizes ou critérios diagnósticos detalhados para esses transtornos e o número de critérios que têm que ser preenchidos antes que um diagnóstico seja considerado como confirmado, permanece um problema não solucionado à luz do conhecimento atual (World Health Organization – Classificação de Transtornos mentais e de comportamento da CID-10, Porto Alegre, Artes Médicas, 1993, p. 17)

 

A jornada no sentido de mostrar a relatividade do discurso psiquiátrico não pára aqui. Se o diagnóstico psiquiátrico em geral é duvidoso, se os transtornos de personalidade consistem categoria altamente imprecisa, em situação ainda pior em termos de consistência científica encontra-se o transtorno anti-social ou dissocial de personalidade.Vejamos:

 

a)      a dificuldade já começa com a própria inclusão desta categoria no terreno da Psiquiatria e da medicina, como se mostrou acima;

b)      Nunca é por demais lembrar a absoluta diversificação e, assim, imprecisão, que o diagnóstico de psicopatia e sua versão mais modernizada, o transtorno de personalidade anti-social ou dissocial, encontrou e encontra na literatura especializada. Tanto que, como nos lembra Odon Ramos Maranhão,  a conceituação de psicopatia foi progressivamente se comprometendo, sofrendo críticas e alcançando um sentido quase pejorativo, a ponto de levar Leo Kranner fazer um comentário jocoso: um psicopata é alguém de quem você não gosta” ( in  Psicologia do Crime, São Paulo, Malheiros, 1995, 2ª edição, p. 80.[13]) Ora, num terreno tão impreciso, assusta que ainda emprestemos algum valor elucidativo da pessoa humana a um diagnóstico de tal natureza e mais, que persistam pessoas crendo-se capaz de identificar delinqüentes compulsivos através destas técnicas de etiquetagem, mormente no terreno da medicina.

c)      Não existe confirmação estatística por um conjunto de estudos reconhecidamente sério no sentido de que os indivíduos avaliados como portadores de transtorno de fato tendem a infracionar de maneira mais significativa de que outros fora deste grupo. Garcia-Pablos de Molina aponta que “quanto às investigações empíricas, destinadas a comprovar a relação entre a psicopatia e a criminalidade, seus resultados, equívocos, desconcertantes e até mesmo contraditórios ensejam toda sorte de interpretações. A discussão científica sobre o tema continua aberta”(op. cit. p. 185). Haveria  legitimidade, pois, em reter ainda mais o jovem sob custódia plena considerando-se a escassa validade científica dos conceitos que recomendam, em tese, tal solução?

 

Não se trata de negar qualquer valor aos estudos que buscam cruzar as características de uma pessoa com prática criminosa. O que se tenta aqui é chamar à atenção para a incrível fragilidade do modelo de investigação a ser eventualmente eleito por este juízo como guia da decisão judicial. Como as palavras do defensor são usualmente recebidas com reservas, pela suposta parciliadade de seu discurso, invoca-se, neste aspecto, a lição de Celina Manita, jogando uma pá de cal sobre aqueles que crêem desavisadamente no valor revelador de  diagnósticos – com seu natural prognóstico de periculosidade - do tipo daquele observado a fls. 101:

 

Não pretendemos  (...)retirar às teorias da personalidade criminal toda a importância histórica e científica de que se revestem. Apenas demonstrar que estes fenómenos são demasiado complexos para que se possa supor que um constructo teórico tão simples e fixo como o de traço (geralmente unidimensional) de personalidade os possa englobar, compreender ou explicar adequadamente (...) Da mesma forma e por razões similares, não nos parece aceitável que o conceito de perigosidade, tal como tem sido definido, possa ser acriticamente assumido por todo um sistema de acção e intervenção junto dos delinquentes, realizando-se a sua prognose e mensuração, através de instrumentos e conceitos que, na sua maioria, resultam (e estamos de novo num ponto de encruzilhada) das referidas abordagens da personalidade criminal enquanto conjunto de traços específicos. Por tudo isto nos pareceu tão importante salientar aqui o quanto as concepções mais ingénuas, estáticas, lineares e deterministas da personalidade criminal e dos respectivos traços, bem como da noção de perigosidade, ao simplificarem excessivamente a nossa visão do real, poderão tornar-se «perigosas» elas mesmas, se aceites e aplicadas directamente, e admitidas como «reais» sem passar pelo crivo de uma crítica teórica, metodológica, empírica e epistemológica. É que, afinal, a ironia maior de todo este processo acabou por ser a de a criminologia positivista ter pretendido (e se ter vangloriado de) realizar o estudo de fenómenos reais e científicos, por oposição à «abstração normativa» do Direito Penal Clássico e acabar por cair nessa ficção de realidade que se revelam as entidades clínicas com que pretende ver determinada a criminalidade do sujeito transgressor: perigosidade e personalidade criminal” (op. cit).

 

 

A personalidade anti-social ou dissocial de Jeffersno é, Sr. Julgador, uma ficção de realidade na qual a decisão não pode se assentar.

 

2.      O CONTEÚDO IDEOLÓGICO DA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA E SEU CONTRASTE COM OS VALORES CONSAGRADOS NA LEGISLAÇÃO EM VIGOR

 

As considerações já tecidas acima sinalizaram que a abordagem psiquiátrica da problemática infracional surgiu como demanda do modelo criminológico positivista. Tal modelo criminológico tem, entre seus pilares de sustentação: a) modelo científico causal-explicativo; b) concepção do criminoso como subtipo humano, diferente dos demais cidadãos honestos; c) ausência de postura crítica frente ao ius puniendi estatal, propugnando um claro anti-individualismo  que sobrepõe a rigorosa defesa da ordem social frente aos direitos do indivíduo; d) diagnose do delito com simplistas atribuições a fatores patológicos (sobretudo do indivíduo) que exculpam de antemão a sociedade[14]; e) inclusão de uma ideologia terapêutica como estratégia de intervenção em face de sujeitos inimputáveis (menores e loucos).

 

Ao se cotejar estes poucos princípios com o elenco de valores, métodos e concepções do Estatuto da Criança e do Adolescente ver-se-á o quão antagônico se revela o modelo positivista em relação à legislação em vigor  da qual o magistrado, num Estado de Direito, é supremo guardião[15]. É por isto, portanto, por ser guardador do Estado de Direito e dos valores consagrados no ordenamento jurídico que este magistrado deve distanciar-se da opinião dos psiquiatras lançada nestes autos. Veja-se:

 

a) o modelo científico causal-explicativo do positivismo colide com a tônica multidisciplinar que permeia o Estatuto.

 

Como já se destacou, a lei em vigor parte da concepção de ser humano como uma realidade complexa, dotada de múltiplas dimensões. O art. 2º do ECA enumera algumas destas dimensões (física, mental, moral, espiritual e social) e o art. 150 estabelece como serviço auxiliar do magistrado uma equipe interprofissional.  Estabelece, outrossim, o art. 94, IV, que os centros de internação deverão realizar periodicamente avaliação pessoal e social. Assim, segundo entende a lei, para que se possa compreender este ser humano multifacetado, imperioso se promova uma aproximação multidisciplinar do objeto. E assim não poderia deixar de ser, posto que inter, multi ou transdisciplinariedade, especialmente a última  consiste no paradigma epistemológico das ciências humanas na atualidade[16]. Exigir o aporte de diversos saberes implica perceber o objeto de forma complexa, refutando explicações derivadas do singelo modelo clássico, causalista, que conforma um dos pilares do positivismo, como apontado.

 

Não se pode deixar aqui de anotar quanto a avaliação psiquiátrica lançada contraria o atual modelo imperante de conhecimento nas ciências humanas. Sozinho por opção, ou melhor agregado a um parceiro com idêntica visão de mundo – era-lhe lícito consultar outros avaliadores, psicólogos e assistente social - o profissional se sente capaz de dizer, com convicção, o que uma pessoa é como ela se comportará no futuro. Parece não entender a exigência de rigor científico embutida do novo paradigma.  Mais, refuta qualquer aporte de saberes de outra linhagem como capazes de emprestar mais rigor às suas deduções (a propósito, veja-se a recusa, expressa, na resposta ao quesito 8.3, de confrontar a avaliação “com aspectos psicológicos, vivenciais e sociológicos”- fls. 102). Esta pureza, é patente, ao invés de emprestar validade ao discurso, compromete-o, em sua essência.

 

b) a consideração do adolescente infrator como um subtipo de jovem, diferente dos demais, colide frontalmente com a doutrina da proteção integral.

 

No revogado modelo legislativo, pessoas menores de dezoito anos em situação irregular eram menores e, nesta condição –  que as distinguia quase que ontologicamente dos outros seres humanos desta idade – ganhavam um estatuto legal e existencial diferenciado. Conforme escreveu João Ricardo W. Dornelles[17] “O “menor” era um subtipo da categoria de criança e adolescente. Estes últimos eram aqueles que penetravam no sistema educacional e que, durante a infância e adolescência se dedicam à formação intelectual e moral para desempenharem, no futuro, como adultos, papéis de dirigentes da sociedade”.  Segue o mencionado autor destacando que “Os demais, menores, correspondiam a toda criança e adolescente oriundos de famílias consideradas  incapazes de suprir as necessidade básicas para a sua existência. Seriam, assim, crianças e adolescentes provenientes de famílias carentes e como tal considerados perigosos para a ordem existente. Para a prevenção e controle deste seguimento potencialmente transgressor/desviante/resistente/delinqüente criaram-se os reformatórios, os internatos, os orfanatos, como uma orientação correcional imposta pelo padrão cultural dos setores dominantes”. Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, segue o estudioso, a situação modificou-se: “A nova lei parte de uma concepção diametralmente oposta  à concepção tradicional”. Não cria categorias especiais. Trata da criança e do adolescente em geral. Define uma proteção integral a  todas e quaisquer crianças e adolescentes e declara seus direitos”

 

Vê-se, por conseguinte, que o modelo do ECA é inclusivo, que  tem como valor ordenador não distinguir seres humanos em categorias preconcebidas de pertencimento, em especial naquelas que tragam consigo um estigma direcionador de controle social. É exatamente o que faz o diagnóstico psiquiátrico ora lançado, ainda que por outra via. 

 

Destarte, nada mais se precisa para mostrar que o modelo positivista é o modelo do Código de Menores e que a abordagem psiquiátrica lançada sobre J. repristina a malfadada doutrina da situação irregular banida há bom tempo de nosso ordenamento com o advento do ECA. Por isto, porque afronta valor fundamental da lei, o diagnóstico psiquiátrico deve ser desprezado. O jovem não pede que o magistrado seja clemente, apenas que aplique a lei e seus princípios.

 

c) a ausência de postura crítica diante da pretensão punitiva estatal, típica do positivismo criminológico, contraria  frontalmente o modelo proposto pela doutrina da proteção integral.

 

 Talvez uma das mais marcantes conquistas no novo sistema legal foi o reconhecimento do caráter punitivo (não confundir, por favor, caráter com objetivo) da medida sócio-educativa, que trouxe consigo o acesso do jovem processado todo arsenal de instrumentos para se opôr à pretensão estatal de controle sobre sua pessoa. Os artigos 110 e 111 do ECA falam por si. No modelo positivista clássico, era ilimitado o poder do Estado de interferir na esfera de autodeterminação do sujeito em busca da neutralização da “periculosidade”, conceito forte do sistema. . No sistema do Estatuto a ingerência estatal na pessoa do jovem sentenciado sofre limitações, marcadas sobretudo pelo respeito à sua dignidade de pessoa. O  modo assimétrico como é produzida, a submissão incontestada exigida do examinando, a suposição de que a subjetividade possa ser vasculhada tão rapidamente com tamanha precisão, o desprezo à autonomia individual, a facilidade com que um ser complexo e único é reduzido a uma categoria abstrata genérica, entre outros fatores, faz da avaliação psiquiátrica e do modelo criminológico que a inspira algo incompatível com os limites evidentes impostos pelo ECA ao interesse punitivo estatal de controle sobre o cidadão transgressor.  Limite este centrado, pelo menos, no respeito à dignidade humana.

 

A invasão da psiquiatria na rotina de execução da medida sócio-educativa converte-a em medida de segurança, substitui a pretensão pedagógica por outra, quase  ilimitada, centrada na lógica abstrata da ideologia terapêutica, como veremos, a estratégia positivista de fortalecer o direito do Estado de ingerir – em nome de um suposto tratamento – nos rincões mais profundos da intimidade humana.

 

O mais grave nisto é que, taxado de perigoso, o jovem vai ser mantido preso não pelo que fez, mas sim por aquilo que poderá vir a fazer. Sim, a medida perde o caráter de responsabilização pelos atos transgressores acontecidos no passado  passa a operar em função de infrações que virtualmente podem vir a ocorrer no futuro. O Estado todo-poderoso,alimentado pelo vaticínio dos alienistas, reserva-se no direito de antecipar a punição. Como um Leviatã totalitário investe-se no direito de punir o jovem por aquilo que ele não fez...[18]

 

d) a tendência a considerar o delito como produto de patologia individual afronta a visão criminológica do Estatuto, que reconhece nos fatores ambientais a gênese primordial do crime.

 

 Não há qualquer dificuldade para demonstrar esta hipótese. Primeiro porque o ECA, evidentemente, assenta suas raízes na Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas magistralmente traduzida na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e, em especial,  nas Diretrizes das Nações Unidas Para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad) que já proclamavam, em 1988: “para ter êxito, a prevenção da delinqüência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que garantam um desenvolvimento harmônico dos adolescentes e que respeitem e promovam a sua personalidade a partir da primeira infância. (...) É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinqüência (...) voltadas  à criação de meios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam de marco de apoio para velar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitem um cuidado e uma proteção especiais”. Não é por outro motivo que a política criminal do ECA traduz-se primordialmente na oferta de políticas sociais de base e de assistência social (prevenção primária – art. 86, I e II) além de programas de proteção especial para jovens e famílias em situação de especial dificuldade (prevenção secundária – art. 101 e 129)[19]. O fato de a lei debruçar-se demoradamente em regulamentar a prevenção terciária (medidas sócio-educativas) não faz desta, obviamente, a estratégia mais prestigiada de defesa social.  A regulamentação mais específica, pelo contrário, pelo seu conteúdo evidentemente garantista, visa justamente restringir seu âmbito de aplicação e diminuir a discricionariedade judicial quanto à forma de aplicação dos regimes.

 

Pois bem, o positivismo criminológico  - e sua convidada especial nestes autos,  a  avaliação psiquiátrica -  ao conferir primazia a fatores de ordem pessoal na prática delitiva, atribuindo à deformação individual a origem prevalente da transgressão, traduz visão criminológica absolutamente divorciada daquela consagrada no ordenamento. A patologização do ato transgressor, tratado como uma categoria nosológica, ao centrar no indivíduo supostamente “doente” toda etiologia da ação “desviada”,  busca na verdade isentar o sistema social e suas instituições formadoras e correcionais  da grande responsabilidade que têm na produção e no fomento da delinqüência. A aceitação cega da hipótese de que o jovem transgride por causa de sua personalidade  converte o Judiciário em mero reprodutor, mais do que isto,  mantenedor eficiente das estruturas responsáveis pela exclusão social da grande maioria da população. Este, por certo, não é o papel que nosso ECA reserva a este tão nobre Poder[20].

 

 

O Professor Álvaro Aguiar, em texto magistral, como poucos fizeram, demarcou com clareza como a visão psicopatológica atropela a ética e a estética incorporadas em nosso Estatuto, sintetizando todos os argumentos pelos quais a investigação psiquiátrica, para fins criminológicos, não médicos, deve ser banida dos feitos da Infância e Juventude:

 

 Diz ele que  o Código de Menores enunciava um tipo de sujeito de fonte. Um sujeito em que nele se localizam defeitos. Era um sujeito informado pelo Direito, desde uma Psiquiatria, uma psicanálise, uma Psicologia psicopatologizante. Era o menos, mesmo em si, desde sua personalidade, nascido criminoso, violento, psicótico, sociopata”. Invocando Foucault(“A genealogia do Racismo”) o professor descreve os meandros da ciência que fundamenta este discurso, que enuncia “como vontade de verdade aquilo que é vontade de poder” e que  constitui boa parte dos saberes psi e, fundamentalmente os saberes psicopatológicos”. Uma lógica que “demarca territórios, que classifica, que inclui e exclui, que coloca acima, abaixo, hierarquiza (...) que exclui do seu Território o Outro (...), que demarca fronteiras, que qualifica qualificados, que desqualifica os classificados, que coloca fora da territorialidade tudo aquilo que não é igual” (...). Em nome destes saberes, em nome da verdade, em nome da ciência, invetamos desde aí, homens abstratos, generalizados. Classificamos estes abstratos. Classificamos os saberes que falam desses abstratos. Incluímos, como diz Foucault, os saberes que fazem ‘passar por natureza aquilo que é conceito, por liberação de uma verdade o que é reconstituição de uma moral’.

 

Em total oposição a este modelo, continua Álvaro, “O Estatuto da Criança e do Adolescente veio anunciar outro sujeito. Um sujeito que não é mais pura autonomia. Um sujeito que não é a expressão de sintomas de si próprio. O ECA enuncia um sujeito que é efeito. Efeito de lugares, práticas, racionalidades. É um sujeito que deve ser protegido e que não deve ser submetido a constrangimentos, nem rotulado. Deve ser protegido daqueles efeitos que não constituem nele uma positividade (...). São sujeitos sujeitados e a última coisa que eles precisam é que conste, no meu lado jurídico, um rótulo de psicótico, um estigma tal qual a Psiquiatria o tem feito e que na maioria das vezes  produz a ausência de um trabalho que nos tire de seu sofrer psíquico[21].  .

 

d)      inclusão de uma ideologia terapêutica como estratégia de intervenção em face de sujeitos inimputáveis (menores e loucos) contraria o caráter educativo da medida.

 

A consideração deste aspecto mereceria várias laudas[22]. Em drástico resumo, quer-se lembrar que a classificação de adolescentes como inimputáveis – sobretudo aos olhos do operador que estudou manuais de Direito Penal mas não se debruçou demoradamente sobre Direito da Infância e Juventude -  tradicionalmente os coloca na mesma categoria que os loucos (doentes ou deficientes mentais incapazes de entender e/ou de agir conforme a lei), aos quais a legislação penal reserva a abjeta “medida de segurança”, praticamente uma pena indeterminada cuja cessação depende do aval dos doutores psiquiatras. A inimputabilidade não os tornaria culpáveis, passando sua contenção a reger-se segundo critérios de periculosidade e com o escopo de tratamento do perigoso (que afinal seria doente). Considerando que a medida de sócio-educativa, tal como a medida de segurança, também  não teria tempo determinado, vai o raciocínio desavisado supor então que o marco final do regime de internação dependeria, como se dá com esta última, da constatação da cessação de periculosidade do condenado. Nesta analogia  – operada no mais das vezes em nível não consciente -  parece residir o incrível poder delegado a psicólogos e sobretudo psiquiatras – porta-vozes históricos do  diagnóstico da perigosidade - no curso do processo de execução de medida sócio-educativa.

 

Se a revogada legislação permitia sustentar tal raciocínio, é absolutamente desconforme com o ECA fazer-se qualquer aproximação neste sentido. Com o  novo paradigma reconhece-se que os adolescentes são capazes de culpabilização e sujeitos a responsabilização com inescondível caráter punitivo, embora não penal.   Adolescentes não são débeis mentais, lembra Amaral e Silva[23], e não podem ser tratados como tal. É isto que vem dizer o ECA.  Rompendo-se com a tradição anterior traz-se os adolescentes, assim,  para um âmbito declarado de incidência de um sistema penal – é óbvio que um sistema de controle ajustado à suas condições de pessoas em desenvolvimento que, sem esconder o caráter notoriamente aflitivo (punitivo) de suas medidas atribui-lhe tarefa e escopo educativo. Este sistema é absolutamente diverso daquele das medidas de segurança, e não opera com o conceito (?) de periculosidade. Não se cuida de tratar o jovem infrator, que não é doente. Estamos no terreno do pedagógico onde a Psiquiatria criminológica não tem (ou ao menos não deveria ter) nem vez nem voz. Doentes mentais, conforme o ECA-  e toda normativa internacional diga-se de passagem - não cabem no sistema sócio-educativo (art. 112, parágrafo 2º da Lei). Estas são premissas da lei, dogmas aos quais o magistrado deve se curvar enquanto profissional, aceite-os ou não para si enquanto pessoa.

 

A prova mais acabada que estas categorias de transtorno de personalidade não se ajustam de forma alguma na legislação vigente, que recusa este modelo de categorização do ser humano é que nenhum jovem pode permanecer recluso por mais de três anos (art. 121, parágrafo 3º do ECA). Ora, admitisse a lei a existência de criminosos compulsivos incuráveis, psicopatas incorrigíveis, é óbvio que criaria mecanismos para mantê-los afastado mais tempo de convívio social[24].

 

E a lei não admite esta categoria, baseada na própria psiquiatria. O CID-10 classifica o transtorno imputado ao jovem como TRANSTORNO DE PERSONALIDADE EM ADULTO, ressaltando: “é improvável que o diagnóstico de transtorno de personalidade seja apropriado antes da idade de 16 ou 17 anos” (op. cit. p. 197). Assim, baseada na própria cautela da medicina, recusou a lei, por sua sistemática, a atribuição do diagnóstico lançado a qualquer adolescente autor de ato infracional e o fez por presunção legal absoluta, à qual devem, senão os médicos, pelo menos os julgadores se curvarem. Neste sentido, esclarecendo qual é a ótica do legislador, o festejado consultor do UNICEF, Mário Volpi, declara:

 

Não há escala precisa para a aferição da periculosidade, o que torna o conceito altamente subjetivo e inadequado. Seria necessário falarmos, então, em tipos de comportamentos que podem ser identificados como normais ou patológicos, elaborados a partir de estudos sérios do comportamento e da agressividade ou passividade do adolescente. Entretanto, estudiosos desta temática, como Eric Erikson e Donald Winnicot consideram difícil estabelecer uma fronteira entre o “normal e o patológico” na adolescência. O fato de a própria adolescência constituir-se como uma espécie de crise normativa, em que a estruturação da identidade do indivíduo está se definindo, revela que é preciso que o “mundo adulto” dê um tempo ao adolescente e sugere a paciência e o apoio são as melhores formas de se acompanhar seu desenvolvimento” (op. cit. p. 28)

 

3 - CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO

 

Como se viu, filiada ao modelo criminológico positivista, a avaliação psiquiátrica para fins de classificação dos infratores atenta contra os mais básicos pressupostos da lei em vigor. Todavia, é por negar frontalmente o princípio rector por excelência de toda a  legislação infanto-juvenil vigente – a saber, o da consideração da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento -  que o diagnóstico psiquiátrico lançado (transtorno anti-social ou dissocial de personalidade) deve ser recusado com veemência pelo juiz.  

 

O art.  6º da lei 8069/90 estabelece que “na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Mais adiante, quando trata das respostas legais dirigidas a jovens que infracionam, volta o Estatuto a frisar que a aplicação da medida privativa de liberdade sujeita-se aos princípios de “brevidade, excepcionalidade e respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (art. 121, caput)  Trata-se de norma tão relevante, tão fundamental que, com o mesmo teor, foi inscrita na Constituição Federal (art. 227, § 3o, V), diretriz máxima de organização jurídico-política de nossa sociedade.

 

Considerar o adolescente como pessoa em desenvolvimento implica  reconhecê-lo, sempre, em   meio a um processo de contínua transformação. Um processo continuado de definição de rumos, assentamento de  valores, construção da identidade e da autonomia. Implica reconhecer que tudo nele é de  certo modo provisório e sujeito a modificações. Daí porque acontecimentos significativos, perdas, experiências traumáticas podem definir, de uma hora para outra, mudanças profundas no modo de ver o mundo e lidar com ele. Em suma, o operador do direito deve trabalhar com a idéia de que o jovem, pessoa em transformação, é capaz de modificar-se. Modifica-se, em verdade, sempre, porque sua natureza é dinâmica. Encontra-se em contínuo aprendizado do mundo e da vida. E o tempo da mudança é psicológico, individual, incapaz de ser padronizado ou previsto em termos cronológicos.

 

Pois bem, o  diagnóstico de transtorno social de personalidade nega o princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento na medida em que  fecha um prognóstico, uma sentença rotuladora definitiva, irrecorrível, atribuindo-lhe um quadro do qual não se livrará mais. Sim, porque os transtornos psiquiátricos, como se sabe,  não têm cura, no máximo, com algum esforço seus sintomas remitem-se por algum tempo.  Ao dizer que J. tem personalidade anti-social ou dissocial o senhor avaliador prediz que se trata de alguém que está aderido, de forma indescolável, de seu destino criminoso. Alguém que foi assim na infância, assim na adolescência e assim será  por toda a vida. Alguém aprisionado num esquema de ser e de viver, refém de uma forma de ver o mundo e de agir diante dele. Alguém cujo Mal entranhou-se definitivamente em seu interior, fez morada, irremovível. Alguém congelado, paralisado, acabado, estacionado nesta forma de existir. Alguém que não se desenvolve, não avança.

 

Se para os psiquiatras criminólogos pessoas, adolescentes, podem ser assim, para o ECA, não. Adolescentes são pessoas plenas de potencial de auto-transformação.  Algum desavisado pode dizer que o Direito não pode negar a realidade revelada pela ciência. Ora, o diagnóstico psiquiátrico, sobretudo dos transtornos de que ora cuidamos, muito pouco, quase nada têm de científico, como já se mostrou. Indo um pouco além, vale lembrar, que mesmo a infância e a adolescência, Sr. Juiz, não são  categorias ontológicas,  não são  um conjunto de características específicas de evolução biológica.  Infância e adolescência são categorias historicamente construídas[25]. Portanto, não há neutralidade na concepção e na representação do outro. Não há verdade científica. A crença em qualquer discurso sobre o outro depende de uma opção de valor. Depende da filiação a uma ética. A ética da Psiquiatria criminológica não é e ética do ECA. Não pode ser, assim, a ética da  que deve ser a ética da decisão.

 

Aceitar que J. seja aquilo que diz o Sr. Psiquiatra implica subverter a lei. Implica decidir de acordo com os valores pessoais e não de acordo com os valores consagrados do Estado de Direito. Implica instituir o arbítrio.

 

 

4. O DIAGNÓSTICO DE TRANSTORNO ANTI-SOCIAL OU DISSOCIAL DE PERSONALIDADE COLIDE COM OS OBJETIVOS DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA 

 

Na medida em que se recusa a possibilidade de educar – ou mesmo de se “tratar” -  o jovem infrator, o regime de internação passa a operar-se em nome exclusivo da contenção. Ora, na sistemática da lei, a contenção, por si somente, enquanto algo que começa e acaba em si mesmo, não tem lugar. A privação de liberdade para alguém que cometeu um crime com menos de dezoito anos existe e se justifica somente enquanto instrumento para o alcance de outro objetivo.  Se se admite uma categoria de pessoas insensível a qualquer intervenção  - mesmo sob a forma mais drástica da reclusão -  perde razão de ser a privação de liberdade. Os centros de internação não são depósitos de pessoas esperando correr o  prazo pelo qual o Estado achou legítimo privá-las do convívio social. Se os recolhidos não estiverem se submetendo a intervenção da qual se espera um mínimo de resultado, a segregação não se legitima.  De outras estratégias deve lançar mão o Estado no intuito de promover a segurança cidadã. Estas estratégias, todavia, não estão previstas. Assim, simplesmente porque não há, na opção do legislador, uma categorias de pessoas insensível à intervenção.

 

Pois bem, esta dedução banal de um estudo ainda que superficial do ECA é outra prova cabal que a legislação não compactua com diagnósticos psiquiátrico-criminológicos do tipo transtorno anti-social ou dissocial de personalidade para as pessoas a ele submetidas. 

 

5. PROFECIA AUTO-REALIZADORA: A CONTRIBUIÇÃO DA PSIQUIATRIA CRIMINOLÓGICA PARA O AUMENTO DA CRIMINALIDADE.

 

Ainda que por mero amor à argumentação aceitarmos que existem pessoas no mundo dos fatos conforme apresentam-se aos olhos do Sr. psiquiatra criminólogo, a dispensabilidade deste diagnóstico para os jovens submetidos ao regime legal do Estatuto da Criança e do Adolescente continuaria perfeitamente sustentável. A lei não permite que tais “pessoas perigosas” fiquem recolhidas por mais de três anos. Ou seja, estes criminosos em breve retornarão ao mundo.  E praticarão – segundo o sombrio prognóstico dos psiquiatras criminólogos – novos crimes. Assim, do ponto de vista da defesa social, com a qual este Juízo sempre se mostrou muito preocupado, qual a diferença entre liberar-se o “bandido compulsivo” hoje ou daqui a há seis meses? Absolutamente nenhuma. Aliás, como a previsão é que mais cedo ou mais tarde fará novas vítimas e  se incorporará ao sistema penitenciário, que se o liberte logo para que o quanto antes se cumpra o seu destino. Cada mês de privação de liberdade, inútil, custa ao Estado quase dois mil reais. Assim, qual a utilidade prática de se diagnosticar que o adolescente é portador de personalidade anti-social ou dissocial se a lei não permite recolhê-lo por mais de três anos? Nenhuma. Absolutamente nenhuma.

 

Continuemos a raciocinar admitindo que o transtorno exista e acometa jovens. Ao admitirmos a existência do quadro, admitimos que seu diagnóstico é complexo, envolvendo diversas variáveis, posto que ninguém nega tal característica. Ora, se o diagnóstico é complexo, existe a possibilidade de erro. Nenhum problema aceitar-se tal fato, posto que falha no diagnóstico é possível em qualquer quadro patológico de qualquer ramo da medicina, quanto mais no terreno da Psiquiatria. Pois bem, caso o jovem seja diagnosticado erroneamente com tal transtorno, o prejuízo a ele será patente. Sabendo-o um criminoso compulsivo, a sociedade – afinal, Sr. Juiz, a população ordeira não deveria ter o direito a saber quem a ameaça? -  fechar-lhe-á todas portas, do emprego, do estudo, do lazer, da vida familiar e comunitária. Não será aceito a não ser nos subgrupos criminosos.  Tenderá, por causa de um diagnóstico impreciso,  a tornar-se criminoso para sempre. De outro lado, o que pensará o jovem dele mesmo, de seu futuro quando for informado – a final, Sr. Juiz, não tem o detido o direito a saber por que não é liberado? – de que sua imagem no espelho reflete alguém inelutavelmente condenado a um destino de crimes, de roubos, mortes, infrações, etc.? Que seu projeto de vida de constituir família, estudar, trabalhar honestamente é pura ilusão porquanto previamente traçado está o seu destino: matar, morrer, ser preso, etc.? Esta pessoa com certeza desistirá de lutar, perderá qualquer incentivo, menor que seja,  para reconstruir uma vida minimamente ajustada às expectativas sociais. Esta pessoa tenderá, por causa de um diagnóstico impreciso, a tornar-se criminoso para sempre.

 

Assim, vimos que, se verdadeiro, o diagnóstico de transtorno anti-social ou dissocial de personalidade nada acrescenta de útil em termos de defesa social. Todavia, se não verdadeiro, tal transtorno muito tem a acrescentar de negativo. Condenará ao crime alguém que tinha condições reais de não reincidir.

 

EM UMA PALAVRA, a Psiquiatria criminológica e suas categorias – no terreno em que o cidadão não pode ficar mais de três anos recolhido – converte em Psiquiatria criminógena. Somente tem uma contribuição a dar: incentivar a delinqüência.

 

Este ciclo acima descrito não é nenhuma novidade. A criminologia psiquiátrica opera dentro do que se convencionou chamar, na psicologia da aprendizagem, de profecia auto-realizadora. Vale dizer, o fator principal, senão único,  para que a previsão se confirme é a própria previsão. Por exemplo, porque alguém nunca aprenderá, não se vai perder tempo para ensiná-lo, aí ele de fato não aprenderá e a profecia se cumpre. Porque eu nunca vou aprender, não me esforço, aí não aprendo mesmo, e o vaticínio confirma-se.

 

Como nos ensinou o inigualável Antonio Carlos Gomes da Costa, no terreno da pedagogia para jovens infratores, é PRECISO CRER PARA VER[26]. O psiquiatra criminólogo, e bem assim os que o seguirem,  desacreditando a priori da capacidade de  J. transitar pacificamente em liberdade ajudarão, sem dúvida, a vê-lo, num futuro pouco distante, trangredindo a lei. E ainda dirão: tínhamos razão! 

 

II – Argumentos de caráter específico

 

Às razões já explanadas, somam-se outros argumentos mais específicos a denunciar a absoluta fragilidade da avaliação promovida pelo IMESC. Ou melhor, a análise mais específica da avaliação levada a efeito em face de J.   confirma, na prática, a consistência dos argumentos já apresentados.

 

Desde logo consigne-se aqui que não se imputa de forma alguma incompetência ou má-fé aos Psiquiatras subscritores da perícia. A crítica dirige-se à sua produção e não a ele. Seu esforço, aliás, em responder aos quesitos da defesa é digno de louvor. Fica consignado nosso respeito  para com este o profissional, que busca desempenhar sua missão com o máximo de eficiência dentro daquilo que acredita.

 

Muitas são as linhas possíveis de impugnação.

 

Como bem se sabe, é a descrição minuciosa da metodologia parte fundamental do laudo pericial e o Sr. perito pouco se demorou em demonstrar a forma pela qual apurou a ocorrência do transtorno. Daí porque todo seu laudo resta comprometido.

 

A metodologia implica pelo menos três dimensões: as fontes utilizadas nas coletas de dados e a  maneira como tais dados de fato foram subsumidos às categorias de sinal ou sintoma de um quadro sindrômico configurador do transtorno.

 

Sobre as fontes de dados, respondendo ao quesito  3 da defesa o Sr. perito esclarece que se valeu de entrevista com o periciando, exame psíquico, relatórios técnicos , experiência do perito, e  da própria forma de execução do ato infracional segundo relatado pelo adolescente. Considerando que o exame psíquico decorre também de informações colhidas diretamente do examinando, as fontes foram duas: postura e verbalização do jovem ao perito e relatórios apresentados aos autos.

 

Dos relatórios produzidos pelos técnicos não psiquiatras (a avaliação do outro médico foi mencionada duas vezes) nada parece ter influenciado o Sr. Perito. Não há qualquer menção a eles na fundamentação do exame. Nenhum esforço para explicar contradições. O que disse e como se portou o próprio jovem na entrevista, sim, foi este o grande material no qual se baseou o Sr. Perito. 

 

Ora, parece evidente a precariedade do material primário sobre o qual trabalhou o Sr. Perito.

 

a)      J. estava privado de liberdade. Sua saída externa, monitorada, para a entrevista, já lhe causou impacto significativo no comportamento; o momento em que foi examinado, permeado por ansiedade, foi excepcional. Aliás, como esclarece a resposta ao quesito 2 da defesa (fls. 101), o setting da avaliação – tido como ideal – consistiu no encontro do jovem com  dois peritos estranhos em uma sala de exames também estranha. A atipicidade do momento avaliatório, tornou atípico, certamente, o resultado exame.

 

b)      J. sabia que a avaliação seria decisiva para sua liberdade, que tanto almeja. Provavelmente foi orientado a portar-se de determinada forma pelos técnicos da FEBEM, e assim deveria ser. Provavelmente foi orientado por seu defensor a dizer algumas coisas e negar outras, e assim deveria ser. Provavelmente foi instruído por outros internos a portar-se de determinada diante do psiquiatra e assim deveria ser. Ou seja, como qualquer pessoa saudável tentou conduzir a entrevista no sentido de alcançar seu objetivo. Isto é algo absolutamente natural em qualquer situação de prova. Qualquer selecionador de RH bem sabe disto. Tentar agradar o entrevistador é algo humano. Tentar atingir um objetivo desejado é sinal de saúde. Isto não torna o candidato a emprego um mau-caráter, ou o examinando um psicopata manipulador. ( A não ser que o objetivo da entrevista seja meramente confirmar uma hipótese já preestabelecida- efeito halo, já apontado acima).

 

c)      Assim, dizem os peritos que o jovem “tende a controlar as situações e com isto passar imagem não compatível com sua realidade interna ao observador mais leigo” (fls. 101). Ora, como dito, é sintoma de saúde mental tentar buscar a aprovação do avaliador, dizendo o que dele se espera ouvir. De outro lado, supõe o Sr. Perito dispor da  capacidade de perceber coisas que o leigo não percebe, porquanto, ao contrário deste último, teria ele o poder de  acessar a verdadeira “realidade interna” do avaliando para além das aparências de seu discurso. Isto, contudo, não é possível. Como nos recorda Dorothy Rowe: “Trata-se realmente do desejo de possuir um poder sobre-humano  de conhecer a Verdade Absoluta, de perceber a realidade diretamente, desimpedida das interpretações que os seres humanos comuns tem de fazer acerca daquilo que se encontra o tempo todo além de seu domínio” (op. cit)[27]. 

 

d)      Todavia, como não raramente acontece, supondo que os examinandos apresentarão evasivas, preocupado em não deixar-se enganar pelas respostas prontas, o examinador às vezes interpreta a espontaneidade das respostas como estratégia de dissimulação. O viés no resultado do exame é enorme.

 

e)      Talvez porque confuso, talvez porque cansado, talvez também porque desconfiado das pessoas que com ele não estabelecem previamente vínculos mas o bombardeiam de perguntas invasivas, o jovem transpareceu alguma irritabilidade diante dos Peritos. Confira-se: “Mantém-se a maior parte do tempo em situação de certo desprezo pela entrevista, denotando irritabilidade e impaciência, respondendo as perguntas de forma bastante programada e fria” (fls 100). Certa labilidade de humor, irritabilidade, postura desafiadora são características típicas de adolescentes.  Sobretudo diante de estranhos que lhes lançam perguntas provocadoras. A irritação é um mecanismo de defesa, de resto saudável.  Se o rapport não for bem estabelecido – o laudo deixa de consignar qualquer esforço neste sentido - entre examinador e examinando é natural que este último – que não pediu para estar lá – se canse, se revolte.   Esta postura de J. na entrevista parece ter sido fruto conjuntural da entrevista. Não se trata de traço de personalidade generalizável. Ainda que fosse, irritabilidade e menosprezo a questionamentos pessoais não podem se traduzir em sintoma de criminalidade compulsiva.

 

f)        quesitado pela defesa (n. 6), o Sr. Perito afirma que realizou apenas uma entrevista. Ora, Mackinnon e Yudosfsky, in A avaliação psiquiátrica na prática clínica – Porto Alegre, Artes Médicas, 1988, p. 44 ensinam que “Uma única entrevista com um paciente permite apenas um estudo geral. Portanto, é boa estratégia planejar rotineiramente dois encontros, dando alguns dias de intervalo entre  a perimeira e a Segunda entrevista”. Como também parece óbvio, ensina Dr. Rubio Larrosa, Presidente da ‘Sociedad Española para el Estudio de los Trastornos de la Personalidad” que “otra dificultad es la relativa a que identificar un patrón de conducta es difícil mediante una única entrevista[28]”. Responderia a esta objeção os Srs. Peritos afirmando que a avaliação psiquiátrica com finalidades clínicas, sim, é que  necessita de mais de uma entrevista. Aqui cuidar-se-ia de avaliação para fins médico-legais. Ora, se o diagnóstico clínico e o médico-legal implicam a verificação da mesma constelação de  sintomas (descritos em F60.2 do CID),  por que o primeiro reclamaria maior rigor que o segundo em seu delineamento? Não há explicação racional plausível, a não ser que se considere o recluso um cidadão de segunda categoria em relação ao paciente comum, sem direito a um exame mais rigoroso de seu quadro...

 

g)      O Sr. Perito, indagado pela defesa (quesito 3), esclarece que não entrevistou a família. Não conversou com outros técnicos. Os dados de base, como destacados, vieram todos da mesma fonte. Mackinnon e Yudosfsky, in op. cit, entretanto, destacam que  Um exame de estado mental é significativo apenas no contexto de outros dados de base”. Ou seja, sem outros informantes, em especial  algum familiar que conviveu com o jovem, fornecesse “um outro lado” para os fatos verbalizados pelo jovem, a investigação de sinais e sintomas perde de fato consistência. Parafraseando os autores citados, no caso dos autos, portanto, o exame de estado mental  não foi significativo. Nem se diga que a entrevista com familiares é dispensável por se tratar de perícia médico-legal. Reporto-me às poderações a respeito lançadas no item “f” supra.

 

h)      Ao ser indagado pela defesa (quesito 8.3) sobre colheita de subsídios com profissionais de outras áreas, os peritos responderam somente exames psiquiátricos foram realizados, e não PSICOLÓGICOS (o destaque foi deles – fls. 102). Os Srs. Peritos acrescentam, ainda, que o diagnóstico é essencialmente médico, estranho pois ao âmbito psicológico.   Ora, o fato de se tratar de uma avaliação psiquiátrica em nada impede que o médico avaliador sirva-se de testagem psicológica para conferir maior confiabilidade ao seu diagnóstico, refinando os dados de base no qual apóia a perícia. O próprio IMESC, ao qual o Sr. Expert já dirigiu (fls. 99) em sua página a internet  esclarece que “O Núcleo de Perícias Psiquiátricas tem por atribuição realizar exames periciais de Psiquiatria Forense, bem como elaborar os laudos.A Psiquiatria Forense é um ramo da Medicina Legal que se propõe a esclarecer os casos em que alguma pessoa, pelo estado especial de sua saúde mental, necessita de consideração particular perante a Lei. Independente da utilização clínica dos métodos psicológicos, no que diz respeito à peritagem forense psiquiátrica, em alguns casos, atualmente, é indispensável proceder ao estudo da personalidade mediante métodos - principalmente a Prova de Rorschach e o Exame Neuropsicológico de Luria - que demonstrem, objetivamente, sua estrutura e alterações” (...) “As avaliações psiquiátricas no IMESC, em geral, quando se trata de pedidos judiciários para avaliação de medida de segurança, periculosidade e sanidade mental, requerem um aprofundado estudo da personalidade. A utilização do método de Rorschach [teste de uso privativo de psicólogos] tem sido um recurso, absolutamente necessário, no sentido de complementar a avaliação.” (www.imesc.org.br). É lógico que cabe ao profissional a livre escolha de seus instrumentos de investigação. Solicitar apoio do psicólogo seria, assim, facultativo. Todavia, a dispensa não explicada do exame que daria maior confiabilidade – por vezes de maneira absolutamente necessária, como diz o próprio IMESC -  aos resultados da avaliação psiquiátrica é sinal, sem dúvida, de sua fragilidade.

 

i)        Sr. Psiquiatra avaliador, outrossim, deixou claro ao responder quesitos da defesa (n. 8.4), que não se utilizou de qualquer roteiro de entrevista  semi-estruturada, informando que tais instrumentos seriam utilizados para finalidades clínicas ou terapêuticas. Ora, sabendo-se que as entrevistas semi-estruturadas são esforços para garantir confiabilidade ao diagnóstico psiquiátrico e que o Sr. Perito delas não se valeu, a autoridade de seu laudo resta comprometida. Será que não existe nenhum protocolo de entrevista semi-estruturada padronizado para fins médicos-legais?  Como já assinalado, há que se perguntar como pode ser que as técnicas para se chegar a um mesmo diagnóstico (existência ou não de um transtorno de personalidade) variem conforme o uso que se vai fazer deste diagnóstico (forense, clínico ou estatístico). Ou jovem é portador do transtorno ou não é.  Acrescente-se, por derradeiro, que embora não se discuta a experiência larga dos o Srs. Peritos, isto não significa nem pode significar que seu diagnóstico seja, por isto, mais confiável. Sobretudo porque, como se sabe, os laudos produzidos para a Justiça, salvo iniciativa pessoal dos próprios avaliadores, não foram submetidos a confirmação empírica. Vale dizer, não se sabe se os diagnósticos e prognósticos produzidos – por um método próprio, pessoal (fls. 102, ponto 8.4) passaram por outros crivos que lhes verificassem a exatidão. Experiência, assim, não é necessariamente garantia de confiabilidade.

 

j)        Aliás, quando questionado sobre eventual necessidade de se submeter seu diagnóstico a outros crivos, especialmente exames neurológicos, como recomenda a mais autorizada doutrina (quesito 8.7 – fls. 76), o Sr. Psiquiatra busca desautorizar o autor da recomendação, simplesmente um dos mais proeminentes estudiosos da área, cujo manual, de larga utilização, compreende um capítulo especial nomeado “Psiquiatria Forense” (p. 1088). O argumento de autoridade, sabe-se, pouco valor intrínseco contém. Todavia, deveriam os Srs. Peritos motivarem racionalmente porque discrepam de Kaplan, não simplesmente desautorizá-lo por “não ser do ramo”. A recomendação, aliás, como esclarece o autor, baseia-se no fato de os pacientes com transtorno anti-social de personalidade normalmente exibirem EEG anormais e leves sinais neurológicos sugestivos de dano cerebral minimo na infância” (p. 692).

 

k)      Quando indagado pela defesa (quesito 8.8)  acerca do  ajuste recomendado por Kaplan, Sadock e Grebb para evitar distorções decorrentes de classe social, sexo e cultura na definição do diagnóstico de transtorno anti-social de personalidade, SURPREENDENTEMENTE os Srs. Peritos responderam que não realizaram diagnóstico de transtorno de personalidade anti-social (fls. 102). De fato, observando-se o laudo, vê-se que o diagnóstico foi transtorno de personalidade dissocial (fls. 101). Por tal motivo, não responderiam o quesito. O mais curioso é que, quando o Ministério Público perguntou  em seu quesito 3 de fls. 70 se o jovem seria portador de personalidade anti-social, os Srs. Peritos responderam SIM. Ora, como se sabe, o próprio CID-10 (p. 200) esclarece que Transtorno de Personalidade Anti-social INCLUI personalidade dissocial. Ou seja, por não ser significativamente distinto um do outro, os quadros foram  equiparados na atual compilação (F60.2 – resposta ao quesito 8.1 da defesa). O quesito, pois, era pertinente também para o caso de se Personalidade Dissocial, e o Sr. Perito não o respondeu porque não o quis, ou, mais provavelmente, para evitar críticas à perícia.   Também não respondeu aos quesitos 8.6 e 8.10, porque não quis. Nada impede a formulação de um quesito genérico, desde que voltado a esclarecer característica relevante do parecer lançado. De outro lado, não se trata de crítica à FEBEM considerar que o jovem, em seu interior permanecerá na companhia de outros internos. É mera constatação de realidade. E mostra-se absolutamente pertinente esclarecer se tal convívio agrava, atenua ou é indiferente ao transtorno identificado.  A postura do Sr. Perito, julgando os quesitos da defesa, escolhendo os que responde ou não, mostra-se inaceitável. No mínimo, revela incômodo diante de qualquer questionamento, ainda que singelo e despretensioso, como o que decorre das perguntas de fls. 74/76. No mínimo revela absoluta impermeabilidade à crítica, o que não se admite no território do contraditório e da ampla defesa.

 

l)        De qualquer maneira, deve ser melhor explorado o apontamento do caso como personalidade dissocial, ao invés de personalidade anti-social. Historicamente a diferença entre um tipo e outro era assim marcada:

·        Personalidade anti-social – delinquencia caracterológica por má constituição - defeito do caráter – delinquência psicopática – semi-imputabilidade

·        Personalidade dissocial – delinquencia caracterológica por má formação – desvio do caráter – delinquência essencial – imputabilidade[29]

Viável, então, a hipótese de que o psiquiatra atestou apenas um “desvio” do caráter, que nesta condição pode ser corrigido, como já o vem sendo feito desde o ingresso do jovem no regime de privação de liberdade e como continuará sendo feito, através  quando o jovem retornar para a comunidade.

 

m)    O LAUDO NÃO SE ENCONTRA FUNDAMENTADO. Muito curiosa revela-se a resistência do Sr. perito em revelar de forma mais concreta os dados de fato que conduziram à suas conclusões. Em seu quesito 7 (fls.75), talvez o mais importante deles, a defesa indagou ao experto “com base em que dados de fato, em que informações concretas – transcrevendo-se as respostas dadas pelo jovem na entrevista – tirou o Sr. Perito conclusões acerca de algumas funções psíquicas”. A resposta do perito foi absolutamente estranha à solicitação da defesa. Quando se pediam dados concretos, o Sr. Psiquiatra respondeu com um singelo e deslocado “SIM” (fls. 101). Não revelou as informações concretas nas quais apoiou seu diagnóstico. Inviabilizou a impugnação mais específica de seus juízo de valor sobre tais fatos. Outra vez aqui se revela, clara, a fragilidade do estudo que não se abre à plena cognição de seus motivos pelas partes. 

 

n)      De qualquer forma a resposta mais significativa de todas e que permite à defesa, no mérito, contestar as conclusões da perícia de forma mais aberta foi aquela apresentada ao quesito 8.1. Primeiramente, aponte-se que o Sr. perito deixou de responder à primeira parte do quesito. Não apontou as diretrizes diagnósticas gerais para transtorno de personalidade[30], limitando-se a enumerar as diretrizes específicas. Assim, aparentemente, não investigou ou não indicou, como deveria fazê-lo, o Sr. perito se o jovem apresentou evidência clara de pelo menos três destes traços a) atitude e condutas marcantemente desarmônicas envolvendo em várias de funcionamento; b) padrão anormal de comportamento permanente c) padrão anormal de comportamento invasivo e claramente mal adaptativo para uma série ampla de situações pessoais e sociais; d) manifestações desde a infância e adolescência, continuando pela vida adulta; d) se o transtorno leva à angústia pessoal considerável ou se e) o transtorno é usualmente associado a problemas significativos no desempenho ocupacional e social. Na parte do quesito de fato respondida pelo perito, indica ele que o diagnóstico baseou-se na presença das seguintes diretrizes de F60.2 da CID-10:

 

Desprezo das obrigações sociais. Não apontou o Sr. Psiquiatra qual seria o indicador fático deste sintoma. Todavia, o exame dos autos contradiz esta assertiva. Como reportam os relatórios, o jovem no passado, trabalhou com seu pai e cursou a escola. No interior da FEBEM retomou a escolarização e realizou cursos profissionalizantes. Nada sugere persistência no desprezo generalizado de suas obrigações sociais.

 

 

Falta de empatia (embotamento afetivo). Outra vez aqui silencia o Sr. Psiquiatra para os fatos concretos que o conduziram a presenciar tal característica em J.. Mesmo assim, a análise dos autos contrasta tal descrição. J. mantém forte ligação com a família, permeada por afeto, a revelar capacidade de manter relacionamentos estáveis. O próprio Psiquiatra da FEBEM (fls. 67), indicou que seus “nexos afetivos encontram-se preservados”. Às fls. 51, anotou-se que ele revela ‘bom relacionamento com outros jovens e funcionários”. Finalmente, o psicólogo fez consignar, às fls. 87 que se cuida de jovem “extrovertido, alegre e afetuoso estabelecendo bom contato interpessoal”.

 

Desvio do comportamento com as normas sociais

Tal característica decorre do fato de J. ter infracionado. Este foi o motivo que o levou à avaliação. Trata-se de indicador tautológico, sem valor cognitivo. De toda sorte, outros profissionais avaliadores já chegaram a concluir que “o adolescente em tela não tem estrutura infracional severa” (fls. 89)

 

Ausência de sentimento de culpa (fala de seu delito de forma absolutamente fria)

 

O Jovem narra de forma objetiva o que se passou. Não se mostra razoável que derrame lágrimas todas as vezes que contar o que fez. Aliás, centenas de vezes ao longo de todo este período de segregação já foi inquirido sobre o que houve, algo que tende a mecanizar a resposta, é óbvio. A aparente “frieza” decorre de seu estilo narrativo, não podendo ser   sinal patente de ausência de sentimento de culpa. O relatório de fls. 51 anota que o jovem revela “maior criticidade, portando com amadurecimento frente a seus atos delinquenciais”.  Por fim, vale ressaltar que a aparente “frieza” com o que o jovem narra seus delitos vem do fato de que, embora transgredisse a lei e tivesse ciência disto, ELE NUNCA DE FATO PÔS EM RISCO A INTEGRIDADE FÍSICA DE QUALQUER DAS VÍTIMAS. NUNCA PRATICOU UM ROUBO COM USO DE ARMA DE FOGO, A DENOTAR QUE JAMAIS COGITOU EM VULNERAR FISICAMENTE UM SER HUMANO PARA SUBTRAIR SEU PATRIMÔNIO. Nunca se envolveu o jovem em nenhuma infração especialmente grave, mostrando que a fragilidade de seus valores é apenas relativa. Não aceita ultrapassar determinado patamar de transgressão, por conta, evidemente, de um barramento ético que os Peritos teimam em não verificar.

 

Baixa tolerância à frustação

Seu bom comportamento institucional revela que tem tolerância à frustração e também que é capaz de submeter-se a disciplina, aceitando regras num contexto de marcada heteronomia revelado que marca o cotidiano institucional. Há apenas um registro de falta disciplinar, dano patrimonial havido há quase um ano. Lembram os técnicos que com ele conviveram que “em outras intercorrências disciplinares envolvendo o grupo de adolescentes, manteve-se à parte, posteriormente tecendo críticas em relação a estes atos  e aos danos que vem a causar a si” (fls. 89).  Quem suporta com resignação a disciplina do cárcere evidentemente tolera frustações. De qualquer maneira, o Sr. Psiquiatra não explicou os motivos que o levaram a convencer-se do contrário. Não merece crédito.

 

Tendência a culpar os outros pelos seus atos 

Outra vez não explicam os peritos as razões de seu convencimento. Em nenhum momento, nenhuma circunstância trazida seriamente aos autos permite inferir tal característica. Quase que invariavelmente, sempre que ouvido sobre as infrações praticas, J. as assume. Diz que roubo alegando motivos pessoais (necessidade de comprar droga, pagar dívida em bar). Nunca se viu qualquer alegação de sua parte transferindo a responsabilidade de suas ações a terceiros. Todavia, se dissesse que o roubo era consequência de sua estadia nas ruas, nada estaria dizendo de equivocado. Não se pode entender a explicação que o jovem dá para ter cometido certos atos com eventual justificação que daria para suas condutas. Tratam-se de coisas absolutamente distintas.

 

Estão afastados, por conseguinte, todos os sinais que ensejaram a convicção do psiquiatra acerca do transtorno apontado. A ausência dos demais, não citados, nem precisa ser posta em evidência, deixando-se consignado simplesmente que o jovem sem dúvida, apontam os autos, aprendeu, e muito, com a experiência da punição.

 

 

A DÚVIDA LABORA EM FAVOR DO ADOLESCENTE

 

A consideração da medida de internação como medida de exceção e  breve (conforme art. 227da CF, 121 do ECA e 37.b.3 do Decreto 99.710/90),tem como conseqüência processual, na fase de execução, a regra do in dubio pro reo, ou seja, ao adolescente internado cabe o benefício da dúvida[31]. Se a medida deve ser breve e somente pode ser aplicada em último caso, é óbvio que ela somente pode ser mantida inexistindo qualquer dúvida de sua pertinência.

 

Não se sabe com base em que fundamento, contudo, os julgadores têm invertido este princípio, alegando que a “liberação pressupõe convicção segura de aptidão ao retorno social”. Ora, tal convicção segura nunca será alcançada, não sendo lícito aguarde eternamente o jovem um evento absolutamente incerto para resgatar sua liberdade de locomoção.

 

Não se legitima, pois, negar a liberação  em nome da necessidade de um consenso interprofissional a recomendar a soltura. A lei não exige isto e ainda que exigisse, “os psiquiatras e psicólogos, por mais experiente capacitados que sejam, não tem condições plenas de estabelecer certeza sobre a readaptação perfeita do detento ao convívio social e certeza de que, solto, nunca mais tornará a delinqüir” (Boletim Mensal de Jurisprudência do TACRIM/SP : 78/2). Daí porque  A evolução para quaisquer dos regimes mais brandos, como é intuitivo, sempre se reveste de acentuada carga de risco consciente. O absoluto, indiscutível e definitivo merecimento dela só o tempo há de indicar” (TJSP  RA  82.924 – rel. Canguçu de Almeida). Na mesma linha: “A decisão judicial que defere pedido de progressão de medida sócio-educativa imposta a adolescente infrator carrega inevitavelmente uma certa dose de risco, pois não tem o magistrado o dom sobrenatural de prever o futuro (...). Desta forma, considerando que a internação deve obedecer os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 121do ECA), tais informações permitem, sem dúvida, o deferimento da progressão pleiteada pelo adolescente” ” (Ag. Inst. 064.695.0/9-00 – rel. Gentil Leite. – j. em 10.02.2000 – Cam. Esp. TJSP.)

 

 

PEDIDOS

 

Diante do exposto, requer:

 

a)      seja determinada imediata desinternação do jovem, tendo em vista impugnação lançada às avaliações psiquiátricas desfavoráveis;

b)      seja, caso não acolhido o pleito inicial, designada audiência para oitiva do jovem, que deseja ser ouvido pessoal pela autoridade, neste momento, caso não liberado, como lhe faculta o art. 111, V do ECA.

c)      Seja negado o pedido ministerial no sentido de que este Juízo ou a FEBEM obrigue a genitora a submeter-se à psicoterapia. A genitora não é parte neste Processo. Se algo deve ser a ela determinado deve sê-lo através da instância legítima, o Conselho Tutelar, único legitimado a aplicar medidas do art. 129 do ECA.

 

 

São Paulo, 10 de fevereiro de 2002

 

 

FLAVIO AMERICO FRASSETO

Procurador do Estado

 

 

QUESITOS PARA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA GERAL

 

1.      A avaliação psiquiátrica promovida tem caráter de exame criminológico?

2.      Em caso positivo, tem o profissional avaliador formação específica em criminologia?

3.      A avaliação se deu em condições ideais? Em caso negativo, por que?

4.      Qual foram as fontes de dados das quais derivou a avaliação produzida? Houve entrevista com familiares?

5.      Houve discussão do caso com os técnicos – psicólogo e assistente social - que já acompanham o caso?

6.      Em caso negativo, por que?

7.      Colheu-se as impressões sobre o comportamento cotidiano do jovem junto com agentes de educação, agentes de proteção ou pedagogos?

8.      Os informes prestados pelo jovem durante a entrevista são confrontados com outras fonte de informação constante em sua “pasta social” ou prontuário? Em caso positivo, quais foram, no caso avaliado, especificamente os documentos analisados para fins de confronto (ex. Boletim de Ocorrência, Representação do Ministério Público, Sentença, avaliações psicossociais, etc – indicar um a um)

9.      Quantas entrevistas foram realizadas com o avaliando? Qual o tempo de duração de cada uma delas? Qual o intervalo havido entre elas?

10.  A entrevista de avaliação foi aberta ou fechada? Houve utilização de algum instrumento padronizado para a pesquisa, como SCAN, PSE, etc.? Em caso negativo, quais foram as técnicas utilizadas para garantir a confiabilidade (no sentido técnico) do diagnóstico?

11.  Com base em que informações concretas, apoiado em que dados  de fato (transcrevendo-se as  respostas eventualmente dadas na entrevista) tirou o Sr.  Psiquiatra conclusões acerca das seguintes funções ou subfunções psíquicas do avaliando: a) crítica; b) impulsividade; c) afetividade, incluindo ressonância e coerência afetiva?

12.  Caso o jovem negue a prática infracional, leva em consideração o Sr. Psiquiatra, ao analisar a função psíquica da crítica, ou do juízo crítico, que ele tem o direito, previsto no art. 40.2.b.iv do Decreto 99.710/90, a não se “declarar culpado”? Leva também em consideração o Sr. Psiquiatra a possibilidade de o jovem,  de fato, não ter praticado o crime e ter sido vítima de um erro judiciário? Leva também em consideração o Sr. avaliador o fato de que o caso pode não ter sido definitivamente julgado, havendo eventualmente recurso de apelação pendente de decisão?

13.  Caso o jovem procure justificar a prática infracional ou minorar sua participação, ao analisar a função psíquica da crítica, ou do juízo crítico, levou em consideração o Sr. avaliador que ele de fato pudesse ter agido sob circunstâncias atenuantes ou que sua participação pudesse de fato ter sido menos importante?

14.   

 

 

 

 

 

QUESITOS ESPECÍFICOS PARA O IMESC

 

1.      Houve aplicação de teste de personalidade? Em caso positivo,  qual foi o teste e qual  o nome e o número de registro profissional do psicólogo que o aplicou?

2.      No que a metodologia de avaliação deste jovem, sob medida sócio-educativa, difere da metodologia empregada pelo avaliador ou pelo Instituto na avaliação de adultos em cumprimento de pena? 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUESITOS PARA REAVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA QUANDO HOUVE INDICAÇÃO PRÉVIA DE TRANSTORNO ANTISSOCIAL DE PERSONALIDADE

 

1.      A) Considerando o diagnóstico ou hipótese diagnóstica lançado, pergunta-se ao Sr. Perito: a) quais dentre as diretrizes diagnósticas gerais do CID 10 para transtornos de personalidade (em geral), foram identificadas no avaliando; b) quais dentre as características de transtorno de personalidade anti-social (F60.2) foram identificadas no avaliando?

2.      Considerando a recomendação da boa  técnica no sentido de que  “o relatório psiquiátrico deve ser descritivo ao invés de impressionista”[32], quais foram os dados de fato específicos (as informações concretas recolhidas ou apuradas de outras fontes e as respostas literalmente apresentadas pelo jovem na entrevista) que levaram o Sr. Psiquiatra a identificar presentes cada uma das diretrizes  para transtorno de personalidade em geral e as características específicas de transtorno de personalidade anti-social apontadas no quesito 1?

3.      Considerando que o jovem já foi avaliado por equipe multidisciplinar, houve discussão dos indicadores de diagnóstico apurados no exame psíquico com os outros profissionais que atenderam e avaliaram o caso? Em caso negativo, por quê?

4.      Utilizou o Sr. Psiquiatra, para o diagnóstico, algum roteiro de entrevista estruturada ou semi-estruturada, como o PAS de Tyrer, ou IPDE de Jablensky?

5.      Dentro da Psiquiatria, qual o grau de confiabilidade de um diagnóstico de transtorno de personalidade (baixo, médio, alto)? Em outras palavras, caso o jovem fosse avaliado por outro profissional, qual o probabilidade de que este diagnóstico seja confirmado?

6.      Qual o índice de prevalência do transtorno na população em geral e na população carcerária?

7.      Considerando a afirmação de Kaplan[33] no sentido de que “uma investigação diagnóstica completa deve incluir um exame neurológico minucioso”, procedeu-se,  no caso avaliado,  a tal exame? Em caso negativo, por quê?

8.      Considerando a afirmação de Kaplan[34] de que, no diagnóstico de transtorno de personalidade antisocial é importante fazer um ajuste para contemplar  os efeitos causadores de distorção da classe social, antecedentes culturais e sexo, com suas manifestações”, no caso concreto avaliado, estes fatores de distorção foram considerados. Em caso positivo, de que forma? Em caso negativo, por quê?

9.      Considerando que Organização Mundial da Saúde (que edita o CID), não considera apropriada a diagnose do transtorno de personalidade antes dos 16/17 anos,  em que medida, estando o jovem no limiar desta faixa etária, esta condição interfere na confiabilidade do diagnóstico?

10.  O psiquiatra, neste caso concreto, devolveu ao avaliado o resultado de sua avaliação?

11.  A permanência do jovem no ambiente em que se encontra atualmente (FEBEM) de alguma forma pode contribuir para o alívio do transtorno?

12.  A permanência do jovem em ambiente institucional, que agrega infratores dos mais diversos perfis, pode de alguma forma interferir no reforçamento ou consolidação do transtorno?

13.  A psicoterapia é indicada como tratamento? Em caso positivo, dispõe a FEBEM de condições para ministrá-la? A condição de institucionalização do jovem de alguma forma interfere negativamente na eficácia do tratamento?

14.  Há indicação de terapia medicamentosa, ainda que direcionada para algum dos sintomas identificados? Em caso positivo, qual o sintoma e qual o  medicamento?

 

 

ATENÇÃO, AFORA ESTES QUESITOS GENÉRICO, OUTROS MAIS ESPECÍFICOS PODEM SER LANÇADOS.

 

A)    Aqueles ligados ao ato infracional e a versão do jovem sobre ele (ex.quesitos gerais 12 e 13 supra)

B)     Se o jovem tem histórico de drogadição, é bom indagar se o psiquiatra investigou se o consumo de drogas precedeu, foi concomitante ou posterior ao comportamento anti-social.

C)    Como o Psiquiatra explica as divergências entre aspectos do jovem apurados na sua avaliação e os mesmos aspectos avaliados diferentemente nas avaliações técnicas da FEBEM ou Equipe do Juízo. 

 

 

Notas:

 

[1] Celina Manita in Personalidade criminal e perigosidade: da «perigosidade» do sujeito criminoso ao(s) perigo(s) de se tornar objecto duma «personalidade criminal»... in URL: http://www.smmp.pt/celina.htm

(destaquei)

[2] Tratam-se, aqui, de entidades nosológicas que se sustentam, como nos adverte a psiquiatra inglesa Dorothy Rowe, num argumento circular: Porque a pessoa se comporta desta maneira? Porque é portadora deste transtorno mental. E por que é portadora deste transtorno mental? Porque se comporta desta maneira (cf. Introdução à Edição Britânica do livro “Making Us Crazy”, de  Herb Kutchins e Stuart Kirk, acessível  in URL http://www.dorothyrowe.com.au/)

 

[3] Confira-se, a propósito, o que ensina Elza Ibrahim no artigo Previsibilidade do comportamento do apenado: uma missão impossível, in revista do IBCCRIM 28:253.

 

[4] Delimitar os condeitos de saúde e de enfermidade mental não é tarefa fácil – como tampouco o é definir a noção de saúde  e de normalidade mental -. Se no campo da medicina somática tais noções são conflitivas, mais problemas suscitam ainda na Psiquiatria, pois as fronteiras entre saúde e enfermidade, normalidade e anormalidade parecem, em boa medida, circunstanciais, relativas e mutantes. Sem incorrer nos excessos da antiPsiquiatria, [e obvio que o conceito de nrormalidade psíquica admite diversas e contrapostas acepções: a médica (ausência de sintomas), a estatística (saúde média), a psicodinâmica (equilíbrio intrapsíquico), a subjetiva (percepção da própria saúde) a processual (seguimento do do desenvolvimento vital), a médico-legal (valoraçào judicial), etc.... Referido conceito, ademais, está inevitavelmente condicionado pelo contesxtosociocultural histórioco e pro certos processos sociais de interação” ( Antonio Garcia-Pablos de Molina, Criminologia, Uma introdução a seus fundamentos teóricos, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1992, p.183)

 

[5] Francisco Lotufo Neto, Laura Helena Silveria Guerra de Andrade e Valentim Geral Filho, in Diagnóstico e Classificação – Psiquiatria Básica org. por Mario Rodrigues Louzã Neto, Thelma da Motta, Yuan-Pang Wang e Hélio Elkis, Porto Alegre, Artes Médicas, 1995, p. 23-31

 

[6] Anota Dorothy Rowe que Benjamin Rush, o pai da Psiquiatria Americana cunhou a doença mental da “anarquia” para pessoas que não estavam satisfeitas com a estrutura política da América do Norte. Ele descobriu que as pessoas mais propícias para apresentarem a doença eram negros e brancos pobres, de forma bastante similar ao que na União Soviética chamou-se de “desilusão paranóica quanto à reforma do Estado”. (op. cit).

 

[7] Os manuais de diagnóstico atuais parecem tomados pela preocupação de se constituir uma língua comum entre psiquiatras de todo o mundo, como um esperanto que pudesse terminar com o malentendido próprio à comunicação. Baseados no ideal da visibilidade e na dualidade saúde versus transtorno, os manuais dão a impressão de se pretenderem um instrumento que associa o máximo da descrição (um paciente pode receber vários números correspondentes a múltiplos diagnósticos) dentro de um margem mínima de erro com o ideal de transmitir um modelo médico para a psiquiatria. Se o próprio médico fosse fazer, a titulo de exercício, seu próprio diagnóstico com franqueza e sem pudor, ele certamente encontraria muitos números que Ihe cabem. E assim, como, Simão Bacamarte, generalizaria a tal ponto os diagnósticos que eles perderiam totalmente seu valor clinico. Os manuais de diagnóstico são deliberadamente a-teóricos, voltando se para uma descrição que seja partilhada pela maioria dos psiquiatras do mundo. Assim toda e qualquer hipótese etiopatogênica é excluída, como também desaparece o próprio conceito de doença, uma vez que esta não deixa de estar vinculada a um processo do qual se espera conhecer, um dia, seus elementos e sua dinâmica. Fundar uma prática de diagnóstico baseada no consenso estatístico de termos relativos a transtornos, que por conseguinte devem ser eliminados com medicamentos, é abandonar a clinica feita propriamente de sinais e sintomas que remetemauma estrutura clínica, que no caso, é a estrutura do próprio sujeito” Antonio Quinet, A ciência psiquiátrica nos discursos da contemporaneidade, in URL http://www.geocities.com/HotSprings/Villa/3170/EG.htm

 

[8] Entre diversas obras que questionam amplamente os grandes catálogos de transtornos mentais, larga e acriticamente utilizados por nossos psiquiatras, destaca-se, como clássico, o livro de Herb Kutichins e Stuart Kirk, Making Us Crazy: DSM : The Psychiatric Bible and the Creation of Mental Disorders”, no qual vêm consignadas, entre muitas outras, as seguintes observações:

a)      de sua primeira edição, em 1952 para a última versão de 1994, o catálogo de doenças aumentou de cem para novecentas páginas. Nada explica tão drástico salto, a não ser que, além da ampliação dos quadros patológicos na sociedade contemporânea, os próprios médicos acabam “criando” as doenças que registram;

b)      a inclusão e a exclusão de vários transtornos no catálogo são cercadas de severos debates, movidos por interesse os mais variados, tornando o manual “um repositório de uma estranha mistura de valores sociais, compromissos políticos, evidências científicas e material para atendimento de demandas de seguradoras” (quando não da indústria farmacêutica).   Não raro a presença  de uma categoria decorre de pressão política, como aquela que ensejou, na edição de 1972 da exclusão do homossexualismo como patologia mental;

c)      A hipertrofia de catálogos como este decorre de “uma tendência crescente de se medicalizar problemas  que não são médicos, de encontrar psicopatologia onde há apenas “pathos”  e de compreender fenômenos simplesmente emprestando-lhes um rótulo e um código numérico”  O DSM ultrapassa seus limites de descrever transtornos que atormentam pessoas e famílias, “passando a definir o que nós devemos pensar acerca de nós mesmos, como devemos reagir a uma situação de stress, quanto de ansiedade ou de tristeza podemos sentir, como e quando podemos dormir ou expressar nossa sexualidade” numa clara tendência de expandir seus julgamentos  médicos para toda nossa vida cotidiana.

d)      Trata-se de um livro construído a partir de acordos entre comunidades internacionais. Ocorre que acordos não estabelecem verdades. Se dez pessoas concordarem que a terra gira em torno do sol, isto não se converterá em realidade.

e)      A validade de um transtono mental não é levada em conta. O DSM evita o problema da validade ignorando as prováveis causas dos transtornos mentais. Não se discute a causa nem a cura. Assim, desprezam-se os modelos de mundo que cada paciente constrói, privilegiando certos eventos à revelia do que tais eventos significam para as pessoas que os protagonizam. Ora, o que determina o comportameto das pessoas não são os eventos, mas sim a interpretação que se faz deles.

 

[9]  “Gostaríamos apenas de chamar a atenção para o facto do conceito de personalidade ser, por si próprio, um conceito problemático e que nos levanta dificuldades várias. Pois se este conceito foi, durante muito tempo, considerado central nas «ciências do comportamento» e gozou de um prestígio particular, hoje em dia ele é objecto de diversas críticas que salientam quer o seu carácter estático e simplista, quer a sua ambiguidade e dificuldade de definição consensual, quer ainda a linearidade e determinismo causal presentes na maioria dos modelos teóricos propostos” (Celita Manita, in op. cit)

 

[10] En la actualidad los instrumentos diagnósticos para evaluar los trastornos de la personalidad se han visto incrementados en su numero y también en su especificidad, fundamentalmente siguiendo las orientaciones diagnosticas de las clasificaciones internacionales de más frecuente uso.De cualquier manera estamos todavía lejos de alcanzar métodos de evaluación que sean plenamente satisfactorios. La propia complejidad de los trastornos de la personalidad, las diferentes orientaciones, no siendo aventurado afirmar que lo que se conoce de los trastornos de la personalidad es aún escaso y poco preciso y, por ello, el desarrollo de las técnicas de evaluación y de intervención es así mismo muy precario.Otra dificultad es la relativa a que identificar un patrón de conducta es difícil mediante una única entrevista, la influencia de los valores culturales, hacen que estos deformen la información, tal y como ocurre en las escalas de evaluación del trastorno antisocial de la personalidad que por estar realizado dentro de parámetros de la cultura calvinista-protestante, los criterios diagnósticos están muy criminalizados si los comparamos con nuestro entorno.

http://usuarios.discapnet.es/border/tlprubio.htm

 

[11] Thelma da Motta, Yuan-Pang Wang e Mario Rodrigues Louzã Neto, in op. cit. p. 250)

[12] Eillen Walkenstein, in Bitolando pela Psiquiatria, a desumanização na terapia, São Paulo, Brasiliense, 1980, de forma enfática, reforça esta análise: “Um diagnóstico psiquiátrico é como uma condenação prisão, um registro permanente em seu prontuário e que o segue onde quer que você vá. Apear de os psiquiatras saberem quão pouco valem seus diagnósticos, teimam em representar o papel de juízes e vem baixando sentenças irrecorríveis” (...). Uma condenação para toda a vida, uma condenação que ataca e substitui a vida a despeito de a experiência nos dizer ser impossível que dois psiquiatras concordem com um determinado diagnóstico, qualquer que sejam as circunstâncias em que foi elaborado” (p.33)

 

[13] Garcia-Pablos de Molina confirma: “No momento de verificar possíveis conexões entre anomalias ou transtornos psíquicos e crime, o conceito de psicopatia ocupou um papel fundamental, apesar de que sua delimitação não estimule consenso algum (com razão já se disse que não existe ‘o’ psicopata nem dois psicopatas iguais (...). Em meados do presente século mais de duzentas expressões distintas e inclusive contrapostas  eram utilizadas como sinônimas de psicopatias, atribuindos-se quase sessenta características diversas à personalidade psicopática e mais de três dezenas de comportamentos chegaram a se associar a esta anormalidade, conforme Cason (in op. cit., p. 183).

 

[14] Indicadores a, b, c e d extaídos de Garcia-Pablos de Molina, op.cit. p. 116

 

[15] A missão do juiz, pois, não é proteger o “cidadão de bem” da sanha dos criminosos. O nobre desembargador aposentado Alberto da Silva Franco, in Crimes Hediondos, São Paulo, RT, 1994, p. 54 ensina: “No Estado de Direito, o Juiz Criminal não tem (...) o encargo de bloquear a maré montante da violência ou de refrear a criminalidade agressiva  ousada: o Estado verdadeiramente democrático reservou, para tais fins, outros órgãos de sua estrutura organizacional. A missão do Juiz Criminal é bem outra: é exercer  a função criativa nas balizas da norma incriminadora, é infundir, em relação a determinadas normas punitivas, o sopro do social; é zelar para que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial dos direitos do cidadão; (...) é, em resumo , ser o garante da dignidade da pessoa humana e das estrita legalidade do processo.

 

[16] A propósito, consulte-se a “Carta de Transdisciplinariedade”, adotada no 1º Congresso Mundial da Transdisciplinariedade em Portugal, 1994, onde se questiona “qualquer tentativa de reduzir o ser humano a uma mera definição e dissolvê-lo nas estruturas formais”; advogando-se a necessidade do “reconhecimento da existência de diferentes níveis de realidade regidos por lógicas diferentes” (in URL www.cetrans.futuo.usp.br/cartadastransport.html)

 

[17] In Direitos Humanos e Infância no Brasil hoje: Reflexões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.  Tania da Silva Pereira (coord.), Estatuto da Criança e do Adolescente. Estudos Sócio-Jurídicos. Rio: Renovar, 1992, pp. 119/122.

 

[18]  “A atuação jurídica, no caso em que estão envolvidos doentes mentais surge no discurso de juristas como preventiva, desprovida de aflição, determinada com base na periculosidade e voltada para um crime futuro(Oliveira e Silva, 1942; Hungria & Fragoso, 1978; Delmanto, 1991; Cohen, 1996a). O ato cometido não apresenta uma relação direta com a medida de segurança estabelecida, sendo considerado um sintoma do estado perigoso” (Hungria & Fragoso, 1978) in Maria Fernanda Tourinho Peres; Antônio Nery-Filho e Alberto Soares Lima-Jr. A estratégia da periculosidade: psiquiatria e justiça penal em um hospital de custódia e tratamento * Disponivel em URL: htt:/www.psychiatryonlinebrazil.com/

 

[19] Sobre a ótica criminológica embutida na nova lei, sugerimos a leitura de   A criança e o adolescente em conflito com a lei da lavra do Desembargador Antonio Fernando do Amaral e Silva, atual presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina in URL http://www.tj.sc.gov.br/cejur/artigos/doutrina/conflito.htm

 

 

[20]  “A produção deste mito da periculosidade desvia a atenção do centro da problemática e das variáveis econômicas, sociais, políticas e culturais para reduzi-la a uma análise comportamental, como se o ato infracional cometido fosse apenas o resultado de um distúrbio da personalidade. Desta forma, remete-se a responsabilidade ao indivíduo, sem questionar as relações sociais, os valores, a moral, a distribuição das riquezas e a sociedade como um todo, enfim”. ( VOLPI, Mário in “O adolescente e o ato infracional”, Revista do ILANUD, n. 14, p. 27)

 

[21] in Psicologia Jurídica no Brasil, URL http://www.psicologia-online.org.br/aaguiar.html consultado em 8.02.99.

 

[22] A propósito confira-se o texto Punição: Paradoxo de uma Sociedade Democrática, URL http://www.abmp.org.br/sites/frasseto.

 

[23] Antonio Fernando do Amaral e Silva In Reduzir a maioridade penal não é solução, http://www.tj.sc.gov.br/cejur/artigos/doutrina/

 

[24] Não cabe dizer-se cinicamente que a lei falhou até porque, como melhor se explorará abaixo, a própria Psiquiatria recusa diagnóstico de transtorno de personalidade para adolescente.

 

[25] Confira-se, a propósito, a obra clássica de Philippe Aries – História Social da Criança e da Família. Rio: LTC, 1981, 2ª ed.

 

[26] “Educar é sempre uma aposta no outro. Ao contrário do ceticismo dos que querem “ver para crer”, costuma-se dizer que o educador é aquele que buscará sempre “crer para ver”. De fato, quem não apostar que existam, nas crianças e nos jovens com quem trabalhamos, qualidades que muitas vezes não se fazem evidentes nos seus atos, não se presta, verdadeiramente, ao trabalho educativo” Pedagogia da Presença, in URL www.abmp.org.br, acessado em 21.03.99.

 

 

 

 

[27] Geraldo José Ballone, in o Diagnóstico em Psiquiatria ( URL http://www.psiqweb.med.br/) nos ensina que um poderoso critério de definição do  diagnóstico psiquiátrico, ao lado do estatístico e valorativo, é o “intuitivo”. Pode-se conjecturar, pois, que o recurso a esta fonte de conhecimento (válida como instrumento de pesquisa, mas nunca para fundamentar determinada conclusão) – com sua natural ruptura do processo lógico de construção do saber – passa a ser o instrumento que confere ao Psiquiatra e saber sobre-humano. Neste sentido, chama a atenção a notória importância emprestada pelos profissionais à “experiência”  profissional como consolidadora da confiabilidade da perícia – confiram-se itens 3, 6, 8.4 e 8.5. Ora, uma decisão judicial não pode assentar-se em fundamentos não racionais. Parece óbvio.

 

Diagnostico de los trastornos de la personalidad, cit.

 

[28] Maranhão, O. R., op. cit, pp. 78/79.

 

[29] Confiram-se quais são estas diretrizes diagnósticas gerais na p. 198 da citada edição do CID.

 

[30] Idêntico é o posiconamento da melhor jurisprudência no próprio âmbito da execução criminal: “No processo de execução onde existe dúvida quanto à satisfação ou não dos requisitos do réu para a progressão de regime, deve esse ser favorecido e não a sociedade, pois os princípios norteadores do processo de conhecimento também se aplicam na execução (TACRIMSP – RA – Rel. Silva Pinto – RJD  13/29)

 

[31] Mackinnon e Yudosfsky, A avaliação psiquiátrica na prática clínica – Porto Alegre, Artes Médicas, 1988, p. 89

 

[32] Harold Kaplan, Benjamin Sadock e Jack Grebb – Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997, p. 693

 

[33] Harold Kaplan, Benjamin Sadock e Jack Grebb – Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997, p. 693