A CRIANÇA E SUA CONVENÇÃO NO BRASIL: PEQUENO MANUAL [1]

 

 

Edson Seda

 

 

Sumário:

1a. parte: Sujeito e cidadão

2a. parte: O Vitimado

3a. parte: O Vitimador

4a. parte: A dinâmica da proteção integral

 

 

 

 

 

[1] Este texto refere-se à publicação “A criança e sua convenção no Brasil”, de Edson Sêda, publicado por Edição Adês, em 1998.

A coordenação do ACERVO  optou por manter a formatação do original.

 

 

 

 

 

1a. parte: sujeito e cidadão

                                  

UMA DOUTRINA ANTIGA

                                                                                                                                 

É do conhecimento geral entre os que estudam a matéria, que até fins da década de 1980 vivíamos sob uma doutrina social e legal para meninos e meninas que era uma doutrina da menoridade absoluta, também conhecida como doutrina da situação irregular.

 

Essa doutrina via crianças e adolescentes como menores ou em situação irregular porque através dela se viam meninos e meninas não naquilo que eram (seres regulares), mas naquilo que não eram (seres irregulares). Não eram capazes, não eram sujeitos de direitos e de deveres, não eram autônomos em relação aos seus pais ou em relação ao Estado.

 

 

DA INCLUSÃO SOCIAL

 

Esse sistema da menoridade absoluta ou da situação irregular era um sistema de exclusão social e ética de crianças consideradas menores. Agora, queremos saber como incluir, não excluir, meninos no mundo das pessoas que convivem socialmente.

 

 

DAS INCLUSÕES E DA EXCLUSÃO

 

Quando criamos instituições para excluir meninos e meninas da convivência entre as pessoas (internatos, intervenções abusivas da família sobre as crianças, abusos ou omissões das empresas, da escola ou do Estado, por exemplo) nós as estamos tratando como menores, objetos dos adultos que se consideram maiores, e não como crianças e adolescentes, sujeitos sociais em si mesmos.

 

Na nova visão, a sociedade se organiza através de mecanismos sociais que tornem meninos e meninas incluidos no sistema de convivência social, de educação, saúde, esporte, cultura, lazer, segurança pública, justiça, trabalho, produção e consumo, etc.  Incluidos no sistema social, não por mera vontade dos pais ou responsável, ou pela vontade de uma autoridade do Estado (que fariam o contrário se assim o quisessem). E sim, porque são o que são em si mesmos, e têm uma vontade própria que podem manifestar, e têm um sentimento pessoal do mundo.

 

Isso quer dizer o seguinte: crianças e adolescentes devem ser incluidos no sistema de vida de uma sociedade (conviver em família, em comunidades e em suas relações de produção e consumo ou com os poderes públicos) pelo fato relevante de que efetivamente são cidadãos e por conseguinte são sujeitos de direitos e de deveres. Dito de outra maneira, são incluidos no sistema social de vida das pessoas não para serem cidadãos (ou sujeitos de direitos e deveres) no futuro mas por serem cidadãos (e sujeitos de direitos e de deveres) aqui e agora.

 

 

O SISTEMA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

 

A mudança nesse modo de sentir e pensar o mundo infanto-juvenil se deve a um novo sistema que estamos construindo para o século XXI e para o terceiro milênio do cristianismo: o sistema da Proteção Integral à Cidadania. Nele se quer a proteção de meninos e meninas não em instituições para menores mas no sistema multiparticipativo e aberto da cidadania social, cujos sujeitos são anciãos, adultos, adolescentes e crianças. Nesse sistema, crianças e adolescentes - como os anciãos e os adultos - são sujeitos e são cidadãos.

 

 

COMO AGIR SEM EXCLUSÃO SOCIAL

 

Quem pensa e sente as pessoas segundo essa percepção, quer integrar todos, sejam crianças e adolescentes ou adultos e idosos, nos mecanismos que levam aos benefícios públicos de produção e consumo de bens, de educação, saúde, esporte,  cultura, lazer, segurança pública, justiça, vida em família e em comunidade. Espera-se que fazendo um esforço para isso, se esteja trabalhando por uma sociedade que permanentemente combata toda forma de exclusão social (Na velha doutrina - assistencialista - reclamava-se por uma sociedade justa para combater a exclusão. Na nova - dialeticamente - eu combato a exclusão social como caminho para chegar a uma sociedade justa).

 

                                        

 

Assim sendo, construir o novo sistema de respeitar a cidadania, significa criar uma nova tradição em que alteramos as antigas tradições (antigos hábitos, usos e costumes) que ameaçam e violam direitos e significa mantermos as tradições que respeitam os direitos agora eticamente reconhecidos como exigíveis. Descreverei em seguida como se estão criando mecanismos sociais para efetivar essas exigências no Brasil, a partir de 1990. Em outras palavras: como, depois da Convenção de 1989, se criam no país mecanismos de exigibilidade de direitos.

 

 

A NOVA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

 

Essa mudança de sistema leva a uma importante mudança de percepção na condição cidadã: Deixar de pensar e sentir a democracia como mero processo de representação do povo (democracia representativa) e passar a pensar e sentir a democracia como um duplo processo de representação e de participação. Essa é a nova democracia participativa que as pessoas (participando) constróem no dia a dia  de suas vidas rumo à ética do novo milênio.

 

Poucas vezes as pessoas têm oportunidade de  avançar numa mudança tão significativa na história da humanidade. Em quinhentos anos de história, controlando a sociedade, os Estados latino-americanos e do Caribe (herdeiros do autoritarismo europeu de Espanha, Portugal, Inglaterra e França) negaram participação.

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 A TRADIÇÃO E A ÉTICA                                 

 

Se nós queremos uma ética nova, nós devemos nos afastar das tradições que criaram os vícios da sociedade na qual não se percebem as pessoas como sujeitos. E devemos manter as tradições que ajudam a viver melhor, com equidade, respeito ao próximo e equilibrio entre direitos e obrigações. Sem programas organizados para esse fim, jamais nos afastaremos das tradições que vulneram direitos.

 

 

Por que estou reafirmando coisas tão óbvias? Exatamente porque muitas pessoas rechaçam a nova ética, com o argumento de que ela entra em choque com a tradição em que foram acostumados a viver: Viver segundo tradições que desrespeitam a cidadania, que desrespeitam os sujeitos, que desrespeitam direitos humanos. A prática indica que, onde não se respeitam direitos de adultos e idosos, também não se respeitam direitos de crianças e de adolescentes.  E vice versa.

 

 

OS DIREITOS E A CONVENÇÃO DA CRIANÇA

 

Quando escrevo este texto, ainda está em moda o conceito de globalização, como fenômeno econômico-financeiro. Mas houve também, no Século XX, uma globalização progressiva em relação à criança, primeiro com a Declaração de Genebra em 1924, depois com a Declaração dos Direitos da Criança de 1959 e finalmente, com a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989. Essa globalização imperfeita em sua construção histórica pode e deve agora ser aperfeiçoada.

 

 

A IMPERFEITA GLOBALIZAÇÃO

 

Depois de 1924 tivemos a grande crise financeira mundial de 1929, que destruiu as economias capitalistas, seguida pela Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria entre capitalismo e comunismo. Dos escombros de 1945 surgiram as convicções para a Declaração dos Direitos da Criança de 1959.

 

Essa Declaração, nos trinta anos seguintes, foi muito falada e nada cumprida. Aos paises ricos parecia, arrogantemente (e a muitos ainda parece), que tratar de direitos da criança era coisa dos subdesenvolvidos. Já aos paises pobres parecia, subdesenvolvidamente, (e a muitos ainda parece) que o mundo dos direitos da criança somente é possivel em paises ricos e maduros em sua organização social.

 

 

 

Agora, com a Convenção de 1989, que não é uma nova Declaração, mas um compromisso de efetividade da velha, o Brasil  – como se mostrará a seguir - vem procurando aproveitar a oportunidade para fazer desse esforço de efetividade uma alavanca para o desenvolvimento. Ou seja, a idéia agora não é esperar desenvolver para depois falar em garantir direitos. Não. Procuram-se criar estruturas sociais que trabalham pela garantia de direitos como estratégia para alcançar o desenvolvimento sustentado, aquele que se sustenta a si mesmo através da formação dos recursos humanos como motor do progresso dos povos.

 

 

AS SOCIEDADES, AUTORAS DA LEI

 

Este texto se escreve antes do ano 2.000. Nesse final de século e de milênio, estamos assistindo a comunidades que, aprendendo a se mobilizar, estão se mobilizando, para criar as normas que devem ser assumidas pelas pessoas para mudar o padrão de relacionamento entre a lei e a criança, o Estado e a criança, a família e a criança, a escola e a criança, o adulto e a criança e assim por diante.

 

Essa mobilização é desigual entre indivíduos, grupos, cidades, regiões ou paises, mas existe. Na sequência deste texto darei informações mais precisas sobre esse processo. Por enquanto basta dizer que, se as comunidades não se mobilizam, a criação do novo sistema fica prejudicada e a mudança não ocorre.

 

Logo em 1990, a primeira sociedade  a engendrar esse processo de mudança foi o Brasil, país que é hoje um laboratório vivo dos êxitos e dos equívocos na aplicação das normas constantes da Convenção. Depois de quatro anos de discussão (pública e abrangente), a sociedade brasileira (através de Organizações Não Governamentais) aprovou e levou  ao Congresso Nacional o novo Estatuto que considera criança o cidadão até 12 anos de idade incompletos e adolescente o cidadão entre doze e dezoito anos.

 

No Brasil, propostas extremas (excesso de rigor ou de brandura que contrariavam o justo equilíbrio) não foram aprovadas. Por isso, todo extremista é inconformado com o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. O Estatuto busca o equilíbrio. Só é radical em combater ameaças e violações de direitos.

 

 

A CONVENÇÃO FIRMADA PELOS PAISES

 

Crianças e adolescentes com direitos reconhecidos tem a ver com os quatro compromissos assumidos pelos países ao firmarem a Convenção dos Direitos da Criança em 1989. O caso do Brasil foi muito peculiar. Ao contrário dos demais paises, primeiro os brasileiros puseram os princípios da nova cidadania infanto-juvenil em sua Constituição (1988) e depois firmaram a Convenção (1989). Mas os brasileiros, ao constitucionalizarem a matéria, sabiam (os que se ocuparam disso) que iriam firmar a Convenção no ano seguinte e iriam construir, participativamente, seu Estatuto, que como se viu, democraticamente, afasta-se dos extremos e só é radical em defender direitos de todos: de anciãos, de adultos, de adolescentes e de crianças.

 

 

OS QUATRO COMPROMISSOS INTERNACIONAIS

 

Todos os paises, menos dois, quando se escreve este texto, assinaran a Convenção. Eticamente, tal signatário se compromete a adotar medidas para efetivar os direitos reconhecidos. Essas medidas são de quatro tipos: 1.educativas (para idosos, adultos, adolescentes e crianças); 2. Sociais (mobilização de comunidades); 3. Administrativas (eficiência e eficácia); e 4. Legais, para que famílias, comunidades e governo assegurem a  efetivação dos direitos da criança e do adolescente. Notar que as medidas legais são apenas uma terça parte dos compromissos, que são quatro.

 

 

DE DIREITOS E DE OBRIGAÇÕES

 

Quem tem direitos, automaticamente tem deveres. Incluir crianças e adolescentes no mundo do Direito (como sujeitos de Direito, ou em outras palavras, como sujeitos jurídicos) os transforma em sujeitos de direitos e de obrigações (deveres). Esse reconhecimento está na base interdisciplinar da Convenção.

 

É um erro grave de percepção sequer pensar que no processo de formação (educação) de uma criança se venha a incutir-lhe o sentir e o pensar de que é dotada de direitos, sem incutir-lhe o pensamento e o sentimento de que é dotada de deveres.

 

 

O QUE SIGNIFICA BRINCAR

 

Incutir na criança os limites sociais implica em respeitar o seu direito de brincar. Brincar para a criança é o meio de exercer a capacidade de relacionamento consigo mesma, com o mundo e com a sociedade de que faz parte e onde, progressivamente,  passa a amadurecer.

 

                                                               

SER VÍTIMA E FAZER VÍTIMA

 

Quando se dá prioridade à criança e ao adolescente na relação social  se está procurando compensar sua distância social para com os adultos (crianças são sujeitos mais débeis ou física, ou psicológica ou éticamente, embora completos como sujeitos). Essa prioridade é devida à criança e ao adolescente seja quando são vítimas de alguém, seja quando fazem alguém de vítima. A Convenção prevê que cada sociedade (cada país, cada Estado) deve criar normas para se agir em cada caso, buscando sempre novos hábitos, usos e costumes.

                                                            

 

É preciso cuidado ao argumentarmos com a tradição. Não esquecer nunca que no novo paradigma (que é ético e transformador) se deve manter a tradição que garante e alterar a tradição que viola direitos (de todos, idosos, adultos, adolescentes ou crianças, porque a todos se percebem incluidos no mundo da cidadania).

 

Sob qualquer ponto de vista (genético, psicológico, social, jurídico, etc, inclusive do senso comum) não é correto se afirmar, no paradigma da Convenção, que crianças (e naturalmente adolescentes) são absolutamente irresponsáveis. No novo paradigma, crianças e adolescentes respondem por seus próprios atos segundo o seu grau de desenvolvimento (de discernimento, de capacidade natural ou cultivada de percepção ética). Ver nesse sentido, por exemplo, o artigo 12 da Convenção.

 

 

OS RECURSOS DAS COMUNIDADES

 

O Estatuto brasileiro da criança e do adolescente, primeiro (1990), e a lei de outros paises, depois, passaram a falar em destinação privilegiada de recursos para a proteção de ameaçados e violados em seus direitos, quando alguém é vítimado ou faz vítima. Comunidades (modestas ou abastadas) podem mobilizar recursos humanos, técnicos e materiais. São quatro os compromissos que os povos assumem com a Convenção: 1. De educar; 2. De mobilizar; 3. De administrar; 4. De legislar. A lei é apenas uma quarta parte dos fatores que garantem os recursos.

 

Darei um exemplo extremo e muito eficaz para demonstrar como se cumprem esses quatro compromissos em comunidades que tradicionalmente se julgavam a si mesmas e eram julgadas pelos outros incapazes de resolver certos problemas. Os municípios do Estado de Ceará no Brasil, dos mais pobres do país, baixaram a mortalidade infantil aos melhores níveis brasileiros.

 

Para isso, ONGs do Ceará mobilizaram como recursos humanos, mães de família e grupos de vizinhança; Utilizaram como recurso técnico o aprendizado de lavar as mãos para não contaminar alimentos, fazer o soro caseiro (água, sal e açucar) e filtrar a água; Transformaram em recursos materiais para sua ação os meios de transporte simples da comunidade (o burro, a bicicleta, etc.) e sua capacidade histórica (herdada dos ancestrais indígenas) de construir vasilhas de barro, para fazer filtros; Usaram como recurso legal o Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

O povo do Estado do Ceará, através de seu Governador (que não recebeu o prêmio em seu nome), recebeu em Nova York um prêmio internacional por esse exemplo de efetividade. Efetividade é o conceito utilizado dezesseis vezes no texto da Convenção para entendermos que o compromisso agora não é o de falar em direitos, mas sim o de praticar direitos.

 

 

O ESTADO NÃO É O GOVERNO

 

Vivemos ainda numa época em que as sociedades formadas por idosos, adultos, adolescentes e crianças se organizam em Estados. Mas, quando as pessoas falam do Estado, geralmente estão pensando no Governo. Questão de paradigma: o Governo não é o Estado. É apenas uma parte do Estado. O Estado é a própria sociedade jurídica, política e administrativamente organizada. Há técnicas (modos de fazer com eficiência), que podem ser aprendidas, para garantir a participação das pessoas nas decisões que se referem aos problemas das comunidades, das famílias e do mundo infanto-juvenill.

 

 

A OMISSÀO E O ABUSO

                       

O primeiro recurso técnico é de natureza conceitual: é pensar o mundo do Direito, como o mundo das regras da cidadania. As regras da cidadania são as regras da convivência social: a convivência entre pais e filhos, entre professores e alunos, entre autoridades e cidadãos, além da convivência dos filhos entre si, bem como dos alunos, das autoridades e dos cidadãos uns com os outros.

 

 

INTER E MULTIDISCIPLINAR

                                                                                             

Muitos médicos, psicólogos, pedagogos, sociólogos, jornalistas, juristas fazem um esforço para que, no final do Século XX e no início do Século XXI haja a necessária mudança de paradigma. Isso se faz levando em conta que o mundo do Direito passa por todas as disciplinas da ciência do homem. É interdisciplinar. Forma-se na interação das disciplinas. Faz-se transdisciplinar, indo além da mera possibilidade de que qualquer ramo do conhecimento possa esgotar a matéria.

 

                

O QUE SÃO SERVIÇOS PÚBLICOS?

 

Não se pode pensar e sentir criança e adolescente como sujeitos de Direito sem levar em conta o papel dos serviços públicos. Ou seja, os serviços que são do interesse público, do bem comum. Privados, são os do interesse de particulares. Entre os quatro compromissos dos que firmam a Convenção está o de adotar medidas sociais. Para povos que se acostumaram a governos autoritários e paternalistas, a principal medida social agora é transformar a percepção que as pessoas têm do Estado.

 

Na nova percepção (já tradicional mas também nem sempre corretamente entendida nas sociedades maduras e socialmente bem organizadas) o Estado é a própria sociedade que se organiza para resolver seus problemas. Para tanto, segundo o paradigma do Estatuto brasileiro, serviços públicos, que são os voltados para o bem comum e não para os interesses de particulares, são exercidos por Organizações (OGs) Governamentais ou por Organizações Não Governamentais (ONGs).

 

 

NOVAS ESTRUTURAS DE PARTICIPAÇÃO

 

Pioneiramente, no Brasil - com a Constituição de 1988 e com o Estatuto de 1990 - os serviços e programas públicos para crianças, adolescentes e apoio a famílias são planejados, executados e controlados por organizações governamentais (OGs) ou não-governamentais (as chamadas ONGs). Para se esclarecerem sobre o assunto, os interessados poderão ler, cuidadosamente, os pioneiros artigos 227, 7o ; 204, II da Constituição e 86, 88, II e 90 do Estatuto brasileiros.

 

 

PRIORIDADE NA ATENÇÃO

 

Serviços públicos planejados, executados e controlados por organizações do governo (OGs) ou por ONGs devem se ater às normas de prioridade no atendimento a crianças e adolescentes, se querem ser éticas, justas e responsáveis. Serviços de educação, saúde, esporte, cultura, etc. devem adaptar-se à prioridade. Inadaptados, o Estatuto brasileiro (ético) tem regras (artigos 208 e seguintes) para forçá-los a isso.

 

Isso significa que os municípios devem aproveitar suas ONGs ou criar novas ONGs para desempenhar papéis em serviços de orientação e apoio a famílias, vizinhanças, grupos, pessoas, etc., onde a atenção ao novo paradigma da criança e do adolescente seja prioritária.

 

Falhando essa prioridade, essas organizações da comunidade vão ao Estatuto e lá procuram os mecanismos que permitem efetivar a precedência e a prioridade não cumpridas. Cada país deve criar seu conjunto de regras eficazes para esse fim e o Brasil fez isso.

 

 

 

SER ÉTICO E RESPONSÁVEL PARA GARANTIR DIREITOS

                                                                                 

Critérios éticos internacionais e nacionais, formalmente adotados pelo Brasil definem como toda criança e adolescente, como pessoa humana, deve estar a salvo de qualquer forma de discriminação, negligência, opressão, violência e crueldade. Isso, se queremos ser éticos, justos e responsáveis.

 

                                              

NORMAS PROGRAMÁTICAS E OPERATIVAS

 

No Estatuto brasileiro, o Livro I (artigos 1 a 85) é a parte programática; o Livro II (86 a 267) a operativa. O Livro II diz como cidadãos e autoridades agem para corrigir omissões e abusos que ameaçam e violam direitos previstos no Livro I.

 

Exigibilidade e eficácia dependem de: 1.Educar; 2. Mobilizar; 3. Administrar 4. Legislar. Se queremos efetividade, tanto o Estatuto, quanto as leis de outros paises que o sucederam, dependem de: educação (comunitária), mobilização (através de ONGs), administração (técnicas de eficiência e eficácia).

 

    

A PARTE  PROGRAMÁTICA DA GARANTIA DE DIREITOS

 

A lei brasileira contém regras escritas para se corrigirem omissões e abusos que sempre existem, estatisticamente são normais e ameaçam e violam direitos de crianças (nas famílias, escolas, comunidades, serviços públicos, empresas, etc.). Para que saibamos quais são as situações em que se ameaçam e violam direitos, a lei descreve quais são as situações em que direitos são garantidos.

 

Essa é a parte da lei que contém normas programáticas. É aquela parte da lei que descreve o que é exigível. Ou seja, descreve a situação desejável para que os desvios reais de omissão ou abuso sejam identificados e corrigidos. Programaticamente se explicitam as formas em que se vai exigir como se faz a garantia do direito à vida, à alimentação, à saúde, à educação, ao esporte, à cultura, à nacionalidade, ao nome, à dignidade, à liberdade, assim como o direito de não ser maltratado, nem vítima de negligência, discriminação, violência ou opressão.

 

Certos setores sociais, ignorantes do novo paradigma no Brasil e nos outros países, andam criticando essa parte programática. Dizem que ela diz uma coisa e na realidade ocorre o contrário. Exemplo: Programaticamente, crianças têm direito à vida, à saúde, à educação, etc. Na prática, crianças morrem, ficam sem vacina ou estão fora da escola. Para esses setores a lei é absurda, ou utópica, ou romântica, ou feita por irresponsáveis. Dizem que estamos construindo na América Latina leis suíças para povos subdesenvolvidos.

 

Ponhamos pois as coisas nos devidos lugares: Há o compromisso de efetivar esses direitos, quando o país firma a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989.  A parte programática da lei (no Brasil, o Livro I, artigos 1 a 85) define o rumo juridicamente exigível (criança viva, vacinada, na escola, etc.), para que se possam caracterizar os desvios (criança morrendo, não vacinada, deseducada).

 

Diante do desvio, a segunda parte da Lei, no Brasil (O Livro II, artigos 86 a 267), como num menu, diz quais são os ingredientes que a cidadania pode reunir para obter efetividade, ou seja, transformar os desvios de omissão ou de abuso em uso da norma correta (ter criança viva, com saúde, educação, etc. No caso do adolescente vitimador, ter, por exemplo, programa socio-educativo adequado)  Esses ingredientes tem a ver com os compromissos que são mencionados dezesseis vezes no texto da Convenção: educar e mobilizar comunidades (criando ONGs) e adotar providencias administrativas governamentais e não governamentais corretas.

 

 

                                                                                                 

OGs E ONGs

 

Materializando o novo paradigma, a Constituição brasileira introduziu pela primeira vez o princípio do Estado Participativo. Rompeu com a tradição do Estado meramente representativo. Introduz norma programática para uma nova tradição participativa, a ser construida, com as ONGs participando da execução e também da formulação da política pública. Quando  fala em participação (art. 204, II), a Constituição do Brasil quer dizer que na política de Estado (o todo) o Governo é uma parte e as ONGs são outra parte (a participação se dá entre partes de um todo) para formular a política dos direitos da criança (artigo 227, parágrafo 7o ).

 

Associações, clubes, grêmios, Fundações, etc. devem representar-se nos Conselhos para definir como crianças e adolescentes terão direito à vida com saúde, educação, cultura, dignidade, etc. e como adolescentes infratores terão programas socio-educativos para integrá-los no mundo da cidadania, afastando-os do mundo da anticidadania. Ou seja, a norma legal cria regras para que, socialmente,  os que querem participar tenham a segurança jurídica da participação. Se alguém lhes nega o direito de participar, elas terão, nos tribunais, novos instrumentos para fazer valer essa regra da democracia participativa.

 

Daí a importância do conceito e da prática dos direitos difusos. Somente se podem garantir direitos potenciais (difusamente distribuidos nas comunidades) se o sistema criado em lei contém mecanismos para forçar as autoridades públicas a fazer coisas que garantam direitos e a deixar de fazer coisas que os violam.

 

Na organização social das comunidades garantem-se os direitos difusos  através de competentes ONGs; Na organização administrativa, através de Conselhos de participação bem estruturados; Na organização judicial (não confundir com jurídica), através de tribunais,  com promotores e juizes comprometidos com o paradigma da Convenção.

 

 

ANTICORPOS PARA A DEFESA DA CIDADANIA

 

Nessa concepção de estrutura social não se fala de direitos da criança e do adolescente sem que se pense e se sinta a sociedade (através de organizações representativas) controlando o Estado junto com o governo de turno. Ou seja, os governos controlam o Estado, como sempre fizeram. A novidade é que agora os governos devem compartilhar isso com as comunidades potencialmente ameaçadas ou violadas em seus direitos que, através de ONGs, protagonizam o controle em Conselhos Públicos corretamente regulamentados. Na Quarta parte deste texto será detalhado como esse compartilhar que envolve aspectos sociais, educativos e administrativos, é constitucional e legal.

 

 

 

PARA ALTERAR A TRADIÇÃO JURÍDICA

 

O Brasil cria hoje uma consistente inversão do tradicional controle (autocrático) do Estado sobre a sociedade. No novo paradigma, os anticorpos para a defesa da cidadania estão tanto no leite materno, como fonte de vida e de saúde, quanto nos Conselhos que formulam a  política social de forma participativa. Para vítimados e para vitimadores, como se verá a seguir.

 

 

 

2a. parte: o vitimado

 

O QUE É SER VÍTIMA NO NOVO SISTEMA

 

No paradigma do Estatuto, ser vítima é ser ameaçado ou violado nos próprios direitos. Desde logo se percebe que há graus de vitimação. Discriminar, negar vacina na política de saúde ou matrícula a criança numa escola pública são formas de vitimá-la. Maltratá-la na família ou fora dela, assim como deixar de prover recursos no orçamente público também são. As muitas formas de exclusão social de famílias e crianças no atendimento às necessidades básicas humanas são as mais preocupantes  violações de direitos ou formas de vitimação da cidadania.       

 

 

ATENÇÃO CONTRA MAUS TRATOS

 

Na concepção brasileira de proteção integral à cidadania, como já vimos, e detalharemos ao final, governados e governantes co-participam da formulação e do controle da política de Estado. Novas instituições estão sendo criadas para que o controle da garantia de direitos seja permanentemente movimentado através de mecanismos inovadores.

 

Tradicionalmente, todo caso de maltrato a crianças ia parar no âmbito do Poder Judiciário, única instância que detinha o poder para ditar o que era de direito e fazer o controle das omissões e dos abusos. O Brasil inovou criando nova instituição representativa das próprias comunidades e com poderes de decisão. Esse é o processo de desjudicialização de questões que podem ser resolvidas em outras instâncias que não a via judicial, pois esta é cara, lenta e cheia de complexas formalidades. 

 

Agora, no Brasil, toda suspeita e toda confirmação de maus tratos devem ser obrigatoriamente comunicadas ao Conselho Tutelar da localidade. O Conselho Tutelar são cinco pessoas, escolhidas pelas comunidades. Juntas, as cinco pessoas formam um novo tipo de autoridade pública de cada município do país. Estamos aqui na esfera da construção de um novo sistema, uma nova tradição: novos hábitos, usos e costumes. No Brasil muitos municípios erram, por não perceberam o novo paradigma: Criam o Conselho Tutelar como se ele fosse um órgão assistencial, coisa que ele, em sua concepção jurídica, institucional e administrativa, não é. Assistenciais são os programas de proteção e os programas sócio-educativos.

 

 

O CONSELHO TUTELAR

 

No Brasil, o Conselho Tutelar é uma autoridade pública municipal com cinco pessoas que assumem cerca de oitenta por cento dos casos que eram atendidos por outra autoridade pública, antes estadual, o antigo juiz de menores. A função de atender ameaçados e violados em seus direitos, organiza-se melhor agora no âmbito municipal. Decisões que antes eram jurídicas jurisdicionais (jurídicas aplicadas por um juiz), modernizando, agora são jurídicas administrativas (jurídicas aplicadas por uma autoridade administrativa, o Conselho Tutelar). Quem viola a força jurídica do Conselho Tutelar, paga multa.

           

 

 

Nos centros urbanos maiores e mais complexos, esse órgão pode exercer, na prática, a interdisciplinariedade. No caso brasileiro pode ser formado, como exemplo, por um advogado, um psicólogo, um pedagogo, um assistente social e um administrador, os cinco em conjunto formando uma autoridade com poderes administrativos para apontar soluções (com força legal) para casos de ameaças ou violações de direitos de crianças e adolescentes. 

 

Esse Órgão que no Brasil se chama Conselho, em outros paises passou a se chamar Junta (Guatemala), ou Comitê (Costa Rica), ou Defensoria (Perú), ou Serviço (Bolívia) Nos municípios menores brasileiros esse Órgão será composto por pessoas sem a exigência de especialização técnica, mas que, ainda assim, treinados, poderão solucionar problemas segundo o novo paradigma  e com respeito às idiossincrasias locais.

 

 

OS TRES NIVEIS DA GARANTIA DE DIREITOS

 

Antes se falava em famílias, em pessoas, em crianças em situação de risco pessoal ou social. Alguns ainda falam. Quando da discussão do Estatuto brasileiro, se chegou à conclusão que esse conceito de situação de risco é eufemístico e imprestável para a organização de um sistema de proteção integral à cidadania. Um dos anteprojetos do Estatuto chegou a incorporar esse conceito de risco, mas foi abandonado.

 

 

O conceito é eufemístico porque se diziam (muitos ainda dizem) em situação de risco por exemplo, meninos que vivem na rua, que não frequentam escola, são explorados por adultos, bandos ou quadrilhas. No novo paradigma, essas crianças não estão em situação de risco. Estavam antes. Agora, se se encontram nessas situações, estão excluídas do sistema correto de proteção à cidadania que é a proteção integral. Estão violadas em seus direitos de não viverem na rua, não serem exploradas, terem um responsável civil, etc. etc.

 

 

O conceito de situação de risco é imprestável porque o que devo perguntar é se essa pessoa está ou não ameaçada ou vulnerada num direito que é inviolavelmente seu. Se eu digo que ela sofre um risco, não reconheço que essa ameaça ou violação existe, é atual (e não um mero risco) e é real. O risco não é de quem é ameaçado ou violado, mas de quem ameaça e viola. No paradigma da proteção integral, o risco é o de responder por omissão ou abuso (e de corrigir o erro).

 

 

Três são os níveis de garantia de direitos: O nível individual, o coletivo e o difuso. O individual corresponde a omissões ou abusos para com indivíduos. O coletivo se dá quando a prejudicada é uma coletividade (uma classe numa escola, um grupo específico de crianças, os membros de uma família, os empregados de uma fábrica). O difuso quando, de omissões ou abusos, resultam danos potenciais a comunidades, cujos prejudicados não podem ser individualizados imediatamente.

 

 

Antes, o mundo do Direito só dispunha de mecanismo para solução caso a caso. Era como se o sistema só visse árvores onde havia um bosque. O Estatuto brasileiro e o Código do Perú até o momento são os únicos na América Latina que já contém regras para movimentar mecanismos sociais específicos que resolvam ameaças e violações de direitos também coletiva e difusamente, no caso de crianças e adolescentes.

 

 

Essas modernas normas jurídicas que tratam de direitos difusos preparam o novo milênio para resolver complexos problemas no campo da educação, da saúde, da defesa do consumidor, do meio ambiente e da criança e do adolescente. São normas de um novo Direito feito não para manter, mas para alterar tradições ameaçadoras e violadoras de direitos.

 

 

FAMÍLIA E COMUNIDADE

 

Na velha política para menores se tirava criança da família e da comunidade para interná-la numa instituição (instituição para menores). A vida em família e na comunidade é um direito. Assim dispõem a Convenção da ONU, a Constituição Federal e o Estatuto no Brasil, assim como as demais leis latino-americanas. As OGs e as ONGs devem adaptar-se a essa nova exigência ética. É antiético e ilegal isolar criança da família (própria ou substituta) e da comunidade  Mas há o velho hábito brasileiro de instituições que se especializaram em retirar crianças de seus ambientes para confiná-las em instituições fechadas. Esse hábito deve mudar...

 

 

ORIENTAÇÃO E AUXILIO À FAMÍLIA

 

Cabe às não governamentais (ONGs) e às governamentais (OGs) planejar, executar e controlar programas de orientação e apoio às famílias (naturais ou substitutas por adoção, tutela ou guarda) para criar, assistir e educar os filhos, mobilizando recursos humanos, técnicos, materiais e financeiros para não levar crianças a instituições violadoras de direitos.

 

É dever do Estado apoiar a família. Mas não confundir Estado com Governo. O Estado apoia as famílias quando, juntas, organizações do governo local e organizações não governamentais, formulam a política de atenção às famílias e controlam os programas existentes para esse fim. Quando no Brasil, os governos solitariamente formulam a política e determinam o que as comunidades devem fazer, estamos mantendo a velha tradição em que as comunidades não participam mas se subordinam à política pública. E o governo de turno acaba discriminando famílias que não quer proteger, por razões partidárias, ideológicas ou de outra índole. 

 

Há ainda no país antigas entidades criadas para excluir crianças do seu meio social, levando-as para internatos Segundo a Convenção e o Estatuto, espera-se que, doravante, elas se capacitem para criar, conduzir e multiplicar programas de orientação e apoio socio-familiar, utilizando as novas técnicas que se desenvolvem ultimamente. Esta é uma das mais urgentes providências para que ONGs acompanhem os mecanismos sociais que fazem desenvolver o novo sistema criado no Brasil para a criança e do adolescente.

 

 

Esse fortalecimento das famílias seria a forma moderna, contida no Estatuto, de atender, caso a caso, as violações de direitos de criança, numa perspectiva de direitos coletivos e difusos. A técnica é criar programas que oferecem às famílias orientação e apoio (pedagógico, psicológico, assistencial, de capacitação para o trabalho e, no Brasil, até financeiro). Isso se faz onde a ausência de orientação e apoio a famílias multiplica constantes ameaças e violações de direitos nas comunidades.

 

O ESTADO TUTOR DE DIREITOS, NÃO DE PESSOAS

                                   

No velho modelo (que persiste em certas cabeças e sistemas) entendia-se que o Estado tutelava a pessoa de crianças e adolescentes, chamados menores, quando os pais não podiam exercer essa tutela. Esse era (é em muitas cabeças) o modelo em que crianças e adolescentes não passavam (não passam) de objetos da vontade ou dos pais ou de autoridades públicas. Não sendo um sujeito em mesma, a criança era (acaba sendo) uma extensão da vontade dos pais e da vontade de quem representa o Estado.

 

 

Por isso, crianças eram e continuam em alguns casos a ser enviadas a instituições do Estado (que também contrata instituições privadas laicas ou religiosas que se prestam a isso), para que a burocracia exerça o papel que deve caber a pai e mãe, ou a um tutor, ou a um guardião.

 

           

Nesse modelo, onde as autoridades do Estado precisam ver árvores individualizadas (sujeitos), com necessidades e problemas próprios, elas vêem a floresta das coletividades de crianças, chamadas menores, em massa disforme que a burocracia absorve em suas malhas tentaculares. O sistema resulta perverso, desumano e intensamente violador de todos os direitos como conviver em família e em comunidade e os direitos à liberdade, à intimidade, à dignidade, à não discriminação e assim por diante.

 

 

A nova proposta ética é transformar o sentir e o pensar das pessoas. Daí, o compromisso internacional da Convenção, materializado pela Constituição e pelo Estatuto no Brasil. Daí as normas para os processos de educação comunitária, mobilização e a administração correta de programas. Reconhece-se então que o Estado não tem o direito de pretender tutelar pessoas mas sim, de tutelar o direito que reconhecemos às crianças e adolescentes de sentirem-se e serem tratados como sujeitos e cidadãos.  Assim está no Estatuto brasileiro. Assim está na Convenção firmada pelo Brasil.

 

 

O DIREITO À FAMILIA SUBSTITUTA

 

O direito à família substituta existe para assegurar convivência comunitária à criança que não tem família ou cuja família ameace ou viole de forma inarredável  seus demais direitos fundamentais Exercer esse direito evita que se excluam meninos e meninas da convivência social sadia pondo-as em instituições que historicamente vêm ameaçando e violando os direitos que hoje são legalmente exigíveis.

 

 

OS PROGRAMAS DE COLOCAÇÃO FAMILIAR

 

No Brasil devem ser organizados e registrados (Estatuto, 90, III) nos municípios por OGs e ONGs (para guarda, tutela e adoção, como define o artigo 28 do mesmo Estatuto). Eles evitam o velho costume da institucionalização. Antes, judicializava-se o caso e depois a equipe do juiz executava o programa. Agora, desjudicializando a solução, os casos são estudados no programa (controlado pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança). O programa seleciona, cadastra e prepara os adultos que se dispõem a ser guardiães ou tutores ou a adotar crianças ou adolescentes.

 

O programa orienta os candidatos a guardiães, tutores ou adotantes nos aspectos pedagógico, psicológico, jurídico, etc., para que as petições sejam levadas ao juiz (Estatuto, 148, parágrafo único “ä” e “b” e 165 e seguintes) para mudar a condição do pátrio poder. Isso significa, se for o caso, transferir o pátrio poder ou alguns de seus atributos – como a guarda - de pai e mãe para terceiros.

 

 

A DESJUDICIALIZAÇÃO E O PAPEL DO ADVOGADO

 

Tais programas visam à desjudicialização de antigas funções executivas do judiciário. A nova função do juiz ou do Juizado é decidir petições e seus incidentes, embora muitas equipes do judiciário no Brasil, mantendo o antigo paradigma, continuem a executar tais programas, como faziam no velho Direito. Existem pois equipes ou juizados que não querem ajustar-se ao novo paradigma. Nesse caso, somente bons advogados conseguem reverter a arbitrariedade praticada. Além de assistentes sociais e psicólogos devemos pois capacitar advogados nesse novo ramo da ciência, da técnica, da prática, da ética jurídica.

 

 

A IMPORTÂNCIA DA GUARDA E DA TUTELA

 

Já vimos a importância de substituir o Estado que tutelava a pessoa da criança, por um Estado que tutela os direitos dessa criança. E que isso deve ser providenciado no município, descentralizando-se as funções que antes estavam concentradas em governos nacionais ou regionais. E transferir do Judiciário funções que pelo Estatuto não são jurisdicionais.                                             

                                  

 

A GUARDA E O PAPEL DO ADVOGADO

 

Nessa estratégia, o antigo sistema de tirar a criança do meio familiar e da comunidade, para interná-la numa instituição, deve ser substituido por um sistema que ponha a criança sob a autoridade de uma pessoa e não de burocracias governamentais ou não governamentais. Esse ato de colocar a criança sob a autoridade de uma pessoa se faz através da guarda e da tutela. Mas tirar uma criança da guarda do seu pai, mãe ou da família ampliada (irmãos, tios, avós, etc.) é um ato grave, que só deve ser praticado em casos extremos e sempre sob o controle jurídico de um bom advogado encarregado de defender os direitos da criança. No Estatuto brasileiro, o Estado garante o bom advogado, se a família não tiver condições autônomas de contratar um. O Estatuto prevê, no Brasil, a presença do advogado. Na prática, a preparação de advogados para esse mister e o mecanismo para garantir os honorários ainda são problemas a resolver.

           

 

Em poucas palavras, a guarda é um atributo do pátrio poder, exercido por pai e mãe. Mas pode-se colocar uma criança sob a autoridade (a guarda) de um terceiro que passa a criar, assistir e educar essa criança. Isso se faz, através de uma medida jurídica, garantida a defesa por um advogado bem treinado e mantendo-se o pátrio poder do pai ou da mãe, A tutela consiste também nesse poder de criar, assistir e educar, mas com a  suspensão do pátrio poder.

                       

 

Ambas as medidas visam a buscar o melhor interesse da criança, sendo que a tutela é mais forte porque, havendo sido suspenso o pátrio poder, o tutor tem, além da guarda, outros poderes de administração dos bens do seu pupilo (o tutelado). No caso da guarda, o pátrio poder não é suspenso, porque a guarda é provisoriamente exercida por um estranho (o guardião) até que ela seja novamente assumida por ambos os pais, ou por um deles, ou por novos pais, através da adoção. Eventualmente, a pessoa guardiã pode transformar-se em tutor ou pai (mãe) por adoção

 

A guarda, portanto, além de legalizar a posse de  uma criança, deve ser uma medida breve, voltada à regularização dos casos de tutela ou adoção; para atender situações emergenciais;  ou suprir eventual falta dos pais. Mesmo que prolongada (em abrigo, por exemplo, já que seu responsável é equiparado ao guardião) ela é provisória. Notar que o dirigente de programa de abrigo no Brasil e na República Dominicana é equiparado ao guardião para todos os efeitos de direito (Estatuto, 92, parágrafo único). Mas em nenhum desses dois paises pessoas e instituições tem sido preparadas para esgotar as possibilidades dessa norma. Chega-se ao absurdo de um juiz mudar a guarda sem que o advogado da criança se manifeste, sem que haja defesa dos direitos dessa criança.

 

 

INCENTIVOS FISCAIS À GUARDA

 

Para garantir o direito da criança à convivência familiar e comunitária, a Constituição brasileira prevê a adoção de incentivos fiscais àqueles que tomem sob sua guarda crianças e adolescentes. Os municípios brasileiros zelosos devem criar os programas de colocação familiar e, além do incentivo no imposto de renda federal que já existe, devem  prever outros incentivos em sua política social, inclusive com recursos no Fundo Municipal da Criança e do Adolescente..

 

 

O REGIME DE ABRIGO

 

Criança que não pode viver numa família, deve ser abrigada. O responsável pelo abrigo, regime de pequeno grupo (casa lar) é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. Os  que ficam sob sua guarda são seus dependentes legais. O Brasil mudou. Não quer mais instituições que massificam crianças. Uma casa comum, numa rua comum, com guardião, evita a institucionalização que massifica

 

 

COMO ABRIGAR

 

Antes, para abrigar uma criança (chamada menor) o importante era o papel, a guia da autoridade (o velho juiz de menores). Sem guia, nada feito. Imperava a burocracia. Agora, o importante é abrigar o necessitado, com prazo de 48 horas para comunicar à autoridade competente (agora o Conselho Tutelar). Há municípios em que, em vez de se comunicar ao Conselho Tutelar, cumprindo o Estatuto, comunica-se ao juiz (que, segundo o artigo 148 do Estatuto, não tem competência para abrigar). O juiz só deve ser provocado pelo Conselho Tutelar para mudar (ou não) a guarda, se ele, Conselho Tutelar, aplica a medida de abrigo.

 

O Brasil mudou. No novo regime de abrigo, o papel do juiz é mudar a condição da guarda, pois o controle da medida de abrigo é estatutariamente conferida ao Conselho Tutelar. Mas, repetindo, muitos juizados insistem em manter o velho assistencialismo jurisdicional. Um bom advogado faz o controle desse abuso, em defesa dos direitos da criança atingida por essa violência institucional. Mas em muitos juizados de cidades importantes no Brasil, adota-se um rito que alija advogados desse controle jurisdicional e persistem as graves violações do passado.

                                                                                       

 

NÃO SEGREGAR

 

A lei brasileira deixa clara a necessidade de se pôr fim às medidas segregadoras praticadas por muitas instituições, que tem como ponto de partida a retirada da criança do convívio  familiar, em evidente violação do direito à convivência familiar e comunitária. Mas a maioria dos municípios brasileiros ainda carece de instalar o regime de abrigo, para desarmar a enorme máquina de internar meninos.

                       

 

FISCALIZAÇÃO

 

O ato de fiscalizar é um componente técnico do ato de administrar. Nesse sentido, os programas são fiscalizados por órgãos do Poder Executivo. Já quanto aos direitos ameaçados ou violados (de João, Roberto, Eduardo, Mariazinha, etc.), podem fiscalizar o Ministério Público, o Judiciário e o Conselho Tutelar, segundo a competência própria de cada um. Cabe à cidadania denunciar omissões e abusos a cada instância segundo sua atribuição. O Estatuto prevê normas detalhadas para ajustar a conduta de órgãos, autoridades ou instituições às normas da Convenção e do Estatuto.

 

 

MEDIDAS DE PROTEÇÃO

 

As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicadas pelo Conselho Tutelar sempre que direitos forem ameaçados ou violados em razão da própria conduta infanto-juvenil, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado ou por falta, omissão ou abuso dos  pais ou responsável. Há que se ter muito cuidado para não confundir a própria conduta infanto-juvenil que ameaça os próprios direitos com a que ameaça terceiros.

 

 

QUEM APLICA AS  MEDIDAS

 

As medidas de proteção são aplicadas pelo Conselho Tutelar, para fazer cessar a ameaça ou violação de direitos sofridas por criança ou  adolescente. A medida de proteção denominada colocação familiar (sob as formas de guarda, tutela ou adoção) é decidida pelo juiz. Execução e apoio técnico administrativo às medidas não são atribuições de quem decide (Conselho Tutelar, Juiz e equipe do juiz que ajuda o julgador a julgar). Cabem às OGs e às ONGs.

 

O programa de colocação familiar no velho modelo vinha somente depois da decisão do juiz. Agora, se há proteção integral, vem antes. Faz-se o estudo social e elabora-se uma petição ao juiz para mudar ou não a condição da guarda, da tutela ou do pátrio poder. Isso está claro no artigo 90 e no artigo 148, parágrafo único “b”, mas não vem sendo obedecido por muitos juizes, não sofre o controle de muitos promotores e não são objeto de preocupação de muitos Conselhos de Direitos (que devem registrar e autorizar o programa a funcionar). A assistência judiciária gratuita também é inexistente ou omissa nesses casos.

                                              

 

QUE SÃO MEDIDAS DE PROTEÇÃO

 

São providências administrativas para restaurar direitos ameaçados ou violados, tais como: encaminhamento aos pais; ordem para orientação e apoio temporário; ordem para matrícula e freqüência  obrigatória em escola; ordem de tratamento médico; submissão ao regime de abrigo, etc.

 

 

REGISTRO DE NASCIMENTO

 

Quando aplica medidas de proteção, o Conselho Tutelar deve regularizar o registro civil. Tem o poder de requisitar gratuitamente a certidão de nascimento (quando já existe o registro) e de provocar o Juiz da Infância e da Juventude para ordenar o registro, também gratuitamente, quando ele inexiste. Aos cartórios é vedado apor carimbos infamantes e discriminatórios de pobreza na Certidão, mas muitos deles assim procedem sem que haja o controle administrativo e jurisdicional desse tipo de abuso.

 

 

PROTEÇÃO À FAMÍLIA

 

Pela nova regra do Direito da Criança, a primeira proteção deve ser garantida na família. Por isso, quando uma criança ou adolescente necessita de medidas de proteção, seus pais serão os primeiros a receber cuidados especiais para serem fontes de apoio e de auxílio. Município que não organiza programas de orientação e apoio à família também caminha na contramão da história.

                                                                      

 

AINDA A PROTEÇÃO À FAMÍLIA

 

Quem firma a Convenção Sobre os Direitos da Criança (o Brasil a firmou em 1989) reconhece que a família deve receber especial atenção de programas governamentais e não-governamentais. Se o filho tem problemas, seu desenvolvimento harmonioso dependerá muito de uma família bem orientada. Município que não multiplica intensamente seus programas de apoio à família gera meninos de rua.

 

 

AFASTAMENTO DO  AGRESSOR POR MALTRATO

 

Criança ou adolescente, comprovadamente vítimas de maus-tratos, opressão ou abuso sexual imposto pelos pais, devem ser protegidos. Recebendo o caso segundo o artigo 98 do Estatuto, o Conselho Tutelar pode provocar o Juiz da Infância poderá determinar o afastamento do agressor da moradia comum. No velho paradigma era comum encontrarmos menina violentada que para sua proteção era retirada de casa (punida) e internada (privada de liberdade). Hoje isso é inaceitável.

 

 

DOIS ÂMBITOS DA PROTEÇÃO MUNICIPAL

 

 

Na norma brasileira, o controle administrativo do direito e do dever da criança é exercido pelo Município. No âmbito macro-social (ou âmbito coletivo das políticas públicas) esse controle é feito pelo Conselho Municipal dos Direitos; no âmbito micro-social (ou individual das pessoas ameaçadas ou violadas) pelo Conselho Tutelar. Município que não organiza os conselhos não controla nada. Um dos desafios hoje no Brasil é a criação correta da estrutura de conselhos e o treinamento dos membros desses colegiados estrategicamente importantes para fazer funcionar o novo sistema.

 

O CONTROLE DOS DIREITOS NO MUNICÍPIO

 

Para cumprir a ética da Convenção e do Estatuto o Município deve instituir em lei as bases da sua Política Dos Direitos da Criança e do Adolescente e adotar (através de programas bem elaborados) medidas educativas, sociais e administrativas. Deve criar programas de proteção para vítimas e programas sócio-educativos para vitimadores, apoiados por um Conselho Municipal, um Fundo Municipal e um Conselho Tutelar.

 

 

O CONSELHO MUNICIPAL E O TUTELAR

 

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente controla, no Município, como as políticas Públicas cumprem ou não os princípios éticos da Convenção e do Estatuto.  O Tutelar atende pessoas que foram ameaçadas ou violadas em seus direitos.

 

 

UM CONSELHO DAS COMUNIDADES  

                                          

O Conselho Tutelar representa a efetiva concretização da participação da sociedade na defesa dos direitos da criança e do adolescente, pois que constitui-se em um órgão composto por cinco membros escolhidos, dentre os cidadãos, pela comunidade local. Essa é uma absoluta novidade num país em que historicamente os governos de turno sempre nomearam servidores, sem consultar a comunidade.

 

 

UM ÓRGÃO PARA DECISÕES RÁPIDAS

 

O Conselho Tutelar é um órgão da administração municipal. Atende casos de crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos. Suas decisões, com força jurídica, são autônomas em relação a qualquer outra autoridade. A pedido do interessado, essas decisões podem sofrer revisão judicial, quando há choque entre  a decisão do Conselho e o que as pessoas não querem fazer.

 

 

UM EQUÍVOCO A EVITAR

 

Por equívoco, certas pessoas dizem que em matéria de criança, o Conselho Tutelar adota medidas assistenciais e o Juiz da Infância adota medidas jurídicas. Não.  Ambos adotam medidas jurídicas. O Tutelar, no âmbito administrativo. O Juiz, no âmbito Judicial. Assistenciais são os programas de proteção e sócio-educativos.

 

 

O CONSELHO NÃO É  ASSISTENCIAL

 

Antes havia um juiz que decidia e uma estrutura assistencial que cumpria suas decisões. Modernizando o sistema, o Brasil desjudicializou funções de decisão, criando uma autoridade administrativa que decide com força jurídica. Essa autoridade é o Conselho Tutelar. Nesse sistema, cabe ao Juiz resolver conflitos entre partes, inclusive quando há resistências às determinações do Conselho Tutelar

 

 

RECURSOS MÍNIMOS INDISPENSÁVEIS

 

A lei de criação do Conselho Tutelar deve prever a dotação de recursos orçamentários para a manutenção de suas atividades (remuneração – se for o caso -, despesas correntes, transporte, comunicação), do local (de fácil acesso ao público) e do horário de trabalho na sede e fora desta, nos casos emergenciais. Mas atenção, há municípios que confundem a ação desse Conselho com os Programas de Proteção. Quando isso ocorre, o Município transforma o Conselho Tutelar em programa de proteção e fica sem uma autoridade que desjudicialize questões que não devem bater primeiro na porta jurisdicional. O Conselho Tutelar é aquele que desjudicializa e tem competência legal para resolver problemas jurídicos em nível comunitário, com força administrativa.

 

 

NÃO AO CARIMBO DISCRIMINADOR                                                                                        

 

Defendendo o direito violado, o Conselho Tutelar poderá requisitar certidão gratuita de nascimento ou de óbito. Cartórios não podem apor carimbo discriminatório nessas certidões (dizendo-as gratuitas em razão de pobreza !). A gratuidade não é por pobreza e sim por imposição do Estatuto. Discriminar é violar direito. Mesmo que a gratuidade fosse por pobreza, o carimbo é infamante.

 

 

AS COMUNIDADES ESCOLHEM

 

A escolha dos Conselheiros Tutelares é feita por comunidades e não por Prefeito, por Conselho Municipal, Presidente da Câmara, etc. Nenhum município é uma só comunidade. É um conjunto de comunidades que às vezes se conflitam. São elas que compartilham a escolha conduzida pelo Conselho dos Direitos da Criança. Escolhidos, os conselheiros são formalmente nomeados pelo Prefeito, cumprindo-se as normas do Direito Administrativo.

 

 

DIFERENÇA FUNDAMENTAL

 

O antigo Juiz, porque tratava com menores incapazes, tutelados pelo Estado, agia através do processo inquisitorial. Era um inquisidor. O novo Juiz trata com cidadãos socialmente capazes. É um terceiro imparcial, entre partes que o provocam para julgar conflitos. Se lhe levam um caso fora de sua competência, como qualquer outro juiz, deve declinar de sua competência, ou seja, não recebe casos que não lhe competem..

 

 


NOVAS COMPETÊNCIAS

                                  

Parte da competência (jurídico judicial) do antigo Juiz de Menores  agora é da competência (jurídico administrativa) do Conselho Tutelar. Parte do que era jurisdicional agora é decidido em nível administrativo. O novo Juiz da Infância e da Juventude quando recebe casos previstos no artigo 136 do Estatuto declina de sua competência e envia os casos para o Conselho Tutelar.

 

 

AINDA NOVAS COMPETÊNCIAS

 

O Conselho Tutelar, como órgão administrativo municipal, se recebe casos previstos no artigo 148 do Estatuto, declina de sua competência administrativa e os envia para o Juiz da Infância e da Juventude de sua Comarca. Ou seja, Juiz e Conselho não fazem o que querem. Querem o que está nos limites de sua competência legal. Mas vou repetir: muitos juizes e promotores ainda insistem em ser juizes e promotores de menores.  Insistem em ser inquisidores.

 

 

UM JUIZ FORTE E ESPECIALIZADO

 

 

Um país só é forte com instituições públicas fortes. O novo Juiz da Infância e da Juventude deve ser fortalecido com aperfeiçoamento e boa organização judicial. É autoridade altamente especializada a ser preparada para operar no novo paradigma da criança e do adolescente que são cidadãos e sujeitos de amplos direitos sociais. Servidores judiciais também devem ser capacitados para o novo paradigma.

 

 

A EQUIPE DO JUIZ

 

Não sendo mais um inquisidor e um executor, o Juiz é hoje um terceiro imparcial que delibera sobre medidas que lhe são peticionadas e que são executadas por  OGs e ONGs. Sua equipe multidisciplinar agora o auxilia a decidir, manter, alterar ou revogar medidas (não executar), emitindo laudos e pareceres, aconselhando, encaminhando, prevenindo. Mas, repetindo, muitas equipes ainda mantém o cacoete de executar e invadem a atribuição dos programas que devem ser registrados e controlados no Conselho Municipal.

 

 

UMA PALAVRA SOBRE O DIREITO À LIBERDADE

 

Na democracia - sempre com restrições habituais, usuais, costumeiras ou legais - idosos e adultos têm liberdade de ir e vir, expressar opiniões, escolher sua crença, divertirem-se, participar da vida social. No novo paradigma, crianças e adolescentes incluem-se nessa tradição. Mas o direito à liberdade de uma criança não é igual ao de um adolescente, que por sua vez é diferente do de um adulto.

 

 

No Brasil de hoje, muitos ainda se esquecem que, socialmente, o limite de toda liberdade é o limite do exercício de alguma autoridade. E vice-versa. Crianças, adolescentes e adultos estão socialmente sujeitos a autoridades e a limites diferentes em sua liberdade (por exemplo: a submissão ao pátrio poder, à obrigatoriedade escolar e ao regulamento da escola).

 

 

Quem não percebe esses limites acaba afirmando como certos juristas brasileiros que o Estatuto de seu país outorga liberdade ilimitada a crianças e adolescentes! No novo paradigma é fácil perceber que criança e adolescente tem direito ao uso da liberdade, jamais ao abuso, como também ninguém lhes pode impor a omissão de seu direito à liberdade. O mesmo vale para os pais e os professores, de quem não se pode aceitar a omissão e o abuso no exercício de sua autoridade.

 

 

UMA PALAVRA SOBRE EXCLUSÃO

 

Muitos dos incluidos  (os habitantes) numa sociedade, são excluidos  dos benefícios gerados pelo conjunto da sociedade. É com essa exclusão que devemos nos preocupar: Com a exclusão do sistema que garante direitos, apesar de que a vítima está dentro do sistema que produz riquezas. Isso é perverso. O Estatuto e os sistemas que o sucederam são conjuntos de regras para se lutar contra essas formas de exclusão.

 

 

3a. parte: o vitimador

 

 

 

A INFRAÇÃO CRIMINAL

 

                                                                        

OS SISTEMAS LATINO-AMERICANOS

 

Sabemos que no passado, era comum punir pessoas de forma arbitrária por crimes que não eram formalmente definidos numa Lei. No Século XVIII passaram-se a organizar  sistemas que livrassem os adultos de acusações arbitrárias e de injustas punições  violadoras dos direitos humanos. Sabemos também que injustamente, crianças e adolescentes acabaram ficando fora do sistema (por isso eram presos arbitrariamente, sem defesa). Somente no final do Século XX, formalmente, se traz a criança e o adolescente para esse mundo de garantias do cidadão e dos sujeitos de direitos e de deveres.

 

 

Cumprindo os compromissos assumidos através da Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989, o Brasil renovou seu sistema de atenção a crianças e adolescentes aos quais eventualmente se venha a atribuir um ato que a lei do país define como delito. O que se quer é corrigir o sistema antigo em que se priva de liberdade dizendo que é para proteger o adolescente; e dizendo que o adolescente é infrator sem que se prove sua culpa...

 

 

É assim que, no Brasil, a Constituição inclui crianças e adolescentes no mundo das pessoas com direitos garantidos, quando praticam atos criminais (definidos formalmente como crimes) e chama a essas condutas de atos infracionais ou seja, atos que infringem a lei criminal. A mesma Constituição exclui crianças e adolescentes do mundo da retribuição imputada a adultos, reservando-lhes um sistema de retribuições que o Estatuto da Criança e do Adolescente passa a chamar de medidas sócio-educativas para os adolescentes e medidas de proteção para crianças.

 

Tanto à criança quanto ao adolescente aos quais se atribue um ato infracional, a Constituição garante pleno e formal conhecimento da atribuição desse ato, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado segundo dispuser a legislação tutelar de direitos específica. Essa legislação específica, que é o Estatuto, dispõe que o adolescente será julgado e a criança não.

 

 

Furtar, roubar, violentar, matar  são atos (são condutas) graves, quer praticados por anciãos, adultos, adolescentes ou crianças. Ao firmar a Convenção cada país assume o compromisso (artigo 40) de somente adotar medidas públicas retributivas que envolvam castigo ou punição se a criança ou o adolescente acusado de haver praticado um ato típico (definido na lei como crime) for declarado culpado por autoridade ou juiz imparcial, com amplo direito de defesa. Só pode ser culpado quem goza da capacidade de ser responsável pelos próprios atos. Quem firma a Convenção (art.40) também se compromete a definir a idade a partir da qual uma criança é capaz de praticar delito.

 

                                                                             

ABRIGO E INTERNAÇÃO

 

Antes, no Brasil como em outros países, se internavam crianças para proteger a sociedade dos males que ela mesma (sociedade) criava. Hoje, ética e juridicamente, só se internam adolescentes no Brasil para proteger a sociedade de adolescentes culpados de certas formas de agressão. Na prática, por ausência de juizes e promotores de justiça preparados, ou de advogados competentes, em muitos lugares no Brasil, ainda se internam crianças e adolescentes violando os direitos mínimos previstos na Convenção. Internação é sinônimo de privação de liberdade; é sinônimo de prisão. Também há casos em que não se priva de liberdade, quando na verdade a situação justificaria plenamente tal rigor.

 

 

Se o juiz não o declara culpado, o adolescente não pode ser internado, nem pode ser chamado de infrator (não há crime de pessoa: pessoa infratora em si mesma. Há crime de pessoa que praticou uma conduta infratora). Hoje no Brasil se abriga  (não se interna) criança dando-lhe um lar, sob um guardião, se for impossível protegê-la numa família. Essa norma também é violada em muitos tribunais brasileiros por despreparo ou mesmo intenção de juizes e promotores de justiça e por ausência ou desqualificação de advogados.

 

 

 

Para a Constituição brasileira, ao adolescente imputável (ao qual posso imputar ou atribuir ato que praticou no passado e imputar responsabilidade por esse ato) se deve atribuir (coisa que tem a ver com o futuro) uma medida socio-educativa, não uma pena. Muitas pessoas, mesmo juristas (perdidos com as palavras), ainda não entenderam o novo paradigma, o que leva a desvios, na prática dos tribunais ou execução das medidas sócio educativas, no Brasil.

 

 

A IMPUTABILIDADE

 

No Brasil, o adolescente ao qual se imputa (ao qual se atribui) uma conduta delituosa (matar, furtar) e se imputa a responsabilidade por essa conduta, será preso em delegacia especial, processado pelo promotor e julgado pelo juiz. Responde pelo que fez. A criança presa pela mesma imputação, ficará  em família ou em abrigo à disposição do Conselho Tutelar para receber medida chamada medida de proteção.

 

Como qualquer outra norma de conduta, essa pode ser violada por abuso ou por omissão. No Brasil, nesse caso, há omissão quando os Conselhos Tutelares não cumprem sua atribuição com competência ou com zelo. Há abuso, quando juizes insistem em decidir  casos quando o imputado é uma criança, já que a competência judicial nessa matéria deve se restringir ao adolescente que infraciona e não à criança, que é do Conselho Tutelar.

 

O artigo 105 do Estatuto diz que, ao ato infracional praticado por criança, (zero a doze anos) retribui-se com medidas de proteção aplicada pelo Conselho Tutelar e não com cárcere, masmorra ou exclusão.

 

 

O QUE É  A RESPONSABILIDADE

 

É a condição humana de responder pelas consequências éticas dos próprios atos. A lei define o mínimo ético exigível das pessoas. Adultos e adolescentes são responsáveis no Brasil perante um juiz (o Criminal ou Juiz da Juventude). Ambos são imputáveis. Aos dois se atribuiu (imputou) um ato condenável. A ambos se imputou a responsabilidade por esse ato. Aos dois se vai atribuir (imputar) medidas retributivas, desagradáveis e restritivas (pena para um e medida sócio-educativa para o outro).

 

Nessas circunstâncias, não há que falar em baixar imputabilidade, que tem a ver com o passado, e ambos (adulto e adolescente) a têm; em condições normais ambos entendem o caráter prejudicial do ato cometido e são capazes de se determinar segundo esse entendimento. Há que falar honestamente no tipo de medida a aplicar no futuro. Mas muitos no Brasil, inclusive juristas, falam em baixar o nível da idade de imputabilidade, em vez de, logicamente, falarem no tipo de medida que deve ser aplicada a adolescentes que são imputáveis (aos quais se atribue, se imputa uma conduta e uma responsabilidade) e infracionam, o que seria mais honesto.

 

 

CRIANÇA, ADOLESCENTE  E  POLÍCIA

 

Se a um adulto, a um adolescente ou a uma criança não se puder imputar um ato delituoso, eles não são casos de polícia no Brasil. Se se puder imputar um ato delituoso, são. Presos, serão encaminhados: um, à delegacia policial que o tratará como adulto; outro à delegacia policial que o tratará como adolescente; outro, a um responsável que o apresentará ao Conselho Tutelar. Nos três casos prender não quer dizer maltratar, mas sim restringir a liberdade para algum tipo de retribuição social. Se ao prender a autoridade do Estado maltrata, está praticando abuso de poder.

 

 

FLAGRANTES

 

Nos flagrantes de adolescente praticando grave ameaça ou violência à pessoa, no Brasil, a autoridade policial deverá lavrar auto de apreensão (nome técnico para esse tipo de prisão); ouvir as testemunhas e o adolescente; apreender os instrumentos da infração e requisitar exames ou perícias necessárias. Isso tudo é para ajudar o promotor e o juiz a buscar a verdade. Essa verdade visa a defender a sociedade do infrator e reabilitá-lo se possível.

 

 

A PRISÃO

Quando prende (o Estatuto é delicado e diz: quando apreende) o adolescente, ou quando o recebe preso, o Delegado pode apresentá-lo ao Promotor de Justiça ou entregá-lo aos seus pais ou responsável para que o apresente. A apresentação é para o Ministério Público decidir se inicia ou não o julgamento. Essa apreensão, ou prisão, é um ato retributivo desagradável, mas necessário à segurança pública.

                                                                    

 

OBJETIVO DO JULGAMENTO

 

Para não sermos falsos e eufemísticos devemos deixar claro que o adolescente não é julgado para a proteção dele, adolescente. É julgado em defesa da sociedade. Tem direito à plena defesa para provar que não é culpado. No Brasil, se culpado, o juiz aplica uma medida a ser cumprida por programa sócio-educativo inscrito e controlado pelo Conselho Municipal dos Direitos, em defesa do bem comum. No novo paradigma o juiz não controla o programa. Controla a execução (pelo programa) da sentença que proferiu. O Conselho ao registrar o programa estabelece as condições para o seu funcionamento e o controla.

 

Há graves desvios a esse preceito estatutário brasileiro que visa a garantir o cumprimento dos compromissos assumidos quando o Brasil firmou a Convenção. Estados, como o de São Paulo, ainda mantém no nome e na prática, o antigo órgão centralizador para a antiga política de menores (Fundação do Bem Estar do Menor), os juizes continuam a controlar os programas e os Conselho Municipais ficam ausentes dessa importante matéria.

 

 

SENTENÇA E CONDENAÇÃO

 

O juiz decide falando através de uma sentença que, no caso, pode ser uma absolvição (por não haver culpa) ou uma condenação (por haver culpa). No Brasil, o adolescente, na sentença, pode ser condenado à reparação do dano que praticou; à prestação de serviços à comunidade; à liberdade assistida; à semi-liberdade ou à privação de liberdade (prisão) por até três anos. A sentença é executada em programa de OGs, ou ONGs . A autoridade que aprova o programa é o Conselho (ver o artigo 90 e seu parágrafo no Estatuto). Importantes alterações devem ser feitas nesse sistema em alguns Estados brasileiros para ajustar o sistema às normas do Estatuto. O Estatuto contém normas (artigos 208 e seguintes) para esse ajuste.

 

 

AS MEDIDAS SOCIO-EDUCATIVAS

 

São executadas por programa governamental ou não governamental, registrado no Conselho Municipal. Aplicam técnicas de psicologia, pedagogia, criminologia, etc. Nos municípios que não contam com programa bem organizado o julgamento, a sentença do juiz e a medida vêm fracassando (no Brasil e em outros países ). Sozinha, a equipe do juiz (que não é executora) nunca pode garantir eficácia. Muita reincidência se dá por falta da organização correta dos programas ou porque equipes judiciais insistem em exorbitar de suas funções. Querem ser executoras, quando são auxiliares de um Juízo (de um Tribunal) que decide, não executa.

 

 

A MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE

 

A medida de internação (por até três anos no Brasil, cinco na Guatemala e quinze anos na Costa Rica) imposta ao adolescente que tenha cometido ato infracional deve ser avaliada periodicamente (no Brasil, a cada seis meses), sendo necessária a audiência de seus educadores e do próprio adolescente. Sem apoio de programas em regime aberto, a internação em geral inicia ou devolve os adolescentes aos bandos, às quadrilhas e ao mundo criminal.

 

 

AINDA A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

 

A privação de liberdade (internação)  deve ser realizada por serviço qualificado e com capacidade técnica criminológica  e pedagógica para que, ao ser libertado, o adolescente receba apoio na família e em várias comunidades da sociedade, em condições de exercer livremente seus direitos. Isso não é fácil. É um dos maiores desafios de nosso tempo. Daí o alto e histórico grau de reincidência, nos municípios mais populosos do Brasil e do exterior.

 

 

OUTRAS MEDIDAS

 

As medidas sócio-educativas para adolescentes podem ser apoiadas por  medidas de proteção adequadas a um possível restabelecimento sócio familiar, conforme indicações técnicas dos programas e decisão do Juiz da Juventude. Os programas sofrem feroz concorrência das organizações criminosas, hoje sofisticadas e muito eficazes. Esse trabalho exige novo paradigma e alta especialização. Há esforços por técnicas especializadas para a efetividade desse objetivo.

 

 

OUTRA VEZ A COMUNIDADE

 

Programas para infratores, para ter êxito, devem receber apoio dos programas, projetos e equipamentos das comunidades próximas. Quando estas comunidades não integram o jovem, ele volta a agredí-las porque é fatalmente integrado no tráfico, nos bandos e nas quadrilhas. Na dialética do crime e da segurança pública, antigas ações amadorísticas devem ser substituídas por eficazes programas sócio-educativos. Quando não o são, mantém-se a reincidência criminal juvenil e vulnera-se a efetividade mencionada dezesseis vezes como compromisso dos países, no texto da Convenção.

 

           

QUANDO NÃO HÁ JULGAMENTO

 

Não há julgamento para o acusado de delito (acusado de ato infracional à lei criminal) quando o promotor, em sua convicção, entender que é melhor aplicar a remissão, que quer dizer, nesse caso, não iniciar processo algum. A promotoria, o adolescente e responsáveis e também em certos casos, a vítima) firmam compromisso para que o acusado (quer dizer, o imputado) não volte a delinquir. A remissão só se aplica para infrações levíssimas e de pouco dano. Remissões, em muitas comarcas, vêm sendo aplicadas de forma reiterada e sistemática. Violam assim o direito ao devido processo legal para apurar a culpa do acusado e contribuem para agravar o fenômeno da reincidência criminal.

 

 

CIDADANIA, CRIANÇA E CRIME

 

No Brasil, quando ela comete ato criminal (que suave e delicadamente a Constituição chama ato infracional à lei criminal), a criança fica à disposição do Conselho Tutelar, que aplica medidas administrativas de proteção à cidadania. O Adolescente, fica à disposição do Ministério Público, para ser julgado em processo judicial pelo Juiz da Juventude, que em sentença aplica medidas socio-educativas para defesa da cidadania. Essa é uma defesa da cidadania em geral, principalmente das vítimas.

 

           

Já vimos que extremo cuidado semântico faz a Constituição brasileira chamar de ato infracional ao crime de criança ou adolescente. Ou seja, a Constituição chama de ato infracional a um ato (que a lei define como crime) quando praticado por criança. Exemplo: matar alguém. Nesse caso infantil (não no caso juvenil), o Conselho Tutelar investiga o fato (não sob o ponto de vista policial, de que se encarrega a polícia; mas sim, sob o ponto de vista social, requisitando serviços de assistência social, psicologia, etc., quando forem necessários) e aplica medidas de proteção e tratamento.

 

As medidas aplicadas pelo Conselho Tutelar são executadas por OGs ou ONGs em programas especiais registrados no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Há urgente necessidade, no Brasil, de preparar os Conselhos Tutelares para o exercício dessas funções e de orientar os municípios para, em suas leis, preverem critérios rigorosos para a seleção dos membros desse Conselho.

 

 

 

4a. parte:  a dinâmica da proteção integral

 

 

 

FORMULAR  POLÍTICA E CONTROLAR PROGRAMAS

 

O Estatuto brasileiro, em seus artigos oitenta e oito número dois e noventa, prevê Conselhos deliberativos paritários (metade governo, metade ONGs). Eles formulam a política pública (de Estado) a que se refere a Constituição em seu artigo duzentos e quatro número dois. Dessa formulação participam o Governo de turno (através de suas OGs) e Organizações Representativas (ONGs) da população.

 

Nesse modelo, política de Estado (permanente, que perpassa os governos de turno) não se confunde com política de Governo (transitória, de cada turno, de cada mandato do Prefeito no Brasil).

 

 

O significado desse modelo é fazer com que as políticas transitórias escapem da tradicional descontinuidade administrativa que caracteriza a América Latina. E que seus autores dialoguem permanentemente com os setores representativos das comunidades. Por isso, no Brasil, esse diálogo é constitucionalmente obrigatório. Se o governante de turno violar o princípio constitucional da participação, o sistema de Justiça pode ser movido por qualquer cidadão para corrigir o desvio.

 

 

COMO SE DESENHA A NOVA POLÍTICA MUNICIPAL

 

Os Estados nacionais estão sendo hoje conscientizados da importância do princípio da descentralização para se formular, executar e controlar adequadamente a política pública de atendimento dos direitos sociais, dos direitos humanos, dos direitos, enfim, que têm a ver com o bem comum.  Vivemos época de globalização e de interdependência entre nações para a produção e consumo de bens materiais.

 

 

Mas a globalização traz fortes evidências de que a produção e o consumo dos bens sociais dependem de estruturas locais, só eficazes quando organizadas o mais próximo possível das comunidades, das famílias, dos grupos onde vivem os indivíduos. O movimento atual no Brasil é portanto organizar essas estruturas de produção e de consumo de bem-estar social nos Municípios.

 

 

Essa produção e consumo local de bem-estar (também chamado justiça) social têm a ver com orientação e apoio às famílias para manterem-se e poderem criar, assistir e educar seus filhos. Ao Estado nacional, nesse modelo, compete fazer a coordenação geral, global, de uma política que descentralize e atenda às peculiaridades, às idiossincrasias locais. Essas comunidades, essas famílias, esses grupos sociais são orientados para, através de ONGs, dialogar com os governos de turno visando a um eficiente e eficaz sistema de oferta e consumo de saúde, educação, cultura, lazer, segurança pública, capacitação laboral, etc.

 

Ou seja, busca-se hoje a organização local de uma política social de proteção integral, cujos beneficiários são idosos, adultos, adolescentes e crianças. Ã criança se buscará assegurar, nesse sistema de proteção integral a todos, o princípio da prioridade absoluta (ou princípio do superior ou melhor interesse da criança, cujo significado é em cada caso, procurar atender o interesse que é o melhor ou o superior  ou o mais adequado para a criança ou o adolescente)..

                       

 

OS TRÊS NÍVEIS DA DESCENTRALIZAÇÃO

 

Em sua tradição (quer dizer, em seus hábitos, usos e costumes) os paises da América Latina exercitaram, em quinhentos anos de história, a centralização do poder em governos nacionais. As Prefeituras (no Brasil), as Alcaldias (em muitos países hispânicos), as Intendencias (na Argentina) passaram a ter as funções, digamos, menos sofisticadas  de cuidar do lixo, dos buracos das ruas, dos esgotos.

 

Agora, os municipios (ou as parroquias, os cantões, os distritos, segundo a estrutura de cada país) passam a conscientizar-se de que as políticas sociais, que fracassaram quando formuladas e controladas em nível nacional, devem entrar no rol das funções municipais e portanto das preocupações das organizações governamentais e não governamentais dos municípios.

                          

                                                            

Essas organizações governamentais e não governamentais municipais devem também conscientizar-se de assumir o protagonismo previsto nos compromissos firmados pelo país quando assinou a Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989: Adotar medidas educativas da população visando a esse fim; adotar medidas sociais de mobilização e organização das estruturas participativas comunitárias e adotar medidas administrativas locais, visando à eficiência e à eficácia.

                                                               

 

Em direitos da criança e do adolescente, o Brasil foi o primeiro país a escolher essa verdadeira descentralização. A importância da mudança paradigmática brasileira é que ela tem nível constitucional, ou seja, tem o mais alto nível na hierarquia das leis. Também constitucionalmente ela fixou os princípios da participação na formulação da politica e o princípio da prioridade absoluta à criança.

 

 

Na prática isso significa impor um limite constitucional ao poder discricionário que as administrações públicas tinham anteriormente. Ou seja, no Brasil, há normas constitucionais para se mudarem os antigos usos, hábitos e costumes. É um Direito Alterativo (não confundir com alternativo) Constitucional. Que altera, não mantém antigas práticas. É um esforço por uma nova tradição.

 

 

 

O PRINCÍPIO DO SUPERIOR INTERESSE

 

A Convenção fala em superior interesse da criança. Quando estávamos discutindo a elaboração do Estatuto brasileiro, depois de muita controvérsia (dois anos de debate público), chegou-se a um consenso de que à Convenção cabe mencionar o superior interesse da criança, porque no velho paradigma esse superior interesse era sempre estabelecido, subjetivamente, por uma autoridade do Estado: Essa autoridade ou era um agente do patronato estatal, ou era o antigo juiz de menores.

 

 

O que prevê a Convenção agora, é que cada país estabeleça critérios e preceitos objetivos que orientarão como se atende caso a caso, coletiva, ou difusamente o melhor interesse ou o superior interesse da criança. Assim, no Brasil, atende-se a esse superior interesse quando se aplicam, nas várias situações, as normas do Estatuto,  para que na prática não se fique sujeito  a um critério subjetivo segundo a percepção de quem vai aplicar a norma em cada caso (pai, mãe, professor, policial, autoridade pública do executivo, juizes, etc.) O que o Estatuto brasileiro dispõe, para diminuir a subjetividade da interpretação, é estabelecer, em seu artigo 6o , a regra de interpretação do Estatuto.

 

No Brasil, essa regra diz que em cada caso se deve interpretar a norma procurando atender:

 

1.         Aos fins sociais do Estatuto (introduzir crianças no mundo da cidadania; se não introduz, não atende ao superior interesse);

2.         Às exigências do bem comum (o que não atende ao bem comum não pode ser considerado como atendendo interesse de criança);

3.         Aos direitos individuais e coletivos em jogo (atende-se ao interesse ou direito de um, se se leva em conta também os seus deveres e os direitos e deveres dos demais);

4.         À condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (ou como me disse a pedagoga salesiana brasileira irmã Maria do Rosário: tratar a criança respeitando seu direito de ser tratada como criança e o adolescente como adolescente).

 

 

A DINÂMICA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

                                                          

QUEM AMEAÇA E VIOLA DIREITOS ?

 

Porque são humanas, as pessoas trazem sempre consigo a possibilidade de ameaçar ou violar direitos, quer como particulares nas famílias, nas instituições e nas empresas, quer como autoridades, no exercício de cargos públicos. Com o fracasso das políticas públicas organizadas em sistemas nacionais centralizadores, a tendência hoje é trazer as políticas sociais  para o âmbito municipal. Essa estrutura mais próxima dos cidadãos permite identificar melhor os casos de violações de direitos seja em nivel individual, coletivo ou difuso.

 

 

 

QUEM ATENDE DIREITOS ?

 

Atendem os direitos da criança e do adolescente as pessoas comprometidas éticamente com um conjunto articulado de ações não governamentais e governamentais de todas as esferas da sociedade e de governo. Daí, a necessidade da criação de muitas ONGs que incorporam o sentimento médio da população em relação às suas necessidades básicas. No Brasil, as regras de efetividade para essa nova ética se encontra na parte especial do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

 

                            

 DESCENTRALIZAÇÃO

 

O novo Direito contém os direitos e os deveres da criança e regras para  por fim à tradicional centralização autoritária e vertical de governos federais como no Brasil e Argentina ou nacionais como nos demais paises latino-americanos. O Brasil descentralizou  para os Municípios, com apoio  dos Estados e da União a definição das ações de atendimento. Aplica-se o Estatuto para evitar que programas federais (ou Estaduais) concorram com programas municipais. Essa concorrência pulveriza recursos, criava (cria para os que a mantém) paralelismos de ações e subordina prioridades a interesses político-partidários.

 

 

                                                                                  

 

ONDE SE ATENDEM DIREITOS ?

 

Já vimos, ao longo deste texto, que Direitos se atendem ou se violam onde as pessoas vivem: nas famílias, na escola, na visinhança, nas ruas, na saúde, na cultura, no esporte, no lazer, no trabalho, na segurança pública, no sistema oficial de Justiça, na elaboração de leis, e assim por diante.

                                  

           

AS POLÍTICAS PÚBLICAS, AS POLÍTICAS BÁSICAS  E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

                       

A política dos direitos da criança está ou deve estar distribuida por todas as políticas públicas (educação, saúde, esporte, cultura, lazer, segurança pública, produção, consumo, finanças etc.) pois todas, em diálogo com as ONGs, devem garantir os direitos sociais inerentes à cidadania, com prioridade à criança e ao adolescente.  Notar que as políticas públicas incluem a política econômico-financeira, a qual, nos dias que correm, vem sendo tratada como se fosse global.

                                              

 

E global ela não é, pois ela não é o todo da política pública. Ela é uma parte, um setor. Ela é uma política setorial, ao lado da política de educação, de esporte, de cultura, de saúde, de assistência social, etc.. Empresário e financista que não entendem isso, não entendem ou não querem mesmo entender que é com a criança e com o adolescente que se inicia, de um lado a produção de riquezas e bem-estar e de outro o consumo de produtos e de bem-estar de todas as comunidades.

 

 

No conjunto das Políticas Públicas, as políticas sociais básicas são aquelas a que todos têm direito de acesso, independente da condição sócio-econômica. Representam o chamado braço ou ramo social da sociedade organizada que é o Estado. Exemplo: a educação, a saúde, a habitação, etc. Na visão neoliberal, as ONGs que cuidam de aspectos dessa política social vem sendo chamadas de terceiro setor. No paradigma da Constituição e do Estatuto brasileiros,  as políticas sociais públicas tem dois setores: O Governamental e o Não-Governamental.

 

 

Na visão dos neoliberais a sociedade deve controlar o Estado. Mas ao dizer isso, o neoliberal típico pensa em empresários e financistas controlando a política econômico-financeira. Esquecem dos ameaçados e violados em seus direitos sociais que, sendo cidadãos, também devem controlar o mesmo Estado através de Comitês, Juntas, Conselhos, etc. A política social na visão neoliberal é um sub-produto do mundo da economia, onde a mão invisivel do mercado, como queria Adam Smith, organiza o bem-estar da sociedade. O terceiro setor então seria aquele, além do Setor Público e do Setor Privado (este o motor do mundo), que os empresários e os financistas criam para fazer filantropia.

 

 

No paradigma da proteção integral a visão é bem diversa. O Setor Público é o conjunto das decisões sobre economia, finanças, administração, saúde, educacão, cultura, lazer, etc. Ele se divide em dois: O governamental onde a sociedade representativa e participativa (organizada política, administrativa e juridicamente) formula e controla a política global que vai da economia à urbanização, da educação á saude, da cultura à capacitação para o trabalho.

 

 

O Setor público não governamental é aquele em que os particulares (que vivem no setor privado como patrões, empregados, profissionais liberais, etc.), organizam ONGs, através das quais, se fazem representar e participam das deliberações públicas. As deliberações são tomadas entre governos e comunidades em Conselhos, Comitês, Juntas que formulam as políticas públicas e traçam os limites dinâmicos do bem comum. Já vimos que a Constituição brasileira determina esse diálogo entre governamentais e não governamentais na formulação da política pública de caráter social.

 

 

 

A ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

Para a Constituição brasileira, Assistência Social é a proteção devida pela sociedade organizada (o Estado), à maternidade, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, aos deficientes e aos que vão ingressar no mercado de trabalho. Deve ser prestada  a quem dela necessitar, mesmo que o beneficiário não contribua para a seguridade social.

 

 

POLÍTICA INFANTO-JUVENIL

 

Por definição constitucional uma parte da assistência social refere-se à criança e ao adolescente. Essa parte, com prioridade absoluta, é planejada, financiada, executada e controlada em âmbito próprio, com um Conselho próprio. Em outro âmbito, também com Conselho próprio, não regido pelo princípio da prioridade absoluta, ela organiza-se para os outros aspectos da assistência social.

 

 

 

A DESIGUALDADE SOCIAL

 

A Assistência Social se rege pelo compromisso de acesso aos produtos e serviços básicos da cidadania pelos usuários que sofrem a desigualdade social historicamente construida. Não é caridade, nem filantropia em mesma.. É um direito dos  que por algum motivo não estão atendidos em suas necessidades básicas. A lei quer que se compense a desigualdade garantindo a cada um os mínimos éticos. Não há sociedade desenvolvida hoje que não preveja o atendimento a esse mínimo ético.

 

 

A SITUAÇÃO DE RISCO

 

Para reafirmar o caráter dinâmico da proteção integral, é bom relembrar o que já mencionei na primeira parte: alguns dizem que meninos e meninas fora da escola, esmolando, maltratados, explorados, recrutados por quadrilhas ou traficantes estão em situação de risco. Não estão. Em situação de risco estavam antes de sofrerem esses males. Para o Estatuto, nessa condição, eles estão ameaçados e ou violados em seus direitos. No paradigma do Estatuto, estar ameaçado já início de violação. O risco agora é o de ser sancionado e é de quem viola.

 

                                                                             

 

A POLÍTICA DE PROTEÇÃO         

 

Antes do Estatuto havia uma política de proteção (assistência) para todos que dela necessitam e uma política de menores para os que (como se dizia) se encontravam à margem do processo social.  Hoje não podemos discriminar. Não se pode dizer que há uma política de assistência social para os que dela necessitam e outra para os que estão em situação de risco. Isso seria discriminar outra vez; eufemisticamente, seria chamar de situação de risco a antiga situação irregular.

 

Todos têm direito a uma política de proteção ampla no ambiente de sua convivência social, com prioridade absoluta (prioridade absoluta quer dizer: com proteção especial) para a criança. A política de assistência social é uma só. Nela, às crianças e adolescentes, se deve garantir prioridade absoluta. Daí a existência, dentre os muitos Conselhos Públicos Municipais, dois muito especiais: Um, da Assistência Social, para anciãos, adultos e aspectos comunitários gerais, sem prioridade absoluta; Outro, o da Criança e do Adolescente para se garantir prioridade absoluta à população infanto-juvenil. É assim que está na Constituição.

 

 

PROGRAMAS PARA VÍTIMAS E PARA VITIMADORES

 

Em todo município deve ser organizado (por organizações governamentais e não-governamentais locais) um conjunto de programas de proteção voltados para a prevenção e ao atendimento especializado à criança e ao adolescente vítimas de abuso, negligência, maus-tratos, exploração, crueldade e opressão.  Deve organizar também os programas sócio-educativos, para cumprir as sentenças do Juiz da Juventude a adolescentes culpados de atos infracionais à lei criminal. Há técnicas adequadas para isso e os municípios devem procurar boa orientação.

 

 

Os que ainda têm o paradigma da menoridade na cabeça organizam programas que chamam de proteção ou sócio-educativos mas são concebidos numa forma anômala que, apesar de aberta, é ainda uma institucionalização. Essa anomalia é devida ao fato de que, como o que sabiam fazer antes era institucionalizar o menor, criam uma espécie de institucionalização em regime aberto passando a chamar o antigo menor de criança, ou de adolescente, mas institucionalizando-os e tratando-os ainda como um objeto dos que dinamizam o programa.

 

Os verdadeiros programas de proteção ou sócio-educativos organizam-se nas comunidades, junto a famílias, a escolas, a postos de saúde, a programas de esporte, cultura, lazer, capacitação para o trabalho, para encontrar formas de resolver casos individuais de ameaças e violações de direitos.

                                                                                                         

 

Tal programa organiza-se, estrutura-se, metodiza-se, controla-se, avalia-se como um conjunto de iniciativas que sentem e pensam a criança e o adolescente (e as pessoas de sua família, e os membros de sua comunidade) como cidadãos e como sujeitos. Ao mesmo tempo, esse programa organiza-se, estrutura-se, metodiza-se, controla-se, avalia-se estimulando, induzindo, orientando, ensinando, preparando a criança e o adolescente, e seus parentes e seus amigos, etc., para pensarem-se e sentirem-se sujeitos e cidadãos. Programas de Proteção e Programas Sócio-Educativos são programas de cidadania.

 

           

 

A MUNICIPALIZAÇÃO E AS NOVAS RELAÇÕES DE  PODER

 

Na última década do Século XX, o Brasil foi exemplo de um esforço pela municipalização dos direitos da criança e do adolescente. No modelo brasileiro, cada município deve organizar sua política e criar conselhos e programas regidos pelo princípio da participação. Sendo a democracia participativa um princípio constitucional no Brasil, aí temos um típico tema para mudança dos tradicionais hábitos, usos e costumes dos donos do poder. A nova participação gera novas relações de poder.

                         

 

COMO FORMULAR A POLÍTICA LOCAL

 

As organizações representativas (ONGs) da população participam da formulação da política municipal, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que registra e autoriza os programas governamentais e não governamentais a funcionar.  Prefeitura e ONGs, no Conselho, controlam-se mutuamente. Prefeituras e ONGs que resistem a esse controle estão na contramão da história. 

 

  

O CONSELHO DA PARTICIPAÇÃO

 

Todos os Estados e a União devem manter o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente - um órgão deliberativo, com o mesmo número de membros representantes da população (ONGs) e do Governo (OGs) a que o Conselho fica vinculado. Sem esse Conselho fica inconstitucional a política para criança e adolescente. A Constituição exige a participação de representantes das ONGs.

 

 

 

FUNÇÃO DOS CONSELHOS DOS DIREITOS

 

É preciso prestar muita atenção a um ponto fundamental: Aos Conselhos dos Direitos cabe formular a política (ver Constituição, 204, II) da Criança e do Adolescente; No Conselho a população participa da formulação da política infanto-juvenil que harmoniza a garantia de direitos entre as políticas públicas. Os que dizem que formular política é função privativa do Executivo omitem que a própria Constituição determina a participação conjunta (204, II).

 

 

                         

CONTROLE DA SOCIEDADE

 

O controle dos cidadãos na execução das políticas públicas, inclusive do Fundo de Recursos (municipal, estadual e nacional) se dá no Conselho dos Direitos. Os programas governamentais e     não-governamentais são registrados e controlados no Conselho Municipal  porque, dos três níveis (União, Estado e Município), ele é o mais próximo dos habitantes.

                                                                          

 

A PROFUNDIDADE DO QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO

 

 

Não se pode duvidar da profundidade com que o Brasil introduz esses princípios do novo paradigma da criança. Leiamos o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição brasileira : Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Nos termos dela  (segundo seus artigos 227, par. 7o. e 204, II) formular e controlar política, só com participação de ONGs.

 

 

REGISTRAR PARA CONTROLAR

 

Nesse sistema, a sociedade controla o Estado. Uma organização (OG ou ONG) só pode ter programa de atendimento aos direitos da criança e do adolescente se registrá-lo no Conselho Municipal. Neste, governo e habitantes podem avaliar, acompanhar e controlar os serviços propostos. Controlam-se mutuamente.

 

 

FORTALECER A INICIATIVA LOCAL

 

O princípio da descentralização política e administrativa fortalece a iniciativa municipal e comunitária, onde devem ser definidas as ações, programas e projetos a serem implantados para o atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Essa matéria foi tema de deliberação na Conferência sobre Assentamentos Humanos (Habitat II) realizada em Istambul em 1996. Não apenas no que se refere às crianças mas evidentemente, a todos os aspectos da organização social.

 

 

OS RECURSOS PARA OS PROGRAMAS

 

O Estatuto diz que os recursos para programas de meninos e meninas vítimas (programas de proteção) e de meninos e meninas vitimadoras (programas sócio-educativos) devem estar em um Fundo do Município, outro do Estado e outro da União.  Sendo públicos, esses fundos são controlados pelo governo respectivo e pela cidadania no Conselho dos Direitos.

 

 

COMPOSIÇÃO $ DOS FUNDOS

 

Os Fundos para programas de proteção e socio-educativos são recursos providos pelo orçamento público, por doações, transferências e legados, por contribuições dedutíveis do Imposto de Renda devido por pessoas físicas e jurídicas, assim como por multas aplicadas por violações  aos direitos da criança e do adolescente.

 

 

EFICÁCIA ATRAVÉS DOS FUNDOS

 

A lei, ao prever os Fundos da Criança, busca efetividade ao pronto financiamento de ações para corrigir violações e ameaças a direitos quando crianças e adolescentes são vítimas (programas de proteção) ou fazem vítimas (programas sócio-educativos).  A grita que existe no Brasil, por exemplo, sobre reincidência de infratores se deve sempre à falta de programas sócio-educativos bem organizados.

 

 

MOBILIZAÇÃO SOCIAL

 

Harmonizando suas ações no Conselho dos Direitos, as políticas públicas (educação, saúde, assistência social, esporte, cultura, lazer, trabalho, segurança pública, etc.) devem mobilizar a opinião pública para as muitas formas de efetivar direitos e deveres das crianças e dos adolescentes. Quantas pessoas  procuram um sentido para a vida e poderiam engajar-se, com boa e competente orientação, nesses programas?

 

 

OS TIPOS DE PROGRAMAS

 

No Brasil, os programas para vítimas atendem em quatro regimes: 1. De orientação e apoio sócio-familiar; 2. De apoio sócio-educativo em meio aberto; 3. De colocação familiar; 4. De abrigo. Para os que fazem vítimas, são três os regimes de atendimento: 1. liberdade assistida; 2. semi-liberdade e 3. Internação.

 

                                                          

PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA

 

Os programas de proteção à criança e ao adolescente devem favorecer a participação das pessoas da comunidade no processo educativo que desenvolve. Os municípios que alcançam melhores resultados são os que engajam nesse sistema grande número de ONGs, inclusive de empresários e sindicatos e os que estimulam programas nas políticas de cultura, esporte, lazer e capacitação laboral.

                                              

 

DIREITO, FATOS, SOCIEDADE E ESTADO

 

 

Repetindo um ponto fundamental quero lembrar que com o Estatuto o Brasil, pela primeira vez, fez com que a sociedade possa controlar o Estado (se houver educação, mobilização e administração) e com que o mundo do Direito (o mundo do comando e do controle social) venha antes dos fatos. No passado as normas garantiam comando e controle do Estado sobre a sociedade; e os fatos vinham sempre antes do mundo do Direito. Agora, a nova ética ilumina a correção dos abusos e das omissões.

 

 

LEGALISMO E ÉTICA

 

 

Aqueles que cobram as exigências do Estatuto no Brasil são (pejorativamente) chamados por certas pessoas de legalistas. O Brasil, como a esmagadora maioria dos paises do mundo, firmou a Convenção. Eticamente nos comprometemos a adotar medidas educativas, sociais, administrativas e legais para garantir direitos. No Estatuto está o menu das soluções educativas, sociais e administrativas para essa garantia. Não exigir o conjunto desses compromissos éticos é omissão e grave desvio de conduta. É renúncia aos meios objetivos de garantir eficiência e eficácia para alcançar efetividade.

 

 

DOS DIREITOS E DOS DEVERES

 

 

Alguns dizem que o Estatuto brasileiro trata dos direitos mas não dos deveres da criançada. O artigo sexto desse mesmo Estatuto diz que na interpretação de cada um dos seus artigos (ou seja, em duzentos e sessenta e sete artigos, duzentos e sessenta e sete vezes) se considerarão  sempre os deveres individuais (de crianças, adolescentes, adultos) e coletivos correspondentes. Não poderia ser de outra forma. O Estatuto é uma lei da cidadania.

 

 

A NOVA ÉTICA E A VELHA TRADIÇÃO

 

No Brasil, muitas pessoas desagradam-se com o Estatuto argumentando com o choque entre suas normas e a tradição do país, da região ou de comunidades. O Estatuto contém princípios éticos que não faziam parte da tradição. Com ele vamos manter tradições que garantem direitos. E alterar tradições que ameaçam e violam direitos. Com ele se preparou, nos anos noventa do Século XX, a ética do Século XXI.