Denise Maria Botelho[1]
Mestre e Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação
da América Latina da Universidade de São Paulo.
Resumo: O tema de interesse do presente estudo é o da EDUCAÇÃO & RELAÇÕES RACIAIS e nesse campo, tendo como objeto principal a análise do educador como ator social na superação ou manutenção de práticas racistas em Unidades Escolares (UE). Buscamos novas perspectivas para a superação das desigualdades sócio-raciais no contexto nacional.
Palavras-Chaves: Relações raciais: Racismo; Educação; Cidadania; Professores; Ações pedagógicas inclusivas
No Brasil, a população é constituída de forma pluriétnica (negros, brancos, índios, orientais e outros), desdobrando-se num grande contingente de mestiços (Eneida/Conceito). Uma aparente integração interétnica e inter-racial sustentou por muito tempo a idéia de uma suposto democracia racial[2], o que dificulta a percepção das práticas racistas no cotidiano.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1990, promovida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 44,2% da população brasileira é negra (4,90% de pretos e 39,30% de pardos). Essa mesma pesquisa aponta que 89,3% da população branca é escolarizada, enquanto, que na população preta e parda, esse índice é de 79,6%, havendo, portanto, um percentual de defasagem de 9,7% da população preta e parda era relação à população branca.
Conforme dados do IBGE a somatória das populações preta e parda apresentam os maiores índices de analfabetismo ela relação ao segmento branco da população. Tomando de exemplo a faixa etária de 7 anos ou mais percebemos que 59,4% da população negra é analfabeta, comparando com os 12, 1% da população branca. Assim, temos uma diferença de desigualdade para pretos e pardos de 47,3%.
A idéia de que o problema dos negros brasileiros é somente social, também, desvirtua a reflexão sobre as questões raciais. Os indivíduos posicionados na base da pirâmide social, em geral, são os mais atingidos pelas práticas discriminatórias, pelas injustiças, pela falta de oportunidades profissionais e uma infinidade de situações que conduzem à subordinação social, mas infelizmente, sabemos que mesmo ascendendo socialmente e pertencendo a classes privilegiadas, do ponto de vista econômico e cultural, a maioria dos negros continua sendo vítimas de problemas raciais[3].
Dentre os muitos discriminados, na maioria das vezes na América Latina, os indígenas e os negros são esses indivíduos, sendo bloqueadas do acesso à cidadania[4] carregando o estigma da inferioridade, atributo profundamente depreciativo (GOFFMAN, 1975), conferido pelo outro que se considera superior, neste caso o branco.
As condições sócio-econômicas são determinantes das desigualdades sociais, mas, já não podemos negar que o fator racial, também, contribui para a manutenção do status quo. Tenta-se, ainda, caracterizar a questão do negro como sendo um problema das classes trabalhadoras, desvalorizando a discussão da questão racial no Brasil (HASENBALG E SILVA, 1988).
O desconhecimento das práticas culturais, tais como o modo de vida, crenças religiosas, hábitos culturais, formas de organização social, somado a idéias estereotipadas e preconceituosas são terreno fértil para as práticas racistas. Grupos de estudos que possibilitem a análise e a reflexão, sobre estratégias de igualdade e inclusão dos diferentes, são necessárias na nossa realidade educacional para alterar a condição das populações discriminadas.
Aprofundar as discussões sobre relações raciais no âmbito educacional oferecerá subsídios para desvendar meandros da teia escolar de modo a propor reformulações pedagógicas e a melhoria das relações raciais que influenciara diretamente no processo de aprendizagem dos alunos.
Tendo como ponto de partida que a ação educativa deve:
(..) desenvolver capacidades para a
tomada de decisões, propiciar aos alunos e as alunas e ao próprio professorado uma reconstrução reflexiva e crítica da realidade, tomando
como ponto de partida as teorias, conceitos, procedimentos e costumes que
existem nessa comunidade (.. ) (SANTOMÉ, 1995: 160).
A escola deveria ser "um espaço de formação de consciência crítica e participante do processo de transformação social" (SILVA, 1997: 37) e, a ação do professor deveria possibilitar a (re)elaboração, a análise, a crítica e a reconstrução de um saber direcionado para a cidadania.
Vamos iniciar com alguns questionamentos que considero oportuno apresentá-los, para refletirmos sobre educação e as relações raciais, no Brasil:
¨ Você sabe que aproximadamente 44% [5] da população brasileira, é de negros(as)?
¨ Levando em consideração o percentual significativo da população negra, você não considera baixo o número de negros(as) que ocuparam cargos de liderança, tais como ministros de Estado, reitores de universidades, diretores de escolas, presidentes de empresas, gerentes de bancos, protagonistas na televisão (novelas, propagandas, etc. ), médicos, dentistas e outros?
¨ Você sabe que a maioria da representação cultural brasileira (Ex. : o samba, a feijoada, o candomblé, etc.) é reconhecidamente de origem negra?
¨ Você sabe que a base sócio-econômica do Brasil colonial deu-se através da força de trabalho de africanos escravizados, e até hoje não há reconhecimento da mão-de-obra negra?
¨ Por que será que a história, a geografia, as ciências de forma geral, elegem o conhecimento sobre o Continente Europeu em detrimento ao Continente Africano?
¨ Apesar da participação efetiva do povo africano na formação do Brasil, você seria capaz de citar 10 (dez) países africanos?
¨ Você preocupa-se em verificar que imagens os livros didáticos vinculam dos negros?
¨ Quais são os conteúdos didático-pedagógicos positivos que estão relacionados à população negra?
Muitos questionamentos poderiam ser listados para auxiliar a reflexão sobre as relações raciais, e, em especial em relação ao negro, e a educação mas a nossa intenção neste momento é apenas apontar a problemática das relações raciais nas escolas, esperamos, assim, participar do processo de reflexão sobre a necessidade de transformação pedagógica, que só poderá ser desencadeada por nós educadores.
Cabe ressaltar que o educador, com o perfil para promover tais transformações deve estar próximo de algumas características particulares, que traduzem-se da seguinte forma:
(.. )
aquele que assume o papel político de trabalhar uma pedagogia que caminha lado
a lado com a transformação da sociedade. Sua tarefa pedagógica irá se limitar à
sala de aula, prolonga-se na organização de classe dos trabalhadores da
educação, no trabalho extra-escolar. É uma presença atuante,
participante, diligente, que anima, constrói, organiza, cimenta a
ideologia de classe que representa. Tem um papel crítico e revolucionário de
inquietar incomodar, perturbar: A sua função é a contradição
(opressor/oprimido, por exemplo), ele acrescenta a consciência da contradição.
(GADOTTI, 1988: 63-81).
A compreensão da dinâmica das relações raciais no sistema escolar representa um avanço ao combate aos racismos[6], visto que estudos dessa natureza auxiliam a implementação de políticas de Ação Afirmativa[7], e também para a elaboração de novas práticas pedagógicas, que privilegiem a inclusão de todos os excluídos - ações pedagógicas inclusivas (API)[8]. A educação não é a única possibilidade de transformação das mentalidades sociais, mas tem importante papel na superação de atitudes retrógradas e reacionárias, tais como os racismos.
A particularidade de eleger a escola, em especial o educador, deve-se a sua importância para a formação do pensamento humano e na divulgação e perpetuação de modelos sociais.
Os movimentos sociais têm contribuído para a reflexão da problemática racial, um dos indicativos que eles apontam é a necessidade de habilitar os professores para as relações raciais nas escolas. Cunha Jr.[9], desde a década de 80, apontava para a necessidade de desenvolver um trabalho junto aos profissionais da educação, preparando-os para a solução dos problemas de discriminação nas escolas.
A análise de alguns indicativos do quadro educacional brasileiro, tais como utilização de material didático de cunho racista, a grande exclusão de alunos negros do sistema formal de ensino, as elevadas taxas de analfabetismo junto a população negra, fragilização da identidade racial, a auto-estima rebaixada e muitos outros fatores apontam para a permanência de práticas discriminatórias nas escolas. A escola e seus agentes acabam esquivando-se do compromisso do combate aos racismos existentes nesse âmbito.
Sob três aspectos básicos as
instituições educacionais são racistas: 1) ao dar educação inferior a crianças
negras; 2) ao, intencionalmente, deixar de educar crianças negras, a fim de
perpetuar as desigualdades raciais existentes, e 3) ao educar mal as crianças
brancas, no que se refere à sua herança racista, e as crianças negras, quanto à
sua história racial. (JONES, 1973, p. 123).
O exemplo acima refere-se à realidade norte-americana, na qual o sistema racista atua de forma diversa ao brasileiro, mas com as devidas adaptações podemos refletir o quanto a educação do nosso país, reforça uma desigualdade entre os chamados “diferentes”- negros e brancos - e muitas vezes de forma oficial, quando os recursos educacionais para áreas de predominância negra são menores quando não divulgamos a luta dos próprios negros para a sua emancipação civil, quando não nomeamos os carrascos do sistema escravocrata, quando não damos visibilidade aos heróis negros, e uma infinidade de exemplos que apontam para a presença dos racismos nas escolas.
As escolas são
pouco eficazes não adaptadas às dificuldades especificas de seus alunos, seus
professores são, na maioria, inabilitados para lidar com a diversidade
sócio-racial dos escolares, o que, a longo prazo,
proporcionará menores oportunidades de promoção social contribuindo, assim,
para a marginalidade e/ou exclusão social desses cidadãos. Para as crianças
negras a escola é omissa quanto ao seu dever de reconhecê-las positivamente no
seu cotidiano, concorrendo assim para o seu afastamento do quadro educacional. Como afirma GUTIERREZ:
(... ) a
escola, faz política não só pelo que diz, mas também pelo que cala, não só pelo
que faz, mas também pelo que não faz. Calar o que deve ser proclamado aos
quatro ventos é uma das formas políticas mais freqüentes entre os que têm a
‘faca e o queijo na mão’. (1988:22).
A educação, por si só, não resolverá todos os problemas sócio-raciais, mas temos a consciência de que a formação de educadores, especialmente os das séries iniciais, com o propósito de instrumentalizá-los para agir como mediadores conscientes e críticos no processo de ensino aprendizagem (SILVA, 1996:142) com uma consciência racial é de fundamental importância para a implementação de Ações Pedagógicas Inclusivas (API).
O educador deve ter conhecimento de conceitos relacionados à temática das relações raciais. A conceitualização e a compreensão dos problemas raciais não é tarefa fácil, de forma figurada, equipara-se a teia de uma aranha: a cada volta aumenta o seu raio e suas direções.
Cabe ressaltar que muitos conceitos, no universo das relações raciais são construídos e utilizados como justificativa para atitudes racistas.
O termo raça, de grande abrangência na sociedade, não existe enquanto unidade classificatória do ser humano biológico. Pode-se dizer que este conceito serve para hierarquizar os indivíduos de diferentes etnias:
A raça, como atributo social, é
historicamente elaborada e contínua a funcionar como um dos critérios mais
importantes na distribuição de hierarquia social. Em outras palavras, a raça se
relaciona fundamentalmente como um dos critérios mais importantes na
distribuição dos indivíduos nas posições da estrutura de classes, as dimensões
distributivas na estratificação social. (GONZALES E HASENBALG, 1982: 90).
Nota-se, que nos últimos anos, no senso comum, o termo raça tem sido resignificado, principalmente por jovens negros, como luta, resistência, orgulho, e outras variantes que indicam uma apropriação positiva deste conceito.
A idéia de que há raças superiores e inferiores conduz ao racismo "processo natural pelo qual as características físicas e culturais de um grupo de pessoas (...) adquirem significação social negativa numa sociedade socialmente heterogênea'' (JONES, 1973: 4) ou ainda, como afirma CUNHA Jr., os racismos são:
Formas de dominação criminosas, violentas, tal como o escravismo, baseadas nas diferenças étnicas. São criadores de estruturas simbólicas e de ações responsáveis pela exclusão dos direitos da cidadania de um grupo social (... ) sistemas de dominação racistas combinam e alternam violências psicológicas com violências culturais e físicas...Cristalizam formas de desprezo social (... ) os racismos miaram, aniquilam, destroem a memória dos aniquilados (1996 : 148-9).
O tipo de racismo praticado no Brasil tem características peculiares:
sutil e velado com fortes mecanismos de exclusão e promoção de inferioridade
para os negros. Age "sem demonstrar
a sua rigidez, irão aparece à luz, é ambíguo, meloso, perigoso mas altamente
eficiente nos seus objetivos" (MOURA, 1994: 160). Ou ainda, como
define MUNANGA,“há racismos que foram e são implícitos, não
institucionalizados, objeto de segredo e tabu, submetidos ao silêncio, um
silêncio criminoso'' ( 1996: 213)..
Como subproduto do racismo temos o preconceito - atitudes de hostilidade nas relações interpessoais - assume várias manifestações de acordo com o contexto cultural.
Na relação entre a identificação de características do preconceituoso e a diversidade de conteúdos que percebe em suas vítimas, se apresenta na base, a relação entre indivíduo e sociedade, isto, porque, a fixidez de um mesmo tipo de comportamento se relaciona com estereótipos oriundos da cultura. Esta relação não é direta, pois o indivíduo, se apropria e modifica estereótipos de acordo com as suas necessidades, contudo, as idéias sobre o objeto do preconceito não surgem do nada, mas da própria cultura (...) (CROCHIK, 1995: 16).
Podemos entender o preconceito como um julgamento negativo e prévio em relação às pessoas pertencentes a grupos discriminados, sendo mantido apesar de os fatos o contradizerem, pois não se apóia em uma experiência concreta. Preconceito, deste modo, envolve aspectos emocionais e cognitivos. É “um modo efetivo e categórico de funcionamento mental que inclui pré-julgamento rígido e julgamento errado dos grupos humanos” (PETTIGREW, apud , JONES, 1973 : 54).
Como conseqüência do racismo temos os estereótipos que são imagens prontas, geralmente negativas, sobre os grupos sociais. Imagens que podem ser recuperadas pela simples menção de se pertencer a um determinado grupo (PETTIGREW, 1982) e são fios condutores para a propagação do preconceito. Os estereótipos impedem a reflexão sobre o mundo real. Seus conteúdos são mecanismos sociais que visam manter o status-quo de um determinado segmento social (CROCHIK, 1995).
Os estereótipos, por sua vez, dão origem ao estigma que imputado ao indivíduo negro dificulta sua aceitação no cotidiano da vida social. Essa "marca" na relação social faz recair sobre o negro um olhar preconcebido, impedindo ao observador perceber a totalidade de seus atributos (GOFFMAN, 1963). Por conta do estigma, a sociedade trata o estigmatizado por meio de diversas formas discriminatórias, que reduzem significativamente suas chances de vidas.
“Construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ele representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social'' (GOFFMAN, 1963:15 ).
Para Barbosa o momento em que a criança apreende o seu estigma é:
(.. )
crítico, na medida em que é o centro de toda questão da identidade racial. É o
momento em que a criança (ou jovem) toma consciência não de suas diferenças
raciais, pois disso sempre estiveram cientes, mas do significado dessas
diferenças e da importância que elas têm para asmas futuros relações sociais,
uma vez que representam a fonte do preconceito que aparecerá nos momentos em
que foram confrontados com os brancos, e que, agora, passam para um nível
consciente (1987: 54).
Entende-se que a discriminação racial - atitude ou ação que visa distinguir, separar em raças, tendo como base idéias preconceituosas (VALENTE, 1994: 86) - se evidencia quando, em condições sociais de suposta igualdade entre brancos e negros, se identifica um favorecimento para um determinado grupo nos aspectos social, educacional e profissional. E, juntos, "discriminação e racismo institucional não apenas limitam as oportunidades dos grupos externos, mas são também poderosos e eternos suportes diretos do preconceito e discriminação individuais" (PETTIGREW, 1982 : 05).
O preconceito, os estereótipos, os estigmas e a discriminação racial operam, na nossa sociedade, acarretando inúmeras desvantagens para o grupo negro e para toda a sociedade brasileira, direta ou indiretamente.
Na educação, as várias manifestações de racismo influenciam a socialização das crianças e jovens negros de forma equivocada, conduzindo à exclusão, através da evasão escolar, ou instalando, nos indivíduos que permanecem na escola, uma baixa auto-estima e uma auto-imagem inferiorizada.
A presença de crianças e adolescentes negros é expressiva no cotidiano escolar, porém não é nomeada. Não se fala em comunidade negra, em líderes negros, em personalidades negras, em pessoas negras integrando aquele espaço, mas, fala-se quotidianamente de fora pejorativa: "buraco negro”, "boi da cara preta”, "saci pererê”, "nuvem preta”, "coisa tá preta", "negro escravo”, "preto sujo” e outras.
A discriminação racial praticada na sociedade brasileira é silenciosamente tratada (CAVALLEIRO, 1998). Silêncio esse que decorre, em parte, da falta de preparo do professor para lidar com a situação e pelo mito da democracia racial brasileira. No que se refere ao professor não devemos esquecer a sua importância para a formação do pensamento humano, na divulgação e perpetuação de modelos sociais.
A imagem do negro e do mestiço nas representações didáticas são desprovidas de identidade, uma vez que ao negro nega-se a herança histórico-cultural africana, destituindo-o de sua identidade e conseqüentemente de auto-estima (REGO, 1976 ).
Percebemos vários fatores de desconstrução da identidade negra que ocorre desde a socialização primária em função do processo de embranquecimento, que já ocorre no próprio seio familiar, agradando-se no plano secundário com a inserção no mundo escolar. O processo de socialização positiva dos negros, nas escolas, tem sido omisso e às vezes cruel, em relação à formação de uma identidade negra. Omisso quando deixa de retratar a participação efetiva dos negros na constituição da nação brasileira e cruel quando naturaliza e perpetua a idéia de inferioridade dos africanos escravizados e oculta todo o processo de emancipação dos próprios negros e sua participação efetiva na sociedade contemporânea como agentes e sujeitos de construção e transformação.
Na sociedade brasileira, a precariedade de modelos satisfatórios e a abundância de estereótipos negativos sobre o negro desencadear um processo que conduz a socialização dos negros em direção ao embranquecimento e ao desmantelamento da identidade negra.
O aluno negro é conduzido a negar a identidade de seu povo de origem, em favor da identidade do "outro" - o branco – apresentado como superior. A maioria das situações escolares reforça uma atitude de não aceitação e de distanciamento dos valores das ancestralidades africanas por parte de seus descendentes. O ideal branco é reforçado e a sociedade, de forma geral, está sempre tentando embranquecer, enfatizando a história dos brancos e os heróis brancos, programas de televisão ridicularizam o negro, fazem com que a criança negra se sinta desvalorizada, ambivalente, angustiada e envergonhada (PINTO, 1992).
(...) “branquicidade,
por sua vez, é reforçado não só pelos meios de comunicação como através da
educação escolar e informal, e pelas próprias famílias. Pais que, de uma
maneira consciente ou inconsciente, estão sempre tentando embranquecer;
professores que são incapazes de compreender a criança negra em seu contexto,
enfatizam a história dos brancos e os heróis brancos, programas de televisão
que ridicularizam o negro, fazem com que a criança negra se sinta
desvalorizada, ambivalente, angustiada e envergonhada, com graves repercussões
para seu ego” (PINTO, 1992: 44).
Diante disso o aluno negro é conduzido a negar a identidade de seu povo de origem, em favor da identidade do "outro" - o branco - apresentado como superior. A maioria das situações escolares reforça urna atitude de não aceitação e de distanciamento dos valores das ancestralidades africanas por parte de seus descendentes.
Na década de 80, OLIVEIRA relata as primeiras intervenções na Educação realizadas pelo Movimento Negro no Brasil, apresenta o sofrimento das crianças negras, ao evidenciar o sentimento de exclusão, peculiar à grande maioria delas. Como demonstra o depoimento de urna criança: "às vezes me sinto uma intrusa com certas reações de amigos e amigas '' (1992: 109).
Como podemos perceber na fala dessa criança a atuação da discriminação racial está presente na educação. Oliveira afirma que a discriminação mais sutil veiculada pelos livros didáticos, pelo currículo e pelos meios de comunicação para a maioria das crianças pesquisadas passa desapercebida, mas isso não implica afirmar que ao longo dos anos, esse tipo de discriminação não venha a causar urna assimilação de estereótipos negativos em relação aos negros, o que ocorre também com a criança branca. Também ficou ressaltado que a forma de o professor caracterizar a criança negra evidência seu despreparo para lidar com situações de discriminação na sala de aula, pois, em muitos momentos, o professor julga a criança negra culpada pela discriminação sofrida. É o que demonstra o depoimento de urna professora:
Além de se sentir rejeitada, a
criança negra tem, talvez, por sua própria natureza, lentidão na aprendizagem,
lentidão na assimilação do ensino e estes dois fatores contribuam para que ela
não consiga acompanhar o seu grupo, desista e saia da escola ou permaneça nela
pouco tempo (OLIVEIRA, 1992: 98).
O processo de assimilação, enquanto ajustamento interno de um grupo ante os valores de outro grupo que domina ideologicamente a sociedade (VALENTE, 1994: 85) é um dos fatores predominantes do esvaziamento da identidade étnico-cultural das chamada “minorias”. A escola tem papel fundamental junto a esta política de assimilamento, uma vez que não há espaço para as identidades particulares no seu contexto.
Na escola pública, de 1° Grau, Gonçalves constatou a existência de um ritual pedagógico que exclui dos currículos escolares a história de luta dos negros na sociedade brasileira e impõe às crianças negras um ideal de ego branco (GONÇALVES, 1987: 28). O silêncio dos professores, perante as situações de discriminação impostas pelos próprios livros escolares, acaba por vitimar os estudantes negros.
As relações raciais estabelecidas no interior do espaço escolar são ignoradas, o que pode inibir a socialização e comprometer o desenvolvimento da personalidade de alunos negros e contribuir para a formação de um sentimento de superioridade, sem o menor fundamento, por parte dos alunos brancos.
Sobre as crianças negras a escola é omissa quanto ao seu dever de reconhecê-las positivamente no seu quotidiano e, seus professores são, na maioria dos casos, inabilitados para lidarem com a diversidade sócio-racial dos escolares, o que, a longo prazo, proporcionará menores oportunidades de promoção social contribuindo, assim, para a marginalidade e/ou subordinação social desses cidadãos.
Os estudos apresentados evidenciam que o sistema formal de educação está desprovido de elementos propícios à identificação positiva do aluno negro com o sistema escolar, bem como a necessidade de uma ação pedagógica de combate a preconceitos e atitudes discriminatórias no cotidiano escolar: distorções de conteúdo curricular e veiculação de estereótipos étnicos, raciais e de gênero, entre outros, através da mídia e dos livros didáticos e paradidáticos.
(... ) “o
jovem é influenciado por uma série de meios de socialização diferentes da escola.
Assim, a família pode (e possivelmente o faz) embutir comportamentos
preconceituosos e discriminadores. O mesmo se afirma, por exemplo, a respeito
dos meios de comunicação, em especial a televisão, que através da sua
programação e de propagandas insiste em colocar o negro em posições socialmente
inferiores ou o representa através de estereótipos como o do sambista, bom de
bola etc. Contudo, a escola tem um papel extremamente importante na formação do
jovem: sendo um veículo de socialização primária, goza de função ideológica
privilegiada pela sua atuação sistemática, constante e obrigatória junto ao
alunado” (FIGUEIRA, 1991: 34).
Sartre sinaliza para o problema dos valores transmitidos pelos professores aos alunos. Na sua linguagem quotidiana, o professor ministra.
(...) centenas de hábitos de
linguagem que consagram a prioridade do branco sobre o preto. O preto aprenderá
a dizer "branco como a neve” para significar a inocência, a, falar da
negrura de um olhar de uma alma, de um crime. (1965 : 106).
O material didático tem sido um arsenal de imagens negativas dos negros, indicando uma situação de inferioridade desses, tanto no aspecto da prontidão para o aprendizado como na capacidade para as atividades intelectuais. Os negros figuram, quase sempre, como executores de atividades braçais, ou com características acentuadas de malandragem ou como carentes de forma geral e em condições de inferioridade social.
A história do Continente Africano não aparece nos currículos escolares e quando é abordada no contexto da história geral é de forma pejorativa (REGO, 1976 e SILVA, 1995).
Nos livros de Comunicação e Expressão do antigo 1° grau, a presença do negro está carregada de estereótipos, como feio e mau (SILVA 1995), os negros são descritos e ilustrados como seres irracionais, com atitudes e comportamentos que traduzem incapacidade intelectual.
É de suma importância a análise das práticas racistas no âmbito escolar e, principalmente, de como o educador está ou não preparado para lidar com esses problemas, uma vez que o professor é o elemento-chave do ato pedagógico e ele, normalmente, tem uma formação elitista e defeituosa (OLIVEIRA, 1987: 65), não percebendo o quanto é facilitador das atitudes discriminatórias e das diferenças sociais.
A análise das práticas racistas tem como objetivo ético buscar novos caminhos que conduzam a mudanças sociais progressistas, que superem as desigualdades raciais existentes em nossa sociedade. Sabendo-se da importância fundamental para futuras mudanças estruturais, a questão escolar deve ser eleita como estratégia de superação de mecanismos que não permitam a ruptura com um passado racista.
Perseguindo o ideal da democracia racial efetiva o presente texto visa contribuir com a análise e a reflexão para a formação dos educadores no que se refere às relações raciais. A escola é fundamental na socialização e na formação da identidade do povo brasileiro, que na maioria das vezes segue por um caminho de discriminações, estigma e preconceitos.
Por falta de ações pedagógicas permanentes, o racismo tem tomado a escola um palco de violências raciais. A legislação anual já garante possibilidades de reversão do quadro. O Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 58) garante a criança e ao adolescente o direito de desfrutar de sua herança cultural específica; a Constituição Federal estabelece, entre outros artigos sobre a questão, que os conteúdos do ensino fundamental devem assegurar o respeito aos valores culturais (art. 210) e a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) determina que os projetos, programas e currículos assegurem o respeito às diferenças culturais, sociais e individuais de todos aqueles que freqüentem a escola. Agora só precisamos ter coragem de enfrentar o árduo trabalho de combater o racismo nas escolas.
Existindo subsídios para o entendimento crítico das questões raciais e a educação, o educador e sua atuação pedagógica, a formação do pensamento humano e a divulgação e perpetuação de modelos racistas a sociedade possivelmente concretizará uma verdadeira democracia, e não apenas mitológica como tem demonstrado a realidade brasileira.
Sem o desenvolvimento de políticas públicas educacionais que privilegiem as relações raciais não acredito que, a médio ou longo prazos, tenhamos resultados positivos no combate ao racismo no processo educacional brasileiro.
(...) “não serão apenas estudos, livros e pesquisas sem uma práxis política que irão produzir essa modificação desalienadora no pensamento do brasileiro preconceituoso e racista. Mas, de qualquer forma, esses trabalhos ajudarão a que se forme uma prática social capaz de romper a segregação invisível, mas operante em que vive a população negra no Brasil” (MOURA, 1988 : 13).
A temática de relações raciais é pouca discutida nos espaços escolares e quando o enfoque é racismo, praticamente, inexiste nas escolas. Na tentativa de estimular a discussão de fora mais crítica, sugerimos algumas obras que puderam auxiliar na reflexão da situação do negro na escola, além daquelas que figuram na referência bibliográfica deste artigo.
Inicialmente apresentamos um número reduzido de indicações, mas com certeza o contato com estas reiterarão a outras publicações da área.
¨ A discriminação do negro no livro didático. (Ana Célia da Silva. Salvador: CED, 1995).
¨ Alma Africana no Brasil. Os Iorubás (Ronilda Ribeiro. São Paulo: Oduduwa, 1996)
¨ A mulher negra que vi de perto. O processo de construção da identidade racial de professoras negras. (Nilma Lino Gomes. Belo Horizonte: Mazza, 1995).
¨ A questão do negro na sala de aula. (Joel Rufino dos Santos. São Paulo: Ática, 1990).
¨ Alienígenas na sala de aula. (Tomaz Tadeu da Silva (Org.). Coleção Estudos Culturais ou Educação. Petrópolis: Vozes, 1995 ).
¨ Múltiplos olhares sobre educação e cultura. (Juarez Dayrell. Belo Horizonte: UFMG, 1996).
¨ Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. (João José Reis e Eduardo da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 1989).
¨ Negros e Currículos. (lvan Costa Lima e Jeruse Romão (Org.). Florianópolis: Núcleo de Estudos Negros (NEN), 1997).
¨ O que você pode ler sobre o negro - Guia de referências bibliográficas. (Ivan Costa Lima; Jeruse Romão; Sônia Maria Silveira (Org). Florianópolis: Núcleo de Estudos Negros (NEN), 1998).
¨ Preconceito e Autoconceito: identidade e interação na sala de aula. (Ivone Marfins Oliveira. Campinas: Papirus, 1994).
¨ Pensamento negro em educação: expressões do Movimento Negro. (Petronilha B.G. Silva e Lúcia M.A. Babosa (org). São Paulo: EDUFSCAR, 1997).
¨ Ser negro no Brasil hoje. (Ana Lúcia E. F. Valente. São Paulo: Moderna, 1994).
¨ Tornar-se negro. ( Neusa Santos. Rio de Janeiro, Graal, 1983 ).
Notas:
[1] Mestre e
Integração da América Latina pelo Programa de Pós-Graduação da América Latina
da Universidade de São Paulo - PROLAM/USP. End.: Av. Sarah Veloso, 1200 - Bl. lo - apto. 01 - 06150-000 - Osasco - SP.
[2] A chamada
'democracia racial' não tem nenhuma consistência e, vista do ângulo do
comportamento coletivo das ‘populações de cor', constitui um mito cruel" (FERNANDES, 1972:29).
[3] "Do
preconceito ao sucesso". A discriminação racial vista por quem venceu a
barreira e chegou lá, esta era a capa da Revista VEJA de 24 de junho de 1998, a
reportagem mostrava uma série de ídolos negros que romperam a barreira do preconceito,
apesar de que a maioria dos depoimentos falavam de
práticas racistas presentes na vida deles, mesmo com a ascensão social eles não
estavam livres do racismo.
[4] Utilizamos
o conceito de cidadania como qualidade do cidadão em gozar os direitos civis e
políticos e o cumprimento de seus deveres em um Estado. Podemos acrescentar o
conceito utilizado por Lopes: “direito de ter direito, como conquista da
humanidade, pois, desde o seu nascimento, a pessoa humana já está investida de
um conjunto intransferível de direitos, pelo fato único de ter ingressado na
sociedade humana” (1995: 25).
[5] Dados do
IBGE de 1990.
[6] Os
racismos são "criadores de estruturas simbólicas e de ações responsáveis
pela exclusão dos direitos da cidadania de um grupo social (...) sistemas de
dominação racistas combinam e alternam violências psicológicas com violências
culturais e físicas.. Cristalizam formas de desprezo social (...)os racismos matam, aniquilam, destroem a memória dos
aniquilados" (Cunha, 1996: 148-9).
[7] Segundo
documento da Leadership Conference on Civil Rights, de 7 de
março de 1995, Ação Afirmativa (AA) é um termo que engloba, além da simples
extinção da prática discriminatória, qualquer medida adotada para corrigir e/ou compensar por atos discriminatórios passados ou
presentes, bem como para prevenir novas ocorrências de discriminação.
[8] Definimos
como API um conj unto de estratégias e atitudes que possibilitem a inclusão, no
sistema educacional, dos alunos discriminados, em condições de igualdade dos
alunos não marginalizados.
[9]
Comunicação no Congresso das Culturas Negras das Américas realizado no Panamá
em 1980, "Uma abordagem dos movimentos negros no Brasil na década de
70" e em Nós (negros) marginais da educação brasileira"
(Conferência Brasileira de Educação).