POLÍCIA NAS ESCOLAS?
Qualquer resposta rápida a
essa questão corre o sério risco de ser simplista ou de generalizar situações
específicas. Não pretendo oferecer soluções prontas, mas contribuir para uma
reflexão que todas comunidades escolares precisam fazer. Se
desejamos avançar para a efetiva busca de alternativas, é imprescindível
questionar algumas premissas que explícita ou implicitamente fundamentam
posturas e propostas a esse respeito.
1. A premissa da unicausalidade: a cada efeito corresponde uma causa;
portanto, se a causa for eliminada ou removida, o efeito desaparecerá. A
violência é, provavelmente, o fenômeno mais complexo com o qual a humanidade se
defronta. Apresenta várias faces, dimensões e interfaces. São múltiplas as suas
causas, fatores desencadeantes e agravantes. Seu enfrentamento exige atuação
simultânea e integrada em diversos níveis, com distintas estratégias. Imaginar
que a violência pode ser resolvida (apenas) com policiamento é ingenuidade.
2. A premissa da violência
como um único fenômeno, tratado no singular. O mais apropriado é falar de
"violências". Isso nos força a sermos mais específicos: afinal, de
que tipo de violência estamos falando? Há uma grande
diferença entre situações corriqueiras de brigas e rixas entre alunos, e o fato
de a escola ser alvejada ou invadida por narcotraficantes. A primeira faz parte
do aprendizado de controle emocional, convívio social e respeito às diferenças
que deve integrar os objetivos da experiência escolar. A segunda pode, de fato,
requerer (dentre outras medidas), a presença da polícia no portão da escola.
3. A premissa de que
"o problema" está nos alunos. Essa é totalmente falsa. Primeiro,
porque não foram eles que inventaram a violência. Ela está aí, nas injustiças
sociais, na exclusão econômica, nas discriminações, nas telas da tevê, bem como
na intimidade do lar, e, finalmente, nas relações de poder dentro da escola e
na forma de muitos professores tratarem seus alunos. Segundo, porque se os
estudantes fazem parte do problema, igualmente fazem parte da solução. Cabe nos
questionarmos: por que resistimos tanto a reconhecer as potencialidades e
capacidades das crianças e adolescentes? Por que tememos que eles assumam um
papel protagônico nas discussões e decisões que
afetam a comunidade escolar? Se estamos avaliando a
possibilidade de ter policiais na escola, cabe-nos perguntar a opinião dos
alunos, ajudá-los a problematizar a questão e a analisar seus diversos
aspectos.
4. A
premissa maniqueísta, que divide os alunos entre "bons"
(aqueles que não dão trabalho) e "maus" (aqueles que dão trabalho
demais). A conseqüência disso é desejar uma escola que só tenha
"bons" alunos; no intuito de viabilizar esse sonho, excluímos os
"maus" – inicialmente, rotulando, discriminando, culpando e aplicando
sanções e, finalmente, expulsando da escola. Na realidade, é possível
identificar três grupos de alunos no que se refere à prática de atos violentos:
uma pequena minoria que regularmente usa de violência; outra minoria que nunca
pratica violência; e a vasta maioria que só faz uso de violência a depender das
circunstâncias. Isso significa que, se criarmos ambientes inclusivos e
situações de convivência pacífica, a maioria não encontrará motivo para fazer
uso de violência. Esta passará a ser cada vez menos freqüente, até ser tornar
uma exceção, por não mais fazer parte da cultura escolar, nem da linguagem
interpessoal. O ambiente exerce uma poderosa influência sobre o ser humano, e
isso ocorre também no aprendizado da paz. Por outro lado, se insistirmos em
excluir os que são agressivos ou desobedientes, que alternativa lhes
oferecemos? Freqüentemente, são transferidos de escola em escola, até que um
dia vão parar em alguma FEBEM ou presídio.
5. A premissa de que a
transmissão de conteúdo é o eixo central do processo educativo em sala de aula.
Até quando insistiremos na tolice de que a capacitação técnica para inserir o
jovem no mercado de trabalho é o objetivo final da escola? Quando é que os
alunos receberão uma capacitação moral e emocional que os insira na vida? Essa
obsessão "conteudista" impede a escola de transformar-se, bem como de
contribuir para qualquer processo de transformação pessoal ou social. É urgente
que o sistema educacional e cada educador reconheçam o ser humano em sua multidimensionalidade, que abrange o físico, o mental, o
emocional e o espiritual.
6. A premissa de que cabe
ao diretor/a resolver (sozinho/a) os problemas da escola. Melhor seria que os
diretores se reconhecessem como líderes de uma comunidade escolar, a qual inclui
alunos, professores, funcionários, dirigentes, famílias dos alunos e,
finalmente, os vizinhos do prédio escolar. Aos diretores cabe sensibilizar,
mobilizar, ouvir, articular, integrar, negociar, visando construir a unidade
dessa coletividade. É impossível ao diretor, isoladamente, "resolver"
o problema da violência. Os problemas da comunidade escolar precisam ser
pensados, discutidos e enfrentados coletivamente.
7. A premissa da repressão
como antídoto para a violência. Quanto mais confiamos na repressão, mais
descuidamos da educação. Isso é verdade para a sociedade como um todo e para
qualquer escola, em específico. Os melhores antídotos para a violência na
escola são uma boa relação educador–educando, baseada
em vínculos afetivos, diálogo, respeito mútuo e princípios de justiça, e um
ambiente escolar de participação, valorização, alegria e flexibilidade. Isso
demora mais e dá mais trabalho de que chamar a polícia, mas é exatamente essa a
missão da escola. Se desistirmos dela, o que nos restará?
Uma séria revisão dessas (e
outras) premissas é o primeiro passo a ser dado por aqueles que desejam
participar da construção de soluções inovadoras, efetivas e sustentáveis