AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR: UM ATO AMOROSO

 

 

Cipriano Luckesi

Professor da Universidade Federal da Bahia.

 

 

Durante muitos anos de trabalho com a avaliação da aprendizagem escolar, dediquei-me a desvendar as tramas nas quais essa prática se constitui e vem sendo exercitada em nossas escolas: uma prática ameaçadora, autoritária e seletiva. Portanto, ao longo desse tempo, vim denunciando o processo de exclusão que a prática da avaliação da aprendizagem escolar exercita, melhor dizendo, tem exercitado em relação aos educandos, no passado e no presente.

 

Ainda que em todas as minhas falas e escritos tenha me preocupado tanto com a denúncia da situação escolar concreta quanto com o anúncio de possibilidades de ação, parece que tenho ressaltado mais o aspecto negativo da avaliação da aprendizagem escolar. Desejo, nesta oportunidade, essencialmente, abordar os seus aspectos positivos. Quero clarificar com o ato de avaliar a aprendizagem, por si, é um ato amoroso. Entendo que o ato de avaliar é, constitutivamente, amoroso. Convido o leitor a viajar comigo nesta meditação.

 

Provas/exames e avaliação da aprendizagem escolar

 

A prática escolar usualmente denominada de avaliação da aprendizagem pouco tem a ver com avaliação. Ela constitui-se muito mais de provas/exames do que de avaliação. Provas/exames têm por finalidade, no caso da aprendizagem escolar, verificar o nível de desempenho do educando em determinado conteúdo (entendendo por conteúdo o conjunto de informações, habilidades motoras, habilidades mentais, convicções, criatividade etc.) e classificá-lo em termos de aprovação/reprovação (para tanto, podendo utilizar-se de níveis variados, tais como: superior, médio-superior, médio, médio-inferior, inferior, inferior sem-rendimento; ou notas que variam de 0 a 10, ou coisa semelhante). Desse modo, provas/exames separam os “eleitos” dos “não eleitos". Assim sendo, essa prática exclui uma parte dos alunos e admite, como “aceitos" , uma outra. Manifesta-se, pois como uma prática seletiva.

 

Essa característica das provas/exames não é graciosa. Ela está comprometida, como tenho denunciado em textos e falas com o modelo de prática educativa e, conseqüentemente, com o modelo de sociedade, ao qual serve. A prática de provas/exames escolares que conhecemos tem sua origem na escola moderna, que se sistematizou a partir dos séculos XVI e XVII,  com a cristalização da sociedade burguesa. As pedagogias jesuítica (séc XVI), comeniana, ( séc. XVII), lassalista (fins do século XVII e inícios do XVIII) são expressões das experiências pedagógicas desse período e sistematizadoras do modo de agir com provas/exames. A prática que conhecemos é herdeira dessa época, do momento histórico da cristalização da sociedade burguesa, que se constitui pela exclusão e marginalização de grande parte dos elementos da sociedade. A sociedade burguesa é uma sociedade marcada pela exclusão e marginalização de grande parte de seus membros. Ela não se constitui num  modelo amoroso de sociedade. Seria sua negação. Basta observar que os slogans da Revolução Francesa ( revolução burguesa por excelência), por si, eram amorosos, mas nenhum deles pode ser traduzido em prática histórica concreta dentro dessa sociedade. A liberdade e a igualdade foram definidas no limite da lei; evidentemente, na lei da burguesa. E a fraternidade permaneceu como palavra que o vento levou. Praticar a fraternidade seria negar as possibilidades da sociedade burguesa, que tem por base a exploração do outro pela apropriação do excedente do seu trabalho, ou seja, pela apropriação da parte não-paga do trabalho alheio[1]. Neste contexto, o ato pedagógico e, ainda menos, o ato das provas/exames poderia ser um ato amoroso. Para serem amorosos esses atos opor-se-iam ao modelo de sociedade do qual emergem e no qual se sustentam. Para servir à sociedade burguesa, como servem, deveriam ser, como têm sido, atos antagônicos, autoritários, seletivos; e, por vezes, rancorosos[2].

 

A denominação avaliação da aprendizagem é recente. Ela é atribuída a Ralph Tyler[3], que a cunhou em 1930. O próprio Tyler reivindica para si essa autoria em texto recentemente publicado e os pesquisadores norte-americanos da área de avaliação da aprendizagem reconhecem a Tyler o direito dessa paternidade, definindo o período de 1930 a 1945 como o período “tyleriano” da avaliação da aprendizagem.

Mudou-se a denominação, mas a prática continuou sendo a mesma, de provas e exames. Tyler inventou a denominação avaliação da aprendizagem e militou na prática educativa defendendo a idéia de que a avaliação poderia e deveria subsidiar um modo eficiente de fazer o ensino. Outros, no mundo todo, ao seu lado ou um pouco depois, militaram na mesma perspectiva. Porém, no geral, a prática escolar de acompanhamento do processo de crescimento do educando continuou sendo de provas de exames. Libâneo, em seu estudo sobre a prática pedagógica dos professores das escolas públicas de São Paulo, reconhece que a avaliação da aprendizagem é o âmbito da ação pedagógica em que os professores são mais resistentes à mudança[4].

 

Essa prática é difícil de ser mudada devido ao fato de que a avaliação, por si, é um ato amoroso e a sociedade na qual está sendo praticada não é amorosa e, daí, vence a sociedade e não a avaliação. Em nossa prática escolar, hoje, usamos a denominação de avaliação e praticamos provas e exames, uma vez que esta é mais compatível com o senso comum exigido pela sociedade burguesa e, por isso, mais fácil e costumeira de ser executada. Provas e exames implicam julgamento, com conseqüente exclusão; avaliação pressupõe acolhimento, tendo em vista a transformação. As finalidades e funções da avaliação da aprendizagem são diversas das finalidades e funções das provas e exames são compatíveis com a sociedade burguesa, as da avaliação, a questionam, por isso, torna-se difícil realizar a avaliação na integralidade do seu conceito, no exercício de atividades educacionais, sejam individuais ou coletivas.

 

Avaliação da aprendizagem escolar como um ato amoroso

 

O ato amoroso é aquele que acolhe a situação, na sua verdade (como ela é). Assim, manifesta-se o ato amoroso consigo mesmo e com os outros. O mandamento “ama o teu próximo como a ti mesmo” implica o ato amoroso que, em primeiro lugar, inclui a si mesmo e, nessa medida, pode incluir os outros. O ato amoroso é um ato que acolhe atos, ações, alegrias e dores como eles são; acolhe para permitir que cada coisa seja o que é, neste momento. Por acolher a situação como ela é, o ato amoroso tem a característica de não julgar. Julgamentos aparecerão, mas, evidentemente, para dar curso à vida (à ação) e não para excluí-la. Na passagem de Maria Madalena, Jesus Cristo incluiu-a no seio dos seres humanos comuns, enfrentando os fariseus com a frase: “Atire a primeira pedra, quem não tiver pecado”. Com essa expressão, ele a acolheu; e, porque acolhida, Madalena foi curada no corpo e  na alma. O acolhimento integra, o julgamento afasta. Todos necessitamos do acolhimento por parte de nós mesmos e dos outros. Só quando acolhidos, nos curamos. O primeiro passo para a cura é a admissão da situação como ela é. Quando não nos acolhemos e/ou não somos acolhidos, gastamos nossa energia nos defendendo e, ao longo da existência, nos acostumamos às nossas defesas, transformando-as em nosso modo permanente de viver[5]. Em síntese, ato amoroso é acolhedor, integrativo, inclusivo.

 

Defino a avaliação da aprendizagem como um ato amoroso, no sentido de que a avaliação, por si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir avaliação de julgamento. O julgamento é um ato que distingue o certo do errado, incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma situação, para, então (e só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe suporte de mudança, se necessário[6]. A avaliação, como ato diagnóstico, tem por objetivo a inclusão e não a exclusão; a inclusão e não a seleção (que obrigatoriamente conduz à exclusão). O diagnóstico tem por objetivo aquilatar coisas, atos, situações, pessoas, tendo em vista tomar decisões no sentido de criar condições para obtenção de uma maior satisfatoriedade  daquilo que se esteja buscando ou construindo.

 

Transportando essa compreensão para a aprendizagem, podemos entender a avaliação da aprendizagem escolar como um ato amoroso, na medida em que a avaliação tem por objetivo diagnosticar e incluir o educando, pelos mais variados meios, no curso da aprendizagem satisfatória, que integre todas as suas experiências de vida.

 

A prática de provas e exames exclui parte dos alunos, por basear-se no julgamento, a avaliação pode incluí-los devido ao fato de proceder por diagnóstico e, por isso, pode oferecer-lhes condições de encontrar o caminho para obter melhores resultados na aprendizagem[7].

 

Simbolicamente, podemos dizer que a avaliação, por si, é acolhedora e harmônica, como o círculo é acolhedor e harmônico. Quando chamamos alguém para dentro do nosso círculo de amigos, estamos acolhendo-o. Avaliar um aluno com dificuldades é a base do modo de como incluí-lo dentro do círculo da aprendizagem; o diagnóstico permite a decisão de direcionar ou redirecionar aquilo ou aquele que está precisando de ajuda.

 

Uso escolar da avaliação da aprendizagem

 

A avaliação da aprendizagem na escola tem dois objetivos: auxiliar o educando no seu desenvolvimento pessoal, a partir do processo de ensino-aprendizagem, e responder à sociedade pela qualidade do trabalho educativo realizado.

 

De um lado, a avaliação da aprendizagem tem por objetivo auxiliar o educando no seu crescimento e, por isso mesmo, na sua integração consigo mesmo, ajudando-o na apropriação dos conteúdos significativos (conhecimento, habilidades, hábitos, convicções). A avaliação, aqui, apresenta-se como um meio constante de fornecer suporte ao educando no seu processo de assimilação dos conteúdos e no seu processo de constituição de si mesmo como sujeito existencial e como cidadão. Diagnosticando, a avaliação permite a tomada de decisão mais adequada, tendo em vista o autodesenvolvimento e o auxílio externo para esse processo de autodesenvolvimento.

 

Por outro lado, a avaliação da aprendizagem responde a uma sociedade social. A escola recebe o mandato social de educar as novas gerações e, por isso, deve responder por esse mandato, obtendo dos seus educandos a manifestação de suas condutas aprendidas e desenvolvidas. O histórico escolar de cada educando é o testemunho social que a escola dá ao coletivo sobre a qualidade do desenvolvimento do educando. Em função disso, educador e educando têm necessidade de se aliarem na jornada da construção da aprendizagem.

 

Esses dois objetivos só fazem sentido se caminharem juntos. Se dermos atenção exclusivamente ao sujeito individual, podemos criar no espontaneísmo; caso centremos nossa atenção apenas no segundo, chegaremos ao limite do autoritarismo.

 

O caminho é o do meio, onde o crescimento individual do educando articula-se com o coletivo, não no sentido de atrelamento à sociedade (estar a serviço da sociedade), mas sim no sentido de responsabilidade que a escola necessita ter com o educando individual e com o coletivo social (com as pessoas que compõem a sociedade, com suas preciosas). A escola testemunha às pessoas a qualidade do desenvolvimento dos educandos e cada um de nós aceita esse testemunho acatando certificados e diplomas escolares. Sempre desejamos saber se o profissional que utilizamos é formado e como é formado. Esse testemunho é dado pela escola.

 

Assim sendo, a avaliação da aprendizagem escolar auxilia o educador e o educando na sua viagem comum de crescimento, e a escola na sua responsabilidade social. Educador e educando, aliados, constroem a aprendizagem, testemunhando-a a escola, e esta à sociedade. A avaliação da aprendizagem neste contexto é um ato amoroso, na medida em que inclui o educando no seu curso de aprendizagem, cada vez com qualidade mais satisfatória, assim como na medida em que o inclui entre os bem-sucedidos, devido ao fato de que esse sucesso foi construído ao longo do processo de ensino aprendizagem (o sucesso não vem de graça). A construção, para efetivamente ser construção, necessita incluir, seja do ponto de vista individual, integrando a aprendizagem e o desenvolvimento do educando, seja do ponto de vista coletivo, integrando o educando num grupo de iguais, o todo da sociedade.

 

Alguns cuidados necessários com a prática da avaliação da aprendizagem escolar

 

No que se refere às funções da avaliação da aprendizagem, importa ter presente que ela permite o julgamento e a conseqüente classificação, mas essa não é a sua função constitutiva. É importante estar atento à sua função ontológica (constitutiva), que é de diagnóstico, e, por isso mesmo, a avaliação cria a base para a tomada de decisão, que é o meio de encaminhar os atos subseqüentes, na perspectiva da busca de maior satisfatoriedade nos resultados[8]. Articuladas como esta função básica estão:

 

a) a função de propiciar a auto-compreensão, tanto do educando quanto do educador. Educando e educador, por meio dos atos de avaliação, como aliados na construção de resultados satisfatórios de aprendizagem, podem se auto-compreender no nível e nas condições em que se encontram para dar um salto à frente. Só se auto-compreendendo é que esses sujeitos do processo educativo podem encontrar o suporte para o desenvolvimento. Em primeiro lugar, é necessário ter consciência de onde se está, tendo em vista escolher para onde ir. Por meio dos instrumentos de avaliação da aprendizagem, o educando poderá se auto-compreender com a ajuda do professor, mas este também poderá se auto-compreender no seu papel pessoal de educador, no que se refere ao seu modo de ser, às suas habilidades para a profissão, seus métodos, seus recursos didáticos etc. Como aliados do processo ensino-aprendizagem, educador e educando podem se auto-compreender a partir da avaliação da aprendizagem, o que terá ganhos para ambos e para o sistema de ensino;

 

b) a função de motivar o crescimento. Na medida em que ocorre o reconhecimento do limite e da amplitude de onde se está, descortina-se uma motivação para o prosseguimento no percurso de vida ou de estudo que se esteja realizando. A avaliação motiva na medida mesmo em que diagnostica e cria o desejo de obter resultados mais satisfatórios. Tradicionalmente, a avaliação da aprendizagem tem sido desmotivadora. Os educandos se sentem mal com os conteúdos desabonadores feitos pelos educadores no momento de devolver-lhes os resultados de seus trabalhos. Muitas vezes são comentários negativos e desqualificadores. Assim se desmotivam. Contudo, avaliação pode e deve ser motivadora para o educando, pelo reconhecimento de onde está e pela conseqüente visualização de possibilidades;

 

c) a função de aprofundamento da aprendizagem. Quando se faz um exercício para a aprendizagem seja manifestada, esse mesmo exercício já é uma oportunidade de aprender o conteúdo de uma forma mais aprofundada, de fixa-lo de modo mais adequado na memória, de aplicá-lo etc. O exercício da avaliação apresenta-se, neste caso, como uma das múltiplas oportunidades de aprender. Fazer um exercício a mais, se o exercício é suficientemente significativo, é um modo de aprender mais. A assimilação dos conteúdos escolares se dá pela recepção da informação e por sua assimilação ativa, por meio de exercícios que organizam as experiências e formam as habilidades e os hábitos. As atividades na prática da avaliação da aprendizagem têm o destino de possibilitar a manifestação, ao educador e ao próprio educando, da qualidade de sua possível aprendizagem, mas possibilita, também, ao mesmo tempo, o aprofundamento da aprendizagem. Os exercícios que são executados na prática da avaliação podem e devem ser tomados como exercícios de aprendizagem.

 

d) a função de auxiliar de aprendizagem. Creio que, se tivermos em nossa frente a compreensão de que a avaliação auxilia a aprendizagem, e o coração aberto para praticarmos este princípio, sempre faremos bem a avaliação de aprendizagem, uma vez que estaremos atentos as necessidades de nossos educandos, na perspectiva do seu crescimento. Então, estaremos fazendo o melhor para que eles aprendam e se desenvolvam.

 

Para cumprir as funções acima especificadas da aprendizagem, importa estarmos atentos a alguns cuidados com os instrumentos utilizados para operacionalizá-la:

 

1. ter ciência de que, por meio dos instrumentos de avaliação de aprendizagem, estamos solicitando ao educando que manifeste  a sua intimidade (seu modo de aprender, sua aprendizagem, sua capacidade de raciocinar, de poetizar, de criar estórias e de viver etc). Não podemos, pois, aproveitar essa sua manifestação para “tomar posse” dele. Temos de respeitar essa sua intimidade e cuidar dela com carinho, utilizando-a como suporte de diagnóstico, de troca dialógica e da possível reorientação da aprendizagem tendo em vista o desenvolvimento do educando[9];

 

2. Construir os instrumentos de coleta de dados para a avaliação (sejam eles quais forem), com atenção aos seguintes pontos:

 

·                    Articular o instrumento com os conteúdos planejados, ensinados e aprendidos pelos educandos, no decorrer do período escolar que se toma para avaliar. Não se pode querer que o educando manifeste uma aprendizagem que não foi proposta nem realizada;

 

·                    Cobrir uma amostra significativa de todos os conteúdos aprendidos e ensinados de fato. Caso os conteúdos sejam essenciais, todos devem ser avaliados, conteúdos que não sejam essenciais não devem nem mesmo ir para o planejamento, quanto mais para o ensino, menos ainda para a avaliação;

 

·                    Compatibilizar as habilidades (motoras, mentais,imaginativas...), do instrumento de avaliação com as habilidades trabalhadas e desenvolvidas na prática do ensino-aprendizagem. Não se pode admitir que certas habilidades sejam utilizadas nos instrumentos de avaliação caso não tenham sido praticadas no ensino;

 

 

·                    Compatibilizar os níveis de dificuldade do que está sendo avaliado com os níveis de dificuldade do que foi ensinado e aprendido. Um instrumento de avaliação de aprendizagem não tem que ser nem mais fácil nem mais difícil do que aquilo que foi ensinado e aprendido. O instrumento de avaliação deve ser compatível em termo de dificuldade com o ensinado;

 

·                    Usar uma linguagem clara e compreensível, para salientar o que se deseja pedir. Sem confundir a compreensão do educando no instrumento de avaliação. Para responder ao que pedimos, o educando necessita saber com clareza o que estamos solicitando. Ninguém responde a uma pergunta, caso não a compreenda;

 

·                    Por último, construir instrumentos que auxiliem a aprendizagem dos educandos, seja pela demonstração da essencialidade dos conteúdos, seja pelos exercícios inteligentes, ou pelos aprofundamentos cognitivos propostos.

 

Caso o educador tenha o desejo de verificar se os educandos são capazes de saltos maiores do que aquilo que do ensinado, poderá construir algumas questões, itens ou situações problemas que exijam para além do ensinado e do aprendido, porém não deverá considerar o desempenho do educando nesses elementos para efeito de aprovação/reprovação (caso se esteja trabalhando com tais parâmetros), mas tão-somente como diagnóstico do desenvolvimento possível  dos educandos[10].

 

Por último, entre os cuidados da avaliação de aprendizagem é preciso estarmos atentos ao processo de correção e devolução dos instrumentos da aprendizagem escolar aos educandos:

 

a) quanto à correção: não fazer um espalhafato com cores berrantes.  Não tenho nada contra o vermelho considero-o uma cor forte. Por isso mesmo é utilizado para chamar atenção. Ela  é carregada de expressões negativas do cotidiano: “estou operando no vermelho"; “obtive uma nota em vermelho”, “o boletim do meu filho, neste mês, teve três notas em vermelho”. Pode-se usar um lápis; não é necessário borrar um trabalho do aluno, desqualificando-o.Tendo um afeto positivo, cada professor saberá a melhor forma de cuidar da correção dos trabalhos dos seus educandos[11];

 

b) Quando à devolução dos resultados : penso que o professor deve, pessoalmente, devolver  os instrumentos de avaliação de aprendizagem aos educandos, comentando-os auxiliando o educando a se auto-compreender em  seu processo pessoal de estudo, aprendizagem e desenvolvimento. Creio que não devemos mandar alguém entregar os instrumentos após a correção. Nós recebemos das mãos de cada aluno; qual seria a razão para não entregarmos de volta  às mãos de cada um? Mandar entregar é uma forma de suprimir a possibilidade de um processo dialógico e construtivo entre o educar e o educando.

 

Concluindo

 

O ato de avaliar, por sua constituição mesma, não se destina a um julgamento “definitivo” sobre alguma coisa, pessoa ou situação, pois que não é um ato seletivo. A avaliação se destina ao diagnóstico e, por isso mesmo, à inclusão; destina-se à melhoria do ciclo de vida. Deste modo, por si, é um ato amoroso. Infelizmente, por nossas experiências histórico-sociais e pessoais, temos dificuldades em assim compreendê-la e praticá-la. Mas fica o convite a todos nós. É uma meta a ser trabalhada, que, com o tempo, se transformará em realidade, por meio de nossa ação. Somos responsáveis por esse processo.

 

 

NOTAS:

 

[1] A obra de Marx é uma profunda análise da sociedade capitalista e no livro O capital os estudos sobre a mais-valia absoluta e relativa não deixam dúvidas sobre os fundamentos da constituição da sociedade burguesa; a mais-valia nada mais representa do que a exploração do homem pelo homem para garantir o capital, que é a base da sociedade burguesa.

 

[2]  A experiência educacional escolar genericamente falando, dá-se como se o professor tivesse todos os alunos como seus inimigos e os alunos tivessem, previamente, o professor como seu inimigo. Esse antagonismo se mostra na sua integralidade, quando o tema são provas e exames. O professor deseja “pegar os alunos pelo pé” e os alunos desejam manobrar o professor. Os sujeitos educador e educando não se colocam como aliados da construção bem sucedidas da aprendizagem - o que seria o ideal.

 

[3] Ralph Tyler é um educador norte-americano, que se dedicou à questão de um ensino que fosse eficiente. No Brasil, ele é conhecido pelo seu livro Princípios básicos do currículo e ensino, traduzido e publicado pela editora Globo, Porto Alegre, 1974.

 

[4] José Carlos Libâneo, Tendências pedagógicas dos professores das escolas públicas de São Paulo, tese de mestrado, PUC – SP, 1982.

 

[5] O acolhimento é condição da cura. Nós criamos nossos mecanismos de defesa como estratégias de sobrevivência. No decorrer da vida necessitávamos sobreviver e tivemos de nos defender das “intempéries”. A nossa defesa, por vezes, tornou-se crônica, perdendo a flexibilidade de expandir e contrair, criando deste modo, um mecanismo de defesa crônico (necessitamos ter mecanismos de defesa para garantir a nossa sobrevivência, porém eles podem e devem ser flexíveis; não crônicos). Vivendo e sobrevivendo na defesa, nem nós mesmos somos mais capazes de nos acolhermos. Então, não há caminho para a cura. O ponto de partida para toda cura é o reconhecimento acolhedor do que existe. Nossos mecanismos de defesa nos prendem ao passado e, muitas vezes, nos obrigam a assumir atitudes regressivas, (que não são adultas). O ato amoroso é um ato “adulto”; é uma to de quem está reagindo em conformidade com os dados da realidade presente e não em conformidade com experiências regressivas. Ver Wilhelm Reich. A função do orgasmo. São Paulo, Brasiliense, 1984.

 

[6] Estou fazendo uma distinção entre julgamento e avaliação, no sentido de que o julgamento define uma situação, do ponto de vista do sim e do não, do certo e do errado; A avaliação acolhe alguma coisa, ato, pessoa ou situação e, então, reconhece-a como é (diagnóstico), para uma tomada de decisão sobre a possibilidade de uma melhoria de sua qualidade; para a avaliação não há uma separação entre o certo e o errado; Há o que existe e esta situação que existe é acolhida, para ser modificada. Na avaliação não há exclusão.

[7] Talvez o exemplo ajude a compreender o que está sendo exposto. O exame vestibular (não vamos entrar aqui na discussão de sua validade educacional ou social), seleciona, ou seja, dentre os muitos demandantes ele seleciona uma parte.  Aí nós temos seleção; alguns são acolhidos, outros são excluídos. Os alunos que foram acolhidos ingressam na universidade e vamos dizer que um grupo de trinta alunos compõem uma turma; no percurso da atividade de ensino, esses alunos não deveriam mais ser selecionados, mas sim avaliados, o que significa que eles deveriam ser cuidados para que viessem a aprender e a si desenvolver. Assim sendo, o vestibular não pratica avaliação educacional,  como estamos compreendendo, mais sim seleção; a sala de aula não pode praticar seleção, mas sim avaliação, se está de fato, voltada para o crescimento do educando.

 

[8] As observações que se seguem, especialmente ao que se refere às funções da avaliação e aos elementos necessários da construção de instrumentos de avaliação da aprendizagem, foram inspiradas no capítulo “testes como auxílio à aprendizagem” de Norman Grounlund, do seu livro Elaboração de testes de aproveitamento escolar, São Paulo, EPU, 1974. Grounlund é um técnico-pedagogo, mas, nestes textos manifesta-se sutil e sensível às questões básicas da avaliação como subsidiária de decisões fundamentais para o ensino.

 

[9] É interessante ver as observações de Michel Foucault, em Vigiar e punir, Petrópolis, Vozes, 1979, na parte relativa à disciplina na escola, em que discute a questão do significado dos exames numa sociedade marcada pela disciplina;

 

[10] Normam Grounlund, tratando desta questão em seu livro Elaboração de testes para o ensino, São Paulo, Pioneira, 1979 sugere que um mesmo teste trabalhe com o domínio e com o desenvolvimento; para a avaliação do primeiro, utiliza-se a avaliação por critério, e, para a do segundo, a avaliação  por norma. Neste processo só se levaria em consideração, para a promoção do educando, a parte do teste relativa ao domínio. A parte relativa à norma seria utilizada para diagnosticar as possibilidades de avanços dos educandos para além do mínimo necessário. Nesta perspectiva, vale a pena ver este texto.

 

[11] Adriana de Oliveira Lima, em seu livro Avaliação escolar: julgamento & construção, Petrópolis, Vozes, 1994, oferece considerações interessantes sobre a prática escolar de correção dos instrumentos de avaliação da aprendizagem.