VULNERABILIDADE E ADOLESCÊNCIAS

 

 

Maria Teresa Machado Luz[1]

Psicóloga.

 

Ricardo de Castro e Silva[2]

Psicólogo Psicodramatista.

 

 

“A noção de Vulnerabilidade busca estabelecer uma síntese conceitual e prática das dimensões sociais, políticas - institucionais e comportamentais, associadas às diferentes susceptibilidades de indivíduos, grupos populacionais e até mesmo nações, à infecção pelo HIV e suas conseqüências indesejáveis”[3].

 

A grande pergunta para os profissionais que trabalham diretamente com adolescentes é: como fazer com que nossas intervenções realmente possam contribuir para que o e a adolescente consigam cuidar-se e prevenir-se de situações que coloquem em risco sua integridade e sua felicidade? E ainda por que para alguns adolescentes, mesmo participando de grupos e tendo acesso às informações sobre prevenção, não conseguem se cuidar e acabam tendo de enfrentar situações que podem constrangê-los.

 

Embora, estar vulnerável a alguma situação seja próprio do ser humano, só muito recentemente este conceito foi retomado, ajudando a clarear os objetivos e contribuindo na estruturação, realização e avaliação do trabalho junto a adolescentes.

 

A definição colocada acima, por Ayres, tem sido utilizada por nós, profissionais de diversas áreas, no trabalho de prevenção às DSTs/Aids. Na verdade essa definição vem sintetizar uma idéia que já vem sendo desenvolvida há algum tempo e que hoje passa ser a questão central: o reconhecimento da diversidade humana e, como decorrência, a necessidade do reconhecimento da diversidade própria nas adolescências.

 

Traduzindo, podemos dizer que a vulnerabilidade vem confirmar e de certa forma, institucionalizar a visão de homem, que deverá sempre permear nossas ações educativas - o homem plural, construído na sua diversidade.

 

Na prática, significa que não podemos mais pensar a prevenção a partir de um único referencial, de uma idéia de universalidade de sujeito, que não existe. Somos diferentes: homens, mulheres, pobres, ricos, crianças, adultos, brancos, negros, adolescentes, jovens, brasileiros, europeus, do norte, do sul e assim por diante. Diferenças estas que são construídas e mantidas por mecanismos sócio-históricos, o que significa que estão em constante mudança.

 

Passamos por épocas nas quais outros conceitos foram criados e institucionalizados, como grupos de riscos e comportamento de risco. Hoje, o conceito da vulnerabilidade marca uma nova etapa nessa trajetória. Estamos nos distanciando de uma compreensão limitada dos mecanismos da contaminação, passando a compreendê-la de forma mais real, mais coerente, menos influenciada dos preconceitos que marcam nossa cultura.

 

Em relação aos adolescentes, o que o conceito da vulnerabilidade traz de novo? Em primeiro lugar, nos remete à seguinte questão: quando falamos do adolescente, estamos falando de quem?

 

Perguntando de outra forma: qual o conceito de adolescente que está presente no momento em que o defino?

 

· Etapa entre a infância e adolescência?

 

· Um homem do futuro?

 

· Época de rebeldia com o mundo adulto?

 

· Época de luto por tudo o que está perdendo?

 

- Qual a imagem que tenho?

 

· Aborrescente?

 

· Irresponsável?

 

· Responsável?

 

· Violento?

 

· Irreverente?

 

· Sadio?

 

· Inocente?

 

· Sacana?

 

· Criativo?

 

Um segundo movimento, que o conceito de vulnerabilidade traz, é começarmos a olhar o “ao redor, o em volta” deste e desta adolescente:

 

· Como vivem estes e estas adolescentes?

 

· Estudam? Trabalham? Comem? Divertem-se? Têm amigos? Como moram? Quem são as pessoas de sua família? Que visão têm de mundo, de Brasil, de futuro?

 

Estamos falando das adolescências, e não mais da adolescência. Essa postura, que devemos adotar, reconhece a pluralidade da adolescência e não mais a idéia da universalidade.

 

As adolescências são delimitadas, portanto, definidas por aquilo que está ao redor, pela sua realidade.

 

Uma terceira e talvez última questão, que norteia o conceito de vulnerabilidade é a forma como esses homens e mulheres adolescentes vivem sua sexualidade e, aí, entramos na área dos valores, conceitos, pré-conceitos e vivências, de cada uma dessas pessoas .

 

· Transam? Com quem? Por quais razões? Não transam?

 

· Como o vemos e, portanto, como o tratamos? Pessoas sexualizadas, assexualizadas?

 

· Com qual visão de sexualidade trabalhamos junto a esses homens e mulheres adolescentes? Direito ao prazer com responsabilidade? Vivência perigosa que poderá levar a problemas como a gravidez, DSTs, e outros?

 

Trabalhar com o conceito de vulnerabilidade é passar a fazer perguntas a respeito do sujeito sobre o qual estamos falando. Perguntas nas três dimensões definidas no conceito: social, política, institucional e pessoal.

 

E aí, vamos conhecer as inúmeras questões que podem aumentar o grau de vulnerabilidade do e da adolescente:

 

· Questões de gênero - relações desiguais de poder entre homens e mulheres;

 

· Condições de vida;

 

· Condições de Saúde;

 

· Acesso ou não à informação;

 

· Possibilidade de reflexão sobre diversas questões que perpassam sua vida, inclusive as questões de sexualidade;

 

· Relação que estabelece com a vivência do prazer e do desprazer em sua vida;

 

· Falta de políticas públicas em Saúde e Educação para os e as adolescentes brasileiras;

 

· Falta de serviços de saúde adequados para adolescentes;

 

· Falta de participação do adolescente no planejamento, execução e avaliação de ações, planos e políticas de saúde e educação;

 

· Tirar o e a adolescente do lugar de ouvinte e mero expectador do mundo, e colocá-lo no lugar de autor, realizador e criador de ações no mundo.

 

Sem dúvida, possibilitar que toda essa estrutura funcione positivamente vai favorecer que o/a adolescente possa conhecer-se melhor, para reconhecer-se como sujeito de sua história pessoal e social. O que significa valorizar-se como pessoa, importar-se consigo mesmo para poder relacionar-se com seus pares, ver-se ativo e responsável por sua trajetória, por prevenir-se de situações que possam prejudicar seu desenvolvimento dando passos que o ajudem a crescer sem perder-se de si mesmo, ao mesmo tempo em que possa ver no outro a possibilidade de complementar sua felicidade.

 

Lugar de adolescentes, a escola poderia servir de porto-seguro para que o adolescente, ao gostar de conhecer, pudesse encontrar prazer em aprender e, assim, ver-se como pessoa participante de um mundo cientificamente organizado, com uma história e uma cultura própria; e conseqüentemente, também como autor e ator deste processo. Ser parte integrante dessa organização social pode ser o caminho para que o adolescente, tendo seus direitos preservados, fique menos vulnerável aos apelos da sociedade para afastar-se de si, alienar-se de sua condição de sujeito e ver-se como objeto fácil de consumo certo de produtos que “engole” sem nem saber o porquê. Entenda-se aqui por produtos, não só aqueles comprados legalmente nas casas comerciais como as drogas ilícitas, os valores, o uso do corpo e a ideologia de que adolescente só serve para atrapalhar, que é “aborrescente”, que é a idade do guarda-roupa.

 

São os adultos os responsáveis por, ao excluir o adolescente de sua função na sociedade, colocá-los mais vulneráveis a toda sorte de exposição, facilitando que as DSTs/Aids realmente sejam ameaças muito próximas de suas vidas.

 

 

 

 

 

Notas:

[1] Maria Teresa Machado Luz  - Psicóloga, coordenadora de grupos e adolescentes, coordenadora do Movimento de Adolescentes Brasileiros (MAB).

 

[2] Ricardo de Castro e Silva  - Psicólogo Psicodramatista, mestre em Educação, instrutor do Sistema Rio Aberto, consultor na área e Orientação Sexual, vice-presidente do GTPOS, consultor da Fundação Odebrecht, professor do curso de especialização em Sexualidade Humana da Unicamp.

 

[3]1 AYRES, José Ricardo de C., Vulnerabilidade e Avaliação de Ações Preventivas. Editora eletrônica casa de Edição, SP 1996.

 

[4]  Texto extraído em: http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap10/cap10.htm