O
CASAMENTO DE INÚBEIS NA SOCIEDADE MODERNA
Considerações acerca do Livro IV, Capítulo II
do Novo Código Civil
Jesuíno Barbosa Júnior
Advogado. Especialista em Direito Público e
Direito Processual Civil.
As definições de casamento têm a
natureza incerta e temporária de todas as coisas sociais. O seu fim deve ser o
de caracterizar o seu tempo, e nada mais. Tempo e lugar. Não há conceito a
priori de casamento, que valha para todos os tempos e para todos os povos. (Pontes de Miranda)
Abre-se a
Constituição Federal, baluarte maior de nossa garbosa sociedade e, logo ali no
exórdio, depara-se com um dispositivo de importância ímpar. Ei-lo:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:
I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento
nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Impossível
ignorar a relevância de tal dispositivo, quando temos a oportunidade de poder
olhar, de frente e diuturnamente, para a sociedade que, por meio de seus
constituintes, legitimou-a, tornando-a a maior expressão de nossas aspirações.
Cada cidadão brasileiro, de canto a canto, traz consigo essa ditosa pretensão.
Utopia? Não.
Enquanto “descobriam” o Brasil, o
notável escritor inglês, Thomas Morus,
já havia criado, àquela época, seu país, o “utopia”.
Ali, naquele país imaginário, Morus divisava
um governo organizado de forma tal que, indistintamente, proporcionava ótimas
condições de vida a seu povo, operoso, equilibrado e feliz.
Ao que se infere de nossa Carta
Maior, nossa aspirações permeiam o país de Thomas
Morus. Assim, compete-nos tão-só, em laborando, construir este país, a
começar por suas pequenas células, com ênfase para a família.
Francamente
recuso-me a crer que um povo, que não tenha por prioridade a escorreita
constituição da família, a solidez e estabilidade do lar conjugal, imagine ser
possível a construção de uma sociedade justa.
Adianto que
a razão de tais digressões repousa no fato de que, a seguir, faremos explanar
alguns aspectos acerca da possibilidade
jurídica do casamento de jovens menores de 16 (dezesseis) anos. Para tanto,
importante que se faça uma pequena incursão na história.
Na Roma
antiga era exigido, para a validade do casamento, dentre outros requisitos, o
da idade. Os romanos analisavam o desenvolvimento físico dos nubentes. O
critério adotado, em atenção à escola dos Sabinianos, variava caso a caso, de
indivíduo para indivíduo.
Posteriormente,
já no primeiro século a.d.,
estabeleceu-se um padrão de idade para a puberdade masculina, fixando-se-a aos quatorze
anos .
Adotou-se
então este parâmetro e ficou determinado que poderiam casar-se o homem de
quatorze anos e a mulher maior de doze anos.
Como se percebe, a visão do
casamento repousava, primariamente, na procriação, uma vez que relevava a
questão da puberdade.
Sob a orientação canônica, no
Brasil do século XVIII, a idade para o casamento era fixada em quatorze
anos para o homem e doze para a mulher.
Com o advento do Decreto nº 181, de
24.01.1890 (Lei do Matrimônio), que
regulou o casamento civil entre nós, exigia-se que os nubentes tivessem uma
idade núbil, ali estabelecida de dezesseis anos para o homem e de quatorze
para a mulher (art. 7º § 8º).
De se observar que ali, como nas
demais normas, a fixação de uma idade núbil já atentava, estreme de dúvidas, ao
amadurecimento físico e psicológico dos futuros esposos, que ao convolarem
núpcias, constituem nova célula na sociedade.
Volvendo um pouco mais ao passado,
vamos encontrar no DIREITO CANÔNICO que ali se distingue no matrimônio fins primários e secundários. Os fins primários
são a procriação e a educação da prole, enquanto que os secundários são o
remédio à concupiscência e a ajuda mútua. (cânone 1.013 §1).
No Direito
Canônico, a procriação entra na definição de casamento como um elemento natural
a ele. As definições não prescindem do fato essencialmente biológico, cuja
finalidade é a perpetuação da espécie. A prole, pois, esteve sempre presente no
conceito de casamento. A família, portanto, esse restrito grupo social voltado
ao amor, ao afeto, à igualdade, propiciando a seus membros o pleno
desenvolvimento de suas individualidades, constitui um sistema tal que sofre e,
ao mesmo tempo, irradia influências na estrutura social básica.
É que essa
união física entre o homem e a mulher, sob o pálio da lei, tem como essência,
além de uma estreita comunhão de vida, a procriação. A exigência de uma idade
núbil se observa, é universal, inerente a todos os povos e, de conseqüência
inserta em todas as legislações. Sua pretensão outra não é, senão a de
assegurar que os noivos assumirão o casamento absolutamente consciente de seus
direitos e deveres, aptos a assumirem as responsabilidades advindas de uma vida
conjugal.
Ainda na
história, vamos encontrar no DIGESTO que:
O casamento
“é a Conjunção do homem e da mulher que se associam para toda a vida, a
comunhão do direito humano e do direito divino” (Modestino – Digesto Liv.
XXIII).
De salutar relevância essa
interação das “normas divinas” às regras sociais. Entende-se de notável
importância a deferência a ambos os mandamentos. Sem a
observância de um, o outro não prospera. A sociedade atual, sem querer parecer
umbroso, padece de um certo menoscabo em relação à família, mormente sob o
aspecto dessa necessidade de se traçar, não raras vezes, um paralelo entre tais
normas.
Porém,
felizmente nossos doutrinadores elaboraram “conceitos” que, de certa forma,
buscam estar atentos àquele posicionamento ‘Modestino’.
Para
ORLANDO GOMES o casamento é a “união de
um homem com uma mulher para a mais íntima e universal comunhão de existência”.
CLÓVIS
BEVILÁQUA, a seu turno, conceitua o casamento como “um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem
indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais,
estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e
comprometendo-se a criar e a educar a prole que de ambos nascer”.
O
casamento, na definição de LIMONGI FRANÇA, “é
o acordo de vontades, de um homem e de uma mulher, no sentido de se unirem
permanentemente, com um escopo de auxílio mútuo material, moral, espiritual e
afetivo, bem assim, da perpetuação da espécie, através da procriação e educação
da prole”.
Desnecessárias
maiores incursões pela doutrina no tocante a definição de casamento. Todos os
conceitos, como dito, atentam aos arquétipos do matrimônio. Sabe-se o que é o
casamento, seus preceitos e seu fim.
Talvez nosso povo – conquanto jovem, com apenas 500 anos – ainda
bordeje, volto a frisar, no que concerne à importância do casamento para a
constituição da família e conseqüente robustecimento da sociedade.
Pois bem. Nossa atual legislação,
atenta aos fins primários do matrimônio, estabelece, dentre outras, a proibição
do casamento de jovens menores de 16 (dezesseis), observando, entretanto,
determinadas situações em que, por existirem causas justificadas, é
permitido que a autoridade competente dispense os nubentes do impedimento
matrimonial, apesar deles não terem atingido a idade legal para casar.
O CÓDIGO CIVIL anterior (Lei
nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916) entendia que a
mulher, com 16(dezesseis) anos, já estaria apta ao matrimônio,
entretanto, o homem atingiria essa capacidade apenas aos 18(dezoito) anos
(art.183, XII). Uma discriminação um tanto quanto singela, carente de subsídios
convincentes!
Entretanto, o CÓDIGO CIVIL vigente
(Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) pouco inovou ali. Atento à eqüidade
constitucional entre homens e mulheres, apenas nivelou a capacidade núbil!
Dispõe, em seu artigo 1.517: O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar,
exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais,
enquanto não atingida a maioridade civil.
De igual sorte, o artigo 1.520 assim concebe:
Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou
a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena
criminal ou em caso de gravidez.
Releva notar que a menoridade civil
cessa apenas aos dezoito anos (art.5º). Portanto, os impedimentos
persistem...
De nossa parte, entendemos que as “causas justificadas” poderiam mui bem extrapolar
aquele numerus clausus do art. 1.520
do Código Civil vigente.
As razões impeditivas no
concernente à idade núbil, segundo os defensores da proibição, seriam a
imaturidade patente dos pretendentes, que certamente levaria a uma separação
prematura, resultando em sério desconforto social.
PORTALIS, citado por WASHINGTON DE
BARROS MONTEIRO, afiança que ‘não seria
político permitir a criaturas mal saídas da esterilidade da infância perpetuar
em gerações imperfeitas a própria debilidade’. Aliás, a tendência no direito
moderno manifesta-se no sentido de elevar a idade nupcial”.
JOSÉ LAMARTINE CORRÊA DE OLIVEIRA é
categórico em afirmar que “... qualquer
solução legislativa que se proponha a equacionar esse conjunto de exigências de
forma coerente com a visão ampla do ato matrimonial, como ato de vontade livre
e pessoal dos noivos, deverá necessariamente equiparar a nubilidade à
capacidade geral. É a solução das reformas italiana e alemã,
que estabeleceram a idade de 18 anos como a idade da maioridade e da
nubilidade, simultaneamente”.
Posicionamentos coerentes e de
peso. Entanto, outras visões nos chegam.
LECLERCQ afirma que “o catolicismo não admite que o casamento
seja tratado como “uma operação estritamente
fisiológica”, pois o ato matrimonial não é meio de satisfazer os instintos e
sim direito fundamental do indivíduo de
procurar sua felicidade no casamento e na vida familiar”.
Para FEDELE “os limites para contrair núpcias por razões eugênicas e de saúde são
inconcebíveis por duas razões: a) porque a Igreja se preocupa com um bem
supremo, que não tem igual: a salus
animarum, que poderia ser comprometida por similar proibição para o perigo,
ao qual seriam expostos todos os excluídos do matrimônio, de cair em pecado
mortal; b) porque ao matrimônio, como sacramento,
é juntadas a comunicação da graça divina, e a Igreja não pode privar
ninguém do direito de receber esta graça sacramental”.
De se ver, portanto, que não é
possível que hoje, nesta sociedade moderna em que vivemos, conviva-se com uma
norma absolutamente rígida quanto à proibição para casamento, sob uma ótica
meramente “etática”.
É fundamental que, sob o sistema
legal vigente, os operadores do direito apliquem a norma “caso a caso”.
Estamos noutra época. Sob o aspecto
fisiológico, a maturidade de nossos rebentos tem chegado espantosamente cedo.
Se outrora a inocência tardava a se delir, hoje ela se desvanece bem cedo.
É preocupante observar que os meios
de comunicação, sobretudo a televisão, têm nos assoberbado de informações
desvirtuadas, com toda uma simbologia “sensualizada”. Não se muda de emissora
sem que se veja, numa ou noutra chamada, um apelo à sensualidade.
Impossível ignorar-se, pois, a
noção de que a “idade da inocência” acaba muito cedo, na mais tenra idade de
nossas crianças...
Infelizmente – permito-me anotar – a sociedade atual não tem propiciado estrutura
para que nossas crianças saboreiem, à farta, sua infância, impingindo-lhes
diuturnamente valores absolutamente néscios.
Releva, então, um parêntese nesse
ponto. Temos jovens fisiologicamente aptos ao matrimônio em idade tenra – aos quatorze, quinze anos – mas e o que
se dizer do preparo psicológico destes mesmos jovens?
A resposta a esta pergunta traz
outra indagação: a idade cronológica tem o condão de definir que, aos dezesseis
anos, o jovem já tenha “preparo psicológico” para contrair casamento?
“O
casamento é a comunhão do direito humano e do direito divino ...”
A aptidão que se deve exigir para o
casamento tem que atentar para todos os ângulos, sem dúvida, porém, a
maturidade não é sopesada em confronto com o aspecto meramente etário.
Em verdade, frente a todas as
ponderações, sejam de cunho histórico, religioso, legal ou sociológico, a
conclusão a que se chega é que o casamento desempenha papel fundamental no
contexto da sociedade. Pacificu est.
Por outro lado, quer-se crer que a
higidez ou solidez do casamento não pode se ater a uma questão meramente
etática. Casais novos ou velhos, de pessoas muito jovens ou maduras, rompem o
casamento por uma série de questões outras que não passam, necessariamente,
pelo fator “idade”.
Não podemos afirmar,
categoricamente, que este ou aquele casamento findou-se em razão da extrema
juventude do casal.
Em função destas particularidades é
que se faz necessária uma especial atenção de nossos operadores do direito,
essencialmente dos magistrados.
Matrimonium
in quantum est officium naturae statuitur lege naturae; in quantum est
sacramentum statuitur jure divino; in quantum esta officium communitatis
statuitur jure civili.
Aos magistrados, aplicadores da
Justiça, cabem essa apreciação conjugada, observando-se as
nuanças naturais, divinas e legais, ditadas pelo direito romano e,
necessariamente, inserindo-as no contexto sociocultural hodierno já que,
não raro, a eles são encaminhados pleitos que, com a devida vênia, ouso
denominar de “equivocados”.
Os equívocos repousam nas premissas
seguintes:
No concernente a idade para
casamento, há consenso no que tange à impossibilidade
jurídica do pedido de “suprimento
de idade”. Naturalmente é vedado ao juiz dizer que uma garota de 15 “passe a ter dezesseis anos de idade” para fins de se
casar. Há uma impossibilidade fática!
Portanto, configura-se erro crasso requerer da Tutela Jurisdicional o
“suprimento de idade”, já que impossível juridicamente.
De outro lado, o “suprimento de consentimento” – este sim
– previsto na norma, não se aplica ao caso em comento – jovens ainda inúbeis – uma vez que não há, nestas hipóteses, de parte dos pais – ou representantes legais – , denegação
injusta para este fim. O que se discute é acerca da conveniência, ou não,
de se encontrar um permissivo jurídico para solucionar tais questões.
É importantíssimo
que se perscrute a efetiva vontade dos jovens! Há que se cuidar para não
se autorizar um casamento imposto pelos pais. De fato, releva a vontade dos nubentes! Ela, à luz dos
gizados legais, é que haverá de prevalecer, sem quaisquer vícios de
consentimento.
E então? Impossível juridicamente o
“suprimento de idade”. Suprimento de consentimento, in casus,
não se faz necessário, já que os pais estariam acordes com o matrimônio!
O que se poderia – e se pode – postular, pois, é uma autorização judicial para que o jovem
ou a jovem menor de 16 (dezesseis) anos possa convolar núpcias. Mas e a senda
para este propósito, onde estaria? Razões para a denegação desta “autorização”,
sob o aspecto meramente formal, são sobejas. Mas e quais seriam as razões para que o
magistrado concedesse o pleito?
Pelo que se explanou, quer-se crer,
já se antevê a solução, entretanto, um debruço sobre a
legislação estrangeira talvez nos dê uma luz.
O Código Italiano admite,
expressamente, em seu art. 847 (redação
dada pela lei de 1975), a dispensa judicial ao requisito da idade, desde
que presentes motivos graves. O direito alemão, por sua vez, admite a dispensa
judicial da idade de dezoito anos, com fulcro nos interesses do menor, desde
que tenha ele completado dezesseis anos.
Tem-se ainda, e aí certamente
reside um arrimo aos magistrados, a Convenção sobre Consentimento para Casamento,
adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10/12/1962.
O art. II da “Convenção sobre Consentimento para Casamento, Idade Mínima para
Casamento e Registro de Casamento”, adotada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1962, e posta em vigor no Brasil por meio do
Decreto-Lei nº 659/69, assim dispõe:
“Art. II - Os Estados Contratantes adotarão as medidas
legislativas necessárias para determinar a idade mínima para contrair
casamento. Não poderão contrair casamento legalmente as
pessoas que não tiverem atingido essa idade, salvo dispensa da
autoridade competente ao requisito da idade, por causas justificadas e em
interesse dos futuros cônjuges”.
Salvo
melhor juízo, aquela convenção determina que os Estados Contratantes disponham a
respeito. Aliás, sobre o tema, oportuno o
entendimento de MAXIMILIANUS
CLÁUDIO AMÉRICO FÜHRER, do qual comungamos na íntegra, verbis:
“A primeira parte do dispositivo é
programática. Os países signatários deverão ter ou criar lei nesse sentido. No
Brasil, já existe esse limite mínimo de idade (art. 183, XII, CC*), não
havendo, portanto necessidade de se editar lei a respeito. A segunda parte,
referente à dispensa ao requisito da idade, é auto-aplicável, não necessitando
de integração ou complementação legislativa, por conter todos os elementos para
sua perfeita compreensão e incidência direta. Encontra-se, portanto, derrogado
o art. 214 do CC**, que só admitia o suprimento de idade para evitar a
imposição ou o cumprimento de pena criminal. Hoje o assunto encontra-se entregue ao prudente arbítrio do juiz,
que pode admitir, ou não, outros motivos para a dispensa ao requisito da
idade.” (*atual art.1.517 – **atual art. 1520).
Eis uma
sustentação jurídico-legal para a pretensão dos jovens nubentes. Ocorre que,
sob o aspecto meramente formal, na legislação pátria já existe o dispositivo
constitucional do art. 3º, IV, já transcrito no início deste trabalho. Não é
demais lembrar que, dentre os objetivos fundamentais da nação, encontra-se o compromisso social de promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Uma
interpretação contrária deste inciso IV querendo improvisar, crer que a
imposição de uma dura lex, no
concernente a idade núbil, não seja discriminação, concessa venia, seria deveras errônea. “A interpretação deve ser objetiva, desapaixonada, equilibrada, às vezes audaciosa, porém não revolucionária, aguda, mas
sempre atenta respeitadora da lei” (FRANCESCO FERRARA. Trattato di Diritto
Civile Italiano. Vol. I. Roma: Athenaeum, 1921, p. 206).
Também a
Lei de Introdução ao Código Civil (Dec.-lei nº 4.657/42), que continua vigente, haja vista tratar-se de uma Lei Geral
de Aplicação das Normas Jurídicas, não
obstante pareceres contrários, trazem amparo ao deferimento da
pretensão de um casamento “extemporâneo”:
Art. 5º. Na aplicação da
lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do
bem comum.
Como se vê,
aí reside o que pode ser tido por espeque jurídico-legal para o deferimento de
pretensões deste jaez.
Alguns
diriam que o interesse social – bem comum
– é no sentido de que jovens quase impúberes não se casem. Mas para isso, o que
necessitamos não é de uma norma proibitiva, mas de condições sociais adequadas
a que nossos jovens possam viver dignamente em sociedade. Precisamos de escola,
educação, saúde, condições de trabalho, melhor distribuição de renda etc.
Os fatos e
fatores, estes sim, é que justificariam, ou não, a aplicação da norma maior
para a autorização de casamento dos inúbeis.
Não apenas
os fatos tidos por graves – evitar
imposição ou cumprimento de pena criminal; ou ainda gravidez
– devem proporcionar ao
magistrado o suporte para o deferimento da pretensão nupcial.
Grave, permissa venia, seria – e é – autorizar que se realizasse o
casamento em razão de uma gravidez indesejada, apenas “para resguardo da honra”, como pretende
o Código Civil.
Nessas
hipóteses, que me perdoem os que se situam nesta linha de raciocínio, o casamento
virá a que fim? Para que a criança seja
tida por “legítima”? Para que não seja chamada “espúria ou bastarda”? Ora,
nosso Estatuto Maior não mais permite tal discriminação. Já “descobrimos” que
ilegítimos são os pais, não os filhos...
O casamento
realizado nestas condições, como se vê, não é prematuro, é serôdio!! Consiste
apenas e tão-somente num mero paliativo para os “pundonores” da sociedade!
Em remate,
é importante que, sob o aspecto da permissibilidade de casamento de jovens
ainda inúbeis, esta questão fique – presente
à autorização dos pais – ao critério do magistrado, que sempre atento ao
parecer do Representante do Ministério Público, absolutamente imprescindível no
acompanhamento desta questão, haverá de decidir com acerto.
Papel de
relevo para a formação da convicção do magistrado caberá – e cabe – ao Ministério Público, que marca
presença constante na evolução da sociedade, com ela interagindo, sempre
na defesa daqueles interesses soberanos, almejados por todos e consagrados na
Magna Carta.
Neste
ponto, sob esta ótica, considere-se que a proibição contida no Código Civil não
pode prosperar diante dos permissivos já fartamente expostos. Essa
permissibilidade passa, necessariamente, pelo estado de desenvolvimento de
nossa sociedade.
É possível,
então, que se estabeleça o seguinte encadeamento de idéias:
Fisicamente,
salvo em casos de retarde por questões genéticas ou de saúde, nossa juventude
encontra-se apta ao casamento. Isso pode ser atestado, senão pelos envolvidos, a
um simples exame médico.
No que
tange ao “preparo psicológico”, se me permitem, repito, um, dois ou três anos a
mais não atestam convincentemente a existência ou não dele. Isso somente se
aufere pela junção dos vários fatores determinantes da vida do indivíduo em
família, em sociedade etc.
Nesse
particular, o magistrado, mais uma vez, desempenhará papel de relevância. Sua
capacitação profissional, antes de meramente técnica, envolve valores e
cognições outras, de toda ordem, que haverão de conduzir seu julgamento.
Portanto, a proibição também sucumbe a este raciocínio.
Por
derradeiro, avulta o aspecto estritamente social do caso. Reporto-me agora
àquele comentário supra, no qual reputo importante o papel da sociedade na
contração do matrimônio.
Aquele jovem
que advém de uma estrutura familiar e social tida por “adequada”, que me
corrijam, tem à sua disposição meios para um constante
aprimoramento de suas aptidões. Brinca, estuda, se entretém e busca, ao fim,
quando desperta naturalmente para isso, sua inserção no mercado profissional. O
casamento não povoa, a priori, seus
pensamentos.
De outro
lado, quando dirigimos nossos olhos para aquela parcela de jovens que, mercê da
enorme desigualdade social que ainda presenciamos, situam-se à margem do que se
tem como “bom”, “adequado”, deparamo-nos com a face obscura de nosso país. Aí é
possível divisar o quão distante encontramo-nos do país idealizado por Morus.
Nesse lado
do país viceja a incerteza, o desencanto, a desesperança. Isso fomenta a
marginalidade, o banditismo, a prostituição...
Paridade
nestes dois contextos sociais? Naturalmente que não. Daí a sempre presente
lição de Rui Barbosa, quando declarava: “A
regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais
na medida em que se desigualam”.
Releva aí a
interpretação da norma, a aplicação da lei. Que magistrado poderá, simplesmente
sob a égide do legalismo, negar autorização a que um jovem inúbil, advindo das
camadas mais singelas da sociedade, possa convolar núpcias?
Se aquele jovem, com a aquiescência dos pais, busca constituir nova família,
requerendo do Estado-Juiz que albergue sua pretensão, quod facere?
A
constituição de família, quando verdadeiramente desejada, sem sobejo de
dúvidas, é fator importantíssimo na escorreita formação do ser humano. Ali,
naquela célula, é que se começa a forjar o indivíduo. Privá-lo desse direito é
correr o risco de deixá-lo à margem da evolução salutar da sociedade.
Deixar que
se concubinem, ao argumento de que, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento (art.226, § 3º), é simplesmente uma impostura!
Preteríveis os comentários.
Ainda, se o
jovem da outra “casta” tem igual pretensão – o que já se apresenta mais raro, face às razões já elencadas –
porque não admiti-la?
Quando a
sociedade puder proporcionar aos jovens uma inserção salutar no mercado de
trabalho, conjugada a condições propícias de ensino, certamente o matrimônio
ficará relegado a um segundo plano. Aliás, já o é.
É que se o
jovem encontra um ambiente bastante agradável no seio familiar, bem como uma
interação prazerosa com a sociedade na qual ele se encontra inserido, questões
outras, como a intenção de constituição de nova família, ficam para depois. Em
primeiro plano estão os estudos, a realização profissional.
O casamento é sempre uma etapa posterior aos projetos que habitam a mente de
nossa juventude.
Portanto,
se o jovem inúbil manifesta sua intenção de contrair matrimônio, contando com o
amparo dos pais e escoimado daquelas “exceções permissivas” – art. 1.520 do Cód. Civil – deve o
magistrado, em ponderando sob o pálio de todas as premissas aqui grassadas, autorizar que se realize o matrimônio,
mesmo porque, consoante CARLOS MAXIMILIANO, o juiz “deve ter o intuito de cumprir a regra positiva, e, tanto quanto a
letra o permita, fazê-la consentânea com as exigências da atualidade”.
A norma maior, observou-se, permite; a atual sociedade, sabe-se, exige.
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