MATERNIDADE ADOLESCENTE
EM CONTEXTO CULTURAL: UM ESTUDO COM MÃES ADOLESCENTES DE DUAS COMUNIDADES (UMA
URBANA E UMA SEMI-RURAL) NA BAHIA
Ana
Lúcia B. Fonseca[1]
Mestra em Educação.
Ana Cecilia de S. Bastos[2]
Doutora em Psicologia.
Resumo: Este trabalho descreve como famílias de duas comunidades da
Bahia enfrentam a maternidade adolescente e como o seu contexto cultural
interfere nas relações de maternagem. Foram
entrevistadas 20 mães adolescentes do Vale das Padrinhas
(área urbana) e 20 da Areia Branca (área semi-rural), em seus domicílios.Os
resultados demonstram que o suporte familiar é imprescindível à condição da
maternidade adolescente. Indicam também que as mães adolescentes da área urbana
(VP) diluem mais este papel com os demais membros da família, pois todas
continuavam vivendo no núcleo familiar de origem, sendo sua mãe a principal
responsável pela criança. As mães adolescentes da área semi-rural constituíram,
em sua maioria, o próprio núcleo familiar, sendo responsáveis
elas mesmas pelo cuidado e educação do seu filho. Observa-se uma naturalização
da maternidade precoce nas duas áreas, embora com maior ênfase na área
semi-rural. A família é o principal ponto de referência dos indivíduos,
principalmente nas comunidades de baixa renda.
Palavras-chave
Família; maternidade adolescente; contexto sócio-cultural;
rede de apoio.
A instituição familiar
já não é a mesma de décadas anteriores. Sua principal função, a de socializar
os indivíduos, passou a ser exercida também por outras instituições, uma das
quais é a escola. Esse fenômeno é resultante de todas as transformações
sócio-econômico-culturais que vêm ocorrendo no mundo, e a família, como toda
instituição social, passa por ajustes, já que é determinada por uma dinâmica
rede de relações entre indivíduos e o contexto em que estão inseridos. Sendo
assim, está sujeita a constantes modificações. A família é uma instituição que
se estrutura, também, mediante um sistema de valores e crenças organizados, os
quais, por sua vez, são engendrados por matrizes culturais mais gerais.
Por conta de todas
as alterações por que passou e pelo fato de sua função tradicional estar sendo
subsidiada ou co-exercida por outras instituições, tem-se questionado o real
valor da família, tanto no que diz respeito à sua manutenção, quanto à sua
capacidade de orientar e educar seus membros. Tais questões podem se fundar no
padrão simbólico prevalente de que o ideal de família é aquela formada por pai,
mãe e filhos, cada um exercendo um papel homogeneamente estabelecido.
Entretanto, esse padrão
simbólico universal não existe. As famílias são compostas das mais diversas
maneiras; das famílias extensas —pais, filhos, parentes e agregados - até as
chamadas matrifocais — mães, filhos e netos, mesmo nas classes mais abastadas.
Todas elas possuem uma dinâmica própria, determinada por
tradições histórico-culturais de sua comunidade e variam conforme as
estratégias de adaptação condizentes com sua realidade concreta devida.
Além disso, como
CORDEIRO (1994) afirma, a família tem papel fundamental no cenário básico dos
sujeitos, estruturando normas e valores éticos, afetivos, hábitos, bem como o
processo de desenvolvimento, nos vários domínios, de modo a preparar a criança
para inserir-se na sociedade. A autora ainda argumenta que nenhuma outra
instituição a substitui em suas funções e, muito menos, em sua importância.
O grupo familiar serve
aos indivíduos como ponto de referência psíquica, mas também como suporte
social para enfrentar as dificuldades cotidianas. Dentre as dificuldades mais
freqüentes observadas nas últimas décadas, está a gravidez da filha
adolescente. Há algum tempo atrás, este fato era visto como comum e
corriqueiro. Das jovens era esperado que casassem e tivessem filhos; no mundo
contemporâneo, porém, a adolescência é concebida como uma das fases do desenvolvimento
humano, com especificidades e cultura próprias, cujas expectativas sociais vão
além do casamento e procriação. Aliado a estas novas formas de conceber a
adolescência está o fato da gravidez ocorrer cada vez mais precocemente e fora
de uma relação conjugal mais estável, rompendo bruscamente o ciclo esperado de
desenvolvimento da jovem, com possível impacto sobre o bem-estar de seu bebê.
A constatação da
gravidez precoce traz mais do que a preocupação com a adolescente em si. Além
da ruptura que a maternidade pode representar nesta fase, enquanto
configuradora de uma transição não-normativa no curso do desenvolvimento
(COWAN, 1991), repercutindo nos níveis físico, psíquico, econômico e social,
surge também a preocupação com a criança que está
sendo gerada. Receia-se que essas mães não saibam e/ou não tenham condições de
cuidar e educar os filhos, e que suas crianças apresentem déficit em relação
aos filhos de mães mais velhas.
Todas essas
preocupações com a maternidade adolescente têm gerado diversos programas de
prevenção e apoio às jovens e seus bebês. Esses programas estão ligados a
instituições das mais diversas áreas e ideologias, desde instituições públicas
e privadas de saúde e educação até instituições religiosas. Em geral, elas têm
o objetivo maior de evitar que as adolescentes engravidem através de
informações relativas à educação sexual e, às vezes, até moral. Porém, no caso
da jovem já ter engravidado, algumas instituições têm se colocado na função de
dar suporte, tanto material quanto psicológico.
Segundo ARCIERI (1998),
“o suporte social é um sistema de
importância primária na determinação do comportamento parental, que ocorre por
intermédio dos recursos psicológicos dos pais durante a educação dos filhos”.
Assim, para ele, vários são as fontes de suporte social importantes para as
mães adolescentes, desde o parceiro ou marido, a família de origem dos pares,
até a comunidade.
Das sociedades de caçadores/coletores ao advento da Revolução industrial, as famílias
eram compostas de grandes grupos de parentesco e/ou apadrinhamento, chamados de
família extensa. Nessas famílias, o meio de subsistência passou, aos poucos, da
caça/coleta para a agropecuária, e todos os integrantes, da criança ao velho, participavam
das atividades produtivas, não havendo separação por idade; em alguns casos,
havia diferenciações por gênero.
Nesse contexto, os
indivíduos aprendiam gradualmente os conhecimentos acumulados pelo grupo social
no convívio e participação direta na vida da comunidade. Os mais jovens
aprendiam as práticas produtivas do seu grupo observando e ajudando os mais
velhos; as atividades produtivas e o lazer estavam
fortemente intricadas, sem uma preocupação em distinguir um momento do
outro (BRUNER, 1976).
Nessas comunidades, as
crianças e jovens partilhavam da vida dos adultos desde muito cedo. A educação
se dava paulatinamente, pois, como as crianças cresciam no meio dos adultos
brincando de trabalhar, imitando-os, aprendiam o oficio dos pais, preparando-se
para ajudá-los quando estivessem maiores e substituindo-os na sua velhice, de
modo a dar continuidade ao ciclo produtivo do grupo social.
CORDEIRO (1994) diz que
a família poderia ser considerada uma unidade de produção e consumo, já que
produzia grande parte das suas necessidades. Nesse ambiente a criança não era
separada dos adultos; ela aprendia junto com eles, imitando-os, tendo-os como
modelo, como estímulo. O desenvolvimento infantil ocorria concomitante à
produção cultural, compartilhando e experimentando com os outros as
experiências, fazendo parte do contexto e da história do seu grupo social
(BRUNER, 1976).
Com a Revolução
Industrial e o conseqüente incremento do processo de urbanização, os padrões de
comportamento e valores familiares de toda a sociedade, no mundo ocidental,
sofrem profundas alterações. Esse novo modo de produção criou expectativas de
melhores condições de vida para muitas famílias camponesas, levando-as a se
deslocar do meio rural para o meio urbano. A princípio, elas se organizavam
tendo como base os seus costumes, levando os filhos para a produção ou
deixando-os em casa sob os cuidados de algum dos irmãos maiores.
Contudo, esse modo de
criar filhos esbarrou nos valores e padrões de comportamento que estavam
emergindo com a nova classe social, a burguesia, já com alguma influência das
teorias psicológicas que preconizavam a família nuclear como modelo mais
adequado à sociedade e ao indivíduo. Essas novas concepções de família e
criança e adolescência iam de encontro aos modos de organização familiar
tradicional nas comunidades rurais, onde havia o predomínio de famílias
extensas (GOMES SZYMANSKI, 1994).
A adoção do estilo
burguês de organização familiar leva os indivíduos a novos padrões de
comportamento, privilegiando as relações entre seus membros, pois prevê um
fechamento da família em si mesma e a evidente separação entre residência e
trabalho, entre o público e o privado, razão e emoção, sexualidade e
afetividade. Nesse contexto, o marido é autônomo e o provedor material da
família, e a mulher é dependente e responsável pela educação dos filhos
(ARCIERJ, 1998).
Tal modelo determina o
surgimento de novas práticas de criação de filhos, em que o relacionamento
entre pais e filhos tem urna dinâmica própria, enfatizando o cuidado e
afetividade da criança pelos pais, principalmente a mãe. Com sua implantação,
as famílias passaram a ter um número menor de filhos, o que possibilitava um
investimento mais efetivo nos cuidados e educação dos mesmos; ao mesmo tempo, a
crescente valorização da cultura científica contribuía para a reafirmação da
necessidade de educação escolar.
A família como
suporte à sobrevivência
dos indivíduos
Todas as transformações
por que passaram as famílias migrantes, as mudanças nas concepções de família,
criança, juventude, educação de filhos, interferiram diretamente no
comportamento dos indivíduos e, mais efetivamente, no dos jovens. Essas
transformações passaram a exigir, de modo intenso, a promoção de novas e
constantes estratégias adaptativas de todos os sujeitos, em especial dos
adolescentes, torando mais difícil o processo de adaptação à vida. Levaram-nas
a criar estratégias adaptativas que pudessem suprir suas dificuldades de
sobrevivência e de compreensão dessa nova realidade, interferindo diretamente
nas formas de conceber o mundo, em seus valores e hábitos, o que contribui para
tornar as relações entre os familiares e sua comunidade imprescindíveis à vida
de cada sujeito.
MELLO (1994) sinaliza
que essas adaptações provocam mudanças nas concepções dos sujeitos sobre si
mesmos, em suas representações, no lugar que ocupam na família e no social, o
que leva a percepções diferentes dos papéis e a reavaliações de expectativas
que redefinem as situações com regras que têm origem no modo como os sujeitos
pertencem à realidade.
O Brasil também foi
atingido e passou por essas alterações sócio-econômicas. Segundo GOLDANI
(1994), “a partir da segunda metade do
século XX, as famílias brasileiras passaram por um processo de modernização “contraditório”, no qual “a tendência é de uma diminuição
no tamanho e uma maior diversidade nos arranjos domésticos e familiares”
(p.7).
Nessa nova forma de
organização familiar, à mãe é atribuída toda responsabilidade
com os cuidados e a formação da prole, tarefa que antes era diluída
entre os demais membros femininos do grupo familiar. Ao mesmo tempo, as
dificuldades econômicas aceleram seu ingresso no mercado de trabalho. Após
muitas reivindicações, começam a surgir as primeiras
instituições para atender os filhos das mães trabalhadoras.
Quando se considera que
os padrões de interação familiar e os valores de socialização são diretamente
afetados pelo contexto sócio-econômico e cultural, moldando às formas de
estruturação das famílias (KAGITÇIBASI, 1996; RABINOVICH, 1998), pode-se
imaginar que o processo histórico-cultural levou essa instituição a criar
estratégias de adaptação, de modo a dar suporte psíquico e econômico a seus
membros.
Portanto, todas essas
mudanças estruturais e funcionais que a família vem sofrendo ao longo do tempo
para adaptar-se a toda uma nova realidade sócio-histórica têm influído
diretamente nas formas e modelos de educação dadas às
crianças. Essas mudanças se expressam com clareza nas crenças e valores
dos seus integrantes, que passam a ter uma nova concepção de homem e a romper
com antigos padrões. No entanto, como o estabelecimento do modelo burguês de
família está longe da sua realidade concreta, os pais perdem o referencial de
identidade cultural, não conseguindo exercer o papel de educadores junto aos
filhos (CUNHA, 1997).
Hoje, as formas de
organização familiar são as mais diversas, de acordo com as condições objetivas
de vida. São necessários estudos capazes de abordá-las de modo a fazer
evidenciar as possibilidades e modos que definem os novos contextos de
desenvolvimento, avaliando suas implicações para a saúde da família e para a
reconstrução de culturas pessoais (BASTOS, 2001).
No contexto brasileiro,
onde as condições objetivas de vida são cada vez mais precárias, subsistem,
mesmo no meio urbano-industrial, com o fortalecimento da ênfase individualista,
os padrões relacionais coletivistas, nos quais os indivíduos se interrelacionam
de modo a garantir a sobrevivência de todo o grupo social, o que se estende
padrões às práticas de educação dos filhos (RABINOVICH, 1998).
O fato de os grupos
familiares se estruturarem para fazer frente às dificuldades que encontram para
sobreviver suscita imediatamente o questionamento das possíveis relações entre
valores culturais, interações sociais na família e padrões de desenvolvimento
dos indivíduos. Já que o contexto de desenvolvimento ocorre em um ambiente
ecológico, pelo qual todos os sistemas, do mais micro (relações face-a-face, no
qual se inclui a família) ao mais macro (ideologia), estão relacionados entre
si (BRONFENBRENNEW 1979/1996), se as estruturas familiares forem alteradas,
serão alteradas também as práticas de criação dos filhos.
Como LEVINE et al
(1997) as práticas de criação de filhos prevalentes em uma comunidade estão
diretamente associadas às metas e modelos que a organizam, de forma a dar
significado a cada grupo cultural, tornando-os adaptados a uma ecologia
particular.
Assim, cada grupo
social e, mais especificamente, cada grupo familiar, há de possuir modos de
criação e educação de filhos partilhados culturalmente, imprimindo a cada
contexto específico um estilo que define a sua adaptabilidade. Dessa forma,
cada indivíduo tem em si características que se articulam com seu meio e o
distingue de outros pela absorção dos valores e normas que compõem seu
ambiente.
“A
influência das variáveis culturais se mostra ainda patente no fato de que uma
pessoa que é criada em uma sociedade aprende a se tornar, em alguns aspectos,
igual a todas as outras daquela sociedade e diferente daquelas criadas em
outras sociedades”. (ALENCAR, 1985, p.22)
Apesar das mudanças
terem influído na estruturação das famílias e a sociedade ter instituído que,
se não é a mãe que cuida e educa a criança, ela deve ser cuidada e educada em
uma instituição preparada para essa tarefa, enquanto os adultos, ou seja, o pai
e a mãe, estão trabalhando, valorizando o distanciamento entre o mundo dos
adultos, que é do trabalho, e o mundo da criança e do jovem, que é da
brincadeira e do estudo.
Verifica-se que o grupo
familiar tem importância primordial na educação dos indivíduos porque ele, além
de ser o principal responsável pela transmissão dos padrões culturais do seu
ambiente, é a base para a sua formação psíquica. A família funciona como ponto
de partida e de referência para a aprendizagem das normas e valores sociais,
locus no qual os sujeitos devem buscar subsídios das mais diversas ordens:
afetiva, econômica e cultural.
Assim, quando uma
adolescente se torna mãe, ela há de buscar apoio psíquico e econômico do seu
grupo familiar e da sua comunidade, de modo a continuar o seu desenvolvimento e
propiciar condições favoráveis de desenvolvimento para seu filho. Isso porque
as mães adolescentes, em geral, continuam vivendo com suas famílias de origem,
exercendo o papel de cuidar e educar seu filho sob a orientação de seus pais.
Nesse momento, a família cumpre seu papel social de repassar os valores
culturais a seus membros e dar-lhes respaldo de forma a viabilizar sua
sobrevivência.
Este trabalho objetivou
de descrever como a família subsidia a mãe adolescente nas práticas de criação
de seu filho e comparar duas áreas — uma urbana e outra semi-rural - situadas
na Região Metropolitana de Salvador, de modo a vislumbrar como as diferenças de
concepções de família e adolescência interferem na dinâmica das relações
familiares.
As informações foram
obtidas mediante entrevistas semi-dirigidas, gravadas
em áudio, com 40 (quarenta) mães adolescentes, em suas respectivas residências,
subdivididas em 20 (vinte) de Areia Branca, distrito pertencente ao município
de Lauro de Freitas e 20 (vinte) do Vale das Pedrinhas, área situada no
Nordeste de Amaralina, bairro de localização central em Salvador.
O contato com as duas
áreas foi realizado de maneira distinta. No distrito de Areia Branca, a
pesquisadora principal integrou-se à equipe de um projeto que lá se desenvolvia[3], localizando as famílias com mães adolescentes mediante
indicações dos próprios vizinhos ou moradores antigos da área.
No Vale das Pedrinhas,
onde a pesquisadora já havia participado de atividades para adolescentes
grávidas em um Centro de Saúde, as indicações foram feitas pelo contato direto
com os moradores. Tanto em Areia Branca como no Vale das Pedrinhas , as
próprias adolescentes indicavam outras adolescentes com filhos, em um sistema
de “bola de neve”. A abordagem era feita na residência das adolescentes.
A abordagem e a forma
de entrevistar as mães adolescentes foi bastante similar nos dois bairros. A
pesquisadora abordava as adolescentes, explicitava os objetivos da pesquisa e,
apesar de algum receio inicial, houve grande receptividade, não se registrando
recusas. As entrevistas foram realizadas nos mais diversos locais, sob a
escolha da entrevistada: na porta da rua, na casa da vizinha, na sala de
visitas, no quintal, no quarto.
Em geral, as crianças
estavam por perto, como também alguns moradores da casa e da vizinhança, que
circulavam em tomo, participando e opinando sobre as questões. Nos casos em que
a interferência tornava-se difícil de administrar, o processo era interrompido
para que o ambiente recuperasse o clima propício à interação
pesquisadora-entrevistada.
As entrevistas
transcorreram num ambiente o mais informal possível, de modo que as perguntas
fluíssem sem causar constrangimentos às entrevistadas, e nas respostas elas
falassem tudo o que considerassem necessário. Algumas
adolescentes necessitavam ser mais estimuladas a falar
que outras, obrigando a entrevistadora a ser mais incisiva. Esta procurava
seguir o roteiro, mas sempre permitindo uma flexibilidade a fim de entender
melhor os relatos ou torná-los mais claros.
Em um tipo de
estruturação familiar na qual todos necessitam estar próximos
para atenuar as dificuldades de sobrevivência, é comum as avós maternas serem
responsáveis pela família e por todos os seus integrantes, sendo,
conseqüentemente, as que mais ajudam nos cuidados com as crianças, como
principal rede de apoio social. No entanto, essa rede inclui também outros
parentes e agregados.
Os dados expostos na Tabela
1 evidenciam justamente essa estrutura familiar, de forma que as avós aparecem
em 6 7,5% dos casos como
principal fonte de suporte social para as mães adolescentes e suas crianças. As
outras fontes de apoio dividem-se entre tias maternas e paternas (42,5%), avós paternas
(12,5%), vizinhas (7,5%). Apenas
uma diz não ter ajuda, e outra remunera alguém para cuidar das crianças
enquanto trabalha fora.
Entre as tarefas
relacionadas com o suporte social está a de orientar, ajudar e servir de modelo
para o grupo. Quem mais orienta as mães adolescentes são suas próprias mães, em
70% dos casos. Mesmo recebendo orientação também de outras pessoas é às
próprias mães, a quem elas recorrem em caso de necessidade.
Tabela 1. Quem
ajuda nos cuidados com a criança.
Areia Vale das
Área Branca Pedrinhas
Ajuda com a (%) (%) Total
criança (%)
Avós maternas 55.0 70.0 67.5
Tias 15.0 0.0 42.5
Avós paternos 30.0 30.0 12.5
Pai 10.0 0.0 5.0
Vizinhos 10.0 5.0 7.5
Ninguém 0.0 5.0 2.5
Desse modo, a figura
materna é o principal elemento na rede de apoio, seguido por outros familiares,
como tias, bisavós, avós paternas. Em alguns casos, em Areia Branca, aparece o
relato de terem sido orientadas também por agentes de saúde (agentes
comunitários, médicos e enfermeiras)[4].
Esses dados confirmam a
conclusão levantada por ARCIERI (1998), que afirma ser a família de origem,
principalmente a avó materna, como instância mais importante na rede social de
apoio para a mãe adolescente e seu bebê, enfatizando a sua importância para o
desenvolvimento dessa díade.
Esse suporte torna-se
primordial com a confirmação da gravidez. A reação da família à gravidez é, na
maioria das vezes, negativa: em mais da metade das famílias a primeira reação é
de não aceitação (52,5%), indo
da rejeição à indução ao aborto. As mães adolescentes relataram que, por fim,
há uma acomodação à nova situação, fortalecendo os comportamentos de aceitação,
que apareceram diretamente em 37,5% das respostas, naturalizando a gravidez.
Entretanto, observa-se uma pequena diferença entre as duas áreas estudadas. Em
Areia Branca, as adolescentes relatam uma maior rejeição por parte das famílias
(50%) do que no Vale das Pedrinhas (25%),
apesar de que, neste, 15%
das famílias passaram por conflitos decorrentes da rejeição do pai
da adolescente e aceitação dos outros familiares, principalmente da mãe.
A diferença em relação
às reações das famílias nas duas áreas contraria o esperado, já que as
adolescentes de Areia Branca parecem ser preparadas para essa tarefa logo cedo,
ao passo que, no Vale das Pedrinhas, essa função deve ser adiada o mais
possível. A rejeição inicial da gravidez da filha, nas famílias daquela área,
pode estar relacionada a valores como virgindade e casamento, mas também
prescreve que a garota já pode “ser adulta” para assumir uma família. Este pode
ser mais um dado que serve para o entendimento da formação das famílias
nucleares em Areia Branca como algo diretamente articulado com as concepções
próprias desse contexto cultural.
De acordo com
BRONFENBRENNER (1996), o ser humano se constitui no centro de uma rede de
relações abrangendo desde o nível mais micro, como a família, ao mais macro,
como os valores e ideologias que o cercam. Com a rejeição da família, que de
certa forma já é esperada, as mães adolescentes se vêem obrigadas a estruturar
suas vidas fora daquele ambiente doméstico, pressionando o pai da criança a
assumir a paternidade de modo mais efetivo. Muito embora estejam sempre
utilizando o respaldo das suas famílias de origem como ponto de referência,
pode-se perceber este aspecto através do relato dessa mãe adolescente em
relação às reações familiares à sua gravidez e à estruturação do seu núcleo
familiar.
“Minha mãe só
ficava falando em me botar pra fora... me botar pra fora. Ela brigava comigo,
mandava eu ir embora. Eu peguei, mandei o homem que eu engravidei dele, que eu
tô com ele, mandei ele logo tomar tenência”. (Sujeito 15, 16 anos, dois filhos, Areia
Branca, mora com o pai das crianças)
No geral, as
adolescentes afirmam que a rejeição é maior por parte de outros familiares,
principalmente os pais e as avós, enquanto afirmam que suas mães são as que
mais as apoiam, o que leva à formulação de duas hipóteses explicativas:
1— as mães sentem-se
responsáveis pela gravidez das filhas adolescentes porque consideram que deveriam tê-las orientado e mantido sob seu controle e
vigilância;
2— algumas delas têm,
na própria história, a experiência de uma gravidez na juventude, razão pela
qual tendem a apoiar a filha nesse momento.
Grande
parte dos pais das crianças, nos dois grupos, reagiram positivamente. A aceitação apareceu nas expressões
verbalizadas pelas mães adolescentes nas expressões: “assumuiu” (52,5%), “alegre” (17,5%).
Contudo, também foram registrados relatos de rejeição: “não era o pai” (20%), “pediu
pra tirar” (2,5%), “medo da família
dele” (2,5%), “nada” (2,5%) “não quis saber” (2,5%). As reações de
aceitação e alegria, entretanto, não garantem uma paternidade responsável, pois
muitos dos pais, embora “assumindo” o filho, contribuem muito pouco para sua
subsistência e educação, mesmo aqueles que coabitam com elas. Em geral, as mães
adolescentes recorrem às suas famílias; o comprometimento com
a paternidade ainda é reduzido, portanto, nas áreas observadas.
Quando a adolescente
engravida, ela “queima” uma etapa, pois agora é responsável pelos cuidados do
seu filho e, algumas vezes, mesmo que não cuide da criança, a família passa a
controlá-la mais de perto para evitar que engravide novamente. Aquelas que
constituem sua própria família passam a ter uma vida de adulto, responsáveis
pelos cuidados com o filho e pela administração da casa e, em alguns casos,
tornam-se responsáveis inclusive pelo sustento da família. Nos contextos mais
rurais, elas já vêm sendo preparadas para assumirem essas tarefas; nos
contextos mais urbanos, porém, a preparação é relativamente menos intensa e há
uma diferente atribuição de papéis sociais ao adolescente. A família desaprova
a gravidez de forma mais explícita e admite mais alternativas na trajetória do
jovem rumo à vida adulta. Tais diferenças possivelmente seriam mais nítidas
caso o estudo tivesse abordado adolescentes de classes médias.
Entretanto, os dados
relativos aos cuidados com as crianças levaram à constatação de que quase todas
as mães adolescentes das duas áreas têm algum tipo de experiência com o cuidado
de crianças (75%), anterior a seu filho; muitas foram babás e/ou cuidaram dos
irmãos menores. Quando questionadas sobre a existência de diferença entre os
cuidados e sentimentos ao lidar com seu filho e o filho de outra pessoa, as
adolescentes com experiência dividiram as opiniões. Metade diz que não há
diferença, que “cuida igual”, embora algumas coloquem que se sentem mais
felizes quando cuidam do próprio filho. A outra metade afirma que há diferença,
pelas mais diversas razões, desde fazer do jeito que quer, até poder punir seu
filho.
Pelos relatos colhidos,
57,5% das mães
adolescentes são as principais responsáveis pelos cuidados das suas crianças.
Em Areia Branca as mães adolescentes eram as maiores responsáveis pelo cuidado
dos seus filhos (70%); já no Vale das Pedrinhas somente a metade cuidava deles
mais diretamente. Em ambas, a maioria delas recebia alguma ajuda de outros
parentes, em geral a avó materna, avó paterna, tias, o pai da criança e
vizinhas. Apenas uma em Areia Branca remunera alguém para cuidar das crianças,
porque trabalha fora. No grupo do Vale das Pedrinhas havia três casos (15%) em que as crianças eram
cuidadas mais diretamente pelas avós maternas e paternas; as mães adolescentes
apenas as auxiliavam.
Como é possível
visualizar na Tabela 2, nas tarefas de cuidados com as crianças, as mães
adolescentes das duas áreas afirmaram que gostavam mais de realizar tarefas de
limpeza (62,5), alimentação (12,5%),
colocar para dormir (5%),
brincar e acarinhar (7,5%) e fazer tudo (17,5%). Essas tarefas não foram relatadas separadamente,
vindo às vezes conjugadas.
Tabela 2. Tarefas de cuidado preferidas pelas mães
adolescentes.
Tarefas de cuidado com
a criança
Limpeza 62.5
Alimentar 12.5
Colocar para dormir 5.0
Brincar e acarinhar 7.5
Fazer tudo 17.5
A Tabela 3 mostra
aquelas tarefas consideradas mais desagradáveis para as mães adolescentes. Nos
dois grupos mais de um terço afirmou não desgostar de nenhuma (37,5%), as demais referiram a
lavar roupa (3 0%), limpar (7,5%), alimentar
(12,5%), bater e carregar (5%), levar
ao médico (2,5%) e
colocar para dormir (2,5%). Mesmo
assim, elas afirmaram que não deixavam de fazê-las e que só esporadicamente
pediam a alguém para substituí-las.
Entretanto, pode-se
pensar que o próprio contexto dá aos indivíduos estratégias para a superação de
algumas dessas ausências, já que nesses ambientes as crianças são cuidadas por
várias pessoas que integram sua rede de relações, ampliando suas possibilidades
afetivas e de estímulos.
Como os relatos
informam, as mães adolescentes, em geral, têm algum tipo de ajuda nos cuidados
com as crianças. Mesmo assim, como pode ser visto na Tabela 4, cerca de 60%
delas são responsáveis pela comida e banho das crianças, sendo que em Areia
Branca elas assumem mais essa tarefa (70%) do que no Vale das Pedrinhas (50%);
as outras dividem essas tarefas com as avós maternas das crianças, as tias, os
pais e, eventualmente, com as avós paternas ou vizinhas.
Com relação a colocar
as crianças para dormir, quem o faz também, em mais da metade dos casos, é a
mãe adolescente (55%), mas,
ao contrário da alimentação e da limpeza das crianças, as mães adolescentes do
Vale das Pedrinhas tomavam mais para si a tarefa de colocar as crianças para
dormir (65%) que em Areia Branca (50%). Todas as outras o fazem com o auxilio
das avós maternas, pais das crianças, tias e avós paternas. Há também situações
em que a criança não necessita ser colocada para dormir. Esses dados constam da
Tabela 5.
Tabela 3. Tarefas de cuidado com as crianças mais
desagradáveis segundo as mães adolescentes.
Tarefas de cuidado com
a criança
Limpeza 7.5
Alimentar 12.5
Colocar para dormir 5.0
Bater/carregar 5.0
Lavar roupa 30.0
Levar no médico 2.5
Nenhuma 37.5
As mães adolescentes de
Areia Branca estão mais diretamente ligadas aos cuidados com seus filhos no que
diz respeito à alimentação e à higiene, enquanto no Vale das Pedrinhas, elas
assumem mais a tarefa de colocá-las para dormir, diluindo aquela tarefa com
outros integrantes da família, em especial a avó materna. Pode-se supor que, em
Areia Branca, pelo fato das mães adolescentes serem as “donas de casa”, com a
responsabilidade dos encargos com alimentação e higiene da família, elas
assumam mais efetivamente a preparação e distribuição da alimentação entre seus
membros, enquanto que, no Vale das Pedrinhas, essa tarefa é mais efetivamente
praticada pela mãe da adolescente e, na sua ausência, pela filha.
Tabela 4. Quem cuida da comida e do banho da criança.
Areia
Vale das
Áreia Branca
Pedrinhas
Quem cuida Total %
Mãe adolescentes 70.0 50.0
60
Mãe + avós
+ tias 20.0 30.0 22.5
Somente avós 0.0 10.0 5.0
Todos 10.0
10.0 12.5
Tabela 5. Quem
coloca a criança para dormir.
Areia Vale das
Área Branca Pedrinhas
para dormir
Mãe adolescentes 50.0 65.0 55.0
Mãe adol. + avós 25.0 7.5 17.5
Pai da criança 5.0 0.0 2.5
Somente avós 0.0 17.5 10.0
Ninguém 10.0 5.0 7.5
Todos 10.0 5.0 7.5
O local onde as crianças
dormem, nos dois grupos, foi bastante similar. Na Tabela 6 constata-se que a
maior parte delas dorme na cama (82,5%).
As que dormiam na cama a partilhavam com a mãe (47,5%) ou como pai e
a mãe (22,5%), ou com algum outro parente (10%), geralmente a
avó materna; apenas duas (5%)
dormiam na cama sozinhas (ver Tabela 7).
O modo de dormir das
famílias de Areia Branca e Vale das Pedrinhas é do tipo co-sleeping e,
mesmo quando existe o “cantinho do bebê”, seja um espaço na cama do adulto ou o
berço, ele é organizado de modo a caracterizar o espaço
infantil, colocado bem próximo à cama do adulto que acompanha seu sono.
Esse modo de dormir das famílias urbano-rurais de baixa renda, como afirma
RABINO VICH (1998), “caracteriza o modo
de cuidar de uma determinada comunidade cuja matriz é de uma cultura relacional
calcada no contato corporal, com evidente significado para o desenvolvimento
dos padrões de apego”.
O brincar com a criança
é muito diluído entre todos os moradores da casa, vizinhos e amigos, ficando
mais restrito quando os pais moram sozinhos. Mas como, em geral, eles têm
famílias nas proximidades, elas absorvem essa tarefa para si. As brincadeiras
com as crianças são partilhadas por todos os familiares e vizinhos nas duas
áreas, pelo fato dessas crianças viverem rodeadas de muitas pessoas aparentadas,
permitindo uma dinâmica rede de relações e troca de experiências.
Tabela 6. Local onde as crianças dormem.
Local Total (%)
Cama 82.5
Berço 17.5
Tabela 7. Com quem as crianças dormem.
Com quem dormem Total (%)
Mãe adolescente 47.5
Mãe e pai 22.5
Outras pessoas 10.0
Sozinhas 5.0
Esses dados apontam
para a questão dos valores culturais embutidos em algumas tarefas domésticas,
que podem estar de acordo com as concepções de vida e as facilidades de acesso
aos recursos materiais da comunidade. Dessa forma, as tarefas domésticas são
distribuídas por todos de acordo com a importância da tarefa
na vida da família, relativa aos valores disseminados para a idade e o
sexo de cada membro da família na comunidade (BASTOS, 2001).
A fim de dar alguma
visibilidade ao modo como os valores culturais, embutidos em cada tarefa
doméstica e de cuidado às crianças, estão relacionados com os cuidados
cotidianos (definidos muitas vezes pelas condições sócio-econômicas de cada
família, de modo a dar conta da sobrevivência dos seus integrantes), são
trazidos, a seguir, alguns padrões de cuidados cotidianos, em diferentes
estruturas de família, em torno da chegada de um filho para a mãe adolescente.
I— Família
matrifocal: avó materna, filhos adolescentes (entre os quais a mãe adolescente)
e netos
Inclui-se nessa
categoria uma mãe adolescente atualmente com 20 anos (sujeito 13), dois filhos,
um de 36 meses e outro de 16 meses, grávida do terceiro, morando com a mãe e as
crianças em Areia Branca. O pai das duas crianças aparece para dar a despesa
das crianças e ela está grávida de um outro homem. A mãe adolescente relata que
ela e a mãe fazem tudo para as crianças, depende apenas da disponibilidade do
momento. Elas alimentam e banham as crianças, mas quem faz a comida é sua mãe,
segundo ela por estar “mais acostumada”. Quando querem que as crianças durmam,
a maior deita com a avó e dorme com ela na cama. O menor dorme com a mãe em sua
cama. As crianças brincam com todos os familiares e vizinhos.
II— Família
nuclear típica: pai, mãe adolescente e filhos
Esta mãe (sujeito 07)
tem 20 anos, dois filhos, um de trinta e seis meses e outra de onze meses e
mora com o pai das crianças em AB, desde que engravidou da primeira criança.
Ela relata que faz tudo para suas crianças, e só conta com a ajuda de sua mãe
quando precisa ir ao médico. Somente à noite é que o pai das crianças ajuda a
colocá-las para dormir; a maior dorme na cama com eles e a menor no berço. Quem
mais brinca com as crianças é a mãe, mas quando está na porta da casa ou na
casa dos parentes, elas brincam com todos.
III — Família extensa típica: avós maternos, filhos
adolescentes (entre os quais a mãe adolescente) e netos
É este o caso de uma
mãe de 17 anos (sujeito 21) com um filho de seis meses, morando ambos com a
mãe, pai, irmã, irmão, sobrinha e a criança, no Vale das Pedrinhas. Quem cuida,
alimenta e limpa a criança, e faz a comida é a mãe dela; a adolescente “apenas
ajuda”. A tarefa de colocar para dormir é desempenhada pela pessoa que estiver
com ela, que depois a coloca na cama aonde já dormem a mãe adolescente e sua
própria mãe. Todos na casa e na vizinhança brincam com a criança.
IV — Família do pai das crianças: avó paterna, filhos
(entre os quais o pai adolescente), mãe adolescente e netos
Esta é uma mãe de 19
anos (sujeito 38), com dois filhos, um de trinta e seis meses e outro de vinte
e quatro meses. Mora com o pai das crianças, a mãe dele, vários irmãos e irmãs
e suas crianças no Vale das Pedrinhas. A mãe adolescente fala que é a sogra
quem prepara e distribui a comida. Ela, o companheiro ou a
sogra dividem a tarefa de alimentar as crianças. Quem dá banho ou as
coloca para dormir é a mãe e o pai das crianças, que dormem sozinhas na própria
cama. Todos brincam com elas em casa.
Nos exemplos acima fica
claro que apenas no caso em que a mãe adolescente ocupa o lugar de “dona da
casa” ela responde diretamente por todas as tarefas de cuidado e alimentação,
não somente das suas crianças como do companheiro. Mesmo assim, ela sempre
recorre à sua mãe em caso de necessidade. Nas demais estruturas familiares, ela
pode até realizar algumas tarefas, mas está submetida à figura central, seja a
sua mãe ou a mãe do companheiro.
Nesses contextos, em
todos os casos entrevistados pela pesquisa, ela divide o papel de protagonista
com a “dona da casa” (a mãe ou avó da adolescente, mãe ou avó do seu
companheiro) mesmo que esta não seja a provedora dos recursos financeiros da
família. Elas, efetivamente, são responsáveis pela manutenção e funcionamento
da dinâmica familiar e toda sua rede de relações, tendo como base para essa
dinâmica os valores e normas culturais da comunidade, determinados pelas
dificuldades reais do cotidiano.
Todas essas mães
adolescentes, em algum momento da gestação e pelo menos em uma gravidez,
tiveram acompanhamento pré-natal nos serviços de saúde locais ligados ao
Sistema Único de Saúde. Seus filhos, igualmente, foram assistidos nos primeiros
meses, com alguma regularidade. Mesmo assim, os serviços de saúde ou qualquer
outro equipamento comunitário não apareceram no relato das mães entrevistadas
como participando, em qualquer nível, de sua rede de apoio social.
Constata-se, nesse
estudo, que o suporte familiar é imprescindível às mães adolescentes, tendo em
vista o papel pervasivo pelas mães e familiares da mãe adolescente no cuidado e
educação de seus filhos. A família é o principal, praticamente o único ponto de
apoio (houve apenas uma referência à orientação dada por um agente comunitário de
saúde). As jovens que mais recorrem a esse suporte são aquelas que continuam
coabitando com a família de origem. Essas adolescentes parecem ter mais
dificuldades de exercer a maternidade, continuando no papel de filhas
dependentes, sendo o bebê responsabilidade dos seus familiares; elas dividem
com a família os cuidados da criança, diluindo o seu papel de mãe. Já as mães
adolescentes que constituem seu próprio núcleo familiar assumem diferente
postura quanto à criação dos seus filhos.
A diferença entre constituir
seu próprio núcleo familiar e continuar morando com a família de origem está
diretamente relacionada com as condições concretas de subsistência e espaço
físico, estabelecendo formas de relacionamento interpessoais e concepções
culturais distintas que interferem na estruturação das famílias e nas suas
práticas de criação de filhos. Ao evidenciar a interdependência entre cultura,
concepções e práticas educativas, particularmente arranjos cotidianos de
cuidado, esses resultados são convergentes com os trabalhos de KAGITÇIBASI
(1996), RABINOVICH (1998) e BASTQS (2001). A ecologia das mães adolescentes
permite vislumbrar heterogeneidades na estruturação de suas famílias e suas
práticas de criação de filhos, influenciadas não apenas pelas condições sócio-econômicas
e ambientais, como também, pelos valores culturais de cada contexto, como
analisa BRONFENBRENNER (1996).
No entanto, não se pode
afirmar que essa variedade nos arranjos familiares, comumente
associada às transformações decorrentes da revolução industrial e do processo
de urbanização (GOLDANI, 1994), nunca tenha existido, seja para atender
a necessidades objetivas de vida, seja pela natureza da organização cultural
própria à espécie humana. Mais uma vez, as mudanças contribuíram para o
surgimento de novos arranjos, que conservam como principal fonte de suporte a
própria família e recursos informais da comunidade. O reconhecimento da
gravidez adolescente como questão de grande interesse social e até como um
problema de saúde pública, dadas algumas de suas conseqüências, mesmo
evidenciando a necessidade de fortalecer a família, não foi capaz ainda de
assegurar a presença de rede de solidariedade efetiva no apoio a famílias em
momentos de transição e de enfrentamento de dificuldades.
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[1]. Mestra em Educação (UFBA), professora da UNIT/Se. E-mail: analufonseca@bol.com.br
[2]. Doutora em Psicologia (UNB), Docente do Departamento
de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Saúde Coletiva da
UFBA, Pesquisadora II-C do CNPq. E-mail: acecil@ufba.br
[3]. O
Programa de Saúde da Família: Condições, Sujeitos e Contextos, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, conduzido
pelas Dras. Ana Cecilia Bastos e Leny Trad.
[4]. Nessa área
foi implantado o Programa de Saúde na Família, cuja prática inclui visitas
domiciliares por agentes de saúde, médicos e enfermeiros.