MINISTÉRIO PÚBLICO DEMOCRÁTICO

 

 

José Heitor dos Santos

 

 

No ano de 1997 realizamos audiências públicas com os diversos seguimentos da sociedade, nos municípios de Mirassol, Bálsamo, Neves Paulista, Jaci e Mirassolândia, buscando o engajamento de ONGs, dos Poderes Públicos e das demais forças vivas desses municípios, para o estabelecimento de políticas públicas de atendimento aos direitos de crianças e adolescentes.

 

A audiência pública é um forte instrumento para a democratização da Instituição do Ministério Público, porta-voz da sociedade, e serve de base para a elaboração do plano de ação do Ministério Público, para o estabelecimento de metas e prioridades dos Municípios e, principalmente, para diminuir a distância que existe entre a sociedade, seus governantes, os Poderes e as instituições.

 

Naquela ocasião, a partir dos problemas identificados e das sugestões apresentadas, estabelecemos um plano de atuação para os anos seguintes. Juntamente com os Poderes Públicos e a sociedade, através de seus diversos seguimentos, foi possível instalar e fazer funcionar efetivamente os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares dos cinco municípios da Comarca de Mirassol.

 

Esses Conselhos são atuantes e vêm prestando relevantes serviços à comunidade. O Conselho Tutelar de Mirassol, por exemplo, já conta, em seu quadro, com a presença de psicóloga, assistente social e advogado. São conselhos novos, mas que têm o respeito da população, tanto, que as últimas eleições nos municípios de Bálsamo e Mirassolândia foram diretas e tiveram a participação de mais da metade dos eleitores destes municípios, não obstante fosse o voto facultativo.

 

Havia, na comarca, um trabalho contra a evasão escolar, que era feito anualmente, mas, a partir dessas audiências públicas, a evasão passou a ser combatida mensalmente e hoje está sob controle, sendo uma das mais baixas do Brasil.

 

Descobriu-se que havia trabalho infantil, de crianças, e irregular, de adolescentes. Dezenas de crianças e adolescentes foram mutilados. A sociedade discutiu exaustivamente esta prática e foi criado um órgão para capacitação de adolescentes, vinculado ao Município de Mirassol.

 

Não havia tratamento adequado para livrar a criança e o adolescente do vício e da dependência das drogas. Hoje, o adolescente é encaminhado para clínicas de recuperação, após um trabalho prévio do Serviço Social do Fórum junto ao adolescente e sua família, e as despesas são custeadas pelo Município.

 

Não havia espaço público para crianças de sete a doze anos de idade. Hoje, há um programa de atendimento, que é mantido por meio de uma parceria entre Município e Empresas. A partir desse programa, as crianças passaram a estudam em um período e, no outro, a freqüentar um centro de lazer, onde têm piscina, campo de futebol, artesanato, reforço escolar, aula de música, participam de coral, tomam refeições, plantam e cultivam horta etc. Cada criança não custa, por mês, mais de R$ 300,00. Um adolescente, na Febem, custa, aproximadamente, R$ 1.700,00. Esse programa já recebeu alguns prêmios e, no momento, está concorrendo a um prêmio junto à Unicef.

 

Não havia conselhos municipais antidrogas. Hoje existem. Realizamos mutirões para descobrir se havia crianças fora das creches, da pré-escola e do ensino fundamental. Participaram desses mutirões quase mil pessoas, com o envolvimento de toda a sociedade. Visitamos, em Mirassol, dezoito mil casas. Foram adotadas medidas para garantir o acesso de toda e qualquer criança às creches, à pré-escola e ao ensino fundamental. Os prédios das escolas públicas da Comarca sofreram vistorias, com a finalidade de prevenir acidentes. Descobrimos prédios com graves problemas de segurança. O Estado e os Municípios sanearam essas falhas. As creches não eram adequadas e tiveram de ser reformadas. Outras foram construídas. Aliás, uma foi inaugurada há poucos dias. São quase mil metros de construção, para o atendimento de cerca de 250 crianças. O transporte de alunos vem sendo fiscalizado. Para tanto, são realizadas, constantemente, inspeções nos veículos. Para combater a violência na escola, além dos métodos convencionais, criamos um projeto, que foi executado no ano passado, no qual as autoridades iam às escolas, deixando seus gabinetes, para atender à população da comunidade, da escola visitada.

 

Realizamos dezenas de eventos envolvendo crianças e adolescentes como, por exemplo, a semana da cidadania, a marcha global e palestras em escolas, associações, clubes de serviços, câmaras municipais, centros de lazer etc.

 

Para combater a venda de bebida alcoólica e de cigarro a adolescentes e crianças, passamos a mobilizar a sociedade através de palestras e a celebrar acordos com estabelecimentos comerciais, boates, clubes etc. Se houver a venda, pagar-se-á multa, sem falar no processo criminal e na cassação do alvará para funcionamento do estabelecimento. Há leis referentes a isso, nos Municípios de Bálsamo e Mirassol.

 

Todas estas ações foram realizadas a partir das audiências públicas, na maioria das vezes, em parceria com os Poderes Públicos e os diversos seguimentos da sociedade, sem os quais, certamente, nada disso teria sido realizado. Os resultados foram bons, mas isso tudo ainda é muito pouco, diante da realidade em que vivemos, pois todos nós temos conhecimento de que existem crianças que passam fome, não têm assistência médica, sofrem abusos sexuais, violência doméstica, são exploradas no trabalho, prostituem-se, drogam-se, vivem nas ruas ou nos semáforos pedindo esmolas etc.

 

Por isso, estamos, novamente, realizando audiências públicas com a sociedade, as igrejas, os sindicatos, as associações de classe, as associações de bairro, as escolas públicas estaduais e municipais, as particulares, o Legislativo, o Executivo, o Judiciário, as ongs, os clubes de serviço, as universidades, os conselhos municipais tutelares e os órgãos públicos municipais, estaduais e federais, com o objetivo de discutir a criação e formulação de novas políticas públicas de atendimento aos direitos das crianças e dos adolescentes, na comarca de Mirassol.

 

Reunimo-nos com diversas autoridades ao longo da semana e, no final deste mês, estaremos realizando audiências públicas, abertas a qualquer pessoa, para colher sugestões de toda a sociedade e, desde já, é possível anunciar que debateremos, dentre vários aspectos, a municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto (prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida), com o envolvimento de orientadores ligados às igrejas, objetivando um trabalho com o adolescente e sua família, evitando-se, com isso, a medida extrema de internação em estabelecimento educacional (Febem). Discutiremos a criação de uma guarda escolar municipal, para proteção e segurança de nossos alunos.

 

Também debateremos a implantação do projeto de reforma urbana, que consiste em permitir que os adolescentes infratores trabalhem em terrenos particulares e públicos. Retomaremos a discussão da efetiva capacitação e profissionalização do adolescente, já que existe órgão próprio no município para a prática desse programa.

 

Enfim, o objetivo dessas audiências públicas é a criação e a formulação de políticas públicas sociais básicas, de assistência social, de proteção especial e de garantias para atender crianças e adolescentes que não têm seus direitos respeitados e que estão socialmente excluídos.

 

Temos que nos insurgir contra essa situação de exclusão. Não basta, porém, a indignação. É preciso mais. É preciso que a indignação seja transformada em ações concretas em favor dessas crianças. A situação de exclusão, que ajudamos a construir com a nossa ação ou omissão, é de nossa responsabilidade, mas podemos vencê-la, portanto, não podemos mais ficar de braços cruzados. A inclusão da criança e do adolescente e o respeito aos direitos da criança e do adolescente é um dever nosso. É melhor construir uma criança do que tentar, amanhã, consertar um homem. Se investirmos, hoje, na criança, amanhã não será preciso construir tantos presídios, teremos menos criminalidade, pessoas mais cultas e um país mais justo. Vamos combater as causas que corrompem e matam nossas crianças. Não é difícil. Basta um pouco de boa vontade e a compreensão de que aquele que não cuida de uma criança ou de seu filho, amanhã, muito provavelmente, também será abandonado.