ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM RELAÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

 

 

Msc. Magnólia Ribeiro de Azevedo

Orientadora.

 

Acadêmico Eduardo Alberto Cabral Tavares Marques

Orientando.

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

A presente monografia final intitulada “Atribuições do Ministério Público do Trabalho em relação à criança e ao adolescente”, elaborada pelo acadêmico Eduardo Alberto Cabral Tavares Marques e aprovada pela banca examinadora composta pelos professores abaixo relacionados, obteve aprovação com nota 6,5 (seis e meio), sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal do artigo 9º da Portaria nº 1886/96/MEC, regulamentado na UFSC pela Resolução nº 003/95/CEPE.

 

 

 

 

Florianópolis / SC, março de 1999.

 

 

 

 

Professora Magnólia Ribeiro de Azevedo

Presidente

 

Professor Reinaldo Pereira e Silva

Membro

 

Professor Moacyr Motta da Silva

Membro

 

 

 

            “O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustém numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito” (Jhering, A luta pelo Direito).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Lista de Abreviaturas

 

ACC – Ação Civil Coletiva

ACP – Ação Civil Pública

CF/34 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1934

CF/37 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1937

CF/46 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1946

CF/67 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1967

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CPC – Código de Processo Civil

DRT – Delegacia Regional do Trabalho

EPI – Equipamento de Proteção Individual

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

MP – Ministério Público

MPT – Ministério Público do Trabalho

MPU – Ministério Público da União

PAP – Procedimento de Apuração Prévia

PRT – Procuradoria Regional do Trabalho

 


Introdução

 

 

O presente trabalho tem por finalidade a obtenção do grau de Bacharel em Direito pelo curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.

 

O objeto deste estudo é discorrer sobre as atribuições do Ministério Público do Trabalho em relação às crianças e aos adolescentes, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e das demais disposições legais vigentes atinentes à matéria. Este trabalho visa também efetuar uma breve análise de três ações impetradas pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina em defesa de adolescentes trabalhadores, de forma a verificar como o Ministério Público do Trabalho exerce na prática suas atribuições.

 

O objetivo principal da presente obra é diferenciar as formas de atuação do Ministério Público do Trabalho em relação ao trabalho das crianças e dos adolescentes, determinando que tipo de atuação o Órgão poderá empreender para cada possibilidade de afronta aos direitos das crianças e dos adolescentes trabalhadores. Este trabalho objetiva também, a partir de uma breve análise de três ações impetradas pelo Ministério Público do Trabalho, verificar como esta atuação se concretiza na prática e que resultados produz para a sociedade.

 

Este estudo justifica-se socialmente pela importância que o trabalho das crianças e dos adolescentes vêm assumindo em nosso país nos dias atuais, principalmente em função da competitividade dos produtos industrializados no mercado internacional. A mão-de-obra de crianças e de adolescentes é bem mais rentável que a do empregado adulto, devido a minuciosidade dos serviços executados e sua passividade em relação às reivindicações trabalhistas.

 

Desta forma, o emprego da mão-de-obra de crianças e adolescentes é cada vez maior, ocorrendo um rebaixamento salarial em relação aos empregados adultos, uma exposição maior que a normal a agentes insalubres, entre outros desrespeitos aos direitos das crianças e adolescentes trabalhadores.

 

Neste panorama, o Ministério Público do Trabalho ocupa lugar de destaque no sistema legal brasileiro, visto que a Constituição da República Federativa do Brasil atribuiu a esse Órgão zelar pelo segmento do ordenamento jurídico em que se encontram as leis trabalhistas, incluídas aí as que dizem respeito aos direitos dos adolescentes trabalhadores e a proibição do trabalho das crianças.

 

A metodologia adotada para a materialização deste trabalho é composta de dois tipos de procedimento. Os dois primeiros capítulos foram elaborados com base em levantamento bibliográfico efetuado junto às bibliotecas da Universidade Federal de Santa Catarina, do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina e da Procuradoria Regional do Trabalho de Santa Catarina. O material selecionado alicerçou a construção teórica realizada nos capítulos supracitados de forma a concretizar uma pesquisa de caráter descritivo. O terceiro capítulo versa sobre uma análise crítico-descritiva da atuação do Ministério Público do Trabalho a partir de material processual obtido junto à Procuradoria Regional do Trabalho de Santa Catarina. As ações escolhidas para estudo nesse capítulo o foram em função de seus elementos característicos, a existência de adolescentes trabalhadores exercendo atividades insalubres e a discriminação salarial dos adolescentes em função da idade.

 

O primeiro capítulo do presente trabalho trata-se de uma exposição histórica a respeito dos antecedentes legais do Ministério Público do Trabalho em relação à criança e ao adolescente, no qual procedeu-se o resgate da evolução da Instituição desde a sua criação no Brasil e de suas atribuições em relação à criança e ao adolescente no período anterior à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

 

O segundo capítulo aborda as atribuições do Ministério Público do Trabalho em relação à criança e ao adolescente a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Este foi dividido em três tópicos, que tratam respectivamente: da proteção especial da criança e do adolescente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no âmbito trabalhista; do Ministério Público do Trabalho na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e por último das atribuições do Ministério Público do Trabalho em relação à criança e ao adolescente, como órgão agente e como órgão interveniente.

 

O terceiro capítulo comporta uma breve análise da atuação do Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina através de algumas ações impetradas em defesa de adolescentes trabalhadores. As duas primeiras ações estudadas foram impetradas pelo Ministério Público do Trabalho devido ao conhecimento da exposição de adolescentes a ambientes insalubres nas empresas em que trabalhavam; na terceira ação o Ministério Público do Trabalho solicitou a anulação de cláusula de convenção coletiva de trabalho considerada pelo Órgão discriminatória e prejudicial aos direitos dos adolescentes abrangidos por tal convenção. Estas ações foram impetradas contra as empresas Cristal Blumenau S.A., Perdigão Agroindustrial S.A. e contra os Sindicatos dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Criciúma e das Indústrias Gráficas de Criciúma.

 

 

Capítulo I – Antecedentes Legais do Ministério Público do Trabalho em Relação à Criança e ao Adolescente

 

1.1. – Evolução Histórica da Instituição Ministério Público no Brasil

 

O Ministério Público (MP), conceituado no artigo 127 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado”, incumbido da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, foi criado oficialmente no Brasil, conforme descrito por Antônio Cláudio da Costa Machado [1], durante o período imperial (1822-1889), através do Código de Processo Criminal de 1832.

 

Segundo o autor supracitado, a Constituição Imperial de 1824 não fazia qualquer menção à Instituição. O parágrafo 18 do artigo 179 da Carta Magna Imperial determinava, em regime de urgência, a elaboração de um Código Criminal. Seguindo a orientação constitucional, surge em 1832 o Código de Processo Criminal, o primeiro diploma legal nacional a tratar sistematicamente sobre a Instituição Ministério Público[2].

 

O Código dispunha em seu artigo 36 que podiam ser promotores as pessoas habilitadas a serem jurados, preferencialmente os que tivessem conhecimentos legais. Após a escolha, deveriam ser nomeados pelo governo na Corte ou pelo presidente nas Províncias.

 

O artigo 37 estabelecia aos promotores as seguintes atribuições: denunciar os crimes públicos e policiais, o crime de redução à escravidão de pessoas livres, cárcere privado, homicídio ou tentativa, lesões corporais com qualificações, roubos, calúnias, injúrias contra pessoas várias, assim como acusar os delinquentes perante o corpo do júri (parágrafo 1º); solicitar a prisão e punição dos criminosos e promover a execução das sentenças e mandados judiciais (parágrafo 2º); dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e prevaricações dos empregados na administração da justiça (parágrafo 3º).

 

O artigo 38 previa a nomeação interina no caso de impedimento ou falta do promotor.

 

Conforme Machado, o Aviso Imperial de 20 de outubro de 1836 criou novas atribuições para os promotores, tais com visitar prisões uma vez por mês, dar andamento aos processos e diligenciar a soltura dos réus [3].

 

Posteriormente, foi editado o Regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842, estruturando melhor o Ministério Público. Este dispositivo determinava que os promotores serviriam enquanto conviesse ao serviço público, podendo ser demitidos pelo Imperador ou pelos Presidentes das Províncias.

 

O Aviso Imperial de 31 de outubro de 1859 instituía o impedimento do exercício da advocacia pelos promotores nas causas cíveis que pudessem vir a ser objeto de processo-crime [4].

 

Com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889 e a promulgação da Constituição Republicana de 1891, verificou-se um retrocesso no que diz respeito à regulamentação constitucional da Instituição, que limitou-se a mencionar a escolha do Procurador-Geral da República dentre os membros do Supremo Tribunal Federal no parágrafo 2º do seu artigo 58. Antônio Cláudio da Costa Machado afirma que esta quase omissão constitucional ocorreu a despeito do disposto no Decreto nº 848 de 11 de outubro de 1890, da autoria de Campos Sales, que efetuou o esboço institucional do Ministério Público no recém-nascido período republicano [5].

 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1934 reabilitou o MP em relação às conquistas alcançadas anteriormente, destacando-se a estabilidade conferida aos seus membros e a regulamentação do ingresso na carreira. A Carta Magna de 1934 classificou o MP como um dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais, cabendo ao Presidente da República nomear o Procurador-Geral depois de aprovado pelo Senado Federal.

 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1937 pouco dispôs em relação ao Ministério Público, fazendo simples referência ao Procurador-Geral da República como chefe do Ministério Público Federal, dando ao Presidente da República a faculdade de livremente nomeá-lo.

 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1946 reservou um Título específico para o Ministério Público. Instituiu os Ministérios Públicos Federal e Estadual, suas estruturas e atribuições, a estabilidade aos seus membros que ingressarem na carreira mediante concurso, a promoção e a só remoção por representação motivada da Procuradoria-Geral. Esta foi a primeira Constituição da República a citar expressamente o Ministério Público do Trabalho.

 

De acordo com Ives Gandra da Silva Martins Filho, em 1951 o então Presidente da República Eurico Gaspar Dutra promoveu uma grande reforma no Ministério Público, através da promulgação da Lei nº 1.341 de 30 de janeiro de 1951(Lei Orgânica do Ministério Público da União – MPU) [6].

 

No período de governo militar no Brasil (1964-1985), o Ministério Público teve sua subordinação institucional modificada duas vezes. Segundo Machado, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 subordinou o Ministério Público da União ao Poder Judiciário e regulamentou o concurso de provas e títulos para ingresso na carreira, abolindo os “concursos internos”. Esta Carta Magna condicionou a nomeação do Procurador-Geral à aprovação do Senado e incumbiu ao MPU a tarefa de representar a União junto aos Juízes e Tribunais Federais.

 

A Emenda Constitucional nº 01 de 17 de outubro de 1969 situou o MP na esfera de subordinação do Poder Executivo, ao lado das Forças Armadas e funcionários públicos. Desta forma, foi conferido ao Presidente da República o poder de nomear livremente o Procurador-Geral, dispensada a avaliação do ato pelo Poder Legislativo [7].

 

Finalmente, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Ministério Público sofreu uma profunda reestruturação, recebendo autonomia funcional e administrativa, ficando assim desvinculado do Poder Executivo, e passou também a exercer uma gama muito maior de atribuições.

 

 

1.2. – Criação e Evolução Histórica do Ministério Público do Trabalho no Brasil

 

A história do Ministério Público do Trabalho (MPT) se confunde, nas suas origens, com a história da Justiça do Trabalho, e corre paralela a ela em seu desenvolvimento, de acordo com o descrito por Ives Gandra da Silva Martins Filho. Assim, a Justiça do Trabalho teve suas origens na criação do Conselho Nacional do Trabalho, instituído pelo Decreto nº 16.027 de 1923, no âmbito do então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio [8].

 

Junto ao Conselho funcionavam um Procurador-Geral e Procuradores Adjuntos, cuja função básica consistia em emitir pareceres nos processos em tramitação.

 

Conforme descrito por Martins, em 1930 o Presidente da República Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, desvinculando-o do Ministério da Agricultura. Dentro deste novo Ministério foi criado, através do Decreto Legislativo nº 19.667 de 1931, o Departamento Nacional do Trabalho [9].

 

Com a introdução, a partir de 1932, das Juntas de Conciliação e Julgamento e das Comissões Mistas para solução dos conflitos coletivos de trabalho, na condição de instâncias administrativas, sendo que ambos os órgãos funcionando no âmbito do Ministério do Trabalho, passaram os Procuradores do Departamento Nacional do Trabalho a atuar como responsáveis pela execução das sentenças das Juntas de Conciliação e Julgamento na Justiça Comum.

 

Em decorrência da previsão na Constituição da República Federativa do Brasil de 1934 da existência da Justiça do Trabalho em seu artigo 122, ainda que com caráter administrativo, o Conselho Nacional do Trabalho sofreu uma profunda reformulação, de forma a adaptar sua estrutura às novas funções que deveria exercer, ligadas à solução dos conflitos individuais e coletivos trabalhistas. Martins afirma que neste sentido foi editado o Decreto nº 24.692 de 12 de julho de 1934, com o Regulamento da Procuradoria do Conselho Nacional do Trabalho, que estabeleceu sua nova organização, em decorrência do grande aumento de trabalho consequente das atividades perante as instâncias judicantes [10].

 

Em 02 de maio de 1939 foi publicado o Decreto-Lei nº 1.237, que organizou a Justiça do Trabalho, inserida no âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em três instâncias. Neste sistema, foi reformulado o Conselho Nacional do Trabalho que passava a funcionar como Tribunal Superior e eram criados os Conselhos Regionais do Trabalho. Assim, enquanto as Juntas de Conciliação e Julgamento apreciavam os dissídios individuais, os Conselhos Regionais solucionavam os dissídios coletivos e os inquéritos administrativos (que eram antes instruídos, com prévia tentativa de conciliação, pelas Juntas). Ao Conselho Nacional cabia apenas a uniformização de jurisprudência no sistema e a composição dos conflitos coletivos de âmbito nacional [11].

 

O Conselho Nacional do Trabalho passava a ser composto por duas Câmaras: a Câmara de Justiça do Trabalho e a Câmara de Previdência Social, e junto a cada uma delas funcionaria um Procurador-Geral. Assim, o então Procurador-Geral do Departamento Nacional do Trabalho passou a ser o Procurador-Geral do Trabalho, com funções básicas estabelecidas no próprio Decreto-Lei 1.237/39.

 

Conforme descrito por Martins, de forma a regulamentar o artigo 17 do Decreto-Lei 1.237, ainda no ano de 1939 foi editado em 15 de junho o Decreto-Lei nº 1.346, que tratava especificamente do Conselho Nacional do Trabalho e tinha um Capítulo dedicado à Procuradoria do Trabalho, definindo-a como órgão de coordenação entre a Justiça do Trabalho e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, do qual fazia parte. Suas principais atribuições seriam as de: oficiar nos processos, funcionar nas sessões, proceder a diligências, promover a execução e recorrer [12].

 

Com o Decreto-Lei nº 2.852/40, a Procuradoria do Trabalho passa a denominar-se Procuradoria da Justiça do Trabalho.

 

Martins afirma que por ocasião da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1º de maio de 1943 através do Decreto-Lei nº 5.452, a Procuradoria da Justiça do Trabalho passou a ser regida por aquele diploma legal, com a nova denominação de Ministério Público do Trabalho (MPT), e a função de zelar pela exata observância da Constituição, das leis e demais atos do Poder Público. Apesar da denominar-se Ministério Público, o órgão não tinha a independência que goza hoje, uma vez que seus membros ainda eram considerados agentes diretos do Poder Executivo (artigo 736 da CLT) [13].

 

O autor supra observa que com a promulgação da Lei Orgânica do Ministério Público da União - MPU (Lei nº 1.341 de 30 de janeiro de 1941), o Ministério Público do Trabalho sofreu uma grande reforma, sendo enquadrado dentro do MPU, com independência em face dos demais ramos que o compunham (Ministério Público Federal, Militar, Trabalhista e Eleitoral). O MPT continuava vinculado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (artigo 10 da Lei nº 1.341/41) [14].

 

Em função do advento do regime de governo militar no Brasil em 1964, o MPT, como os então demais ramos do MPU, ficou vinculado ao Poder Judiciário a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 e, com a publicação da Emenda Constitucional nº 01 de 1969, o MPT foi novamente subordinado ao Poder Executivo.

 

 

1.3. – Atribuições do Ministério Público do Trabalho em relação à criança e ao adolescente no período anterior à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

 

Tomando como ponto de partida a criação da Procuradoria do Trabalho pelo Decreto-Lei nº 1.237/39, suas atribuições em relação à criança e ao adolescente foram definidas a partir da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), através do Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943 [15].

 

De acordo com a CLT, ao Ministério Público do Trabalho foi atribuída a função de zelar pela exata observância da Constituição Federal, das leis e demais atos emanados dos poderes públicos (artigo 736).

 

Desta forma, o artigo 793 da CLT determinou que a Procuradoria da Justiça do Trabalho devia ingressar com as reclamatórias trabalhistas em nome do trabalhador maior de 14 e menor de 18 anos, no caso do mesmo não possuir representante legal. Assim, esta era a situação onde o adolescente sem representante legal seria assistido pelo Ministério Público do Trabalho.

 

A proteção do trabalho dos adolescentes foi disciplinada na CLT no Título III – Das Normas Especiais de Tutela do Trabalho -, tendo sido reservado o capítulo IV exclusivamente para aquele tema, que compõe-se de quarenta artigos, do 402 ao 441.

 

A Seção I do capítulo supracitado da CLT trata sobre as disposições gerais a respeito da matéria, que vão do artigo 402 ao 409, destacando-se entre seus principais tópicos o seguinte:

 

a)      a conceituação de menor para efeitos da legislação trabalhista;

b)      a proibição de qualquer trabalho aos menores de quatorze anos e de trabalho noturno aos menores de dezoito anos;

c)      a proibição do trabalho de menores de 18 anos em atividades perigosas, insalubres ou prejudiciais à sua moralidade.

 

A Seção II diz respeito à duração do trabalho dos adolescentes. Esta seção compõe-se dos artigos 411 a 414, tendo como pontos mais importantes:

 

a)      a sujeição do adolescente às regras genéricas sobre a duração do trabalho, observando-se, contudo, as restrições estabelecidas neste capítulo da CLT;

b)      a proibição de se prorrogar a jornada diária de trabalho do adolescente, salvo nos casos de: convenção ou acordo coletivo de trabalho, em até duas horas compensáveis; e no caso de excepcional motivo de força maior, sendo considerado o trabalho do adolescente na empresa indispensável ao seu funcionamento, em até doze horas, neste caso com acréscimo salarial de, no mínimo, cinquenta por cento sobre a hora normal;

c)      a determinação de somar-se os horários trabalhados pelo adolescente quando executados em mais de um estabelecimento, de forma a não ultrapassar o limite diário de oito horas.

 

A Seção III versa sobre a admissão em emprego e trata também a respeito da Carteira de Trabalho e Previdência Social do Menor. De acordo com Russomano esta seção, originalmente composta dos artigos de 415 a 423, foi praticamente toda revogada pelo Decreto-Lei nº 926 de 10 de outubro de 1969, que instituiu a Carteira de Trabalho e Previdência Social, comum aos adultos e adolescentes, extinguindo a antiga Carteira do Menor [16].

 

Desta Seção restou apenas o artigo 418, que dispõe sobre os responsáveis pelo fornecimento de atestado de capacidade física e mental necessário para extração da carteira de trabalho por parte do trabalhador adolescente.

 

A Seção IV, que vai do artigo 424 até o 433, trata sobre os deveres dos responsáveis legais de adolescentes e dos empregadores e trata também sobre a aprendizagem. Dentre as principais prescrições, destacam-se:

 

a)      a obrigatoriedade dos responsáveis legais dos adolescentes afastá-los de empregos que reduzam o seu tempo de estudo e o necessário ao repouso ou prejudiquem a sua educação moral;

b)      o dever do empregador de conceder aos empregados adolescentes o tempo necessário para a frequência às aulas;

c)      a imposição legal aos estabelecimentos industriais de qualquer natureza de empregar e matricular nos cursos do SENAI, uma quantidade de aprendizes equivalente a cinco por cento, pelo menos, do total de operários do estabelecimento, cujos ofícios exijam formação profissional.

 

A Seção V, composta dos artigos 434 a 438 dispõe sobre as penalidades a que ficam sujeitos os infratores das disposições deste Capítulo da CLT. Cabe destacar as possibilidades de perda do pátrio poder ou tutela, para os pais ou tutores conforme o caso, que infrinjam as disposições deste Capítulo da CLT.

 

Finalmente, a Seção VI sobre as disposições finais. Este seção é constituída dos artigos 439 a 441, com destaque para os seguintes itens:

 

a)      a possibilidade legal do adolescente firmar recibo pelo pagamento dos salários, porém impossibilitado pela CLT de dar quitação, sem assistência dos seus representantes legais, ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida resultante da rescisão do contrato de trabalho;

b)      a determinação legal de não correrem prazos de prescrição contra os menores de dezoito anos.

 

Estas são, resumidamente, as principais prescrições da CLT no que diz respeito à proteção do trabalho do adolescente.

 

A publicação da Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973 que instituiu o Código de Processo Civil (CPC) [17] trouxe novas possibilidades do Ministério Público do Trabalho atuar em defesa dos adolescentes, haja vista que a própria CLT, em seu artigo 769 permitiu a utilização do direito processual comum nos casos em que a legislação processual trabalhista for omissa.

 

Assim, surgiu a oportunidade do MPT agir com base nos artigos 9º, inciso I, e 82, incisos I e III do CPC. Estas possibilidades, assim como a já citada do artigo 793 da CLT, serão objeto de estudo mais aprofundado no próximo capítulo deste trabalho.

 

 

Capítulo II – Atribuições do Ministério Público do Trabalho em Relação à Criança e ao Adolescente a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

 

 

2.1. – Proteção especial da criança e do adolescente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no âmbito trabalhista

 

Os parlamentares constituintes de 1988 tiveram grande preocupação com a proteção das crianças e dos adolescentes na nova Carta Magna, em resposta aos anseios da sociedade naquele momento histórico do país.

 

De forma a materializar tal proteção, dentre outras normas com este fim, a Constituição fixou em 14 anos a idade mínima para o trabalho, com a exceção para o seu exercício antes desta idade apenas na condição de aprendiz (sem, contudo, especificar qual a idade mínima para o exercício da aprendizagem). Alguns doutrinadores do Direito entendem que a idade mínima para a aprendizagem antes de completados 14 anos de idade só pode ser iniciada, no mínimo, aos 12 anos. Neste sentido manifestaram-se Haddock Lobo e Prado Leite em sua obra Comentários à Constituição Federal:

 

“O texto constitucional sob comentários, porém, procura ressalvar a condição de aprendiz. O aprendiz não é assistido. Aprendiz é o termo técnico inserido em nossa legislação e com tradição de curso. Ela só se inicia aos 14 anos. É de se ter, pois, que o legislador quis se referir ao sistema de aprendizagem que abriga a pré-aprendizagem, esta iniciando-se, é verdade, aos 12 anos” [18].

 

No mesmo artigo constitucional em que foi delimitada a idade mínima para o trabalho acima citada, foi fixada também a idade mínima para o exercício de trabalho noturno, perigoso ou insalubre, esta em 18 anos. Ambas as prescrições estão dispostas no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo este inserido no Capítulo II – Dos Direitos Sociais, do Titulo II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.

 

Além do inciso do artigo supracitado, foi também redigido o artigo 227, que dispõe em seu caput sobre os direitos da criança e do adolescente, conforme segue:

 

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, e opressão.

 

Com relação ao direito à proteção especial da criança e do adolescente no âmbito trabalhista, o artigo 227 enumera nos incisos I, II e II de seu parágrafo 3º os aspectos que abrangem esse direito, como abaixo transcrito:

 

Art. 227. (omissis)

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

 

O artigo 227 da Constituição Federal de 1988, dada a sua abrangência em relação aos direitos da criança e do adolescente, originou a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que constitui o diploma legal mais completo em matéria de proteção à criança e ao adolescente.

 

 

2.2. – O Ministério Público do Trabalho na Constituição Federal de 1988

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, atribuiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, o regime democrático, os interesses sociais e os interesses individuais indisponíveis.

 

Uma das inovações inseridas na Carta Constitucional vigente trata-se da definitiva retirada da representação judicial da União do âmbito das atribuições do Ministério Público. Neste sentido, o MP ficou incumbido essencialmente da defesa dos interesses indisponíveis da sociedade, ficando a função de representação judicial da União a cargo da Advocacia Geral da União.

 

De acordo com a sistematização da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público abrange:

 

I)          o Ministério Público da União, que compreende:

a)      o Ministério Público Federal;

b)      o Ministério Público do Trabalho;

c)      o Ministério Público Militar;

d)      o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II)   o Ministério Público dos Estados.

 

Desta forma, o Ministério Público do Trabalho é o ramo do Ministério Público da União ao qual cabe a missão de zelar pelo segmento do ordenamento jurídico em que se encontram as leis trabalhistas, conforme a divisão do Ministério Público da União em ramos específicos instituída pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 128.

 

Como já citado neste capítulo, a Constituição Federal vigente atribuiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Mas, o que seria um interesse indisponível defensável pelo Ministério Público? Antônio Cláudio da Costa Machado, citando Liebman, estabelece uma precisa definição a respeito do objeto principal das funções institucionais do MP:

 

“O Ministério Público é, ele próprio, um órgão do Estado, ao qual cabe tutelar um específico interesse público (administrativo lato sensu), que tem por objeto a atuação da lei por parte dos órgãos jurisdicionais nas áreas e nos casos em que as normas jurídicas são ditadas por razões de utilidade geral ou social; trata-se de casos em que a concreta observância da lei é necessária à segurança e ao bem-estar da sociedade, não podendo a tarefa de provocar a sua aplicação pelos juízes ser deixada à iniciativa dos particulares. (...) O Ministério Público pode ser definido, então, como o órgão instituído para promover a atuação jurisdicional das normas de ordem pública” [19].

 

Baseando-se nas palavras do mestre italiano, Machado assim conclui sua definição particular do foco de atuação do MP:

 

”Aqui está, portanto, numa idéia simples, o fundamento de toda a atuação do parquet no mundo jurídico, tanto na Itália como hoje no Brasil: a necessidade de fiel observância das leis de ordem pública ou, como preferimos nós, a defesa dos direitos indisponíveis em juízo” [20].

 

Neste contexto, o Ministério Público do Trabalho, como um dos ramos do Ministério Público, também é defensor de direitos indisponíveis. A indisponibilidade é uma das características mais marcantes dos direitos trabalhistas, conforme ressalta Machado quando afirma “o que justifica a atuação do parquet perante a Justiça do Trabalho é o fenômeno da indisponibilidade de direitos, resultado da exacerbada relevância social destes” [21].

 

 

2.3. – Atribuições do Ministério Público do Trabalho em relação à criança e ao adolescente

 

Em decorrência das disposições sobre o Ministério Público constantes na Constituição vigente, foi editado o Estatuto do Ministério Público da União (MPU), a Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993.

 

As atribuições do Ministério Público do Trabalho estão definidas no Estatuto do MPU em seus artigos 83 e 84.

 

Desta forma, as possibilidades de atuação do MPT em relação à criança e ao adolescente determinadas pelo Estatuto estão contidas nos artigos 83, incisos II, III, IV e V; 84, inciso II. Além das atribuições elencadas nesses artigos, há ainda, no que concerne ao objeto deste trabalho, a do artigo 112.

 

Estas formas de atuação do Ministério Público do Trabalho previstas no Estatuto do MPU em relação à criança e ao adolescente, em algumas situações devem ser invocadas em conjunto com as determinações de diplomas legais diversos do Estatuto, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Código de Processo Civil (CPC) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), como será oportunamente discorrido no próximo tópico deste trabalho.

 

 

2.3.1. – Como órgão agente

 

A atribuição do Ministério Público do Trabalho funcionar como órgão agente em defesa dos direitos e dos interesses das crianças e dos adolescentes trabalhadores é o campo de atuação onde o MPT age de forma preventiva, instaurando procedimentos investigatórios e inquéritos civis públicos destinados à apuração de ilegalidades no âmbito trabalhista, e de forma repressiva, promovendo as ações judiciais cabíveis junto à Justiça do Trabalho necessárias para corrigi-las.

 

Neste sentido, o campo de atuação do MPT é imenso. Para defender os direitos e interesses das crianças e dos adolescentes, o MPT tem por atribuição legal:

 

a)        a instauração de inquérito civil público e outros procedimentos administrativos para apurar as condições e a segurança do trabalho dos adolescentes. Esta atribuição está prevista no inciso II do artigo 84 da Lei Complementar nº 75/93 e no parágrafo 1º do artigo 8º da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), correspondentes ao preceito do artigo 129, inciso III da Constituição Federal de 1988;

 

b)       a propositura de ações civis públicas (ACP) e ações civis coletivas (ACC), para tutelar os interesses dos adolescentes trabalhadores. A propositura de ação civil pública está inserida entre as atribuições do MPT no inciso III do artigo 83 da Lei Complementar nº 75/93 e no artigo 5º da Lei nº 7.347/85, que também correspondem ao preceituado no artigo 129, inciso III da Constituição de 1988. A possibilidade de o MPT ingressar com ações civis coletivas está prevista no artigo 91 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor);

 

c)        instaurar Ação Anulatória de Cláusula de Instrumento Coletivo de Trabalho (Contratos, Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho) que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos adolescentes trabalhadores. Esta atribuição está prevista no inciso IV do artigo 83 da Lei Complementar nº75/93;

 

d)       o ingresso com reclamatórias trabalhistas na qualidade de representante legal do adolescente trabalhador maior de 14 e menor de 18 anos quando este não o possuir. Esta prerrogativa está expressa no artigo 793 da CLT e no artigo 83, inciso V da Lei Complementar nº 75/93;

 

e)        assistir o adolescente nas causas trabalhistas em que seja parte, na hipótese de conflito de interesse deste com o seu representante legal. Esta possibilidade é decorrente do disposto nos artigos 9º, inciso I do Código de Processo Civil (CPC), 769 da CLT e 83 inciso V da Lei Complementar nº 75/93;

 

f)         atuar em auxílio da criança ou adolescente, nas lides trabalhistas em que existam interesses dos mesmos envolvidos. Esta atribuição conclui-se do estatuído nos artigos 82, inciso I do CPC, 769 da CLT e 112 da Lei Complementar nº 75/93.

 

Em relação às atribuições acima descritas, cumpre tecer alguns comentários de forma a elucidar um pouco mais as possibilidades de atuação do MPT como órgão agente na defesa das crianças e adolescentes trabalhadores em decorrência da interpretação dos dispositivos legais:

 

I – No que tange ao dever do MPT instaurar inquérito civil público e outros procedimentos administrativos, para apurar irregularidades em relação à observância dos dispositivos legais sobre as condições e a segurança do trabalho dos adolescentes, esta atribuição é facilmente definida a partir da interpretação do disposto no inciso II do artigo 84 da Lei Complementar nº 75/93.

 

 Uma vez auferido o desrespeito a algum dos direitos sociais dos adolescentes trabalhadores (elencados no Capítulo II - Dos Direito Sociais, inserido no título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho), cabe ao MPT tomar as medidas legais cabíveis neste sentido visando sanar as irregularidades encontradas. Esta atribuição institucional é decorrente do disposto no artigo 129, inciso III da Constituição Federal de 1988.

 

Especificamente a respeito do inquérito civil público, instrumento legal destinado à apuração de irregularidades, José Emmanuel Burle Filho faz considerações bastante esclarecedoras:

 

“Diversamente da legitimidade para a propositura da ação civil pública, estendida também a outros entes, o inquérito civil foi concebido como instrumento exclusivo do Ministério Público, destinado à colheita de provas e esclarecimento do fato, para eventual propositura da ação civil pública(...).

 

O inquérito civil não é em si uma função, e sim um instrumento, que legitima, implicitamente, o exercício da função investigatória(...).

 

O principal aspecto que norteia a legitimidade do inquérito civil é a existência de um fato jurídico, isto é, de um fato que, em tese considerado e à luz do ordenamento jurídico, autorize a investigação, ou seja, reflita possível ofensa a interesses difusos ou coletivos[22].

 

II – A respeito da atribuição do MPT ingressar com ações civis públicas ou ações civis coletivas, cumpre diferenciar as hipóteses de cabimento, a natureza e os efeitos da sentença de cada um desses tipos de instrumentos processuais.

 

Conforme explicado pelo ilustre Sub-Procurador Geral da Procuradoria Geral do Trabalho, Dr. Ives Gandra da Silva Martins Filho (anexo 01), a primeira diferença que se pode estabelecer entre os dois instrumentos processuais diz respeito aos interesses defensáveis em cada um deles. A Constituição Federal de 1988 somente previu a ação civil pública (ACP) para a defesa de interesses difusos e coletivos (artigo 129, inciso III). A figura jurídica dos interesses individuais homogêneos foi introduzida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), e para sua defesa instituiu a Ação Civil Coletiva (ACC) em seu artigo 91. Desta forma, na ACP há a defesa dos interesses coletivos e na ACP defesa coletiva de direitos individuais.

 

No caso dos interesses coletivos e difusos a lesão é atual e concreta somente em relação à parte do universo dos protegidos pela medida judicial adotada. Já em relação aos interesses individuais homogêneos, a lesão é sempre concreta, individualizável.

 

Dada a redação restritiva do inciso III do artigo 129 da Constituição Federal de 1988, seria imprópria a utilização da Ação Civil Pública para a defesa de interesses individuais homogêneos. Para esta finalidade, deve-se utilizar da Ação Civil Coletiva criada pelo Código de Defesa do Consumidor, com base na previsão do inciso IX do artigo constitucional citado.

 

No tocante à natureza e aos efeitos da sentença, a ACP visa a prolação de sentença de caráter condenatório genérico (onde o sentenciado deverá pagar uma multa a um Fundo Federal e não ao trabalhador lesado) ou cominatório (ao sentenciado é imposta uma obrigação de fazer ou não fazer), nunca reparatório. Já a ACC visa a obtenção de reparação pelos danos sofridos individualmente pelos trabalhadores lesados.

 

III – A atribuição institucional do MPT de instaurar Ação Anulatória de Cláusula de Instrumento Coletivo de Trabalho (Contratos, Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho) que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos adolescentes trabalhadores está expressamente prevista no inciso IV do artigo 83 da Lei Complementar nº75/93. Sempre que forem firmados instrumentos coletivos de trabalho que discriminem de forma ilegal os adolescentes trabalhadores, cabe ao MPT o ajuizamento da ação que tem por objetivo anular as cláusulas que infringem os direitos dos mesmos.

 

IV – A prerrogativa do Ministério Público do Trabalho ingressar com reclamatórias trabalhistas na qualidade de representante legal do adolescente trabalhador maior de 14 e menor de 18 anos quando este não o possuir está especificada no artigo 793 da CLT, que incumbe ao Ministério Público apresentar a reclamatória em nome do empregado adolescente que tenha entre 14 e 18 anos na falta de representante legal do mesmo.

 

Comentar esta atribuição exige algumas observações a respeito da capacidade processual do adolescente. O adolescente entre 14 e 18 anos de idade, perante a Justiça Trabalhista, é possuidor de capacidade processual relativa, ou seja, é um relativamente capaz. De forma a definir capacidade processual, reportamo-nos ao conceito enunciado por Moacyr Amaral Santos:

 

“Capacidade processual ou capacidade de estar em juízo, ou legitimatio ad processum, é a capacidade de exercer os direitos e deveres processuais; é a capacidade de praticar validamente os atos processuais; diz respeito àqueles que têm capacidade para agir” [23].

 

A capacidade processual relativa, no Direito Civil, segundo o critério da idade, situa-se na faixa dos 16 aos 21 anos (Código Civil, art. 6º). Já para o Direito do Trabalho, o empregado maior de 14 anos já possui capacidade processual relativa, e ao completar 18 anos, atinge a capacidade processual plena. Corroborando esta afirmação, servimo-nos das palavras de Francisco Antônio de Oliveira:

 

“Diferentemente da lei civil, no processo do trabalho somente será representado o menor de 14 anos; o maior de 14 e menor de 18 será sempre assistido; o maior de 18 anos tem capacidade plena para contratar” [24].

 

O autor acima citado afirma que, no processo do trabalho o maior de 14 e menor de 18 será sempre assistido. Esta assistência deriva da capacidade processual do trabalhador desta faixa etária, uma vez que, sendo sua capacidade processual relativa, por imposição legal necessita de um auxiliar na prática dos atos processuais. Este auxílio via de regra deve ser exercido pelo representante legal do adolescente, seus pais ou tutores, que assistem o relativamente incapaz na prática dos atos processuais.

 

A previsão do artigo 793 da CLT determina que, na falta de representante legal, as reclamações trabalhistas dos adolescentes entre 14 e 18 anos devem ser impetradas pelo Ministério Público do Trabalho. Neste caso, o MPT exercerá a função de Curador Especial, também conhecida como Curador à Lide, incumbido da representação do adolescente trabalhador em lugar do representante legal, assistindo-o nos atos processuais. Esta atribuição do MPT está prevista também no artigo 83, inciso V, da Lei Complementar nº 75/93.

 

V – Na hipótese do adolescente entre 14 e 18 anos que ingresse com reclamatória trabalhista e possua representante legal, o MPT também deve atuar como Curador Especial quando verificado que os interesses do adolescente estejam em colidência com os interesses do seu representante legal.

 

A atribuição neste caso não está prevista na CLT, mas tendo em vista o disposto no artigo 769 da CLT, que permite a utilização supletiva do Direito Processual Comum no caso da falta de previsão da situação pela Consolidação, afigura-se a possibilidade através da disposição do artigo 9º, inciso I, do Código de Processo Civil, que disciplina a figura do Curador Especial para esta situação, possibilitando a atuação do MPT na função, de forma não privativa, uma vez que é possível a execução do encargo por pessoa estranha aos quadros do Ministério Público, conforme se conclui da leitura do texto do artigo 9º do CPC. Desta forma, este tipo de atribuição também está em conformidade com o disposto no artigo 83, inciso V da Lei Complementar nº 75/93.

 

VI – Questão controversa é a atuação do MPT nas lides trabalhistas em que estejam envolvidos interesses de crianças ou adolescentes, mesmo que a criança ou o adolescente não seja parte no processo. Esta é a atribuição em que o MPT atua como Curador de Incapazes.

 

Esta atribuição, assim como a anterior, também não está prevista na CLT. Ela também é decorrente da disposição do artigo 769 da CLT, como observa o Professor de Direito do Trabalho e Procurador do Trabalho da 4ª Região Alexandre Corrêa da Cruz:

 

“Diante da flagrante omissão do texto consolidado e pela evidente inexistência de antinomia com os princípios norteadores do processo do trabalho – também aqui há perfeita consonância entre a figura do curador de incapaz e o princípio corretor de desigualdades – , tem-se por colmatado o suporte fático do artigo 769 da CLT, sendo imprescindível, pois, a utilização supletiva do Direito Processual Civil no aspecto” [25].

 

Assim, a atuação do MPT nesta situação fundamenta-se na disposição do artigo 82, inciso I do CPC, que incumbe ao Ministério Público intervir nas causas em que há interesses de incapazes.

 

Existe uma controvérsia doutrinária se este tipo de atuação do MPT é na qualidade de órgão agente ou apenas na de órgão interveniente, ou fiscal da lei.

 

O Professor Antônio Cláudio da Costa Machado defende a primeira corrente, a da atuação como órgão agente, assim:

 

“Aqueles que, como nós, defendem o ponto de vista de que o curador de incapazes não atua no processo civil como fiscal da lei encontram, comumente, grande dificuldade para enquadrá-lo nas categorias comuns fornecidas pela lei e pela doutrina. (...)Oparquet” não representa evidentemente o incapaz; quem faz isso é o representante legal, tutor ou curador, sendo que a instituição intervém, legitimada pelo art. 82, I, para, em nome próprio, auxiliá-lo. Trata-se, portanto, de legitimação, não de suprimento de incapacidade para estar em juízo. (...)Dá-se ao Ministério Público apenas legitimação interventiva assistencial, isto é, legitimidade para coadjuvar o incapaz, suprindo eventuais falhas no exercício do direito de ação ou exceção” [26].

 

O Procurador do Trabalho Alexandre Corrêa da Cruz, citando Antônio Cláudio da Costa Machado, defende esta corrente doutrinária, afirmando que “atua o Órgão Ministerial na condição de assistente litisconsorcial diferenciado, porquanto pode praticar, no processo, uma série de atos em defesa do incapaz” [27].

 

A corrente que afirma que a função de Curador de Incapazes deve ser exercida meramente como órgão interveniente ou fiscal da lei é representada por Moacyr Amaral dos Santos, que ensina:

 

“Nos processos em que se deduzirem interesses de incapazes (...) sem embargo de estarem em juízo devidamente representados ou assistidos, é obrigatória a intervenção do órgão do Ministério Público (Cód. Proc. Civil, art. 82, I). A função desse órgão, no caso, não é integrativa da capacidade processual do incapaz, que se integrou pela representação ou assistência, e sim de fiscal da lei, suprindo omissões do representante ou assistente, fazendo respeitar a lei” [28].

 

Nesta situação, prefiro filiar-me à corrente que defende a autuação do MPT como órgão agente, dada a relevância dos interesses dos incapazes e, também, pela possibilidade de modificar-se a situação processual do MPT, passando da função de Curador de Incapazes para a de Curador Especial, uma vez que se verifique, em audiência, a desídia do representante legal em relação aos interesses de seu representado. Neste sentido, valho-me também das palavras de Antônio Cláudio da Costa Machado:

 

“Verificada a presença de um interesse de incapaz – seja qual for a maneira pela qual se manifeste – deverá obrigatoriamente intervir o Ministério Público no processo para dar-lhe assistência (CPC, art. 82, I). (...) Sendo assistente do incapaz, cumpre ao curador ajudá-lo, de modo a aumentar suas probabilidades de ganho de causa. (...) Caso o representante legal do incapaz não pratique os atos sugeridos pela curadoria por desídia ou outra razão qualquer, configurada estará a colidência de interesses prevista pelo inciso I do art. 9º, de sorte a autorizar a nomeação de curador especial” [29].

 

Assim, estas são as atribuições do Ministério Público do Trabalho como órgão agente em relação às crianças e aos adolescentes.

 

 

2.3.2. – Como órgão interveniente

 

A atuação do Ministério Público do Trabalho como órgão interveniente ou fiscal da Lei (também conhecida por “custos legis”) realizar-se-á em qualquer fase do processo trabalhista, por solicitação do Juiz ou por iniciativa própria, sempre que o órgão considere que existe interesse público que justifique a intervenção. É o que está expressamente disposto no artigo 83, inciso II, da Lei Complementar nº 75/93.

 

Segundo a Procuradora do Trabalho Marília Romano, o Ministério Público é a Instituição incumbida da preservação dos valores fundamentais do Estado enquanto comunidade, e deve atuar como fiscal da lei quando “em determinada causa estiver em disputa algum desses valores que interessam à sociedade (e não apenas às partes envolvidas ou ao Estado) [30].

 

Esta visão define com propriedade a situação em que o Ministério Público deve atuar como órgão interveniente ou fiscal da Lei, ou seja, nas situações em que dentre os interesses em litígio, estejam envolvidos àqueles que dizem respeito à sociedade globalmente considerada, interesses estes que ultrapassam as individualidades, atingindo a sociedade como um todo. Assim, “interesse público” pode ser entendido como sinônimo da expressão “interesses sociais” utilizada no artigo 127 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

 

Neste sentido, a questão dos interesses das crianças e dos adolescentes é consensualmente admitida entre os juristas brasileiros como de interesse público. Assim, nas lides trabalhistas em que o adolescente trabalhador seja parte, ou que, mesmo não sendo parte, simplesmente estejam envolvidos interesses juridicamente defensáveis de crianças ou adolescentes, faz-se necessária a intervenção do Ministério Público do Trabalho, para assegurar a correta aplicação da lei, de modo a prevenir possíveis prejuízos aos hipossuficientes.

 

Este entendimento já se reflete no próprio Poder Judiciário do Trabalho, conforme relata Regina Fátima Bello Butrus, Procuradora-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região:

 

“Os juízes de primeira instância, em geral, solicitam a intervenção do Ministério Público, comocustos legis”, nas reclamações trabalhistas, além de quando ficam evidenciados os interesses de incapazes (...)” [31].

 

Face às disposições da Constituição Federal de 1988 sobre a proteção especial do trabalho dos adolescentes, deduz-se o interesse social do Estado brasileiro em relação à observância destas normas.

 

Assim, o Ministério Público do Trabalho deve atuar como órgão interveniente ou fiscal da Lei, sempre que estes interesses e direitos estejam envolvidos nas ações trabalhistas, conforme já admitido pela justiça obreira. Esta atuação deve ser exercida sempre de forma opinativa, no sentido de preservar a exata observância das leis.

 

No intuito de complementar este trabalho, foram anexadas algumas ações impetradas pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina em defesa dos direitos de adolescentes trabalhadores deste Estado. Estas ações serão objeto de estudo do próximo capítulo de forma a ilustrar, na prática, a atuação teoricamente discorrida no capítulo que aqui se encerra.

 

 

Capítulo III – Atuação do Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina Através de Algumas Ações Impetradas em Defesa de Adolescentes Trabalhadores

 

 

Neste capítulo abordou-se três ações impetradas pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina. Nos três casos estudados o MPT atuou como órgão agente, de forma a sanar irregularidades específicas verificadas em relação aos direitos dos adolescentes trabalhadores, como veremos a seguir.

 

 

3.1. – Ação Civil Pública com Pedido Liminar contra Cristal Blumenau S.A.

 

A presente ação teve origem através do Inquérito Civil Público nº 01/94, instaurado pela Procuradoria Regional do Trabalho devido às informações fornecidas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias de Vidros e Cristais de Blumenau, de que ocorrera contaminação dos empregados da empresa pelo elemento chumboe que a mesma não adotava medidas visando neutralizar as adversidades. Convocado o representante da empresa para audiência na sede do MPT, verificou-se através de declarações do mesmo que a empresa mantinha em seu quadro elevado número de empregados adolescentes, e que os mesmos também estavam submetidos ao ambiente insalubre.

 

A empresa declarou que mantinha em seu quadro 136 (cento e trinta e seis) adolescentes laborando em ambiente insalubre. Após diversas audiências na Procuradoria Regional do Trabalho nas quais a mesma comprometia-se a solucionar a situação irregular, o Ministério Público do Trabalho entendeu que a empresa mostrou-se indiferente ao solicitado e simplesmente protelava a situação até que os adolescentes atingissem a maioridade laboral. No último contato entre a empresa e o MPT, aquela ainda mantinha 45 (quarenta e cinco) adolescentes trabalhando em ambiente insalubre.

 

Por entender que a situação havia se tornado insustentável, o Ministério Público do Trabalho impetrou Ação Civil Pública com Pedido Liminar contra a empresa. O MPT baseou seu pedido, no tocante ao cabimento da ação civil pública por sua iniciativa, no artigo 129, inciso III da Constituição Federal em vigor. Já no tocante ao direito lesado, fundamentou o pedido também na Constituição Federal vigente, em seu artigo 7º, inciso XXXIII.

 

Desta feita, o MPT requereu ao Judiciário do Trabalho que concedesse liminarmente ordem à empregadora no sentido de remanejar os adolescentes para funções que não insertas em áreas insalubres, a realização de exames médicos em todos os empregados menores de 18 anos para determinar a situação real de suas respectivas condições de trabalho, e a apresentação imediata, após o recebimento da ordem judicial, da relação dos empregados menores de 18 anos, com data de admissão, de idade, tarefas, bem como as folhas e os recibos de pagamento.

 

Em caráter definitivo, solicitou o MPT: remanejamento definitivo dos adolescentes das áreas insalubres e que a empresa se abstivesse de submeter adolescentes a trabalho em ambientes em tais condições; o pagamento do adicional de insalubridade aos adolescentes que trabalhavam em tais condições e que não o receberam, em percentuais que deveriam ser apurados através de perícia; e, que, em vista do desatendimento, pela empresa, das recomendações do MPT, fossem rescindidos os contratos, na forma do artigo 483 da CLT, sendo consideradas as rescisões posteriormente à assinatura do Termo de Adequação de Conduta perante à Procuradoria do Trabalho, com o pagamento das verbas decorrentes conforme o artigo 407, parágrafo único da CLT. Esta ação civil pública foi impetrada pelo MPT no dia 31 de julho de 1996 perante a Justiça do Trabalho de Blumenau, tendo sida distribuída para a 2ª Junta de Conciliação e Julgamento, e recebido o nº 1265/96.

 

A primeira audiência de instrução e julgamento foi realizada no dia oito de setembro de 1996. Tendo sido rejeitada a conciliação, a Procuradora do Trabalho requereu em aditamento ao pedido inicial que a empresa se abstivesse de demitir os empregados adolescentes, e que, caso a empresa demitisse algum deles, que fosse reintegrado ao emprego para que se cumprisse o disposto no artigo 407 da CLT, pelo qual deve a empresa comprovar em Juízo a impossibilidade de remanejamento dos empregados adolescentes. Requereu também o MPT que, caso fosse confirmada a impossibilidade de reintegração, que o Judiciário autorizasse a rescisão contratual e também que a empresa comprovasse a recolocação dos adolescentes mantidos em locais salubres.

 

A segunda audiência ocorreu no dia 16 de outubro de 1996. Rejeitada pelas partes a conciliação, a representante do MPT requereu a produção de prova pericial quanto a insalubridade questionada na petição inicial.

 

Nova audiência foi realizada em 28 de novembro de 1996. Nesta audiência a empresa declarou que nessa data apenas 13 adolescentes ainda trabalhavam em setor insalubre, mas estavam afastados de suas atividades, em férias ou em licença remunerada, percebendo todas as vantagens inerentes à função originária, desde o deferimento do pedido liminar efetuado pelo MPT. Esta informação foi confirmada pelo Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Vidros Cristais de Blumenau, presente na audiência.

 

A quarta audiência ocorreu no dia 12 de dezembro de 1996. Nesta audiência as partes – a empresa e o Ministério Público do Trabalho – informaram ao Juízo que entraram em acordo, embora não extintivo do feito. Como ficou verificado que os adolescentes que trabalhavam na empresa estavam prestes a atingir a maioridade trabalhista, o MPT concordou com a suspensão do processo pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do artigo 265, inciso II do Código de Processo Civil. O Ministério Público do Trabalho aceitou o acordo justificando o prejuízo financeiro que adviria às famílias dos adolescentes no caso de ficarem desempregados, e que ficou comprovado que a insalubridade a qual os adolescentes estavam sujeitos seria neutralizada pelo uso dos equipamentos de proteção individual – EPI.

 

As partes concordaram ainda que os adolescentes retornariam ao trabalho durante o período de suspensão do processo mediante o recebimento e a efetiva utilização do EPI. A empresa comprometeu-se a não mais contratar novos adolescentes menores de 18 anos para laborarem em setores considerados insalubres, bem como a não demitir àqueles já contratados. Foi acertado também pelas partes que o MPT poderia valer-se da fiscalização, tanto da Delegacia Regional do Trabalho quanto da entidade sindical profissional, no intuito de certificar-se do efetivo cumprimento do acordo firmado. Foi acordado que o não cumprimento das disposições avençadas implicaria o pagamento de multa de cinquenta mil UFIRs (Unidade Fiscal de Referência) e no prosseguimento do feito. Por fim, acordaram que ao término do prazo de suspensão do processo, caso devidamente cumprido o acordo, as iriam requerer a extinção do feito, e que possíveis pedidos de demissão dos então 13 adolescentes em atividade na empresa somente seriam válidos se feitos com a assistência do sindicato dos empregados.

 

A última audiência realizou-se no dia 11 de novembro de 1997. O Ministério Público do Trabalho, reconheceu o cumprimento do acordo por parte da empresa, após haver realizado diversas diligências fiscalizadoras com o auxílio da Delegacia Regional do Trabalho e do Sindicato dos Empregados. Desta forma, o Juízo considerou cumpridos os termos do acordo e determinou a extinção do feito, nos termos do artigo 269, inciso III do Código de Processo Civil.

 

Cabe destacar nesta ação movida pelo MPT que, da impetração do pedido em 31 de julho de 1996 passaram-se mais de um ano e quatro meses até a extinção do feito em 11 de novembro de 1997. Ao fim deste período, dos 45 adolescentes que trabalhavam em atividades insalubres quando do ingresso da ação pelo MPT, somente 11 ainda pertenciam ao quadro da empresa, visto que 02 foram demitidos após completarem 18 anos. Conforme auferido de documentos anexos ao processo, todos os 11 adolescentes que permaneceram na empresa já haviam completado 18 anos quando da extinção do feito. Este fato caracteriza a lentidão da prestação jurisdicional por parte do Estado, o que acarretaria até mesmo a extinção do feito na audiência realizada em 11 de novembro de 1997, mesmo que não houvesse o acordo, uma vez que neste data já não haviam mais menores de 18 anos trabalhando para a empresa. Apesar de toda a morosidade infelizmente inerente ao processo judicial, ficou evidenciado que o Ministério Público do Trabalho envidou os esforços possíveis visando sanar as ilegalidades, conforme suas atribuições legais.

 

 

3.2. – Ação Civil Pública com Pedido Liminar contra Perdigão Agroindustrial S.A.

 

Esta ação tem por fundamento situação semelhante à da anteriormente analisada. Vários Procuradores do Trabalho, quando solicitados a emitirem pareceres em processos em andamento perante o Tribunal Regional do Trabalho, constataram um grande número de reclamações trabalhistas contra a empresa em epígrafe, através das quais adolescentes pleiteavam adicional de insalubridade, logrando êxito em várias delas.

 

Face à gravidade de tais fatos, a Procuradoria Regional do Trabalho instaurou o Procedimento de Apuração Prévia (PAP) nº 51/94, em 02 de agosto de 1994, e solicitou à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) que procedesse uma fiscalização nas unidades da empresa.

 

O agente da DRT informou que comprovou que adolescentes com idade entre 16 e 17 anos exerciam atividades consideradas insalubres. O agente ressaltou o fato de que a empresa procedia ao pagamento do respectivo adicional aos adolescentes, caracterizando irrefutável a exposição ao ambiente insalubre.

 

A Procuradoria Regional do Trabalho intimou o representante da empresa para apresentar as fichas de registro de alguns empregados e para comparecer à audiência na sede da Procuradoria, em 08 de maio de 1995.

 

Nessa audiência o representante da empresa reconheceu como verdadeiros os fatos narrados acima e firmou Termo de Adequação de Conduta, comprometendo-se a não mais admitir menores de 18 anos para exercício de trabalho em locais ou atividades insalubres e/ou perigosas. O representante da empresa comprometeu-se também a proceder ao remanejamento dos adolescentes para áreas ou funções não sujeitas à insalubridade e/ou periculosidade, encaminhando à Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) listagem nominal dos mesmos, bem como das atividades insalubres e/ou perigosas que eram exercidas e as atividades e/ou local que passaram a exercer suas tarefas. Para o atendimento destas determinações, foi fixado o prazo de 30 dias a contar da audiência na Procuradoria.

 

Posteriormente, a empresa solicitou prorrogação de prazo para adotar as providências compromissadas, e o MPT concedeu 45 dias para tal.

 

Face à inércia da empresa em prestar novas informações a respeito das providências que corrigissem a situação, o MPT solicitou à mesma que fornecesse lista nominal dos adolescentes que ainda estivessem trabalhando em condições insalubres.

 

Em 07 de novembro de 1995 a empresa afirmou que na unidade Frigorífico Capinzal haviam 17 adolescentes expostos a condições insalubres.

 

Ao atender nova solicitação da PRT em 23 de abril de 1996, a empresa comunicou que na sala de cortes da mesma unidade supracitada, de indiscutível insalubridade, trabalhavam 118 empregados menores de 18 anos.

 

Diante de tal situação, a Procuradoria Regional do Trabalho viu-se obrigada a impetrar a ação civil pública contra a empresa Perdigão Agroindustrial S.A., tendo em vista a perpetração do desrespeito à proibição constitucional de trabalhos insalubres para menores de 18 anos.

 

O Ministério Público do Trabalho fundamentou seu pedido com base nos mesmos dispositivos legais da ação anteriormente analisada, de forma a estabelecer: a determinação da competência para o conhecimento e julgamento da ação, o cabimento da ação civil pública no caso, a legitimidade do Ministério Público para a propositura e o direito violado ensejador do pedido.

 

Tal como na ação anterior, o MPT requereu a concessão de medida liminar com os mesmos objetivos (recolocação dos adolescentes em funções que não insertas em áreas insalubres, realização de exames médicos para determinação das condições de trabalho e a apresentação da relação de empregados menores de 18 anos especificando data de admissão, idade, tarefas bem como as folhas e os recibos de pagamento).

 

Os componentes do pedido de caráter definitivo também foram os mesmos da ação contra a empresa Cristal Blumenau anteriormente discorrida (remanejamento definitivo dos adolescentes das áreas insalubres e que a empresa se abstivesse de submeter trabalhadores menores de 18 anos a ambientes em tais condições; o pagamento de adicional de insalubridade aos adolescentes que laboraram em tais condições e não o receberam; e, que, em vista do desatendimento, pela empresa, das recomendações do MPT, fossem rescindidos os contratos, na forma do artigo 483 da CLT, sendo consideradas as rescisões posteriormente à assinatura do Termo de Adequação de Conduta perante à Procuradoria do Trabalho, com o pagamento das verbas decorrentes conforme o artigo 407, parágrafo único da CLT. Esta ação civil pública foi impetrada pelo MPT no dia 28 de junho de 1996 perante a Junta de Conciliação e Julgamento de Joaçaba, tendo recebido o número 533/96.

 

A empresa requerida apresentou sua contestação ao pedido do MPT, e a primeira audiência realizou-se no dia 19 de novembro de 1996. Após o depoimento das partes e inquirição das testemunhas, o Juízo determinou: que a empresa atendesse ao requerido no primeiro item do pedido liminar (recolocação dos adolescentes em funções que não insertas em áreas insalubres); que os adolescentes viessem a cumprir jornada essencialmente diurna em 15 dias; que em igual prazo a empresa providenciasse os exames médicos solicitados e a relação dos empregados adolescentes solicitada pelo MPT, bem como os recibos de salário dos empregados elencados. O Juízo determinou a realização de perícia médica com apresentação do laudo em 60 dias.

 

Ainda nesta primeira audiência, a representante do MPT requereu a aplicação de multa pecuniária, por dia de descumprimento da não recolocação dos adolescentes em jornada de trabalho diurna, bem como, se após a realização da perícia, em ficando constatada a insalubridade em setores onde trabalham adolescentes menores de 18 anos, não providenciasse  a empresa o imediato remanejamento para setores salubres. A respeito destas solicitações, o Juízo decidiu que a aplicação de multa somente seria determinada após o prazo estipulado pelo Juízo para que empresa providenciasse a jornada de trabalho diurna para os adolescentes. Já no que diz respeito à aplicação de multa se os adolescentes fossem mantidos em setores insalubres, o Juízo decidiu que seria a multa aplicada após a realização da perícia médica. A audiência ficou adiada por prazo indeterminado.

 

Após a realização de diversas perícias, juntada de novos documentos e várias manifestações das partes em novos momentos no processo, foi realizada uma nova audiência somente no dia 04 de junho de 1998. Nesta audiência o procurador da empresa esclareceu que nesta data não havia mais nenhum trabalhador com menos de 18 anos laborando em seu frigorífico e nem em qualquer outra atividade que possa ser considerada insalubre, e que todos os trabalhadores do frigorífico recebiam adicional de insalubridade. Nesta audiência efetuaram acordo em que a requerida se obrigou a não mais utilizar trabalhadores menores de 18 anos nos seus frigoríficos nem em qualquer outra atividade insalubre, perigosa ou penosa, sob pena de pagamento de multa de dez mil UFIRs (Unidade Fiscal de Referência), reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, por trabalhador com menos de 18 anos encontrado laborando nos frigoríficos ou em qualquer outra atividade insalubre, perigosa ou penosa. Ficou definido nesta audiência que a verificação do cumprimento do acordo ficava a cargo da Delegacia Regional do Trabalho. Ainda pelo acordo, a empresa ficou responsável pelo pagamento dos honorários periciais devidos, no prazo de 5 dias a contar da data da audiência. O Juízo homologou o acordo e declarou extinto o feito.

 

Cabe destacar nesta ação a morosidade do processo judicial, ainda maior que no processo discorrido anteriormente, uma vez que neste a lide demorou quase dois anos para ser solucionada, sendo que a solução foi obtida através de acordo entre as partes. Neste caso, o Ministério Público do Trabalho não possuía mais motivos para levar adiante o feito, uma vez que todos os adolescentes que laboravam na empresa já haviam completado a maioridade laboral. Esta demora em solucionar o conflito torna vantajosa a situação da ré, uma vez que, se agir de má-fé, pode procrastinar a adoção das medidas determinadas para corrigir as ilegalidades.

 

Como fica auferido do exposto, o Ministério Público do Trabalho mais uma vez fez o que esteve ao seu alcance para defender os interesses da sociedade, mas a eficácia da sua atuação fica comprometida pela lentidão do processo judicial.

 

3.3. – Ação Anulatória com Pedido Liminar contra Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Criciúma e Sindicato da Indústrias Gráficas de Criciúma

 

Esta ação teve por motivo ensejador o conhecimento pelo MPT da Convenção Coletiva de Trabalho firmada pelos sindicatos operário e patronal das indústrias gráficas de Criciúma no dia 10 de outubro de 1995 e registrada na Delegacia Regional do Trabalho sob o nº 1015. Esta Convenção dispunha, em sua cláusula 1ª, que ao empregado que já tivesse ou viesse a ter mais de 90 (noventa) dias de serviço, era assegurada uma remuneração mínima de R$ 200,00 (duzentos reais), exceto para os menores, pessoal da limpeza, guarda, copa, jardim e office-boys.

 

Ao conhecer tal disposição convencional, o MPT expediu Notificação Recomendatória a ambos os sindicatos, conforme prerrogativa prevista na Lei Complementar nº 75/93 em seu artigo 84 combinado com o inciso XX do artigo 6º, recomendando a retificação do Instrumento Coletivo, com base no artigo 7º, inciso XXX da Constituição Federal vigente e no artigo 461 da CLT, que proíbem, entre outras, a discriminação salarial por motivo de idade. Para tal fim a Procuradoria Regional do Trabalho de Santa Catarina concedeu prazo de 30 dias, tendo encaminhado a notificação no dia 29 de fevereiro de 1996.

 

Os sindicatos não manifestaram qualquer atitude em relação ao recomendado pelo MPT. Tendo em vista tal inércia, a Procuradoria Regional do Trabalho de Santa Catarina ingressou com a Ação Anulatória com Pedido Liminar contra os sindicatos signatários da Convenção Coletiva de Trabalho. Para tal fim, fundamentou seu pedido nos dispositivos legais citados no parágrafo anterior. A respeito da legitimidade do MPT para a propositura da ação, fundamentou-a no inciso IV do artigo 83 da Lei Complementar nº 75/93. Quanto à competência para conhecimento e julgamento do feito, baseou o pedido na jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, que reiteradamente decidiu que a jurisdição nestes casos é das Juntas de Conciliação e Julgamento.

 

A respeito do pedido de antecipação da tutela através da concessão de medida liminar, fundamentou a existência dos requisitos para tal.

 

Com base nos fundamentos elencados na petição, o MPT requereu a concessão do mandado liminar para que se suprimisse a discriminação relativa aos menores de 18 anos, estabelecendo como remuneração mínima a prevista para toda a categoria, e, em caráter definitivo, a declaração de nulidade da cláusula 1ª da Convenção e, por consequência, a ilegalidade da distinção salarial prevista aos adolescentes que mantivessem relação de emprego com as empresas abrangidas pelo instrumento coletivo.

 

Nestes termos foi impetrada a ação no dia 30 de maio de 1996 perante a Justiça do Trabalho de Criciúma, a qual foi distribuída para a 1ª Junta de Conciliação e Julgamento sob o nº 573/96.

 

O Juízo do Trabalho manifestou-se no dia 03 de junho de 1996 pelo indeferimento do pedido liminar, baseando-se no parágrafo 2º do artigo 273 do Código de Processo Civil.

 

A primeira audiência de instrução e julgamento foi marcada para o dia 29 de julho de 1996. Porém, no dia 26 de julho de 1996 a representante do MPT requereu a desistência do feito em razão da perda do objeto do mesmo. O MPT baseou sua desistência no recebimento, no dia 25 de julho de 1996, de Termo Aditivo à Convenção Coletiva de Trabalho, firmado pelos sindicatos dos empregados e dos empregadores, que excluía da convenção a palavra menores, estendendo aos empregados com menos de 18 anos de idade a mesma remuneração mínima prevista na Convenção para a categoria. Este termo aditivo foi registrado na Delegacia Regional do Trabalho de Santa Catarina sob o nº 683.

 

O pedido de desistência do feito foi acolhido pelo Juízo e arquivado o processo no dia 30 de julho de 1996.

 

Com relação a este caso, cabe destacar que felizmente os sindicatos providenciaram as modificações necessárias visando sanar as ilegalidades contra os adolescentes trabalhadores prevista na Convenção Coletiva. Merece atenção o fato de que esta medida somente foi tomada pelos sindicatos após o ingresso pelo MPT com a Ação Anulatória. Neste caso, a recomendação “amigável” não surtiu efeito, foi necessário que a Procuradoria Regional do Trabalho iniciasse um processo judicial. Pelo menos neste caso, a morosidade judicial não chegou a manifestar-se prejudicando os adolescentes, visto que a ilegalidade foi rapidamente sanada, porém somente após o princípio do processo judicial.

 

Um ponto importante e surpreendente deste caso é a participação do Sindicato dos Trabalhadores nesta ilegalidade contra os adolescentes prevista na Convenção Coletiva. Da simples análise dos autos não é possível descobrir quais motivos ensejaram a concordância do mesmo com tal disposição, apenas fica evidente que contribuíram para este possível prejuízo aos interesses da sociedade. O Ministério Público do Trabalho, ao defender os interesses sociais passíveis de prejuízo, acabou cumprindo também um papel que é do Sindicato dos Trabalhadores, a defesa dos direitos de seus representados.

 

Considerações Finais

 

 

Ao término deste trabalho, observou-se que o Ministério Público do Trabalho teve sua importância enormemente ampliada ao longo de sua evolução histórica. De simples órgão atrelado ao Poder Executivo para acompanhamento das lides trabalhistas como representante do mesmo, o Ministério Público do Trabalho hoje é responsável principalmente pela defesa da ordem jurídica trabalhista e dos interesses sociais e individuais indisponíveis no âmbito trabalhista, conforme determinado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O exercício destas funções pelo Órgão não é mais de forma vinculada aos interesses do Estado, e sim da sociedade como um todo. Assim, o Ministério Público do Trabalho não é mais o advogado do Estado nas questões trabalhistas, é o advogado dos interesses da sociedade.

 

Anteriormente à promulgação da Constituição supracitada, ao Ministério Público do Trabalho já era permitida a defesa em juízo dos adolescentes trabalhadores, conforme a determinação do artigo 793 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), porém somente no caso do adolescente trabalhador não possuir representante legal.

 

O advento do Código de Processo Civil de 1973 trouxe novas possibilidades de o Ministério Público do Trabalho defender direitos das crianças e dos adolescentes trabalhadores, através da curadoria especial prevista em seu artigo 9º, inciso I, e da curadoria de incapazes prevista no artigo 82, inciso I. Estas possibilidades de atuação são decorrentes do disposto no artigo 769 da CLT, que prevê a utilização do direito processual comum nos casos em que a legislação trabalhista for omissa.

 

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a instituição Ministério Público sofreu profunda restruturação, incluindo-se aí o Ministério Público do Trabalho, inserido nesta Constituição como um dos ramos componentes do Ministério Público da União.

 

A Lei Complementar nº 75 de 20 de maio de 1993, que dispôs sobre o Estatuto do Ministério Público da União, determinou a nova estrutura do Ministério Público da União, a organização e as atribuições de cada ramo componente. As atribuições específicas do Ministério Público do Trabalho foram estatuídas nos artigos 83 e 84 da citada Lei, e dentre as previsões legais, as que dizem respeito diretamente aos direitos das crianças e dos adolescentes foram as dos incisos II, III, IV e V do artigo 83 e a do inciso II do artigo 84.

 

A partir destas disposições legais, o Ministério Público do Trabalho recebeu uma ampla gama de atribuições para atuar em defesa das crianças e dos adolescentes trabalhadores. Neste sentido, o Ministério Público do Trabalho pode: instaurar inquérito civil público e outros procedimentos administrativos; propor ações civis públicas e ações civis coletivas; ingressar com ação anulatória de cláusula de Instrumento Coletivo de Trabalho, ingressar com reclamatórias trabalhistas na qualidade de representante legal do adolescente trabalhador maior de 14 e menor de 18 anos quando este não o possuir; assistir o adolescente nas causas trabalhistas em que seja parte, na hipótese de conflito de interesse deste com o seu representante legal; e atuar em auxílio da criança ou adolescente, nas lides trabalhistas em que existam interesses dos mesmos envolvidos.

 

Em todas estas possibilidades de atuação o Ministério Público do Trabalho as exerce na condição de órgão agente, sempre que verificar o desrespeito a algum dos direitos dos adolescentes trabalhadores, ou simplesmente verificar, conforme o caso, algum possível prejuízo a um interesse juridicamente defensável de uma criança ou adolescente no âmbito trabalhista.

 

Além das atribuições como órgão agente, o Ministério Público do Trabalho também pode atuar como órgão interveniente, atribuição esta também como conhecida como fiscal da lei ou custus legis. Neste tipo de atuação o Ministério Público do Trabalho deverá manifestar-se em qualquer fase de um processo trabalhista em que entenda existente interesse público, o que é o caso dos interesses de crianças e adolescentes. Nestes casos, o Ministério Público do Trabalho intervirá a pedido do Juiz ou por iniciativa própria.

 

Ao analisar especificamente a atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa dos direitos de adolescentes trabalhadores em Santa Catarina, ficou evidenciado neste trabalho que, infelizmente, a morosidade dos processos judiciais prejudicou a eficácia da prestação jurisdicional solicitada pelo Ministério Público.

 

Nos três casos que foram objeto de estudo deste trabalho, o Ministério Público do Trabalho ingressou com os pedidos, ou seja, atuou como órgão agente. Nos dois primeiros analisados, ações civis públicas com pedidos liminares, a prestação jurisdicional levou um ano e três meses no primeiro caso e praticamente dois anos no segundo para ser realizada. Esta demora ocasionaria em ambos os casos a perda do objeto das ações, uma vez que por ocasião da última audiência realizada os adolescentes trabalhadores já haviam atingido a maioridade laboral. No terceiro caso, uma ação anulatória de cláusula de instrumento coletivo de trabalho com pedido liminar, felizmente os réus eliminaram a cláusula discriminatória aos direitos trabalhistas dos adolescentes menores de 18 anos antes mesmo da realização da primeira audiência.

 

É com pesar que verifica-se que grandes empresas brasileiras, como a Perdigão, exploram a mão-de-obra de adolescentes, inclusive submetendo-os a atividades insalubres, em flagrante delito ao mandamento constitucional que proíbe tal situação. O Ministério Público do Trabalho deve exercer suas atribuições com todo o zelo que tais situações exigem, uma vez que tais abusos podem causar aos jovens trabalhadores sérios prejuízos em sua formação física e mental.

 

O legislador constituinte de 1988 conferiu ao Ministério Público do Trabalho poderosas ferramentas para a defesa das crianças e dos adolescentes brasileiros, mas, para que tal se materialize, é fundamental uma maior celeridade nos processos judiciais, e uma dedicação constante dos membros da Instituição no intuito de sanar situações que causem prejuízos aos direitos e interesses das crianças e dos adolescentes.

 

 

 

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Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central. Normas para apresentação de trabalhos. 6ª ed. Curitiba: UFPR, 1996.

 

 

 

Anexos

 

ANEXO 01

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DA MM. ___ JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE BLUMENAU/SC.

 

“O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustém numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito” (Jhering, A luta pelo Direito).

 

 

                                    O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua Procuradoria na 12ª Região,  vem à presença de Vossa Excelência, com base nos arts. 127 e 129, da Constituição Federal, arts. 6º, VII, “d”, e 83, III, da Lei Complementar nº 75/93, arts. 1º, IV, 5º, 11 e 12 da Lei nº  7.347/85, que regula a Ação Civil Pública, e art. 93, I, da Lei  nº 8078/90, propor

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR contra

 

CRISTAL BLUMENAU S.A.,  pessoa jurídica de direito privado, inscrita no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda sob o nº 82.651.902/0001-52,  estabelecida na Rua 2 de Setembro, nº 919, Blumenau/SC, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir elencados:

 

I - OS FATOS

Em face de informações trazidas pelo Sindicato dos Trabalhadores em Indústrias de Vidros e Cristais de Blumenau, noticiando que na empresa Cristal Blumenau S.A., ocorrera contaminação de seus empregados pelo elemento chumbo, e ainda, que a mesma não adotava medidas visando neutralizar as adversidade do meio ambiente  do trabalho, instaurou-se nesta Procuradoria o Inquérito Civil Público nº 01/94, objetivando apurar os fatos narrados.

Em laudo efetuado pela FUNDACENTRO (anexo), constatou-se a necessidade de serem adotados pela empresa procedimentos técnicos para diminuir a concentração de chumbo no setor de fundição. Verificou-se também a existência de risco grave e iminente no setor de matéria prima, o qual apresentou altos índices do metal pesado.

Diante do quadro relatado, convocou-se o representante da empresa para audiência nesta Procuradoria, quando o mesmo se comprometeu a solucionar todas as irregularidades.  Na mesma oportunidade, verificou-se através de suas declarações que a mesma mantinha em seu quadro de empregados elevado número de trabalhadores menores, e que os mesmos também estavam submetidos ao ambiente insalubre. Em relação aos menores, a empresa comprometeu-se a não mais contratá-los para exercerem atividades laborais em ambiente insalubre (doc.      ).

Atendendo compromisso firmado na audiência, a empresa enviou relatório em que figuravam 136 menores laborando em ambiente insalubre. Por solicitação da Procuradoria, nova listagem foi remetida, com descrição individualizada dos menores expostos a ambiente insalubre, data de nascimento, cargo e setor.   Desta feita, 142 menores figuravam expostos à adversidade.  Após, novo laudo foi solicitado à FUNDACENTRO.

Em nova audiência realizada (doc.   ),  estampando a situação encontrada, o Delegado da FUNDACENTRO alertou para a situação insustentável em que se encontrava a empresa ora demandada, uma vez que mais de 100 (cem)  menores estavam submetidos a ambiente insalubre.  A fim de minimizar o impacto social que adviria da demissão de mais de 100 (cem) trabalhadores, acordou a empresa em proceder ao remanejamento dos menores para áreas e atividades salubres.

Outra audiência realizou-se em 17 de março de 1996, em que a empresa reprisou as informações sobre menores em situação irregular, no total de 54 (cinquenta e quatro).  Estipulou-se, naquela oportunidade, que em 90 (noventa) dias a empresa apresentaria projeto que resultasse no remanejamento dos mesmos.  

Já em 10 de julho p.p., a empresa informou que mantém, ainda, 45 (quarenta e cinco) menores em ambiente insalubre, dos quais 30 (trinta) com 17 anos, e solicita 120 (cento e vinte) dias para regularizar o caso.

Como se vê, a funesta situação a que estão submetidos os trabalhadores menores não pode persistir. Todos os esforços foram envidados procurando minimizar o impacto de demissões em massa, etc., primando este Ministério Público pela solução mais adequada, qual seja, o remanejamento dos menores para ambientes salubres. Contudo, a empresa se mostra indiferente aos apelos deste Órgão, simplesmente delongando a situação objurgada até que os menores atinjam a maioridade, e assim se beneficiando de mão-de-obra  extraordinariamente ativa, legitimando  conduta frontalmente censurada pela Lei Maior.

 

I - DA COMPETÊNCIA

Determina o art. 114 da Constituição Federal que na presença de litígio de caráter individual e coletivo entre trabalhadores e empregadores, compete à Justiça do Trabalho a conciliação e o julgamento.

A ação em tela tem por objeto a tutela de direito laboral lesado - de onde exsurge a competência material da Justiça do Trabalho.

Leciona o ilustre e douto Sub-Procurador do Ministério Público do Trabalho, Dr. Ives Gandra Martins Filho:

 

“Quanto à competência funcional a Ação Civil Pública deve ser proposta na Junta de Conciliação e Julgamento, tendo em vista a natureza de dissídio individual, ainda que plúrimo, da ação.  Isto porque, o conceito técnico-jurídico de dissídio coletivo está ligado ao exercício, pela Justiça do Trabalho, do poder normativo, caracterizado pela criação de normas e condições de trabalho. Ora, no caso da Ação Civil Pública, não se busca o estabelecimento de normas e condições de trabalho, mas o respeito às já existentes e que podem estar sendo violadas” (LTr 56-07/813).

 

Ainda com relação à competência estabelece o art. 2º da Lei 7.347/85 que “As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.”

Cumpre por fim invocar o art. 651 celetado que determina a competência pela localidade onde o empregado prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

Pelo exposto conclui-se que a competência material é da Justiça Obreira, a funcional das JCJs, e o local do ajuizamento, aquele no qual o empregado presta o serviço e onde o dano à ordem jurídica vem se perpetrando, mormente porque, na espécie, a ação judicial visa a efetiva recomposição da lesão, pela prática de atos positivos e/ou negativos por parte do infrator - atos estes capazes de elidir o dano à sociedade mencionado.

 

III - DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O art. 127 da Constituição Federal impõe ao MPT, o dever de velar pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais indisponíveis.

Ora, a ordem jurídica, considerada em sentido amplo, engloba, especificamente no âmbito das atribuições do MPT, as disposições constitucionais contidas no Capítulo II - Dos Direito Sociais, insertas no título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Carta Magna.

Assim, “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz;” (art. 7º, inciso XXXIII, da CF), mais que um direito social do trabalhador, é um direito subjetivo público das crianças e adolescentes, dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade (art. 227, da CF) garantia fundamental, pilar do Estado Democrático, da República Brasileira, fundada, entre outros na cidadania, dignidade da pessoa humana, e nos valores sociais do trabalho ( art. 1º, inciso II, III e IV da CF).

Pode remanescer alguma dúvida sobre a legitimidade do Ministério Público do Trabalho quando em se observando o objeto da quaestio concluir-se que este materializa defesa de direitos individuais homogêneos, objeto precípuo da ação civil coletiva prevista no artigo 81 da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

Detalhando as diferenças entre ação civil pública e ação civil coletiva o douto Sub-Procurador Geral deste Ministério Público, Dr. Ives Gandra da Silva Martins Filho:

“A primeira distinção que se pode fazer entre os dois instrumentos judiciais (e da qual decorrerrão as demais distinções) é a relativa aos interesses defensáveis em cada um deles. A Constituição Federal somente previu a ação civil pública para a defesa de interesses difusos e coletivos  (CF. Art. 129, III).  A figura dos interesses individuais homogêneos é introdução  do Código de Defesa do Consumidor.  E para sua defesa instituiu  a ação civil coletiva (CDC, art.  91), distinta da ação civil pública  é exercitável  também pelo Ministério Público.  Assim, na ACP há defesa de direitos coletivos  e na ACC defesa coletiva de direitos individuais.

“Nesse sentido, seria imprópria a utilização da ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, não obstante haja previsão legal da mesma nas Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos da União e dos Estados. Pretendeu-se lastrear no inciso IX do art. 129 da Carta Magna a extensão aos interesses individuais homogêneos o rol dos interesses  defensáveis através da ação civil pública.  Porém, dada a dicção restritiva do inciso III do art. 129 da Constituição, temos que é possível  a defesa dos interesses individuais homogêneos pelo Ministério Público, com base no inciso IX, mas por outro instrumento que não a ação civil pública.   E tal instrumento é a ação civil coletiva.

“No que respeita à natureza da sentença, temos que a ação civil pública visa a prolação de sentença de caráter condenatório genérico (multa reversível a um Fundo Federal e não diretamente ao trabalhador lesado) ou cominatório (imposição de obrigação de fazer ou não fazer), mas nunca reparatório.  Já a ação civil coletiva visa justamente à obtenção de reparação pelos danos sofridos individualmente pelos trabalhadores lesados (Lei 8.078/90, art. 91).

“A lesão, no caso dos interesses difusos e coletivos, é atual e concreta somente em relação à parte do universo dos protegidos pela medida judicial adotada, ou seja, havendo procedimento genérico de determinada empresa discriminatório no momento da contratação ou da promoção, será lesivo imediatamente apenas em relação ao candidato que efetivamente se apresentou para o posto de trabalho ou ao candidato que foi preterido, preenchendo os pressupostos para a promoção, mas será potencial em relação a todos os potenciais postulantes do posto de trabalho ou do cargo que poderão ser discriminados caso venham a se candidatar ao posto ou preencher os pressupostos para a promoção. Já em relação aos interesses individuais homogêneos, a lesão é sempre concreta, individualizável”. (in Direito & Justiça, Ação Civil Pública e Ação Civil Coletiva, p. 16).

Como se observa, o Código de Defesa do Consumidor confere ao Ministério Público a legitimidade para promover a ação coletiva na defesa dos interesses individuais homogêneos.

Impende salientar outras duas questões na ação civil coletiva para a defesa dos interesses homogêneos: Uma, as pessoas são identificadas.  Segunda, faculta a Lei que o dano seja indenizado diretamente ao lesado, diferentemente da ação civil pública, onde a pena é multa genérica dirigida ao Fundo de Assistência ao Trabalhador - fatos que indicam que, na seara civil,  diferentemente da trabalhista, a ação coletiva possui, além do interesse indiscutivelmente público, que é o do consumidor, um interesse mediato de natureza privada.

Ocorre que a lesão a direito individual homogêneo assume no direito do trabalho contornos dissemelhantes do direito civil.

Isto porque ainda que se entenda como aquele pertencente a um quantitativo identificado de pessoas, no direito do trabalho, a lide versará, em princípio, sobre direito indisponível do obreiro.  Vejamos a lide em exame: trabalho de menores em ambiente insalubre.

Presente, portanto o interesse público.  Indisponível o direito, haja vista que a proteção do trabalho do menor é de interesse social.  A notícia de trabalho nestas condições constrange a comunidade.  Aqueles que buscam colocação na empresa o fazem com o coração calado de revolta.

Do explanado podemos concluir: A ação civil pública é o gênero, é o mais. A ação civil coletiva é o grau, o minus.

O Ministério Público do Trabalho quando ajuíza ação tem por norte o interesse público em jogo. O uso da ação civil pública justifica-se pela abrangência da lesão social cometida. Salienta-se que o debate da presente transcende o direito individual homogêneo lesado envolvendo ainda o interesse da comunidade e por cumular  objetos justifica plenamente o instrumento amplo que é ação civil pública.

 

IV - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O interesse público a exigir a intervenção do MPT  atém-se a violação  perpetrada que é:

ARTIGO 7º, INCISO XXXIII, da CF: PROIBIÇÃO DO TRABALHO NOTURNO, PERIGOSO OU INSALUBRE AOS MENORES DE DEZOITO ANOS E DE QUALQUER TRABALHO A MENORES DE QUATORZE ANOS, SALVO NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ

Ora, a empresa empregadora mantém vários menores trabalhando no interior da das suas instalações expostos a ambientes insalubres, conforme ela própria noticia.

A atuação do MPT na Ação Civil Pública encontra similitude com a instauração da ação penal.

No direito penal, é do conhecimento de todos que a infringência da lei envolvendo direito indisponível, é punido, independentemente da vontade das partes, posto que a repressão do crime é dever do estado ante a necessidade de garantir aos cidadãos a tranquila coexistência em comunidade.

Bem assim a ação civil pública, criada pela Lei 7.347/85.  É a defesa do coletivo na área que sempre foi reduto privado. Se antes o exercício da ação, no civil, era limitado pela vontade das partes, agora, após a Lei instituidora da ação civil pública  e do advento  do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, quando a lesão encerrando relevância social, atingir um número indeterminado de pessoas, a comunidade socorre-se de ação civil pública.

O nome é ação civil pública, não é outro, pelo seu objeto, a tutela do interesse coletivo e difuso.

Neste sentido, Arion Sayão Romita, em artigo publicado na revista LTR 56-10/1165:

“A ação penal é pública por natureza. O bem jurídico penalmente tutelado interessa primariamente à sociedade e reflexamente ao sujeito passivo da ação delituosa. Só por exceção, como vestígio da vingança privada, subsiste a ação privada do ofendido. O mesmo, contudo, não se dá com a ação civil: ela é, na sociedade burguesa, basicamente de natureza privada. Entretanto, a sociedade de massa reconhece a existência de interesses e direitos plúri ou meta individuais.  Se a ofensa ao bem jurídico tutelado não reclamar, por sua natureza, repressão penal, pode contudo autorizar a invocação da prestação jurisdicional de natureza civil quando em jogo a responsabilidade por danos causados aos chamados direitos difusos e coletivos.

Se estes direitos difusos e coletivos surgirem no âmbito da relação de emprego, poderá ser proposta a ação civil pública trabalhista. Como a competência da Justiça do Trabalho alcança os litígios entre empregados e empregadores, à Justiça Especializada competirá apreciar este tipo de ação.

 

Iniludível, portanto, a legitimidade do MPT como guardião do interesse público com fulcro no preceito constitucional, na lei orgânica ministerial e no direito violado.

 

V - DO DIREITO VIOLADO

            PROTEÇÃO AO TRABALHO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE:

A Constituição proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre a menor de 18 anos e qualquer trabalho antes dos 14 anos (art. 7º, XXXIII). A norma Constitucional brasileira, em consonância com o direito internacional e com outros direitos estrangeiros, proíbe o trabalho, antes dos 18 anos, em serviços e locais insalubres e perigosos. A norma, como se sabe, não comporta exceção, estando, assim, revogadas as disposições de leis ordinárias anteriores, decretos, de portarias que permitam ou regulamentam, dentro de determinados parâmetros, que aprendizes e estagiários, a partir dos dezesseis anos, trabalhassem em locais ou serviços insalubres.

Algumas observações se impõem sobre as normas de segurança, medicina  e higiene do trabalho relacionadas com o trabalho infanto-juvenil.

A primeira observação refere-se à maior susceptibilidade do organismo da criança e do adolescente do que do adulto em relação aos elementos agressivos, insalubres, como bem aponta a monografia El Trabajo de los Niños: Riegos Especiales para la Salud, da Organização Mundial da Saúde:

“Ao ficarem expostos a substâncias químicas e a agentes físicos  no trabalho, os meninos tendem a ter reações distintas ou mais pronunciadas do  que as dos adultos. Embora as provas epidemiológicas diretas de que se dispõe sejam limitadas, as provas obtidas por meio de estudos experimentais e pesquisas sobre jovem , indicam que os limites de exposição fixados para trabalhadores adultos não protegem adequadamente  os meninos. No caso das substâncias  químicas de tonicidade elevada, como chumbo, e de agentes físicos nocivos, como a irradiação ionizante, não existe meio termo e deve ser proibido que meninos a eles estejam expostos...”

A segunda observação refere-se ao custo social de agressão à saúde física e psicológica da criança e do adolescente que trabalha em condições insalubres, perigosas, físicas e psicologicamente penosas. Mais cedo do que se pensa, as pessoas irão, se não ainda adolescentes, muito cedo, como os jovens ou como adultos, engrossar as filas dos órgãos públicos de atendimento à saúde e aos benefícios previdenciários.

A terceira observação encontramos no texto celetado art. 407, quando, durante a prestação de serviços, se verificar que o menor está sendo ou pode ser prejudicado, física ou moralmente, a autoridade administrativa, como representante do interesse público em jogo, deve interferir e determinar que o menor abandone o trabalho. Sempre que isso acontecer, manda a lei que o empregador tudo facilite, a fim de que o menor possa, mudando de atribuições, permaneça no emprego sem aqueles riscos.

Nas lições do Professor Mozart Victor Russomano, “a proteção ao trabalho da menor, como temos dito, é medida de alto alcance social, tomada em defesa de seus interesses, mas também justificada pela conveniência do grupo humano em que sejam boas as condições de vida de todos os seus membros”. (In Comentários à CLT, 367).

 

VI - DO PEDIDO LIMINAR

ANTE O EXPOSTO, O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO requer:

1 - A concessão de Medida Liminar, sem justificação prévia, na forma do art. 12, da Lei nº 7347/85, a fim de que, à empresa CRISTAIS BLUMENAU S.A. seja determinado:

a) A recolocação imediata dos menores de 18 anos em funções que não insertas em áreas insalubres  (art. 407 da CLT);

b) No prazo máximo e improrrogável de 15 (quinze) dias, a contar do percebimento da ordem judicial, inicie a realização de exame médico, Raio X do Tórax em todos  os seus empregados menores,  para determinação da real e contemporânea situação (art. 168 e 169 da CLT) das respectivas condições de trabalho; 

d) Apresentação imediata, após o percebimento da ordem judicial, da relação dos empregados menores, com data de admissão, de idade, tarefas, bem como as folhas e os recibos de pagamento;

A Ação Civil Pública pode ter por objeto “a condenação em dinheiro ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (Lei nº 7347/85).

No caso de descumprimento das obrigações impostas, postula-se a fixação de multa  diária no valor equivalente  a 50% (cinquênta por cento) do salário básico de cada trabalhador que for encontrado fora das condições estabelecidas pela decisão a ser prolatada (Lei nº 7347/85, art. 11).

2. Em caráter definitivo:

Com esse objetivo, vem o autor, com supedâneo em tudo quanto restou exposto e fundamentado, requerer que V. Excia. condene a empresa demandada a atender aos itens que seguem:

2.1) Remanejamento definitivo dos trabalhadores menores das áreas insalubres,  nos termos da lei ( art. 407 da CLT),  e que a empresa se abstenha de submeter menores a trabalho em ambiente nestas  condições;

2.2) O pagamento do adicional de insalubridade aos menores  que laboraram nestas condições e que não o receberam, em percentual a ser apurado através de perícia;

2.3) Em vista do desatendimento, pela empresa, das recomendações deste Ministério Público, sejam todas as rescisões contratuais posteriores a assinatura do Termo de Adequação de Conduta perante esta Procuradoria (doc.   ) consideradas na forma do art. 483 da CLT, com o pagamento das verbas decorrentes, nos moldes do art. 407, parágrafo único do pergaminho celetado;

2.4) Correção de todas as irregularidades comprometedoras do ambiente de trabalho de seus empregados, que por ventura, sejam apuradas no decorrer da presente ação;

Por fim requer:

a) A citação da requerida no endereço declinado no exórdio, na pessoa de seu representante legal, para contestar, querendo, a presente ação, sob as penas da Lei;

b) a cominação de multa diária, também ad futurum, o montante de R$  7.952,00 (sete mil, novecentos e cinqüenta e dois reais), cujo valor é equivalente 10.000 (dez mil) UFIRs, que corresponde à penalidade máxima administrativa por infração a preceito legal concernente à proteção à saúde do trabalhador, ou em montante a ser fixado por Vossa Excelência, nos termos da Lei 9008, de 21/03/95, em caso de descumprimento do decisum prolatado, sendo constatada a presença de trabalhadores menores expostos à insalubridade ou outra irregularidade verberada pela futura sentença judicial;

c) A produção de todos os meios de prova admitidos em direito e que se fizeram necessários, como depoimento pessoal do representante legal da requerida, sob pena de confissão, juntada de novos documentos, inspeção judicial, oitiva de testemunhas, cujo rol será oferecido oportunamente, e especialmente a realização de perícia médica das atividades ou operações insalubres realizadas na empresa-ré (art. 195 da CLT).

d) A confirmação, em definitivo, da decisão liminar, no caso do deferimento do mandado, e, ao final, a procedência da presente ação;

e) não obstante o bem jurídico que se pretende proteger seja incomensurável, para fins legais, atribui-se à presente ação o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Florianópolis, 31 de julho de 1996.

         

DARLENE DORNELES DE AVILA

Procuradora do Trabalho

Coordenadora da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos

PAULO ROBERTO PEREIRA

Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região

 

 

ANEXO 02

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DA MM. JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DE JOAÇABA/SC.

 

 

“O direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustém numa das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito” (Jhering, A luta pelo Direito).

 

 

                                    O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, por sua Procuradoria na 12ª Região,  vem à presença de Vossa Excelência, com base nos arts. 127 e 129, da Constituição Federal, arts. 6º, VII, “d”, e 83, III, da Lei Complementar nº 75/93, arts. 1º, IV, 5º, 11 e 12 da Lei nº 7.347/85, que regula a Ação Civil Pública, e art. 93, I, da Lei nº 8.078/90, propor

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR contra

 

PERDIGÃO AGROINDUSTRIAL S.A., unidade frigorífico Capinzal, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda sob o nº 82.829.730/0123-32, estabelecida na Estrada Capinzal-Campos Novos, km 06, Capinzal/SC, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir elencados:

 

 

 

I - OS FATOS

Quando instados a exarar parecer em processos em trâmite perante o E. Tribunal Regional do Trabalho, vários Procuradores constaram um elevado número de Reclamações Trabalhistas propostas contra a empresa ora demandada, através das quais menores pleiteavam adicional de insalubridade, restando exitoso o pedido em muitas delas.

Diante da gravidade dos fatos constatados, esta Procuradoria instaurou o Procedimento de Apuração Prévia (PAP) nº 51/94, em 02.08.94, e ato contínuo solicitou à Delegacia Regional do Trabalho que procedesse uma fiscalização nas unidades da empresa.

Em resposta, o agente fiscalizador informou, em suma, que comprovou que menores com idade entre 16 e 17 anos exerciam atividades consideradas insalubres (doc.   ).   Ressaltou o fato de que a empresa procedia ao pagamento do respectivo adicional aos mesmos, tornando irrefutável a exposição ao ambiente insalubre.

Intimou-se, então, o representante da empresa para  apresentar ficha de registro de alguns empregados e para  comparecer à audiência na sede desta Procuradoria, em 08.05.95, quando este reconheceu os fatos acima narrados e firmou Termo de Adequação de Conduta, pelo qual, em apertada síntese, se comprometeu:

“a  não mais serem admitidos  menores para o exercício de trabalho em locais ou atividades insalubres e/ou perigosas.  Comprometeu-se, ainda, a proceder ao remanejamento dos menores, nestas condições, a fim de que passem a exercer suas atividades em locais ou funções não sujeitas à insalubridade e/ou periculosidade, encaminhando a esta PRT listagem nominal dos mesmos, bem como das atividades insalubres e/ou perigosas  que eram exercidas e as atividades e/ou local que passaram a exercer seu labor. Para atender  a esta determinação, fixa-se o prazo de 30 dias...”  (g. ) (doc.    ).

 

Em seguida, aportou nos autos do procedimento mencionado pedido de prorrogação do prazo para adoção das providências compromissadas, sendo deferido 45 (quarenta e cinco) dias para tanto.

Dada a inércia da empresa em comprovar as providências que revertessem a situação censurada, solicitou-se à mesma que fornecesse lista nominal de trabalhadores menores que se encontravam laborando em condições insalubres.

Em 07.11.95, conforme comprovam os documentos anexos, a empresa afirmou que na unidade Frigorífico Capinzal existiam 17 (dezessete) menores expostos a condições insalubres.

Contudo, para surpresa dos Procuradores signatários, em 23.04.96, atendendo nova solicitação, a empresa comunicou que na sala de cortes da unidade Frigorífico Capizal, de inocultável insalubridade, laboram 118 empregados menores.

Do cotejo entre a primeira e a segunda listagem apresentada surgem, em aproximadamente 5 (cinco) meses, 101 (cento e um) empregados menores a mais sujeitos à insalubridade.

Disto se conclui: ou a empresa omitiu o verdadeiro número quando da primeira listagem, ou, após esta, contratou e alterou retroativamente a data de contratação quando da segunda listagem.

Como se vê, Exa., decorrido aproximadamente 1,5 ano após a constatação dos fatos, apesar dos ingentes esforços desta Procuradoria, a empresa vem perpetrando a lesão à ordem jurídica, submetendo menores a atividades insalubres, em desprezo ao mandamento constitucional e acintosa afronta aos poderes constituídos.

 

II - DA COMPETÊNCIA

Determina o art. 114 da Constituição Federal que na presença de litígio de caráter individual e coletivo entre trabalhadores e empregadores, compete à Justiça do Trabalho a conciliação e o julgamento.

A ação em tela tem por objeto a tutela de direito laboral lesado - de onde exsurge a competência material da Justiça do Trabalho.

Leciona o ilustre e douto Sub-Procurador do Ministério Público do Trabalho, Dr. Ives Gandra Martins Filho:

 

“Quanto à competência funcional a Ação Civil Pública deve ser proposta na Junta de Conciliação e Julgamento, tendo em vista a natureza de dissídio individual, ainda que plúrimo, da ação.  Isto porque, o conceito técnico-jurídico de dissídio coletivo está ligado ao exercício, pela Justiça do Trabalho, do poder normativo, caracterizado pela criação de normas e condições de trabalho. Ora, no caso da Ação Civil Pública, não se busca o estabelecimento de normas e condições de trabalho, mas o respeito às já existentes e que podem estar sendo violadas” (LTr 56-07/813).

 

Ainda com relação à competência estabelece o art. 2º da Lei 7.347/85 que “As ações previstas nesta lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa”.

Cumpre por fim invocar o art. 651 celetado que determina a competência pela localidade onde o empregado prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

Pelo exposto conclui-se que a competência material é da Justiça Obreira, a funcional das JCJs, e o local do ajuizamento, aquele no qual o empregado presta o serviço e onde o dano à ordem jurídica vem se perpetrando, mormente porque, na espécie, a ação judicial visa a efetiva recomposição da lesão, pela prática de atos positivos e/ou negativos por parte do infrator - atos estes capazes de elidir o dano à sociedade mencionado.

 

III - DO CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

 

O art. 127 da Constituição Federal impõe ao MPT, o dever de velar pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais indisponíveis.

Ora, a ordem jurídica, considerada em sentido amplo, engloba, especificamente no âmbito das atribuições do MPT, as disposições constitucionais contidas no Capítulo II - Dos Direito Sociais, insertas no título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Carta Magna.

Assim, “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz”; (art. 7º, inciso XXXIII, da CF), mais que um direito social do trabalhador, é um direito subjetivo público das crianças e adolescentes, dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade (art. 227, da CF) garantia fundamental, pilar do Estado Democrático, da República Brasileira, fundada, entre outros na cidadania, dignidade da pessoa humana, e nos valores sociais do trabalho (art. 1º, inciso II, III e IV da CF).

Pode remanescer alguma dúvida sobre a legitimidade do Minstério Público do Trabalho  quando em se observando  o objeto  da quaestio concluir-se que este materializa defesa de direitos individuais homogêneos, objeto precípuo da ação civil coletiva prevista no artigo 81 da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

Detalhando as diferenças entre ação civil pública e ação civil coletiva o douto Sub-Procurador Geral deste Ministério Público, Dr. Ives Gandra da Silva Martins Filho:

“A primeira distinção que se pode fazer entre os dois instrumentos judiciais (e da qual decorrerrão as demais distinções) é a relativa aos interesses defensáveis em cada um deles. A Constituição Federal somente previu a ação civil pública para a defesa de interesses difusos e coletivos  (CF. Art. 129, III). A figura dos interesses individuais homogêneos é introdução  do Código de Defesa do Consumidor. E para sua defesa instituiu  a ação civil coletiva (CDC, art. 91), distinta da ação civil pública é exercitável  também pelo Ministério Público. Assim, na ACP há defesa de direitos coletivos  e na ACC defesa coletiva de direitos individuais.

“Nesse sentido, seria imprópria a utilização da ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, não obstante haja previsão legal da mesma nas Leis Orgânicas dos Ministério Públicos da União e dos Estados.  Pretendeu-se lastrear no inciso IX do art. 129 da Carta Magna a extensão aos interesses individuais homogêneos o rol dos interesses  defensáveis através da ação civil pública.  Porém, dada a dicção restritiva do inciso III do art. 129 da Constituição, temos que é possível  a defesa dos interesses individuais homogêneos pelo Ministério Público, com base no inciso IX, mas por outro instrumento que não a ação civil pública.   E tal instrumento é a ação civil coletiva.

“No que respeita à natureza da sentença, temos que a ação civil pública visa a prolação de sentença de caráter condenatório genérico (multa reversível a um Fundo Federal e não diretamente ao trabalhador lesado) ou cominatório (imposição de obrigação de fazer ou não fazer), mas nunca reparatório. Já a ação civil coletiva visa justamente à obtenção de reparação pelos danos sofridos individualmente pelos trabalhadores lesados (Lei 8.078/90, art. 91).

“A lesão, no caso dos interesses difusos e coletivos, é atual e concreta somente em relação à parte do universo dos protegidos pela medida judicial adotada, ou seja, havendo procedimento genérico de determinada empresa discriminatório no momento da contratação ou da promoção, será lesivo imediatamente apenas em relação ao candidato que efetivamente se apresentou  para o posto de trabalho ou ao candidato que foi preterido, preenchendo os pressupostos para a promoção, mas será potencial em relação a todos os potenciais postulantes do posto de trabalho ou do cargo que poderão ser discriminados caso venham  a se candidatar ao posto ou preencher os pressupostos para a promoção. Já em relação aos interesses individuais homogêneos, a lesão é sempre concreta, individualizável”. (in Direito & Justiça, Ação Civil Pública e Ação Civil Coletiva, p. 16).

 

Como se observa, o Código de Defesa do Consumidor confere ao Ministério Público a legitimidade para promover a ação coletiva na defesa dos interesses individuais homogêneos.

Impende salientar outras duas questões na ação civil coletiva para a defesa dos interesses homogêneos: Uma, as pessoas são identificadas. Segunda, faculta a Lei que o dano seja indenizado diretamente ao lesado, diferentemente da ação civil pública, onde a pena é multa genérica dirigida ao Fundo de Assistência ao Trabalhador - fatos que indicam que, na seara civil, diferentemente da trabalhista, a ação coletiva possui, além do interesse indiscutivelmente público, que é o do consumidor, um interesse mediato de natureza privada.

Ocorre que a lesão a direito individual homogêneo assume no direito do trabalho contornos dissemelhantes do direito civil.

Isto porque ainda que se entenda como aquele pertencente a um quantitativo identificado de pessoas, no direito do trabalho, a lide versará, em princípio, sobre direito indisponível do obreiro. Vejamos a lide em exame: trabalho de menores em ambiente insalubre.

Presente, portanto o interesse público. Indisponível o direito, haja vista que a proteção do trabalho do menor é de interesse social. A notícia de trabalho nestas condições constrange a comunidade. Aqueles que buscam colocação na empresa o fazem com o coração calado de revolta.

Do explanado podemos concluir: A ação civil pública é o gênero, é o mais.  A ação civil coletiva é o grau, o minus.

O Ministério Público do Trabalho quando ajuíza ação tem por norte o interesse público em jogo. O uso da ação civil pública justifica-se pela abrangência da lesão social cometida. Salienta-se que o debate da presente transcende o direito individual homogêneo lesado envolvendo ainda o interesse da comunidade e por cumular objetos justifica plenamente o instrumento amplo que é ação civil pública.

 

IV - DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O interesse público a exigir a intervenção do MPT  atém-se a violação  perpetrada que é:

ARTIGO 7º, INCISO XXXIII, da CF: PROIBIÇÃO DO TRABALHO NOTURNO, PERIGOSO OU INSALUBRE AOS MENORES DE DEZOITO ANOS E DE QUALQUER TRABALHO A MENORES DE QUATORZE ANOS, SALVO NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ

Ora, a empresa empregadora mantém vários menores trabalhando no interior da das suas instalações, alguns com 16 anos, expostos a ambientes insalubres, conforme relatório da Delegacia Regional do Trabalho.

Mas a submissão de menores à ambiente insalubre torna-se irretorquível ao se analisar os recibos de salário onde consta também o pagamento do adicional de insalubridade.

Nesse contexto, alega a empresa que, além do pagamento de adicional, o fornecimento de EPIs afastaria a vedação constitucional de trabalho insalubre a menores.

Surge, portanto, a seguinte indagação: Poderia a empresa, através destes expedientes, esquivar-se do dispositivo constitucional proibitivo?  Excepcionaria assim a norma maior de ordem pública, que por isso mesmo é inderrogável? Evidentemente, não!

Assim, Exa., a atuação do MPT na Ação Civil Pública encontra similitude com a instauração da ação penal.

No direito penal, é do conhecimento de todos que a infringência da lei envolvendo direito indisponível, é punido, independentemente da vontade das partes, posto que a repressão do crime é dever do estado ante a necessidade de garantir aos cidadãos a tranqüila coexistência em comunidade.

Bem assim a ação civil pública, criada pela Lei 7.347/85.  É a defesa do coletivo na área que sempre foi reduto privado.  Se antes o exercício da ação, no civil, era limitado pela vontade das partes, agora, após a Lei instituidora da ação civil pública e do advento  do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, quando a lesão encerrando relevância social, atingir um número indeterminado de pessoas, a comunidade socorre-se de ação civil pública.

O nome é ação civil pública, não é outro, pelo seu objeto, a tutela do interesse coletivo e difuso.

Neste sentido, Arion Sayão Romita, em artigo publicado na revista LTR 56-10/1165:

 

“A ação penal é pública por natureza. O bem jurídico penalmente tutelado interessa primariamente à sociedade e reflexamente ao sujeito passivo da ação delituosa. Só por exceção, como vestígio da vingança privada, subsiste a ação privada do ofendido. O mesmo, contudo, não se dá com a ação civil: ela é, na sociedade burguesa, basicamente de natureza privada. Entretanto, a sociedade de massa reconhece a existência de interesses e direitos plúri ou meta individuais.  Se a ofensa ao bem jurídico tutelado não reclamar, por sua natureza, repressão penal, pode contudo autorizar a invocação da prestação jurisdicional de natureza civil quando em jogo a responsabilidade por danos causados aos chamados direitos difusos e coletivos.

Se estes direitos difusos e coletivos surgirem no âmbito da relação de emprego, poderá ser proposta a ação civil pública trabalhista. Como a competência da Justiça do Trabalho alcança os litígios entre empregados e empregadores, à Justiça Especializada competirá apreciar este tipo de ação.

 

Iniludível, portanto, a legitimidade do MPT como guardião do interesse público com fulcro no preceito constitucional, na lei orgânica ministerial e no direito violado.

 

V - DO DIREITO VIOLADO

 PROTEÇÃO AO TRABALHO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE:

A Constituição proíbe o trabalho noturno, perigoso e insalubre a menor de 18 anos e qualquer trabalho antes dos 14 anos (art. 7º, XXXIII). A norma Constitucional brasileira, em consonância com o direito internacional e com outros direitos estrangeiros, proíbe o trabalho, antes dos 18 anos, em serviços e locais insalubres e perigosos. A norma, como se sabe, não comporta exceção, estando, assim, revogadas as disposições de leis ordinárias anteriores, decretos, de portarias que permitam ou regulamentam, dentro de determinados parâmetros, que aprendizes e estagiários, a partir dos dezesseis anos, trabalhassem em locais ou serviços insalubres.

Algumas observações se impõem sobre as normas de segurança, medicina e higiene do trabalho relacionadas com o trabalho infanto-juvenil.

A primeira observação refere-se à maior susceptibilidade do organismo da criança e do adolescente do que do adulto em relação aos elementos agressivos, insalubres, como bem aponta a monografia El Trabajo de los Niños: Riegos Especiales para la Salud, da Organização Mundial da Saúde:

“Ao ficarem expostos a substâncias químicas e a agentes físicos  no trabalho, os meninos tendem a ter reações distintas ou mais pronunciadas do  que as dos adultos. Embora as provas epidemiológicas diretas de que se dispõe sejam limitadas, as provas obtidas por meio de estudos experimentais e pesquisas sobre jovem , indicam que os limites de exposição fixados para trabalhadores adultos não protegem adequadamente  os meninos. No caso das substâncias  químicas de tonicidade elevada, como chumbo, e de agentes físicos nocivos, como a irradiação ionizante, não existe meio termo e deve ser proibido que meninos a eles estejam expostos...”

A segunda observação refere-se ao custo social de agressão à saúde física e psicológica da criança e do adolescente que trabalha em condições insalubres, perigosas, físicas e psicologicamente penosas. Mais cedo do que se pensa, as pessoas irão, se não ainda adolescentes, muito cedo, como os jovens ou como adultos, engrossar as filas do órgãos públicos de atendimento à saúde e aos benefícios previdenciários.

A terceira observação encontramos no texto celetado art. 407, quando, durante a prestação de serviços, se verificar que o menor está sendo ou pode ser prejudicado, física ou moralmente, a autoridade administrativa, como representante do interesses público em jogo, deve interferir e determinar que o menor abandone o trabalho. Sempre que isso acontecer, manda a lei que o empregador tudo facilite, a fim de que o menor possa, mudando de atribuições, permaneça no emprego sem aqueles riscos.

Nas lições do Professor Mozart Victor Russomano, “a proteção ao trabalho da menor, como temos dito, é medida de alto alcance social, tomada em defesa de seus interesses, mas também justificada pela conveniência do grupo humano em que sejam boas as condições de vida de todos os seus membros”. (In Comentários à CLT, 367).

 

VI - DO PEDIDO LIMINAR

ANTE O EXPOSTO, O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO requer:

1 - A concessão de Medida Liminar, sem justificação prévia, na forma do art. 12, da Lei nº 7347/85, a fim de que, à empresa PERDIGÃO AGROINDUSTRIAL S.A. seja determinado:

a) A recolocação imediata dos menores de 18 anos em funções que não insertas em  áreas insalubres  (art. 407 da CLT);

b) No prazo máximo e improrrogável de 15 (quinze) dias, a contar do percebimento da ordem judicial, inicie a realização de exame médico, Raio X do Tórax em todos  os seus empregados menores,  para determinação da real e contemporânea situação (art. 168 e 169 da CLT) das respectivas condições de trabalho; 

d) Apresentação imediata, após o percebimento da ordem judicial, da relação dos empregados menores, com data de admissão,  de idade, tarefas,  bem como as  folhas e os recibos de pagamento;

 

A Ação Civil Pública pode ter por objeto “a condenação em dinheiro ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer” (Lei nº 7347/85).

No caso de descumprimento das obrigações impostas, postula-se a fixação de multa diária no valor equivalente a 50% (cinquênta por cento) do salário básico de cada trabalhador que for encontrado fora das condições estabelecidas pela sentença a ser prolatada (Lei nº 7347/85, art. 11).

 

2. Em caráter definitivo:

 

Com esse objetivo, vem o autor, com supedâneo em tudo quanto restou exposto e fundamentado, requerer que V. Excia. condene a empresa demandada a atender aos itens que seguem:

2.1) Remanejamento definitivo dos trabalhadores menores das áreas insalubres, nos termos da lei ( art. 407 da CLT),  e que a empresa se abstenha de submeter menores a trabalho em ambiente nestas  condições;

2.2) O pagamento do adicional de insalubridade aos menores que laboraram nestas condições e que não o receberam, em percentual a ser apurado através de perícia;

2.3) Em vista do desatendimento, pela empresa, das recomendações deste Ministério Público, sejam todas as rescisões contratuais posteriores a assinatura do Termo de Adequação de Conduta perante esta Procuradoria (doc.   ) consideradas na forma do art. 483 da CLT, com o pagamento das verbas decorrentes, nos moldes do art. 407, parágrafo único do pergaminho celetado;

2.4) Correção de todas as irregularidades comprometedoras do ambiente de trabalho de seus empregados, que por ventura, sejam apuradas no decorrer da presente ação;

 

Por fim requer:

a) A citação da requerida nos endereço declinados no exórdio, na pessoa de seu representante legal, para contestar, querendo, a presente ação, sob as penas da Lei;

b) a cominação de multa diária, também ad futurum, no montante de R$  7.952,00 (sete mil, novecentos e cinqüenta e dois reais), cujo valor é equivalente 10.000 (dez mil) UFIRs, que corresponde à penalidade máxima administrativa por infração a preceito legal concernente à proteção à saúde do trabalhador, ou em montante a ser fixado por Vossa Excelência, nos termos da Lei 9008, de 21/03/95, em caso de descumprimento do decisum  prolatado, sendo constatada a presença de trabalhadores menores expostos à insalubridade ou outra irregularidade verberada pela futura sentença judicial;

c) A produção de todos os meios de prova admitidos em direito e que se fizeram necessários, como depoimento pessoal do representante legal da requerida, sob pena de confissão, juntada de novos documentos, inspeção judicial, oitiva de testemunhas, cujo rol será oferecido oportunamente, e especialmente a realização de perícia médica das atividades ou operações insalubres realizadas na empresa-ré (art. 195 da CLT).

d) A confirmação, em definitivo, da decisão liminar, no caso do deferimento do mandado, e, ao final, a procedência da presente ação;

e) não obstante o bem jurídico que se pretende proteger seja incomensurável, para fins legais, atribui-se à presente ação o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).    

Florianópolis, 28 de junho de 1996.

 

DARLENE DORNELES DE AVILA

Procuradora do Trabalho

Coordenadora da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos

PAULO ROBERTO PEREIRA

Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região

 


ANEXO 03

Exmo. Sr. Dr. Juiz Presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Criciúma - SC

  

 

                

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pelos Procuradores que subscrevem, vem, nos termos dos artigos 127 e 129, inciso II da Constituição Federal c/c art. 83, inciso IV da Lei Complementar n. 75/93, propor a presente

 

AÇÃO ANULATÓRIA, COM PEDIDO LIMINAR contra

  

                                               SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS GRÁFICAS DE CRICIÚMA, sediado na Av. Getúlio Vargas, nº 512, sala 18, centro - Criciúma/SC, e

                                               SINDICATO DAS INDÚSTRIAS GRÁFICAS  DE CRICIÚMA/SC,   sediado   na   Rua   Cônego   Miguel   Giacco,   nº 27, 1º andar,  Criciúma/SC,  visando declarar a NULIDADE da cláusula 01, da Convenção Coletiva  de  Trabalho,  firmada no mês de outubro de l995 , que impôs remuneração diferenciada prejudicial  aos menores pertencentes à categoria.

 

 

I- DOS FATOS

 

1 - Os requeridos firmaram o CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO no mês de OUTUBRO de 1995, articulada em 35  cláusulas,  depositada  e registrada na Delegacia Regional do Ministério do Trabalho sob nº 1015.          

 

2. Tal Convenção abrange a seguinte cláusula:

                                          

“01 - Ao empregado que tenha ou venha a ter mais de noventa (90) dias de serviço, será assegurada e garantida uma Remuneração Mínima no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), exceto para os menores, pessoal da limpeza,  guarda, copa e jardim, e office-boys”.

 

 

II) DO DIREITO

 

 

1. A discriminação dos menores em relação à “remuneração mínima” afronta claramente as normas constitucionais  e legais que  regulam os chamados direitos sociais.

 

2. Tal previsão é nula ipso jure, eis que a dissonância dos mandamentos constitucional e legal a fulminam desde o nascedouro, sequer produzindo efeitos.

 

3. Ao se confrontar a cláusula verberada com o texto constitucional, transparece hialino o vício apontado. Determina, com efeito, o inciso XXX, do art. 7º da Lex Fundamentalis:

 

proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;” (g.)

 

 

4. O princípio da igualdadade, além de estar estampado no dispositivo acima, vem reprisado em vários outros, no corpo da Constituição que não por acaso foi batizada de “cidadã”. Assim, no art. 3º, inciso IV e art. 5º, caput, da Carta Magna.

 

 

5. De uma interpretação literal ou teleológica dos mandamentos constitucionais, exsurge a irrefutável conclusão de que é vedada, em qualquer hipótese, sob qualquer justificativa, discriminação de remuneração entre trabalhadores que exerçam tarefas idênticas.

 

6. OCTÁVIO BUENO MAGANO e ESTÊVÃO MALLET, na preciosa obra O Direito do Trabalho na Constituição, assertam que, no Brasil, mostra-se “imprescindível a atuação de norma proibitiva de discriminação por motivo de idade... Tal norma se faz igualmente necessária para impedir a exploração da meia força.” (ed. Forense, 1996, Rio de Janeiro, p. 175).

 

7. Não se pode olvidar, por outro lado, que o jovem de 17 anos possue, muitas vezes, disposição, energia e discernimento equivalentes ou superiores ao adulto.  Assim, de um modo geral, o empregador assume o trabalho de menores como um ato de caridade, altivez, quando na verdade é ele próprio quem mais se beneficia.

 

8. Por isso mesmo a legislação infraconstitucional, anterior ao regramento constitucional hodierno, verberava a discriminação salarial em razão da idade. É o que se extrai da literal disposição do art. 461 da CLT, in verbis:

 

“Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade”.

 

9 - É inegável que o dispositivo invocado foi lapidarmente recepcionado pelo mandamento constitucional. Portanto, qualquer espécie de discriminação salarial prevista em instrumento coletivo só poderia subsistir ao crivo judicial se se adequasse, literalmente, à previsão consolidada, acima invocada.

 

10 - É certo, também, que aos menores aprendizes, que possuem carga horária reduzida e que se submetem a um regramento peculiar, a remuneração inferior é lícita e admissível.  Contudo, no caso vertente, como se vê, não se trata do regime de aprendizes, e sim trabalhadores menores de idade, exercentes de idênticas funções a outros empregados, mas com discriminação única e exclusivamente no salário.    

 

 

11 - Assim, a CLT permite, in casu, exceção à proibição de distinção salarial quando se tratar de trabalhador aprendiz. É, no entanto, preciso caracterizar com precisão a aprendizagem, bem como a formação técnica profissional, pois se o trabalhador adolescente não tiver a condição de aprendiz, fará jus ao regime salarial do trabalhador adulto, sendo-lhe devido o salário mínimo ou normativo da categoria, integralmente.

 

12 - É este também o entendimento já sedimentado no colendo Supremo Tribunal Federal, que assim se pronuncia através da Súmula 205:

 

“Súmula 205. Tem Direito a salário integral o menor não sujeito à aprendizagem metódica”.

 

13 - Nesse passo, como se vê, os Tribunais pátrios são uníssonos. O e. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em acórdão da lavra do culto juiz Renato de Lacerda Paiva, após minuciosa e irrepreensível distinção entre os sistemas de estágio, de menor aprendiz  e  relação de emprego, arremata:

 

“Ainda, entendemos da figura do menor empregado aquele que presta os seus serviços de acordo com definição geral de empregados, contida na CLT. É aquele com menos de 18 anos, laborando em subordinação, de forma contínua, sendo, ainda, remunerado pelo empregador”.

 

A ele caberão todas as garantias previstas na CLT, como qualquer empregado adulto, restringindo-se, tão-somente, a exercícios que possam prejudicar seu desenvolvimento físico, cultural ou moral”. (g.) (TRT 2ª Reg. RO 9.440/94 - Ac. 10ª T, 57.391/95, 23.10.95 - in Revista Ltr. 60-04/546).    

 

 

III- DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR A  PRESENTE  AÇÃO:

                   

 

1. A Lei Complementar nº 75, de 20 de maio  de 1993, previu expressamente a ação anulatória de cláusula de acordo coletivo, a ser ajuizada pelo Ministério Público do  Trabalho,  em defesa dos trabalhadores, verbis:

                      

"Art. 83 - Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

 

IV - propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula  de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores(sem grifo no original).

 

2. O cabimento da presente ação é, pois, incontestável, a teor do dispositivo legal acima citado que especificamente incumbiu o Ministério Público de ajuizá-la para fins de  defesa das liberdades individuais e coletivas quanto a direitos  indisponíveis do trabalhador .

 

IV - DA COMPETÊNCIA

 

1. Versando a demanda sobre direitos trabalhistas fundados em lei, a competência para apreciar a controvérsia é da Justiça do Trabalho (CF, art. 114), ressaltando-se que o dissídio é inegavelmente entre trabalhadores e empregadores, com o interesse daqueles defendidos pelo Ministério Público do Trabalho, que age como protetor da  ordem  jurídica  trabalhista  (CF,  art.127), gozando de legitimidade concorrente à dos  Sindicatos,  para representá-los em juízo (art. 129, parágrafo. 1º).

                

2. Quando o Ministério Público defende os trabalhadores frente aos  Sindicatos que  estipulam remuneração discriminatória aos empregados menores de idade,  a competência para apreciar o feito  é da Justiça do Trabalho, por ser chamado de  co-réu  o  empregador, que, apesar de não arcar com os ônus da sucumbência, é quem remunera em dissonância com o mandamento legal, causando diretamente a lesão ao direito laboral do empregado. É nesse sentido, mutatis mutandis, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verbis:

 

“JUSTIÇA DO TRABALHO: Competência: demanda  de trabalhadores contra o empregador e o sindicato  a que são filiados, na qual se discute cláusula de convenção coletiva celebrada pelos dois  últimos, (obrigação da empresa  de  descontar  do salários dos seus empregados e recolher contribuição social em favor do sindicato): lide configura dissídio individual  entre  empregado e empregador, pouco importando que para a solução  dela, se tenha de decidir  "incidenter  tantum" sobre a validade da cláusula convencional questionada; inaplicabilidade à espécie  da  jurisprudência do STF que afasta  a  competência  da Justiça do Trabalho para as ações entre  sindicato e empregador relativas ao  cumprimento  de  convenção ou acordo coletivo de  trabalho"  (RE nº 140.998 - SP, 1a. Turma, Rel. Min. SEPÚLVEDA  PERTENCE, julgado em 23/11/91,  RTJ - 138/690).

 

 

3. Quanto à competência hierárquica, temos que, para anulabilidade de cláusula instrumento coletivo, a jurisdição é das Juntas de Conciliação e Julgamento, como reiteradamente tem decidido o E. Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina, com se transcreve:

 

“AÇÃO ANULATÓRIA. COMPETÊNCIA. Na hipótese de anulabilidade de ato jurídico, consistente em cláusula de convenção coletiva de trabalho, é dos órgãos judiciários de primeiro grau de jurisdição a competência originária para o julgamento da ação anulatória, pois em nenhum momento a lei ou os regimentos internos dos Tribunais do Trabalho atribuem-na a quaisquer de seus órgãos”. (Processo TRT/SC-AT-NUL 001912/94. Acórdão nº 007042/95 - Relator: J.F. Câmara Rufino).

 

 

V) DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

 

4 - As lições do consagrado processualista J.J. Calmon de Passos, a respeito da antecipação da tutela, ensinam:

 

“A antecipação da tutela que se prevê, agora, no título relativo ao processo e procedimento, do livro que cuida do processo de conhecimento, vale tanto para o procedimento ordinário quanto para o sumário (o antigo sumaríssimo) e também para os procedimentos especiais, porque subsidiariamente, a estes últimos são aplicáveis nas disposições gerais do procedimento ordinário”. (Inovações no Código de Processo Civil. p. 8, Forense, Rio de Janeiro, 2ª ed.1995)

 

5 - No mesmo sentido, o mestre Humberto Theodoro Júnior assevera que a liminar antecipatória pode ser:

 

“...concedida em qualquer ação de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos que o novo texto do art. 273 arrola” (As inovações do Código de Processo Civil, p. 11. Forense, Rio de Janeiro. 1995).

 

 

A) FUMUS BONI JURIS

 

1- Restou demonstrado acima que a previsão de remuneração mínima discriminatória, prejudicial aos menores, é ILEGAL E INCONSTITUCIONAL; e que conforme previsão legal específica supra mencionada, faz transparecer a “fumaça do bom direito”, requisito essencial para o deferimento da medida assecutória do direito à igualdade previsto no ordenamento jurídico.

 

 

B) PERICULUM IN MORA

 

1- O direito objeto da presente actio se reveste de natureza alimentar, que, a teor do art. 649, inciso II do Código de Processo Civil, é absolutamente impenhorável, o mesmo se sucedendo por se tratar de salário, consoante expressa previsão do inciso IV deste dispositivo legal. Ora, em se tratando de objeto protegido de possível constrição judicial, igual razão de direito recomenda a antecipação da tutela, uma vez que a reversibilidade da situação, ao se protrair demasiadamente a solução final, pode restar inviável, além do permanente prejuízo em que incorrem os menores atingidos pela natimorta cláusula.

 

2 - Do mesmo modo, a Convenção está vigorando desde ano de 1995 e inúmeros empregados já sofreram o prejuízo e continuarão sendo defraudados em seus direitos, inclusive os que vierem a ser contratados pelas empresas da categoria.

 

 

VI) DO PEDIDO

 

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO requer:

 

a) a concessão de mandado liminar, sem justificação prévia, na forma do art. 12 da Lei nº 7.347/85, a fim de que se determine a suspensão da cláusula 1ª da Convenção Coletiva de Trabalho nº1015, depositado na Delegacia Regional do Trabalho, para que se suprima a discriminação relativa aos menores de idade, estabelecendo como remuneração mínima aquela prevista para toda  categoria;

 

b) em definitivo que seja declarada NULA a cláusula 1ª da mesma Convenção e sem valor jurídico, declarando-se em conseqüência a ilegalidade da distinção salarial prevista aos menores que mantenham relação de emprego com as empresas abrangidas  pelo instrumento coletivo;

 

c) a citação dos réu, nos endereços referidos, para querendo contestar a presente ação, sob as penas da lei;

 

d) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos e que se fizerem necessários;

 

 

Dá-se à ação o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).

 

 

Nestes termos, pede deferimento

 

 

PAULO ROBERTO PEREIRA

Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região

 

           

DARLENE DORNELES DE ÁVILA

Procuradora do Trabalho

Coordenadora CODIN

 

Notas

 

[1] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 17.

[2] Idem, p. 17.

[3] Ibidem, p. 18.

[4] Ibidem, p. 18.

[5] Ibidem, p. 19.

[6] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Um pouco de história do Ministério Público do Trabalho. In Revista do Ministério Público do Trabalho. Ano VII, nº 13. p. 29.

[7] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Op. cit., pp. 19-20.

[8] MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Op. cit., p. 25.

[9] Idem, p. 25.

[10] Ibidem, p. 26.

[11] Ibidem, p. 26.

[12] Ibidem, p. 27.

[13] Ibidem, p. 28.

[14] Ibidem, p. 29.

[15] RUSSOMANO, Mozart Victor. Comentários à CLT. Vol I, 1ª ed., pág. 1.

[16] RUSSOMANO, Mozart Victor. Op. cit., p. 253.

[17] BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997.

[18] LOBO, Haddock e LEITE, Prado. Comentários à Constituição Federal, 1989, p. 252.

[19] LIEBMAN, apud MACHADO, Antônio Cláudio da Costa, pp. 44-45.

[20] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Op. cit, p. 45.

[21] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Op. cit, p. 51.

[22] BURLE FILHO, José Emmanuel. Principais aspectos do inquérito civil, como função institucional do Ministério Público. In Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. pp. 321-322

[23] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. V. I. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 353.

[24] OLIVEIRA., Francisco Antônio de. Consolidação das Leis do Trabalho Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 402.

[25] CRUZ, Alexandre Corrêa da. A atuação do Ministério Público do Trabalho na condição de curador especial e curador de incapazes in Revista do Ministério Público do Trabalho, p. 103.

[26] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Op. cit., p. 223.

[27] CRUZ, Alexandre Corrêa da. Op. cit, p. 100.

[28] SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit, p. 358.

[29] MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Op. cit., pp. 238-240.

[30] ROMANO, Marília. Necessidade da manifestação do Ministério Público nas causas envolvendo interesse público e direitos indisponíveis, in: Revista do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. São Paulo: Ano I, nº 1, Dez. 95. p. 84-85.

[31] BUTRUS, Regina Fátima Bello. Manifestação do Ministério Público do Trabalho da 1ª Região no seminário sobre “interesse público”: o interesse ensejador da intervenção do Ministério Público do Trabalho, in: Revista do Ministério Público do Trabalho em São Paulo. São Paulo: Ano I, nº 1, Dez. 95. p. 58.