EXMO. SR. JUIZ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE  NOVO CRUZEIRO-MG

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por seu Promotor, no exercício de seu Ministério, com base nos documentos anexos e fundamento nos arts. 201, inc. V, 208, inc. V, 212, caput e 224 da Lei 8069/90, c/c art. 227, caput e 208, inc. VII da Constituição Federal, vem perante esse Juízo propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, C/PEDIDO DE LIMINAR contra o MUNICÍPIO DE NOVO CRUZEIRO-MG, representado pelo Prefeito Municipal, Sr. SERAFIM COELHO DE OLIVEIRA, brasileiro, casado, residente em Novo Cruzeiro-MG, para o que passa a expor e requerer o seguinte:

 

I – FATOS

 

No dia 30 de novembro  p.p., através de uma reunião informal com  a Sra. Diretora da   37ª  SRE, em Teófilo Otoni, esta Promotoria de Justiça tomou conhecimento de que o Município de Novo Cruzeiro, por ato do respectivo Prefeito, Sr. SERAFIM COELHO DE OLIVEIRA,  teria interrompido os serviços de transporte escolar que servem à zona rural do mesmo Município.

 

Imediatamente, foi expedido ofício ao Sr. Prefeito, solicitando informações a respeito, que enviou resposta no dia 04/12/2000, via fax, informando que, através de Decreto, visando adequar suas despesas às imposições da nova Lei de Responsabilidade Fiscal, foram rescindidos todos os contratos  com  ônibus  destinados  ao transporte de alunos  dento do Município, a partir de 06/11/2000 (art. 1º do Decreto 013/2000, cópia anexa às informações).

 

Em decorrência, segundo as informações prestadas pelo Sr. Prefeito de Novo Cruzeiro,... foram suspensos  os transportes escolares  nas comunidades de Catolé e Córrego Escuro para a  Escola situada em  Santa Cruz das Palmeiras; Paraíba, Tibuna, Juru, Ribeirão das Almas, Braúnas, Diamantino, Rabelo e Forquilha para a Escola Estadual do povoado de Lufa, no distrito de Lufa, neste Município; Pau DAlho, Paciência, Rochedo e  Santo Antônio para a Escola Estadual situada  no povoado de Lambari, distrito de Novilhona, neste Município; Setúbal e Acode a Chuva para a Escola Estadual da Fazenda Sul América, no distrito de Novilhona, neste Município; Quartel Velho, Laje e Tanquinho  para as Escolas Estaduais situadas na sede do Município  de Novo Cruzeiro; Córrego Grande, Capoeira Grande e Santo Antônio para a Escola Estadual situada na localidade denominada Santa Bárbara, no distrito de Novilhona, neste Município; Ribeirão da Pedra, Caldeirão, Borá, Cento e Quinze, Barra do Lufa e Ribeirão São Miguel, para a Escola Estadual de (... ilegível...), neste Município... segundo os contratos de transporte escolar  celebrados, eram servidos, com os mesmos, cerca de 1.680 alunos. O transporte escolar era efetuado, saindo das comunidades, nos turnos da manhã, tarde e noite, nos dias úteis,  conforme a necessidade dos alunos  de cada localidade... (transcrito, ipsis literis, das  informações prestadas pelo Sr. Prefeito Municipal - cópia anexa =-, com grifos nossos).

 

Cumpre observar que os ônibus contratados para os serviços de transporte escolar  eram em número de  13 (treze), conforme item 3º  das informações.

 

Conclusão: as crianças e adolescentes da  zona rural de Novo Cruzeiro-MG continuam impossibilitadas de chegarem à escola ou enfrentando grandes dificuldades para fazê-lo, em razão da interrupção do transporte escolar que vinha sendo fornecido regularmente desde o início do ano letivo e, de um  momento para o outro,  faltando pouco mais de um mês para o término do ano escolar,  foi retirado abruptamente.

 

Com isso, corre-se o sério risco de que centenas de crianças e adolescentes  tenham comprometido o rendimento e aproveitamento do ano letivo, jogando por terra todo o esforço empregado ao longo do ano, num irreparável prejuízo, inclusive para os cofres públicos, tendo em vista o investimento feito com o pagamento do transporte terceirizado nos 10(dez) primeiros meses do ano.

 

Cumpre asseverar, finalmente, que o Município de Novo Cruzeiro-MG vem recebendo normalmente os recursos do FUNDEF, com os quais pode subsidiar o transporte escolar, nos moldes das previsões do Município, de modo que  não vemos nenhuma razão plausível para a interrupção deste serviço.

 

II – DIREITO

 

Diz a Constituição Federal:

Art. 208 - o Dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

 

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

(...)

VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (verbis, grifo nosso).

 

O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (Lei 8069/90), em seu art. 54, inc. VII, reproduz ipsis literis a norma constitucional.

 

Assim é que, de forma clara e cristalina, todo estudante do ensino fundamental (1a. à 8a. série do 1o. grau), mormente aqueles das classes sociais mais carentes, têm direito garantido ao TRANSPORTE ESCOLAR, a ser propiciado através de programas suplementares a cargo do Poder Público, que, in casu, pode ser representado pelos Municípios, Estados ou União, não existindo, na espécie, normas claras que estabeleçam a este ou aquele ente da federação a obrigação de, isoladamente, fornecer o transporte escolar.

 

O LIVRO VI, Capítulo VII do ECA trata da PROTEÇÃO JUDICIAL DOS INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS ASSEGURADOS ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES, vendo-se no art. 208, inc. V, o transporte escolar como sendo um desses direitos, passível de proteção judicial em caso de não-oferecimento ou oferta irregular.

 

E, nos termos do art. 212 da mesma Lei, para a defesa de tais interesses são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, e especificamente a AÇÃO CIVIL PÚBLICA (lei 7347/85), cujo primeiro legitimado é o Ministério Público, nos termos do art. 201, inc. V do Estatuto, verbis:

 

Art. 201 - Compete ao Ministério Público: (...) V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inc. II, da Constituição Federal.

 

Na espécie, s.m.j., o direito que se busca proteger pode ser analisado por dois ângulos distintos, conforme se o encare pelo prisma dos beneficiados diretos ou pelo prisma do interesse social genericamente considerado.

 

Pelo prisma dos beneficiados, assim considerado cada estudante dependente de transporte escolar público e gratuito, temos em lide um INTERESSE INDIVIDUAL INDISPONÍVEL, pois inerente à educação, que é direito fundamental e deve ser assegurado com ABSOLUTA PRIORIDADE (art. 227, caput, CF/88), sendo valioso lembrar aos senhores gestores municipais que, nos expressos  termos das  alíneas b, c e d  do  parágrafo  único do art. 4º do ECA, a garantia de  prioridade compreende: precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;  preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; destinação privilegiada de recursos públicos  nas áreas relacionadas com proteção à infância e juventude.

 

Pelo prisma da sociedade como um todo, tem-se o mesmo direito como um INTERESSE DIFUSO, pois interessa a todos, indistintamente, que as crianças e adolescentes tenham assegurado o acesso à educação, como condição sine qua non de um futuro melhor para toda a Nação.

 

Com efeito, tratando-se de interesses indisponíveis de crianças ou adolescentes, de interesses coletivos ou difusos, sua defesa interessará sempre à coletividade como um todo, conforme leciona o renomado HUGO NIGRO MAZZILLI, in A DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO, RT, 4a. edição, 1993, pág. 284. E, mais especificamente com relação aos direito individuais, exemplifica o mesmo autor que:

 

As providências do Ministério Público são exigíveis, até mesmo com o ingresso de ação civil pública, para assegurar vaga em escola, tanto para uma única criança, como para dezenas, centenas ou milhares delas; tanto para se dar escolarização ou profissionalização a um, como a diversos adolescentes privados de liberdade (op. cit., pág. 284).

 

Nos termos do art. 212, caput e § 1º da Lei 8069/90, Para defesa dos direitos e interesses protegifos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, aplicando-se as normas do Código de Processo Civil.

 

Resta trazer  à colação alguns pronunciamentos de Tribunais pátrios, a respeito do controle judicial dos atos do Executivo, no que tange ao respeito à regra da PRIORIDADE ABSOLUTA:

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – MUNICÍPIO – ORÇAMENTO – DESTINAÇÃO E DISPONIBILIDADE DE VERBAS PARA FUNDO MUNICIPAL – PLANO DE APLICAÇÃO – O ECA trouxe novas regras aplicáveis ao direito público e, com elas, a possibilidade da utilização dos meios judiciais atinentes a execução dos princípios vetores atinentes a espécie. A ação civil pública e meio idôneo ao parquet para concretizar a aplicação dos valores aprovados pelo poder legislativo, regularmente, no orçamento, e destinados às entidades privadas beneficiadas pelo plano correspondente, elaborado pelo conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, no município. Indisponibilidade do valor, e o seu depósito a ordem do juízo, para organizar o repasse. Possibilidade. Apelo improvido. Sentença confirmada. (TJRS – AC 598093391 – RS – 8ª C. Cív. – Rel. Des. Breno Moreira Mussi – J. 11.02.1999).

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INÉPCIA – PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DESCUMPRIMENTO ORÇAMENTÁRIO – A peça vestibular do processo e muito clara e precisa ao indicar que pleiteia a formação de estrutura suficiente para concretização dos programas regionalizados de atendimento ao menor infrator, privado de liberdade. Apresenta, inclusive, minúcias sobre a postulação. Invoca o ECA, para amparar o pedido. Ademais, a matéria focada na preliminar, se confunde com o mérito. – Não há um laivo sequer de afronta ou negação ao poder discricionário da administração pública, mas simples exigência do cumprimento da lei. Discricionariedade administrativa jamais poderá ser confundida com arbitrariedade é até irresponsabilidade.

 

Para ela existe o controle das leis. – O poder judiciário, no estrito cumprimento de sua função, estabelecida pela lei estadual acima mencionada, tomou todas as medidas cabíveis e colocou em pleno funcionamento aqueles juizados regionais. A administração pública estadual, de sua parte, não proporcionou as condições necessárias e imprescindíveis, para viabilizar que as decisões desses juizados pudessem ser cumpridas adequadamente. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJRS – AC 595133596 – RS – 8ª C.Cív. – Rel. Des. José Ataides Siqueira Trindade – J. 18.03.1999)

 

AÇÃO CÍVEL PÚBLICA – ECA – Obrigação de o estado-membro criar, instalar e manter programas destinados ao cumprimento de medidas sócio-educativas de internação e semiliberdade destinados a adolescentes infratores. Inclusão necessária no orçamento. Tem o estado o dever de adotar as providências necessárias a implantação. A discricionariedade, bem como o juízo de conveniência e oportunidade submeterem-se a regra da prioridade absoluta insculpida no art. 4º do ECA e no art. 277 da CFb. Recurso desprovido, por maioria. (TJRS – AC 597097906 – RS – 7ª C.Cív. – Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves – J. 22.04.1998)

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ECA – DETERMINAÇÃO AO PODER EXECUTIVO DE DESTINAR VERBA ORÇAMENTÁRIA – SERVIÇO PARA TRATAMENTO DE ADOLESCENTES INFRATORES – ADMISSIBILIDADE – Cabe ao poder judiciário o controle da legalidade e constitucionalidade dos atos administrativos, não se admitindo que possa invadir o espaço reservado a discricionariedade da administração, decidindo acerca da conveniência e oportunidade da destinação de verbas, ressalvados os casos em que o legislador, através de disposição legal, já exerceu o poder discricionário, tomando a decisão política de estabelecer prioridades na destinação de verbas. Em se tratando do atendimento ao menor, submeteu o legislador a decisão acerca da convivência e oportunidade a regra da prioridade absoluta insculpida no artigo 4, do ECA e no artigo 277 da Constituição Federal. Embargos infringentes não acolhidos. (TJRS – EI 598164929 – RS – 4º G.C.Cív. – Rel. Des. Alzir Felipe Schmitz – J. 11.12.1998)

 

Inquestionável, portanto, o cabimento da ação civil pública  e a legitimidade do MP para a defesa dos interesses ora violados e que são  passíveis de controle judicial.

 

III -  PEDIDO

 

Nos termos do art. 12 da Lei 7347/85, aqui aplicável por força do art. 224 do ECA (que, inclusive, prevê idêntica possibilidade em seu art. 213, § 1, sempre que for relevante o fundamento da demanda e houver justificado receio de ineficácia do provimento final) poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

 

Nos termos do art. 12 da Lei 7347/85, aqui aplicável por força do art. 224 do ECA (que, inclusive, prevê idêntica possibilidade em seu art. 213, § 1º, sempre que for relevante o fundamento da demanda e houver justificado receio de ineficácia do provimento final) poderá o Juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

 

Claro está, assim, que o provimento judicial pretendido deve ser antecipado, pois, caso se aguarde a instrução e julgamento definitivo da causa, nenhuma eficácia terá para os estudantes  prejudicados.

 

ISTO POSTO, requer o Ministério Público:

 

a)                       dispensando-se o pedido de explicações prévias a que se refere o art. 2º da Lei 8437/92, tendo em vista que os documentos anexos já apresentam as justificativas do Sr. Prefeito para a sua decisão de fazer cortes no transporte escolar, seja expedido MANDADO LIMINAR, determinando ao requerido que restabeleça, no máximo em 48 horas, o transporte escolar  no âmbito do Município, exatamente nos mesmos moldes que vinha oferecendo até dia 06/11/2000, quando  foram rescindidos os contratos de transporte terceirizado (mesmo tipo e quantidade de veículos ou utilizando  veículos diversos, desde que a capacidade total de passageiros corresponda à dos que vinham anteriormente transportando os alunos), sob pena de, não o fazendo ou dificultando dolosa ou culposamente o cumprimento da medida, ser responsabilizado pessoalmente o seu representante legal pelos crimes previstos no art. 249 da Lei 8069/90 e art. 330 do Código Penal, sem prejuízo da multa diária a que se refere o art.213, §2 da Lei 8069/90, a ser fixada por V. Exa., o que fica desde já requerido, à base de 200 (duzentas) UFIR por dia de  atraso.

 

b)                       após deferida a liminar e no respectivo mandado, seja citado o MUNICÍPIO, na pessoa de seu representante legal, para contestar a presente no prazo legal, pena de revelia e julgamento antecipado, imprimindo-se ao feito o rito ordinário  previsto no Código de Processo Civil e, a final, seja julgada procedente a ação, condenando-se o requerido na obrigação de fornecer o transporte escolar gratuito no âmbito de seu Município, até o término do  presente ano letivo e inclusive em caso de necessidade de reposição das aulas eventualmente perdidas desde 06/11/2000 até a data do restabelecimento integral do transporte;

 

c) seja enviada cópia desta petição e da decisão  liminar a Sra. Diretora da 37ª  SRE, para seu conhecimento e para que colabore na fiscalização do cumprimento da  medida, informando ao Juízo eventuais irregularidades que constatar e mandando verificar imediatamente, junto às  escolas públicas de Novo Cruzeiro-MG,  eventual necessidade de reposição de aulas para os alunos  prejudicados em  face da interrupção do transporte escolar.

 

                            Protesta provar o alegado pelos meios de prova regularmente admitidas em direito, notadamente através de documentos, perícias, testemunhas e depoimento pessoal do representante legal do requerido.

 

Ação isenta de custas e emolumentos, na forma do art. 141, § 2º da lei 8069/90. Não obstante, dá-se à causa o valor de R$ 151,00,  em respeito ao art. 272 do CPC.

 

Recebida e autuada esta,

P. deferimento.

 

Teófilo Otoni p/ Novo Cruzeiro, 05 de dezembro  de 2000.

 

Márcio Rogério de Oliveira

5º Promotor de Justiça da Comarca de Teófilo Otoni

(em substituição - Portaria 1761/2000-PGJ)