PROCESSO N.
1815/2002-2
MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO, autor;
VENBO COMÉRCIO DE
ALIMENTOS, ré
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, pela Procuradoria Regional do Trabalho da
15ª Região, ajuizou a presente ação civil pública com pedido de liminar em face
de VENBO COMÉRCIO DE ALIMENTO LTDA.,
para postular que a requerida: a) adapte o estágio profissionalizante
aos ditames do parágrafo 2.º, do art. 1.º, da Lei 6.494/77, propiciando aos
estagiários a realização de atividades de extensão, compatíveis com o currículo
do curso freqüentado, tanto para os contratos de estágio em, vigor quanto para
aqueles que sejam celebrados; b) abstenham-se de
utilizar estagiários em atividades típicas de empregados, tais como: preparação
de alimentos, carga e descarga de mercadorias, entrega de pedidos, operação de
caixa, limpeza, arrumação e atendimento ao público; c) abstenha-se de manter trabalhadores/estagiários com idade inferior a 18 anos em
atividade insalubre; d) em caso de descumprimento dos itens acima, a condenação
da ré ao pagamento de multa diária de R$
100,00 por pessoa encontrada em situação irregular,
reversível ao FAT; e) a condenação da ré ao pagamento de indenização
referente aos danos causados por suas condutas ilegais, lucros obtidos pela irregular substituição de mão-de-obra,
no valor de R$ 300.000,00. Atribuiu à causa o valor de R$ 300.000,00. Juntou
documentos .
As partes requereram o adiamento da primeira audiência, para
tentativa de composição, o que foi deferido.
A requerida protocolizou uma petição argüindo a conexão e
continência.
na audiência realizada em 10/2/2003, a ré ofereceu exceção de incompetência em razão do
lugar, preliminares de nulidade de citação, ilegitimidade de parte ativa e
litispendência; no mérito, sustentou em suma que o acervo jurídico adotado pela
Procuradoria Regional do Trabalho padece de atualização; é aplicável a Lei de
Diretrizes de Bases (Lei 9.394/96), que estabelece a vinculação entre a educação
escolar, trabalho e prática social; os estágios na requerida são criados fora
do quadro normal, destinados à formação de mão-de-obra,
utilizando jovens que cursam o nível médio da rede pública de ensino e que não
tenham experiência profissional; os estagiários passam por programa de
treinamento e avaliação de seu desempenho; é infundada a ação civil pública; a
ré não cometeu irregularidades que ensejam o pagamento de indenização. Anexou
documentos.
O autor juntou réplica escrita.
Sem outras provas, encerou-se a instrução processual.
Infrutíferas as tentativas de conciliação.
É o relatório.
D E C I D E - S E
DAS PRELIMINARES
De acordo com o art. 2.º da Lei 7.347/85, a ação civil
pública deverá ser ajuizada no foro do local onde ocorreu o dano (grifei) - o
que foi observado pelo autor, que indicou ilegalidades na cidade de Campinas.
portanto, a existência de outra ACP no Rio de Janeiro (15ª Vara do Trabalho),
com objeto análogo ao desta ação, não torna prevento aquele Juízo. Não é demais
lembrar que, diante do princípio da especialidade, as disposições do CPC nesta
parte são inaplicáveis. Rejeita-se a exceção de incompetência. Pelos mesmos
motivos, é insubsistente a argumentação da ré quanto a
configuração de conexão ou continência, ficando rejeitada também essas
preliminares.
No processo do trabalho, as citações são realizadas via
postal (TST, enunciado 16). Não há que se falar em nulidade, porque foi
expedida e recebida a notificação no local da invocada lesão de direito. De
qualquer modo, o comparecimento da ré à audiência - como ocorreu no caso
concreto - supriria eventual irregularidade (f. 129 e 177). Rejeita-se a
preliminar.
É patente a legitimidade de parte ativa, por força do
disposto na Constituição Federal (art. 129, III) e Lei Complementar 75/93 ( art. 84 c/c 6.º, VII,
"d"). rejeita-se esta preliminar.
Afasta se a preliminar de litispendência, eis que ausente s
os seus requisitos caracterizadores, quais sejam, identidade de partes, pedido
e causa de pedir. Ademais, a alegação fica prejudicada pelo teor do art. 103,
parágrafo 1.º , da Lei 8.078/90.
DO MÉRITO
A farta documentação constante dos autos demonstra que a
finalidade do contrato de estágio, estabelecida expressamente na Lei 6.494/77 -
a qual se encontra em pleno vigor - vem sendo desvirtuada pela ré.
Com efeito, os estagiários são utilizados para substituir
mão-de-obra formal (embora não recebam remuneração igual à dos empregados com
vínculo empregatício); não há diferenciação entre as atividades dos estagiários
e as dos empregados; os contratos de estágio propiciam à ré economia de gastos
com treinamento; os estagiários realizam tarefas de saladeira, chapa, fritadeira, salão, balcão, caixa, atendimento, delivery e drive thru; não são fornecidos equipamentos de proteção
individual; a ré não contrata faxineiros - fatos esses conhecidos pelo preposto
na audiência perante a Procuradoria Regional do Trabalho (f. 52/53). Além de
corroborar tais fatos, os estagiários ouvidos pela PRT, esclareceram ainda que:
desenvolvem atividades iguais aos dos empregados; efetuam serviços de limpeza,
faxina e descarregamento de caminhão; laboram em condições insalubres (os
estagiários - menores de 18 anos -
ingressam várias vezes ao dia em câmaras frias, com temperaturas de -5º e -20º,
lá permanecendo 10 ou 15 minutos de cada vez); os DSR/feriados
e faltas justificadas não são pagos; não existe relação entre a grade
curricular do ensino médio e o estágio no BOB´S; não
há treinamento nem supervisor de estágios (f. 109/112).
Conforme apurado pela PRT, no estado de São Paulo, cerca de
30% do quadro da ré é composto por "estagiários" (fl. 98/104).
Cumpre esclarecer que
qualquer trabalho é digno, descabendo a argumentação da ré também no
sentido de que a ação teria caráter preconceituoso. Simplesmente, o posto
oferecido a título de estágio profissionalizante não condiz com as exigências
legais para tanto. Qual a contribuição para o aprendizado do estudante
permanecer à frente de uma fritadeira (correndo
inclusive risco de acidente) ou de limpar mesas/chão
da ré? E qual a relação dessas atividades com o curso de nível médio que
freqüentam? A o que parece, a única beneficiada com o procedimento adotado é a ré, que diminui gastos, como admitiu
o preposto e, consequentemente, aumentam os lucros.
O conjunto probatório justifica o acolhimento das pretensões
de letra "A" a "D" (f. 14/15), apenas com as ressalvas a
seguir: considera-se razoável a permanência de estagiários em cada loja no importe de 15% do total de trabalhadores; as
tarefas a serem desempenhadas restringir-se-ão a: atendimento a clientes,
anotação de pedidos, balcão/apoio ao caixa, serviços
de caixa; deverá haver um supervisor de estagiários - conforme explicitado
inclusive em termo de audiência (f. 129). Essas medidas deverão ser
implementadas no prazo de 30 dias, antes do trânsito em julgado, em consonância
com as disposições do art. 273 do CPC.
Quanto às ilegalidades praticadas pela ré, causando danos à
sociedade e coletividade de trabalhadores, arbitra-se a indenização reparatória
em R$200.000,00, nos termos do art. 1.º da Lei 7.347/85, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Acolhe-se
parcialmente o pleito de letra "E" (f. 15).
Ressalte-se que, não obstante as insistentes tentativas de
assinatura de termo de ajustamento de conduta perante o Ministério Público e de
conciliação neste Juízo, a requerida recusou-se a regularizar a situação (f.
54, 129 e 177), contrariando até mesmo a diretriz seguida pela unidade da
empresa em Brasília (f. 361).
Embora tenha requerido o adiamento da primeira audiência
para ulterior conciliação, durante o lapso temporal entre uma audiência e
outra, não houve manifestação de interesse efetivo na composição e nenhuma tratativa. Vale citar que, na segunda audiência, o
procurador afirmou não ter conhecimento algum sobre a possibilidade de acordo.
Isso revela o intuito meramente protelatório da ré, o que enseja a sua
condenação por litigância de má-fé, no importe de 1% sobre o valor da causa,
nos termos do art. 17, VI e 18 do CPC (reversível ao FAT).
D I S P O S I T I V O
Posto isso, a 3ª Vara do Trabalho de Campinas, resolve
julgar PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
em face de VENBO COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA., para, nos termos da
fundamentação, condenar a reclamada ao cumprimento das seguintes obrigações, no
prazo de 30 dias:
a) adaptar o estágio profissionalizante aos ditames do parágrafos 2.º, do art. 1.º, da Lei 6.494/77, propiciando
aos estagiários a realização de atividades de extensão, compatíveis com o
currículo do curso freqüentado, tanto para os contratos de estágio em vigor,
quanto para aqueles que sejam celebrados - limitando a contratação de estagiários
a 15% do número constatado na petição inicial e contando com a existência de
supervisor de estagiários;
b) abster-se de utilizar estagiários em atividades típicas
de empregados, tais como: preparação de alimentos, carga e descarga de
mercadorias, entregas de pedidos, limpeza e arrumação;
c)
abster-se de manter trabalhadores/estagiários com
idade inferior a 18 anos em atividades insalubres;
d) em caso de descumprimento dos itens acima, pagar multa
diária de R$100,00, por pessoa encontrada em situação
irregular, reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador;
e) pagar indenização referente ais danos causados por suas
condutas ilegais e lucros obtidos pela irregular substituição de mão-de-obra,
no valor de R$200.000,00, reversível ao FAT;
f) pagar a multa por litigância de má-fé, de 1% sobre o
valor da causa, também reversível ao FAT.
Diante da
gravidade da situação, nos moldes do disposto no art. 273 do CPC, concede-se
tutela antecipada, a fim de que a ré cumpra as obrigações especificadas nas
letras 'A" a "C" imediatamente,
respondendo, na hipótese de recusa, pela multa fixada na letra "D". Providencie a Secretaria.
Os valores serão apurados em regular liquidação de sentença
por cálculos observando os parâmetros fixados na fundamentação.
Juros e correção monetária na forma da lei.
Tendo em vista a natureza indenização das verbas objeto da
condenação, não há recolhimentos previdenciários e fiscais a serem realizados.
Custas pela ré, no importe de R$ 4.000,00, calculadas sobre
o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 200.000,00.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Campinas, 17/3/2003.
Gislene A. Sanches
JUÍZA DO TRABALHO SUBSTITUTA.