APLICAÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE E DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

 

Anderson Pereira de Andrade

Promotor de Justiça de Defesa da

Infância e da Juventude no Distrito Federal.

 

 

1. Introdução 2. Medidas socioeducativas privativas de liberdade. Princípios de regência 3. Medidas socioeducativas privativas de liberdade. Devido processo legal  4. Internação cautelar 4.1. Pressupostos 4.2 Duração da medida. Direito fundamental à assistência judiciária 5. Internação por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta. A internação-sanção 6. Substituição de medidas. A regressão 7. A Súmula 265 do STJ  8. Conclusões

 

 

1.      Introdução

 

O presente estudo pretende analisar o procedimento de apuração de ato infracional atribuído ao adolescente, especificamente nos casos de aplicação das medidas socioeducativas privativas de liberdade previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. O objetivo é refletir sobre o tratamento dado atualmente à questão e propor algumas fórmulas que possam contribuir para aperfeiçoar a aplicação dos institutos abordados e minorar os problemas verificados. O ponto de partida são os preceitos da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) que tratam da matéria, artigos 37 e 40, os direitos fundamentais garantidos no artigo 5º da Constituição Federal (CF), os dispositivos da Carta Fundamental que tratam da responsabilização de adolescentes pelo cometimento de ato infracional (artigos 227 e 228) e, especialmente, as normas referentes à matéria constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O enfoque será processual. Portanto, valer-nos-emos do socorro dos princípios de regência da matéria, para chegar a fórmulas que ensejem um tratamento responsabilizador do adolescente e ao mesmo tempo garantam seus direitos fundamentais, como preconizam a CDC, a CF e o ECA.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, de acordo com seu artigo 103, considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Assim, embora não se possa responsabilizar o adolescente penalmente, pode-se fazê-lo de forma estatutária, toda vez que infringidos os tipos legais descritos pelo Código Penal e a legislação especial. Se grave a infração, pode o adolescente receber medidas, cautelar, definitiva ou ambas, privativas de liberdade. As medidas socioeducativas privativas de liberdade buscam a reeducação e reinserção social do jovem e têm duração limitada, porém também são aplicadas para a proteção da sociedade contra a violência demonstrada por alguns adolescentes. Consideramos ser indiscutível o caráter de prevenção geral (intimidação por meio do exemplo) que possuem essas medidas. Igualmente contêm uma carga de reprovabilidade à conduta do adolescente, que vivenciará as péssimas condições em que geralmente são as medidas executadas Brasil afora. Dessa forma, não se pode interditar ao adolescente, especialmente em relação a essas medidas, todas as salvaguardas processuais para que as restrições ao seu direito fundamental à liberdade se façam em um cenário onde imperem as garantias fundamentais. Indubitavelmente, as salvaguardas mais amplas ao cidadão ameaçado de restrição ao seu direito à liberdade são dadas pela Constituição Federal e ademais, no caso dos adolescentes, pelas disposições do ECA, de maneira que qualquer aproximação a elas deverá fazer-se sob essa dupla perspectiva.

 

2.      Medidas socioeducativas privativas de liberdade. Princípios de regência

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece duas medidas privativas de liberdade: semiliberdade e internação. De acordo com o art. 227, § 3º, V da Constituição e art. 121 do Estatuto, a internação – e por extensão a semiliberdade, por ser também uma medida privativa de liberdade[1], está sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. O primeiro princípio traduz a convicção que permeia toda a Lei no sentido de que as medidas privativas de liberdade aplicadas aos adolescentes devem ser limitadas (período máximo de três anos), posto que os efeitos sobrevindos a qualquer privação de liberdade, comprovados pela Criminologia, são seguramente mais daninhos aos adolescentes[2]. O segundo princípio estabelece a privação da liberdade juvenil como exceção ao regime das medidas socioeducativas. O art. 122 do ECA regula tal excepcionalidade, elencando as hipóteses numerus clausus em que uma medida de internação pode ser aplicada: 1. ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência. 2. reiteração no cometimento de outras infrações graves. 3. descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. O último princípio, concernente à condição peculiar do adolescente, representa um limite ontológico a ser considerado não só na decisão, mas, principalmente na implementação, na execução da medida[3].

 

A internação (e também a semiliberdade), é a resposta concebida pelo ECA a uma maior inadaptação ou periculosidade do adolescente, verificadas, em cada caso concreto, entre outras circunstâncias pessoais de cunho psicológico e socioeconômico, pela grave ameaça ou violência à pessoa cometidas por ele. Essas circunstâncias do ato infracional fazem com que a reação estatal seja mais severa, e demande uma maior atenção do próprio poder público para os labores de ressocialização do jovem infrator. Ademais, acarreta obrigações irremediáveis para o Estado, entre outras, a de um eficaz planejamento da execução da sentença socioeducativa privativa de liberdade e uma idônea gestão dos centros de internamento. Porém, esses são aspectos materiais do processo de responsabilização do adolescente infrator, dos quais não trataremos neste momento. Voltemos ao processo.

 

 

3.      Medidas socioeducativas privativas de liberdade. Devido processo legal

 

Para chegar-se à execução da medida privativa de liberdade – concretizadora da pretensão socioeducativa estatal prevista no ECA – nos casos em que se requeira tal intervenção extrema, há que se respeitar criteriosamente os direitos e garantias elencados nos artigos 106 a 111 desse diploma. Esses, detalhados pela Lei, em sua maioria são os direitos individuais e garantias processuais já inscritos na Constituição Federal, e portanto vigentes para todos os cidadãos, com independência da idade que possuam. O respeito a tais garantias, também recolhidas nas declarações internacionais de Direitos Humanos firmadas pelo Brasil, especialmente na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, não pode ser obnubilado pelo caráter socioeducativo do ECA. Nada justifica, muito menos uma pretensa "proteção" ao adolescente, como veremos, nenhuma graduação na aplicação dessas garantias, seja pela natureza do processo ou pelo sujeito das medidas. São os direitos fundamentais processuais aplicáveis sempre, em todas as circunstâncias, a todos os adolescentes.

 

Ainda acerca das particularidades processuais estatutárias, é importante sublinhar o disposto no art. 114, que afirma ser necessária a «existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração», para a imposição das medidas socioeducativas, ressalvada a hipótese de remissão e a medida de advertência. Ora, tanto a internação quanto a semiliberdade estão excluídas do elenco de medidas que pode acordar o MP com o adolescente, previamente à concessão da remissão, para a desistência do processo (art. 127). Tudo isso indica que a apuração da responsabilidade do menor (autoria e materialidade do ato infracional), especialmente com relação às medidas privativas de liberdade, deve ser exaustiva no processo socioeducativo, não devendo pairar qualquer dúvida sobre a existência do fato e a autoria ou a participação do adolescente em sua comissão.

 

 

4.      Internação cautelar

 

4.1.  Fundamentação

 

Dispõe o ECA sobre a internação antes da sentença em seu artigo 108. Esta localização, entre os direitos individuais do adolescente, não condiz com a melhor técnica legislativa pois, na verdade, trata-se de medida cautelar e, como tal, deveria estar inserida no capítulo referente ao procedimento de apuração do ato infracional atribuído ao adolescente. Estabelece o art. 108 do ECA:

 

A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.

 

Assim, devem estar presentes os dois requisitos exigidos para a concessão de qualquer medida cautelar: o fumus boni iuris (presença de indícios da comissão de um ato infracional e de sua autoria) e o periculum in mora, (risco de fuga ou obstrução da justiça por parte do adolescente ou manutenção da ordem pública – que deveria ser objetivo não da medida cautelar, mas da medida socioeducativa), do contrário a internação será ilegal. Além disso, deve estar demonstrada na decisão de internação, por intermédio de uma argumentação fundamentada e exaustiva, a necessidade imperiosa da medida, além da inexistência de outra medida adequada (art. 122, § 2º, ECA). A internação provisória do adolescente guarda semelhança com a prisão preventiva do adulto. Aqui, como em todo o procedimento de apuração de ato infracional, aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas no Código de Processo Penal (artigo 152 do ECA). Daí pode-se extrair uma regra de ouro a ser seguida por todos operadores jurídicos: nunca deve-se internar provisoriamente um adolescente quando, nas mesmas circunstâncias, não houvesse motivos para prender preventivamente o adulto[4].

 

Deve ser considerado conjuntamente com o art. 108, para fins de internação cautelar, o artigo 174 do ECA, que trata do procedimento a ser seguido na delegacia de polícia quando da apreensão do adolescente. Afirma este dispositivo que comparecendo qualquer dos pais ou responsáveis, o adolescente apreendido será liberado pela autoridade policial, sob termo de responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, exceto quando, diz o artigo:

 

«pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública»[5].

 

Ato infracional grave é aquele cuja pena prevista no Código Penal seja de reclusão[6], além disso, por força do art. 122, I, deverá haver sido cometido mediante violência ou grave ameaça, pois de outra forma não ensejará internação. Quanto à repercussão social ou a manutenção da ordem pública como ensejadoras da internação cautelar, não entendemos justificadas, pois esses desideratos são da medida socioeducativa, que deverá também evitar a reincidência, nos mesmos termos em que preconiza a doutrina moderna sobre a prisão cautelar do adulto Com referência à internação provisória do adolescente para garantia de sua segurança pessoal, também temos dúvidas quanto a sua constitucionalidade. Se houvesse previsão legal para o acautelamento desse adolescente em situação de risco em abrigos, famílias substitutas ou sua inserção em programas de liberdade vigiada etc., poderíamos assentir que a aplicação da medida cautelar serviria para garantia de sua segurança. Porém, à vista de nossas unidades de internação, a privação de liberdade constitui-se em injustificada intromissão estatal na esfera de liberdade do indivíduo que, ademais de não lhe proteger devidamente, pode prejudicar-lhe seriamente. Se há necessidade de garantir a segurança pessoal do adolescente, que se lhe envie a uma entidade de abrigo e não a uma de internação.

 

4.2.  Duração da medida e direito fundamental à assistência judiciária

 

Outros aspectos podem ser destacados em relação à medida cautelar de internação, desafortunadamente, aspectos que indicam o descumprimento não só do espírito do Estatuto, como também de dispositivos nele estabelecidos. Assim é que o art. 123, parágrafo único, estabelece que «durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas», o que, sabemos, não ocorre na maioria das unidades da Federação, inclusive no Distrito Federal. Estão os adolescentes internados provisoriamente desprovidos de qualquer atenção estatal no sentido de possibilitar uma intervenção socioeducativa de curta duração. Além disso, observa-se que a quase totalidade dos adolescentes permanecem internados os 45 dias previstos, o que pode ser atribuído a um certo “comodismo” dos operadores jurídicos que, à vista do prazo peremptório do art. 183 do ECA (exíguo em comparação com os dispositivos análogos do CPP), se conformam em manter o adolescente internado até esgotar-se o prazo, muitas vezes desnecessariamente, pois o ingresso e permanência por poucos dias na instituição já se prestaria à tarefa de imposição de limites imediatos à conduta anti-social do jovem, impedindo-lhe a evasão. Pior ainda são os exemplos, infelizmente comuns, de permanência de adolescentes recolhidos em centros de internação além do prazo legal. Neste último caso, o STJ se pronunciou recentemente, a partir de provocação da d. Defensoria Pública da Infância e da Juventude no DF, afastando a ilegalidade[7].

 

Porém, tão ou mais grave que descumprir o prazo peremptório de internação cautelar é tomar-se essa decisão – mandado o adolescente para nossas instituições socioeducativas (rectius presídios juvenis) –, sem conferir-lhe o direito de dispor de defesa técnica por advogado, como previsto no art. 111, III do ECA, no inciso LV, do art. 5.º da Constituição Federal e no art. 40.2.b.II da CDC[8]. Este problema tem relação com outro ainda maior, do qual não trataremos neste momento, qual seja o da falta de assistência jurídica efetiva ao adolescente por ocasião da oitiva informal realizada pelo Ministério Público, momento crucial do processo infracional, quando se tomam decisões importantes, que vão repercutir até o final da intervenção judicial. Admitimos como constitucional a previsão legal do Promotor de Justiça conceder (melhor seria se a Lei dissesse: acordar) a remissão, combinada ou não com aplicação de medida socioeducativa, durante a oitiva informal do art. 179, ou depois desta, quando se posterga a aplicação do art. 180. O que afirmamos é que para que sejam preservados os direitos do adolescente nesse acordo faz-se necessária a presença do Advogado[9]. Para o adolescente, mais importante que aceitar uma medida socioeducativa não privativa de liberdade ofertada pelo Ministério Público, pode ser provar não ser ele o autor do ato infracional: a presunção de inocência e o devido processo legal. Esses direitos constitucionais, observados no que se refere aos adultos, devem ser respeitados também no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude.

 

Com muito mais razão pois, por ocasião da internação provisória, é indispensável a defesa técnica já que o que está em jogo é a mais drástica restrição a um direito fundamental: a privação da liberdade. O que queremos enfatizar aqui é a importância da garantia dos direitos fundamentais do adolescente no estabelecimento de medidas jurisdicionais provisórias coativas. Assim, de acordo com a aspiração do Estatuto de conferir subjetividade plena ao adolescente, tampouco deveria poder o magistrado decretar sua internação sem ouvi-lo, pois tal prática fere os princípios da ampla defesa e do contraditório[10]. E fere de gravidade, quando se sabe que, na esmagadora maioria das vezes, o Ministério Público requer o internamento após ouvir o adolescente trazido da delegacia, sem que ele possa dispor do defensor constitucionalmente garantido. O juiz nesse caso, se ouvisse o adolescente assistido por advogado, cristalizaria a intervenção do terceiro imparcial na tomada da decisão privativa de liberdade (juiz de garantia), pois o Ministério Público pode agir para a proteção do adolescente (e o faz na maioria das vezes), mas também  pode fazê-lo para evitar sua fuga, assegurar a instrução ou para a manutenção da ordem pública (como permite a lei e referenda a jurisprudência pátria majoritária), e particularmente nesses casos age como persecutor e não como defensor do adolescente[11].

 

5.      Internação por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta – a internação-sanção

 

Este é um dos temas que mais margem tem dado ao desrespeito dos direitos fundamentais processuais do adolescente, gerando inclusive decisões judiciais completamente dissociadas da letra do ECA. O Estatuto prevê, como se sabe, um tipo de internação, também chamada pela doutrina e a jurisprudência de internação-sanção, «por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta» (art. 122, III). Ao lado da medida provisória de internação, este é o único caso de internação por tempo determinado: no máximo três meses, de acordo com o § 1.º do art. 122. Em primeiro lugar, cabe anotar que a internação-sanção só pode ser aplicada naqueles processos em que foi assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório ao adolescente, enfim, o devido processo legal. Em nenhuma hipótese poder-se-ia aplicar este tipo de internação por descumprimento de uma medida de liberdade assistida, por exemplo, que tenha sido acordada em remissão concedida pelo Ministério Público, porque aí não houve processo strictu sensu, não houve contraditório, nem prova da autoria e materialidade do ato infracional. Houve acordo e, portanto, não se pode, com base no descumprimento daquela sentença homologatória de remissão, restringir um direito fundamental, como é a liberdade. Mesmo que advirta o Promotor, durante a celebração do trato com o adolescente, que ele está sujeito à internação-sanção, esta advertência não tem o condão de afastar o contraditório, a necessidade de provar-se a autoria, a materialidade e a gravidade do fato, que ensejariam a medida privativa de liberdade que, como se viu, é excepcional. Também é fundamental para a aplicação da internação-sanção a prova da reiteração no descumprimento injustificável da medida anteriormente imposta[12].

 

De outra parte, muito julgados esposam um entendimento coetâneo com a dicção do Estatuto, interpretando as disposições desse diploma de maneira a garantir os direitos fundamentais do adolescente, concedendo-lhe o amparo da ampla defesa. Veja-se a recente decisão do STJ:

 

HABEAS CORPUS. ADOLESCENTE INFRATOR. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ROL TAXATIVO DO ART. 122 DO ECA. INTERNAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE

O art. 122 do ECA enumera taxativamente as hipóteses em que se pode ser decretada a internação de adolescente infrator.

A expressão “reiteração no cometimento de outras infrações graves” (art. 122, II, do ECA) não se confunde com a reincidência. Esta, para a sua conformação, demanda a prática de dois atos infracionais. Aquela, para legitimar a internação, reclama a conjugação de três ou mais condutas anti-sociais, assinaladas por uma especial gravidade.

Ordem concedida para assegurar ao paciente o cumprimento da medida socioeducativa em regime de semiliberdade.

(HC 20660/RJ, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, 09.04.2002).

 

Além de ser grave e reiterada a transgressão que justifique a internação-sanção, deverá o adolescente sempre ser ouvido pela autoridade judicial, antes da decretação da internação. Esse entendimento está plenamente sedimentado no Supremo Tribunal de Justiça e foi recentemente sumulado por aquele Tribunal, como veremos adiante.

 

6.      Substituição de medidas – a regressão

 

A substituição de medidas socioeducativas também é fonte de divergência doutrinária e jurisprudencial, exigindo pois o trabalho exegético de todos os operadores comprometidos com a doutrina sociojurídica da proteção integral. Estabelece o art. 99 do ECA:

 

As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo.

 

O capítulo em que inserto o art. 99 trata Das medidas específicas de proteção. Já o art. 113, inserido no Capítulo Das medidas sócio-educativas, determina aplicar-se igualmente a esse capítulo o art. 99. Portanto, também as medidas socioeducativas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Contudo, deve-se observar que sempre têm plena vigência os princípios constitucionais processuais, a determinar que qualquer privação de liberdade imposta ao adolescente deve vir precedida do devido processo legal e da ampla defesa, nas estritas hipóteses previstas em lei[13]. Assim, não se pode substituir uma medida qualquer – quer aplicada em sede de remissão, quer aplicada após a instrução –, por outra privativa de liberdade, diante da  constatação de descumprimento por parte do adolescente.  Entre outras razões,  porque a norma especial do artigo 122 do ECA, que prevê taxativamente os supostos de internação, não inclui hipótese de substituição, prevalecendo pois sobre a norma geral do art. 113 c/c. art. 99[14]. O caso de descumprimento, em definitiva, pode reclamar a aplicação da internação-sanção por descumprimento, e não a regressão.

 

Sem embargo, não é exatamente esse entendimento que se vê refletido em muitas sentenças e acórdãos. No Estado de São Paulo, como noticia  AMÉRICO FRASSETO[15], «certo setor da magistratura e do Ministério Público sustentam que, revelada por qualquer indicador a inadequação da medida mais branda em curso para enfrentar a problemática apresentada pelo jovem, pode e deve o juiz substituir esta ou aquela medida ineficaz por outra, de internação por até três anos». A isso convencionou-se chamar de regressão de medida. Acrescenta o referido autor que o TJSP têm duas posições a respeito. A primeira supõe cabível a regressão sem restrições. A segunda todavia entende que a norma geral do art. 113 deve ser harmonizada com a norma especial do art. 122, III, que trata de descumprimento de medida anteriormente imposta, de modo que nesses casos o limite de duração da internação seria de três meses. Portanto, neste segundo caso não se trataria de regressão e sim de internação-sanção. Como veremos a seguir, cremos somente ser possível a regressão naqueles casos em que houve progressão e posterior inadaptação do adolescente à nova medida. Qualquer endurecimento de regime de cumprimento que não respeite essa regra estará eivado de inconstitucionalidade.

 

7.      A Súmula 265 do STJ

 

No dia 22 de maio de 2002 o Superior Tribunal de Justiça publicou a Súmula de sua jurisprudência número 265, com o seguinte teor: «É necessária a oitiva do menor infrator antes de decretar-se a regressão da medida sócio-educativa». Consolidou-se a jurisprudência daquela Corte, após centenas de recursos, aviados principalmente pela d. Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no sentido de que o art. 111, V do ECA («direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente») é garantia processual fundamental do adolescente. Se analisados os julgados que serviram de precedentes à Súmula – bem como as numerosas decisões do STJ sobre a matéria, especialmente decidindo habeas corpus –, se pode observar a discrepância de entendimento entre os julgadores e a falta de uniformidade no trato da matéria, apesar do louvável progresso que representou o reconhecimento por aquela Alta Corte da necessidade da oitiva do adolescente antes da internação. Nos arestos do STJ (e também de outros tribunais) são confundidos constantemente os institutos da internação-sanção e da regressão, aplicando-se um e outro indiscriminadamente, com evidente prejuízo ao direito fundamental do adolescente à liberdade.

 

Pode-se dividir em dois grupos os julgados que figuram como precedentes da Súmula 265. No primeiro grupo (RHC 8.873-SP, RHC 9.315-SP, RHC 8.837-SP e HC 8.887-SP), trata-se não de regressão e sim de internação-sanção, do art. 122, III, por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Apesar disso, vários acórdãos utilizam-se do vocábulo regressão, para identificar o instituto da internação-sanção[16]. Não se trata de substituição de uma medida mais leve anteriormente aplicada por outra mais severa, como se pode ler em alguns votos[17]. Cuida-se de punir o adolescente pelo descumprimento da medida anteriormente aplicada, se reiterado o descumprimento, e pelo prazo determinado de, no máximo, três meses. Não há falar-se em regressão, porque ninguém pode regredir, voltar aonde nunca esteve.

  

No segundo grupo (HC 11.302-SP, HC 10.368-SP e HC 9.270-SP), estariam aquelas decisões que não tratam da internação-sanção, mas da regressão propriamente dita. Há dois subgrupos, no primeiro o adolescente é condenado à medida de internação, progride para outra medida (semiliberdade ou liberdade assistida), descumpre esta segunda medida e sofre a regressão. No outro subgrupo, o adolescente é condenado a uma medida mais branda e diante do descumprimento desta, tem decretada sua internação por tempo indeterminado.

 

Cremos que no primeiro caso, quando há uma sentença condenatória de internação por tempo indeterminado, se dá a única possibilidade de regressão de uma medida mais branda para outra mais severa sem mácula aos direitos fundamentais do adolescente. Nesses casos o adolescente foi condenado à internação, mostrou sinais de ressocialização e conquistou a progressão de medida. Se voltar a cometer atos de indisciplina no cumprimento da nova medida, ou mesmo se voltar a cometer atos infracionais, pode ter sua progressão revista e retornar ao regime original de cumprimento. Da mesma forma se condenado for inicialmente ao regime de semiliberdade. Porém, há que se ter cuidado, pois a regressão deverá processar-se sob o império do devido processo, não se justificando sua concessão sob o pálio da “proteção” ao adolescente. Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça labora no equívoco apontado. Veja-se:

 

PENAL. ADOLESCENTE INFRATORA. REGRESSÃO. LIBERDADE ASSISTIDA PARA INTERNAÇÃO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.

1. Não há nulidade na regressão de liberdade assistida para internação, sem a oitiva da adolescente infratora, se a medida foi desencadeada por depoimento da própria mãe da paciente, atestando encontrar-se ela vivendo em um terreno baldio, juntamente com outros adolescentes que fumam "crack".

2. Ordem denegada.

( HC 14512/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, 05.12.2000).

 

Sob nosso ponto de vista: a) Não se pode determinar a regressão de uma medida sem ouvir a adolescente e oferecer a ela todas as garantias processuais. Nenhum desejo de proteção à adolescente (inclusive o mais genuíno, o materno) pode justificar a violação aos princípios de ampla defesa e contraditório. Da leitura do Relatório e do Voto deste Acórdão depreende-se que fora condenada a adolescente à internação, havendo progredido para liberdade assistida, medida que vinha cumprindo mal. Ora o simples relato, mesmo da mãe, não deveria ensejar o endurecimento de regime contra a adolescente que, se fora maior de idade, teria o direito, ao menos, de ser ouvida pelo juiz. b) Deixando de lado os aspectos formais do julgado, verifica-se que essa adolescente não necessita de regressão da medida socioeducativa pelo só fato de viver em um terreno baldio, acompanhada de outros adolescentes, fumando “crack”, ainda mais internação no Estado de São Paulo, onde a Febem vive o descalabro que todos conhecemos. Reclama a jovem medidas de proteção, como podem ser as dos incisos II, III, IV, V e, especialmente, VI, do art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, medidas de cunho assistencial que a auxiliem a abandonar a drogadição e as más companhias.

 

Esse é um dos grande problemas verificados na aplicação do Estatuto, quiçá em razão do arraigo da doutrina da situação irregular – vigente com o antigo Código de Menores–, no imaginário dos operadores. Se comete um ato infracional, recebe uma sentença após o devido processo e a descumpre, o adolescente merece punição, merece a internação-sanção ou a regressão de medida. Se não cometeu nenhuma infração disciplinar ou à Lei Penal, ou encontra-se necessitado de tratamento, como no caso acima,  não deve o adolescente ser submetido a nenhuma medida socioeducativa,  nem se a intenção de quem a aplica for protegê-lo. Insistem alguns operadores jurídicos em afastar as garantias constitucionais que são de todos, punindo os adolescentes de maneira mais incisiva que os adultos, muitas vezes sob o argumento de estar fazendo-lhes o bem[18]. Não, definitivamente, os que operamos o sistema de execução de medidas socioeducativas sabemos que as instituições de internação não se prestam a proteger ou defender o jovem. São espaços de contenção, de repressão, de privação da liberdade.

 

Afora a hipótese de haver caído inicialmente sobre o adolescente uma sentença de internação, não vislumbramos possibilidade de aplicar-se a regressão de medida socioeducativa mais branda para internação. Assim, o segundo subgrupo acima tratado, daqueles que recebem uma medida mais leve e têm-na “regredida” para internação, estaria na conta das inconstitucionalidades cometidas no âmbito da Justiça da Infância e da Juventude. Contrariamente a este entendimento, a decisão contida no HC 9.270-SP do STJ, manteve decisão do TJSP que substituiu medida de liberdade assistida aplicada após regular processo, por internação, em razão de inobservância das regras do regime da L.A. Apesar de decidir corretamente pela oitiva do adolescente, o acórdão da Corte Federal feriu a norma internacional do art. 40 da CDC, constitucional do art. 5.º, incisos LIV e LV, e estatutária, arts.110, 111 e 122, pois, sem que houvesse qualquer processo, aplicou uma medida de internação por tempo indeterminado a adolescente que, após o devido processo, fora condenado à liberdade assistida.

 

8.      Conclusões

 

1.      A ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal, enfim, os direitos fundamentais de natureza processual, aplicam-se ao procedimento seguido contra o adolescente que comete ato infracional. Tais princípios devem ser observados com muito mais rigor no caso de aplicação de medidas socioeducativas privativas de liberdade.

 

2.      A internação cautelar demanda a demonstração da existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, ademais da gravidade do ato infracional, necessidade imperiosa da medida e da inexistência de outra medida adequada. Jamais deve ser internado cautelarmente o adolescente quando, nas mesmas condições, não seria o adulto. Se a situação do adolescente inspira cuidados, deve-se-lhe aplicar uma medida de proteção (“cível”) e não socioeducativa (“penal”).

 

 

3.      É necessário, por ocasião da oitiva informal realizada pelo Promotor de Justiça, garantir-se ao adolescente o direito internacional, constitucional e estatutário à defesa técnica por advogado. O juiz não pode decretar a internação provisória do adolescente sem antes ouvi-lo pessoalmente.

 

4.      A medida prevista no art. 122, inciso III do ECA, também chamada de internação-sanção, é cabível nos casos de descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta. A medida descumprida, ensejadora da punição, deve haver sido imposta após o devido processo, provadas a autoria e a materialidade do fato, o que afasta sua imposição pelo descumprimento de sentença homologatória de remissão.

 

 

5.      A aplicação do art. 113 c/c. o art. 99 do ECA demanda cuidados redobrados do operador jurídico. É inconstitucional a substituição de uma medida restritiva de direitos por outra privativa de liberdade. A regressão de uma medida mais branda para outra privativa de liberdade tem lugar somente nos casos em que anteriormente houve progressão, e tem como limite a medida originalmente imposta na sentença que deverá ser, necessariamente, também privativa de liberdade.

 

 

9. Notas

 

[1] Dispõe o art. 120, § 2º do ECA, que trata Do regime de semiliberdade: «A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação».

[2] Neste sentido a afirmação de FERRAJOLI, Luigi, Derecho y Razón, trad. P. Andrés Ibáñez, A. Ruiz Miguel, J.C. Bayón Mohino, J. Terradillos Basoco, R. Cantarero Bandrés, Trotta, Madrid, 1995, pp. 271: «Una rica literatura, corroborada por una secular y dolorosa experiencia, ha mostrado en efecto que no existen penas correctoras o terapéuticas y que la cárcel, en particular, es un lugar criminógeno de educación e incitación al delito. Represión y educación son en definitiva incompatibles, como lo son la privación de libertad y la libertad misma que constituye la sustancia y el presupuesto de la educación, de manera que lo único que se puede pretender de la cárcel es que sea lo menos represiva posible y por conseguiente lo menos desocializadora y deseducadora posible»

[3] CURY, Munir, AMARAL E SILVA, Fernando, GARCÍA MÉNDEZ, Emilio (Coords.), Estatuto da Criança e do Adolescente comentado, Malheiros Editores, São Paulo, 1996, p. 375.

[4] Há inúmeras decisões do STJ assegurando que seria contraditório admitir-se que o adolescente possa receber tratamento mais rigoroso que um adulto (vide HC 8.868-SP, HC 10.216-SP E RHC 9.287-SP, entre outros.

[5] Há que se ter muito cuidado para não se dar ao adolescente um tratamento socioeducativo (“penal”), quando o que sua situação demanda é uma medida de proteção (“civil”): amparo do Estado, na falta da família. Assim, equivocado o escólio de DONIZETI LIBERATI, Wilson, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, Malheiros Editores, São Paulo, 1999, pág. 158, quando afirma: «Se os pais ou responsável forem intimados a comparecer à repartição policial mas não manifestarem qualquer interesse pela conduta ou destino do adolescente, a medida de internação provisória é o caminho mais correto para a solução do impasse». Contrariamente ao afirmado, nos casos de ausência ou negligência dos pais, quando não for o caso de internação cautelar do adolescente, é de aplicar-se-lhe a medida do inciso VII, do art. 101 do ECA, de abrigo em entidade, pública ou privada, que providenciará o necessário amparo ao adolescente e o contato com a sua família.

[6] Confronte NORBERTO MARÇURA, Jurandir, «Art. 174», in CURY, Munir, AMARAL E SILVA, Fernando, GARCÍA MÉNDEZ, Emilio (Coords.), Estatuto da Criança..., cit., pág. 489, com o qual nos pomos de acordo: «Considerando que o legislador valeu-se dos conceitos de crime e contravenção penal para definir o ato infracional (art. 103), devemos buscar na lei penal o balizamento necessário para a conceituação de ato infracional grave. Nela, os crimes graves são apenados com reclusão; os crimes leves e as contravenções penais, com detenção, prisão simples e/ou multa. Por conseguinte, entende-se por grave o ato infracional a que a lei penal comina pena de reclusão».

[7] O RHC 12.010-DF, de 18.03.2002, Rel. Min. Edson Vidigal, foi assim ementado: «A aplicação da Súmula 52/STJ mostra-se incompatível com os princípios fundamentais do ECA de excepcionalidade, brevidade e observância da condição peculiar do menor de pessoa em desenvolvimento (art. 121), devendo prevalecer o respeito ao prazo máximo de internação provisória expressamente previsto de 45 (quarenta e cinco) dias (art. 108). Ainda com relação a prazos, uma tendência muito forte desse Tribunal é reconhecer-se às medidas socioeducativas a prescrição, veja-se o seguinte acórdão: «RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRESCRIÇÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. 1. As medidas sócio-educativas, induvidosamente protetivas, são também de natureza retributiva e repressiva, como na boa doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal. 2. O instituto da prescrição responde aos anseios de segurança, sendo induvidosamente cabível relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam em restrições à liberdade. 3. Tendo caráter também retributivo e repressivo, não há porque aviventar a resposta do Estado que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados por menores. 4. Recurso conhecido e provido para, reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva, declarar extinta a punibilidade do ato infracional». (RE 171.080-MS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6.ª Turma, 21.02.2002).

[8] Também o art. 18.A.,  inserido no Capítulo III. Menores detidos ou em prisão provisória, das Regras da ONU para a Proteção dos Menores Privados de Liberdade (adotadas pela Assembléia Geral na sua Resolução 45/113, de 14 de diciembre de 1990), dispõe: «Os jovens terão direito à assistência jurídica e poderão solicitar assistência judiciária gratuita, quando existente, e comunicar-se regularamente com seus assessores jurídicos. Deverá respeitar-se o caráter privado e confidencial dessas comunicações».

[9] Posição contrária à nossa pode ser cotejada em MOTHÉ FERNANDES, Márcio, Ação sócio-educativa pública, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1998, p. 35: «Convém ressaltar que a oitiva informal do adolescente consiste em ato privativo do Ministério Público, sem a intervenção do patrono do adolescente. Nesta fase, não existe processo propriamente dito, podendo o Promotor de Justiça até mesmo conceder remissão ao infrator e conseqüente exclusão do processo, tornando, assim, desnecessária a participação do defensor». Também COSTA SARAIVA, João B., Adolescente e ato infracional, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1999, p. 74: «Tal providência (nomeação de defensor) não foi prevista quando da fase ministerial (oitivas informais e eventual concessão de remissão), porquanto, ali, ainda não se evidenciava a existência da lide socioeducativa. Poderia, naquela fase, o promotor de justiça optar pelo arquivamento e pela remissão como forma de exclusão do processo, administrativamente solucionando a aparente controversia, inexistindo, então, qualquer acusação ou litígio, condições para a incidencia da regra do art. 5.º, LV, ou mesmo da norma do art. 227, § 3º, IV, ambos da CF». Discordamos dos referidos autores por saber que muitas vezes medidas socioeducativas aplicadas a partir de remissões concedidas pelo MP ensejam a aplicação pelos juízes e Tribunais de internação-sanção ou até mesmo de regressão de medida o que, definitivamente, macula o devido processo legal e a ampla defesa (Confrontar neste sentido AMÉRICO FRASSETO, Flávio, «Ato infracional, medida socioeducativa e processo», Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 9, janeiro-março de 2001, pág. 184, que transcreve vários acórdãos de HC em que o TJSP negou a possibilidade de aplicação de internação-sanção a partir medida socioeducativa aplicada em sede de remissão).

[10] Dispõe o art. 111, inciso V, do ECA, cuja interpretação levou à edição da Súmula 265 STJ, que veremos adiante: «Art. 111. São assegurados ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: V. direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente».

[11] Neste sentido muito à propósito a observação de BELOFF, María, «Los sistemas de responsabilidad penal juvenil en América Latina», en GARCÍA MÉNDEZ, Emilio y BELOFF, María (Comp.), Infancia, Ley y democracia en América Latina, Editorial Temis-Ediciones Depalma, Santa de Bogotá-Buenos Aires, 1998, p. 106: «En cuanto a los actores procesales, la circunstancia de contar con un ministerio público fiscal especializado en la materia en algunos casos ha delibitado la figura del defensor, en particular del defensor público en estos sistemas. Es importante sobre este punto insistir con que la garantía de defensa se integra tanto por el nivel de la defensa material cuanto por el de la defensa técnica, que no puede ser suplido por un fiscal respetuoso de la legalidad y de los derechos del joven infractor».

[12] Inexplicavelmente, porém, vêm-se decisões como a seguinte: «Menor – Procedimento para apuração de ato infracional – Fase de execução de medida sócio-educativa – Substituição da medida aplicada na sentença por outra mais grave – Admissibilidade – Providência que não reclama o descumprimento reiterado da medida inicialmente imposta – Recurso provido (TJSP – Agravo de Instrumento nº 25.633-0/1 – Relator Dirceu de Mello». Extraída da obra: Associação Paulista do Ministério Público, Jurisprudência sobre adolescentes infratores, São Paulo, 1997, p. 18.

[13] Como afirma BELOFF, María, «Los sistemas de responsabilidad…, cit., p. 105: «La lógica es siempre la misma. Si el Estado renuncia a intervenir coactivamente, entonces el episodio no implicará ninguna modificación o intervención estatal en la vida del joven y de su familia. Si existe alguna moficación o intervención estatal (en sentido amplio) entonces debe recurrirse a todas las garantías para que esa intervención sea realizada en un marco de legalidad».

[14] Pronunciou-se de acordo com esse entendiimento o STJ, como se pode observar no voto do Min. Félix Fischer no HC 10.973-SP, 5.ª Turma, Unânime, 23.11.1999: «Ao decidir pela manutenção da medida constritiva da liberdade imposta pelo Juízo monocrático ao paciente, a r. Câmara Especial do Tribunal a quo ateve-se, somente, à leitura fria do disposto nos arts. 99 e 113 da Lei nº 8.069/90, os quais estabelecem que as medidas sócio-educativas poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, relegando ao oblívio, concessa venia, o rol taxativo das hipóteses em que cabe a medida, como evidenciam, com clareza solar, os arts. 101, parágrafo único e 122, caput e § 2º, bem como deixou de avaliar o cabimento de outra medida capaz de cumprir a finalidade de recuperação do menor, em desatendimento ao espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente. ».

[15] AMÉRICO FRASSETO, Flávio, «Ato infracional, medida socioeducativa e processo», Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 9, janeiro-março de 2001,  pág. 192

[16] É o caso, por exemplo, dos HC 8.887-SP e RHC 8.873-SP. O último foi assim ementado: «RECURSO EM HABEAS CORPUS. ADOLESCENTE INFRATOR. REGRESSÃO DE MEDIDA DE SEMILIBERADE PARA INTERNAÇÃO, SEM OUVIR O MENOR. OFENSA AOS ARTS. 110 E 111, V, DO ECA. CONCESSÃO DA ORDEM». Neste caso, o próprio acórdão recorrido, do TJSP, refere-se à internação-sanção. Veja-se a ementa, transcrita no Relatório: «HABEAS CORPUS – Incidente na execução de medida sócio-educativa – Decretação da chamada internação-sanção – Situação expressamente prevista em lei – Inocorrência de constrangimento ilegal a ser sanado por meio do presente “remédio heróico” – Inconformismo que deveria ter sido externado por meio do recurso cabível, que é o agravo de instrumento – Ordem denegada».

[17] Vide HC 9.3115-SP

[18] Como afirma o Des. Amaral e Silva, do TJSC, citado no voto do Min. Hamilton Carvalhido, Resp 171.080-MS, 6.ª Turma, Unânime, 21.02.2002: «As medidas sócio-educativas visam previnir e reprimir a delinqüência juvenil, vale dizer, fazê-la parar relativamente ao agente e impedir ou moderar o fenômeno em relação aos demais adolescentes. Admitir o caráter repressivo, penal especial, (diferente do penal comum dos adultos), insisto, é útil aos direitos humanos das vítimas e vitimizadores. É necessário superar o viés da “proteção”: ciente o aplicador da medida que, além de imposta, é repressiva, redobrar-se-á em cautelas para não impô-la sem critérios da fundamentação da despenalização, da excepcionalidade, da legalidade, da brevidade, da proporcionalidade e da resposta justa e adequada».