DIREITO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR

 

 

Paulo Affonso Leme Machado[*]

Maria Regina Marrocos Machado[**]

 

 

Sumário: 1. A Constituição Federal de 1988 e o planejamento familiar. 2. As Nações Unidas e planejamento familiar. 3. A Lei 9.263 de 12.01.1996. 4. Conceito de planejamento familiar. 5. Controle demográfico e planejamento familiar. 6. Métodos de planejamento familiar. 7. Esterilização voluntária. 8. Os limites da notificação compulsória da esterilização. 9. As instituições públicas e privadas e as sanções administrativas. 10. O Sistema Único de Saúde - SUS e o planejamento familiar. 11. Competência da União, dos Estados e dos Municípios e normas de planejamento familiar. 12. Responsabilidade civil e planejamento familiar. 13. Ação Civil Pública contra o Sistema Único de Saúde para o cumprimento das obrigações da Lei 9.263/96. 14. Conclusão. 15. Referências.

 

1. A Constituição Federal de 1988 e o planejamento familiar

 

As Constituições anteriores não previram explicitamente o "planejamento familiar". A Constituição Federal de 1946, em seu art. 164 (segunda frase) estipulou que "a Lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa". A Constituição Federal de 1937 disse no art. 124 (segunda frase) "Às famílias numerosas serão atribuídas compensações na proporção de  seus encargos". No art. 127, terceiro período, foi previsto: "Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do Estado para a subsistência e educação de sua prole". Os fatos passados mostram que essas Constituições não tiveram meios de serem implementadas.

 

A Constituição Federal de 1988 inseriu o tema no capítulo VII - Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso. Este capítulo está no título VIII - Da Ordem Social.

 

Diz o art. 226, § 7º:

 

"Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo do Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas."

 

 

Podemos extrair dois posicionamentos do planejamento familiar constitucional:

 

1.1. O planejamento familiar está fundado em dois princípios: o da dignidade da pessoa humana e o da paternidade responsável.

 

A dignidade humana é um dos fundamentos da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, III). Tudo o que tornar o homem e a mulher indignos ou aviltados contraria a própria vida da República. Este fundamento tem que ser constantemente contrastado com as iniciativas legais e com nossas ações e omissões cotidianas.

 

A paternidade responsável consagra constitucionalmente as normas jurídicas do Direito Civil sobre a paternidade. A responsabilidade pela paternidade ou maternidade é do casal, e não do Estado. Este tem responsabilidade de "propiciar recursos educacionais e científicos" para que o planejamento familiar responsável seja realizado.

 

1.2. O casal é livre na sua decisão de planejar sua família.

 

Liberdade para criar ou não a vida, mas não para destruí-la. Harmonizam-se dois direitos - direito à vida e o direito à liberdade - pilares de nossas Constituições, a partir da Constituição de 1824.

 

Ao dizer que "o planejamento familiar é livre decisão do casal", a Constituição Federal impede que qualquer lei infraconstitucional possa exigir autorização do Poder Público para qualquer ato do planejamento familiar. Não pode haver coerção de instituições oficiais e privadas. Dessa forma, nem o Poder Público, nem as empresas poderão condicionar o gozo de métodos de concepção e de contracepção; a liberdade de decidir dos pais é o esteio do planejamento dos filhos, segundo a legislação brasileira.

 

2. As Nações Unidas e o planejamento familiar

 

2.1. A Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento (Rio de Janeiro - 1992).

 

O princípio 8 da Declaração do Rio de Janeiro/1992 incentiva os Estados a “promoverem políticas demográficas apropriadas”, “com o fim de conseguir-se um desenvolvimento sustentado e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos.”

 

Salientamos,

 

“que se espera, inclusive no aspecto jurídico, um comportamento dos poderes públicos e das organizações não governamentais para formar uma consciência pessoal e social da paternidade-maternidade responsáveis, também, em razão da sanidade e viabilidade do ambiente. O planejamento dos usos dos recursos ambientais depende do planejamento populacional. Uma bacia hidrográfica tem seus usos limitados e, portanto, os assentamentos humanos devem ser planejados na medida em que a água possa ser captada e que os dejetos humanos e outros possam ser tratados.”[1]

 

 

 

2.2. A Conferência das Nações Unidas sobre população e desenvolvimento (Cairo - 1994).

 

Destacamos no Princípio 8, que:

 

“os Estados devem tomar todas as medidas apropriadas para assegurar, sobre a base da igualdade do homem e da mulher, o acesso universal aos serviços de saúde, compreendidos os relacionamentos à saúde em matéria de reprodução, integrados pelo planejamento familiar e a saúde me matéria de sexualidade. Os programas de saúde da reprodução devem oferecer a mais vasta gama possível de serviços, sem nenhum recurso à coerção. Todo casal e todo indivíduo têm o direito fundamental de decidir livre e responsavelmente acerca do número de seus filhos, do espaço de seu nascimento e de dispor da informação, da educação e dos meios desejados na matéria.”[2]

 

 

2.3. Conferência das Nações Unidas sobre a mulher (Pequim – 1995).

 

A quarta Conferência Mundial sobre a Mulher adotou em sua Declaração, no princípio 15: “a igualdade dos direitos, de oportunidades e de acesso aos recursos, a partilha igual das responsabilidades familiares e a parceria harmoniosa entre as mulheres e homens são essenciais a seu bem-estar e de sua famílias, como ao fortalecimento da democracia.”

 

No princípio 96, consta que:

 

“os direitos fundamentais das mulheres compreendem o direito de ter domínio de sua sexualidade, nela inserida sua saúde em matéria de sexualidade e procriação, sem nenhuma coação, discriminação ou violência e de tomar livremente, e de modo responsável as decisões neste domínio. A igualdade entre mulheres e homens no que concerne à sexualidade e à procriação, compreendido o respeito total da integridade da pessoa, exige o respeito mútuo, o consentimento e a partilha da responsabilidade dos comportamentos sexuais e de suas conseqüências.”[3]

 

 

3. A Lei 9.263 de 12.01.1996.

 

Esta lei foi promulgada integralmente somente aos 20.08.1997, quando os vetos apostos pelo Presidente da República aos arts. 10, 11, 14 e 15, por não terem sido mantidos pelo Congresso Nacional, foram promulgados.

 

Diz a ementa dessa lei: “regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.”

 

A Lei 9.263/96, com a sanção de 1997, passou a vigorar sem qualquer veto. A lei tem vinte e cinco artigos.

 

4. Conceito de planejamento familiar.

 

“Para os fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade, que garanta direitos de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.” (Lei 9.263/96, art. 2º caput)

 

 

Resumindo o texto legal, podemos conceituar planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade, que possibilite o exercício do direito da constituição, da limitação ou do aumento da prole. Constituir prole ou tomar a resolução de ter filhos, restringir o número de filhos ou aumentar o seu número são assuntos elementares do planejamento familiar.

 

O termo “fecundidade”, empregado pela Lei, é originário do latim – “fecunditate” – significando fertilidade, faculdade reprodutora[4]. “Fécondité – aptitude à la reproduction”[5] “Fecundity – the quality or power of producing abundantly, fertility.”[6]

 

A regulação da fecundidade, como o seu próprio conceito revela, pode evitar a gravidez, mas não tem por finalidade interrompê-la. O planejamento familiar, na legislação brasileira, não tem nenhum objetivo de praticar ou apoiar a prática do aborto, mas procura que as vidas concebidas encontrem lares e famílias aptas a desenvolvê-las econômica e espiritualmente.

 

No direito comparado, apontamos a modificação de Lei do Peru. Pelo Decreto-lei 346/1985, a política demográfica nacional excluía como métodos aceitáveis o aborto e a esterilização. Com a modificação efetuada pela Lei 26.530 de 09.09.1995, a política nacional demográfica passou a excluir somente o aborto como método aceitável. “Em qualquer circunstância, a adoção de métodos é fundada sobre o livre exercício da vontade individual, sem recurso a qualquer incentivo ou contrapartida material.”

 

5. Controle demográfico e planejamento familiar.

 

A ações destinadas à regulação da fecundidade não podem ser utilizadas para qualquer tipo de controle demográfica, consoante o art. 2º, parágrafo único da Lei 9.263/96.

 

Controle demográfico significa intervir no crescimento da população ou dos diferentes segmentos de uma população.

 

A Lei 9.263/96 procura impedir que o planejamento familiar torne-se um planejamento populacional. A lei focaliza o planejamento familiar como um ato de um casal ou de uma família e não um ato público visando os grupos sociais.

 

Assim, o planejamento familiar não deve conduzir ao induzimento do comportamento social de quantos filhos um casal deve ou pode ter.

Não se ignora que o controle demográfico pode ser manejado por interesses internacionais, inclusive, objetivando debilitar um país ou uma região. A Carta da “Federação Internacional para o Planejamento Familiar” sobre os direitos em matéria de sexualidade e de reprodução, afirma no princípio 1 que:

 

crê e reconhece que toda a pessoa tem direito à vida e que ninguém pode ser arbitrariamente privado da vida. Reconhece que o genocídio é um crime em razão do direito internacional e que há crime quando medidas – entre outras o planejamento familiar – são impostas com o  fim de impedir nascimentos no interior de um grupo nacional, étnico, racial, religioso ou cultural com intenção de destruir, total ou parcialmente, este grupo.”[7]

 

 

Todos os comportamentos que constituírem controle demográfico podem ser impedidos através da Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 24.07.1985). Se esses atos instigarem ou induzirem dolosamente a esterilização cirúrgica de uma coletividade, eles configurarão o crime de genocídio (Lei 2.889 de 01.10.1956).

 

6. Métodos de planejamento familiar.

 

“Os métodos de barreira mecânica mais antigos – diafragma, condom, comprimidos e espuma – substituíram métodos ainda mais antigos – abstinência, casamento tardio, coito interrompido, aborto e ritmo. Por sua vez os métodos mecânicos foram suplementados por várias formas de anticoncepção oral, por esteróides, esteróides injetáveis de ação prolongada, esteróides vaginais locais e dispositivos intra-uterinos (DIU). Finalmente, a esterilização de qualquer um dos parceiros tornou-se um meio aceito de anticoncepção absoluta, quando o tamanho da família está completo, não só por indicações socioeconômicas, como de saúde materna” ensina Anne Colston Wentz, Professora da Faculdade de Medicina da Universidade Vanderbilt, Estados Unidos.[8]

A Lei 9.263/96 afirma que, “para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção” (art. 9º, caput). A Lei não entra em detalhes sobre os numerosos métodos e técnicas, a não ser sobre a esterilização voluntária.

 

A apresentação dos métodos e técnicas de planejamento familiar:

 

só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre os seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia” (art. 9º, parágrafo único da Lei em exame). “Embora cada indivíduo deva empregar o método de sua preferência, existem indicações clínicas e socioeconômicas, que orientam a preferência de um método sobre outro. O médico habilidoso e inteligente pode apresentar as indicações de modo a garantir que o paciente faça a seleção adequada.”[9]

 

 

7. Esterilização voluntária.

 

A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia.” (Lei 9.263/96, art. 10, § 4º)

 

 

A histerectomia é a retirada do útero e a ooforectomia é a retirada dos ovários. Estas duas práticas, quando empregadas na esterilização, constituem crime, cuja pena, aumentada conforme o parágrafo único do art. 15 da Lei 9.263/97, é de dois anos e oito meses a dez anos e oito meses.

 

 

7.1. Esterilização da mulher.

 

Os métodos cirúrgicos para a esterilização da mulher variam desde a eletrocoagulação e separação ou oclusão mecânica das trompas na laparoscopia até a ligadura tubária em uma minimaparatomia ou laparatomia e, finalmente, a histerectomia para fins de esterilização só deve ser realizada quando existem outras indicações para a remoção do útero.”[10]

 

Nesse sentido, o § 2º do art. 10 da Lei 9.263/96: “É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos do parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.

 

 

7.2. Esterilização do homem.

 

O método de esterilização no homem – a vasectomia – é a mais simples do que na mulher e “não está associado com a morbidez e a mortalidade que acompanham a esterilização feminina. A ligadura do canal deferente tem a vantagem de ser uma operação permanente, com alguma possibilidade de reversão.”[11]

 

7.3. Normas jurídicas para a esterilização voluntária.

 

O art. 10 da Lei 9.263/96 estabelece as situações em que a esterilização voluntária é permitida. Temos duas situações diversas, quando há risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto e quando este risco não existe.

 

7.3.1. Esterilização em caso de risco à vida.

 

Em caso de risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, antes da esterilização, há a obrigação de a mulher ser examinada por dois médicos, com a elaboração de relatório assinado pelos dois médicos que procederam ao exame. A lei diz que o risco será “testemunhado em relatório escrito”, o que nos leva a interpretar o texto no sentido de que os médicos examinarão a paciente, pois não há produção de testemunho judicial ou extrajudicial como comumente se entende. Não se trata de um médico examinar e outro concordar com a opinião daquele que já assinou o relatório. O exame, que produzirá o relatório, poderá ser feito conjuntamente pelos dois médicos separadamente.

 

Como o art. 10, II, somente refere “risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto”, constata-se que o homem não pode ser submetido à esterilização, com base em risco à vida ou à sua saúde.

 

O art. 10, II, não discriminou idade para a mulher se submeter à esterilização. Entretanto, o inciso II do art. 10 deve ser visto em conjunto com o § 6º do mesmo artigo que diz “a esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.” Pelo art. 5º do Código Civil são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: os menores de 16 anos; os loucos de todo gênero; os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade. O grau de risco à vida indicará a urgência de realizar-se a esterilização da mulher, total ou relativamente incapaz em consentir. Comprovada a urgência, não constituirá ato ilícito a realização da esterilização, pois o ato estará sendo praticado no exercício regular de um direito reconhecido (CC, art. 160, I).

 

Após o relatório, será tomado o consentimento, por escrito e assinado, da mulher somente, se for solteira e maior, ou o consentimento do casal, se a mulher for casada (Lei 9.263/96, art. 10, § 1º e § 5º). Não há exigência de observância do prazo de sessenta dias entre o consentimento e o ato cirúrgico, porque diante do risco constatado, a Lei não determinou nenhum prazo prévio à realização da esterilização (art. 10, II).

 

 

 

 

7.3.2. Esterilização segundo a faixa etária.

 

Inexistindo risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, temos duas situações a considerar: os homens e as mulheres candidatos à esterilização têm capacidade civil plena, podendo ser maiores de vinte e cinco anos, “ou, pelo menos, com dois filhos vivos” (art. 10, I).

 

A Lei 9.463/96 exige dos candidatos à esterilização, nas circunstâncias expostas, a “capacidade civil plena”. Pelo art. 9º do Código Civil caput – “aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.” Diz o § 1º do art. 9º mencionado:

 

“Cessará para os menores, a incapacidade:

I – por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezoito anos cumpridos;

II – pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego público efetivo;

IV – pela colação de grau científico em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil e comercial, com economia própria.”

 

 

No caso do homem ou da mulher, que tenham dois filhos vivos e menos de 25 anos, procurar-se-á, como regra geral, a comprovação de que tenham 21 anos. Como regra excepcional, procurar-se-ão as hipóteses do § 1º, art. 9 do Código Civil, para os candidatos à esterilização menores de 21 anos.

 

O Direito comparado mostra as diferenças e semelhanças existentes nas legislações estrangeiras, conforme a realidade climática, cultural, econômica e histórica. Portugal – país que nos formou –estabelece a idade mínima de 25 anos para esterilização voluntária, com os mesmos requisitos da lei brasileira[12]. A Finlândia[13] e a Rússia[14] estabelecem como idade mínima de 30 anos, para a esterilização voluntária e que o interessado tenha tido três filhos. Na África, no Níger, a mulher deve ter, pelo menos, 35 anos e quatro filhos vivos.[15]

 

 

7.3.3. O Consentimento do candidato ou candidata à esterilização.

 

Superada a fase da análise da idade dos candidatos à esterilização, passa-se à fase da tomada, por escrito, da manifestação da livre vontade do candidato ou candidata. Entretanto, na hipótese de que seja analfabeto e na ausência de norma legal, a prudência indica que o consentimento seja testemunhado por duas pessoas, com anotação por escrito ou seja expresso o consentimento perante um tabelião de notas.

 

A manifestação do consentimento expresso, e não tácito, é a forma que a Lei 9.263/96 encontrou para corporificar a idéia constitucional da “livre decisão do casal” (CF, art. 226, § 7º). “ O princípio da escolha livre e esclarecida é uma condição essencial para o sucesso alongo prazo dos programas de planejamento familiar.”[16]

 

7.3.4 Decurso de prazo entre o consentimento e a cirurgia.

 

A terceira fase, antes da esterilização, é o decurso do prazo de sessenta dias entre o consentimento e a esterilização. O consentimento não gera nenhuma obrigação para o homem ou a mulher que consentiu. É de toda evidência, que nenhum horário médico pode ser antecipado com vistas à futura esterilização, antes de decorrido o prazo de sessenta dias. O homem ou a mulher podem usar este lapso temporal para conhecer melhor as conseqüências da esterilização, como a lei deseja, inclusive, podendo livremente decidir a não se submeterem à esterilização.

 

 

 

 

 

7.3.5. Aconselhamento antes da cirurgia.

 

Diz o art. 10, da Lei 9.263/96, que “será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce.

 

A inexistência de um “serviço de regulação de fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar,” (Lei 9.263/96, art. 10, I) impossibilita a realização da esterilização. Haverá os que enxergarão nessa exigência uma dificuldade intransponível para as cidades brasileiras pequenas e médias. A lei não exigiu que esse serviço seja composto por pessoas com grau universitário. Assim, pessoas de escolarização fundamental poderão compor esse serviço de regulação da fecundidade e auxiliarem os candidatos à esterilização. Entender o contrário é concentrar somente nos centros médicos universitários existentes no nos grandes núcleos urbanos, ou nas clínicas privadas de alto padrão, esta parte das atividades de planejamento familiar.

 

O setor de aconselhamento merece intervir não só quando já foi dado o consentimento para a esterilização cirúrgica, mas antes da manifestação desse consentimento. O aconselhamento requer um conhecimento da vida familiar, profissional e social do candidato ou candidata, como também um histórico de sua saúde.

 

O serviço de aconselhamento não tem poder de decisão sobre a esterilização pretendida e, por isso, legalmente não se exige desse serviço a emissão de parecer ou laudo. Entretanto, o serviço de aconselhamento deve emitir um atestado, endereçado ao médico encarregado da cirurgia, de que o interessado compareceu à entrevista para aconselhamento.

 

A existência do serviço de aconselhamento não obriga a que o interessado se sirva do mesmo. A lei emprega o termo “propiciar” (art. 10, II) o acesso, que significa ensejar uma oportunidade de instrução ao candidato à cirurgia.

 

 

7.3.6. O médico responsável pela cirurgia de esterilização.

 

Ao médico responsável pela cirurgia de esterilização cumpre verificar se o interessado ou interessada emitiu o consentimento escrito e se houve o transcurso do prazo de sessenta dias. O médico deve fazer pessoalmente essa verificação, não podendo delegá-la ao hospital, clínica ou instituição. O médico tem responsabilidade penal sobre a realização irregular do ato cirúrgico, tanto que o art. 15 da Lei 9.263/96 prevê como crime “realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei. Pena – reclusão de dois a oito anos e multa, se a prática não constitui crime mais grave.”

 

A responsabilidade penal da pessoa jurídica não foi incluída na Lei 9.263/96. Assim, o próprio hospital ou a instituição não poderão figurar com réus no processo penal. Entretanto os diretores e empregados do hospital ou da instituição, que tenham colaborado na realização da esterilização contrária à lei, responderão por co-autoria na forma do que se dispõe o art. 22 da Lei 9.263/96 e o próprio Código Penal, referido no art. 22 citado.

 

O crime do art. 15 da Lei 9.263/96 não previu a forma culposa, que ocorre “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” (CP, art. 18, II). “Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente” (CP, art. 18, parágrafo único). A punição por dolo não precisa ser prevista, mas a punição por culpa necessita de punição expressa. Portanto, se o médico permitir a realização da esterilização por imprudência, negligência ou imperícia não será abrangido pelo crime do art. 15 mencionado (a ocorrência de culpa no ato cirúrgico, na avaliação clínica e na terapêutica poderá ser incriminada penalmente com base no CP, art. 129, § 3º).

 

A ação dolosa do médico deve estar ancorada no art. 18, I do Código Penal – “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Assim, reitere-se que quando o médico deixa de cumprir com as exigências do art. 10, I e II, e seus seis parágrafos, da Lei 9.263/96, especialmente quanto à plenitude do consentimento prévio do paciente, estará incurso no crime do art. 15 da Lei 9.263/96.

 

8. Os limites da notificação compulsória da esterilização.

 

Diz o art. 11 da Lei 9.263/96 – “Toda esterilização cirúrgica será objeto de notificação compulsória à direção do Sistema Único de Saúde.” O art. 16 da mesma Lei estatui: “Deixar o médico de notificar à autoridade sanitária as esterilizações que realizar. Pena – detenção de seis meses a dois anos, e multa.”

 

A notificação compulsória existente no Código Penal está prevista no art. 269 – “Deixar o médico de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.”

 

A notificação ou comunicação compulsória só merece ser realizada por comprovado interesse  público. A Lei 9.263/96, diferentemente do Código Penal, não determina notificação de doença, mas de um ato cirúrgico. A notificação vai abranger “toda esterilização cirúrgica”, isto é, o médico vai comunicar a realização da cirurgia, mas não o nome e a identidade do paciente ou da paciente submetida à cirurgia. Para fins estatísticos, poderá ser comunicada a idade do paciente.

 

O modelo de notificação constante da Portaria 144 de 20.11.1997, do Secretário de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde (Diário Oficial da União de 27.11.1997, p. 27.825), determina a inclusão dos “dados do paciente”. Reiteramos a desnecessidade de tais informações e sua manifesta inconstitucionalidade. Esperamos a alteração administrativa da notificação, ou a declaração de sua inconstitucionalidade, através da via judicial. Enquanto tais medidas não ocorreram, a portaria deverá ser cumprida.

 

As restrições à liberdade devem ser assentadas na proporcionalidade, para que o Sistema Único de Saúde – SUS possa obedecer ao princípio da “legalidade”(CF, art. 37, caput). A “publicidade” prevista neste mesmo artigo não visa violar os direitos individuais da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (CF, art. 5º, X).

 

O Sistema Único de Saúde – SUS, se quiser acompanhar a rotina da esterilização cirúrgica numa instituição, tem o direito de fazê-lo, pois tem atribuição para “fiscalizar e controlar as instituições e serviços que realizem ações e pesquisas na área do planejamento familiar” (Lei 9.263/96, art. 14).

 

É possível legalmente ao SUS organizar um cadastro das esterilizações cirúrgica, mas é inconstitucional que pretenda organizar um cadastro das pessoas esterilizadas, pois, além de violar o art. 5º, X, CF, acima mencionado, atenta, também, contra a “liberdade do casal” para realizar o planejamento familiar, direito assentado na Constituição Federal (art. 226, § 7º ).

 

9. As instituições públicas e privadas e as sanções administrativas.

 

Poderão exercer as ações de planejamento familiar as instituições públicas privadas (Lei 9.263/96, art. 6º caput). O art. 7º da mencionada lei diz que “é permitida a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros nas ações e pesquisas de planejamento familiar, desde que autorizada, fiscalizada e controlada pelo órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde.”

 

As ações de planejamento familiar não são monopólio do Poder Público. Estas ações têm “relevância pública” como refere o art. 197 da Constituição Federal, mas não são exclusivamente “serviços públicos”. Esta distinção, merece ser feita, pois as instituições públicas de planejamento familiar que cometerem ações ou omissões ilícitas têm responsabilidade objetiva ou sem culpa, de acordo com o art.37, § 6º da Constituição Federal (“assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”). As instituições privadas têm responsabilidade subjetiva ou com culpa, havendo necessidade de ser provada, em processo administrativo, a imprudência, negligência ou imperícia.

 

Contra as instituições particulares ou privadas poderão ser aplicadas sanções administrativas de três tipos, consoante o art. 20, caput e  inciso I da Lei 9.263/96: 1º) de duzentos a trezentos e sessenta dias-multa; 2º)se reincidente, suspensão das atividades e descredenciamento, sem direito a qualquer indenização ou cobertura de gastos ou investimentos efetuados; 3º) proibição de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas e de beneficiar-se de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista. Parece-nos, que a penalidade de proibição de estabelecimento de contratos ou convênios com entidades públicas, ao não ter prazo, ganhou o caráter de indefinida ou perpétua, dificultando sua aplicação.

 

Contra as instituições públicas poderão ser aplicadas as sanções administrativas, conforme previsto o art. 20, caput e inciso II da Lei 9.263/96: afastamento temporário ou definitivo dos agentes do ilícito, dos gestores e responsáveis dos cargos ou funções ocupadas, sem prejuízo de outras penalidades. A penalidade de demissão, através do processo administrativo em que se faculte ampla defesa, pode, portanto, ser aplicada. Não se previu multa administrativa contra instituição pública responsável. Contudo, a multa judicial poderá ser aplicada, através da Ação Civil Pública.

 

10. O Sistema Único de Saúde – SUS – e o planejamento familiar.

 

10.1. O Sistema Único de Saúde e a Constituição Federal.

 

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (CF, art. 198). Uma de suas diretrizes é o atendimento integral.

 

O Sistema Único de Saúde terá “direção única em cada esfera de governo” (CF, art. 198, I). Portanto, há uma direção única em cada esfera de governo federal, nos governos estaduais e municipais.

 

Em oito incisos o art. 200, CF indica as competências do “Sistema Único de Saúde”. Interessa-nos assinalar o inciso que confere ao SUS a atribuição de “controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde.”

 

10.2. O Sistema Único de Saúde e a Lei 9.263/96.

 

As instâncias gestoras do Sistema Único – SUS, em todos os seus níveis, obrigam-se a garantir, em toda a sua rede de serviços, no que respeita à atenção à mulher, ao homem ou ao casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que incluam, como atividades básicas, entre outras: “I – assistência à concepção e contracepção” (Lei 9.263/96, art. 3º, parágrafo único). O fato de o Sistema Único de Saúde, SUS, incluir em seus programas o planejamento familiar não caracteriza uma atividade a ser realizada exclusivamente por este sistema.

 

A Portaria 144 de 20.11.1997 da Secretaria da Assistência à Saúde do Ministério da Saúde (Diário Oficial da União de 27.11.1997, p. 27.825), em seu item 1, incluiu “no Grupo de Procedimentos Cirurgia de Trompas II – código 34.104.02.0 da Tabela do SIH/SUS o procedimento vasectomia parcial ou completa – código 31.005.09-8.”

 

Não citaremos países ricos, que realizam gratuitamente o planejamento familiar. Apontaremos, neste aspecto a Lei portuguesa de “educação sexual e planejamento familiar”, determinando que “as consultas do planejamento familiar, como os meios contraceptivos fornecidos pelos organismos públicos são gratuitos.”[17]

 

11. Competência da União, dos Estados e dos Municípios e normas de planejamento familiar.

 

O Sistema Único de Saúde – SUS, poderá estabelecer normas gerais de planejamento familiar ( Lei 9.263/97, art. 6º parágrafo único c.c. a CF, art. 24, XII e seu § 1º), respeitando expressamente os princípios da própria Lei 9.263/96 e especialmente o art. 226, § 7º da Constituição Federal.

 

Em matéria relacionada à “saúde”, a Constituição Federal previu que a União, os Estados e o Distrito Federal têm competência concorrente (art. 24 caput e seu inciso XII). A União em matéria de saúde deve restringir-se ao estabelecimento de normas gerais (art. 24, § 1º), não entrando em minúcias referentes aos Estados e Municípios. Esta competência não significa que, havendo lei federal de normas gerais sobre saúde, os Estados e o Distrito Federal, assim como os Municípios, só podem suplementá-la. Esta suplementação será no sentido de aperfeiçoar a  lei federal e não descumpri-la ou revogá-la (CF, art. 24, § 2º).

 

O Estado e o Distrito Federal só terão liberdade de inovarem, de acordo com “suas peculiaridades” em matéria de saúde, quando inexistir lei federal sobre o assunto (CF, art. 24, § 3º). Se for elaborada, posteriormente, uma lei federal sobre normas gerais concernente ao tema tratado nas leis dos Estados ou do Distrito Federal, estas leis terão suspensa sua eficácia, no que contrariarem a lei federal (CF, art. 24, § 4).

 

A Lei 9.263/96 é composta de partes que dizem respeito à competência concorrente e outras partes que integram a competência privativa da União. A exigência de “capacidade civil plena” dos candidatos à esterilização (art. 10, I) faz parte do “direito civil”. Neste caso, a competência é privativa  (CF, art. 22, I), só podendo a matéria ser legislada pela União.

 

Quanto ao regime da responsabilidade, a saúde não está abrangida na competência concorrente do inciso. VIII do art. 24, ainda que o tema esteja contemplado no inciso. XII do mesmo artigo. Entendemos que os Estados e o Distrito Federal n]ao podem legislar sobre o regime da responsabilidade civil do planejamento familiar, que já está previsto no art. 21 da Lei 9.263/96.

 

Os Municípios só poderão legislar excepcionalmente sobre a matéria. Para legislar sobre o planejamento familiar, os Municípios terão que demonstrar a existência de “interesse local” (CF, art. 30, I). o planejamento familiar é um tema abrangente, que não se limita ao interesse de um Município brasileiro. Raramente, serão encontradas circunstâncias de saúde reprodutiva, que afetem somente os casais de um Município. Reitere-se que não se pode fazer política demográfica, com medidas de restrição ou de expansão da população local, o que não é permitido pela Constituição Federal e pelo art. 2º, parágrafo único da Lei 9.263/96.

 

12. Responsabilidade civil e planejamento familiar.

 

Diz o art. 21 da Lei 9.423/96 0, “Os agentes do ilícito e, se for o caso , as instituições a que pertençam ficam obrigados a reparar os danos morais e materiais decorrentes de esterilização autorizada na forma desta Lei, observados, nesse caso, o disposto nos arts. 159,1.518 e 1.521 e seu parágrafo único do Código Civil, combinados com o art. 63 do Código de Processo Penal.”

 

A Lei previu a responsabilidade por dano moral e por dano material, em razão de esterilização contrária às normas da Lei 9.263/96. A Constituição Federal já houvera incluído no art. 5º, V e X o dano moral ao lado do dano material. O Superior Tribunal de Justiça, editou a Súmula de n. 37 sobre a matéria: “São cumuláveis as indenizações por dano patrimonial e moral oriundas do mesmo fato.”

 

O dano moral de uma esterilização efetuada sem o consentimento do paciente, com um consentimento viciado, na idade imprópria ou sem que o candidato tenha o número exigido de filhos, pode produzir a impossibilidade de a pessoa esterilizada cirurgicamente vir a procriar. Há uma ruptura profunda na vida do indivíduo ou do casal, pois se frustra uma legítima expectativa de ser pai ou ser mãe, comumente existente nas pessoas. Inegavelmente, a lei concedeu reparação a este dano naquilo que ele vulnerou subjetiva e objetivamente a vítima.

 

“A dificuldade em avaliar-se os danos morais, quer individuais, quer coletivos, não pode ser razão para não se indenizar” salienta Leite, Dantas e Fernandes, citando Aguiar Dias que ensina: “não é razão suficiente para não indenizar, e, assim, beneficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer o equivalente exato , porque em matéria de dano mora o arbítrio é até da essência das coisas.”[18] O Prof. Antônio Chaves, também é do mesmo entender, dizendo que “no direito brasileiro, o arbitramento da indenização do dano moral ficou entregue ao prudente arbítrio do juiz.”[19]

 

A responsabilidade civil prevista pela Lei 9.263/97é de natureza subjetiva. O art. 159 do Código Civil determina: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regem-se pelo disposto neste Código, art. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1533.”

 

13. Ação civil pública contra o Sistema Único de Saúde para o cumprimento das obrigações da Lei 9.623/96.

 

A Lei 7.347 de 24.07.1985, em combinação com o art. 110 da Lei 8.078 de 11.09.1990, diz no seu art. 1º - “Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (...) IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.”

 

Interessa-nos conceituar-nos conceituar interesse difuso e interesse coletivo para poder fazer o enquadramento do interesse existente no planejamento familiar. Iremos socorrer-nos dos conceitos constantes do art. 81 do Código do Consumidor (Lei 8.078 de 11.09.1990), aplicável à Ação Civil pública, face o art. 21 da Lei 7.347/85.

 

Interesses ou direitos difusos são os “trasindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. Interesse coletivo: “são os trasindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”

 

Os interesses e direitos difusos e coletivos têm em comum sua natureza indivisível, significando que a “lesão a uma pessoa indeterminada configura lesão a todos, desde que estejam englobados pelas mesmas circunstâncias de fato.”[20] Os interesses e direitos difusos e coletivos diferem no aspecto subjetivo, porquanto se, no caso dos interesses e direitos difusos, a titularidade é atribuível a “pessoas indeterminadas”, nos interesses e direitos coletivos “essa titularidade  material é atribuída ao grupo, à categoria ou à classe; atribuída, portanto a pessoas determináveis.” [21]

 

O planejamento familiar, conforme as circunstâncias de fato, vai abranger pessoas indeterminadas. Em certas circunstâncias, essas pessoas serão determináveis. Na maioria das vezes, o planejamento familiar encarna um interesse ou direito difuso.

 

Diante da limpidez que se reveste o direito difuso do planejamento familiar, os legitimados a interporem a Ação Civil Pública não devem omitir-se nesse múnus, em especial o Ministério Público Federal ou Estadual ou do Distrito Federal. A ação civil poderá ter por objeto o cumprimento da obrigação de fazer (Lei 7.347/85, art. 3º) para que o Sistema Único de Saúde – SUS ofereça “todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos” (Lei 9.263/96, art. Parágrafo único, I e art. 9º). Felizmente o Brasil está dotado deste tipo de ação judicial, permitindo a todas pessoas, especialmente aos carentes ou hipossuficientes, buscar a prestação jurisdicional, valendo-se da atuação do Ministério Público, que tem a obrigação constitucional da promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III).

 

Isabella Franco Guerra acentua que o “processo é um instrumento ético garantidor da liberdade. Os mecanismos que visam permitir a efetividade dos direitos, em outras palavras, os instrumentos de garantias dos direitos tornaram-se preciosos para que seja alcançado o equilíbrio social.”[22]

 

14. Conclusão.

 

A Lei9.263/96 é a  norma jurídica que veio dar igual oportunidade para os pobres e ricos realizarem o planejamento familiar. A lei comentada não é uma panacéia, mas um instrumento para que a vida familiar seja afetuosa e responsável, formando uma infância e uma juventude sadias e pujantes, no aspecto corporal, intelectual, moral e espiritual.

 

 

 

 

NOTAS SOBRE OS AUTORES:

 

[*] Professor de Direito Ambiental na UNESP – Universidade Estadual Paulista (IB Campus de Rio Claro - SP) e na UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba. Professor convidado na Universidade de Limonges (França). Autor do livro Direito Ambiental Brasileiro.

 

[**] Médica Especialista em Ultra-sonografia. Mestra e Doutora pela UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas.

 

NOTAS:

 

[1] MACHADO, Paulo A. L. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros Ed. 1994. 166p.

 

[2] Recueil International de Législation Sanitaire, v. 46, n. 3, p. 407, 1995.

 

[3] Recueil International de Législation Sanitaire, v. 47, n. 2, p. 257, 1996.

 

[4] FERREIRA. Aurélio B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. Sem data.

 

[5] Petit Larousse Illustré. Paris: Librairie Larousse. 1978.

 

[6] The American Heritage Dictionary of The English Language. New York: American Heritage Publishing Co. 1969-1970.

 

[7] JONES, Howard; WENTZ, Anne C.; & BURNETT, Lonnie S., NOVAK. Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro. 11. Ed. 1990, p. 665.

 

[8] Tratado de Ginecologia, ob. cit.

 

[9] Tratado de Ginecologia, ob. cit.

 

[10] Tratado de Ginecologia, ob. cit.

 

[11] Tratado de Ginecologia, ob. cit.

 

[12] Lei 3/94 de 24.03.1984 – art. 10. Recueil International de Lésgilation Sanitaire, v. 36, n. 4, p. 1.052. 1995.

 

[13] Lei 125 de 31.01.1985 – art. 1º. Recueil Intrnational de Lésgislation Sanitaire, v. 36, n. 4, p. 1.045. 1995.

 

[14] Portaria 484 de 14.12.1990 do Ministério da Saúde da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Anexo I. Recueil International de Législation Sanitaire, v. 42, n. 4. P. 709. 1991.

 

[15] Decreto 88-19 de 07.04.1988 autorizado a prática da contracepção (art. 3º). Recueil International de Législation Sanitaire, v. 40, n. 1, p. 97. 1989.

 

[16] Conferência das Nações Unidas sobre População.

 

[17] Lei 3/94 de 24.03.1984 – art. 6º. Recueil international de Lésgilation Saniteire, v. 36. N. 4, p. 1.052, 1995.

 

[18] LEITE, José R. M.; DANTAS, Marcelo B.; FERNANDES, Daniele C. V. “O dano moral ambiental e sua reparação”. Cidadania Coletiva. Florianópolis: Paralelo 27, p. 45-64, 1996.

 

[19] “Atualização em matéria de responsabilidade por danos morais”. Justitia, v.173, ª 58, p. 37-53, 1996.

 

[20] ALVIM A.; ALVIM, T; ALVIM E. A. SOUZA. J.J. M. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2. Ed. 1995. 577 p.

 

[21] ALVIM A. et al., ob. Cit.

 

[22] “Ação Civil Pública e Meio Ambiente”. Rio de Janeiro: Ed. Forense. 1997, p. 104.

 

REFERÊNCIAS:

 

ALVIM A.; ALVIM, T; ALVIM E. A. SOUZA. J.J. M. Código do Consumidor Comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2. Ed. 1995. 577 p.

 

Conferência das Nações Unidas sobre População e Desenvolvimento. Recueil International de Législation Sanitaire, ob. Cit.

 

Decreto 88-19 de 07.04.1988 autorizado a prática da contracepção (art. 3º). Recueil International de Législation Sanitaire. V. 40, n. 1, p. 97, 1989.

 

FERREIRA. Aurélio B. H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. Sem data.

 

JONES, Howard; WENTZ, Anne C.; & BURNETT, Lonnie. S., NOVAK. Tratado de Ginecologia. Rio de Janeiro. 11. Ed. 1990, 665p.

 

Lei 125 de 31.01.1985 – art. 1º. Recueil International de Législation Sanitaire, v. 36, n. 4, p. 1.045, 1995.

 

Lei 3/94 de 24.03.1984 – art. 10. Recueil International de Législation Sanitaire, v. 36, n. 4, p. 1.052, 1995.

 

Lei 3/94 de 24.03.1984 – art. 6º. Recueil International de Législation Sanitaire, v. 36, n. 4 p. 1.052, 1995.

 

LEITE, José R. M.; DANTAS, Marcelo B.; FERNANDES, Daniele C.V. “O dano moral ambiental e sua reparação”. Cidadania Coletiva. Florianópolis: Paralelo 27, p. 45-64,1996.

 

MACHADO, Paulo A. L. Estudos de Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros Ed. 1994.

 

Portaria 484 de 14.12.1990 do Ministério da Saúde da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Anexo I. Recueil International de Législacion Sanitaire, v. 42, n. 4, p. 709, 1991.