A IMPLICAÇÃO DO GRUPO DE SOCIALIZAÇÃO NO COTIDIANO DOS ADOLESCENTES: A (RE) CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
Estagiária de Serviço Social/Centro Regional
Norte.
Nos grupos
de socialização, os adolescentes, através da fala, constroem e/ou reconstroem
as representações sociais, específicas da adolescência. Isso ocorre através de
um processo dialético de trocas que incidem no cotidiano dos adolescentes.
Durante o momento em que estão nos grupos, há uma troca e socialização das experiências que são
vivenciadas no cotidiano, possibilitando este processo.
Falar sobre
um grupo específico para adolescentes que está inserido em um programa de
proteção, possibilita desvelar um universo em constante transformação, ainda
mais se for visualizado o cotidiano dos adolescentes. Os fatos que estão em
constantes mudanças são apontados no grupo de socialização, onde os
adolescentes trazem temas pertinentes à própria adolescência. Neste momento, as
representações sociais que estão imbricadas neste período são (re)construídas.
O presente
artigo tem como objetivo, conhecer a implicação deste grupo no cotidiano dos
adolescentes, a medida em que através da troca de experiências, é possibilitada
uma (re)construção das diversas representações sociais
que perpassam o cotidiano deles.
Situaremos,
neste artigo, de forma seqüencial às partes que o compõe. Primeiramente o
conceito de adolescência; o grupo de socialização e o processo de (re)construção
das representações sociais sobre as questões implicadas no cotidiano dos
adolescentes, ou seja, a própria adolescência, a violência, a sexualidade, o
mundo do trabalho, dentre outras.
O
entendimento de adolescência que perpassa a sociedade contemporânea está ligado
ao consumo de determinados produtos. A preferência são pelas roupas de determinadas
grifes que indicam a inclusão ou exclusão de um grupo de pessoas.
Isso fica
mais evidente nos adolescentes, por reforçarem a tendência de cristalizar certos
grupos, como as patricinhas, os mauricinhos, os
surfistas, os funkeiros, etc, pois: “o consumo passa
a ser signo de inclusão, mas também de destituição daqueles que são,
potencialmente, não consumidores”. (OLIVEIRA, 2001, p.39)
O consumo
influencia no reconhecimento social dos adolescentes, a medida em que
determinados estilos, bad boy ou funk,
que emergiram da periferia, ganham destaque na sociedade como um todo, sendo
muitas vezes, consumidos por outros segmentos de adolescentes da sociedade.
Isso caracteriza uma “estética juvenil globalizada”, por transpor os limites
dos bairros segregados, o mundo dos proscritos, ou seja, a periferia.
O
entendimento de adolescência que norteia este artigo tem seu referencial nas
ciências humanas e sociais: “estas compreendem o ser humano em permanente
desenvolvimento, transformação a si e ao meio social, a partir das vivências
compartilhadas com seus grupos de convívio e rede de relações”. (PEMSEIS apud
ARAGONEZ, p.12)
Conceber a
adolescência em permanente desenvolvimento refere à transformação do corpo que
implica também, uma alteração a nível psíquico, ou seja, com relação a si
mesmo, a sua subjetividade. Estas mudanças implicam no universo de relações do
adolescente. Logo a adolescência é um período rico de experiências estruturantes da identidade do ser humano, pois possibilita
vivenciar diferentes novidades, possibilitando a construção da sua identidade
enquanto adolescente.
O grupo de socialização e a sua implicação no cotidiano: o processo dialético de (re)construção das representações sociais.
Uma das
atividades específicas para os adolescentes, no SASE, é o grupo de
socialização, onde através da fala, há uma troca de experiências sobre
diferentes assuntos que fazem parte do cotidiano dos adolescentes. Neste
momento há uma troca de entendimentos - representações sociais - específicos
dos adolescentes sobre os mais diversos temas. De acordo com o projeto do SASE
(1998, P.12): “O grupo de socialização é específico para os adolescentes, sendo
fundamental no aprendizado para lidar com a afetividade, com a reciprocidade,
com a solidariedade, com a justiça e com o respeito. É centrado na comunicação
e interação com o outro, permitindo que cada um possa falar do que o angustia,
de seus conflitos e medos, do relacionamento nas atividades, no fortalecimento
do sentido de estar integrado a um grupo, identificar-se com ele, de incluir-se
e incluir os demais em seu mundo interno”.
No grupo
são trazidos temas ligados à vivência do dia a dia dos adolescentes, são experiências
que eles vivem no momento (imediato) da adolescência, aqueles que os angustiam
ou os que gostariam que fossem compartilhados com os demais. Enfim, são aqueles
que perpassam a realidade dos adolescentes para serem problematizados e que
contribuem para a discussão e a (re)construção das
representações sociais própria da adolescência.
O conceito
de representações sociais é multifacetado, logo neste artigo serão entendidas
sob uma abordagem das ciências sociais: “são definidas como categorias de
pensamento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou
questionando-a”. (JOVCHELOVITCH apud MINAYO, 1995, p.89)
Conceber
representação social como categoria do pensamento é compreender uma forma
específica de conhecimento, o saber do senso comum, designa uma forma de
pensamento social. Elas são um tipo de conhecimento socialmente elaborado e
partilhado, orientando a conduta. Logo, sua função é elaborar comportamentos,
determinar a conduta e propiciar e facilitar a comunicação.
Através do
relato dos adolescentes sobre o seu cotidiano, há uma (re)construção
destas representações sociais que eles
têm sobre diferentes temas. Estes temas são os que estão imbricados no período
da adolescência e às experiências diárias que vivem nos mais diferentes espaços,
ou seja, na escola, no próprio Centro Regional, na comunidade, em casa, no
“Som”, etc. São eles: ser jovem, violência, drogas, sexualidade, namoro/ficar,
trabalho.
Percebe-se
que o tema “ser jovem” serve como pano de fundo para as outras discussões,
pois, refere ao período em que estão vivendo. Isso contribui para que ocorra
uma participação de todos, até daqueles que num primeiro momento ficam
receosos. Assim, eles falam sobre as experiências que passam e que são comuns à
maioria dos adolescentes. Isso facilita o processo de (re)construção
das representações sociais pois há uma troca significativa das experiências,
pois os adolescentes refletem e criticam as diferentes atitudes tomadas numa mesma situação.
Muitos
outros são os temas conversados num mesmo encontro. Com isso, percebe-se a imediaticidade da própria adolescência em falar e às vezes
até resolver coisas ao mesmo tempo e no mesmo encontro. Isso pode ser
visualizado quando eles queriam debater
algumas situações que ocorreram no final de semana com relação a namoro, a
ficar, a violência e drogas nas festas
que freqüentam.
A violência
é um outro tema constante nas falas dos adolescentes, por ser vivida quase
diariamente que é explicitada através das narrativas das experiências vividas
no “Som”, nas brigas entre grupos de moradores de vilas diferentes na própria
comunidade.
Através da
fala, os adolescentes trazem as suas experiências e seus entendimentos
referentes as suas atitudes referentes a fatos da sua realidade, tais como, uma
briga ocorrida no Som, o tráfico de drogas na vila, o namoro, enfim, questões da própria
adolescência que perpassam a sua vida,
ocorrendo um processo dialético de troca.
Este
processo pode ser entendido como um movimento de ação, reflexão e proposição,
através da socialização das experiências. Incide no cotidiano, através da (re)construção as representações sociais e também no grupo,
pois é através das experiências vivenciadas que implicam as discussões no
grupo, logo são indissociáveis e possibilita uma reflexão crítica sobre o
cotidiano e também uma socialização deste universo.
Logo,
o processo dialético de trocas interfere
no cotidiano dos adolescentes à medida que eles constroem e reconstroem
diversas representações sociais próprias da adolescência que ocorre quando os
adolescentes relatam experiências que referem a temas pertinentes ao momento em
que estão vivendo. Também pode-se dizer que o
cotidiano interfere no grupo a medida em que os adolescentes trazem coisas
referentes a ele – experiências – e socializam no grupo.
No relato
dos adolescentes, são apontados diferentes aspectos, dentre eles, o social, que predominava, e às vezes até o político. Com relação ao
aspecto político, pode ser exemplificado quando os adolescentes falavam que “os
políticos de Porto Alegre não repassavam o dinheiro para reformas nos lugares
para o lazer”.
Sobre o
aspecto social, os adolescentes questionavam a escola, sendo que esta não dava
conta de um ensino melhor e que os professores faltavam muito às aulas e mesmo
assim assinavam o ponto e não deixavam de receber o salário (integral) no final
do mês. Questionavam sobre a política da saúde, quando mencionavam que o posto
de saúde da comunidade não os atendia. Também sobre a segurança; a discriminação racial, social, etc.
Pela fala de cada adolescente é trazido à tona um mundo construído pelas experiências de cada dia, com seus próprios conhecimentos (do senso comum), valores, culturas, normas, regras. Os adolescentes à medida que falavam, utilizavam os movimentos do corpo para se expressarem. Logo, percebe-se outros indicativos de fala dos adolescentes: “...a fala, assim como a linguagem, tem o poder de revelar e de ocultar ou, de outro modo, de falar para além de texto legível, daquilo que é ‘dito’”. (DIÓGENES, 1998, p.65)
A fala
revela-se nos movimentos do corpo dos adolescentes, a medida em que estes
utilizavam-no para se expressarem.
Com relação
à linguagem, esta parecia mais “uma
fortaleza de palavras”[2], a medida em que os
adolescentes utilizavam gírias próprias para se comunicarem e que, às vezes,
ficava quase impossível de entender. Também os movimentos com o corpo que os
adolescentes utilizavam para possibilitar uma troca referente à comunicação.
A partir dessa prática profissional,
questionou-se que os adolescentes possuem um conhecimento (senso comum), dito subuniversos de institucionalização[3], no qual não são validados pela sociedade
hegemônica, ficando apenas no mundo dos proscritos[4]. Também possuem uma
história de vida que o programa valida, à medida que oportuniza um espaço para
que possam ser faladas as suas experiências de vida, ou seja, do próprio
cotidiano e (re)construídas, em conjunto, as
diferentes representações sociais que compõem o cotidiano destes adolescentes.
Também por
trabalhar na perspectiva de que o adolescente é sujeito do processo de
construção do seu projeto de vida, e que se dá porque há um espaço para a
discussão das diversas experiências de vida, fazendo com que haja uma (re)construção de certos entendimentos – representações sociais
- que implicam no cotidiano destes adolescentes.
Através da
prática profissional desenvolvida, nos momentos de supervisão com a Assistente
Social, foi visto que o grupo, além do que está previsto no projeto, é um
espaço que oportuniza e privilegia a fala dos adolescentes, através da sua
própria linguagem (as gírias), propicia a construção de uma consciência
crítica, à medida que se caracteriza num espaço para refletir e socializar
sobre o cotidiano. Serve também para estabelecer vínculos; construir regras de
convivência na perspectiva de direitos e deveres, cidadania, pertencimento e
inclusão social e protagonismo.
Logo, a palavra “socialização” deve ser
entendida no sentido de compartilhar experiências que possam ser pensadas em
conjunto que possibilitem a construção ou reconstrução destas representações
sociais próprias da adolescência: ser jovem, o namoro/ficar, o trabalho, a
violência na comunidade, as drogas, enfim, temas que fazem parte do cotidiano
da vida desses adolescentes.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA
BERGER,
Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade:
tratado de
sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.
DIÓGENES,
Glória. Cartografias da Cultura e da Violência: gangues, galeras e
o movimento
hip hop. São Paulo: Annablume: 1998.
JOVCHELOVITCH,
Sandra (org.). Textos em Representações Sociais. Petrópolis:
Vozes,
1995.
OLIVEIRA, Carmen Silveira de. Sobrevivendo no Inferno: a violência
juvenil na
contemporaneidade.
Porto Alegre: Sulina, 2001.
NOTAS
[1] Expressão
utilizada por Glória Diógenes (1998) e também por Carmen
Silveira de
Oliveira
(2001).
[2] Expressão
utilizada pela autora Glória Diógenes (1998, p.23).
[3] São
construções fechadas de conhecimento, ficam circulando separadamente das
outras. Um exemplo, é a “subcultura” , conhecimento
dos meninos de rua. Esta expressão é utilizada pelo referencial teórico da
Sociologia do Conhecimento. Ver Bergman e Luckman (1985).
[4] Expressão
encontrada em Diógenes (1998) “esta evidencia as desigualdades e exclusões etnorraciais e territoriais advindas do estigma e da
divisão social no gueto americano e na periferia urbana francesa” (apud Wacquant, 1995).