O
TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO EM CASA DE TERCEIROS NO DIREITO BRASILEIRO
Oris de Oliveira
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O direito brasileiro tem normas constitucionais
e ordinárias específicas concernentes ao trabalho doméstico e ao trabalho
infantil. Há, todavia, outras leis nacionais que se aplicam ao trabalho
infantil doméstico por entendimento consolidado doutrinal e jurisprudencial.
Impõe-se, pois, que se faça um estudo sistemático complexo para harmonizá-las
levando em consideração as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil com destaque para as n.º 138 sobre Idade Mínima, e n.º
182 sobre piores formas.
No que diz respeito à nomenclatura que se
utilizará neste trabalho oportuno, algumas observações: a não ser em casos
excepcionais em que se referir expressamente
ao empregado doméstico adulto, toda vez que for mencionado trabalho
doméstico, se estará fazendo referencia ao trabalho infantil doméstico - TID.
A extensão da matéria a ser abordada
e as limitações sobre extensão do estudo
não permitem digressões exegéticas, razão por que os direitos brasileiros sobre
o tema serão abordados levando em consideração a conclusão sistemática aplicada ao trabalho infantil doméstico, com
breves comentários na medida em que a matéria abordada o exigir. Quando
determinada questão não tiver atingido consolidado entendimento jurisprudencial
ou doutrinal, esta circunstância será apontada no texto.
Levando-se em conta, como se verá, que o
trabalho infantil doméstico no direito brasileiro só é permitido ao adolescente
a partir dos 16 anos, para evitar repetições dos mesmos termos na frase, freqüentemente se utilizará o termo “adolescente”
e pelo contexto se verá referir-se ao
adolescente doméstico.
O trabalho será divido em duas partes: na primeira se expõem as normas nacionais sobre o trabalho infantil doméstico; na segunda as Convenções Internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil estabelecendo uma comparação entre as normas internacionais e nacionais.
É doméstico o empregado que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial desta, sendo indiferente que o trabalho seja prestado em casa de família residente no setor urbano ou rural.
Nesta conceituação três elementos são
relevantes:- a) continuidade; b) finalidade não lucrativa do tomador de
serviços; c) âmbito residencial.
“Continuidade”:- serviços eventuais não
recebem proteção especial devido sua excepcionalidade.
“Âmbito residencial”:- importa que os
serviços se executem em função da família
ou da residência desta, sendo tidos, também, como domésticos os serviços tais como os de
motorista da família, de jardinagem da residência, de enfermagem de pessoa da
família.
A legislação trabalhista considera o
trabalho doméstico como uma relação de emprego, embora aos empregados
domésticos não sejam garantidos os
mesmos direitos atribuídos aos empregados rurais e aos urbanos.
Embora se trate de entendimento discutível, há decisões judiciais e escritos doutrinários que afirmam não se aplicar as normas sobre trabalho doméstico às prestações de serviço intermitentes. Tal entendimento tem como conseqüência:
a) A não concessão dos direitos do
empregado doméstico aos faxineiros (em geral serviços de limpeza) ou diaristas
(serviços gerais) trabalhadores que exercem afazeres domésticos uma ou duas
vezes na semana ou com intermitência mais longa (quinzenal, por exemplo).
b) Direitos e obrigações são livremente
pactuados entre o tomador de serviços e trabalhador por estarem no âmbito
civil.
c)
Os conflitos de interesses não
são da competência da justiça especializada trabalhista, mas do juízo cível. Todavia, na hipótese de o
adolescente trabalhar como faxineiro, diarista (autônomo),
devem ser observadas as normas genéricas de proteção do trabalho do trabalho infantil e do adolescente elencadas na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, entre elas, evidentemente, as que dizem respeito à idade mínima.
Enumeram-se não somente as normas que especificamente disciplinam o trabalho doméstico e o trabalho infantil, mas outras que lhe são aplicáveis por determinação legal, por não excluírem expressamente o trabalho doméstico, ou por consolidado entendimento doutrinal e jurisprudencial.
a) Constituição Federal:- Art. 7º,
Inc. XXXIII (idade mínima), Inc. e XXXIV, parágrafo único ( direitos dos empregados
domésticos); arts. 8 e 9 (direito à
sindicalização). Merece especial menção o art. 227 que sinaliza os princípios
gerais que devem orientar o legislador
ordinário e as políticas públicas e ações governamentais e não
governamentais concernentes aos direitos de crianças e adolescentes, sem
exclusão, portanto, do trabalho infantil doméstico:-
Art. 227. É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, direito à profissionalização sempre a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O parágrafo 3º do mesmo
artigo especifica que a proteção
especial implica respeito da idade mínima, garantia de direitos trabalhistas e
previdênciários e acesso do adolescente à escola.
b) Convenções
ratificadas da OIT, merecendo especial menção a n.º 138 e Recomendação 146
(Idade mínima) e a n.º 182 e Recomendação
190 (Piores formas de trabalho).
c) Lei 5.859/72
e Decreto 71.885/73; (Trabalho
Doméstico)
d) Lei 8.069/90:-
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA especialmente arts. 60 a 69 e 248
e) Lei 10.208/2001
sobre Aplicação do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).
f) Lei 9.394/96
(Lei Diretrizes e Bases da Educação) e Decreto Regulamentar 2.208/97.
g) Leis 8.212 e
8213/91 e Decreto Regulamentar 3048/99
sobre Previdência Social.
h) Lei 605/49
sobre Repouso Semanal Remunerado
i) Lei 7418/85 e
Decreto 95.247/87(Vale transporte)
j)
Consolidação da Leis do Trabalho. (CLT), cujas normas não se aplicam ao
empregado doméstico, exceto quando leis a ela se remetem ou por entendimento jurisprudencial e doutrinal.
k) Lei 9.029/95
sobre Discriminação no Emprego.
(C.F. 5 inc. 1; art.74 § Único, ECA, Lei
9029/95 art. 1)
Sabe-se que as mulheres adolescentes e
adultas constituem a grande maioria das pessoas que se empenham no emprego doméstico, sendo, pois, oportuno sublinhar as
normas constitucionais e ordinárias referentes à isonomia sobre gênero e idade.
a) Constituição
Federal, art. 5º, Inc. I :- Homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações.
b) “Paradoxalmente” a Constituição Federal (art.
7º, § Único) não elencou entre os direitos do empregado doméstico o Item
XXX do art. 7º:- sobre “ proibição de
diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por
motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil;
c) Em
contrapartida, o ECA evidentemente não discrimina nenhuma criança e/ou
adolescente dos direitos por ele
garantidos por razão de sexo e dá especial proteção à idade.
d) Lei 9.029/95:- Art. 1º:- Fica proibida a
adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à
relação de emprego ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor,
estado civil, situação familiar ou idade ressalvadas, neste caso, as hipóteses
de proteção ao menor previstas no Inc. XXXIII, art. 7º da Constituição Federal
( O Inc. XXXIII define a idade mínima de admissão ao trabalho)
(C.F.
art. 7 § Único, C 182 e C. 138)
A admissão ao emprego e ao trabalho obedece
aos seguintes parâmetros:-
a)
É
proibido qualquer emprego ou trabalho abaixo dos 14 anos;
b)
A partir dos 14 aos 18 anos é permitido o
trabalho em regime de aprendizagem;
c)
16 anos é a idade mínima básica para
admissão para emprego ou trabalho;
d)
Abaixo dos 18 anos é proibido, sem exceção,
qualquer trabalho perigoso, insalubre, penoso, noturno, prejudicial ao
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.
Como conseqüência se tem que o
adolescente só pode ser admitido como empregado doméstico a partir dos 16 anos.
Sem prejuízo das garantias de proteção, há nulidade do contrato se a admissão da criança ou do adolescente se fizer com desrespeito às normas sobre idade mínima com duas conseqüências jurídicas diversas:
a)
Se a
idade mínima ainda não foi atingida, há obrigação de cessar a prestação de
serviços sem prejuízo de pagamento de todas as
verbas trabalhistas cabíveis e da
responsabilidade por perdas e danos
causados;
b)
Se a
idade mínima já foi ultrapassada, o trabalho pode continuar e todo o tempo de
serviço se computa para todos os efeitos legais.
a)
Inexiste
forma imposta por lei para a celebração do contrato, sendo válida qualquer
manifestação verbal ou escrita que expresse
acordo dos contratantes. Somente nos últimos anos tem-se intensificado o
uso de contrato escrito;
b)
Apresentação
de atestado de boa conduta emitido por
autoridade policial ou por pessoa idônea, atestado de saúde, este último a
critério do empregador;
c)
Apresentação
da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), que deve ser anotada pelo
empregador, indicando data de admissão, salário ajustado, e, oportunamente,
início e término das férias e data da dispensa.
Proibida qualquer anotação desabonados na CTPS;
d)
Assistência
do seu representante legal (pais ou tutores), a estes incumbindo inteirar-se
previamente das condições concretas em
que o trabalho será executado, assistência de supervisão que deve perdurar durante toda a vigência e no término do contrato, podendo exigir a não
continuidade do trabalho se deste decorrer
para o adolescente qualquer prejuízo físico, psíquico, moral ou social, neste último compreendidas
condições de trabalho que não permitam a freqüência à escola e programas de
profissionalização;
Esta assistência não é dispensável sob a discutível afirmação de que a posse da
CTPS cria presunção de autoridade paterna para trabalhar. A assistência se
impõe porque é sua função verificar em cada contrato qual o trabalho concreto e
em que circunstâncias vai ser executado.
O contrato pode ser de duração
determinada ou indeterminada, sendo que ambas estas figuras podem ter cláusula
de experiência, com possibilidade de denúncia pelo empregador logo se configure
o empregado não ter as qualificações
exigíveis ou denúncia pelo doméstico se as condições de trabalho não
corresponderem às suas expectativas.
É assegurado ao trabalhador doméstico independente de idade, o salário mínimo legal nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais e básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.
O salário mínimo é estipulado para de
oito horas diárias, quarenta e quatro
semanais, ou seja 220 horas mensais. Se
for pactuada duração diária inferior, a
remuneração se calcula por salário-mínimo-hora.
O salário pode ser pago parte em
numerário parte em utilidades tais como habitação, alimentação, vestuário desde
que não sejam para o serviço (em função do melhor desempenho do trabalho) mas
pelo serviço. Nesta última hipótese, a utilidade é um “plus” que compõe a
remuneração, refletindo em outras parcelas, tais como férias, gratificações
natalinas.
A remuneração goza de irredutibilidade,
salvo convenção ou acordo coletivo e de isonomia em relação ao trabalho do
adulto. (Art. 227 da Constituição
Federal e art. 5º do ECA).
(C.F.
art. 7 § Único)
O doméstico faz jus à gratificação
natalina integral ou proporcional com base na remuneração integral ou no valor
da aposentadoria, ou proporcional correspondente ao salário na ativa ou ao do
benefício previdenciário. A proporcionalidade depende dos meses trabalhados no
ano civil . O pagamento se deve efetuar metade
no mês de novembro, metade em dezembro.
(Lei
7418/85 e decreto 95.247/87)
É concedido ao empregado para seu deslocamento
da residência ao local de trabalho, e vice versa. O vale-transporte é custeado
pelo próprio empregado na parcela equivalente a 6% (seis por cento) de seu
salário-base, excluídos quaisquer adicionais ou vantagens. O custo do
transporte que exceder aos 6% (seis o
cento) é ônus do empregador.
(ECA art. 67, inc.
IV)
Não se aplicam ao trabalhador doméstico as normas que dizem
respeito à duração da jornada de trabalho. Não, há, pois direito a pagamento de
adicional de horas extras. Como,
porém, o salário mínimo é calculado sobre oito horas diárias, vinte e quatro
semanais e duzentos e vinte mensais, se
o trabalhador doméstico adulto ou adolescente trabalhar mais de oito horas
diárias ou mais de quarenta e quatro semanais,
faz jus ao pagamento das mesmas de modo singelo
sem qualquer adicional.
Em qualquer hipótese, a duração da
jornada do doméstico adolescente tem que ser concretamente compatível com o
horário escolar, uma vez que o trabalho não pode impedir
a freqüência à escola.
(C.F.
art. 7, § Único)
Este deve ser gozado, preferencialmente,
aos domingos, não podendo ser compensado
com pagamento em dinheiro ou outra
utilidade. Na hipótese de haver trabalho no dia do repouso semanal ou no
feriado o pagamento se faz em dobro.
(C.F. art. 7, §
Único e C. 132)
O empregado doméstico tem direito a 20
dias úteis de férias após cada período de 12 meses de trabalho com direito à
remuneração integral acrescida de um
terço a mais que o salário normal. É matéria discutida na doutrina e nos
tribunais o direito a férias proporcionais e ao pagamento em dobro quando não
concedidas nas épocas próprias.
(C.F.
art. 7, § Único)
Afastamento do serviço, sem prejuízo do
salário e do emprego, com a duração de cento e vinte dias, ou seja, durante a
licença a adolescente não pode ser
despedida. A licença pode ser usufruída
parte antes e parte depois do parto, ou integralmente após o mesmo.
O salário do período de afastamento é
custeado pela Previdência Social.
(C.F.
art. 7, § Único)
A duração é de cinco dias. A remuneração
desta licença é matéria não pacífica nos tribunais e na doutrina.
(Lei
10.208/01)
Trata-se de uma contribuição no montante
de 8% calculada sobre a remuneração total depositada mensalmente em conta
pessoal do empregado cujo levantamento se faz à época da aposentadoria. Um
casuísmo legal complexo permite que o
levantamento se faça, também, em outras
ocasiões, tais como motivo de saúde,
compra de casa própria.
A concessão do FGTS ao doméstico não é
obrigatória, ficando, portanto, a critério do empregador.
(C.F.
art. 227 e ECA arts. 60-69)
É sabido que no Brasil o emprego
doméstico é para a maioria das adolescentes
a primeira (muitas vezes, única) porta que se abre para obtenção de
emprego, predominando um empirismo perverso:- à falta de qualificação
correspondem baixos salários e não
obediência das normas trabalhistas.
A Constituição (art. 227) assegura ao
adolescente direito à profissionalização. O ECA explicita que a formação
técnico profissional deve obedecer aos seguintes parâmetros:
a)
Ser
ministrada em conformidade com as diretrizes da legislação de educação;
b)
Preservação
de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;
c)
Atividade
compatível com o desenvolvimento do adolescente;
d)
Em
horário especial para exercício das
atividades específicas exigíveis pela formação profissional.
O trabalho doméstico de pessoa adulta ou
infanto-juvenil se realiza em âmbito residencial. Para haver a aprendizagem
acoplada a um contrato de trabalho infantil doméstico, seria indispensável
ALTERNÂNCIA :- uma parte “teórica” em um “centro de formação” e sua “prática”
MONITORADA no emprego. Sem essa
correlação “teoria com prática” não se pode falar em aprendizagem
As normas brasileiras disciplinam a
aprendizagem na empresa e não se aplicam ao empregado doméstico. O trabalhador
doméstico pode, todavia, profissionalizar-se em entidades especializadas, tendo direito a uma jornada que lhe permita qualificar-se
profissionalmente, aprimorando sua empregabilidade no exercício da profissão de
doméstico ou aquisição de outra. Neste momento, porém, este direito pode concretizar-se por acordo individual entre
empregador e empregado doméstico.
Na estrita correspondência em que se exige do empregador doméstico cumprimentos de obrigações, exige-se do doméstico um trabalho mais qualificado e menos empírico. Com o correr do tempo, o trabalho doméstico assume nas relações entre empregador e empregado doméstico um caráter profissional.
O Serviço Nacional de Aprendizagem
(SENAC) e outros entidades não
governamentais têm cursos sobre afazeres próprios de hotéis e restaurantes e
que podem propiciar ao adolescente empregado doméstico maior empregabilidade, inclusive
fora do trabalho doméstico.
(ECA,
arts. 53 a 59 e 67, Inc. IV)
O Estatuto da Criança e do Adolescente-
ECA, obedecendo a comando constitucional dispõe que são garantidos à criança e
ao adolescente o acesso e a freqüência à escola e, em havendo trabalho, este
deve realizar-se em horários e locais
que permitam a freqüência à escola, normas essas que se aplicam ao
adolescente empregado doméstico.
Quando esta norma é observada, a freqüência, salvo raras exceções, se faz a cursos noturnos que nem sempre oferecem uma qualidade desejável.
(C.F.
art. 7, § Único)
Sendo de duração indeterminada, a denúncia imotivada do contrato pelo
empregador ou pelo empregado deve ser precedida de aviso prévio de trinta dias.
Se o empregador dispensar o trabalho nos trinta dias subseqüentes ao aviso
prévio, deve pagar salário como se o doméstico trabalhando estivesse.
(Lei
10.208/01)
Se o empregado doméstico for dispensado imotivadamente (sem
cometimento de falta disciplinar) e se lhe tiver sido concedido o FGTS,
terá direito a levantamento das quantias depositadas no Fundo acrescidas de
multa (indenização) de 40% (quarenta por cento). Fora desta hipótese nenhuma indenização é prevista na dispensa
imotivada .
(Lei
10.208/01)
A lei sobre FGTS (quando aplicado à
empregada doméstica, inclusive, à adolescente) remete ao art. 482 da
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT que enumera os atos disciplinares que
justificam o despedimento da empregada doméstica desobrigando o empregador de
pagamento da indenização de 40% dos depósitos fundiários.
(Lei 9.029/95)
O dever de não discriminar por motivo de
sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade (ressalvadas
as normas sobre idade mínima) perpassa
por todas as fases do contrato.
Se a dispensa se der por motivo de discriminação, cabe ao adolescente pedir a
reintegração com pagamento das remuneração do período de afastamento ou
indenização em dobro do período de afastamento.
(C.F. art. 8)
No que tange aos direitos coletivos há uma situação paradoxal: tem-se conhecimento da existência de poucos sindicatos de empregadores e um número maior mais relativamente pequeno de empregados domésticos, mas há um entendimento, manifestado em decisões judiciais e em obras doutrinárias, que nega a empregadores e empregados domésticos o direito à sindicalização e à negociação coletiva. Um número aproximado de setenta sindicatos de empregados domésticos pediram o registro obrigatório, mas Ministério do Trabalho se nega a atender o pedido.
Este cerceamento é inconstitucional
porque a Lei Maior garante a liberdade sindical, sem que haja necessidade de
autorização para fundação de sindicatos, proibindo intervenção do Poder
Público, impondo a limitação de um só sindicato na mesma base territorial
municipal.
As entidades sindicais
brasileiras durante muito tempo ficaram alheias ao trabalho infantil em geral,
mas, a partir da implantação do IPEC no Brasil, muitas delas têm se empenhado colaborando para a
erradicação do trabalho infantil, sem que, porém, as atenções se tenham voltado
para o infantil doméstico.
(Leis 8212/91, 8213/91 e Decreto reg. 3048/99)
O empregado doméstico é segurado
obrigatório da previdência social, mediante contribuição pessoal e do
empregador com os seguintes direitos:
a)
Aposentadoria
(somente a por invalidez pode beneficiar o adolescente doméstico);
b)
Auxílio-doença ( afastamento por motivo de
saúde);
c)
Salário-maternidade durante afastamento por (120 dias);
d)
Pensão por morte em favor de dependentes;
e)
Auxílio-reclusão em favor de dependentes;
f)
Seguro desemprego, se lhe tiver sido concedido
o FGTS.
(Decreto 55.841/65)[1]
O Brasil ratificou a Convenção 81 da OIT sobre
Inspeção do Trabalho na indústria e no comércio, 1947. Ao ser regulada a
matéria não se estendeu à inspeção ao trabalho doméstico. A atuação
do Ministério do Trabalho se restringe a
dirimir divergências sobre férias e anotações da CTPS, sem poder impor
de multa administrativa por falta de amparo legal. Trata-se de ações pontuais
porque dependem de reclamações individuais.
O Ministério do Trabalho tem
desenvolvido, nos últimos anos, uma ampla atuação visando à eliminação do
trabalho infantil em geral. É
competência da Secretaria de Inspeção formular e propor as diretrizes da
inspeção do trabalho, priorizando o
estabelecimento de política de combate ao trabalho infantil bem como a todas as
formas de trabalho degradante, (Decreto 3.129/99, art. 14). Entre os numerosos
atos administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego, merecem menção a
criação de Comissão Tripartite para determinar as “piores formas de trabalho
infantil a que se refere o art. 3 da convenção 182 da OIT. (Portaria GM/TEM,
n.º 143 de 14 de março de 2000) e criação de Grupos Especiais de Combate ao
Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalho do adolescente – GECTIPAS) (Portaria
SIT/TEM n.º 7 de 23 de março 2000).
Nenhum destes documentos faz menção ao
trabalho infantil doméstico, sem, todavia, excluí-lo.
Pelas informações colhidas em várias
instâncias administrativas, não consta que a inspeção do trabalho se tenha voltado também para o trabalho infantil
doméstico. A justificativa, entre
outras, apontada para tal omissão é a
impossibilidade de o agente de
fiscalização adentrar a residência particular porque a Constituição Federal
estabelece que a casa é asilo inviolável, nela não podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de fragrante delito ou desastre, ou
para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
(Lei 10.288/01)
A tutela judicial dos interesses e direitos da criança e do
adolescente trabalhador doméstico se faz por meio da Promotoria Pública
(Federal do Trabalho e dos Estados) do
Poder Judiciário.
(Lei
7.347/85, CLT, art. 793, Lei 8.078/90, art. 81)
Em relação ao trabalho do adolescente,
apontam-se duas funções do Ministério Público:
a)
Suprir a falta do representante legal quando
o adolescente trabalhador litiga em
juízo (CLT, art. 793);
b)
Promover inquérito civil e ação civil pública
para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à
infância e à adolescência, assim definidos pela Lei 8.078/90, art. 81: difusos
são interesses “transindividuais de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por situação de fato. Os coletivos
são os transindividuais de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica de base. Para desempenho destas
funções o Ministério Público tem à sua disposição da ação civil pública, que pode ser precedida de
inquérito previdência preparatória.
Nos
últimos anos, o Ministério Público do Trabalho e do Estadual têm proposto inúmeras ações públicas. muitas
das quais com resultados surpreendentes em defesa de crianças e
adolescentes que labutam em “piores
formas de trabalho”.
Informações solicitadas da Procuradoria Geral e Regionais revelam que não se tem notícia de inquéritos ou ações promovidas pela Ministério Público do Trabalho ou Estadual visando o trabalho infantil doméstico. Tem-se notícia de atendimento a casos individuais de pouca expressão numérica.
(C.F. art. 5 inc XXXV e art. 114 e lei
10.288 de 20/9/2001).
Cabe aos tribunais trabalhistas julgar as
ações individuais ou públicas
que tenham como objeto o trabalho do adolescente doméstico.
Nas ações individuais, é indispensável a
assistência dos representantes legais e,
na sua falta, pela Procuradoria do
Trabalho, pelo sindicato, pelo Ministério Público Estadual ou curador nomeado
em juízo. (Lei 10.288 de 20/9/2001).
Pesquisa realizada em repertórios
judiciais nada encontrou de significativo quanto à existência de ações
judiciais individuais e públicas que tivessem como objeto o trabalho doméstico
do adolescente.
(C.F. art. 227 e ECA art. 88)
A
Constituição Federal estabelece que é dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do
adolescente, expressamente enfatizando a proteção da idade mínima de admissão
ao trabalho ou ao emprego e os direitos trabalhistas e previdênciários (art.
227).
A participação da sociedade no combate ao
trabalho infantil se faz através de conselhos de direito e tutelares criados
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Art. 88). Os conselhos de
direito de âmbito nacional, estadual e municipal são órgãos deliberativos e
controladores das ações em todos os níveis assegurada a participação popular
paritária por meio de organizações representativas fixadas em leis.
O conselho tutelar, cujos membros são
eleitos, é órgão municipal permanente e
autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Cabe a todos estes conselhos, no âmbito
de suas competências, cuidar também dos
direitos de criança e adolescentes trabalhadores domésticos.
É da competência do Conselho Nacional
de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), órgão de composição paritária composto por entidades
governamentais e não governamentais presidido pelo Ministro da Justiça, fixar as diretrizes nacionais de planos de ações em favor da criança e do
adolescente para todo o país.
Entre suas diretrizes destaca-se o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil está a cargo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, órgão, também, composto por entidades governamentais e não governamentais.
Entre as ações do CONANDA, e coordenadas
com o FORUM, destaca-se o movimento pró ratificação das Convenções 138 e 182 da
OIT, a participação na confecção da lista dos piores formas de trabalho
infantil e as diretrizes para o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.
A socialização e a responsabilidade de
sensibilizar as instituições com competência no tema para incluir em seu plano
de trabalho as diretrizes do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil está a cargo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil, órgão, também, composto por entidades governamentais e não
governamentais. Até o presente momento, o Fórum criou o Grupo Temático sobre
Trabalho Infantil doméstico integrado pela OIT, UNICEF, Save the Children,
CEDECA-EMAUS de Belém, CENDHEC de Recife e a Fundação ABRING, entretanto não se
registram iniciativas colegiadas e específicas ao interior do FORUM visando o
trabalho infantil doméstico
Por outro lado, o Conselho Nacional
(CONANDA) não emitiu instruções concernentes ao trabalho doméstico infantil e,
também, os Conselhos Regionais não têm voltado sua atenção para este tema.
Entidades não governamentais,
paralelamente ou em conjunto com a atuação destes conselhos, têm-se empenhado,
com total ou parcial sucesso, na erradicação do trabalho infantil em suas áreas
geográficas. Nesta ampla mobilização, merece destaque a participação do Brasil
na Marcha Global contra trabalho infantil, com desdobramentos em marchas
“regionais”.
Nesta atuação deve ser destacada
mobilização que se fez, enfrentando resistências ou indiferenças, para que o
Brasil viesse a ratificar a Convenção 138 e, posteriormente, a Convenção 182 da
OIT.
Merece, todavia, especial menção o
documento “ Estratégias para Combater o Trabalho Infantil no Serviço Doméstico,
Relatório Final do Seminário Nacional de 8-9 de Junho 2000, OIT Brasília em que
se destacaram “os elementos centrais que devem pautar a construção de uma
política nacional para combater o trabalho das meninas e adolescentes no
serviço doméstico”.
(C. 138 art. 248)
No trabalho infantil doméstico no próprio
lar, o “ tomador de serviços” não é
um terceiro como acontece nos demais
contratos de trabalho. No contrato de trabalho doméstico fora do próprio lar o
empregado é um “terceiro” que presta serviços mediante remuneração.
Na categorização trabalhista, as pessoas,
crianças, adolescentes que executam
tarefas domésticas no próprio lar não são terceiros e não se constituem,
portanto, uma relação de prestação de serviços. Há, apenas, uma distribuição
eqüitativa ou não eqüitativa das tarefas domésticas. Não há obrigação de
remuneração como contraprestação de serviços domésticos no próprio lar. Faz
parte de um processo educativo envolver os filhos na participação dos afazeres
domésticos.
Sabe-se, todavia, que, na realidade
brasileira, salvo raras e honrosas exceções, a distribuição não obedece a
critérios eqüitativos e a incumbência da execução das tarefas domésticas
recai unicamente sobre a esposa ou sobre
mulheres que compõem a família, ainda que trabalhem fora, ocasionando a “dupla
jornada”. Pesquisas revelaram a grande incidência das tarefas domésticas
(inclusive com a função concomitante de “tomar conta de crianças mais novas)
executadas por adolescentes filhas (raramente por filhos), sobretudo quando a
mãe trabalhar fora e não há creches de atendimento. Pesquisas revelam que não
raro tais tarefas atribuídas a adolescentes se faz em detrimento da
escolaridade e da convivência social (recreação, lazer).
Na realidade brasileira há um costume dos
pais com melhor posse darem a seus filhos
uma quantia em dinheiro sob nome de “mesada”, desvinculada de prestação
de serviços domésticos.
Os abusos ocorrentes só ocasionalmente se revelam e a obrigação
institucional de inibi-los é do Conselho Tutelar que pode socorrer-se
da intervenção da Promotoria Pública ou
do Juizado da Infância e da Adolescência.
(ECA art. 33)
Comentando o art. 33 do ECA Yussef Said
Cahali afirma: “A guarda obriga à prestação de assistência material,
moral e educacional à criança ou adolescentes (art. 33,primeira parte): a
guarda transfere ao guardião ou adolescente, a título precário, o atributo
constante do art. 384 ,I do CC no sentido de que lhe compete a direção e
criação do menor; como também lhe compete exigir que o menor lhe preste
obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição (art. 384,VII
do CC)” (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos
e Sociais, 3ª edição, Malheiros editores, p. 130 e 131).
As obrigações do guardião da criança e do
adolescente, no que diz respeito ao trabalho doméstico no próprio lar, não se
diferem das obrigações dos pais em relação a seus filhos naturais ou
adotados. Crianças e adolescentes sob
guarda ou tutela têm direito ao mesmo tratamento dispensado aos filhos
quanto às tarefas domésticas. A inibição de abusos quando detectados na
exigência desmesurada de tarefas domésticas cabe aos mesmos órgãos (Conselho
Tutelar, Ministério Público e Juizado
da Infância).
(ECA art. 248)
Há uma velha “prática” (cujas dimensão e permanência necessitam ser dimensionadas) de pessoas deslocarem crianças e adolescentes de outras regiões ou cidades para prestar-lhes serviços domésticos. O ECA constata o fato, mas apenas incidentemente dele se ocupa dispondo sobre a obrigação de o adolescente ser apresentado à autoridade judicial do novo domicílio para “regularização da guarda” (art. 248).
Qual a situação jurídica criada com esta
prática?
Tem-se uma figura de guarda híbrida
diferente da “ comum” em que há uma guardião que é ao mesmo tempo empregador
“stricto sensu”.
É uma irregularidade coberta com o manto
da guarda utilizar-se de crianças e adolescentes antes dos 16 anos para
trabalho doméstico ainda que haja remuneração em dinheiro e/ou em utilidades
(moradia, roupa, alimentação, escola) .
Se o adolescente tem 16 anos ou mais, sua
condição é de um “terceiro” (não um membro da família ) que, formalmente como
empregado, presta serviço a outrem, embora, no caso, este “outrem” seja uma
família. É circunstância irrelevante para caracterização da situação de
empregada doméstica que habite na
própria casa do tomador de serviços. Empregado, portanto, com todos os
direitos garantidos pelas leis que regem o emprego doméstico sem prejuízo da
aplicação das normas pertinentes do ECA.
Tem-se,
todavia, uma situação jurídica complexa porque a família guardiã tem,
concomitantemente, as mesmas obrigações acima apontadas de quem assume uma
guarda comum.
Comentando o artigo 248 do ECA, Ida Maria Alledi de Oliveira faz as seguintes
e pertinentes observações quando da regularização da guarda: “São requisitos
específicos a esta modalidade de guarda:
a)
Indicação
do serviço doméstico e do horário de sua execução pelo adolescente (art. 63, II
e III do Estatuto). O horário e as condições de trabalho deverão respeitar as
vedações contidas no art. 67 do ECA, sendo proibido o trabalho naquelas
hipóteses;
b)
Indicação
da escola de ensino regular a ser freqüentada pelo adolescente (nome do
estabelecimento, endereço e garantia de acesso). A freqüência à escola é
obrigatória (art. 227,§ 3º,III da CF e art. 63, I do Estatuto) por se tratar o
adolescente de pessoa em desenvolvimento (art. 69, I) e por configurar seu
trabalho caráter educativo (art. 68, § 2º, in fine do Estatuto)” ( Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado, 3ª edição. Ed. Malheiros, p.794)
Sabe-se que, sob o manto desta figura
“atípica” de guarda, houve e há
numerosos abusos ocasionalmente detectados cabendo a sua inibição ao
Conselho Tutelar, à Promotoria Pública e
ao Juizado da Infância e da Adolescência.
Uma punição cabível é a destituição da guarda. Embora juridicamente configurado um contrato de
emprego, a atuação da fiscalização administrativa do Ministério do Trabalho
sofre as mesmas limitações já apontadas: impossibilidade dos agentes da
fiscalização entrarem em residências
particulares.
Há numerosos, muitos repetitivos,
projetos de reforma constitucional ou de lei ordinária no Congresso Nacional
visando outorga de direitos ao empregado doméstico sem distinção de idade, que,
se um dia forem aprovados, beneficiarão o adolescente doméstico. Nenhum deles, todavia, visa direitos
específicos para o adolescente doméstico. Curiosamente, alguns projetos de lei
dispõem de direito que já se acham concedidos por lei ordinárias vigentes.
Fatores vários fazem com que muitos dos projetos de reforma constitucional ou
de leis ordinárias não sejam votados e não se transformem em lei. Entre os
projetos em tramitação merecem menção os
seguintes:
a)
Recolhimento
obrigatório do FGTS (atualmente este recolhimento é facultativo);
b)
Fixação da duração da jornada semanal de trabalho;
c)
Pagamento de adicional de horas extras, de
adicional noturno, de férias proporcionais, de dias trabalhados em feriados
civis e religiosos, de vale transporte, de salário-família;
d)
Concessão de auxílio acidente, de seguro
desemprego, disciplinando a concessão de aposentadoria (por idade, por
invalidez), de auxílio doença, de auxílio-reclusão ou de pensão;
e)
Garantia do direito de sindicalização;
f)
Proposta de desconto na prestação anual do
imposto de renda calculado sobre os salários pagos ao empregado doméstico, desde que comprovado o cumprimento integral
das obrigações trabalhistas com os empregados domésticos. Para estes, o benefício
seria indireto, tendo como conseqüência obrigar o empregador a
documentar-se para possível verificação.
Apesar de
que as normas do ECA (arts 60 a 69) protejam o adolescente como empregado é, todavia, conveniente explicitar
(sic) que na admissão do adolescente
como doméstico se exija:
a)
Delimitação
da duração da jornada de trabalho nunca acima de seis horas ;
b)
Comprovação
de freqüência à escola, de permanência e de sucesso no aproveitamento escolar.
Tratando-se de explicitação de normas contidas no ECA, a obrigação pode ser feita imposta por simples
decreto.
A
adequação de normas sobre trabalho doméstico em geral afetaria também o
infantil.
Tem-se no
Brasil uma situação toda particular. O elenco dos direitos do empregado
doméstico se encontram na Constituição, que excluiu da enumeração outros
aplicáveis aos demais empregados. Uma vez que o legislador ordinário pode, sem
ofensa à Constituição, ou melhor, baseando-se na própria Constituição, estender
a domésticos direitos que a Carta Magna não elencou, a primeira adequação a ser
feita deveria ser extensão de todos os
diretos ao empregado doméstico. Não se justifica a discriminação do texto
constitucional em relação ao emprego doméstico.
As normas que disciplinam concretamente
os direitos garantidos na Constituição se encontram na Consolidação das Leis do
Trabalho- CLT, que não se aplica ao
empregado doméstico. Impõe-se um adequação para que o legislador ordinário
disponha que, ao menos quanto aos
direitos garantidos na
Constituição, se apliquem as normas
celetistas.
Outro caminho que poderá ser percorrido é
o de fazer uma seleção de direitos mais urgentes e politicamente mais viáveis
tomando como referência alguns dos projetos de lei que já se encontram no
Congresso Nacional e, em torno dos
mesmos, fazer uma mobilização social
envolvendo as associações e/ou sindicatos de domésticos, a sociedade
civil organizada (CONANDA, CEDECAS, etc. ), sem exclusão de elaboração de
projetos melhor elaborados, contando com
a colaboração do INESC na elaboração e acompanhamento, poder-se-ia dar precedência aos seguintes
temas:-
- Duração
da jornada diária e semanal de trabalho;
-
Pagamento de adicional de horas extras, noturno
de férias
proporcionais,
-
Pagamento de dias trabalhados em feriados civis e religiosos,
-
Pagamento de vale transporte,
- De salário-família;
- Direito
de sindicalização;
- Seguro
desemprego
- Seguro
contra acidentes do trabalho
Houve uma ampla mobilização social que
contou com ostensivo apoio do IPEC, do CONANDA e do FORUM Nacional que resultou
na ratificação pelo Brasil da Convenção
138 e
da Convenção 182, que passou a vigir a partir de 13 de setembro de
2000.
O retardamento da vigência da Convenção
138 no âmbito nacional decorreu da
demora do Brasil indicar a idade mínima básica: 16 anos.
O Brasil
ratificou as seguintes convenções internacionais.
2. Convenções da OIT sobre Trabalho
Infantil.
·
Convenção
n.º 6 sobre Trabalho Noturno dos Adolescentes (indústria), 1919.
·
Convenção
n.º 16 sobre Exame Médico dos Adolescentes (trabalho marítimo), 1921.
·
Convenção
n.º 58 sobre Idade Mínima (trabalho
marítimo), 1936.
·
Convenção
n.º 124 sobre Exame Médico dos Adolescentes (trabalho subterrâneo), 1965.
·
Convenção
138 sobre Idade Mínima, 1973. (Recomendação 146) que formalmente vigerá a
partir de 28 de junho do ano 2002, uma vez que o registro
na Diretoria Geral do Escritório da OIT se deu na data de 28 de junho de
2001.
·
Convenção
182 sobre piores Formas de Trabalho
Infantil, 1998
No exame do campo de aplicação (trabalho na indústria, marítimo, em subterrâneos) se evidencia que as mesmas não se aplicavam ao trabalho doméstico. Somente as Convenções 138 e 182 são aplicáveis ao emprego infantil e adolescente domésticos, impondo-se uma comparação mais detalhada entre estas Convenções e o direito nacional.
Pode-se dizer com absoluta segurança que inexiste incompatibilidade de conteúdo das Convenções 138 e 182 com as normas nacionais sobre a mesma matéria.
A idade mínima básica de 16 anos para qualquer trabalho no Brasil está em perfeita sintonia com a elevação progressiva a que alude o art. I da Convenção 138.
É oportuno observar que o Brasil, ao ratificar a Convenção 138 ,não se utilizou da faculdade de fixar a idade mínima básica aos 14 anos (Art. 2, § 4º) nem excluiu sua aplicação a qualquer categoria de emprego ou trabalho (art. 4), nem limitou seu campo de aplicação (art. 5º), donde se pode inferir que, no âmbito nacional a Convenção 138 da OIT se aplica integralmente e sem limitações ao trabalho doméstico infantil.
Cumpre
observar, também, que a legislação nacional é mais inflexível que a Convenção
138 em dois pontos:
a)
O ordenamento jurídico nacional não permite
trabalhos leves antes dos 16 anos (art.7);
b)
Não há a faculdade de autorizar o trabalho a
partir dos 16 anos em locais insalubres e inseguros (art. 3, § 3).
O
ordenamento jurídico brasileiro permite
o trabalho a partir dos 14 anos ao regime de aprendizagem na empresa,
conseqüentemente, as normas não se aplicam ao trabalho doméstico. A fixação no
direito nacional da idade de 14 anos para início da aprendizagem está em
sintonia com o que dispõe o art. 6º da Convenção.
A
faculdade prevista no art. 8º da Convenção 138 para permissões individuais
para participação em representações artísticas,
não encontra óbice no direito nacional, à vista do que dispõe o Estatuto
da Criança e do Adolescente –ECA sobre mesma matéria (art. 149 §§ 1º e 2º).
Cabe,
porém, uma observação sobre sanções apropriadas para cumprimento dos
dispositivos da Convenção 138 (art. 9º). No direito brasileiro inexiste sanção
pelo descumprimento de normas concernentes ao trabalho doméstico, tanto do
adulto quanto do adolescente. Ratificando a Convenção 138, o Brasil assume o
compromisso de prever sanções ,ao menos,
para o trabalho doméstico do adolescente.
Inexiste incompatibilidade formal de
conteúdo entre as normas da Convenção
182 e as brasileiras sobre piores formas de trabalho infantil.
O Ministério do Trabalho criou uma
Comissão tripartite com a função de definir a lista dos tipos de trabalho como
piores formas de trabalho infantil. Até a data deste estudo, a mencionada
Comissão realizou a última atualização da lista com a publicação da Portaria
SIT/TEM n.º 20, de 13 de setembro de 2001, que elenca locais e serviços
perigosos e insalubres proibidos para adolescentes.
Por razões óbvias o trabalho doméstico do
adolescente não foi genericamente elencado entre os trabalhos proibidos.
Recente estudo (ano 2001) de Simon
Schwartzman sobre Trabalho Infantil no Brasil patrocinado pelo OIT-BRASIL,
revela números absolutos e relativos
muito altos de crianças e adolescentes empregados domésticos, índices que
variam de região, com predominância no setor urbano. O mesmo estudo indica,
também, uma desobediência generalizada e difusa das normas jurídicas de proteção
ao trabalho infantil doméstico.
Espera-se que o Projeto RLA/00/53/USA
traga novos e mais precisos dados ao menos quanto a regiões por ele atingidas,
com que certamente, apresentação de um perfil do trabalho doméstico infantil
regional sinalizando um perfil nacional não muito diferente.
Nota-se nas normas jurídicas brasileiras
uma discriminação legislativa em relação
ao trabalho doméstico em geral que afeta o trabalhador adolescente, infantil: A
Constituição enumera 34 direitos do trabalhador em geral, mas apenas 9
aplicam-se ao doméstico; a Consolidação das Leis do Trabalho- CLT de plano
exclui a aplicação de suas normas ao empregado doméstico.
Os projetos de leis timidamente procuram
elastecer os direitos dos empregados domésticos.
Mas se normas existentes fossem de fato
obedecidas, dar-se-ia um passo qualitativo relevante nas relações de trabalho
do empregado doméstico em geral e do infantil doméstico em particular.
Todavia, a lacuna maior que se percebe é
a inexistência de programas governamentais e não governamentais que visem
melhor proteção do trabalho doméstico infantil, omissão que, em tese , não era
de se esperar da parte de políticas públicas, de organismos tais como os
sindicatos de domésticas e o Ministério Público que tem tido uma destacada
defesa dos interesses difusos das crianças e adolescentes trabalhadores.
Chega-se, assim, à triste conclusão de
que em todos os setores não há programas e estratégias específicas que visem à
erradicação e proteção, nos limites em que é permitido, do trabalho infantil
doméstico; os existentes, visando ao trabalho infantil em geral, não voltam
suas ações para o doméstico.
O descumprimento das normas jurídicas de
proteção tem raízes profundas em toda uma cultura, que ainda traz resquícios do
regime escravocrata de séculos anteriores e de um equivocado “assistencialismo”
que, sob manto de dar proteção a crianças e adolescentes, especialmente do sexo
feminino, as mantinha (e ainda as
mantém) como empregadas disfarçadas, a quem se negam direitos trabalhistas e
previdênciários e, não raro, o direito à escolaridade e ao convívio social
externo.
O Brasil tem uma plêiade de ótimos
juslaboralistas, mas uma pesquisa em suas obras revela que a maioria, ou melhor
a totalidade, não tem sua atenção voltada para o trabalho infantil e do
adolescente, em seus escritos
faz-se menção das normas legais sem
maiores comentários. Obras que têm por objeto o trabalho doméstico passam ao
largo do trabalho infantil sem dar-lhe nenhum destaque. A pobreza na literatura
especializada é reflexo do desinteresse geral acima apontado, mesmo na atuação
de órgãos governamentais e não governamentais que cuidam do trabalho infantil.
Rol de juristas especialistas no direito
da criança e do adolescente:
·
Ricardo
Tadeu Fonseca, Procurador do Trabalho (15ª Região- Campinas), com tese de
mestrado sobre aprendizagem do adolescente.
·
Viviane
Collucci, Procuradora do Trabalho da 9ª Região (Paraná) e na cidade de
Curitiba, com estudo sobre trabalho educativo do adolescente;
·
Lélio
Bentes, Procurador do Trabalho, residente em Brasília, coordenador da Marcha
Global para Erradicação do trabalho infantil.
·
Marisa
Tieman, Procuradora do Trabalho da 9ª Região (Paraná), com estudo sobre
trabalho infantil.
·
Paulo
Frota, Juiz da Infância e Juventude em Belém do Pará, com estudo sobre “A
educanda trabalhadora doméstica”,
Cadernos Moara, vol.1, n.º 3. Um dos raríssimos estudos sobre trabalho
da empregada infantil doméstica.
·
Haim
Grunspun:- O Trabalho das Crianças e dos Adolescentes, ed. LTr. São Paulo,
2000.
Merece menção o estudo sobre “ O Trabalho
Doméstico de Meninas em Belém”, realizado pelo CEDECA-EMAUS e patrocinado pelo
UNICEF, Save the Children em 2000.
Notas:
[1] Nota do Conselho Editorial do Acervo Operacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente: o Decreto 55.841/65
foi revogado pelo Decreto
4.552/02.