Ato infracional correspondente ao crime definido no artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal. Aplicação de medida sócio-educativa de internação. Adolescentes primários, sem notícia de antecedentes desabonadores. Estudo social noticiando que possuem família e ocupação definida, contribuindo financeiramente nas despesas do lar. Ato isolado na vida de todos. Medida inadequada ao caso. Inteligência dos artigos 112, § 1º, e 122, § 2º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Apelos providos parcialmente para substituir a medida por liberdade assistida.

A medida sócio-educativa de internação, por constituir a mais grave de todas as previstas na Lei nº 8.069/90, deve ser aplicada em caráter excepcional, quando outra não se mostrar mais adequada (artigos 112, § 1º, e 122, § 2º, da lei citada). Sendo os adolescentes infratores primários, com bons antecedentes, constituindo o ato infracional fato isolado em suas vidas, e demonstrando os estudos sociais realizados que todos têm família, com comportamento normal, e ocupação definida, contribuindo financeiramente com as despesas do lar, a substituição da internação por liberdade assistida é medida que se impõe. TJSC. Apelação criminal (Réu Preso). 01.008201-2. Relator: Des. Maurílio Moreira Leite. Data Decisão: 07/08/2001.

 

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

 

Tipo:                      Apelação criminal (Réu Preso)

Número:                01.008201-2

Des. Relator:        Des. Maurílio Moreira Leite.

Data Decisão:       07/08/2001

 

Apelação criminal (Réu Preso) n. 01.008201-2, de Mafra.

Relator: Des. Maurílio Moreira Leite.

    Ato infracional correspondente ao crime definido no artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal. Aplicação de medida sócio-educativa de internação. Adolescentes primários, sem notícia de antecedentes desabonadores. Estudo social noticiando que possuem família e ocupação definida, contribuindo financeiramente nas despesas do lar. Ato isolado na vida de todos. Medida inadequada ao caso. Inteligência dos artigos 112, § 1º, e 122, § 2º, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Apelos providos parcialmente para substituir a medida por liberdade assistida.

    A medida sócio-educativa de internação, por constituir a mais grave de todas as previstas na Lei nº 8.069/90, deve ser aplicada em caráter excepcional, quando outra não se mostrar mais adequada (artigos 112, § 1º, e 122, § 2º, da lei citada). Sendo os adolescentes infratores primários, com bons antecedentes, constituindo o ato infracional fato isolado em suas vidas, e demonstrando os estudos sociais realizados que todos têm família, com comportamento normal, e ocupação definida, contribuindo financeiramente com as despesas do lar, a substituição da internação por liberdade assistida é medida que se impõe.

                 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 01.008201-2, da Comarca de Mafra, em que são apelantes H. T. de S., S de P. e J. dos S. F., e apelada a Justiça, por seu Promotor:

                 ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer dos recursos e dar-lhes provimento parcial para substituir a medida sócio-educativa de internação, aplicada na sentença, por liberdade assistida.

                 Custas legais.

                 Na comarca de Mafra, 1ª Vara Criminal, o representante do Ministério Público ofereceu representação contra os adolescentes H. T. de S., S. de P. e J. dos S. F., pela prática de ato infracional correspondente ao artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal. Narra a exordial que "em 5 de fevereiro de 2000, aproximadamente às 23h30min, os adolescentes ora representados acompanharam os adultos conhecidos como Sérgio Luiz Barbosa, vulgo 'Zezico', Sidnei Maés e Adriano Cardoso, no ato de agredirem Josuel Fibger e Silvana Jesus Gomes com socos, pontapés e golpes com facão, intimidando os mesmos a lhe entregarem seus pertences pessoais (relógio de pulso, sapatos, carteira com documentos e dinheiro), avaliados em R$ 85,00 (termo anexo), os bens, e R$ 60,00 em dinheiro. Fato ocorrido em Mafra, nas imediações da rodovia BR-116, próximo à Ponte dos Peixinhos. O adolescente S., na ocasião, portava o facão (apreendido nestes autos) de propriedade de H., e com o mesmo agrediu Josuel na cabeça, causando-lhe um corte no lado direito, bem como ameaçou-o e a Silvana de morte, caso os denunciassem à polícia. O adolescente H. participou ativamente na imobilização das vítimas e na subtração dos sapatos de Silvana Gomes, a pretexto de desejar usá-los posteriormente, praticando efetivamente atos físicos de violência. Além disso, o facão utilizado por S. foi-lhe entregue por H., bem como o mesmo H. liderou o ato de distribuir dinheiro roubado das vítimas aos cúmplices S. e J., como 'recompensa" pelo apoio dado. O adolescente J. acompanhou fisicamente os atos, em solidariedade aos assaltantes e agressores" (fls. 2/3).

                 No momento procedimental pertinente, a representação foi acolhida, sendo-lhes aplicada a medida sócio-educativa de internação, com avaliação semestral. Intimados pessoalmente da decisão, J. dos S. F. e H. T. de S. manifestaram desejo de recorrer. Nas razões ofertadas por H. T. de S, a meta é a substituição da medida de internação, sob o argumento de que está recuperado, é portador de bons antecedentes, tendo família, residência fixa e ocupação definida. Segundo alega, o resultado do estudo social realizado lhe foi favorável e, no convívio com outros infratores, irá "aprender a delinqüir". Além disso, "a política de recuperação não mais se coaduna com a adoção de medidas drásticas e radicais, é fato notório que o internamento como 'mecanismo recuperador' é totalmente precário, e quase sempre deixa o menor pior na saída do que quando lá chegou".

                 Em contra-razões, requereu o Ministério Público a manutenção do decidido.

                 Mantida a decisão, ascenderam os autos a esta instância, onde a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Hipólito Luiz Piazza manifestou-se pelo conhecimento e provimento dos apelos para que seja substituída a medida sócio-educativa aplicada pela de liberdade assistida, "haja vista a dualidade de componentes (família e autoridades afetas) na realização do desiderato buscado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente". Quanto à autoria e materialidade, entendeu restarem comprovadas no processo.

                 Por força do despacho de fls. 119/120, o processo retornou à origem a fim de que o defensor dos adolescentes S. de P. e J. dos S. F. fosse intimado para apresentar as razões recursais. Cumprida a diligência, foram ofertadas as razões pertinentes, onde pretendem, os recorrentes, a absolvição, porque "não se envolveram com a intenção de agredir as propaladas vítimas", apenas assistiram ao ocorrido. No mínimo, subsiste a dúvida, pois os depoimentos prestados pelas testemunhas são conflitantes. Alternativamente, objetivam a substituição da medida de internação por liberdade assistida, ao argumento de que o ato infracional noticiado na denúncia é fato isolado em suas vidas.

                 Novamente intimada, a acusação ratificou as contra-razões anteriormente ofertadas.

                 É o relatório.

                 A pretensão absolutória, manifestada nas razões recursais de S. e J. não merece acolhida, tendo em vista que a prova amealhada demonstra, satisfatoriamente, a autoria e a materialidade do ato infracional narrado na representação.

                 Os representados confessaram, em ambas as fases processuais, a autoria, sendo que J. afirmou que não participou das agressões, ficando, apenas parado, assistindo ao assalto. Contudo, o depoimento da vítima Silvana de Jesus Gomes, bem esclarecendo os fatos, não deixa dúvidas da participação ativa deste. Leia-se: "... foram abordados por um elemento, o qual era desconhecido da declarante e que estava com um grupo de cinco pessoas; que referido elemento pediu à declarante um cigarro e fogo; que, esclarece que ao dar o referido cigarro, foi surpreendida pelo elemento o qual lhe agrediu com um soco, sendo que os outros quatro integrantes do grupo, vieram para cima do declarante e de seu colega; que, inclusive, um dos elementos estava na posse de um facão; que, com o referido facão, desferiram um golpe com o mesmo contra a cabeça de Josuel; que os referidos elementos subtraíram da declarante e de seu colega um relógio marca Nike, a carteira com documentos, um boné, uma cinta, um par de sapato, e de seu amigo, um boné, a carteira com documentos e a quantia de R$ 60,00 (sessenta reais); que esclarece que os elementos, após obterem êxito na ação delituosa, ainda ameaçaram as vítimas com o referido facão de morte" (fls. 12/13). Suas palavras estão corroboradas pelos termos de entrega de fls. 10 e 11, bem como pelo depoimento prestado pelo comparsa H., à fl. 16, e pelas palavras de Sérgio Luiz Barbosa, quando afirmado "que todos batiam nas vítimas".

                 Dessa forma, não há que se falar em absolvição, sequer por falta de provas, considerando que os depoimentos guardam completa coerência entre si.

                 De outro lado, razão assiste aos apelantes quando pretendida a substituição da medida sócio-educativa de internação por outra menos severa, com a anuência do Dr. Procurador de Justiça.

                 Observa-se dos autos que o ato infracional noticiado na representação, muito embora cometido mediante violência e grave ameaça, constituiu fato isolado na vida dos adolescentes ora apelantes (certidões de fls. 34/36). Isto restou também demonstrado nos estudos sociais realizados com relação a cada um deles, isoladamente, onde consta que todos possuem família, vivendo em harmonia. Possuem também ocupações definidas, contribuindo financeiramente nas despesas do lar (fls. 62/70). Finalmente, transcorrido mais de um ano dos fatos narrados na representação, nenhuma notícia há de que tenham os adolescentes infratores perseverado na prática de atos infracionais.

                 O artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que "a medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa; II - ...". Assim, pode-se, desde já, observar que a expressão "poderá ser aplicada" transmite a idéia de faculdade. Para tanto, mister se faz a conjugação deste dispositivo com seu § 2º, de seguinte teor: "Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada". Assim, ainda que a conduta dos adolescentes se enquadre em alguma das hipóteses elencadas no artigo 122 da Lei nº 8.069/90, como, no caso dos autos, onde o ato infracional, equivalente ao roubo do Código Penal, foi praticado com violência e grave ameaça às vítimas, há que ser ponderada a possibilidade de imposição de medida mais adequada do que a de internação.

                 Segundo a doutrina de Emílio Garcia Mendez, "o art. 122 deve ser entendido no sentido de constituir uma especificação taxativa do caráter breve e excepcional da privação da liberdade, estabelecido no art. 121. Nesse sentido, o inc. I estabelece a necessidade da condição prévia e necessária da existência do ato infracional devidamente apurada. Ato infracional que, além do exposto, deverá reunir as características de grave ameaça ou violência contra as pessoas. Parece óbvio, se partirmos de uma interpretação holística do Estatuto, que o caráter grave da ameaça deve resultar das próprias características do fato apurado, e não das potencialidades derivadas subjetivamente da personalidade ou 'história' anterior do autor". Contudo, ao final, conclui: "Sem dúvida alguma, o aspecto mais importante do art. 122 se encontra no § 2º, que, literalmente, 'inverte o ônus da prova', obrigando a autoridade judicial a demonstrar que não existe outra medida mais adequada que a internação. A expressão 'em hipótese alguma' deve ser entendida no sentido de que, mesmo nas hipóteses dos incs. I e II do art. 122, a privação da liberdade deve ser evitada, existindo, antes dela, outras medidas de caráter mais adequado" (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Malheiros, São Paulo, 1992, p. 376-377).

                 Neste mesmo sentido é a orientação jurisprudencial: "'Roubo - Representação julgada procedente e imposta, ao adolescente, medida sócio-educativa de liberdade assistida - Recurso do Ministério Público que pretende substituição da medida aplicada por internação - Menor que não apresenta antecedente infracional, conta com respaldo familiar e não demonstra vivência infracional - Desnecessidade de segregação para obtenção de recuperação - Internação deve ficar reservada para os casos extremos, onde outra medida não se mostre suficiente para proporcionar a reeducação do adolescente infrator - Recurso não provido' (TJSP, Ap. 33.196-0/0, rel. Carlos Ortiz)" (ementa citada no corpo do acórdão da Apelação criminal n. 99.019721-2, de Seara, Relator Des. Amaral e Silva, julgada pela Primeira Câmara Criminal em 21.12.99).

                 De acordo com o preceituado pelo artigo 112, § 1º, "a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração". E, segundo o entendimento de Olympio Sotto Maior, "do elenco das medidas sócio-educativas, a que se mostra com as melhores condições de êxito é a da liberdade assistida, porquanto se desenvolve direcionada a interferir na realidade familiar e social do adolescente, tencionando resgatar, mediante apoio técnico, as suas potencialidades. O acompanhamento, auxílio e orientação, a promoção social do adolescente e de sua família, bem como a inserção no sistema educacional e do mercado de trabalho, certamente importarão o estabelecimento de projeto de vida capaz de produzir ruptura com a prática de delitos, reforçados que restarão os vínculos entre o adolescente, seu grupo de convivência e a comunidade" (op. cit. p. 340).

                 Assim, tendo em vista as condições pessoais de cada apelante, e considerando que a medida de internação não é a mais adequada ao caso, os recursos merecem provimento sob este aspecto, substituindo-se aquela por liberdade assistida (artigo 112, inciso IV, da Lei nº 8.069/90), observadas as formalidades do artigo 118, do mesmo diploma.

                 Caso o adolescente não cumpra a liberdade assistida, persistindo injustificadamente na resistência à medida, caberá a providência do artigo 122, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

                 Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Irineu João da Silva, e lavrou o parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Hipólito Luiz Piazza.

                 Florianópolis, 7 de agosto de 2001.

Alberto Costa

PRESIDENTE COM VOTO

Maurílio Moreira Leite

RELATOR

Des. Maurílio Moreira Leite

Apelação criminal (Réu Preso) n. 01.008201-2