EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA
JUÍZA DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE E ANEXOS DA COMARCA DE
CAMBÉ - PR
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça com atribuições perante esta
Vara da Infância e Juventude, com fulcro nos artigos 127; 129, incisos II e
III; 227, parágrafo 1º; esses da Constituição Federal; artigo 3º usque 7º da Lei nº 7.853/89, regulamentada pelo Decreto nº
915, de 06 de setembro de 1.993, artigos 4º e 11, parágrafo 2º; 201, inciso V e VIII do Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei nº 8.069/90), além das normas estabelecidas pela Lei 7.347/85, no
interesse de ..., filho de ...e de ..., nascido aos 15 de abril de 1.994,
residente... , nesta cidade, vem propor a presente
cumulada com pedido de LIMINAR contra o ESTADO DO PARANÁ,
pessoa jurídica de direito público interno, com sede em Curitiba, para tanto
passa a expor as seguintes razões de fato e de Direito:
É competente, sem
dúvida, para apreciar o pedido, o Juiz da Vara da Infância e Juventude e
anexos, ante a previsão do artigo 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
no capítulo referente à Proteção Judicial dos Interesses Individuais, Difusos e
Coletivos, à seguir transcrito:
“As ações previstas nesse Capítulo serão propostas
no foro local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou
omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa,
ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos
Tribunais Superiores.”
Ainda, pela regra do artigo 147, I do Estatuto da Criança e
do Adolescente, é competente o foro do domicílio dos pais ou responsável. Esta
é a determinação da competência sob o aspecto territorial e funcional.
Conforme lição
constante do Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários
Jurídicos e Sociais - Editora Malheiros, 2ª Edição, pg. 446:
“A lei estadual de organização judiciária dirá,
dentre os juízes, qual o competente para aplicação das normas do estatuto da
Criança e do Adolescente. Este será o juiz da infância e da juventude”.
O artigo refere-se a competência
territorial. A colocação foi imprópria, pois deveria suceder ao artigo 148, que
trata da competência relativa à matéria, que é mais genérica.
Trata o artigo 147 da competência territorial do
magistrado, que aplica o estatuto, dizendo que ela será determinada, em
primeiro lugar, ‘pelo domicílio dos pais ou responsável’. Só há invocação do
inciso II, ou seja, do lugar onde se encontre a criança ou o adolescente, à
falta dos pais ou responsável
Estatuto guarda coerência com a Lei de Introdução (artigo
7º, parágrafo 7º) e com o Código Civil (artigo 36)”.
Nos termos do
artigo 148, inciso IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“a Justiça da Infância e da Juventude é competente
para: conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou
coletivos, afetos à criança e ao adolescente, observando o disposto no artigo
209”.
Na obra supracitada, encontramos que:
“A
competência em razão da matéria, fixada na Lei Federal, é genérica e abstrata,
nada tendo com a de foro ou Juízo; refere-se ao juiz do Estatuto.
A competência de foro é regulada no artigo anterior e diz
com a comarca onde deva correr o processo, ou seja, o território.
O juízo é aquele, no território, designado como competente,
se vários existirem com jurisdição tutelar. Em qualquer caso, a lei local de
organização judiciária dirá a respeito.
Não há, como se viu no comentário ao artigo 146, uma
‘Justiça Especializada’, mas um ramo especializado da Justiça ordinária. As
Justiças Especializadas ( numerus
clausus) constam da Constituição Federal, que não
cogitou da Justiça e da Infância e da Juventude.
Sendo um ramo especializado da Justiça local, as leis de
organização judiciária regulamentarão o sistema de acordo com as peculiaridades
de cada Estado, mas, no que tange à competência, terão de se ater ao disposto
no artigo supra, prevalecendo a Lei hierarquicamente superior.
Os incisos I a VII referem-se às hipóteses de competência
concorrente.
Só o juiz indicado na organização judiciária como da
infância e da juventude pode conhecer das representações para a apuração de ato
infracional, dos pedidos de adoção, das
irregularidades em entidades de atendimento, das infrações administrativas
previstas no Estatuto ou dos casos encaminhados pelo Conselho Tutelar.
Quanto a guarda, tutela,
destituição do pátrio poder, perda da guarda, emancipação, alimentos, registro
civil, há que se invocar as hipóteses do artigo 98 do Estatuto.
Toda matéria atinente aos direitos fundamentais
relacionados na Lei 8.069 compete ao Juiz do Estatuto, como tal indicado na lei
de organização judiciária.”
Cabe ressaltar que nesta comarca de Cambé
não existe especificamente Vara da Infância e Juventude, razão pela qual a
matéria deve ser analisada pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude, conforme
previsão do artigo 209 do Estatuto.
No que tange à Vara de Fazenda Pública pelo réu ser o
Estado do Paraná, conforme jurisprudência, àquela Vara destina-se a apreciar
questões de direito tributário e de direito administrativo.
Pretende-se, pela
presente ação civil pública, compelir o Estado do Paraná, pessoa jurídica de
direito público interno, cumprir mandamento constitucional do artigo 227,
parágrafo primeiro, bem como os artigos 7º e 11, parágrafo 2º da Lei 8.069/90
(Estatuto da Criança e do Adolescente), e ainda artigo 2º e parágrafo único da
Lei 7.853/89, consistente no fornecimento de medicamento
CYSTAGON à criança ..., filho de ... e de ..., residentes nesta cidade, à Rua
..., que é portador da doença rara denominada Cistinose,
carente de recursos econômicos.
Nos termos da
legislação citada o tratamento à saúde deve ser prioritário quando se tratar de
criança ou adolescente à pessoa portadora de deficiência, correspondendo ao
interesse da criança mencionada, que necessita do remédio CYSTAGON.
Reza o artigo 201,
inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente, ser atribuição do Ministério
Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos
direitos individuais, difusos ou coletivos relacionados à infância e à
adolescência” (grifo nosso), donde nasce a legitimidade para a propositura.
Ainda, no mesmo codex, disciplina
o artigo 210, que “para as ações civeis fundadas em
interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente: I)
O Ministério Público; (...).”
No mesmo sentido é o artigo 3º, da Lei 7.853/89, ao prever
que: “as ações civis públicas destinadas a proteção de
interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão
ser propostas pelo Ministério Público ...” (grifo nosso) quando em benefício
dessas pessoas.
A legitimidade do
Ministério Público para a ação, está perfeitamente demonstrada, de forma que
não se pode questioná-la.
Pelo que se
depreende da leitura dos depoimentos de ... e de ..., brasileiros, casados
entre si, ele odontólogo e ela micro-empresária,
residentes na rua Finlândia, n°. 79, nesta cidade, o filho de ambos ...,
nascido aos 15 de abril de 1.994, portanto, com a idade de 05 (cinco) anos, é
portador de doença rara denominada de CISTINOSE, causadora da SÍNDROME DE
FANCONI, diagnosticada pela Dra. ..., do Instituto do
Rim, da cidade de Londrina, Paraná, com a contribuição, ainda, do Dr...., pediatra, desta cidade; do Dr.
..., oftalmologista, de Londrina, Pr., e do Dr. ..., pediatra, da cidade de São Paulo - SP.
Essa doença, tem
como índice de incidência a proporção de 1/200.000 (uma
pessoa em cada duzentas mil), dai, a sua raridade.
A CISTINOSE é uma
doença, disfunção, rara, hereditária,
caracterizada pelo acúmulo de cistina em órgãos tais como os rins. A
cistina, que são cristais, acumulada
excessivamente nos órgãos de uma pessoa causa danos ao rim, bem como a excreção
de quantidades em excesso de glicose, proteínas e eletrólitos. A CISTINOSE pode
ser detectada pela dosagem da quantia de cistina nas células dos glóbulos
brancos do sangue e em outras células do corpo humano. As conseqüências da
CISTINOSE são: baixo crescimento corporal, ossos fracos (fraqueza óssea) e
progressiva falência dos rins. A reposição dos eletrólitos, como potássio,
ainda se faz necessária durante a terapia com o CYSTAGON. Em pessoas normais, a
cistina é eliminada em quantidade suficiente para que não cause nenhum dano às
células. Porém, o portador de CISTINOSE não consegue, por si só, essa
eliminação do excesso de cistina, sofrendo danos irreversíveis às suas células,
dependendo, então, de uso de medicamento para que essa eliminação, da
quantidade em excesso, se efetive.
Caso não haja o tratamento médico, com o uso contínuo do
medicamento indicado (CYSTAGON) o portador dessa doença terá órgãos vitais
afetados, principalmente os rins, como já afirmado, levando-o à insuficiência
renal precoce e até à morte. A doença pode causar, ainda, o raquitismo, a
cegueira, além de lesões celebrais. Essa medicação deve ser consumida pela
pessoa doente por toda a sua vida, o que, além de traumático e doloroso para
quem dela faz uso é de elevadíssimo custo, inviável para os padrões de poder
aquisitivo das classes trabalhadoras deste País.
Felizmente, essa doença, na citada criança foi
diagnosticada precocemente, graças ao desprendimento de seus pais, em
submetê-la a constantes exames de controle por laboratórios existentes fora do
País, e medicação rigorosa, de altíssimo custo, ainda encontra-se viva,
dependendo, porém, de uso contínuo do medicamento conhecido como CYSTAGON -
sendo o seu princípio ativo o “Cisteamine Bitartrate” , único existente, pelo que se sabe,
atualmente, em toda a face da terra, que atua contra a doença.
No Brasil não são
realizados os exames de rotina, freqüentes, de quatro em quatro meses; tais
exames são realizados pela Universidade de San Diego,
na Califórnia, Estados Unidos da América do Norte, sendo que os pais da criança
se deslocam até a cidade de São Paulo, nessas ocasiões, de ônibus e, na
Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, é realizada a coleta do
sangue e a montagem de um “kit”, onde os glóbulos brancos são conservados e
fixados para posterior análise pela UCSD - Universidade San
Diego, de San Diego, na Califórnia, USA., a um custo
de R$ 1.000,00 (um mil reais) em cada um desses exames, incluindo-se ai, as
despesas de viagem até a cidade de São Paulo -Sp.
No que diz respeito ao medicamento, aqui, no Brasil, não é
fabricado e nem tem similar, seja nacional ou estrangeiro. Sua
fabricação, com exclusividade, dá-se pelo Laboratório MYLAN LABORATORIES, cuja sede é nos Estados Unidos
da América do Norte, sendo distribuído pela empresa denominada CHRONIMED
PHARMACY, cujo endereço é: 13.911 Ridgedale Drive, Minnetonka, MN 55305,
telefone (0021) (612) 979 3600 e fax (0021) (612) 979.3761; o custo do citado
medicamento, para uso por vinte (20) dias é de US$ 264,00 (duzentos e sessenta
e quatro dólares americanos), incluídas aí as despesas com o transporte aéreo;
é apresentado em embalagens de quinhentas (500) cápsulas de cento e cinqüenta
(150) miligramas, e de quinhentas (500) cápsulas de cinqüenta (50) miligramas,
sendo que, neste último caso, o custo é de US$ 664,00 (seiscentos e sessenta e
quatro dólares americanos).
Presentemente, a
criança vem fazendo uso de dosagem diária de mil e duzentos miligramas (1.200),
dividida em quatro (4) vezes ao dia, sendo trezentas (300) miligramas em cada
vez. A dosagem receitada pela Dra. ... (fls. 011),
médica na cidade de Londrina - Pr., especialista em nefrologia - pediátrica, vai aumentando-se, gradativamente, à medida
que a criança cresce.
Com o uso do
medicamento, na dosagem atual, a compra de um frasco contendo 500 (quinhentas)
cápsulas de cento e cinqüenta (150) miligramas, é consumida em 62 (sessenta e
dois) dias; o frasco com quinhentas (500) cápsulas de cinqüenta (50)
miligramas, por outro lado, consome-se em apenas 20 (vinte) dias.
A compra direta do
referido medicamento, para se evitar a importação, atualmente é feita pelos
pais da criança, com o dispêndio de US$ 264,00 (duzentos e sessenta e quatro
dólares americanos), ou quase R$ 528,00 (quinhentos e vinte e oito reais) a
cada 20 (vinte) dias.
O frasco de 500 (quinhentas) cápsulas de 150 (cento e
cinqüenta) miligramas, por ultrapassar o valor de US$ 500,00 (quinhentos
dólares americanos) gera os impostos de importação (federal) e ICMS (Estadual),
além do custo do desembaraço aduaneiro, na cidade de Campinas, Sp., onde se
situa o Aeroporto de Viracopos, para onde o
medicamento, em sendo o caso de importação, é remetido pelo distribuidor em Minnetonka (MN) - USA.
Segundo o que foi afirmado pelo Dr....,
Secretário Municipal de Saúde (fls. 026), o referido remédio não consta da
lista básica de medicamentos que devem ser fornecidos à população pela
Municipalidade de Cambé, sendo que a obrigação de seu
fornecimento, neste caso, deveria ser do Governo do Estado ou da União.
Em verdade, pela relação de fls. 036, constata-se que
referido medicamento, seja pelo seu nome de fantasia - CYSTAGON -, ou o do seu
principio ativo - CYSTEAMINE BITARTRATE -, não consta da listagem básica citada
pelo DD. Secretário Municipal de Saúde, o que leva a crer, então, que tal
remédio por não ser de fornecimento obrigatório pela municipalidade deve, tal
obrigação, então, recair sobre o Estado do Paraná, onde os pais da criança e
esta residem, sendo que, pelo visto, há obrigação tanto do Estado quanto da
União.
Os pais da criança - ... e ..., reclamaram o fornecimento
do medicamento junto à 17a. Regional de Saúde, em Londrina, através da
Secretaria Municipal de Saúde e como pode ser visto do documento de fls. 013,
de 25 de setembro de 1.997, referida Regional respondeu de forma negativa,
embora tivesse a obrigação de resolver a questão. Essa negativa teve por base a
inexistência da medicação na listagem dos medicamentos básicos.
O Conselho Municipal de Saúde (fls. 017), em reunião
realizada em data de 09 de março de 1.999, nesta cidade, da qual o pai da
criança participou, a pedido dele (fls. 015), aprovou, por unanimidade, a
remessa de documento para a Comissão Bipartide
Estadual e, em sendo o caso, depois, à Comissão Tripartide
Federal, questionando a respeito do posicionamento do Ministério da Saúde
quanto às doenças crônicas, cujo tratamento não exista no Brasil.
Recentemente, pela imprensa televisiva, foi noticiado que
já houve deferimento de liminares, determinando ao Poder Público, o custeio de
tratamentos de pessoas portadoras de doenças raras, fora do país, para os
quais, aqui não existiam meios. Há, por outro lado, inúmeros casos que estão,
dia a dia, sendo noticiados por toda a imprensa, onde se vê, com clareza absoluta, que o Poder Público, seja ele Municipal,
Estadual ou Federal, tem a obrigação de garantir o fornecimento de medicamentos
a quem deles necessitar, observando-se o preceito constitucional de garantia
dos direito à saúde.
Os pais da criança estão desesperados, tanto é que, o
Jornal de Londrina, em edição de 19 de agosto de 1.999 (fls. 023), publicou uma
reportagem onde a mãe dela - criança - comenta a situação da doença rara do seu
filho; o fato, absurdo, de a criança ter ingerido, em um único dia, doze litros
de água, expelindo oito litros de urina; os passos que já deram na busca do
atendimento a ele e o seu inconformismo de não ter, ainda, obtido qualquer
resposta positiva oficial.
Sua esperança, como diz, está na atuação do Ministério
Público. Complementa-se: deve estar, também, no Poder Judiciário, além da
certeza de sensibilidade de quem tem a obrigação de lhe dar o remédio.
“
... MEU FILHO É UM CIDADÃO E TEM DIREITO À VIDA. POR ISTO ESTAMOS
LUTANDO “. (fls. 23).
Os recursos que possuem são insuficientes para amparar o
filho com o tratamento da doença da qual o mesmo está acometido, na iminência
de, na falta do medicamento importado, ter risco de vida; mesmo que tais
recursos tivessem, mas, em verdade, não os tem, há a obrigação do Poder Público
em lhes prestar esse atendimento, já que se trata de um direito liquido e certo
amparado na Constituição Federal.
Então, diante de
tantas portas fechadas aos reclamos dos pais da criança; diante, ainda, da
negativa dos poderes públicos municipal e estadual em lhes
fornecer o medicamento, só porque não consta ele da listagem básica dos
a serem fornecidos à população; diante, ainda, da previsão constitucional de
direito à saúde a todos, é que o Ministério Público deste Estado, em
atendimento ao pedido que lhe foi formulado, vem a este Juízo para pleitear
que, por ordem de V. Exa., referido medicamento seja incluído na listagem
básica a que se referiu o DD. Secretário Municipal de Saúde, e fornecido à
citada criança, dentro da regularidade que a doença requerer e, em 10 (dez)
dias, contados da intimação da liminar que, por certo, de plano, haverá de ser
deferida.
Neste aspecto -
cumprimento da liminar - basta que o requerido - O Estado do Paraná -, através
de sua Secretaria de Estado da Saúde, remeta a receita médica (fls. 20) com o
pedido, estabelecendo forma de pagamento, via fax, pelo n° (0021) (612)
979-3761, que, ao custo acima mencionado, independentemente de qualquer
procedimento licitatório, já que o valor está dentro
do limite (R$ 8.000,00) para compra com dispensa de licitação, para que, dentro
de, no máximo 05 (cinco) dias, o medicamento esteja a
disposição do comprador.
IV- DO DIREITO
Justifica o pedido
e, de resto, demonstra a conduta contra legem do
Estado do Paraná, a ordem constitucional que regulamenta a hipótese em apreço.
O pedido é balizado
no artigo 227, da Constituição Federal a seguir transcrito:
“É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, além
de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão” (destaque nosso).
Estabelece o
Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, in verbis:
“É dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à conveniência familiar e comunitária.”
(destaque nosso).
A Lei 8.069/90,
arrola ainda, em capítulo próprio, como direitos fundamentais da criança e do
adolescente, o direito à vida e à saúde. Vejamos os artigos a seguir
transcritos:
“Artigo 7º: A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à
saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de
existência” (destaque nosso).
E ainda:
“Artigo 11: É assegurado atendimento
médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantido
o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde.
Parágrafo primeiro: ...
Parágrafo segundo: Incumbem ao Poder Público fornecer
gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos, próteses e outros
recursos relativos ao tratamento, habilitação e reabilitação”.
(destaque nosso).
No mesmo sentido, a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1.989,
em seu artigo 2º, assegura como prioridade o atendimento aos direitos da pessoa
portadora de deficiência:
“Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às
pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos,
inclusive dos direitos à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao
amparo à infância e a maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição
e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.” (destaque
nosso).
A Legislação
assegura o direito à criança, ao adolescente e à pessoa portadora de
deficiência o acesso com absoluta prioridade à saúde.
Contudo o Estado do
Paraná, desobedecendo preceitos constitucionais, não
fornece e nega-se em fornecê-lo, ao infante Paulo César o medicamento
necessário ao controle dos males decorrentes da doença que porta, colocando em
risco a sua saúde e até a vida.
Além de tudo, o
próprio Estatuto da Criança e do adolescente impõe ao Poder Público a obrigação
de concessão de medicamentos às crianças que não tenham condições de arcar com
o necessário tratamento.
O egrégio Superior
Tribunal de Justiça, como não poderia deixar de ser, já decidiu em caso
envolvendo a idêntica questão que:
“MEDIDA
CAUTELAR - Medicamento - Ceridase - Fornecimento -
Liminar satisfativa - Direito à vida.
É vedada a concessão de liminar contra atos do Poder
Público, no procedimento cautelar, que esgote, no todo ou em parte, o objeto da
ação. Neste caso, entretanto, o que estaria sendo negado seria o direito à
vida, pois sem o medicamento recorrido não sobreviveria” (STJ
- Resp. nº 127.604 - RS - Rel. Min. Garcia Vieira - J. 18.12.97 - DJU
16.03.98); e,
“MANDADO DE SEGURANÇA -
Concessão - Menor portador de doença rara, necessitando de medicamento
importado - inocorrência de violação a Lei 1.533/51, artigo 1º.
Além do elevado sentido social da decisão, a concessão da
segurança, para compelir o órgão competente a fornecer medicamento
indispensável ao menor impúbere portador de moléstia rara, não viola a lei e se
harmoniza com a jurisprudência sobre o tema”. (STJ -
Resp. nº 57.869 - RS - Rel. Min. Hélio Mosimann - J.
26.05.98 - DJU 15.06.98).
V- DO PEDIDO
1.
PEDIDO DE LIMINAR
Ante a relevância do fundamento da demanda, e tendo em
vista os sérios gravames que possam ocorrer à criança ... (fls. 10), pela
demora de concessão por parte do Estado do Paraná do remédio CYSTAGON que deve
ser utilizado de forma contínua e ininterrupta, não sendo possível o aguardo de
sentença final para o cumprimento da obrigação resultante de Lei, sob pena de irreparabilidade
do prejuízo desta forma causado, requer a Vossa Excelência, com fulcro no
artigo 213, parágrafo primeiro da Lei 8.069/90, se digne expedir ordem liminar,
sem justificação prévia, determinado ao Estado do Paraná, na pessoa do seu
representante legal, o cumprimento dos imperativos legais constantes dos artigo 4º, do referido Estatuto da Criança e do
Adolescente; 227, da Constituição Federal e 2º da Lei 7.853 de 24 de outubro de
1.989, consistente em , dentro do prazo máximo de 10 (dez) dias, contados da
intimação da liminar, adquirir e fornecer à criança ..., aqui qualificada, o
medicamento CYSTAGON (Cysteamine Bitartrate),
em cápsulas, em quantidade necessária ao seu consumo, enquanto, pelo seu
médico, lhe for receitado, devendo para tanto adotar as medidas que se fizerem
necessárias, inclusive de importação, disponibilizando-o através da 17a.
Regional de Saúde, em Londrina, Pr., assegurando
desta forma, à citada criança, com absoluta prioridade, a efetivação do seu
direito referente à vida e à saúde. Requer-se, ainda, seja fixada multa diária,
no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), a ser exigida do requerido, no caso de
descumprimento da liminar, sob qualquer alegação, revertendo, oportunamente, ao
Fundo de Defesa de Direitos Difusos, na forma da Lei n°. 9.008, de 21 de março
de 1.995.
Cabe salientar que o periculum in
mora na presente ação reside na fragilidade da saúde de ..., inclusive com o
risco concreto e alto de ocorrência de danos substanciais no seu
desenvolvimento sadio e da sua própria vida, e ainda, no fato de que, sem o uso
do medicamento CYSTAGON, a cada dia que passa sua saúde mais se deteriora, com
risco de falência dos órgãos vitais dela.
No tocante ao fumus boni iuris, este repousa no
Estatuto da Criança e do Adolescente que adotou a doutrina da proteção
integral, bem como na Lei 7.853/89, nos artigos antes mencionados, pois o
legislador pátrio buscou garantir a proteção judicial dos interesses
individuais, difusos e coletivos, assim como já previsto na Constituição Federal.
A Lei nº 8.069/90 assegura a possibilidade de concessão de
liminar sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, como é objeto da presente ação.
Ilustrando, apenas, quanto à liminar:
Superior Tribunal de Justiça (fls. 061/064), decidiu que, a
aquisição de medicamento para o tratamento de doença crônica, sem licitação,
pela singularidade da situação, não viola a lei e se harmoniza com a
jurisprudência sobre o tema.
LIMINAR, em pedido semelhante do Ministério Público, foi
deferida pelo Juízo de Direito da Vara da Família e Anexos da comarca de
Apucarana, Pr., onde, como aqui, se objetivava o
fornecimento de medicamento para o tratamento de doença rara (Doença de Gaucher), com o custo de US$ 6.000,00 (seis mil dólares
americanos), conforme se vê às fls. 065/068.
2. CITAÇÃO.
Assim, mercê de todo o exposto, requer-se que Vossa
Excelência, apreciado e deferido o pedido de liminar, determine a citação do
ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público interno, na pessoa do
Excelentíssimo Senhor Dr. Procurador Geral, na Rua
Marechal Hermes, n°. 999, Edifício Castelo Branco, Centro Cívico, em Curitiba -
Pr., para, querendo, contestar a ação, bem como para
acompanhá-la até final sentença, sob pena de revelia.
Requer-se a produção de todas as provas em direito
admitidas e, em especial, os depoimentos pessoais de ... e de ... , pais da
criança ..., todos encontráveis através do endereço - Rua ..., nesta cidade.
A final, provado o quando baste, seja esta julgada
procedente, para o fim de ser DETERMINADO ao requerido - ESTADO DO PARANÁ,
pessoa jurídica de direito público interno, o fornecimento à criança ..., do
medicamento CYSTAGON, em cápsulas, enquanto o mesmo dele necessitar, sob
receita médica, incluindo-se, se assim for necessário, tal medicamento na lista
básica dos que são fornecidos à população.
Por fim, a concessão da gratuidade
processual ao autor, nos termos do artigo 18 da Lei nº 4.347, de 24 de
julho de 1.985.
Dá-se à causa, para efeitos legais, o valor de R$ 500,00
(quinhentos reais).
Nestes termos,
Pede deferimento.
Cambé, 22 de outubro de 1.999.
PROMOTOR DE JUSTIÇA