POLÍTICAS
PÚBLICAS E O PROTAGONISMO JUVENIL
Olympio
de Sá Sotto Maior Neto
Procurador de Justiça do Ministério
Público do Estado do Paraná.
Políticas públicas constituem
propostas do Estado formuladas com o objetivo do
cumprimento de seu papel institucional e indelegável de atuar na promoção do bem-estar de todos, especialmente pelo
asseguramento e universalização dos direitos
elementares à cidadania, tais como educação, saúde, habitação, saneamento,
urbanização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e, em caráter
supletivo, assistência social. Quanto mais injustas as estruturas estabelecidas
numa sociedade maior a necessidade de intervenção
positiva do Estado no sentido da regulação e proteção social (portanto, o
discurso do “Estado-Mínimo” comparece absolutamente inadequado à realidade dos
países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, onde se encontram no meio social
parcelas significativas de marginalizados, ou seja, de pessoas que vivem à
margem dos benefícios produzidos pela sociedade). A modificação da realidade
social, todavia, não se dá apenas com a formulação
de políticas públicas, mas sim com a canalização dos recursos públicos
necessários à implementação dos objetivos, diretrizes e
estratégias destinados à sua respectiva execução.
Vale dizer, para que as políticas públicas traçadas não permaneçam meras
declarações retóricas (e, por isso mesmo, postergadas na sua efetivação ou
totalmente relegadas ao abandono), necessárias a previsão
dos recursos orçamentários indispensáveis ao financiamento das mesmas. Daí a
compreensão de que o lugar da cidadania é no ordenamento jurídico
(principalmente no campo dos comandos constitucionais) e nos planos
governamentais, mas também – e “inafastavelmente” –
nos orçamentos públicos.
Embora recomendação aprovada no
documento resultante da avaliação do Cairo +5, referendado na 21ª
Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU (realizada em 1999), no sentido de
que “as políticas voltadas para os jovens devem envolvê-los de maneira ativa no
delineamento, implementação e avaliação de tais programas”, forçoso reconhecer
que os jovens se encontram ainda muito aquém
de uma desejada interferência positiva na realidade que estão a vivenciar. No
Brasil, infelizmente, a regra é a do não reconhecimento da política como espaço
relevante – e indispensável – na vida
social. Soma-se aqui a experiência negativa da falta de participação das
gerações que experimentaram a opressão da ditadura militar iniciada em 1964 (vale
dizer, dos que não participaram das questões políticas nos vinte anos de regime militar e agora,
enquanto adultos, não abrem espaços - e
até criam obstáculos - à participação dos jovens) com o fato de que, pela via
da manipulação ideológica, declara-se atualmente o desaparecimento das utopias, dando-se a entender que não
mais existe campo para os ideais de justiça e solidariedade (de molde a afastar
o interesse pelas questões relativas ao tipo de sociedade e de Estado em que se
vive, assim como o papel que neles se pode desempenhar). Ainda, verificam os
jovens na prática cotidiana a supremacia dos valores ditados pela ordem
econômica (na maioria das vezes estabelecidos a partir de
determinações geradas nos escritórios acarpetados de empresas multinacionais ou
transacionais, que querem ver mais
competitividade, produtividade, lucratividade, etc.) em detrimento
daqueles infirmados pela igualdade, fraternidade, solidariedade e respeito à
dignidade da pessoa humana. O imobilismo (que, aliás, não é uma postura
politicamente neutra, mas sim
com a carga de propiciar a manutenção do status quo vigente) e o desinteresse
(decorrente da ignorância política) acabam então prevalecendo. De igual
maneira, a maioria dos jovens não integra movimentos populares ou organismos da
sociedade civil, que se constituem, quando fundados em objetivos genuinamente
democráticos, significativos espaços de politização
e, por isso mesmo, de protagonismo (do
grego, proto que
significa “o principal” e agonistes que significa “lutador”) consciente.
A participação não é um fenômeno produzido pela “natureza das
coisas”, mas, isto sim, uma área de intervenção conquistada. Exceto no que toca aos governantes que professam
verdadeira democracia (e, de conseqüência, buscam legitimidade popular), a regra é a de não se compartilhar o poder com a população, principalmente
quando, como ocorreu aqui no Brasil, verifica-se a hipertrofia do executivo,
determinando supremacia do mesmo em relação aos demais
poderes. A co-gestão das
coisas públicas pela participação da sociedade civil, o exercício do poder diretamente pelo povo, a denominada democracia participativa (prevista
expressamente no par. único, do art. 1º, da Constituição Federal),
carecem de efetividade na realidade política brasileira. Além da atividade político-partidária (inclusive concorrendo a cargos eletivos e, dessa sorte, agindo
diretamente na esfera estatal),
os jovens podem ampliar sua intervenção nas políticas públicas integrando
organismos estatais que contemplem a “participação da população, por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis” (conforme
previsão do inc. II, do art. 204, da Constituição Federal) ou, ainda,
colaborando no processo já desencadeado de organização popular (filiando-se a
grêmios estudantis, movimentos populares, associação de moradores, comunidades
de base, sindicatos, etc. podendo-se aqui apresentar como bom exemplo, pelas
ações que desenvolve, o Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Cidadania
- IIDAC). Na área específica da infância e juventude, entre outras formas,
possível a participação nos Conselhos de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente (que têm a incumbência de formular a política de atendimento a tal
população em todos os níveis e deve contar com composição paritária entre representantes
dos órgãos públicos e das entidades da sociedade civil) e nos Conselhos
Tutelares (composto por pessoas eleitas pela comunidade e a quem incumbe, além
da fiscalização de todo o sistema de atendimento a crianças e adolescentes,
também a atenção e encaminhamento de crianças e adolescentes em situação de
risco pessoal, familiar ou social), assim como nos Centros de Defesa e nos
Fóruns dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O interesse pela política em geral e,
em especial, pelas políticas públicas, significa a possibilidade da superação
de uma postura de mero espectador
dos acontecimentos sociais, permitindo o surgimento do cidadão sujeito da história e construtor de nova ordem social. O
jovem protagonista, que atende a
propósitos de desenvolvimento do senso crítico, da responsabilidade social, do
sentimento participativo, da expressão franca e livre do pensamento, acaba se
constituindo importante agente político de transformação social, inclusive na
progressiva inclusão da solidariedade como valor supremo de um estado de
direito democrático (aqui entendendo-se que a desejada
isonomia material se dá não
apenas quando todos são tratados de forma igual perante a lei mas, isto sim, quando todos são tratados de forma
igual na lei, buscando-se
inclusive o tratamento necessariamente privilegiado
para aqueles que são desiguais na realidade social). Por outro lado, o
desinteresse pela política importa colaborar na manutenção das injustiças
sociais, em ser, face à omissão, co-responsável
pela situação de indignidade e subcidadania
experimentada pelos excluídos sociais (daí a correta sentença de Brecht no
sentido de que o pior dos ignorantes é o analfabeto político).
Não obstante, 31% da população
brasileira (cerca de 49 milhões de pessoas) seja composta por pessoas na
faixa etária entre 10 e 24 anos, verifica-se a inexistência entre nós de uma política pública de juventude, capaz
de responder a necessidades específicas dos jovens, bem como de garantir, por
essa via, um projeto de nação progressivamente melhor e mais justa. Embora a
comemoração em 1985 do Ano Internacional da Juventude (e a elaboração da
Resolução 40/14, da Assembléia Geral das Nações Unidas) e a adoção em 1995 do
Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além (Resolução
50/81), não contamos ainda com uma política nacional de juventude de caráter
integral, abrangente da questão juvenil em todos os seus componentes. Aliás,
mesmo no que diz respeito aos direitos mais elementares para tal população,
como educação (enquanto espaço adequado para o desenvolvimento pessoal e de
preparo ao futuro exercício da cidadania), saúde (aqui incluindo informações e
serviços pertinentes ao desempenho da vida sexual e reprodutivas seguras) e
profissionalização (de iniciação profissional e bem assim de inserção no
mercado formal de trabalho) constata-se a falta de efetividade dos nossos planos governamentais. Num plano
geral, sabemos que nosso país - pela política
econômica adotada - acabou se transformando no campeão mundial das desigualdades sociais, determinando
com que as riquezas, produzidas por todos, acabassem concentradas em mãos de
grupos minoritários e hegemônicos (detentores do poder econômico e,
freqüentemente, do poder político), que se beneficiam da estrutura social
injusta estabelecida, em detrimento de uma maioria de excluídos sociais (assim os sem-alimentação, os sem-teto, os sem-terra, os sem-saúde,
os sem-educação, os sem-profissionalização, os sem-trabalho, os
sem-salário-justo, ou seja, os sem-oportunidade-de-vida-digna). Enfim, a
participação dos jovens na política em geral e, de maneira específica, na
formulação e execução das políticas públicas (dando inclusive especial atenção
às leis orçamentárias, que precisam ser acompanhadas desde a elaboração dos
planos plurianuais, passando pela lei de diretrizes
orçamentárias, pela lei orçamentária propriamente dita e até o acompanhamento
de sua execução; bem como lembrando que, em razão de comando da prioridade absoluta, contemplado no
art. 227, da Constituição Federal, a área da infância e juventude deve receber destinação privilegiada de recursos),
certamente trará resultados positivos na formação cidadã de cada um deles (que inclui o desenvolvimento de
salutar sentimento de indignação
frente às injustiças e de solidariedade em relação aos injustiçados) e, mais
que isso, importará significativa contribuição ao indispensável controle social das ações estatais,
ajustando-as ao objetivo fundamental da República Federativa do Brasil que é o
de instalar uma sociedade livre, justa e solidária.