O PERFIL DO PAI
CUIDADOR*
Ana Lúcia M de Rezende[1]
Enfermeira.
Ilca L.K. Alonso[2]
Enfermeira.
Resumo: Neste estudo,
procuramos esboçar o perfil de alguns homens-pais que
desejavam participar dos cuidados dos filhos lactentes. Buscamos detectar as sua expectativas, dificuldades, gratificações, percepções e
sentimentos em relação aos atos de paternar o filho. Este estudo foi desenvolvido através da
análise de dados obtidos na observação e nos depoimentos apresentados em 18
entrevistas realizadas com homens-pais, usuários de
uma unidade básica de saúde, em Florianópolis, Santa Catarina. Os resultados
demonstraram que, atualmente, os homens parecem estar desejando se envolver
mais proximamente nos cuidados das crianças; no entanto, em muitas situações,
esta nova face da paternidade não é compreendida e nem estimulada por parte das
mulheres e da equipe de profissionais da saúde. Os autores almejam que este
estudo possa contribuir para aprimorar a qualidade da assistência às crianças
em processo de crescimento e desenvolvimento, com destaque à importância da
inclusão dos homens-pais nos programas de assistência
à saúde infantil; para tanto, faz-se necessária uma atitude reflexiva por parte
dos profissionais da saúde, no cotidiano da sua prática profissional.
Palavras-chave:
Papéis sociais; maternidade; paternidade; cuidados infantis.
Ao longo da história os cuidados infantis vêm
acompanhando o viver cotidiano das mulheres como algo inerente ao seu papel
social. Nos dias de hoje estão surgindo mudanças nas relações familiares decorrentes
da inserção da mulher no mercado de trabalho e das modificações que ocorrem na
sociedade de uma forma geral. Assim, o lugar do pai no cuidado dos filhos
também tem passado por transformações ao longo da história das famílias. As
conquistas femininas no mercado de trabalho e a flexibilização da rigidez do
papel do macho na instituição familiar têm sido fatores determinantes
destas mudanças de percepção.
Parece, então, estar despontando uma nova paternidade
em que há um envolvimento maior dos homens-pais nos cuidados dos filhos,
acentuando as relações de afeto, a subjetividade e a liberdade no
relacionamento familiar. Este novo processo de paternagem é, em muitas
situações, pouco compreendido pelas próprias mulheres-mães que relutam
sutilmente em não abrir mão da exclusividade dos atos de cuidar dos filhos e do
status que este papel lhes confere na sociedade.
Durante o desenvolvimento do trabalho:
Buscando caminhos para viver saudável: uma prática
educativa de enfermagem voltada às mulheres “mães de primeira viagem” em seus
enfrentamentos cotidianos (ALONSO, 1994), pode-se constatar que os sujeitos
do trabalho mães de primeira viagem, vale dizer, aquelas mães de
primeiro filho, referiam-se aos maridos e companheiros como incompetentes para
prestar cuidados às crianças, reservando a eles os papéis de manutenção do lar
e reservando para si próprias o cuidado direto às crianças.
Os extratos das falas a seguir são indicativos desta
percepção:
...ele faz tudo, mas fralda ele não troca
...ele não
sabe, põe de um lado sai do outro.
...eu não sei
se ele não tem jeito, mas pra mim nenhum homem tem, trocam mal.
...banho eu
mesma gosto de fazer do meu jeito.
...roupa eu
mesma gosto de botar do meu jeito ... eu sou assim
Todavia é preciso duvidar do óbvio e então se pergunta:
será mesmo preciso uma grande habilidade para que uma fralda seja colocada
corretamente? Habilidade esta impossível de ser adquirida por um homem?
...mesmo quando ele se dispõe a fazê-lo? Por outro lado, esta nova face da
paternidade também não é reconhecida e nem valorizada pela maioria dos
profissionais da saúde, no momento em que prestam assistência às crianças.
Durante as atividades teórico
práticas da quarta fase do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), desenvolvidas em um Centro de Saúde II, na
periferia de Florianópolis, Santa Catarina, foi possível observar que muitas
vezes os pais compareciam às consultas pediátricas, acompanhando suas mulheres
e seus filhos. Nestas ocasiões, observou-se que estes pais pareciam
interessados em cuidar da criança, tirar-lhe a roupa para o exame físico,
carregá-la, serem questionados e orientados em como cuidá-las. No entanto, era
lhe destinado um lugar na retaguarda da mãe e, muitas vezes, ignorado pelo profissional
da saúde que atendia à mãe e à criança. Cabia, assim, ao pai carregar a sacola
de fraldas e pertences da criança e, emudecido, aguardar o exame e as
orientações como um mero acompanhante do binômio (mãe e filho), que não lhe
dizia respeito diretamente e não considerado como uma tríade na qual desejava
estar envolvido, num espaço que lhe era negado. O incômodo que esta situação
causou constitui-se no desafio para este estudo. Seria mesmo desejo do pai
cuidar da criança? Estaria ele disposto a tal e a ser orientado para estas
tarefas? Teria tido já alguma experiência em cuidar de crianças? Quem é este
pai, que reduzido à posição de expectador, de não participante, que assistia a
distância, senão espacial, mas simbólica, aos cuidados do próprio filho?
Decidimos questioná-lo. Buscamos saber seus desejos, suas percepções, suas
dificuldades e suas experiências.
Consideramos que os conceitos e pré-conceitos da
modernidade são invadidos por contradições e incertezas de papéis de gênero.
Revendo a literatura da história da família pode-se
constatar que os papéis masculino e feminino sofrem consideráveis
transformações. Se antes o espaço público era direito e dever do homem e,
conseqüentemente, à mulher cabia a interioridade do lar, percebe-se que estas
divisões assumem fronteiras tênues na contemporaneidade; que o instituído é
solapado pelo vivido, nem sempre fiel ao dever-ser e que o estabelecido
universo feminino, da ordem do privado, mistura-se ao universo público, antes
só reservado ao cabeça do casal.
A literatura que analisa o poder do pai ao longo da
história humana ocupa um lugar limítrofe entre o público e o privado.
No antigo Direito Romano, 752 a.C.-535 d.C., o
direito do pater familias estendia-se não só sobre os filhos e netos
mas, também, sobre a esposa e escravos. O conteúdo deste direito era tanto
pessoal como também patrimonial. Tal direito assegurava ao pater familias o
poder de vida e de morte sobre aqueles dependentes e, embora o infanticídio
fosse proibido pela Lei das XII Tábuas, em caso de excepcionalidade, tal
exercício era submetido à consulta prévia do consilium domesticum, composto
por homens idosos da comunidade. Rejeitar e abandonar o filho aleijado, ou
considerado monstruoso - o ius exponendi - era uma obrigação do pater
familias, no período mais remoto de Roma. (CORREIA, 1961). O nascimento de
um filho não era fato biológico. Para um recém-nato ser recebido na sociedade
romana era necessário a ritualística do Tollere.
Nascida a criança, se o pai a desejava,
levantava-a do chão, onde a parteira a tinha depositado. Ao tomá-la nos braços
dizia à sociedade que ele a acolhera, não a rejeitava e manifestava que ele a
reconhecia, mesmo que ela não fosse seu filho biológico. Assim, os filhos
romanos eram tomados não importando os sentimentos maternos, pois era
uma prerrogativa do pater familias. Caso o pai não a levantasse seria
ela exposta diante da casa ou num monturo público.
Todas as aquisições que redundassem em acréscimo do
patrimônio familiar eram consideradas como pertencentes ao pai, uma vez que era
ele tido como a única pessoa capaz de direitos e obrigações. Marcadamente
patriarcal a família romana estendeu-se pelo ocidente, através das conquistas e
dominações de Roma, destacando-se a rigidez na relação pai-filho e assegurando a
dominação do primeiro sobre o segundo.
MENDRAS (1953) constatou não se tratar apenas de
comportamentos e normas burguesas, mas que tal ocorreria também entre as
populações rurais. Assim, a vigilância sobre o comportamento da prole era dever
do pai. Tal autoridade conferia ao pai o dever de controle dos filhos na
definição de profissões, estudo, trabalho e, inclusive, do casamento.
Particularmente no caso das uniões conjugais quando existia um patrimônio
considerável, aos jovens não eram permitidas uniões afetivas, com a escolha
pessoal do cônjuge. O casamento era um assunto de família e nesta, a voz
paterna era a que mais alto soava.
“Numa escala reduzida, ela (a família)
dispõe dos mesmos atributos que o Estado: uma autoridade suprema, um sistema de
leis, uma jurisdição (judicia doméstica) que lhe permite se fazer respeitar, um
culto pessoal com as suas próprias cerimônias que coexistem com o culto
público, o pai de família sendo o celebrante.” (MENDRAS, 1953)
Com a retração dos papéis públicos a família concentrou-se
em seus papéis privados. Seguramente, o paulatino distanciamento do espaço do
trabalho, de inicio familiar, desenvolvido no domicílio e coparticipado
por toda a família, contribuiu para este novo quadro social. Trabalhar passava
a significar, com a criação das empresas, sair do reduto do lar. O universo
doméstico passava a ser gerenciado pela mãe de família, em
geral, ajudada por outras mulheres tais como: filhas, avós, vizinhas,
amigas, e algumas vezes, empregadas. Pode-se assim falar de uma privatização da
família. A espacialidade pública era assumida pelo pai de família, que todo dia
se distanciava do lar para ganhar o sustento. A mulher
casada, reduzida à sua inferioridade jurídica, precisava de autorização,
por escrito, para até mesmo abrir uma conta bancária. As transações financeiras
e a representação jurídico-social cabiam ao pai. Mesmo quando este ocupava o
espaço público como empregado, na privacidade do lar era ele o patrão. Confinada
à espacialidade privada do lar, ali a mulher desenvolvia
o controle da esfera doméstica e era ali vista como a patroa.
“Em muitos casos, de fato, o marido que
voltava para casa, estava, na verdade, voltando para a casa de sua mulher: era
ela que reinava no lar. O homem não podia tomar iniciativas nesse espaço sem
sujar, quebrar ou desarrumar”. (DECIA, 1995)
Vamos encontrar, na transição dos anos 700 aos 800, na
Europa, a preocupação ainda com o pátrio poder, embora a instituição família já
viesse se transformando consideravelmente.
Sob os ventos da Revolução Francesa: “A
lei dá ao homem o direito de corrigir os que lhe proporcionam ocasião de
infelicidade doméstica. A autoridade paterna e marital é um direito privado
reconhecido publicamente. Neste espaço autoritário que é a família, os direitos
femininos são inexistentes ...”. (ESPERTO, 1971)
Assim, Madame Maintenou aconselhava suas filhas que
esperavam um marido:
“Mademoiselles, tereis vosso marido
para cuidar e então tereis um amo. (...) talvez vos desagradeis; talvez
ele vos desagrade; é quase impossível que vossos gostos sejam idênticos; ele
pode querer arruinar-vos, pode ser avaro e recusar-vos tudo; eu seria enfadonha
se vos dissesse o que é um casamento”. ( FARGE,1991)
A estabilidade e a segurança advindas do casamento
tinham para a mulher um alto preço, mas lhe asseguravam
a normalidade do papel de mulher casada, detentora do poder no espaço
privado. Aventurar-se no espaço público, na condição de solteira, exigia quebra
de normas seculares, coragem para enfrentar uma sociedade fechada para possíveis
aspirações femininas, tomar-se enfim, desviante.
Na modernidade de nosso século, o homem desenvolve parte
de sua vida pessoal no espaço que transcende o lar. Mesmo dentro da residência
da família são facilmente encontrados lugares organizados para o homem,
variando de acordo com o padrão social da família . Nestas divisões espaciais
encontra-se um local destinado ao bar, o canto da sala, onde se dispõe a
poltrona, para se ler em sossego o jornal, ou a garagem, muitas vezes
transformada em oficina para o lazer paterno ou onde o patrão executa
pequenos trabalhos para ajudar no orçamento. A territorialidade, dividida entre
o homem e a mulher, não é uma simples questão de transformação da moradia,
coloca-se como evidência dos valores sociais na distribuição de papéis de
gênero.
Fizeram parte deste estudo, que foi de caráter
exploratório, dezoito homens, com idades variando de 21 a 38 anos. Estes em
companhia das mulheres ou não, traziam seus filhos para serem assistidos em um
Centro de Saúde na periferia de Florianópolis, Santa Catarina, no período de
outubro a dezembro de 1994.
Os dados foram coletados através de entrevistas
semi-estruturadas e observações desses sujeitos. As entrevistas foram
realizadas sempre antes ou após o atendimento à criança e a observação deu-se
no período em que estes homens permaneciam com os filhos na sala de espera e
também no momento em que era prestada a assistência à criança.
Os dados levantados foram organizados em categorias,
partindo-se dos itens constantes no próprio instrumento utilizado para a
realização das entrevistas e observações dos sujeitos. Consideramos uma parte
quantitativa no que se refere aos tópicos de identificação destes homens
(idade, escolaridade, horário de trabalho, local de nascimento, moradia,
origem étnica, constelação familiar, etc.) e também uma parte qualitativa,
quando investigamos as percepções, sentimentos, dificuldades e expectativas
destes pais, com relação aos cuidados de seus filhos.
A idade dos homens estudados variou de 21 a 38 anos;
estes compareciam ao Centro de Saúde para consulta médica de seus filhos, ou
então traziam as crianças para a realização do acompanhamento de crescimento e
desenvolvimento, aplicação de vacinas, curativos e
nebulizações.
As profissões destes sujeitos eram extremamente
diversificadas, tanto no nível de formação quanto nas áreas de atuação
profissional, ou seja: vendedor, gerente de restaurante, pescador, latoeiro,
cobrador de ônibus, técnico de contabilidade, técnico em assistência a
eletrodomésticos, pedreiro, pintor, economista, comerciário, técnico em
eletrônica, operador de máquina de xerox, servente, motorista, frentista,
militar e autônomo. Deste universo, 89% trabalhavam no período diurno (matutino
e vespertino).
A participação desses homens nos cuidados dos filhos
ocorria, geralmente, no período da noite ou nos finais de semana, quando suas
mulheres também pareciam estar disponíveis, em casa, para desenvolverem essas
tarefas. Assim, não se pôde inferir que eles estivessem suprindo a ausência das
mães, ao cuidarem das crianças; na verdade, compartilhavam tarefas com elas.
Por outro lado, não existia uma flexibilidade ou excepcionalidade no horário de
trabalho destes homens que pudesse se caracterizar em maior disponibilidade de
tempo diurno para estar junto aos filhos e cuidá-los.
O nível de escolaridade situou em: 33% no primeiro grau
incompleto; 28% no segundo grau completo, 17% no primeiro grau completo e 6% no
terceiro grau completo.
Quanto à naturalidade, 61% deles nasceram na cidade de
Florianópolis; 22% no interior do Estado de Santa Catarina; 11% no Estado do
Rio Grande do Sul e 6% no Estado do Pará. Os dados nos apontaram que 78% destes
sujeitos eram provenientes de zonas urbanas, o que nos remete à reflexão de que
a vivência mais acessível e direta destes homens aos meios de comunicação, às
fontes bibliográficas e a outros meios de informações, os colocaram em contato
com modelos masculinos mais abertos à sensibilidade e ao afeto, estruturas
familiares ligeiramente flexíveis à redefinições de
papéis de gênero, com a divulgação da importância das relações familiares no
crescimento e desenvolvimento das crianças e com a necessidade de participação
das mulheres no mercado de trabalho; isto pode configurar este aspecto como
motivador da inserção destes homens no processo de cuidar dos filhos.
Levantando a origem étnica dos sujeitos deste estudo
constatamos que 22% desconheciam a sua origem étnica,
demonstrando, nas suas respostas, até um certo desinteresse neste
particular; 17% descendiam de italianos; 17% de açorianos; 17% de brasileiros;
6% de italianos e portugueses; 6% de espanhóis; 6% de alemães e 6% de
portugueses. Isto nos leva a pensar, de início, que a expectativa da influência
cultural na definição de papéis não se confirmou nestes sujeitos, uma vez que
houve diversidade de origem e proporcionalidade entre diferentes etnias, ou
seja, entre italianos, açorianos e brasileiros.
Todos os sujeitos estudados confirmaram a presença
materna ativa nas suas infâncias. Um percentual significativo
de 78% dos homens estudados confirmaram a presença ativa do próprio pai
na infância. Considerou-se presença ativa o fato do sujeito ter recebido
cuidados físicos por parte do pai ou da mãe. Dentro desta categoria, 78%
receberam, predominantemente, os cuidados maternos, mas afirmaram que tiveram
de alguma forma, a participação ativa do pai e de outras pessoas da família,
nas tarefas de cuidar; somente 22% dos homens não tiveram a participação
paterna nestes cuidados. Neste particular parece evidente o significado da
proximidade materna e paterna nos atos de cuidar do filho, uma vez que estas
relações permitem à criança a vivência com estes modelos, o que provavelmente
exercerá influências na sua estruturação dos papéis de gênero, e nas posições
que assumirá futuramente.
Aqueles homens que não desfrutaram da participação
paterna nos seus cuidados infantis, referiram motivos diversos para justificar
o distanciamento do pai desta tarefa, como pode ser exemplificado nos
depoimentos abaixo:
...porque a mãe
assumia todos os cuidados; porque trabalhava muito;
...porque só
podia participar destes cuidados quando estava desempregado;
...porque era
muito grosso, só participava do lado financeiro;
...porque era
militar e ficava muito tempo fora.
No que se referia à existência ou não de irmãs na
constelação familiar de origem, pudemos observar que o número de irmãos variou
de 1 a 10. Verificamos que, 67% tinham entre 3 e 4 irmãos, 44% referiram ter
entre 1 e 4 irmãs; 28% tinham entre 8 e 10 irmãs e 28% não tinham irmãs. Na
família de origem, em relação aos seus irmãos, 28% dos sujeitos referiram
ocupar a posição de caçula (os mais novos) e 28% relataram ser os mais velhos.
Uma grande parte deles, 44%, costumavam participar dos
cuidados dos irmãos; 28% não participavam nestes cuidados por serem os mais
novos na família, em relação aos irmãos; 22% não participavam destes cuidados,
portanto foram, em sua maioria, cuidadores. Os cuidados mais executados por 60
% destes homens junto a seus irmãos foram: banho, ministração de mamadeira e
troca de fraldas. Este fato parece mostrar que a intimidade com estas tarefas
desde cedo no meio familiar, pode torná-las algo habitual na convivência com
crianças; ou seja, tarefas que fazem parte da vida familiar. Isto pode
possibilitar ao homem uma desenvoltura mais espontânea nos atos de cuidar dos
filhos, maior habilidade e segurança na execução destes cuidados.
Quanto à situação familiar atual, 72%
destes homens estavam casados e 28% estavam amasiados. No momento da
pesquisa 67% vivenciavam o primeiro casamento; 17% haviam vivenciado outros
casamentos e 11% não informaram a respeito deste assunto. A idade das mulheres
(companheiras ou esposas) destes homens variou entre 17 e 34 anos; somente 6%
delas tinham 45 anos. Destas mulheres, 61% desenvolviam suas atividades no lar;
as demais tinham ocupações diversificadas, ou seja: professora, estudante, funcionária
pública, diarista, digitadora e comerciária. A escolaridade delas variou entre
o primeiro grau incompleto até o terceiro grau incompleto. Das mulheres que
trabalhavam fora de casa, 71 %, desenvolviam suas atividades
profissionais no período diurno, em horário integral (matutino e vespertino);
portanto coincidia com os horários de trabalho dos maridos e companheiros.
Destes casais, 56% tinham um filho; 22% tinham dois
filhos; 17% tinham três filhos e 6% quatro filhos. Um
percentual de 83% dos homens não tinham filhos de casamentos anteriores;
17% tinham filhos de casamentos anteriores, que variavam em número de l a 2
filhos, com idades entre 5 e 7 anos.
Um número significativo destes pais, 60%, afirmou que
esta experiência com os cuidados do filho foi a sua primeira experiência neste
território, mesmo porque este era o seu primeiro filho; 39% confirmaram a sua
participação nos cuidados dos outros filhos anteriormente e 6% não tiveram
nenhuma participação anterior nos cuidados do filho porque não conheceram a
criança.
A faixa etária predominante entre as crianças que
estavam sendo cuidadas por estes homens situava-se entre 0 e 12 meses de idade,
num índice de 83%; as demais crianças, 17% tinham as idades variando entre 2 e
3 anos. No universo destas crianças eram elas o primeiro
filho ou então o filho mais novo. Provavelmente os homens se dedicavam mais às
crianças na faixa etária de 0 a 12 meses porque era justamente nesta época que
os cuidados tomavam-se mais intensivos e a sua participação era mais solicitada.
Por outro lado, eles consideraram que nos primeiros meses os cuidados eram mais
complexos e sentiam-se menos preparados para executá-los.
A mãe destacou-se como principal cuidadora da criança,
sendo auxiliada pelo pai nestas tarefas, em 56% dos casos; seguiam-se, no papel
de auxiliares da mãe nestes cuidados, numa proporção decrescente: a avó, a tia,
a babá e as amigas da mãe.
Em 44% dos casos era a mãe quem tinha o poder decisório
sobre os cuidados da criança:
...porque ela
fica mais em casa;
...porque ela
está mais habituada a fazer compras, a arrumar as roupas;
...porque ela
fica mais tempo com a criança;
...pelo tempo
disponível;
...porque ela
entende, pois é mulher. A mãe decide porque tem mais jeito, por ser mulher;
...por ter mais
experiência;
...porque ela tem bom gosto e mais tempo para
ficar com a criança;
...a mulher
decide, a avó ajuda a decidir e o pai dá palpites.
Percebe-se nestes argumentos, a grande força de
reprodução do papel tradicional da mulher.
Em 39% dos casos estas decisões cabiam ao casal:
...porque deve
haver um acordo;
...porque os
dois devem prestar os cuidados à criança;
...porque é
necessário o diálogo para tomar decisões;
...porque um
tem que ajudar o outro, pois os dois têm esse direito;
...porque nós
somos os pais.
Em 6% foi o pai quem decidiu sobre estas tarefas:
...porque a
esposa ficou hospitalizada por 6 anos e o pai teve que assumir estas tarefas.
Em 6% estas decisões foram tomadas pela avó da criança:
...por falta de
experiência dos pais.
Em 6% dos casos, foram os padrinhos que decidiram sobre estes cuidados o que denota certa submissão econômica por
parte dos pais.
...porque eles
deram as roupas, têm direito de decidir certas coisas.
Assim, entre todos estes depoimentos pudemos perceber
que a mãe destacou-se ainda como a pessoa que mais freqüentemente se
encarregava das decisões e da prestação dos cuidados à criança.
Com relação às pessoas envolvidas na prestação dos
cuidados à criança, a maioria dos homens confirmou a participação ativa de
outra pessoa da família, que opinava e aconselhava sobre estas tarefas, além do
pai e da mãe, a conselheira de cuidados mais referida pelos homens foi a avó (materna ou paterna), os demais familiares citados, na
incumbência deste papel, foram: a bisavó, a irmã mais velha da criança, os tios
e os padrinhos. A maioria destes familiares conselheiros, segundo estes homens,
morava nas proximidades da residência do casal ou até na mesma casa. Os
conselhos que estas pessoas ofereciam ao casal para auxiliá-los nos cuidados do
filho abrangiam basicamente aqueles cuidados que deveriam ser observados na
alimentação e hidratação da criança (chás caseiros, preparo e higiene da
mamadeira, necessidade de fervura da água, tipos de alimentos que beneficiariam
ou que prejudicariam a criança), em casos de cólicas intestinais (chás e
simpatias) e em casos de resfriados, diarréias e conjuntivites (chás,
medicamentos e soluções caseiras); cuidados com relação ao umbigo durante a
fase neonatal, quanto à proteção térmica do vestuário (tipo de roupa que a
criança deveria vestir conforme o clima e principalmente para a proteção contra
o vento-sul e a chuva); aconselhamento sobre a necessidade e a hora em que os
pais deveriam procurar assistência médica para criança. Este tipo de
aconselhamento por parte destes familiares foi aprovado por 94% dos homens
entrevistados neste estudo e a experiência destas conselheiras nas tarefas de
cuidar da criança foi enaltecida por um número considerável deles, em falas
como:
...é importante
porque ela entende e tem mais experiência;
...é válido
pela experiência que tiveram, já passaram pelo que estamos passando;
...acho bom,
porque ela criou a gente e eu tenho que aprender com a experiência de
alguém;
...é válido,
ela teve nove filhos e sabe;
...a mãe tem
quase obrigação de auxiliar nos primeiros cuidados;
...sabe mais
porque é mais velha do que nós.
Outros aprovavam este tipo de aconselhamento:
...porque é para o bem da criança.
Somente 6% dos homens entrevistados desaprovaram o poder
decisório da conselheira neste particular porque:
...é um pouco
chato, porque nós os pais é que devemos decidir sobre estes cuidados.
Pudemos observar que 94% dos sujeitos deste estudo,
pensavam que os conselhos destas pessoas influenciavam a tomada de decisões do
casal quanto aos cuidados que eram prestados à criança, reportando-se a este
aspecto com enfoques diferentes, como pode ser percebido nas suas colocações:
...sim, influenciam pois é ela quem decide sobre os
cuidado;
...depende do
assunto e do momento, quando foge do conhecimento dos pais, se aceita a opinião
da conselheira;
...nos
primeiros meses sim, atualmente não pois agora se procura um médico para os
aconselhamentos;
...ajuda muito
a gente saber o que fazer, as vezes até se muda de
opinião.
Já, 6% pensavam que estas opiniões não influenciavam os
rumos que seriam adotados pelo casal nos cuidados dos filhos, como mostra o
depoimento que se segue:
...não
influencia, pois a decisão é do casal.
Participação paterna nos cuidados às crianças
A participação paterna nos cuidados da criança, na
opinião de 39% destes homens, foi aprovada pela sua mulher; em 6%, dos casos a
mulher reclamava quando ele prestava cuidados e os demais 56% destes homens
pareceram não haver compreendido esta questão.
Os homens em 56% referiram que as mulheres os
auxiliavam na execução de cuidados mais complexos, quando declararam:
...sim, eu aprendo ligeirinho, só dar banho é que eu
ainda não sei;
...sim, a
trocar fraldas e a carregar a criança;
...não só
ensina como insiste para que eu faça;
...ensina e
ajuda.
Já, 28% relataram que as mulheres não lhes ensinavam os
cuidados por ser desnecessário, pois sabiam executar todo tipo de cuidado:
...não, acho
que não preciso ser ensinado;
...não, porque já sabia fazê-los bem antes de casar, eu cuidava da
minha afilhada e das primas;
...não, porque
não considero nenhum cuidado complicado;
...não executo
os cuidados mais complicados porque ficam a cargo da mãe, no entanto se for
preciso também os faço.
Outros 6% relataram que as mulheres não lhes ensinavam
este tipo de cuidados:
...não, eu faço do jeito que eu sei.
E os outros 6% referiram que as mulheres não lhes
ensinavam porque eles não tinham tempo para aprender.
A participação dos pais nos cuidados dos filhos tem
significados importantes e diversificados para estes homens; dizem respeito à
realização pessoal, à dedicação ao filho como demonstração de amor, ao dever e
ao direito paterno, à vontade de participar deste processo, à necessidade de compartilhar
tarefas em família, ao enriquecimento afetivo da família, às leis da própria
natureza, à uma relação de ajuda e à vida propriamente
dita. Estes significados do cuidado foram expressados
com uma forte tonalidade de emotividade, de satisfação e orgulho, como, em
parte, traduzem as falas de alguns homens:
...cuidar dela?
Eu adoro!
...acho essencial!
...me sinto realizado e feliz em poder ajudar nos cuidados!
...para mim
significa carinho!
...acho importante o homem ajudar pois o filho é dos
dois!
...não tem
explicação, é muito bom!
...significa
que os dois (pai e mãe) têm o mesmo direito.
...significa
enriquecimento do amor para com a filha.
...acho
importante. Pai e mãe têm que cuidar juntos!
...é amor, é a
vida.
...é uma
responsabilidade que vem do meu papel de pai!
...porque é uma
coisa que me cabe também, não somente à mãe!
O ato de cuidar das crianças exigiu dos pais maior
proximidade física de seus filhos tornando-os mais sensíveis, mais afetuosos e
favorecendo a interação pessoal entre ambos. Este envolvimento do pai com a
criança pareceu gerar, nestes homens, segundo seus
depoimentos, sensações de felicidade, bem-estar, alegria, satisfação, carinho,
gratificação, cansaço, renovação, trocas e privilégios.
Os pais demonstraram que os aspectos que
mais os atraiam neste contato direto com os filhos, através dos cuidados foram:
a troca de carinho entre pai e filho, o prazer de acompanhar o desenvolvimento
da criança, o prazer de estar junto à criança, a comunicação entre pai e filho,
a sensação de cumprir as obrigações e responsabilidades paternas, perceber o
bem estar da criança, a expressividade do cuidado e o prazer de perceber as
respostas das crianças na interação pai e filho. Isto pode ser ilustrado em
algumas respostas destes pais:
...gosto de
alimentar a minha filha com papinhas, ela se lambuza toda, dou um banho e ela
me dá um sorriso!
...gosto das
respostas que ela me dá como criança!
...sinto
obrigação e responsabilidade de cuidar dos filhos; quero estar junto dando
muito carinho!
...qualquer
tarefa me atrai, tudo eu faço; para mim tudo é expressivo!
...são as
reações dela que me atraem, seu carinho por mim.
Estes homens foram levados a participar nas tarefas de
cuidar dos filhos, pela própria intuição paterna, porque era um processo natural,
pelo desejo de relacionar-se mais proximamente com o filho, pela obrigação que
o papel de pai determinava, pela vontade em participar deste processo, pela
necessidade e vontade de dividir estas tarefas entre o casal, pelo fato de
gostar de cuidar de crianças, pelo carinho que sentiam pelos filhos, porque foi
educado pela própria mãe para executar estas tarefas. A participação do pai
também era importante, pela necessidade de atenção da criança e por um acordo
mútuo entre o casal. Estes motivos foram revelados em afirmações como estas:
...a minha
participação aconteceu naturalmente!
...pelo carinho
que tenho pelos meus filhos e porque eu gosto!
...desde que a
criança nasceu eu já sabia que eu iria cuidar, que eu era responsável por ela,
porque a minha mãe já me dizia que eu teria que cuidar dos meus filhos!
...sendo pai eu
tenho que participar dos cuidados da minha filha!
...por uma
necessidade do momento e porque acho importante!
Tais falas demonstraram que estes pais, além de
considerarem tais tarefas prazerosas, assumiram um real compromisso em
desenvolvê-las.
Existia uma certa preferência na execução de
determinados cuidados, por parte da maioria destes homens; entre elas destacavam-se o banho da criança, o ato de alimentar o filho,
carregar a criança no colo e acariciá-la e fazer a criança dormir,
trocar as fraldas somente quando estas não estavam muito sujas. Outros pais
referiram não ter preferência; gostavam de todo tipo de cuidados. Estas
preferências foram justificadas por aspectos como: facilidades na realização da
tarefa, propiciar trocas com a criança, diverti-la e zelar pela sua segurança,
gostar e sentir-se bem na realização deste tipo de cuidados. Apesar de
preferirem alguns cuidados, os pais extrapolaram, muitas vezes, aquelas tarefas
que mais gostavam de realizar junto aos filhos; no dia a dia costumavam
preparar e oferecer alimentação (inclusive chás), ministravam
medicamentos, levavam os filhos ao médico, faziam a higiene da criança e
auxiliavam a mãe nos cuidados que ela prestava (esquentavam a água do banho,
esquentavam a mamadeira).
Determinadas tarefas foram consideradas mais complexas,
como: trocar fraldas, cuidar da criança quando ela estava doente e/ou chorosa
(principalmente quando apresentava cólicas intestinais), carregar a criança
quando ela ainda era muito pequenina, cortar as unhas e preparar a mamadeira.
No entanto, os pais referiram que estes cuidados se tornavam mais complicados
por não terem orientações sobre como agir nestas situações:
...é difícil
cuidar da criança quando ela chora, porque não sei o que fazer!
...cuidar da
criança doente porque a gente não sabe como fazer!
...preparar a
mamadeira porque ainda não aprendi direito!
...cuidar
quando ela tem cólica, porque eu não sei o que é, e o que eu devo fazer!
...quando chora
com cólica e fica desesperada, eu não sei acalmá-la.
Determinados cuidados foram considerados mais
complicados por exigirem a habilidade de uma mulher para a sua execução, ou
então, porque a falta de prática dos homens poderia ferir a criança:
...trocar fraldas é difícil porque eu não tenho jeito; isto é trabalho
de mulher.
...eu não sei
trocar fraldas, porque isto é a mulher quem faz!
...trocar
fraldas, porque precisa passar o higiapele e eu posso machucar o nenê!
...trocar a
roupa e cortar as unhas, porque ela não pára quieta e eu posso machucar.
...dar banho e
trocar as fraldas porque precisa ter muito jeito!
...trocar as
fraldas e carregar a criança pequena, porque é difícil: tem que ter muito
jeito!
...trocar
fraldas porque não tenho jeito; me falta prática.
Outros homens consideraram-se aptos a executar qualquer
tipo de cuidados, não encontrando dificuldades ou obstáculos para a prática de
qualquer tarefa relacionada aos cuidados infantis.
Grande parte dos cuidados infantis, independentemente de
seu nível de complexidade era envolvida por uma forte conotação interativa
vinculada ao afeto:
...porque eu acho
bonito;
...não é só a
mulher que deve fazer as coisas e esperar a criança crescer, porque esta agora,
é a melhor parte!
...todos os
cuidados são bem vindos, não existe cuidado que eu não goste; porque me dá
prazer;
...eu gosto de
estar com “essa baixinha”!
...não existe
nenhum que eu não goste, porque ela precisa e é como um presente que eu posso
dar é uma doação!
...gosto de
realizar todos os cuidados, porque sinto necessidade de ajudar!
...não existe
algum que me desagrade porque mesmo que eu não tenha muita prática, realizo
todos os cuidados!
Geralmente a troca de fraldas inspirava nestes homens um
certo desagrado, por diversas razoes:
...cansei de
trocar, quando os outros eram pequenos eu fazia isto com freqüência!
...porque,
quando é xixí, eu até troco, mas quando é fezes eu não
gosto! Porque me repulsa. Tenho aversão ao cocô e ao xixí!
...porque eu nunca fiz isto e acho que vai ser complicado.
...porque eu
acho chato colocar as roupas na criança!
...porque dá
choro! Porque ela ainda é muito pequena.
A troca de fraldas destacava-se como um cuidado
considerado difícil. Pareceu-nos que os sujeitos não se consideravam com
habilidade suficiente para realizá-lo. O fato desta atividade
ser referida como trabalho de mulher certamente impregnada de
certa dose de preconceito fazia com que o pai não se interessasse muito em
desenvolvê-la.
O mito da fralda é sempre retratado pela mídia como
fraldas que vazam e molham ou sujam o colo de alguém que carrega a criança;
geralmente um homem. As situações atrapalhadas em trocas de fraldas são muito
exploradas em situações cômicas, quer seja em relatos ou em filmes. Enfim, os
homens trapalhões, em situação complicada, tendo de se haver com fraldas
e mãos cheias de dedos enquanto o bebê grita é estereótipo fortemente
vinculado. Sem dúvida tais imagens contribuem para que a tarefa seja
considerada despropositada para um homem. Por outro lado, as mulheres também
sofrem a mesma influência; associada a isto, considerar o parceiro como
incompetente, nesta atividade, maximiza a importância do papel da mãe na
prestação do cuidado ao bebê. Existe, assim, um cuidado - troca de
fraldas - que só uma mulher consegue realizar adequadamente. Este
estereótipo, fixado no imaginário feminino e masculino, coloca-se como um
divisor de águas na definição cultural de papéis, não pelas reais dificuldades
técnicas que possa apresentar, mas sim pelo caráter simbólico de que é revestido.
Esses homens vivem dentro de um contexto sóciocultural em que esse ângulo do papel paterno ainda não
é, de uma forma geral, reconhecido e praticado pela maioria
dos homens e nem tampouco valorizado e aceito por um grande número de
mulheres; a própria sociedade enaltece a proximidade mãe-filho neste
particular, destacando na mulher, com exclusividade, uma meiguice e uma
intuição inatas e próprias para o cuidado dos filhos. Desta maneira, ao
entrarem nesta área doméstica, reduto privado das mulheres, os homens circulam,
perante os olhos da sociedade, nos limites polarizados do ser macho, não
macho.
Pareceu-nos, no entanto, que os sujeitos deste estudo,
não estavam muito preocupados com este aspecto; que a realização pessoal e as
gratificações que vivenciavam junto à família dentro deste processo de cuidar,
era infinitamente mais importante do que os juízos de valores que poderiam
estar sendo inferidos a eles pela sociedade:
...me
sinto super feliz!
...não ligo
para opiniões alheias!
...me sinto importante, realizado, um super homem!
...me sinto normal!
...penso, que
no fundo eles (outros homens) gostariam de sentir-se como eu!
...me sinto bem porque estou fazendo o meu papel de pai!
...me sinto bem e orgulhoso!
...me sinto o mesmo pai e o mesmo homem perante as opiniões dos
outros!
...não me
importo com o que os outros acham, eu sou muito melhor do que eles que não
cuidam!
...me sinto feliz, feliz da vida, e é isso que importa!
Não é intenção deste estudo mitificar o cuidado paternal
como ideário de nossa contemporaneidade. Todavia é preciso estar sensível e
constatar uma nova presença masculina, redefinidora de papéis deste novo homem
que se esboça. Em recente pesquisa da Datafolha, realizada em 4 capitais
brasileiras sob encomenda da Comissão de Cidadania e Reprodução e publicada na Folha de São Paulo de 13/08/95 (DECIA, 1995), os dados
revelam que 68% dos pais entrevistados consideram ser do casal a
responsabilidade pelas tarefas na criação dos filhos, enquanto apenas 23%
atribuem tais tarefas exclusivamente à mãe. Já, das mulheres entrevistadas, 42%
assumem que deve ser a mãe a única encarregada destes cuidados e 56% as
atribuem ao casal.
A revista francesa V. 5. D.
(Vandredi, Samedi, Dimanche; 1990) satiriza a relação homem/mulher na divisão
dos trabalhos domésticos com uma charge onde a mulher lê os jornais assentada
numa poltrona, enquanto o marido lava a louça. Ele diz a ela: “Não há razão
para que eu arrume a cozinha enquanto você lê os jornais”, ao que ela responde,
de sua confortável posição “Cuidado com os copos de cristal”. A matéria que,
maliciosamente lança a pergunta “Quí porte la culote ?” (Quem usa
calças?), afirma que “em 30 anos, as
francesas conquistaram mais direitos que em dois mil anos”. Ouviu
sociólogos e psicólogos constatando uma “feminilização
do mundo” e que a vida social contemporânea “não privilegia mais, somente o tempo, mas também o espaço”. A visão mecânica, imposta pela modernidade, ao poder masculino,
falocrático e resolvido sucede uma visão orgânica que não mais separa corpo de
espírito, cultura de natureza, razão de sentimento, mas que tende a integrar o
sensível, no sentido de gênero, e que tais mudanças são desestabilizantes.
“Mesmo o legislador abandonou a noção de ‘chefe de família” ’. 65% das
mulheres administram, na França, o orçamento familiar e 74% dos homens
participam dos encargos domésticos quando suas esposas trabalham; 76% dos
homens declaram-se disponíveis para os cuidados das crianças e são sempre as
mães que escolhem as escolas onde os filhos irão estudar e participam das
associações de pais e mestres.
“O retorno dos homens ao interior do
lar não é um movimento ideológico, mas sim um acomodamento (...) há
aqueles que ficam em casa por prazer”. (V.S.D., 1990)
Um dos pais franceses entrevistados relata que:
“Os
homens perdem enormemente em não participar do desenvolvimento de seus filhos.
Assumir este encargo, para um homem, é uma experiência enriquecedora”. (V. S.D, 1990)
Estar próximo do filho e assumir as tarefas de cuidá-lo
não se coloca mais como uma atribuição naturalmente confiada às mães, O
novo homem pode e deseja dividir estas responsabilidades, ainda que de forma
tímida e às vezes desajeitada; por que lhe negar tal direito?
A maioria dos profissionais da área da saúde também está
contextualmente aderida a códigos sócioculturais que
privilegiam a proximidade entre mãe e filho, afastando naturalmente o
homem-pai deste processo. Neste estudo pudemos observar com grande nitidez o
cenário cotidiano em um Centro de Saúde, em que estes atores sociais, rotulados
pelas definições dos seus papéis de gênero, são naturalmente discriminados
quando se trata de perguntar, discutir ou orientar os cuidados da criança.
Tanto nas percepções dos próprios homens entrevistados, quanto nas situações
que puderam ser observadas em salas de espera e diante do próprio atendimento
prestado pela maioria dos profissionais da saúde, as atenções são muito mais
voltadas para a mulher-mãe. Exceções existem quando uma iniciativa isolada e insistente
parte do próprio homem abrindo, corajosamente, uma trilha para garantir o seu
espaço neste processo. Segundo alguns destes homens:
...tento
participar, tento perguntar, quando não entendo alguma orientação pergunto
mesmo!
...è a mãe que parece ser mais importante;
...o pai não
recebe atenção nestas horas. Se o médico fala dez palavras com a mãe, fala duas
com o pai. Às vezes nem pergunta se é o pai! Mas isso não é só aqui neste
Posto, é em todo lugar assim!
Na presença da mulher-mãe e do filho, pudemos observar
que as atribuições mais freqüentes destes homens-pais na sala de espera do
Centro de Saúde foram: agendar o atendimento na recepção, segurar a criança até
o momento do atendimento e segurar a sacola contendo os pertences da criança.
Em uma situação como esta, um dos pais assim comentou:
...não que eu não
dê conta, mas quando ela está junto, é ela quem cuida!
Ainda na sala de espera, os pais também auxiliavam as
mães quando estas ofereciam alimentos à criança e quando procuravam acalmá-las
e distraí-las com algum brinquedo. O relacionamento dos
homens com as crianças nestas situações sempre nos pareceu muito
afetuoso e atento ao bem-estar da criança. Alguns casais trocavam informações
sobre os cuidados da criança, entre si; em outros momentos os homens comentavam
algum assunto relacionado a estes cuidados com outras pessoas presentes na sala
de espera, como também o faziam algumas mães, foi quando um dos pais ponderou:
...ela conversa
e eu cuido do nenê!
Destes homens, alguns não entraram nos consultórios para
participar dos atendimentos, aguardando o retorno da mãe e da criança na sala
de espera; foi quando um deles procurou explicar:
...fico aqui,
mas tenho interesse em saber (o que se passa no consultório), ela me conta tudo
depois!
Nos consultórios, durante os atendimentos, as mães
passaram a segurar os filhos, mesmo que os pais estivessem com esta incumbência
na sala de espera. A maior parte das mulheres, com os filhos no colo, ocupava
sempre o primeiro plano com relação aos homens ao se defrontar com o
profissional da saúde que estaria prestando o atendimento; alguns homens
permaneciam de pé, segurando a criança ou a sua sacola de pertences, atrás ou
ao lado da mulher que estava sendo entrevistada. Também, neste momento, foram elas que responderam a maior parte das perguntas relacionadas
aos cuidados da criança. Neste cenário os pais demonstravam-se
visivelmente interessados e extremamente atentos a tudo que dizia e fazia com
relação à criança, ainda que ocupando uma posição na retaguarda e à margem do binômio mãe-filho, em destaque neste momento. Alguns homens
procuraram intervir, complementar ou discordar de alguma resposta fornecida
pela mãe, numa tentativa de se fazer presente naquela situação e quando
questionados sobre este fato, responderam:
...a mãe
responde porque nunca perguntaram para mim; se perguntassem eu saberia dizer!
...quando ela
esquece de falar alguma coisa eu preciso falar!
...a mãe responde porque tem mais segurança para responder do que eu!
Em um dos casos observados, o pai demonstrou-se tão
interessado e ávido em participar da entrevista, que muito prontamente, antes
que a mãe tivesse tempo de falar, antecipava as respostas às perguntas que
estavam sendo direcionadas a ela. Outros homens manifestavam este intuito de
uma forma mais subjetiva: acariciando a cabeça da criança enquanto a mãe
falava, ainda que para isto tivesse que estender o corpo para alcançar a
criança, que se encontrava em posição dianteira no colo da mãe; em outro caso o
pai posicionado da mesma maneira na sala, acompanhava e conferia as respostas
da mãe ou as orientações do profissional, na caderneta de saúde da criança, que
segurava em suas mãos. Com relação à estas situações,
assim eles se referiram:
...eu fico
chateado, pois sou tão importante quanto ela!
...não me sinto
bem, pois acho que eu deveria receber atenção destes profissionais da mesma
forma que a mãe, porque eu também ajudo a cuidar e também quero saber o que se
passa!
Nas situações de atendimento observadas, geralmente, os
profissionais da saúde dirigiam o olhar mais insistentemente para a mãe, no
momento de orientar os cuidados da criança. Com relação a isso, assim se
referiram alguns dos homens:
...geralmente eles
(profissionais da saúde) se dirigem para a mãe; acho que eles pensam que a
gente não sabe nada!
...a mãe, tudo
é para a mãe: o pai é só um ajudante na hora da consulta!
No momento do exame físico, as mães assumiam os cuidados
da criança, como, por exemplo, retirar-lhe as roupas, colocá-la na balança,
segurá-la ou posicioná-la para um exame mais específico, trocar as fraldas e
vesti-la. Nesta hora, alguns pais permaneciam sentados no mesmo local em que se
encontravam desde o inicio do atendimento, outros conversavam sobre a criança
com outras pessoas presentes na sala, outros ficavam atrás da mãe observando
atentamente todos os procedimentos que estavam sendo realizados com o filho.
Muitos destes homens pensavam que esta evidência materna nos momentos de falar,
discutir e aprender sobre cuidados da criança, vinha em decorrência de que:
...a mãe
entende melhor destas coisas do que o pai!
...a mãe tem
mais tempo para ficar junto à criança e é importante que ela receba melhores
informações!
...porque ela
entende das coisas!
...porque a mãe
entende melhor do que o pai!
...porque ela
fica vinte e quatro horas com a criança e é ela quem deve receber as
orientações, mas quando for preciso assumir alguma coisa mais complexa, nós
dois é que decidimos!
Durante a realização deste trabalho procuramos observar
as manifestações verbais e não verbais destes sujeitos nas diferentes
instâncias do percurso de atendimento dentro do Centro de Saúde e também
durante a entrevista que realizamos dentro da programação metodológica deste
estudo. Constatamos que ao serem convidados a participar do nosso trabalho,
alguns deles mostravam-se um tanto assustados,
tímidos, desconfiados e duvidosos; no entanto após explicar-lhes os nossos
objetivos, a maneira como pretendíamos obter as informações e o tratamento que
seriam dispensados aos dados por eles fornecidos, todos eles demonstraram muita
satisfação, grande interesse, e até um certo ar de orgulho em colaborar com
este estudo. Durante a nossa convivência com estes homens, no período em que se
encontravam no Centro de Saúde, a maioria ficou muito
à vontade para perguntar, comentar, responder e desabafar os seus sentimentos e
percepções à respeito deste assunto.
Registramos algumas falas destes sujeitos que retrataram
as suas percepções a respeito do significado deste tema no contexto familiar e
também o quanto se sentiam carentes de atenção e
valorização por parte daquelas pessoas com a quais conviviam quando se tratava
dos cuidados infantis:
...acho este
trabalho importante, pois acho a presença do pai fundamental na vida da
criança!
...acho muito
boa a idéia de fazerem este estudo, penso que deveriam fazer também com outros
homens que viessem com seus filhos ao Centro de Saúde!
...cuidar do
filho é muito importante para o homem; para saber se o pai gosta do filho é só
olhar o jeito dele quando está perto do filho!
...a minha
mulher diz que às vezes eu sou tão cuidadoso com a criança que ela até se
irrita!
...o cuidado é
muito importante e todos os pais devem participar, é bom para o pai e para a
criança!
...achei muito
interessante e gostei de ter participado, de alguma forma pude falar sobre o
meu filho!
...achei maravilhoso, uma idéia nova, um trabalho bom; é uma forma de
trabalhar o lado do pai nos cuidados do filho!
...achei muito
interessante e gratificante esta experiência!
No decorrer desta nossa convivência junto a estes homens
percebemos, com muita clareza, que as suas atitudes para com os filhos eram
fortemente impregnadas de afetividade, atenção e sensibilidade; que a
comunicação entre pais-filhos era bastante espontânea, com uma receptividade muito
boa por parte das crianças.
O presente trabalho, pelo seu caráter exploratório, não
nos autoriza generalizações, mas fornece pistas a partir das constatações de
falas e observações de dezoito homens-pais com os quais trabalhamos. Estes
sujeitos demonstraram interesse e até alguma experiência no cuidado pessoal de
seus filhos pequenos. E evidente a motivação em assumir a
atenção direta, caracterizada no cuidado a ser dispensado aos bebês.
Estas atitudes esbarram, todavia, em conceitos estereotipados sobre os papéis
do homem e da mulher na divisão social do trabalho. Daí serem, ainda,
incipientes as iniciativas e embora o direito de cuidar do filho seja
reconhecido por eles, não é arrojadamente concretizado na prática. Persiste, nas falas, o rótulo social da falta de habilidade
masculina e a sua exaltação como atributo da mulher.
Demonstraram que desejam maior atenção e reconhecimento
por parte dos profissionais de saúde que atendem as crianças quando eles, os
pais, estão presentes e permanecem ignorados. Os achados nos permitem delinear
um esboço, mesmo que ainda provisório, destes sujeitos como pais potencialmente
cuidadores. Muitos deles já o são empiricamente e estão
desejosos de maiores informações e esclarecimentos para melhor interagirem com
as mães na partilha destas funções. Sentiram-se prestigiados por
integrarem o trabalho e valorizados por se fazerem ouvir.
Aos profissionais de saúde fica o alerta para que se voltem com maior sensibilidade para o fenômeno da paternagem
porque é preciso reconhecer este novo homem-pai que deve e deseja
participar dos cuidados do filho de forma mais segura e mais confortável.
ALONSO, 1. L. K. Buscando caminhos para viver saudável:
uma proposta educativa de enfermagem voltada às mulheres “mães de primeira
viagem” em seus enfrentamentos cotidianos. Santa Catarina, 1994. [Dissertação
de Mestrado em Assistência de Enfermagem - Universidade Federal de Santa
Catarina].
CORREIA, A; SCIASCIA, G. Manual de direito romano. 4.ed.
São Paulo, Saraiva, 1961.
DECIA, P. Homens brigam para ajudar a criar os filhos. Folha
de São Paulo. São Paulo, 13, ago. 1995. Cotidiano, p.3-3.
ESPERTO, 5. P. A. Histoire de la famille- des
origines à nous jours. Paris, Editions des
Connaissances Modemes ECM, 1971.
FARGE, A. Famílias - a honra e o sigilo. ln:
ARIES, P.; DUBY, G. História da vida privada . v.3. São Paulo, Companhia
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MENDRAS, E. Etudes de sociologie rurale - nous
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PERROT, M. Figuras e papéis . In : ARIÊS, P.; DUBY, G.
História da vida privada. v.4 São Paulo, Companhia das Letras, 1991.
PROST, A. Fronteiras e espaços do privado. In: ARIES P.;
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1991.
VEYNE, P. O. O Império Romano. ln: ARIES P.; DUBY, G. A
história da vida privada. v. 1. São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
V.S.D. (Vandredi, Samedi, Dimanche). Qui porte la
culotte. Paris, 25-31, oct, 3644, 1990.
* Trabalho elaborado a partir da dissertação de mestrado
apresentada á Universidade Federal de Santa Catarina, intitulada: “Buscando
caminhos para viver saudável uma proposta educativa de enfermagem voltada às
mulheres mães de primeira viagem em seus enfrentamentos cotidianos” (ALONSO,
1994).
[1] Enfermeira. Doutora. Pesquisadora do CNPq, junto ao
Departamento de Enfermagem da UFSC.
[2] Enfermeira, Profa. do
Depto. de Enfermagem da UFSC.
End: UFSC -
Campus Universitário - Trindade, Florianópolis - SC, CEP 88040-900.