PROCESSO DE APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
André Del Grossi
Assumpção
Resumo: Ao
adolescente autor de ato infracional se aplicam as medidas socioeducativas
estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O conceito de
ato infracional se informa no tipo penal mas não se
equipara a crime. Embora direcionadas à reeducar, tais
medidas constituem sanção. Sua aplicação depende de processo de natureza
judicial, com procedimento especial previsto no Estatuto, aplicados,
subsidiariamente, outros textos de lei. O ECA fixa
expressamente diversas garantias, sem prejuízo de todas as outras
constitucionalmente asseguradas à pessoa humana.
Palavras-chave: Ato Infracional; Crime; Processo; Garantias Constitucionais; Medidas Socioeducativas; ECA.
Introdução
Este artigo objetiva apresentar ao leitor, de maneira sucinta e com base na doutrina e na legislação cabível, o procedimento de aplicação das medidas socioeducativas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº8069/90 - ECA), seus aspectos garantistas e os pontos controvertidos mais comumente evocados. Abordamos assim, o procedimento desde a prática do ato infracional pelo adolescente até a definição da medida cabível, pelo Judiciário.
A discussão é extremamente relevante. Embora o total de infrações cometidas por inimputáveis mantenha-se comparativamente menor em relação aos delitos, cometidos por adultos, atinge níveis bastantes para que setores de menor compreensão democrática e parlamentares ávidos por respostas imediatas, ainda que simplistas, apresentem emendas que visam à redução da maioridade penal como diretriz da segurança pública. Desta questão, principalmente, vem à tona a discussão sobre o adolescente autor de ato infracional, bem como a aplicação das medidas socioeducativas.
Nosso sistema não abarcou, expressamente, níveis diferentes de culpabilidade como já se fez nas diferentes províncias argentinas e outros ordenamentos ao redor do mundo, reconhecendo-se as seguintes hipóteses: 1. Declaração de inimputabilidade em função da idade, 2. Reconhecimento da responsabilidade e integração para julgamento no caso de menor eventualmente imputável, 3. Processamento normal dos plenamente imputáveis; classificando-se, pois, os agentes segundo suas idades em totalmente inimputáveis, eventualmente imputáveis e plenamente imputáveis.
Não falta à nossa lei, porém, uma gradação interna à margem da inimputabilidade, ex vi do art. 105 da referida Lei, pois, se de qualquer forma a maioridade penal só é alcançada aos 18 anos (arts. 104 do ECA, art. 27 do Código Penal e art. 228 da Constituição Federal), as medidas socioeducativas destinam-se exclusivamente aos adolescentes assim determinados pela lei, quais sejam, aqueles com idade entre 12 e 18 anos. Não se destinam às crianças (até 12 anos incompletos), a quem correspondem apenas as medidas de proteção previstas no art. 101 do Estatuto. Além disso, estas medidas, salvo o previsto no inciso VIII do referido dispositivo, são aplicáveis de forma concorrente pelo Conselho Tutelar e pelo Juiz da Infância e da Juventude. Consta que esta gradação interna se observa desde o Código de Menores de 1927.
Assim, como se vê, inimputabilidade penal não significa de pronto impunidade. Aos infratores aplicam-se medidas socioeducativas, dirigidas precipuamente à reeducação ainda que com os conhecidos defeitos básicos de sua implementação. Não obstante seu caráter adaptado às condições do infrator como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, configuram plenamente uma sanção, do que nos cabe tratar preliminarmente.
Ponderações prévias
Antes de iniciar a discussão propriamente dita do procedimento de aplicação das medidas socioeducativas, parece-nos importante apresentar algumas ponderações a respeito da natureza de tais medidas e da sua aplicabilidade ao jovem infrator.
Define-se ato infracional a conduta que, praticada pelo adolescente ou pela criança, está descrita como crime ou contravenção penal (art. 103, ECA). Se por um lado não há diferença ontológica entre crime e contravenção, o mesmo não se dá entre estes e o ato infracional. Equivocado, assim, o entendimento daqueles para quem "...não existe diferença entre os conceitos de ato infracional e crime..." .
Como se sabe, o crime, segundo a doutrina finalista, é ação ou omissão típica, ilícita e culpável. Típica porque descrita no tipo legal. Ilícita porque contrária à ordem jurídica. Culpável porque censurável ao agente .
Estas adjetivações configuram os elementos essenciais do delito e na falta de qualquer deles não há que se falar em crime ou contravenção. A inimputabilidade decorre do estágio ainda incompleto de desenvolvimento psíquico-moral e social da criança ou do adolescente e impede a formação da culpabilidade graças à reduzida prestabilidade à censura da norma penal, afastando-se sua incidência. Destarte, o ato do adolescente poderá ser típico e também ilícito mas não efetivamente culpável. Falar em crime é, pois, uma grande impropriedade.
Por outro lado, segundo parece-nos, distanciam-se os conceitos não somente do ponto de vista analítico do delito, mas, igualmente sob o aspecto puramente material. Numa definição desta natureza, Fragoso apresenta o delito como "a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considere afastável somente através da sanção penal" . Tomando-se por satisfatória esta definição, verifica-se, como antes, que a conduta do adolescente, ainda que conduza aos mesmos resultados da conduta do adulto imputável, é somente censurável de forma distinta e comparavelmente reduzida, a exigir sanção de natureza distinta e adequada. Não é, então, exato, que ambas as práticas sugiram a mesma reação social, através da pena criminal.
Não obstante, há quem acredite que o sistema adotado pelo ordenamento pátrio em vigor configura verdadeiro direito penal especial, indicando "la etapa de la responsabilidad penal de los adolescentes que se inaugura en la región con el Estatuto del Niño y el Adolescente (ECA) de Brasil aprobado en 1990."
Impõe-se a discordância. Esse entendimento, data maxima venia, reduz toda responsabilidade à responsabilidade criminal, o que contraria, diga-se de passagem, princípios do próprio Direito Penal, como o da subsidiariedade. Nesse sentido, propõe-se o sofisma de que sem responsabilidade penal não há responsabilização alguma. Se é verdade que hoje a prática da medida de internação se equipara à da reclusão, também é verdade que não é este o espírito da lei. Cabe não confundir realidade com aspiração, "ser" com "dever ser". Não é razoável, desde a simples observação dos aspectos fáticos, renunciar ao caráter prioritariamente educativo que se cuida à medida sócio-educativa.
Com isso, não se pretende qualquer projeto de cidadania sem responsabilidade, hipótese obviamente cínica e sem valor. Quer-se, isto sim, a compreensão de que a responsabilidade do adolescente existe e inclui sanções, mas que estas não trazem em si os mesmos fundamentos e objetivos da pena criminal.
Esta discussão é de importância fundamental. Determinados usos lançam um estigma de difícil eliminação sobre o adolescente infrator e contribuem, não raras vezes, para o desenvolvimento pelos jovens, de um chamado "padrão consistente de comportamento indesejável".
Daí reprovarmos a desatenção no escrever-se que "De qualquer forma, o Estatuto englobou em uma só expressão, ato infracional, a prática de crime e contravenção penal por criança ou adolescente."
A esse respeito, tivemos a satisfação de colher esclarecimentos junto ao Dr. João Batista da Costa Saraiva, em palestra realizada na cidade de Maringá, a 19 de outubro do ano corrente, por ocasião da 1a Semana da Criança Cidadã. Explicou-nos naquela ocasião o magistrado sul-rio-grandense que o reconhecimento de um sistema de direito penal juvenil no estatuto vigente pretende antes de tudo afastar a hipocrisia daqueles que alardeiam a impunidade dos infratores e estender ao processo de sua aplicação todas as garantias que hoje assistem o processo penal, sendo, neste ínterim, indispensável.
Mais uma vez, com a devida licença, ousamos discordar. Não nos parece necessário tal esforço de interpretação para assegurar ao infrator as garantias que cercam o criminoso. Como veremos em seguida, todas elas estão asseguradas pela Constituição Federal (na proteção genérica que dispensa à dignidade da pessoa humana e na exigência do devido processo legal) e pelo próprio texto do ECA, que determina sejam aplicadas subsidiariamente todas as normas gerais previstas na legislação processual pertinente, respeitando-se a condição peculiar de desenvolvimento a que já aludimos.
Assim, não merece a mesma reprovação a conduta do adolescente em relação à do adulto, no que se refere ao exercício amplamente responsável de seus atos. E não se reduz o direito que passamos a expor a mero capítulo do processo penal.
Garantias Constitucionais e Direitos Individuais
Os direitos individuais e as garantias constitucionais são a base do regime jurídico democrático, estabelecendo limites sólidos contra a atuação arbitrária do poder público. São, em regra, de aplicabilidade imediata, ou seja, devem ser respeitadas independente da existência de outras normas para sua aplicação.
A criança e o adolescente gozam rigorosamente de todas as garantias fundamentais asseguradas à pessoa humana, que permeiam o processo do qual tratamos, levando-se em conta, porém, a sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (arts.3º e 6º , ECA), não para privá-las de qualquer benefício da lei, mas para incremento de sua proteção, sob pena de abuso e ilegalidade.
Nominalmente, os capítulos II e III do Título III da Parte Especial do ECA descrevem, respectivamente, direitos individuais e garantias processuais. Mas, como explica João Batista da Costa Saraiva , os arts.106 e 109 contêm, a rigor, garantias constitucionais individuais especiais, que correspondem a direitos de caráter instrumental e expressam regras de segurança em matéria penal, tutelando a liberdade da pessoa.
A distinção entre direitos e garantias fundamentais é clássica. No nosso País, remonta a Rui Barbosa, que escreveu no sentido de que se distinguem "as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias; ocorrendo, não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito."
Neste sentido, desde o cometimento do ato infracional até a final execução da medida socioeducativa, os procedimentos de sua aplicação estão regidos em suas linhas gerais no Estatuto da Criança e do Adolescente, por vezes de forma mais detalhada, mas de qualquer forma prevista a aplicação subsidiária da legislação pertinente (v.g. Código de Processo Penal, Código de Processo Civil e princípios dos tratados ratificados) e, sobretudo, da Constituição Federal.
Uma primeira garantia se traduz pelo princípio da legalidade (art. 5º, II, CF), pelo qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Com esta previsão, procura-se garantir o primado da razão e da vontade geral sobre as paixões no julgamento dos indivíduos. De menor amplitude é o princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, CF), que em direito penal reclama o tratamento necessário por lei para a matéria. As condutas delituosas serão, por esse princípio, sempre previstas em lei regularmente submetida ao processo legislativo. É proibido, por exemplo, que medidas provisórias fixem condutas criminosas, pois, embora tenham força de lei (art. 62 da CF), não o são efetivamente, eis que não passam de pronto pelo processo legislativo.
No mesmo sentido, entendemos que, uma vez que o conceito de ato infracional se informa na lei penal, na conduta típica, está claro que por essa via também o ato infracional obedece ao princípio da reserva legal. Nesse tom, não se aplicará medida socioeducativa se a conduta do jovem não se enquadrar definitivamente em um tipo criminal. Se a conduta não se equipara ao tipo de um crime ou contravenção, então devem ser aplicadas, conforme o caso, medidas de proteção do artigo 101 do ECA, ofendido algum bem jurídico, mas não se aplicam medidas socioeducativas, o que caracterizaria ilegalidade.
Por sua vez, o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF; art. 110, ECA), que remonta à Magna Carta inglesa de 1215, configura dupla proteção ao indivíduo, atuando não só no âmbito material de proteção ao direito de liberdade como também no âmbito formal. Com efeito, assegura posição paritária do indivíduo diante do Estado e lhe assegura a ampla defesa.
Verdadeiramente, o processo contraditório e a ampla defesa (art.5º, LV, CF) são corolários do devido processo legal, que é, vale dizer, princípio de grande amplitude. Inclui o direito à defesa técnica, à citação, à produção ampla de provas, ao processo pelo juiz competente (juiz natural, art.5º, XXXVII e LIII, CF), aos recursos previstos, à decisão imutável, à revisão criminal.
Nessa linha, ainda outras garantias são aplicáveis. Temos, por exemplo, o respeito à integridade física e moral do acusado de ato infracional (art.5º, XLIX, CF), a presunção de inocência até decisão final (art.5º, LVII, CF), o imediato relaxamento da prisão ilegal (art.5º, LXV, CF), além daquelas que oportunamente apontaremos, como aqueles insculpidos nos incisos LXII a LXIV da Constituição de 1988.
A publicidade dos atos será restrita ao infrator, seus responsáveis e seu defensor, bem como ao magistrado e ao representante do Ministério Público, no interesse do próprio adolescente.
No plano internacional, as garantias fundamentais às crianças e aos adolescentes agente de atos infracionais estão previstas basicamente no texto das Regras de Beijing .
Defesa técnica
O advogado é imprescindível à administração da Justiça. Verificando a ausência de defensor constituído, o juiz deve nomeá-lo de ofício mesmo que somente para a realização da audiência. O ECA, no artigo 141, §2º, assegura aos necessitados a integral e gratuita assistência judiciária, na forma da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950 , reforçando o disposto no art. 5º, LXXIV, da CF.
O adolescente que contar com ao menos 16 anos de idade poderá, assistido pelo responsável, firmar procuração ao causídico. Aquele que não atingiu a idade, será representado pelos pais, estes assinando a procuração. (RT606/151; 575/205;573/196). E, para bem defender, o advogado "tem o direito de examinar, em cartório de justiça ou secretaria de tribunal, os autos de qualquer processo (CPC, art.40,I); de requerer, como procurador, vista dos autos (CPC, art.40, II); e retirar os autos do cartório ou secretaria sempre que lhe competir falar neles por determinação do juiz, nos casos previstos em lei (CPC, Art.40, III).
Não obstante a necessária representação judicial, sem prejuízo da defesa que sustente o defensor, o adolescente tem direito de ser ouvido pessoalmente pelo juiz em qualquer fase do processo. Esta garantia se inspira no acesso à justiça (art. 141, ECA e art. 5º, XXXV, CF), e deve ser estendida ao Promotor de Justiça. A oitiva informal do adolescente é imprescindível para que órgão do Ministério Público forme convicção sobre a necessidade de representação, bem como experimente algum conhecimento sobre a personalidade do acusado. A oitiva é, pois, verdadeiro direito do jovem acusado e não mera faculdade do Promotor Público.
O ECA apresenta algumas situações específicas em que deve ser ouvido o adolescente (arts.186, pelo juiz; 124, I, e 179, pelo MP; e 141, pelo defensor).
Apreensão do infrator
Dado o cometimento do ato infracional, o adolescente poderá ser apreendido. Isto somente ocorrerá por ordem do juiz ou em flagrante delito (art. 5º, LXI, da CF; art. 106, ECA) . No primeiro caso, será imediatamente levado à autoridade judiciária. Se apreendido em flagrante será, desde logo, levado à autoridade policial (termo que se restringe ao delegado de polícia) para a lavratura do auto de apreensão. Este auto poderá ser substituído por boletim de ocorrência circunstanciada, se o flagrante não for relativo a ato cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa (arts.171 a 173, ECA).
O adulto que tiver participado em co-autoria com o adolescente será também levado à repartição policial especializada para atendimento deste, onde houver, até que seja devidamente encaminhado à repartição própria (arts.171 e 172, ECA). Esta providência visa impedir que o inimputável tenha contato com o adulto, além de garantir o respeito ao procedimento especial do qual tratamos. Proíbe-se, pois, a condução do adolescente até a delegacia, sempre que existir o local mais adequado.
Com os mesmos fins assecuratórios, vigora a regra segundo a qual, em qualquer caso, o infrator não poderá ser transportado em compartimento fechado de veículo policial ou sob condições indignas ou atentatórias à sua saúde física ou mental (art. 178, ECA).
Quando se dá a apreensão, é direito do infrator conhecer a identificação daquele que a realiza, os motivos por que o faz e as garantias que lhe assistem (art. 106, ECA; art. 5º, LXIII e LXIV, CF). Em consonância com a condição reconhecida de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento, e com o direito que todo cidadão tem de avistar-se com terceira pessoa quando da imputação de um fato criminoso (art. 5º, LXII, CF), à família deverá ser também dado conhecimento da apreensão e do local onde é mantido o adolescente, ou outra pessoa que ele indicar.
Do flagrante, o juiz deve ser informado de imediato, sob pena
de ilegalidade. Conhecendo os fatos, deve analisar desde já a possibilidade de
liberação do acusado, sob pena de responsabilidade (art.107, ECA) . A
competência para esta avaliação, bem como para todo o processo de aplicação das
medidas socioeducativas, é do Juiz da Infância e da
Juventude, salvo onde não houver a vara especializada, situação em que se deve
observar a indicação do juiz feita pela Lei de Organização Judiciária do Estado
(arts.146 e segs., ECA). A decisão por juiz
incompetente autoriza o habeas corpus.
Quando a apreensão se dá por ordem judicial, esta deve ser fundamentada. A ausência de motivação ou sua insuficiência ensejam a nulidade da decisão, que resta sem nenhum valor jurídico. A lei estabelece em que pode consistir a fundamentação do despacho em que se decide pela manutenção do jovem privado de sua liberdade. Deverá fundar-se sobre a gravidade do ato, a sua repercussão social, a garantia de segurança do adolescente ou a manutenção da ordem pública (art. 174, 2a parte, ECA).
Explica Antônio Fernando do Amaral e Silva que "Infração grave é aquela punida com reclusão. Repercussão social é aquela que causa alarma, revolta, provocada pelas circunstâncias e conseqüências do ato. O conceito de garantia da ordem pública está sedimentado e se justifica para evitar que o adolescente continue praticando novas infrações graves. Quanto à segurança pessoal, necessário é que haja ameaça de vindita popular do ofendido ou de sua família."
De fato, excepcionais devem ser os casos em que o juiz mantém a privação da liberdade. Esse internamento provisório deve ser evitado tanto quanto possível em razão dos graves efeitos prejudiciais da detenção do infrator, entre os quais poderíamos apontar os seguintes: no ambiente carcerário, normalmente, o jovem terá contato com toda uma estrutura degradante; separa-se o jovem da família, fazendo com que se sinta abandonado e deixado unicamente a si mesmo; a privação da liberdade reforça a idéia de fracasso e tira do jovem a oportunidade de espontaneamente colaborar com a Justiça, exercitando seu senso de responsabilidade, entre outros.
Liberação imediata
Não ocorrendo nenhuma das hipóteses do art. 174, 2a parte, o adolescente será liberado pela autoridade policial assim que compareça qualquer dos pais ou responsável, firmando-se termo de compromisso e responsabilidade para sua apresentação ao representante do Ministério Público no mesmo dia, se possível, ou no primeiro dia útil imediato (art. 174, 1a parte, ECA). O Promotor de Justiça receberá cópia do auto de apreensão ou boletim de ocorrência assim que se der a liberação (art. 176, ECA).
Se, por outro lado, não for o caso de liberação, o adolescente acusado será encaminhado ao Promotor, junto com o auto de apreensão ou boletim de ocorrência. Não sendo possível apresentá-lo imediatamente, será deixado aos cuidados de entidade de atendimento, para que se apresente no prazo máximo de até 24 horas. Nas localidades onde não houver entidade de atendimento, a apresentação far-se-á pela própria autoridade policial. E se esta não contar com uma repartição policial especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada da destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese, exceder aquele prazo de 24 horas (art. 175, §§ 1º e 2º, ECA). Vê-se que o Estatuto fez exaustiva previsão neste ponto. Nota-se que o legislador de 1990 preocupou-se profundamente com a apreensão desnecessária do adolescente acusado de ato infracional.
Aquele adolescente que estava em liberdade, ou porque foi liberado ou porque não chegou a ser apreendido, poderá ser conduzido mediante força policial (cuja requisição é faculdade do Juiz), caso não se apresente voluntariamente ao órgão do Ministério Público dentro do prazo. Antes, porém, serão notificados seus pais ou responsável (179, § único, ECA).
Oitiva pelo Promotor de Justiça
Quando, enfim, chega o adolescente à presença do Promotor de Justiça, este ouvirá informalmente o acusado e também seus pais ou responsável, bem como a vítima e as testemunhas. Neste momento decidirá sobre o encaminhamento adequado ao caso, escolhendo entre: I - promover o arquivamento dos autos, não havendo indícios suficientes da autoria ou de materialidade; II - conceder a remissão; III - oferecer representação ao juízo para aplicação da medida socioeducativa.
O arquivamento encerra o exame do caso, que só poderá ser novamente estudado com a notícia de novos fatos ou aspectos da prática da infração. A remissão, que depende de aceitação pelo acusado, impede a formação do processo ou põe fim ao já instalado, com possibilidade de aplicação de alguma medida socioeducativa, exceto aquelas que impliquem privação de liberdade. A representação tem papel análogo ao da denúncia criminal, iniciando o processo judicial. Mas é oportuno destacar que o interesse do Estado aqui não é o mesmo que no Crime, uma vez que a função do Promotor de Justiça é precipuamente tutelar, não cabendo, em qualquer momento do processo, o papel de acusador público. Discordando o Juiz sobre a conveniência do arquivamento ou da remissão, não dará homologação, enviando os autos ao Procurador-Geral de Justiça, para que este ofereça a representação, designe outro membro do Ministério Público para fazê-lo, ou confirme definitivamente o arquivamento ou a remissão (art. 181, ECA). A remissão não implica qualquer conclusão sobre a culpa (em sentido amplo) do adolescente a quem é atribuída a conduta infracional.
Note-se que não está prevista no ECA expressamente a obrigatoriedade de assistência por advogado nesta primeira entrevista com o Promotor de Justiça. Isto pode ser interpretado como uma falha no sistema garantista do Estatuto, uma vez que essa audiência é de fundamental importância para o desenrolar do processo de aplicação das medidas socioeducativas. Entendemos que os princípios constitucionais garantem a defesa técnica também nesta fase processual.
Como se nota, o instituto da remissão no procedimento em tela muito se afasta do que serve à remissão prevista no Código Penal. Esta se refere à eventualidade de o Juiz, embora perfeita a constituição do crime, deixar de aplicar a pena verificadas determinadas circunstâncias legalmente previstas. É uma causa de extinção de punibilidade, direito subjetivo do réu e que se opera independentemente de sua aceitação (art. 107, IX, CP).
Quanto à remissão prevista no ECA, não se trata na verdade de perdão judicial mas, muito antes, de uma espécie de transação judicial com possibilidade de aplicação das medidas adequadas. A impropriedade do nome, explica-nos Saraiva , tem origem na tradução não acertada do termo inglês "diversion" (que indica "mudança de direção" ou, no caso, mudança no curso normal dos trâmites judiciais). Este foi o termo utilizado no idioma original das Regras de Beijing e que foi erroneamente traduzido para o espanhol "remisión", do qual foi traduzido para o português "remissão".
Realmente, são grandes as semelhanças desta remissão com a transação penal instituída depois pela Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que põe fim ao processo já em curso ou, se antes, evita que chegue a ser instaurado. A remissão poderá ser concedida mesmo antes de iniciado o procedimento judicial (art. 126, ECA), como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional de que é acusado. E, uma vez instaurado o processo, este será suspenso ou extinto (art.126, § único, ECA).
A imposição de medida socioeducativa é possível desde que não se trate de medida privativa de liberdade (art. 127, 2a parte, ECA). Ressalvada esta hipótese, pode o Promotor de Justiça, se julgar pertinente quando conceder a remissão ao adolescente, adverti-lo, obrigá-lo a reparar o dano, impor prestação de serviços à comunidade, determinar-lhe a liberdade assistida (artigos 115 a 119). Mas não poderá submetê-lo, portanto, à semiliberdade ou à internação (artigos 120 a 125) . Também pode, como está claro, aplicar, cumulativamente ou não, as medidas de proteção do artigo 101 do ECA.
Embora o texto do artigo 126 se valha da expressão "conceder", a validade da remissão acertada com o Ministério Público dependerá da homologação do Juiz da Vara da Infância e da Juventude. Como dissemos, não entendendo pela remissão, o Juiz deverá encaminhar os autos ao Procurador-Geral de Justiça, e a postura por este assumida cabe ao juiz homologá-la sem mais considerações (art. 181, §2º do ECA, art. 28 do Código de Processo Penal).
Questão bastante controvertida é a regressão de medida aplicada em remissão para uma medida privativa de liberdade. Entende Saraiva que o descumprimento reiterado da medida imposta na remissão permite ao juiz determinar a regressão para medida de semiliberdade ou internação. Funda-se, basicamente, no argumento de que, ainda que estas não possam ser impostas na própria remissão (a teor do já citado art. 127), a regressão será antecedida de novo procedimento, não sendo razoável, pois, dizer-se que a medida privativa da liberdade é determinada na própria remissão. Consta, porém, que parte sensível da doutrina inclina-se pela negativa. Mas a jurisprudência, ainda que por razões algo divergentes, tem aceitado a regressão.
Pessoalmente, resta-nos dúvidas sobre a possibilidade de regressão da medida imposta em remissão para medida que implique privação de liberdade, uma vez que esta sanção havia sido expressamente afastada quando do ato da remissão. Parece-nos que a regressão levaria à privação de liberdade por via indireta sem o devido processo, embora seja forte a argumentação de Saraiva no sentido de que se instala, no caso, um novo procedimento.
Representação e internação provisória
Não se impondo a remissão nem o arquivamento, apresentar-se-á a representação. Esta será oferecida em petição que contenha a classificação do ato infracional e o rol das testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária (art. 182, ECA).
Recebendo a representação, considerando que sua proposição implica a análise precedente do Ministério Público e que este decidiu por representar, o Juiz deverá analisar mais uma vez a necessidade de decretação ou de manutenção da internação provisória. O prazo máximo para a internação provisória deve ser de 45 dias, após o que também deveria encerrar-se o processo (arts.183 a 185, e 108, § único, ECA). Este prazo entendeu o legislador como suficiente para a conclusão do processo e julgamento da ação. Também aqui a decisão que diz respeito à internação do acusado deve ser adequadamente fundamentada, com base em indícios suficientes da autoria e materialidade, mostrando necessária e imperiosa (art.108, ECA).
"O entendimento dominante é no sentido de que a privação provisória de liberdade daquele a que se atribui a prática de ato infracional, ante o princípio constitucional de presunção de inocência (art. 5o, LVII), somente se justifica nos casos em que, em eventual sentença final caberá a privação de liberdade (art. 122 e seus incisos), combinado com as demais circunstâncias, onde se inclui a própria garantia da incolumidade do infrator como ponto preponderante."
O prazo de 45 dias é improrrogável, a teor do próprio dispositivo legal (art. 183, ECA). O prolongamento dessa internação para além do referido prazo foi elevado a crime e, além de autorizar habeas corpus, sujeita o responsável à detenção de seis meses a dois anos (art. 235, ECA). De fato, a norma sancionará aquele que "descumprir, injustificadamente , prazo fixado na lei em benefício do adolescente privado de liberdade". É crime próprio. O sujeito ativo dessa norma penal incriminadora trazida pelo Estatuto é a autoridade pública competente para a liberação do adolescente.
A impossibilidade de prorrogação dos prazos máximos assim estabelecidos em favor do adolescente, escreve Saraiva , aparece em praticamente todas as legislações para a infância e a adolescência no mundo editadas depois da Convenção das Nações Unidas, protocolo que consagrou a doutrina da proteção integral.
Apresentação, instrução e julgamento
Quando recebe a representação, o Juiz designa data para a realização de audiência de apresentação, para a qual serão notificados, leia-se citados, o adolescente e seus pais ou responsável. Na falta destes nomeia-se curador especial.
Aplicando-se subsidiariamente as regras do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil, haverá citação por Oficial de Justiça, pelo Correio, ou por edital. Mas, deve-se ressaltar, se não for localizado o adolescente, a autoridade deve expedir mandado de busca e apreensão e determinar o sobrestamento do feito até que se apresente o adolescente (art.184, §3º, ECA). Neste particular, o Estatuto passou à frente no Código processual penal, cuja redação antiga do artigo 366 dispunha que o processo seguiria à revelia do acusado que, embora citado inicialmente ou intimado de qualquer ato do processo, deixasse de comparecer a juízo sem motivo justificado. Porém, a lei n. 9.271, de 17 de abril de 1996, deu nova redação ao dispositivo. Pelo novo texto, a citação por edital, se o acusado não comparece nem constitui advogado nos autos, não permite a continuação do processo, que se suspende. Com isto dá-se melhor atendimento ao princípio de que ninguém pode ser julgado sem ser ouvido ("nemo inauditus damnari potest").
A citação do adolescente deve dar a conhecer todos os termos da atribuição de ato infracional (art.111, ECA). Desta forma tomará conhecimento pleno da ação e terá as bases necessárias para formular sua defesa. Como vimos, são garantidas a igualdade na relação processual e a defesa técnica por um profissional habilitado. Sua defesa será providenciada ainda que esteja ausente ou tenha empreendido fuga (art. 207, ECA), lembrando-se que o processo será suspenso se, em razão de sua ausência, for citado por edital.
Como a participação dos pais é ponto sensível na aplicação das medidas socioeducativas, sua cientificação para a audiência de apresentação em juízo é reclamada pela própria lei (art. 186, ECA). A necessária presença dos pais ou tutores também está prevista no plano internacional, com as regras orientadoras de Beijing. Estes, junto com o adolescente, devem comparecer à audiência acompanhados do advogado. Se lhes faltar o procurador, e sendo o fato definido como grave, compatível com medida de internação ou semiliberdade, deve o juiz nomear-lhe advogado dativo e já designar audiência em continuação.
O advogado deve oferecer a defesa prévia e a lista de testemunhas em até três dias contados desta audiência de apresentação (art. 186 e §§ 1º a 3º, ECA).
Ainda na apresentação o Juiz poderá determinar diligências para melhor apurar os fatos ou visualizar sua gravidade e orientar-se sobre o cabimento das medidas que ao final determinará. Se o adolescente falta a esta audiência de apresentação, pode o magistrado determinar sua condução coercitiva, se necessário, para a audiência em nova data (art. 187, ECA).
Designada, pois, audiência em continuação, o juiz deverá ouvir o representante do Ministério Público, o advogado e as testemunhas, sucessivamente, por 20 minutos cada, prorrogáveis por mais 10 minutos (art. 186, § 4º, ECA). Após, deverá proferir sentença.
A conjugação do Código de Processo Penal, art. 268, com o art. 206 do próprio Estatuto faz-se entender razoável que a vítima de ato infracional ou os seus familiares possam intervir no processo na qualidade de assistente de acusação. Parece-nos que esse entendimento é correto e não contraria aquele outro segundo o qual o Ministério Público não exerce papel de acusador público, porquanto a participação de assistentes pode ser útil para uma melhor instrução do processo .
Medidas e Sentença
Conforme previsto no ECA, o magistrado dará sentença ainda em audiência, após a exposição do Ministério Público e do Advogado do adolescente. Aplicando subsidiariamente o texto do Código de Processo Penal (art. 800, I), admitimos o prazo de 10 dias após essa data para que o Juiz profira sentença.
A sentença que reconhece a culpa (em sentido lato) do adolescente determinará a aplicação da medida que entender conveniente, ou cumulativamente mais de uma, dentre as seguintes: advertência (arts.114, § único, e 115); obrigação de reparar o dano (art. 116); prestação de serviços à comunidade (art. 117); liberdade assistida (arts.118 e 119); inserção em regime de semiliberdade (art. 120); internação em estabelecimento educacional (arts.121 a 125). Poderá, ainda, conforme o caso, determinar também medidas de proteção específica, quais sejam: encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; abrigo em entidade; colocação em família substituta (arts.101 e 112, VII, ECA).
Como se percebe, o Estatuto da Criança e do Adolescente não segue a mesma técnica legislativa do Código Penal. Se ali a cada conduta específica é cominada uma pena, na Lei 8.069/90 as medidas socioeducativas são previstas a todas as condutas que configurem ato infracional, devendo o juiz levar em conta a gravidade do caso e suas circunstâncias para a individualização da sanção.
O Estatuto não falta quanto à previsão legal da conduta, eis que define o ato infracional, recorde-se, como aquele descrito pela lei como crime ou contravenção penal. Mas não apresenta limites específicos para a sanção de cada prática ilícita. Isto, no entanto, é desnecessário, graças mesmo à diferente natureza de ato infracional e crime ou contravenção, e de medida socioeducativa e pena criminal, como acima indicamos. A natureza sancionatória diversa daquela que cabe à pena para crimes, ainda que igualmente sanção, é a razão maior para que esteja o juiz livre para escolher responsavelmente qual aquela que mais serve ao fim de correção e reeducação do infrator, analisando caso a caso.
Com invejável clareza manifestou-se sobre o assunto Martha de Toledo Machado:
"... as sanções cominadas ao adolescente autor de crime ou contravenção, além de possuírem natureza jurídica diversa da pena criminal, são aplicadas através de sistemática totalmente diversa. Não há fixação rígida de parâmetro de apenação, baseado tão-somente no critério objetivo da gravidade da infração como no sistema de penas mínimas e máximas do Código Penal. Ao contrário, ao julgador se confere a possibilidade de escolha de qualquer das medidas socioeducativas previstas no artigo 112 da lei especial, consideradas as circunstâncias objetivas e subjetivas do fato e a condição pessoal do autor, nos termos do caput e parágrafo primeiro do referido artigo. Mais do que isso, em respeito à Constituição Federal, foram fixadas no artigo 122 as hipóteses excepcionais de aplicação da sanção privativa de liberdade, estabelecendo-se que a internação tão-somente é possível nos casos de fato cometido com violência ou grave ameaça a pessoa ou na reiteração no cometimento de outras infrações penais graves."
Pensamos que o processo em tela guarda sensível semelhança com um processo administrativo, graças mormente a esta maior liberdade de aplicação das sanções. Aponta-se, por outro lado, que o sistema revogado pelo Estatuto continha evidente caráter administrativo. Talvez tenha isto levado o excelso doutrinador Nelson Nery Jr a efetivamente tomar o processo de aplicação das medidas socioeducativas como processo administrativo, quando explicava que as garantias processuais estão presentes no feito. Escreveu, de fato, que o "processo administrativo, para a apuração de ato infracional cometido por criança ou adolescente (art. 103 ss, ECA), é informado pelo contraditório e ampla defesa, pois seu objetivo é a aplicação de medida socioeducativa pela conduta infracional, que se assemelha à imposição de sanção administrativa" .
Particularmente, porém, parece-nos mais adequado o entendimento de que o processo aqui tratado, impropriamente chamado procedimento no texto da Lei 8.069/90, tem natureza judicial. É o que, em nossa opinião, se denota do trabalho de outros pesquisadores e também da própria análise das normas. Destaque-se a formação de coisa julgada judicial, cuja alteração reclama ação revisional.
Internacionalmente, propõe-se que a decisão da autoridade competente seja pautada pelos seguintes princípios: sanção sempre proporcional não só às circunstâncias e à gravidade da infração, mas também às circunstâncias e às necessidades do jovem, assim como às necessidades da sociedade; imposição de restrições à liberdade pessoal do jovem somente após estudo cuidadoso e mínimo possível de casos; não imposição de privação de liberdade pessoal a não ser que o jovem tenha praticado ato grave, envolvendo violência contra outra pessoa ou por reincidência no cometimento de outras infrações sérias, e a menos que não haja outra medida apropriada; o bem-estar do jovem como fator preponderante no exame dos casos.
O adolescente infrator e seu advogado deverão ser intimados da sentença que aplicar medida de internação ou regime de semiliberdade. Na ausência do adolescente por ocasião da intimação, recebem-na seus pais ou responsável. O adolescente pessoalmente intimado da sentença que lhe priva a liberdade tem decisão sobre recorrer ou não da decisão. Tem-se entendido que o advogado não pode interpor recurso sem o consentimento do adolescente (art. 190, incisos e § 2o, ECA).
Da sentença condenatória à medida que não implica privação de liberdade basta que seja intimado o advogado (art. 190, § 1o, ECA).
Sistema recursal e remédios constitucionais
No processo de aplicação das medidas em tela, por disposição de lei, são cabíveis todos os recursos atinentes ao processo civil, com as adaptações necessárias a conferir a maior agilidade reclamada pelo princípio da prioridade absoluta (art. 198 e incisos, ECA).
Assim, de toda sentença caberá apelação. Das decisões interlocutórias caberá agravo de instrumento ou agravo retido. E, conforme o caso, disponibilizam-se os embargos de declaração, embargos infringentes, o recurso especial e o recurso extraordinário.
Em todos os recursos, com exceção do agravo de instrumento e dos embargos de declaração, o prazo para apresentar e para responder será sempre de 10 dias (art. 198, II, ECA). O magistrado poderá reformar sua decisão em até cinco dias quando receber agravo de instrumento ou apelação, antes de dar-lhes o devido encaminhamento (art. 198, VII, ECA).
Ademais, as arbitrariedades eventualmente existentes no processo de aplicação das medidas em tela podem ser combatidas com a interposição de habeas corpus e mandado de segurança, nos termos dos artigos 647 a 667 do CPP e do previsto na Lei 1.533 de 31 de dezembro de 1951 e na Lei 4.348, de 26 de junho de 1964. Estes, também em acordo ao princípio da prioridade absoluta, têm preferência sobre os demais remédios analisados pelo Tribunal, sendo analisados primeiramente a todos os outros.
Bibliografia
ASSIS, Jorge César de. Estatuto da Criança e do Adolescente. v.2. Coleção Perguntas e Respostas. Curitiba: Juruá Editora, 2000.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JUÍZES DE MENORES. Notas interpretativas ao Código de Menores: Lei n. 6.697, de 10.10.1979. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
BRASIL. Código de Menores; Lei n. 6.697/74, comparações, anotações, histórico, por Ana Valderez, A. N. de Alencar e Carlos Albertos de Souza Lopes. Brasília: Senado Federal - Subsecretaria de Edições Técnicas, 1982.
______. Código Penal. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940.
______. Código de Processo Penal. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de1988.
______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990.
D'ANTONIO, Daniel Hugo. El menor ante el delito. Buenos Aires: Astrea, 1978.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: parte geral. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
GARCÍA MENDEZ, Emilio. Adolescentes y responsabilidad penal: un debate latinoamericano. Buenos Aires-Belo Horizonte, fev. de 2000.
LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Criança e do Adolescente: Comentários. Rio de Janeiro: IBPS, 1991.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1998.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2000.
NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança. Adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990.
______. Declaração dos Direitos da Criança. Adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil.
______. Declaração sobre os Princípios Sociais e Jurídicos Relativos à Proteção e ao Bem-Estar das Crianças, com Particular Referência à Colocação em Lares de Guarda, nos Planos Nacional e Internacional. Adotada pela Assembléia Geral de 3 de dezembro de 1986.
______. Princípios das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Princípios Orientadores de Riad). Doc. das Nações Unidas n.º A/CONF. 157/24 (Parte I), 1990.
______. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing).
NAÇÕES UNIDAS. ILANUD. Capacitación para personal en centros de menores infractores. São José-Costa Rica: Imprensa Nacional: 1980.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
TIFFER
SOTOMAYOR, Carlos. Ley de justicia penal juvenil/ anotado y concordado. 1.ed. San José, Costa Rica: Juristexto, 1996.