INTERNAÇÃO PROVISÓRIA NÃO É PRISÃO

 

 

Murillo José Digiácomo

Promotor de Justiça no Estado do Paraná.

 

 

Em que pese o fato de o Estatuto da Criança e do Adolescente estar em vigor há mais de uma década, sua interpretação e aplicação ainda são comprometidas pela falta de uma exata compreensão da finalidade e alcance de seus preceitos, que acabam sendo “contaminados” por conceitos e práticas ultrapassadas e mesmo alienígenas, próprias de outros ramos do Direito, que por estarem mais enraizados nas mentes dos chamados “operadores jurídicos” (diga-se, em especial, Juizes e Promotores de Justiça, inclusive daqueles com atuação na Justiça da Infância e Juventude), são muitas vezes utilizados sem maiores pudores ou cautelas, apesar de totalmente contrários aos princípios e regras inerentes ao Direito da Criança e do Adolescente.

 

Embora a aludida “contaminação” (que não é preciso dizer, compromete sobremaneira a correta – e completa – aplicação das normas próprias do Direito da Criança e do Adolescente), esteja onipresente, se faz sentir com especial intensidade, e de maneira particularmente danosa, no que diz respeito ao atendimento ao adolescente em conflito com a lei.

 

A falta de uma verdadeira cultura de proteção integral à criança e ao adolescente, tal qual preconiza a Constituição Federal em seu art.227, caput, e a Lei nº8.069/90 já em seu art.1º, faz com que, os já mencionados operadores jurídicos, daquilo que deveria se constituir num “Sistema de Garantias” aos direitos infanto-juvenis, com alguma freqüência, se esqueçam de que as regras contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente para o trato com o adolescente em conflito com a lei não possuem um caráter punitivo, devendo ser interpretadas e aplicadas não segundo os preceitos de Direito Penal, mas sim de acordo com os princípios próprios estatuídos com base nada menos que na “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, pelo que jamais podem ser interpretadas e aplicadas de forma prejudicial ao adolescente, que é, em última análise, seu destinatário (inteligência dos arts.1º e 6º, da Lei nº8.069/90).

 

Em virtude dessa falta de compreensão de que na verdade estamos lidando com um novo ramo do Direito, que não pertence e nem pode ser confundido com o Direito Penal, surgem inúmeras distorções na aplicação da lei, que ao invés de proporcionar a prometida “proteção integral” ao adolescente que, pelas mais diversas razões, teve a desventura de se envolver na prática de um ato infracional, é utilizada pura e simplesmente como instrumento de repressão, conferindo assim uma indesejável “sobrevida” às odiosas práticas “menoristas” que o tempo consagrou e a lei procurou banir do cotidiano forense.

 

Como resultado, os Juizados da Infância e Juventude, que deveriam ser os verdadeiros baluartes da defesa dos diretos infanto-juvenis, com uma atuação eminentemente voltada ao julgamento das questões de interesse coletivo, em caráter preventivo, promovendo a necessária responsabilização do Poder Público na busca da criação de estruturas de atendimento adequadas a crianças, adolescentes (inclusive aqueles em conflito com a lei) e suas respectivas famílias, continuam se prestando ao infame papel de meros aplicadores de medidas sócio-educativas, que na falta de programas idôneos para sua execução, já sabem de antemão, estão fadadas ao mais redundante fracasso.

 

Na prática, o que se vê, como triste regra, é a subutilização dos Juizados da Infância e Juventude, que embora hoje tenham o poder de transformação da realidade social, através da aplicação dos preceitos da já mencionada “Doutrina da Proteção Integral”, continuam a fazer as vezes de meros “Juizados de Menores”, se limitando ao atendimento de casos individuais de adolescentes em conflito com a lei, não raro sem sequer contarem com uma estrutura que permita a correta avaliação do problema que acomete o jovem[1] e/ou com programas protetivos e sócio-educativos (que mereçam como tal serem chamados) para onde possam encaminhá-lo, fazendo com que este acumule procedimentos e medidas sem qualquer resultado prático[2] e, ao final (quando isto já não ocorre desde logo), acabe sendo submetido à medida de internação, sendo assim penalizado (literalmente) pelo fracasso de todo “Sistema de Garantias” alhures mencionado, que foi concebido justamente para evitar a adoção de tal solução extrema.

 

Uma das mais graves conseqüências dessa total subversão das normas e princípios estatutários e constitucionais específicos, porém, tem sido verificada mesmo antes da aplicação da medida sócio-educativa, estando relacionada à permanência do adolescente, enquanto aguarda julgamento, em delegacia de polícia, por um prazo superior ao permitido por lei.

 

A ilegalidade de tal situação é manifesta, autorizando não apenas a expedição de habeas corpus, mesmo que de ofício, por qualquer Juízo ou Tribunal que tome conhecimento do fato, como também a intervenção dos órgãos correicionais e administrativos, de modo a apurar a responsabilidade da autoridade coatora respectiva, por afronta à literal disposição do art.181, §2º, da Lei nº 8.069/90 e mesmo em razão da prática, em tese, da infração penal prevista no art.235, da Lei n.º 8.069/90.

 

 Com efeito, consoante acima ventilado, embora as medidas sócio-educativas possuam um caráter sancionatório, posto que somente aplicáveis a adolescentes que tenham, comprovadamente (conforme art.114, da Lei n.º 8.069/90), praticado atos infracionais, não se confundem com penas, razão pela qual não podem ser aplicadas e/ou executadas numa perspectiva unicamente punitiva, despidas de qualquer perspectiva ou proposta pedagógica.

 

Se tal afirmação é válida em relação às medidas sócio-educativas exeqüíveis em meio aberto, com muito mais razão se aplica às medidas privativas de liberdade, que por encerrarem a solução mais rigorosa possível ao adolescente, foram reservadas a situações extremas e excepcionais, onde mais do que nunca se faz necessária a realização de um trabalho sério e intensivo voltado à efetiva recuperação do adolescente, e não apenas à sua segregação do convívio familiar e social, o que por sinal afronta ao disposto nos arts.4º, caput, 5º, 15 e 16, todos da Lei n.º 8.069/90 e art.227, caput e §3º, inciso V, ambos da Constituição Federal.

 

No caso específico da execução da medida de internação, aliás, seja ela provisória ou não, disposições expressas como as contidas nos arts.123, parágrafo único; 124, incisos XI e XII e 208, inciso VIII, todos da Lei n.º 8.069/90, evidenciam a idéia de que a privação de liberdade jamais pode conter um fim nela própria, se constituindo apenas num meio, extremo e excepcional (cuja utilização deve ser plenamente justificada face às necessidades pedagógicas do adolescente[3]), para realização do trabalho sócio-educativo que se entende imprescindível na espécie.

 

Com efeito, reza o art.123, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90 que:

 

Durante o período de internação, inclusive provisória, serão OBRIGATÓRIAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS (verbis - grifamos).

Já o art.94, da Lei n.º 8.069/90, determina que:

As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes OBRIGAÇÕES, dentre outras:...

X - propiciar escolarização e profissionalização;

XI - propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer;

... (verbis - grifamos).

 

No mesmo diapasão, o art.124 da Lei n.º 8.069/90, ao relacionar os direitos do adolescente privado de liberdade, estabelece de maneira expressa que:

 

Art.124. São DIREITOS do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:...

XI - receber escolarização e profissionalização;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;

... (verbis - grifamos).

 

Tamanha foi a preocupação do legislador em impedir que as medidas privativas de liberdade fossem executadas sem a realização de atividades pedagógicas com os sócio-educandos, alias, que previu, também de maneira expressa, que o não oferecimento ou a oferta irregular de escolarização e profissionalização de adolescentes privados de liberdade pode levar à responsabilidade dos agentes e autoridades públicas aos quais se atribui a omissão, ex vi do disposto no art.208, inciso VIII da Lei n.º 8.069/90:

 

Art.208. Regem-se pelas disposições desta lei, as AÇÕES DE RESPONSABILIDADE por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao NÃO OFERECIMENTO OU OFERTA IRREGULAR:...

VIII - de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.  (verbis - grifamos).

 

E mais, de modo a evitar a impunidade do agente ou autoridade pública que deveria proporcionar o referido atendimento ao adolescente, estabeleceu de forma clara que o próprio Poder Judiciário, além de obviamente impedir pudesse o adolescente permanecer privado de liberdade sem o imprescindível amparo sócio-pedagógico (inteligência do art.213, da Lei n.º 8.069/90), deveria buscar sua responsabilização, através do acionamento do Ministério Público:

 

Art.216. Transitada em julgado a sentença que impuser condenação ao Poder Público, o juiz determinará a remessa de peças à autoridade competente, para apuração da responsabilidade civil e administrativa do agente a que se atribua a ação ou omissão  (verbis).

 

Não bastasse todo esse arcabouço jurídico criado justamente para impedir que o adolescente fosse pura e simplesmente privado de sua liberdade, sem receber o tratamento sócio-pedagógico adequado à sua condição, houve ainda a expressa determinação que, sob nenhuma circunstância, é admissível a permanência do adolescente em estabelecimento prisional:

 

Art.185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade judiciária, NÃO PODERÁ SER CUMPRIDA EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL.

§1º. Inexistindo na comarca entidade com as características definidas no art.123, o adolescente deverá ser IMEDIATAMENTE TRANSFERIDO para a localidade mais próxima.

§2º. Sendo impossível a PRONTA TRANSFERÊNCIA, o adolescente aguardará sua REMOÇÃO em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, NÃO PODENDO ULTRAPASSAR O PRAZO MÁXIMO DE CINCO DIAS, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE  (verbis - grifamos).

 

E a responsabilidade de que trata o dispositivo em questão tanto pode ser administrativa quanto criminal, na forma do previsto nos arts.234 e 235, ambos da Lei n.º 8.069/90.

Mesmo em relação aos programas sócio-educativos que contemplem privação de liberdade em execução, houve a previsão da obrigatoriedade da observância de regras e princípios estritos (conforme arts.94 e 124, da Lei n.º 8.069/90), cabendo à autoridade judiciária e Ministério Público, a supramencionada fiscalização de sua adequação (conforme arts.95 e 191, ambos da Lei n.º 8.069/90), novamente de modo a impedir se tornem meros “depósitos” de adolescentes, sem a realização das obrigatórias e necessárias atividades pedagógicas.

 

As disposições legais acima transcritas, dada sua clareza, dispensam maiores comentários, sendo fácil vislumbrar que o legislador procurou, de todas as formas (inclusive, como dito, com a ameaça de responsabilidade civil, administrativa e criminal do agente público), impedir que a internação do adolescente fosse pura e simplesmente sinônimo de privação de liberdade, sem qualquer intervenção sócio-pedagógica efetiva, numa perspectiva meramente punitiva que afronta os objetivos e princípios legais e constitucionais que norteiam a aplicação da medida.

 

Ante a inexistência de vagas em estabelecimento adequado, portanto, não resta alternativa outra que não a liberação do adolescente após vencido o prazo legal alhures mencionado (cinco dias), pois não pode ser ele penalizado (literalmente, diga-se de passagem), pela omissão do Poder Público em lhe proporcionar a estrutura de atendimento adequada.

 

Tal entendimento é também decorrente das regras e princípios de hermenêutica jurídica que permeiam a matéria (notadamente daqueles contidos nos arts.1º e 6º da Lei n.º 8.069/90), segundo os quais não é admissível a interpretação - e aplicação - de qualquer dispositivo estatutário em prejuízo do adolescente.

 

Vale repetir que, em sendo a Justiça da Infância e Juventude, em última análise, encarregada da defesa dos direitos infanto-juvenis, não é concebível que assuma o papel inverso: o de violadora desses mesmos direitos que deveria garantir.

 

Inadmissível, portanto, que tolere (e muito menos que determine) a permanência de um adolescente num estabelecimento prisional por um período superior ao máximo admitido pela legislação específica (que repetimos, na forma do previsto no art.185, §2º, da Lei n.º 8.069/90, é de meros cinco dias), seja qual for a razão invocada para tal conduta, que deve ser coibida com concessão liminar de habeas corpus ao adolescente, pelo Juízo ou Tribunal competente, e com a apuração da responsabilidade da autoridade coatora nos termos da legislação específica já mencionada.

 

Registre-se que mesmo se a contenção for efetuada em "sala" ou cela especial da delegacia de polícia, com a separação dos adolescentes de outros presos, garantia de freqüência à escola, assistência do Conselho Tutelar ou outras cautelas similares, a permanência do jovem no ambiente degradante e impróprio de uma cadeia pública viola frontalmente as supramencionadas disposições restritivas à privação de liberdade de adolescentes em estabelecimentos prisionais contidas na Lei n.º 8.069/90, não podendo assim prevalecer.

Diverso não é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que em recente julgado assim decidiu:

 

Habeas Corpus. Adolescente. Representação. Internação. Medida adequadamente aplicada. Segregação provisória na cadeia pública local, enquanto se aguarda vaga no estabelecimento próprio. Extrapolação do prazo previsto no §2º, do art.185, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida. (TJPR - 2ª C.Crim. - HCECA n.º 117.944-0, de Alto Paraná. Acórdão n.º 13.869. j. em 07/02/02).

 

Nesse contexto, mais do que nunca fica evidenciada a necessidade de que a internação provisória do adolescente em conflito com a lei seja reservada, na forma do disposto no art.108, parágrafo único, in fine, da Lei n.º 8.069/90, para os casos em que efetivamente estiver presente a “necessidade imperiosa da medida” (verbis), assim demonstrado através de fundamentação bastante, baseada em elementos concretos presentes nos autos.

 

Evitando a “banalização” da internação provisória, seguramente não faltarão vagas nas unidades próprias a ela destinadas para internação daqueles que realmente necessitem dessa solução extrema.

 

Por outro lado, também irá contribuir para “desafogar” as referidas unidades, a particular agilidade e celeridade na instrução e julgamento dos procedimentos envolvendo adolescentes apreendidos, que como sabemos, em razão do princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, insculpido no art. 227, caput, da Constituição Federal, que tem como consectário a necessidade de conferir a crianças e adolescentes a “precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública” (conforme art. 4º, parágrafo único, alínea “b”, da Lei n.º 8.069/90), dentre os quais também se inclui a jurisdição, devem ter preferência em relação a todos os demais em tramitação no Juízo respectivo, devendo estar encerrados muito antes de escoado o prazo máximo e IMPRORROGÁVEL previsto pelos arts.108, caput e 183, ambos da Lei n.º 8.069/90, para internação provisória do adolescente, ao término do qual, se ainda não concluído o procedimento, deverá ser o adolescente imediatamente colocado em liberdade, também sob pena de caracterização do crime previsto no art.235, da Lei nº8.069/90.

 

Caso ainda assim o número de vagas disponíveis no sistema para internação provisória de adolescentes em conflito com a lei não seja suficiente para atender à demanda, deverá ser o fato comunicado ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, Secretarias de Educação, Justiça, Segurança Pública e/ou outros órgãos ou departamentos competentes, de modo a haver sua ampliação e adequação, sem prejuízo da colocação em liberdade dos adolescentes que não puderem ser inseridos nos programas de atendimento disponíveis e da propositura de eventual ação civil pública, pelo Ministério Público ou outro legitimado, para que ocorra a referida estruturação.

 

O que não mais podemos admitir, repita-se, é que continuem os adolescentes em conflito com a lei, destinatários que também são da proteção integral por parte do Poder Público e, em especial, da Justiça da Infância e Juventude, a serem penalizados e prejudicados pela falta de uma estrutura adequada para seu atendimento, tanto em meio aberto quanto em regime de internação, provisória e/ou sócio-educativa.

 

Se hoje temos o reconhecimento expresso, pela própria legislação, que a omissão do Poder Público em criar uma estrutura de atendimento adequada ao adolescente em conflito com a lei, o coloca em situação de risco na forma do disposto no art. 98, inciso I, segunda parte, da Lei n.º 8.069/90, autorizando inclusive a propositura de ação civil pública para prevenir a ameaça ou reparar o dano causado (art.70 c/c arts.208, inciso VII e parágrafo único, 212 e 213, todos da Lei n.º 8.069/90)[4], não há razão para que continuemos a agir tal qual ainda estivéssemos sob a égide do famigerado “Código de Menores”, fazendo do Poder Judiciário mero instrumento de repressão de adolescentes que, pelas mais diversas razões, porém invariavelmente relacionadas à desestruturação familiar, falta de uma educação de qualidade e ao consumo de substâncias entorpecentes[5], se envolvem na prática de atos infracionais.

 

Antes, deve a Justiça da Infância e Juventude ocupar o verdadeiro espaço que lhe foi reservado dentro do “Sistema de Garantias” idealizado pelo legislador estatutário, com base nos ditames da “Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente”, deixando de ser uma “Justiça de Menores” mascarada por um discurso garantista (que não corresponda à sua prática), e se transformando, finalmente, numa Justiça para a infância e juventude, que interpreta e aplica a lei de acordo com seus parâmetros e princípios específicos.

 

Enquanto, porém, não obtivermos de nossos Juizes e Tribunais a compreensão de que estamos lidando com um novo ramo do Direito, que não guarda qualquer correlação com o Direito Penal, e que é regido por regras e princípios próprios, continuaremos a tratar nossos adolescentes como meros objetos da intervenção repressiva e punitiva do Estado, e não como sujeitos de direitos, destinatários da proteção integral preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente com fundamento na Constituição Federal e normativa internacional, dentre os quais avultam, como dos mais relevantes, os direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade, diuturnamente vilipendiados por aqueles que, em última instância, deveriam assegurar seu pleno exercício e assumir, inclusive em cumprimento ao disposto no art. 221, da Lei nº 8.069/90, a condição de protagonistas dessa transformação.

Apesar de tudo, estamos certos que essa necessária mudança de cultura, embora seja um processo difícil e penoso, dada resistência apresentada por muitos à essa nova forma de ver, entender e atender a criança e o adolescente, é algo inexorável, sendo que um dia, que esperamos não esteja muito distante, práticas semelhantes às acima referidas serão lembradas apenas como um capítulo negro na história da evolução do Direito da Criança e do Adolescente, que não mais servirá como um instrumento de repressão, mas sim como forma de proteção, integral e prioritária, de todos os direitos infanto-juvenis, para o benefício de nossa sociedade.

 

Então, e apenas então, estaremos no caminho certo a permitir o cumprimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil relacionados no art. 3º de nossa Constituição Federal, com a construção de uma sociedade mais livre, justa, solidária e igualitária, em que todos - inclusive crianças e adolescentes, munidos de uma exata consciência de cidadania, trabalhem unidos em prol do bem comum e do desenvolvimento nacional.

 

 

Notas

 

[1] Na forma do previsto nos arts.151 c/c 186, §4º, ambos da Lei n 8.069/90.

[2] Pior do que a constatação de que não existem programas de atendimento para onde encaminhar o adolescente, que deve gerar o acionamento da máquina estatal no sentido de sua rápida implementação, é a aplicação meramente formal de medidas, sem que a execução destas esteja lastreada em um programa sócio-educativo que contenha uma proposta pedagógica adequada, elaborada e levada a efeito por profissionais da área social e outras pessoas capacitadas, e esteja articulado numa verdadeira “rede” de proteção a crianças, adolescentes e famílias que cabe ao município manter (arts.86 e 88, incisos I e III, da Lei nº 8.069/90).

[3] Conforme art.113 c/c art.100, primeira parte, da Lei nº 8.069/90, em razão das quais deve a medida sócio-educativa e/ou protetiva ser, fundamentalmente, aplicada.

[4] Inclusive, como visto, com a apuração, mediante provocação da própria autoridade judiciária, da responsabilidade do agente público a que se atribui a omissão (conforme art.208, caput c/c art.216, ambos da Lei nº 8.069/90).

[5] Situações que poderiam ser solucionadas através da aplicação de medidas específicas de proteção, tal qual previsto nos arts.101 e 129, ambos da Lei nº 8.069/90, às quais devem corresponder programas de atendimento idôneos, articulados numa verdadeira “rede” de proteção à criança e ao adolescente que cabe ao município estruturar (conforme arts.86 e 88, incisos I e III, todos da Lei nº 8.069/90).