O NOVO REGIME DA APRENDIZAGEM

 

 

Arion Sayão Romita

 

 

Etimologia

 

O vocábulo aprendizagem é cognato de aprendiz, este derivado do antigo francês apprentiz. A palavra apprentiz provém de um particípio passado arcaico apprendititum, do qual deriva também apprentissage, aprendizagem. O verbo apprehendere, que significa segurar, agarrar, prender, apreender, apresentava a forma adpprehendere, derivada de prehendere, que tem idêntico significado: tomar, agarrar, segurar, reter, pegar. Este verbo latino prehendere deriva de per + o primitivo verbo hendere, ou handere, de uma raiz que exprime a idéia de prender.  A origem está no indo-europeu ghend, idéia de prender, que deu origem ao grego khandamo, segurar e do anglo-saxônico hand, mão.

 

O verbo português aprender deriva por síncope de apreender, segurar, pegar, agarrar, prender. Aprender significa tomar conhecimento de, reter na memória. A etimologia da palavra aprendiz revela, portanto, a noção de adquirir conhecimento. Aprendiz é aquele que aprende ofício ou arte e aprendizagem ou aprendizado é o ato ou efeito de aprender. Este conceito genérico não esgota, porém, a vasta gama de possíveis aplicações que o termo encontrou e vem encontrando ao longo da história.

 

Referências históricas

 

No regime das corporações de ofícios, a aprendizagem constituía a primeira e obrigatória fase do artesanato corporativo, com estrito acatamento às determinações do mestre, que detinha autoridade, conhecimentos e experiência para ensinar o ofício. O estatuto de cada grêmio fixava o sistema de trabalho e o número de aprendizes confiados a cada mestre, segundo as necessidades deste. Previa também a duração da aprendizagem, que em alguns casos poderia chegar a dez anos. Os aprendizes  eram jovens, crianças ou adolescentes, mas não se estabelecia a duração do processo de aprendizagem em função da idade. Além de entregar ao mestre o fruto de seu trabalho, o aprendiz deveria pagar-lhe uma módica quantia pelo ensino.

 

No direito do trabalho brasileiro, a aprendizagem tradicionalmente vem sendo regulada no capítulo do trabalho do menor. Só menor pode ser aprendiz. Ao completar a maioridade trabalhista, cessa a aprendizagem, ainda que o processo não tenha chegado a seu termo. A aprendizagem ocorre no bojo de um contrato de trabalho e, como prestador de serviços, mesmo que submetido ao processo discente, o aprendiz aufere remuneração.

 

Por força da Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998, que proibiu o trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos, tornou-se imperioso adaptar o capítulo da CLT que regula a proteção do trabalho do menor à nova sistemática, tarefa da qual se desincumbiu a Lei n. 10.097, de 19.12.2000.

 

 Relevância  social do tema

 

Nunca será excessiva a faina de salientar a relevância social do tema em exame: a aprendizagem.

 

Dados estatísticos informam que no Brasil há cerca de 4 milhões e 800 mil jovens entre 15 e 16 anos; 3 milhões entre 14 e 15 anos e outros 3 milhões com idade inferior a 14 anos. Cerca de 2 milhões de adolescentes entre 14 e 16 anos têm necessidade de contribuir para a renda familiar. Para que possam integrar-se à população economicamente ativa de modo profícuo, no mercado de trabalho formal, os jovens carecem de adequada qualificação profissional.

 

Em virtude da introdução de novos métodos de trabalho derivados das inovações tecnológicas, os setores que mais absorvem novos trabalhadores são o comércio e os serviços. Observando-se a criação de novos postos de trabalho, chega-se à conclusão de que os setores de comércio e serviços geram mais empregos do que a indústria: no ano de 2000, foram criados no Brasil, no comércio, 181 mil novos empregos; no setor de serviços, 323 mil vagas, enquanto na indústria abriram-se 261 mil postos de trabalho. Vale dizer, no comércio e nos serviços observou-se a criação de um número de vagas quase equivalente ao dobro das ocorridas na indústria.

 

O exame destes dados estatísticos é oportuno, para que se possa orientar a aprendizagem no rumo em que ela produzirá resultados profícuos: de nada vale qualificar profissionalmente o jovem em atividade na qual ele não vai lograr uma colocação. A aprendizagem na indústria ainda se faz, por certo, indispensável; contudo, ela deveria ser intensificada nos setores de comércio e de serviços, nos quais se observa a tendência à criação de maior número de postos de trabalho, capazes de absorver os contigentes de jovens que completem o ciclo de aprendizagem.

 

A orientação da Lei n. 10.097

 

O impacto das novas tecnologias no mercado de trabalho determinou a revisão de conceitos e a adoção de outros métodos de organização empresarial.  Profissões antigas desapareceram, novas foram criadas. A idéia mesma de profissão passou a ser questionada. Definia-se aprendizagem como formação profissional metódica de ofício. Esta definição está superada. A Lei n. 10.097 fala apenas em "formação técnico-profissional metódica". Torna-se indispensável preparar o jovem para tipos de atividade não necessariamente balizados por práticas profissionais que, em breve, talvez já não mais existam.

 

Já a Constituição de 5 de outubro de 1988, atenta aos novos rumos da proteção do trabalho do adolescente, falava em "direitos à proteção especial"  (art. 227, § 3o ).

 

Fiel ao aceno da Magna Carta, a Lei n. 10.097 abandonou a visão assistencialista estampada nos Códigos de Menores de 1927 e 1979. Estes diplomas visavam ao atendimento de crianças e adolescentes carentes e infratores, perfilhando uma política de assistência social ou de repressão em entidades correicionais. Já a Lei n. 10097, de acordo com a nova orientação, consagrou a doutrina da proteção especial segundo a qual a criança e o adolescente são pessoas em desenvolvimento, que devem ser atendidas prioritariamente em suas necessidades peculiares, como cidadãos.

 Esta orientação, em boa hora seguida pela Lei n. 10.097, harmoniza-se com o pensamento da Organização Internacional do Trabalho, que desde 1973, com a aprovação da Convenção n. 138, vem dispensando especial atenção ao tema em estudo.

 

A ação da Oit

 

Os textos mais recentes emanados da OIT, a respeito do trabalho da criança e do adolescente, são: as Convenções ns. 138 de 1973, e 182 de 1999; e as Recomendações ns. 146, de 1973, e 190, de 1999.

 

A Convenção n. 138 unificou a política internacional sobre trabalho infantil e pode ser sintetizada da seguinte maneira:

 

a) preconiza a idade mínima para o trabalho em 15 anos, com o mister de garantir escolaridade mínima sem trabalho durante o primeiro grau;

b) admite que países em desenvolvimento adotem a idade de 14 anos para o trabalho e, excepcionalmente, a de 12 anos em caso de aprendizagem;

c) nesses casos, porém, os eventuais signatários devem implementar política de elevação progressiva da idade mínima;

d) as atividades que afetem a integridade física ou psíquica, a preservação da moralidade, ou a própria segurança do adolescente devem ser desempenhadas somente a partir dos 18 anos. Tolera, no entanto, a idade de 16 anos em tais hipóteses, desde que o adolescente esteja submetido a cursos profissionalizantes.

 

A Convenção n. 182 define as "piores formas de trabalho da criança" e inclui proibição sobre o recrutamento forçado ou obrigatório de meninos soldados. Exige a cooperação internacional em matéria de desenvolvimento social e econômico, erradicação da pobreza e educação, e prevê amplas consultas entre os governos e os trabalhadores, interlocutores sociais na composição tripartite da OIT. A Convenção em apreço define as piores formas de trabalho da criança: a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como o tráfico de crianças, a servidão por dívidas, a condição de servo e o trabalho forçado ou compulsório; b) o recrutamento forçado ou obrigatório de meninos para utilização em conflitos armados; c) o emprego de crianças na prostituição, a produção de pornografia ou ações pornográficas; d) a utilização, o recrutamento ou o oferecimento de crianças para a realização de atividades ilícitas, particularmente a produção e tráfico de drogas; e) o trabalho que prejudique a saúde, a segurança e a moral das crianças.

 

A Recomendação n. 146, de 1973, sobre a idade mínima de admissão no emprego, que acompanha a Convenção n. 138, apresenta uma orientação geral para a eliminação do trabalho da criança e para a implantação de políticas nacionais que satisfaçam as necessidades das crianças e de suas famílias.

 

A Recomendação n. 190, que acompanha a Convenção n. 182, define trabalhos perigosos como: a) trabalhos em que a criança fique exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual; b) trabalhos subterrâneos ou embaixo de água, em alturas perigosas ou em ambientes fechados; c) trabalhos realizados com máquinas ou ferramentas perigosas ou com cargas pesadas; d) trabalhos realizados em ambiente insalubre no qual as crianças fiquem expostas, por exemplo, a substâncias perigosas, a temperaturas ou níveis de ruídos ou vibrações que sejam prejudiciais à saúde; e) e os trabalhos em condições dificultosas, como horários prolongados ou noturnos e os que obriguem a criança a permanecer no estabelecimento do empregador.

 

A preocupação da OIT com o trabalho da criança e do adolescente levou a entidade a dele ocupar-se na Declaração relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, aprovada na 86a Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em 18 de junho de 1998. Nessa Declaração, afirma-se que todos os membros da OIT, ainda que não tenham ratificado as convenções específicas, assumem o compromisso, derivado do simples fato de pertencerem à organização, de respeitar e promover de boa-fé e na conformidade da Constituição os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto das referidas convenções, entre os quais se inclui a eliminação efetiva do trabalho das crianças.

 

Realmente, entre as sete convenções internacionais que preconizam o respeito universal dos direitos humanos fundamentais no trabalho, relaciona-se a Convenção n. 138, sobre a idade mínima de admissão no emprego.

 

A ação da OIT tem exercido profunda influência sobre o ordenamento jurídico brasileiro. É verdade que a situação do Brasil em face do tema do trabalho da criança e do adolescente não é das mais animadoras. Comparando-se as taxas de porcentagem de atividade econômica das crianças na faixa etária de 10 a 14 anos, o Brasil apresenta 16,1 enquanto países como o México e a Argentina apresentam 6,7 e 4,5 respectivamente. Não se quer comparar o Brasil com a Itália (0,4) nem com Portugal (1,8). A situação do Brasil está próxima da do Paquistão (17,7) e acima da do Egito (11,2) e da China (11,6). Portanto, o Brasil precisa urgentemente desenvolver esforços no sentido de reduzir a participação da criança e do adolescente na atividade econômica. Lugar de criança é na escola e só em casos especiais, no trabalho.

 

Em resposta ao influxo partido da OIT, o Brasil tem tomado providências no campo legislativo, com o objetivo de adaptar seu ordenamento às diretrizes internacionais. Fundamental, nesta direção, foi a promulgação da Emenda Constitucional n. 20, que deu nova redação ao art. 7°, inciso XXXIII, da Carta de 5 de outubro de 1988 para fixar em 16 anos a idade abaixo da qual é proibido o trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. A emenda data de 15 de dezembro de 1998. Como decorrência da Emenda n. 20, tornou-se necessário adaptar a legislação ordinária aos ditames da Constituição, tarefa levada a cabo pela Lei n. 10.097.

 

Existe clara vinculação entre a idade mínima para admissão em emprego e a aprendizagem. O regime de aprendizagem está intimamente relacionado com a legislação sobre o trabalho da criança e do adolescente, de sorte que vale acenar para os textos da OIT sobre aprendizagem, a fim de aquilatar a compatibilidade entre a legislação brasileira e as normas internacionais. Para este fim, cabe lembrar as Recomendações da OIT ns. 57 e 60, de 1939, e 117, de 1962.

 

A Recomendação n. 57, de 1939, sobre a formação profissional define aprendizagem como todo sistema em virtude do qual o empregador se obriga, mediante contrato, a empregar um jovem trabalhador e a ensinar-lhe ou fazer com que lhe ensinem metodicamente um ofício, durante período previamente estipulado, no transcurso do qual o aprendiz fica obrigado a trabalhar para dito empregador (art. 1o alínea c). A recomendação 60, de 1939, sobre aprendizagem reproduz, no artigo 1o, a definição anterior.

 

Atualmente, o conceito de aprendizagem está contido no art. 428 da CLT, com a redação determinada pela Lei n. 10.097/2000, que está assim redigido: contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.

 

 

Esclarece a Recomendação n. 117 da OIT, de 1962, que a "formação não é um fim em si mesma, senão meio de desenvolver as aptidões profissionais de uma pessoa, levando em consideração as possibilidades de emprego e visando ainda a permitir-lhe fazer uso de suas potencialidades como melhor convenha a seus interesses e aos da comunidade".

 

Instituto afim da aprendizagem é a formação profissional,  de que trata a Recomendação n. 117. A Recomendação n. 117, de 1962, abre espaço para a preparação pré-profissional, a qual deve incluir uma instituição geral e prática apropriada à idade dos jovens para continuar e completar a educação recebida anteriormente; dar uma idéia do trabalho prático e desenvolver o gosto por ele e interesse pela formação; revelar interesse, habilidades profissionais e favorecer a aptidão profissional ulterior.

 

O Brasil está em vias de ratificar a Convenção n. 138 da OIT e já ratificou a Convenção n, 182.

 

Para possibilitar  a ratificação da Convenção n. 138, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA - expediu a Resolução n. 69, de 15 de maio de 2001, segundo a qual o Brasil no ato de depósito da ratificação da Convenção n. 138 da OIT junto ao Diretor da Repartição Internacional do Trabalho deve apontar dezesseis anos como idade básica de admissão ao emprego ou ao trabalho em qualquer ocupação, pois, para este efeito, é indiferente a idade mínima adotada no Brasil relativamente ao início da aprendizagem, uma vez e não permite trabalho nessa modalidade antes dos quatorze anos. Os dispositivos da Lei n. 10.097 sobre aprendizagem do adolescente em regime de emprego se ajustam ao preceituado pelo art. 6º da Convenção Internacional n. 138.

 

Preceitos constitucionais

 

A Constituição se ocupa do trabalho do adolescente em diversos dispositivos. Assim, estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado, da família e da sociedade, e deve visar ao preparo para  o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho (art. 205); e garante prioritariamente aos adolescentes o direito à educação e à profissionalização (art. 227).

 

Além disso, o art. 227, § 3o, incisos I a III, estabelece que o direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de dezesseis anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7o, XXXIII; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola.

A Emenda n. 20 elevou a idade mínima para o trabalho a 16 anos, abrindo um grande espaço social para a concessão do direito à profissionalização em relação aos jovens de 14 a 16 anos.

O direito à profissionalização passou a ser prioritário e, para sua materialização, foi ele inscrito no âmbito da política educacional, bem como foram ampliadas as hipóteses legais de aprendizagem.

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente

 

A Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Define, no art. 2°, criança como a pessoa até doze incompletos e adolescente como aquela entre doze e dezoito anos de idade. Portanto, é proibido o trabalho da criança, mesmo como aprendiz.

 

O art. 60 do ECA, que proibia qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, foi revogado pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998. Atualmente, é proibido o trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. O art. 60 do ECA compatibilizava-se com o teor do art. 7o, XXXIII, da Constituição de 1988, em sua primitiva redação. Hoje, o adolescente só pode iniciar a aprendizagem profissional a partir de quatorze anos.

 

O art. 62 do ECA define aprendizagem como a formação técnico-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da educação em vigor. Remete, portanto, aos preceitos da lei especifica, a qual viria a ser promulgada em 20 de dezembro de 1996 (Lei n. 9.394, que estabelece as diretrizes e da educação nacional).

 

O art. 63 do ECA discrimina os princípios a que deve obedecer a formação técnico-profissional. Não se confundem os conceitos de formação profissional contínua e formação técnico-profissional (aprendizagem). A primeira tem por objetivo adestrar alguém para ocupar um lugar no processo de produção, enquanto a aprendizagem visa a formar concomitantemente o cidadão e o profissional. A formação profissional contínua, com a preocupação de adaptar o trabalhador às inovações tecnológicas, deve perdurar toda a vida, ao passo que a aprendizagem (formação técnico-profissional (stricto sensu) cessa aos dezoito anos. Aprendiz, no direito brasileiro, só pode ser menor, entre quatorze e dezoito anos. Aos dezoito anos, cessa a menoridade trabalhista, de acordo com o disposto no art. 402 da Consolidação das Leis do Trabalho. O limite de dezoito anos já constava da legislação anterior: a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 10.097 apenas elevou de doze para quatorze anos a idade mínima de admissão ao trabalho, sendo certo que de quatorze a dezesseis este só pode ser exercido em regime de aprendizagem. Portanto, o trabalhador adulto (a partir de dezoito anos) não pode ser aprendiz, embora possa ser submetido a formação profissional contínua.

 

O art. 64 do ECA também foi revogado. Ele assegurava ao adolescente até quatorze anos bolsa aprendizagem. Como a idade mínima, segundo a legislação anterior, era de doze anos, o aprendiz entre aquela idade e quatorze anos podia receber não salário, porém bolsa de aprendizagem. Mercê da elevação da idade mínima para quatorze anos, desapareceu essa possibilidade. Atualmente, aprendizagem só pode iniciar-se aos quatorze anos.

 

Segundo o disposto no art. 65, ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários. Este preceito perdeu a eficácia, porque, consoante a nova sistemática legislativa, todo aprendiz é necessariamente maior de quatorze anos e o gozo dos direitos trabalhistas e previdenciários é assegurado pelas leis respectivamente pertinentes.

 

O art. 66 contém uma disposição relevante, do ponto de vista do direito aplicável às pessoas portadoras de deficiência. Nos termos do referido preceito legal, ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido. O Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolida as normas de proteção; cuida da política de emprego; prevê a incorporação do adolescente deficiente ao sistema produtivo mediante  regime especial de trabalho protegido; e define oficina protegida de produção.

 

O art. 67 veda ao aprendiz trabalho noturno; perigoso, insalubre ou penoso; realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; e realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola. A proibição do trabalho noturno, perigoso ou insalubre já era estabelecida na Constituição (art. 7o, inciso XXXIII) e as demais proibições foram reiteradas pelo parágrafo único do art. 403 da Consolidação das Leis do Trabalho, com a nova redação dada pela Lei n. 10.097.

 

O art. 68 fixa as condições em que deve ser exercido o trabalho educativo, que não se confunde com a aprendizagem. O § 1o define o trabalho educativo como a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo, sendo certo que a remuneração auferida em razão do trabalho ou a participação na venda dos produtos não desfigura o caráter educativo (§ 2o). Trabalho educativo e aprendizagem são, portanto, noções distintas. No primeiro, não se configura vínculo empregatício: ele será exercido sob a responsabilidade de entidade governamental sem fins lucrativos e, por conseguinte, não há que falar em empregador; já a aprendizagem dá ensejo a um contrato de trabalho, cogitando-se de empregado e empregador.

 

O art. 69 do ECA assegura ao adolescente o direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Não se refere especificamente à aprendizagem.

 

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional .

 

A Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e  bases da educação nacional.

 

No Capítulo III (arts. 39 a 42) trata da educação profissional. Estes dispositivos foram regulamentados pelo Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997.

 

A educação profissional, que compreende os níveis básicos, técnico e tecnológico, será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades que contemplem estratégias de educação continuada, podendo ser realizada em escolas de ensino regular, em instituições especializadas ou nos ambientes de trabalho. Trata-se, portanto, de processo distinto da aprendizagem.

 

No plano internacional, a educação profissional também não se confunde com a formação técnico-profissional. Segundo o glossário da Unesco, formação técnico-profissional  é termo utilizado em sentido lato para designar o processo educativo quando este implica, além de uma formação geral, estudo de caráter técnico e a aquisição de conhecimento e aptidões práticas relativas ao exercício de certas profissões em diversos setores da vida econômica e social. Como conseqüência de seus extensos objetivos, o ensino técnico e profissional distingue-se da formação profissional que visa essencialmente à aquisição de qualificações práticas e de conhecimentos específicos necessários para a ocupação de um determinado emprego ou de um grupo de empregos determinados.

 

O adolescente pode, assim, estar submetido ao processo de educação profissional sem ser aprendiz.

 

 Pode-se considerar, então, a formação profissional como o gênero do qual são espécies: a) educação profissional, que compreende os níveis básico, técnico e tecnológico; b) formação técnico-profissional; c) trabalho educativo; d) aprendizagem.

 

Conceito de aprendizagem

 

A Consolidação das Leis do Trabalho não definia aprendizagem nem contrato de aprendizagem. No parágrafo único do art. 80, definia aprendiz como o menor de doze a dezoito anos, sujeito à formação profissional metódica do ofício em que exerça o seu trabalho. O art. 80 da CLT foi expressamente revogado pela Lei n. 10.097 (art. 3o).

 

A Lei n. 10.097 dá nova redação ao art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho para definir contrato de aprendizagem como o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias à sua formação.

 

A definição compatibiliza-se com o disposto no art. 7o, inciso XXXIII, da Constituição (com a redação da Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.1998), segundo o qual o trabalho é permitido ao menor entre quatorze e dezesseis anos, apenas como aprendiz. Não sendo aprendiz, o adolescente só pode ser sujeito de contrato de trabalho a partir de dezesseis anos. Como aprendiz, ele pode ser sujeito de contrato de trabalho a partir de quatorze anos, sendo certo que a menoridade trabalhista cessa aos dezoito anos, idade limite para a duração do processo de aprendizagem. O art. 403 da CLT, com a redação da Lei n. 10.097, proíbe qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

 

Como sujeito do contrato de aprendizagem, o adolescente deve ser inscrito em programa de aprendizagem e a ele será assegurada formação técnico-profissional metódica, caracterizada por atividades técnicas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho.

 

Alterou-se, portanto, o conceito de aprendizagem: segundo a legislação anterior, o aprendiz ficaria submetido a um processo de formação profissional metódica de ofício. O próprio conceito de ofício está em crise,  ante as inovações tecnológicas decorrentes da informática, da robotização e da superação dos métodos de organização do trabalho inerentes ao fordismo e ao taylorismo. Trata-se, agora, não mais de preparar o aprendiz para exercer um ofício, mas sim de lhe assegurar formação profissional apta a enfrentar os desafios dos novos métodos de organização do trabalho.  O que se exige é que as atividades teóricas e práticas envolvidas no processo de aprendizagem sejam metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva e compatíveis com o desenvolvimento físico, moral e psicológico do adolescente.

 

 Natureza do contrato de aprendizagem

 

A aprendizagem dá ensejo, ou não, a um contrato de trabalho? A resposta a esta indagação depende do ordenamento jurídico em causa e, neste, pode variar no tempo.

 

No México, a aprendizagem estava amplamente regulada na lei de contrato de trabalho de 1931. Entretanto, a lei federal do trabalho, de 1970, deliberadamente a excluiu: o contrato de aprendizagem foi suprimido, sob o argumento de que se tratava de reminiscência medieval, sobrevivência do regime corporativo, que ensejava a prática de abusos contra menores.

 

Há sistemas em que funciona o critério dualista (escola x empresa), admitindo-se expressamente a distinção entre o âmbito da escola e a empresa. Na Alemanha, a relação gerada pela formação na empresa por força do contrato de aprendizagem é considerada trabalhista para todos os efeitos, quer individuais quer coletivos; contudo, à relação gerada pela instrução na escola não se aplica o direito do trabalho, sendo ela regida pelas normas sobre o ensino em geral.

 

Em alguns ordenamentos jurídicos, como o do Vietnã, a relação pode, ou não, ser considerada trabalhista, segundo o aprendiz participe efetivamente ou não da produção.

 

Na França, anteriormente à lei de 1971, o trato de aprendizagem era considerado contrato de educação e não de trabalho. Atualmente, o art. 117-1 do Código do Trabalho define o contrato de aprendizagem como um contrato de  tipo particular.

 

Observa-se, no plano do direito comparado, uma tendência no sentido de aplicar a este contrato e aos sujeitos da relação por ele criada, sem embargo de sua especificidade, a legislação trabalhista.

 

Mudanças legislativas recentes, sob o influxo desregulamentação, excluíram expressamente o caráter trabalhista da relação gerada pelo contrato aprendizagem. É o caso da Argentina, em que a nova regulamentação do contrato de aprendizagem declara o caráter não trabalhista do vínculo (Decreto n.738/ 95, art, 15). Também no Peru uma lei (n. 26.513, de  julho de 1995) dispõe que a convenção de formação trabalhista dos jovens (análoga ao clássico contrato de aprendizagem) não dá origem à vinculação trabalhista (parágrafo final do art. 25).

 

A corrente revisionista não parece, todavia, capaz de alterar a tendência, fortemente marcada no campo do direito comparado, a tipificar o contrato de aprendizagem como um tipo especial de contrato de trabalho. Segundo esta orientação, o Estatuto dos Trabalhadores da Espanha, com texto fundido aprovado pelo Real Decreto Legislativo N. 1/1995, após a reforma operada pela Lei n. 61 /1997, de 26 de dezembro, conservou no texto do art. 11.2 o contrato de formação, como modalidade dos "contratos formativos", ao lado do contrato de trabalho en prácticas. No Uruguai, a Lei n. 16873, de 3 de outubro de 1997, consagra a referida tendência, já que considera de natureza trabalhista a aprendizagem, tanto a simples como a modalidade  contratual.

 

No Brasil, o contrato de aprendizagem é tradicionalmente considerado contrato de trabalho. Os autores, porém, divergiam quanto à natureza desse contrato: não era pacífico o entendimento doutrinário a respeito da natureza jurídica do contrato de aprendizagem.

 

Várias correntes de opinião podiam ser identificadas, a caracterizar o contrato de aprendizagem como: a) contrato sui generis; b) contrato preliminar; c) contrato misto de trabalho e ensino; d) contrato de trabalho com cláusula de aprendizagem; e) tipo especial de contrato de trabalho por determinado.

 

Após a promulgação da Lei n. 10.097, não há mais espaço para disputas doutrinárias. Ante os termos inequívocos da lei, contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho especial, por determinado. Mas é um contrato a prazo diverso dos  previstos pelo art. 443 da CLT. Trata-se de um contrato de trabalho por tempo determinado, de natureza especial, pelo qual o empregador se obriga a propiciar ao empregado formação técnico-profissional metódica e o empregado se obriga a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias à essa formação.

 

Requisitos de validade do contrato de aprendizagem

 

Segundo o disposto no art. 428, caput e § 1o, da Consolidação (acrescentado pela Lei n. 10.097), a validade do contrato de aprendizagem fica subordinada à verificação conjunta dos seguintes requisitos: a) forma escrita. A forma verbal não é admitida, para evitar fraudes. A forma escrita é ad substatiam, não meramente ad probationem. O caput do art. 428 dispõe expressamente que o contrato de aprendizagem é ajustado por escrito. Forma dat esse rei; b) anotação na carteira de trabalho e previdência social. Fica ultrapassada, portanto, a controvérsia que se registrava na doutrina e na jurisprudência, pois ao lado da corrente que sustentava ser a anotação (exigida não por lei, mas pelo Decreto n. 31.546, art.5º) requisito essencial, havia quem admitisse que o contrato de aprendizagem poderia ser provado como os demais contratos de trabalho. À luz do novo preceito legal, entende-se que a exigência de anotação na CTPS constitui formalidade ad solemnitatem: sua preterição descaracteriza o contrato de aprendizagem; c) matrícula e freqüência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental. Sem a freqüência do aprendiz à escola, o contrato de aprendizagem ficará descaracterizado; d) inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica.

 

 Duração do contrato de aprendizagem – 2 anos

 

No regime anterior, o tempo máximo de aprendizagem necessário à formação metódica não poderia ultrapassar três anos (Decreto n. 31.546, art. 4o, § 1o). Os limites máximos de duração da aprendizagem seriam fixados pelo Ministério de Trabalho (art. 4o). Pela Portaria n. 43, de 27.5.1953, foi expedida a relação de ofícios e ocupações objeto de aprendizagem metódica no SENAI, e a Portaria n. 28, de 4.2.1958, relacionou as ocupações e ofícios sujeitos à aprendizagem metódica no SENAC. Os cursos tinham duração variável, mas em caso algum ultrapassavam três anos.

 

Atualmente, mercê do disposto no art. 428, § 3o, da Consolidação das Leis do Trabalho (acrescentado pela Lei n. 10.097), o contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de dois anos. A fixação deste limite levou em conta o disposto no art. 445 da Consolidação, em cujos termos o contrato de trabalho por tempo determinado não poderá ser estipulado por mais de dois anos. Poderia a lei do contrato de aprendizagem ter fixado outro limite, já que a CLT é lei ordinária, não ostentando hierarquia superior à das demais. O legislador, porém, preferiu uniformizar a duração máxima dos contratos a prazo, daí a fixação em dois anos do limite temporal do contrato de aprendizagem.

 

Ultrapassado o prazo de dois anos, o contrato de aprendizagem converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Ao contrato de  aprendizagem não se aplica o disposto no art. 451 da Consolidação e, portanto, ele não pode ser prorrogado.

 

Dispõe o art. 443 da CLT, com a redação dada pela Lei n. 10.097, que o contrato de aprendizagem se extingue no seu termo ou quando o aprendiz completar dezoito anos.

 

Restrições ao trabalho do aprendiz

 

Em consonância com o preceituado pela Convenção Internacional n. 182, de 1999, ratificada pelo Brasil em 2000, o parágrafo único do art. 403 da Consolidação (com a redação da Lei n. 10.097) proíbe o trabalho de menor (e, portanto, do aprendiz, pois todo aprendiz é menor) em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.

 

 Duração do trabalho do aprendiz

 

Nos termos do art. 432 da Consolidação (com a redação da Lei n. 10.097), a duração do trabalho do aprendiz não excederá seis horas diárias, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada.

 

O limite previsto nesse artigo poderá ser de até oito horas diárias para os aprendizes que já tiverem completado o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica (§ 1o do art. 432).

 

O objetivo perseguido pela lei, ao fixar em seis horas a duração máxima diária do trabalho do aprendiz, é propiciar-lhe completar o ensino fundamental. Por tal motivo, se o aprendiz já tiver completado o ensino fundamental, o limite da duração diária do trabalho pode ser elevado até o máximo de oito horas, que é a duração da jornada normal.

 

Como conseqüência desses preceitos, fica mantida a proibição geral de prestação de trabalho extraordinário, prevista pelo regime anterior. Aprendiz não pode trabalhar em horas suplementares em hipótese alguma, já que revogada a permissão excepcional de trabalho extraordinário por motivo de força maior.

 

Nem mesmo por força de negociação coletiva será permitida a compensação do excesso de horas em um dia pela correspondente diminuição em outro (CLT, art. 59, § 2o), pois está em jogo, no caso, ordem pública absoluta, que não admite derrogação ainda que mediante norma coletiva.

 

Remuneração do aprendiz

 

O art. 80 da Consolidação das Leis do Trabalho dispunha que ao menor aprendiz seria pago salário nunca inferior a 1/2 (meio) salário mínimo durante a primeira metade da duração máxima prevista para o aprendizado do respectivo ofício. Na segunda metade, passaria a receber, pelo menos, 2/3 (dois terços) do salário mínimo.

 

Muito embora a Constituição proibisse diferença de salários por motivo de idade (art. 7o, XXX), inexistia incompatibilidade entre o preceito da Lei Maior e o citado dispositivo da CLT, porque o fator de discrime não era a idade, e sim a aprendizagem. A questão, porém, perdeu interesse prático, já que o art. 80 consolidado foi expressamente revogado pelo art. 3º da Lei n, 10.097.

 

Agora, por força do disposto no art. 428, § 2°, da Consolidação (acrescentado pela Lei n. 10.097), ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora.

 Desapareceu, portanto, a distinção entre níveis salariais em função da duração do contrato de aprendizagem. Em qualquer fase da vigência do contrato, o aprendiz tem direito ao salário mínimo do trabalhador adulto. O salário guarda relação de proporcionalidade com a duração da jornada, uma vez que a lei garante o salário mínimo horário: caso a jornada seja inferior à prevista em lei, o salário poderá ser proporcionalmente reduzido. A cláusula "salvo condição mais favorável" é inócua, pois o que a lei garante é o salário mínimo, permitindo – é óbvio - estipulação de salário mais elevado.

 

Superada também ficou a tradicional distinção entre salário de menor e salário de aprendiz. Segundo o Enunciado n. 134 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, ao menor não aprendiz é devido o salário mínimo integral. Vale dizer, se todo aprendiz é menor, nem todo menor é aprendiz. Quando o menor não era aprendiz, tinha direito a salário mínimo integral, porquanto a permissão de pagamento de salário inferior ao mínimo decorria do fato de ser ele aprendiz, e não de ser menor. Após a vigência da Lei n. 10.097, o aprendiz tem direito ao salário mínimo integral, em nada influindo a circunstância da menoridade.

 

Foi eliminada, em conseqüência, a única hipótese de permissão de pagamento de salário inferior ao mínimo. Atualmente, mesmo como aprendiz, o trabalhador tem direito ao salário mínimo integral.

 

Cessação de contrato do aprendiz

 

O contrato de aprendizagem é celebrado por tempo determinado e, em conseqüência, ele se extingue no seu termo. Como a aprendizagem pressupõe a menoridade trabalhista, ele também se extingue quando o aprendiz completar dezoito anos.

 

O contrato de aprendizagem pode extinguir-se antecipadamente nas seguintes hipóteses: a) desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz; b) falta grave disciplinar; c) ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; d) a pedido do aprendiz. Em nenhuma dessas hipóteses ocorre pagamento de indenização, pois, segundo o preceito contido no § 2o do art. 433 consolidado (acrescentado pela Lei n. 10.097), não se aplica o disposto nos arts. 479 e 480 da Consolidação às hipóteses mencionadas no referido artigo.

 

Não importa, em conseqüência, conceituar o desempenho insuficiente ou a ausência injustificada à escola como falta grave, ou não: o efeito prático é o mesmo. Tampouco está o aprendiz obrigado a indenizar o empregador em caso de extinção antecipada do pedido.

 

Obrigação de contratar aprendizes

 

Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional (nova redação dada ao art. 429 da CLT pela Lei n. 10.097).

 

Quando a lei emprega a expressão "estabelecimentos de qualquer natureza", não exclui qualquer deles. Portanto, estabelecimentos industriais, comerciais, de serviços etc. são obrigados a contratar aprendizes na proporção acima indicada, sendo certo que as frações de unidade, no cálculo da porcentagem fixada em lei, darão lugar à admissão de um aprendiz (art. 429, § 1o). A obrigação não se a aplica, todavia, às microempresas e às empresas de pequeno porte, uma vez que elas são dispensadas do cumprimento do disposto no art. 429 da CLT, consoante expressa previsão do art. 11 da  Lei n. 9.841, de 5 de outubro de 1999.

 

O limite não se aplica quando o empregador for entidade sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional (art. 429, § 1o-A, acrescentado pela Lei n. 10.097).

 

As porcentagens incidem sobre o pessoal admitido em cada estabelecimento, e não na empresa, em conjunto. Portanto, se a empresa tiver mais de um estabelecimento, em cada um deles haverá no mínimo 5% e, no máximo, 15% de aprendizes.

 

Entidades aptas a ministrar a aprendizagem

 

A aprendizagem poderá ser ministrada: a) pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem; b) pelas empresas; c) pelas Escolas Técnicas de Educação; d) por entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional.

 A formação profissional deverá ser realizada em curso do SENAI (indústria), SENAC (comércio), SENAR (rural, este criado pela Lei n. 8.315, de 1991) ou SENAT (transporte, este criado pela Lei n. 8.706, de 1993), segundo o disposto no art. 429 da CLT.  Caso esses órgãos não ofereçam cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser suprida pelas Escolas Técnicas de Educação ou por entidades sem fins  lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (art. 430 da Consolidação, com a redação dada pela Lei n. 10.097). As mencionadas entidades deverão contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como acompanhar e avaliar os resultados (art. 430, § 1o). Aos aprendizes que concluírem os cursos de aprendizagem, será concedido certificado de qualificação profissional (art. 430, § 2o). O Ministério do Trabalho e Emprego deverá expedir normas para avaliação da eficiência das entidades acima referidas (art. 430, § 3o).

 

 A aprendizagem poderá ser ministrada no própria empresa, pois o art. 431 da CLT (com a redação dada pela Lei n. 10.097) declara que a contratação do aprendiz poderá ser efetivada pela empresa onde se realizará a aprendizagem.

 A contratação poderá ser também efetivada por entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional. Nesta hipótese, o aprendizado não gera vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços (art. 431 da CLT, com a redação da Lei n. 10.097).

 

A redação do art. 430 inciso II, da CLT (Lei n. 10.097) contém obscuridade decorrente do uso aparentemente inadequado de um acento grave: refere-se a lei a "entidades sem fins lucrativos que tepor objetivo a assistência ao adolescente e à  educação profissional". Em outras palavras, a assistência será ao adolescente e à educação profissional (sic). Não parece ser este, porém, o alcance da lei. Na verdade, trata-se de entidades que têm por objetivo a assistência ao adolescente e bem assim a educação profissional, ou seja, duplo objetivo: a) a assistência ao adolescente; b) a educação profissional. A educação profissional constitui um dos objetivos (além da assistência ao adolescente) das referidas entidades. Este entendimento é reforçado pela redação do art. 429, parágrafo 1o-A, que fala em “entidades sem fins lucrativos, que tenha por objetivo a educação profissional".

 

Segue-se que a obrigação de contratar aprendizes é da empresa e bem assim das mencionadas entidades sem fins lucrativos. A empresa pode  cumprir a obrigação matriculando o aprendiz nos Serviços Nacionais de Aprendizagem ou ministrando, ela  própria, a formação técnico-profissional metódica. Caso os serviços de aprendizagem não ofereçam cursos ou vagas suficientes, outras entidades qualificadas poderão suprir a demanda dos estabelecimentos:  tais entidades são as Escolas Técnica de Educação e as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional. Quando estas entidades sem fins lucrativos contratarem  aprendizes, estes poderão exercer sua atividade em uma empresa, dita "tomadora dos serviços”, e, nesta hipótese, não surgirá vinculação empregatícia entre os aprendizes e a referida empresa.

 

 Incentivo fiscal

 

O art. 2o da Lei n. 10.097 introduziu no art. 15 da Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990 (dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), o § 7o, em cujos termos os contratos de aprendizagem terão a alíquota a que se refere o caput deste artigo reduzida para 2%. Vale dizer, os empregadores que contratarem aprendizes ficam obrigados a depositar, até o dia sete de cada mês, na conta vinculada do FGTS, importância equivalente a 2% (e não 8%) da remuneração paga no mês anterior a cada aprendiz.

 

Cabe indagar se a redução para 2% da taxa de contribuição para o FGTS (que, em geral, é de 8%) fere o princípio de igualdade consagrado pela Constituição. A argumentação seria a seguinte: se o contrato de aprendizagem é um contrato de trabalho por tempo determinando e se, em relação a estes, aplica-se a alíquota de 8%, será inconstitucional a norma que prevê a taxa de 2% para o primeiro, pois todos os contratos por tempo determinado devem

 submeter-se à mesma alíquota.

 

Não procede, porém, a argüição de inconstitucionalidade. A igualdade consiste em dar-se tratamento desigual a situações desiguais, na medida em que se desigualam. O contrato de aprendizagem não é um contrato de trabalho como qualquer outro, e sim contrato especial, como definido em lei (CLT, art. 428), portanto, sujeito a disciplina legal distinta da expedida para a generalidade dos contratos de trabalho por tempo determinado. A lei pode, sem ofensa ao princípio da igualdade, fixar taxa inferior para a contribuição devida ao FGTS levando em conta a especificidade do contrato de aprendizagem, desde que respeitado o princípio da razoabilidade.

 

É razoável reduzir a taxa de 8% para 2%, quando se trata de contrato de aprendizagem, como incentivo aos empregadores para a admissão de aprendizes. Esta modalidade de incentivo fiscal tem sido largamente utilizada, no exterior e bem assim no Brasil, como instrumento de combate ao desemprego, A redução dos custos seguramente estimula os empresários a contratar aprendizes.

 

Se o aprendiz não é um empregado comum, a taxa de contribuição para o FGTS a ele referente pode ser fixada em nível inferior, pois neste caso a lei empresta a uma situação especial tratamento distinto daquele dispensado à generalidade dos casos.

 

Outra dúvida que poderá surgir em torno da aplicação deste preceito legal envolve questão de direito intertemporal: a lei nova se aplica apenas aos contratos de aprendizagem celebrados após a data de sua vigência ou apanha os contratos em curso? Cabe lembrar que a Lei n. 10.097 entrou em vigor em 20 de dezembro de 2000 (art. 4o).

 

Que a taxa de 2% se aplica aos contratos de aprendizagem celebrados depois da data de vigência da lei é inquestionável. A dúvida reside na possibilidade de redução da taxa de 8% para 2% em relação aos contratos em curso de execução no dia 20 de dezembro de 2000.

 

As leis de ordem pública têm aplicação imediata aos contratos em curso de execução. A lei de aprendizagem é norma de ordem pública e, em conseqüência, a partir da data de sua vigência, a taxa de contribuição para o FGTS será de 2%, não mais 8%. Trata-se da aplicação imediata da lei, e não de retroeficácia, porquanto os recolhimentos anteriores vigência da lei observam a taxa de 8%.

 

Inexiste direito adquirido à taxa de contribuição mais elevada, tal como sucede na hipótese inversa: se a lei determinar majoração de alíquota de certo imposto, o aumento atingirá as pessoas sujeitas a tal pagamento nas situações jurídicas em curso de execução. Não há direito adquirido ao pagamento da contribuição à base de determinada alíquota, seja caso de redução seja de majoração.

A matéria é de natureza tributária. A contribuição o FGTS ostenta natureza de contribuição social de intervenção no domínio econômico, segundo disposto no art. 149 da Constituição da República e, portanto, obedece ao princípio de reserva legal estabelecido pelo art. 97, inciso IV, da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Sistema Tributário Nacional). A lei alterou validamente a alíquota da contribuição para o FGTS e a seu império estão submetidos os sujeitos do contrato de aprendizagem. Por tal motivo, descabe a invocação do art. 468 Consolidação das Leis do Trabalho, pois não está em jogo alteração contratual de iniciativa do empregador, porém reflexo de disposição imperativa de lei.

 

Conclusão

 

A Consolidação das Leis do Trabalho não tratava da aprendizagem. A regulação do instituto era confiada a decreto presidencial e a portarias do Ministério do Trabalho.

 

A Constituição de 1988, rejeitando a doutrina trabalho assistencial e desprotegido, consagrou a  teoria da proteção especial ao adolescente trabalhador e estimula a aprendizagem. Na esteira desorientação, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069, arts. 62, 65 e 68) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394, art 4o) dispunham sobre o tema, que agora, mercê do disposto na Lei n. 10.097, passou a ter tratamento específico por parte da Consolidação. Esta é, de fato, a principal virtude da Lei n. 10.097: desenvolve no plano da legislação infraconstitucional os preceitos da Lei Maior sobre a formação profissional do adolescente e incorporar à legislação trabalhista os dispositivos esparsos sobre aprendizagem contidos no ECA e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

 

A Lei n. 10.097 empresta à aprendizagem uma regulação atualizada, considerando-a, corretamente, uma questão prioritária e merecedora da maior atuação por parte dos empresários e da sociedade civil. O desenvolvimento tecnológico do mundo do trabalho, cada vez mais informatizado e robotizado, exige o aprimoramento qualificado de trabalhadores aptos a intervir no processo produtivo com capacidade crítica, sendo polivalentes e multifuncionais.

O encargo de formar aprendizes capazes de exercerem a contento as novas funções que a organização do mercado de trabalho exige na atualidade é repartido entre os empresários e o terceiro setor. É consagrada a noção de que o contrato de aprendizagem pode ser celebrado entre o aprendiz e o empregador e bem assim por intermédio de entidades qualificadas em formação técnico- profissional metódica. Dá-se relevo, é certo, à função exercida pelo chamado sistema S, mas sua tarefa pode ser suplementada pelas entidades sem fins lucrativos integrantes do terceiro setor.

 

A aprendizagem se materializa em um processo educacional dinâmica e pedagogicamente orientado quer do ponto de vista teórico quer prático inerente a um trabalho caracterizado por tarefas de complexidade progressiva, desenvolvidas no ambiente de trabalho.

 

Ficaram bem delineadas as noções de aprendizagem e de trabalho educativo. A primeira se caracteriza pelos traços descritos na Lei n. 10.097 e o trabalho educativo conserva as características que lhe imprimiu o ECA. O trabalho educativo pode verificar-se em entidades sem fins lucrativos, governamentais ou não governamentais, por meio de um programa em que a finalidade educacional prepondere sobre a produtiva. Pode também ocorrer no interior das empresas, por intermédio das entidades do terceiro setor, sendo o aprendizado teórico complementado pela experiência prática haurida no ambiente de trabalho, ou seja, nas empresas. Sempre que o trabalho educativo for praticado na empresa por intermédio de entidades sem fins lucrativos, com preponderância do aspecto produtivo, o aprendiz gozará de direitos trabalhistas e previdenciários, como dispõe o art. 65 do ECA. Caso, no entanto, ele seja exercido no âmbito das entidades do terceiro setor, haverá apenas formação escolar, não sendo assegurados ao adolescente direitos trabalhistas nem previdenciários.

 

Por força da aplicação da Lei n. 10.097, que imprimiu novo regime à aprendizagem, as empresas poderão ver atendida sua demanda de trabalhadores qualificados. As entidades integrantes do chamado sistema S desenvolverão a atividade  precípua para a qual foram instituídas, qual seja, a de propiciar o acompanhamento profissionalizando jovem trabalhador. Os adolescentes encontrarão as portas abertas para o acesso ao trabalho digno e remunerado. As entidades sem fins lucrativos e a sociedade civil, por intermédio do terceiro setor, terão oportunidade de encaminhar os adolescentes trabalhadores a um mundo melhor.