TREZE ANOS DE IDADE

 

 

Afonso Armando Konzen

Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

 

 

Ele recebeu certidão de nascimento numa sexta-feira, dia 13, na forma de um documento assinado por um Presidente que iria ser deposto. Sequer foi desejado por muitos dos legisladores, mas apenas consentido. Mereceu desde logo um apelido depreciativo, fruto da pronúncia de sua sigla. Apresentaram-no em cores, como um gibi para meninos e meninas. Diziam dele ser inadequado à realidade do País, coisa para Primeiro Mundo, benevolente e permissivo. Foi resistido, criticado e acusado de incapaz e ineficiente. Tinha tudo para não dar certo. Mas ele sobreviveu. Está aí há treze anos, desde 13 de julho de 1990, e com vigor.

O Estatuto da Criança e do Adolescente e sua história, sua doutrina e seus instrumentos ainda precisam ser melhor entendidos. Os seus preceitos ainda precisam ser descobertos por muitos, assim como praticados com mais seriedade e radicalidade. Mas há o que comemorar. Aos poucos, instala-se no âmbito dos seus principais destinatários, na família, na sociedade e notadamente entre os detentores do poder político, a percepção de que o Estatuto não é uma lei que regula uma realidade existente, mas objetiva a realização de uma realidade desejada, pela instrumentalização da exigência. De que não se trata de uma lei com o perfil das leis em geral, porque não é da sua índole a conformação, mas a transformação social.

E se aos poucos vem mudando a compreensão, também vêm crescendo as práticas inspiradas em seus valores e fundamentos. Já não se afirma que a defesa dos direitos da criança, pelo exercício dos seus correspondentes instrumentos de exigibilidade, significa autorizar a permissividade, mas é sinônimo de sustentar um projeto de desenvolvimento, pela inclusão social de todos os brasileiros via inserção familiar, escolar e sanitária da criança. Aumenta a compreensão de que a melhoria social não pode ser dependente de meros atos de generosidade ou de natureza caritativa, senão compromisso e expressão maior das políticas públicas. Não se alega mais de que a desjudicialização do atendimento pretendeu subtrair poderes ao juiz, mas se anota cada vez mais a provocação da jurisdição como modalidade eficaz de defesa do que é essencial ao desenvolvimento na infância, na dimensão mais valiosa do papel definido pela Constituição para o Poder Judiciário, como o principal fiador da criança, de seus direitos e de sua prioridade absoluta.

Já não se apregoa aos quatro ventos de que ele somente gera encargos ao Município, porque cresce cada vez mais a compreensão de que houve a investidura em autoridade do ente público mais próximo da população, agora com ampla possibilidade para a determinação de providências com vistas à proteção integral da criança. Aos poucos, a Escola deixa de ver nele um adversário, para passar a considerá-lo como o seu melhor aliado. Devagar, aprende-se que a tese central de sua doutrina é a adequada permanência da criança em sua família e a obrigatória incidência de tudo aquilo que puder fortalecer os vínculos saudáveis com os pais. Também aos poucos está sendo compreendido que a infração na adolescência não está isenta de responsabilidade, mas sujeita a medidas destinadas a superar as causas do delito, com a prevalência dos aspectos pedagógicos sobre o mero encarceramento.

É verdade que ainda há muito a descobrir e a conhecer. E há muito mais ainda por fazer. Mas já é tempo para afirmar que ele veio para ficar e de que se trata de um caminho sem volta, para alguns uma escolha feliz e consciente, para outros uma opção apenas consentida, mas, de qualquer forma, uma escolha válida porque assentada em valores humanos conquistados pela civilização. Em vez de resistir, é melhor conhecer. Conhecer e praticar. Porque ele, o Estatuto, é o testamento jurídico da melhor herança. Ele ensina, ajuda e impõe cuidar da criança.