IDENTIDADE E SEXUALIDADE
NO DISCURSO ADOLESCENTE[*]
Carla
Magda Allan Santos Domingues[1]
Técnica do Centro Nacional de
Epidemiologia.
Augusta
Thereza de Alvarenga[2]
Profa. Dra. do Departamento de Saúde
Materno-Infantil.
Introdução
A adolescência tem se constituído, na
atualidade, em importante objeto de preocupação para várias disciplinas
científicas, tendo em vista a grande expressão que passa a assumir no interior
das transformações de diferentes ordens que caracterizam o mundo contemporâneo.
Entendida como um fenômeno das sociedades
modernas, o surgimento da adolescência dá-se no final do século XIX e inicio do
século XX, como incremento da urbanização e industrialização. Para JOSEPH
(1993), as mudanças econômicas e sociais deste período tiveram efeitos
especialmente sobre os grupos de idade. Até a metade do século XIX, a idade não
constituía um fato importante ou mesmo revelador da experiência sócio-histórica
Assim, emerge entre a infância e a idade adulta como um período intermediário
por configurar características próprias que a diferenciam dos demais períodos.
Por não serem mais criança e, ao mesmo tempo, ainda não terem se tornado
adulto, com dada idade cronológica, os indivíduos de uma dada faixa etária
começam a viver uma fase considerada de transição.
A transição para o mundo adulto torna-se
cada vez mais complexa uma vez que, do ponto de vista histórico, há um longo
período de preparação que agudiza a descontinuidade entre o mundo das crianças
e o do adulto que, se comparado ao das sociedades primitivas; é menos
institucionalizado e com papéis menos definidos, além de haver uma maior
segmentação dos espaços de elaboração das identidades, constitutivas da
"transição" de uma sócio-psicológica para outra.
Esta preparação é confiada basicamente a
instituições como a escola, cuja função é a transmissão de conhecimentos e
valores para o desempenho da vida futura, inclusive profissional. Sendo voltada
para um momento posterior implica numa enorme segregação do mundo adulto e um
longo adiamento da maturidade social, desconectando-a da maturidade sexual e
fisiológica.
O período de "espera",
constituído idealmente pelos anos escolares, faz com que os papéis aí
desempenhados não correspondam as necessidades, de
diferentes ordens, surgidas no processo de formação do adolescente. Daí a
tendência do mesmo a constituir grupos espontâneos de pares, nos quais possa
elaborar tais respostas. À medida em que esses grupos
passam a representar um foco potencial de comportamento fora da normalidade ou
de propostas de transformação social traz à tona o caráter problemático da
constituição dos grupos juvenis, pois vai atuar de forma decisiva na
transmissão da herança sócio-cultural, passada de geração a geração.É a partir
daí que a juventude vai se constituir numa categoria social nas sociedades
ocidentais, modernas e industriais, transformando-se num problema da sociedades
contemporânea.
É principalmente no século XX, que há uma
ampliação da condição juvenil, passando a ser englobada por outros setores
sociais e se diversificando, transformando seus significados e formas de
aparição, seus referenciais e limites etários.
A juventude, então, vai despertar
interesse como tema de estudo à medida em que
determinados grupos juvenis parecem problematizar o processo de transmissão das
normas sociais, ou seja, quando se tomam visíveis o aparecimento de jovens com
comportamento que fogem aos padrões de socialização aos quais deveriam, em
termos funcionais, estar submetidos. Dentre outros autores, Ariès,
citado por ABRAMO (1994), afirma que essa visibilidade é percebida através dos
grupos de jovens delinqüentes, excêntricos ou contestadores, de forma que,
embora diferentes, todos contrastam com os padrões vigentes.
Assim, apesar da ampla gama de definições
existentes sobre a questão da juventude, independente do referencial teórico
adotado, algumas noções podem, segundo ABRAMO (1994), ser identificadas como a
questão da transitoriedade - etapa de transição, período de preparação para o
ingresso na vida adulta, porém, sem a existência de limites precisos entre o
início e o término, nem demarcação através de rituais socialmente reconhecidos,
com direitos e deveres não explicitamente definidos nem institucionalizados - o
que imprime à condição juvenil uma imensa ambigüidade.
Com o processo de modernização das
sociedades a juventude, como período marcadamente social, passa a se
caracterizar como segundo processo de socialização, depois da infância,
consistindo, fundamentalmente, na preparação dos jovens para a assunção dos
papéis modernos relativos à profissão, casamento, cidadania política, entre
outros, objetivando prepará-los para enfrentar uma série de escolhas e
decisões. Nesse sentido é que a partir dos anos 40 amplia-se o enfoque sobre os
estudos da juventude, tendo em vista englobar as questões relativas a
comportamentos específicos de grupos de adolescentes, considerados como
"normais" e centrados, basicamente, nos escolares.
Tal processo representa a gênese do que,
na atualidade, se conhece como comportamento jovem, ou seja, a identificação
com os grupos de pares que os diferencia do mundo infantil e do mundo adulto
pelo desenvolvimento de rituais, símbolos, modas e linguagens peculiares, que
se apresentam como marcadores de uma busca de identidade própria.
Essa subcultura
juvenil ganha amplo espaço social não se reduzindo, portanto, ao sistema
educacional. De acordo com Parsons, citado por ABRAMO
(1994), essa subcultura é constituída a partir da
cultura geral dos adultos, com a finalidade central de promover a transição
social entre a infância e a idade adulta. Passa a ter, portanto, na visão Parsoniana, a função de “transição geracional",
além de garantir a continuidade social e a abertura para a modernização. Neste
sentido é que, nessa abordagem, a subcultura juvenil
é contraposta a cultura geral dos adultos, sem
necessariamente ser hostil ou antagônica a ela.
Esta ampliação da concepção de juventude,
re-significa o conceito de juventude delinqüente, uma vez que encarados como
grupos minoritários, e não são mais vistos como conseqüência de disfunções do
processo de modernização esta categoria de adolescentes não pode ser tomada,
portanto, como expressão da juventude "normal". No entanto, vale
lembrar, que o cerne desta concepção de juventude sempre conterá, a despeito
dos diferentes "olhares", a possibilidade da existência de ruptura e
potencial de radicalidade, a partir de determinados
grupos de jovens capazes de alavancar processos de transformação social.
Neste contexto histórico os adolescentes
são percebidos como sujeitos sem identidade própria porque sua vivência e
projeção para o futuro constituem-se em elementos para o estabelecimento da
identidade adulta. Ao mesmo tempo são descaracterizados como crianças.
Vivenciar experiências com seu grupo de
pares talvez seja a principal aspiração de todo adolescente, pois só desta
maneira perderá "definitivamente" sua condição de criança e, ao mesmo
tempo, poderá participar do mundo adulto, sem no entanto, ser ou tomar-se
precocemente um adulto. Na procura deste novo status passa a estabelecer novas
relações familiares e sociais, no interior das quais defronta-se com a
necessidade de incorporar novos valores sociais, criar e recriar uma concepção
acerca de si mesmo a partir de experiências próprias, mas, sobretudo, das
expectativas e exigências sobre seu comportamento social. Tais pautas apontam
não para o presente, mas para o devir, por implicar assunção de novos papéis
sociais, a necessidade de uma escolha profissional e possibilidades de ascensão
social, sua própria definição pessoal assim como seu papel sexual. São
processos constitutivos da construção de sua identidade adolescente,
sinalizadores emergentes de relações sociais e afetivo-sexuais inscritas neste
novo momento de sua existência.
Os importante questionamentos que surgem na
adolescência dos tipos, "Quem sou eu? O que eu posso? O que eu quero? Como
o outro me vê ou me aceita? Para onde vou?", representam a busca do jovem
do conhecer a si mesmo através da diferenciação do que foi e do que gostaria de
ser. Muito além de ser uma fase de preparação para a entrada no mundo adulto é
um momento de reconhecer-se enquanto sujeito de sua própria história capaz,
portanto, de transformar-se em sujeito, constituindo-se como tal e não como um
mero ser em transição. SANCHES (1994) ressalta que é através
da convivência com o grupo de amigos, "os iguais", que os
adolescentes permanecem no idêntico e defendem-se contra a diferença,
pois é através do grupo que o adolescente encontra possibilidades de se
reconhecer, através do outro, como espelho, diferenciando-se, então, daquilo
que não quer ser, a criança, e daquilo que ainda não é, o adulto.
As mudanças históricas e culturais terão
papel fundamental neste processo de formação da identidade, pois abrem as
possibilidades de rompimento da coerência interna das expectativas da criança.
Para CIAMPA (1984), a identidade do indivíduo implica diferenças e igualdades
que sucessivamente se apresentam, de acordo com os vários grupos sociais dos
quais fazemos parte. Assim, o conhecimento que nós temos de nós mesmos é obtido
pelo reconhecimento recíproco dos indivíduos identificados em um determinado grupo social, que existe objetivamente. Esta
identificação se dá através das relações que os membros estabelecem entre si e
com o meio onde vivem, pela sua prática e ação.
No mesmo sentido, CIAMPA (1987) afirma
que as identidades dos indivíduos refletem a estrutura social, pois, ao mesmo
tempo reagem sobre ela conservando-a ou transformando-a. Daí, não poder haver,
portanto, uma dissociação do estudo da identidade do indivíduo com o da
sociedade, na medida em que as várias configurações de identidade estão
relacionadas com as diferentes configurações da ordem social.
Entender o processo de construção da identidade
a partir desta ótica significa considerá-la como um objeto em constante
transformação, à medida em que assumimos vários papéis
ao longo de nossa história. Neste sentido, a adolescência não poderia ser
considerada uma fase apenas de transição, na qual são criadas condições para o
estabelecimento da identidade adulta. Tendo em vista que nesta fase vivências e
papéis sociais assumidos são inerentes a esta, nosso pressuposto é a
possibilidade de que exista uma identidade própria de grupo.
Assim considerado, é a partir deste
caráter dinâmico da identidade, que o processo de estruturação e reestruturação
da identidade dos jovens poderia ser observado, num contexto sócio-cultural de
mudanças aceleradas, com impacto decisivo na vida dos adolescentes. Este processo
de construção da identidade adolescente, que é entendida não como única, mas
como a configuração de múltiplas identidades, surgirá à
medida em que se estabeleçam identificações decorrentes das várias
vivências que sua condição de existência passa a possibilitar.
Sendo na adolescência que ocorre as
maiores possibilidades de identificações de gênero e de sexo, consideramos que
o exercício da sexualidade apresenta-se como elemento importante na formação da
identidade adolescente, manifestada através de múltiplas identificações
características, como a da imagem corporal, a da identificação com o masculino
e/ou feminino, a da descoberta do "outro" como objeto de amor ou
desejo, dentre outras.
Inscrita em diferentes contextos
históricos, a análise do "ser adolescente" ganha especificidades à medida em que a construção social da identidade do
adolescente e a questão da sexualidade a ela atrelada movimentam-se numa rede
de relações macro e micro sociais, no interior da qual emergentes relações de
gênero são passíveis de serem apreendidas e caracterizadas. .
Procedimento
metodológico
Modalidade
da Pesquisa e Seleção dos Sujeitos Sociais
Para a abordagem do tema em estudo,
realizamos uma pesquisa qualitativa, buscando identificar o
universo de dado grupo de adolescentes, a partir da análise de
depoimentos proferidos por sujeitos sociais inscritos na faixa etária de 15 a
19 anos, estudantes pertencentes a diferentes segmentos sociais.
O material empírico foi coletado através
da técnica de entrevista, baseado em um roteiro temático, tendo seu conteúdo
definido em função de aspectos que consideramos relevante
reter do objeto com base na literatura existente, mas também em função do
resultado de quatro entrevistas exploratórias realizadas previamente.
Como estratégia de aproximação ao
conceito de"classe social", utilizamos a
metodologia empregada no estudo "Sexualidade e Plano de Vida na
Adolescência", desenvolvido em 1993, no Estado de São Paulo, pela
Secretaria de Estado da Saúde, através do Grupo de Atenção à Saúde do
Adolescente, sob a promoção da Organização Mundial da Saúde – OMS[3].
Tal metodologia consistiu na
identificação de "segmentos sociais", com base nas seguintes
categorias:
A- significa estudantes de
escola de alto padrão;
B- significa estudantes de
escola de bairros típicos de classe média;
C- significa estudantes de
escola de bairros periféricos e/ou trabalhadores;
D- significa moradores de bairros periféricos que não estavam estudando no momento da entrevista, independente de estarem ou não trabalhando.
Uma vez que, pela sua natureza, a
proposta da pesquisa não buscou quantificar nem realizar testes de
significância estatística, mas qualificar e contextualizar o
discurso dos adolescentes, optamos por fazer uma adaptação da
metodologia empregada pelo estudo da Secretaria de Estado da Saúde,
selecionando jovens em três destas categorias, como abaixo discriminado:
A: Estudantes de Escolas de Alto Padrão
Enquadram-se nessa categoria jovens que
estavam matriculados no momento da entrevista, ou em escolas particulares com
mensalidade superior a 2 salários mínimos, ou em cursos
universitários,(públicos ou particulares) de dedicação integral, ou em cursos
universitários de meio período, Podendo estar trabalhando senão exercessem
atividade remunerada, ou seja, atividades que configurassem estágio
profissional. Portanto, os jovens dessa categoria deveriam ser os que possuíam
tempo integral para investir em sua educação, em condições privilegiadas.
B; Estudantes de Escolas de Bairros
típicos de Classe Média.
Enquadram-se nessa categoria adolescentes
que estavam matriculados no momento da entrevista em escolas públicas nesse
tipo de bairro. Quando exerciam tarefa remunerada em ocupação alheia ao seu
programa de estudo, não poderiam despender para tanto, mais de meio período. Ou
seja, os jovens dessa categoria deveriam dispor de pelo menos meio período do
dia para investirem em seu futuro educacional. Os que dispusessem de período
integral para tanto, seriam considerados diferenciados dos jovens da categoria
anterior, por possuírem uma renda familiar mais baixa expressa, indiretamente,
pelo valor da mensalidade escolar e pela localização da escola.
C: Estudantes de Escolas de Bairros
Periféricos e/ou Trabalhadores.
Enquadraram-se nessa categoria adolescentes
que necessitavam trabalhar para ajudar na composição da renda familiar.
Poderiam, eventualmente, estar desempregados no momento da entrevista. Se
estivessem estudando no momento da entrevista, deveriam cursar escolas
públicas, de bairros periféricos. Caso contrário, deveriam ter obrigatoriamente
abandonado os estudos por conta de dificuldades financeiras, ou seja,
enquadram-se nessa categoria, os jovens com horizonte educacional limitado pela
condição financeira. Em geral, não dispunham da metade do dia para se dedicar
aos estudos, precisando estudar à noite. Aqui, a renda
seria medida, indiretamente, pelo local de moradia e, em caso de estarem
estudando, por ser em escola pública de bairros periféricos.
Portanto, os sujeitos sociais que se
constituíram como objeto de estudo foram selecionados
levando-se em conta sua inserção em "segmentos sociais" de A a C, com idades de 15 a 19 anos, sendo 16 do sexo feminino
e 15 do sexo masculino, o que constitui um universo de 31 entrevistados.
Como estratégia para melhor visualização
dos discursos dos adolescentes, em função da sua localização no "segmento
social", os nomes verdadeiros foram substituídos por outros, iniciados com
as letras A, B e C, cujas iniciais correspondem aos respectivos segmentos sociais
A, B e C, conforme o abaixo especificado:
- nomes masculinos e femininos iniciados
pela letra A correspondem aos adolescentes do "segmento social" A;
- nomes masculinos e femininos iniciados
pela letra B correspondem aos adolescentes do "segmento de social " B;
- nomes masculinos e femininos iniciados
pela letra C correspondem aos adolescentes do "segmento social" C.
O registro dos proferimentos
foi feito através de gravação com a transcrição realizada por entrevistadores,
tendo em vista recuperar de maneira mais segura o ambiente e a forma de como
ocorreu a entrevista. Nesse particular, as hesitações, as
pausas, os risos e outras manifestações similares foram transcritas e
consideradas de grande relevância para o processo de interpretação.
Análise
dos dados
Optamos pela utilização da técnica de
análise de conteúdo para o tratamento e interpretação dos dados da pesquisa.
Segundo BARDIN (1977), a análise de
conteúdo pode ser definida como “um conjunto de técnicas de análise de
comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos, ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção das mensagens" ( p.42).
Para MINAYO (1996), o elemento comum
desse conjunto de técnicas está baseado na inferência que, podendo ultrapassar
o conteúdo manifesto da mensagem, atinge, mediante esta, uma interpretação mais
profunda, É através da inferência, portanto, que se confere a essas técnicas
relevância teórica, uma vez que implica, pelo menos, uma comparação onde a informação puramente descritiva sobre o conceito é de
pequeno valor.
Um dado sobre conteúdo de comunicação é
sem sentido até que relacionado, no mínimo, com outro dado. Isto porque, o
vínculo existente entre dados é passível de ser representado, segundo FRANCO
(1986), por alguma forma de teoria que permite interpretar e dar sentido às
falas dos sujeitos sociais.
Desta forma, para FRANCO (1986, p.16), “produzir interferências, em análise de conteúdo, tem um
significado bastante implícito e pressupõe a comparação de dados obtidos na
leitura do discurso, com pressupostos teóricos de diferentes concepções de
mundo e com situação concreta de seus produtores e receptores. Situação
concreta que se expressa nas condições de sobrevivência e na situação de classe
de ambos os elementos, acrescida do momento histórico e contextual da produção
e/ou recepção''.
Segundo BARDIN (1977),
o aspecto referencial da análise de conteúdo que fundamente a sua unidade e especificidade
pode responder a dois tipos de problemas, ou seja: 1° ) o que é que conduziu a um determinado
enunciado – este aspecto diz respeito às causas antecedentes da mensagem - e
2°) quais as conseqüências das mensagens - os efeitos de comunicação.
Nesta pesquisa, trabalhamos com a
indagação sobre causas antecedentes da mensagem, pois partimos de indagações
acerca de "quem" e do "por que" de determinado conteúdo a
ser trabalhado, do ponto de vista do produtor, ou melhor, do sujeito social
entrevistado.
Como estratégia metodológica, teórico-técnica, optamos por realizar uma análise temática
do universo do adolescente, conforme conceito de BERELSON (1971), que se baseia
na definição de categorias elaboradas a partir do discurso dos adolescentes,
consideradas como uma afirmação acerca do tema sob investigação, ou seja, uma
frase simples ou composta; habitualmente um resumo de uma
frase condensada, pode estar interligada a um vasto conjunto de
informações singulares. Neste sentido, a estratégia fundamental constituiu-se
em definir núcleos de sentido que compõem o processo de comunicação
entrevistador-entrevistado e cuja presença ou freqüência de aparição possam dar
significado para o processo de desvelamento dos discursos dos adolescentes como
sujeitos sociais.
Análise
dos discursos
A fim de interpretar as falas dos
adolescentes entrevistados, procuramos identificar elementos estruturadores dos discursos proferidos que pudessem ser
decompostos em categorias e sub-categorias
conformando, desta forma, o eixo de análise dos mesmos.
Com esta estruturação pretendemos buscar
os contornos do sistema de significação que, no seu conjunto, revelassem as
representações construídas, em nível dos discursos, pelo grupo de adolescentes
estudantes, de diferentes segmentos sociais, constitutivos do modo de como
entendem a adolescência, a existência de identidade própria e a sexualidade em
múltiplas manifestações.
Partimos da sistematização de três
categorias que representam o eixo temático em torno do qual os depoimentos se
articulam, a saber:
1- Percepção e concepção da própria
adolescência
2- Identidade de gênero na adolescência;
3- Re-construção dos valores sexuais e
seu papel na identidade de gênero.
A concepção do adolescente acerca de sua
condição de existência, e como o mesmo se percebe enquanto tal, não apresentou,
em nível do discurso dos sujeitos investigados, grandes
variações quer por sexo, ou "segmento social", o que parece
apontar para a existência e uma homologia do "ser adolescente",
independentemente das condições sociais em que estejam inseridos. Algumas
categorias específicas aparecem como relevantes neste processo de entendimento
do auto-conceito. É revelador o fato de o parâmetro
definidor da adolescência como condição de existência com identidade própria
apresentar-se no forte sentimento de pertencimento a dado grupo de
"pares", cujas características são definidas ora por negação ao ser
criança e ser adulto, ora (e sobretudo) pela afirmação do ser adolescente como
entidade e individualidade distinta.
Como eixo promotor desse processo de
individualização na adolescência destaca-se, principalmente, a busca de
autonomia associada, por um lado, à percepção da existência e assunção de
responsabilidades próprias que, embora ligadas a dado projeto de futuro, ainda
o diferencia do "já ser" adulto e do "ainda ser'' criança,
conferindo-lhe especificidades. Por outro lado, está presente a concepção do "ser" livre, diferente, que busca desligar-se do
grupo familiar e identificar-se com o grupo de pares, no interior do qual
partilha um sistema de valores próprios, quase sempre de negação, em nível de
aparência, de valores societários vigentes.
Na literatura especializada a
adolescência é considerada, de maneira característica, como um momento da vida
do indivíduo no qual os conflitos intergeracionais
aparecem de maneira manifesta e típica com relação a
família, escola, demais grupos sociais ou institucionais do qual o adolescente
faz parte. Apresenta-se como uma forma característica de negação dos valores e
normas sociais instituídas, que possam cercear a afirmação da sua busca de
autonomia relacionada a descoberta e definição de seu
lugar no mundo.
Nesse processo, o significado de tal
busca é, por vezes, indefinida, vaga, encoberta, muito embora o adolescente a
reconheça como uma situação de conflito.
" Você quer agredir quer mostrar que já
cresceu, tem as brigas, com os meus amigos eu me dou bem, gosto de conversar,
conheço bastante gente, mas com meus pais é muito tumultuado, tem briga mas é
sem ressentimento porque eu gosto de agitar, é natural" (Camila/16 anos).
O conflito estabelece-se à medida em que as sociedades em geral, organizadas a partir
dedadas relações sociais configuradoras de padrões culturais gerais e
específicas que prescrevem formas "desejáveis" de comportamento
social que vão desde a infância até a idade adulta. Define, portanto,
comportamentos inerentes a cada idade, de acordo com as funções sociais
pré-estabelecidas. Nas modernas sociedades complexas, a definição de tais
pautas comportamentais torna-se cada vez mais difícil, uma vez que as formas de participação do indivíduo na vida social amplia-se,
fazendo da adolescência um período onde tal processo se intensifica
A manifestação e a intensificação das
relações contraditórias presentes no mundo moderno desse "novo ser"
que ora é inscrito no mundo adulto, ora é excluído, encontra explicação na
grande aceleração das mudanças econômico-sociais porque passam as sociedades
atuais, cujo impacto na esfera dos valores, embora presente, solte um processo
de diacronia, urna vez que formas de resistência à transformação residem
sobretudo na esfera cultural e ideológica. Neste sentido, resta ao adolescente
"lutar" pelo reconhecimento de sua existência no mundo moderno, numa
contraposição a resquícios de valores das sociedades tradicionais onde o mundo
reconhecido era sobretudo e, muitas vezes, tão somente o dos adultos.
Considerando que a instituição familiar
apresenta-se como representante mais direta da sociedade para a garantia de
manutenção de valores e normas vigentes e ideologicamente sancionados, será em
nível de tais relações primárias que o "confronto" do mundo
adolescente e mundo adulto pode melhor ser observado.
O rompimento com o espaço da casa e,
portanto, com as relações "exclusivamente familiares", abre ao
adolescente não somente as possibilidades de uma gradual emancipação dos pais
mas, sobretudo, o espaço da rua (DA MATTA, 1986) permitindo o convívio e uma gama
variada de múltiplas identificações como grupo de pares (ou outros
adolescentes) e a realidade social mais ampla.
(Quando você percebeu que já era um
adolescente?)
"É quando você sente necessidade assim, que você tem
sempre que tá se colocando enquanto indivíduo, diferente dos outros assim. Por
exemplo... eu sempre... tem um pouco disso, mas tem um momento que você se
sente que é muito forte, assim, você quer se você e não que ser mais ninguém.
(Se sobressair?)
Não
é só sobressair mas se diferenciar... nem tanto se sobressair não é ser o
melhor mas ser você, ser diferente.
(Em relação a quem?)
Principalmente
com os pais " (Aurélio/ 19 anos).
É no interior do grupo de pares que
relações de amizade e de namoro se estruturam gerando trocas, confidências e
descobertas, apresentando-se como base fundamental para a construção da
identidade do adolescente, passível de ser socialmente reconhecida.
Em termos psicossociais trata-se da
descoberta do outro (e do mundo) como forma de identificação do não ser mais
criança e não ser ainda adulto, mas ser adolescente, e enquanto tal, possuir
necessidades e desejos próprios que, por um lado, o diferenciam dos demais
grupos e, por outro, imprime-lhe características e existência particular,
individualizada e, portanto, autônoma em relação aos exclusivos vínculos
familiares.
Neste processo de ruptura da estreita
ligação com os laços familiares é característico intenso convívio com o grupo
de amigos, a necessidade constante de estar em grupo e a própria idealização da
auto-imagem a partir da imagem do grupo, ao mesmo tempo em que o processo de
construção da identidade se estabelece pela forte identificação com este.
Uma das peculiaridades marcantes de
identificação do adolescente com sua condição é a adesão a determinados modos
de agir e vestir do grupo de pares, como forma encontrada de tornar-se igual à
turma e ser reconhecido como tal. É o culto a moda,
onde a "indumentária de grifes" e os ornamentos ganham expressão de
identidade grupal, independentemente da condição social e de sexo.
Mesmo para os adolescentes das classes
populares, que não possuem recursos financeiros para adquirir marcas famosas de
jeans ou tênis, a busca de imitação destes produtos apresenta-se como a forma
de assemelhar-se aos demais. O modo de vestir constitui-se, assim, na maneira
encontrada de excluir os diferentes e identificar os iguais; são as marcas ou
sinais identificadores de ser do grupo, ou do não ser.
Trabalhar passa a ser, então, um dos
elementos possibilitadores dessa pertinência, embora
com significado diferenciado para as categorias sociais. Apesar de ser
considerado, pela sociedade, como fazendo parte da população economicamente
ativa, o grupo adolescente vê sua inserção no mundo do trabalho com diferentes
olhares.
"Eu
trabalho pra mim poder ter o meu próprio dinheiro, pra
mim poder ter as minhas coisas, condições pra poder comprar minhas próprias
coisas, minhas roupas...porque senão os meus pais não teriam condições de me
darem o que eu quero, as coisas de agora... como os jovens se vestem, do
jeito... como o pessoal se veste hoje em dia ... Eu procuro gastar a meu
dinheiro, comprando coisas pra mim, ajudando um pouco em casa, quando a minha
mãe ou o meu pai pede... o resto eu vou colocando na poupança, quando eu tiver
um bom dinheirinho pra poder comprar um carrinho mais pra frente" (César/18 anos).
No caso de adolescentes pertencentes ao
segmento social C, não observamos verem no trabalho uma forma de interrupção da
adolescência ou mesmo de um amadurecimento precoce, mas sim a possibilidade de,
com o dinheiro ganho, poder adquirir os mesmos bens que os adolescentes das
classes mais abastadas, que não necessitam trabalhar tem acesso. Neste
contexto, portanto, onde os sujeitos sociais são adolescentes estudantes de
diferentes segmentos sociais, o trabalho é visto como a possibilidade de viver
o mesmo processo dos demais adolescentes e não se apresenta como forma de
negação da sua condição.
Por outro lado, é interessante notar que
apesar dos adolescentes do segmento social A também acharem que trabalhar nesta
fase da vida dá aos demais adolescentes a possibilidade deles terem acesso a
bens similares aos seus, o significado atribuído ao trabalho dentro do seu
segmento social é, no entanto, outro, na medida em que o mesmo é percebido como
facilitador para que os mesmos consigam sua emancipação dos pais, ou tenham
maior autonomia. Isso por não necessitarem pedir dinheiro para todas as suas
despesas, sobretudo para as relativas ao lazer, que parece consistir, para essa
categoria, no principal objetivo de seus gastos particulares.
"Meu pai não me deixa trabalhar eu não
preciso, mas ele não deixa.
(Você não precisa em que sentido?)
No
financeiro.
(Mas você gostaria de trabalhar?)
Até
que gostaria, mas eu prefiro estudar por enquanto, mas eu não gosto em parte de
depender da minha mãe, do meu pai, eu tenho que obedecer eles, eu não posso
fazer uma coisa sem pedir permissão deles, então eu acha
mal isso, eu passa amanhã precisar de dinheiro para o lazer pra sair com meu
amigos, mas eu dependo deles"
(Ana/16 anos).
Ter tempo para se divertir, aproveitar a
vida, sair à noite, ir a festas, "namorar ou ficar" são atividades
reiteradas nos discursos como pertencendo exclusivamente ao período da
adolescência, aparecendo como característica personalizada, marcante desta
fase. O "aproveitar a vida", identificado
como sendo diretamente oposto ao "levar a vida a sério", parece
diferenciar o universo do adolescente do universo do mundo adulto. Revela-se na
grande necessidade expressada de assegurar um momento de prazer com amigos, por
considerar que o final da adolescência leva a uma vida cheia de
responsabilidades, "sem tempo" para o lazer e para a diversão.
"Curtira vida", aparece assim, como uma das principais identificações
da identidade adolescente, caracterizada por um certo estilo devida
peculiar representado pelo grupo aqui estudado, independentemente dos segmentos
sociais e de sexo.
"[Adolescência]
é aquele período de curtir a vida ... em geral você tenta curtir a vida de
maneira bem descontraída, não se preocupa com nada e quando está namorando
escondido é melhor ainda, a gente vive sob tensão, a adrenalina lá em cima" (Adilson/16 anos).
O sentido assumido pelo "curtir a
vida", como característica peculiar desse momento
da vida, adquire significado especial, no caso da adolescente, por representar
a abertura, para a mulher, do espaço público da rua, antes vedado e exclusivo
dos homens.
Como decorrência, passa a usufruir do mesmo, constituindo-se a diversão em parte
integrante do seu cotidiano, com significação para a conformação das relações
de gênero.
Viver situações de perigo não só
representam um grande desafio para o adolescente, mas personaliza sua condição
porque através delas identifica tanto a possibilidade de descobrir o novo, como
a de testar os seus próprios limites, desafiar-se, superar-se diante de si
próprio, assim como do grupo de pares.
"Olha eu acho que ele [o adolescente] gosta de descobrir as coisas e assim, as
coisas perigosas geralmente... geralmente são um mistério entendeu, o perigo é
uma coisa desconhecida até que você passe por ele.
(Que coisas, por exemplo?)
Ah!,
coisas assim até certo ponto irresponsáveis, por exemplo, uma coisa normal que
é lidar com o carro, o adolescente quer correr quero correr mesmo, eu corri
muito e tal, aquelas loucuras ... aí o neguinho vai lá e enche a cara, pega o
carro e vai no pau porque se sente o tal, sabe esse
tipo de irresponsabilidade, porque a pessoa não mede a cagada que tá fazendo,
isso é uma forma de desafiar o perigo, de desafiar até a sua própria condição e
isso atrai o adolescente"
(Ademar/19 anos).
Se, em um primeiro momento, as
manifestações dos jovens estruturaram-se como crítica ao modo de vida industrial-burguês, dos padrões dominantes ou pela luta
política contra a repressão e pela liberdade de expressão, visualizadas a
partir dos modos devida excêntricos ou contestadores (movimento juvenil alemão,
hippies ou estudantis), anualmente, as manifestações juvenis não sinalizam mais
para o questionamento da ordem social, porém, podem ser consideradas, como
aponta Lapassade e Matza,
interpretados por ABRAMO (1994), como fazendo parte do mesmo fenômeno. Ou seja,
um mesmo sentimento de incômodo como modo de vida estruturado, podendo estar
sendo também entendido dentro do mesmo processo de "revolta
juvenil'', que constitui a ameaça à estabilidade da ordem social. Esses novos
tipos de comportamento - viver situações limites e perigosas - podem ser vistos
como as novas possibilidades de experimentação das sociedades modernas, porém,
sob o mesmo prisma.
A forma mais característica de
reconhecimento da adolescência como despertar "consciente" do sentido
da existência humana como devir histórico-social, no caso desse grupo de
adolescentes não excluídos socialmente, porque participando do sistema
educacional, independentemente do segmento social a que pertencem, parece
revelar-se nas formas típicas de identificação com a noção de responsabilidade.
Pelo discurso adolescente, trata-se de uma fase ora desprovida de tarefas
específicas, portanto sem responsabilidades definidas, ora com atribuições
delimitadas e restritas, características desta fase, centrada basicamente no
estudo.
A adolescência é considerada uma fase sem
ou com menor responsabilidade frente a
responsabilidade adulta em relação ao trabalho e a família ao mesmo tempo com
uma maior liberdade, se comparada a autonomia da criança porque é
caracteristicamente uma fase de descobertas do presente e do devir, identificado
como mundo adulto.
"Adolescência
é uma fase que você está começando a ter responsabilidade, não tem tanta coisa
que te prenda, grande parte dos adolescentes não tem responsabilidade com o
trabalho, não tem marido, não tem filho, não tem aquela preocupação, tem uma
vida mais leve, se você souber seguir com responsabilidade, você pode curtir
muito bem esta fase"
(Cláudia/16 anos).
É neste sentido que os adolescentes
pesquisados diferenciam-se dos demais grupos, infantil e adulto, pois, apesar
de sinalizarem sua aspiração no sentido de participar ativamente do mundo
adulto, essa participação dá-se de um modo específico e é representada em
termos de usufruir dos benefícios presentes deste
mundo como discotecas, barzinhos, festas noturnas e não de assumir as
responsabilidades nele identificadas, como por exemplo, trabalhar, pagar
contas, cuidar de filhos.
A identificação do estudo como sendo a
principal atribuição na adolescência parece explicar-se por todos serem
estudantes. No entanto, a significação atribuída ao estudo, como estratégia de
preparação para a assunção de responsabilidades futuras, além de aparecer em
todos os segmentos sociais e não haver diferenciação por sexo, parece assumir
uma representação mais ampla que extrapola o universo dos sujeitos sociais
pesquisados. Isto porque eles parecem não falar de si, mas de toda uma geração
que necessariamente terá um devir. Por este ser "incerto", o
adolescente deverá estudar para garantir seu espaço num mundo social marcado
por diferenciações em termos de classes sociais, dada a progressiva parcela dos
socialmente excluídos. Daí podermos observar que os
adolescentes do segmento social A vêem no estudo a manutenção do seu status social, enquanto que os
adolescentes dos segmentos sociais B e C, a possibilidade de ascensão social.
Vale destacar que a questão da realização
profissional da mulher está igualmente presente, em nível do discurso. Se, em
um primeiro momento, esta começa a trabalhar para complementar o salário
familiar, hoje, a preocupação feminina, principalmente para a mulher do
segmento social A, parece estar centrada na sua realização profissional, o que
é evidenciado no depoimento a seguir:
"Eu
estudo, faço inglês, estou pensando muito no que eu vou fazer no vestibular eu
queria fazer direito mas não vou fazer mais, agora eu tô
na cabeça que eu quero fazer engenharia genética, só que no Brasil eu não tenho
espaço para fazer isso, então eu vou ter que fazer uma coisa, eu não quero uma
coisa que me dê dinheiro não é isso, porque eu não vou ser feliz só pelo
dinheiro, eu não penso assim, sendo rica, eu quero uma coisa que me realize
profissionalmente, eu tô estudando sobre esse assunto" (Ana/16 anos).
É interessante observar essa clara
diferenciação observada na análise dos discursos das adolescentes. Parece que
as adolescentes do segmento social A começam a desencadear uma ruptura das
explicações biologizantes para a diferença entre a
divisão de trabalho masculino e feminino,ou seja, o trabalho masculino tende a
ser o que traz a realização profissional e o status social, enquanto que o feminino repousa na ajuda da
manutenção familiar Reconstroem, portanto, o modelo das relações sociais,
estabelecidas até o presente, que imprime nestas relações, como coloca FOUCAULT
(1994), a questão do poder e da dominação, submissão e opressão. Neste sentido
é que KERGOAT (1996) argumenta que as relações existentes também entre os
segmentos sociais imprimem conteúdo e direção concreta às relações sociais de
sexo.
Por outro lado, este tipo de preocupação
não aparece nos depoimentos das adolescentes do segmento social C, revelando,
ao que parece, níveis de significações diferenciados em função do papel que o
mundo do trabalho representa para as mulheres de classes sociais distintas, ou
seja, às primeiras pertencentes a classe alta, as
possibilidades de realização profissional; às demais pertencentes as camadas
populares, as possibilidades de inserção no mercado de trabalho como estratégia
de sobrevivência e também de ascensão social.
No contexto do discurso adolescente a
relação entre educação e trabalho assume dimensão relevante. À
medida em que há a assunção da responsabilidade, através do estudo,
aparece a preocupação com a definição profissional, sendo esta uma das grandes
angústias da adolescência, pois, ligado a escolha da profissão estão os
projetos de vida e perspectivas de participação no mundo social. Isto porque, a
profissão pode representar tanto uma "garantia" de status, como de dada condição econômica.
Apesar de todos os adolescentes
entrevistados acreditarem que é através do estudo que são
definidas suas possibilidades concretas de existência, os pertencentes
ao segmento social A o percebem como via para a alta qualificação, introjetando a importância e a necessidade de ingressar na
universidade, para alcançar suas metas, refletindo a realidade dos tempos
anuais que não só valorizam mas impõe ao adolescente de classe mais
privilegiada a obrigação de cursar o 3° Grau.
Os adolescentes dos segmentos sociais B e
C, que estudavam em escolas públicas tinham, por sua vez, a clareza de que sua
perspectiva profissional apresenta condições diferenciarias, não explicitadas em termos das
diferenciações de classe, mas traduzidas na qualidade do ensino a que os mesmos tem acesso. No entanto, em nível do imaginário,
acreditam nas possibilidades de serem superadas as dificuldades, tendo em vista
atingir objetivos a que se propõem.
Mesmo para os adolescentes que trabalham,
particularmente das camadas populares, as responsabilidades assumidas inerentes
a sua atividade profissional são vistas de maneira relativa, não representando
a ruptura da adolescência. A idéia presente é a de que no futuro um novo
trabalho, "mais sério", mais profissional, caracterizará sua nova
fase adulta, não atribuindo ao trabalho anual importância para a sua vida
profissional futura
Nesse sentido, o trabalho não assume
grande significação nessa fase da vida, em termos de projeto futuro. Com
relação aos adolescentes do segmento social C, não aparece a representação de
que, pelo fato de necessitarem trabalhar e estudar à
noite, além de sua própria condição de classe, o seu horizonte profissional
seja limitado. A fantasia vivida por eles é que terão as mesmas oportunidades
de outros adolescentes que só estudam e me, pela condição social, são mais
privilegiados. Parece não haver a percepção dessa diferenciação, o me os faz
sentir adolescentes com as mesmas expectativas de conquistar um projeto futuro
melhor me o vivido atualmente.
Ao pensarmos nos elementos constitutivos
que configuram a identidade do adolescente é importante considerar os processos
sociais e culturais que delineiam a construção da mesma, concebida, como
afirmam LEAL & BOFF (1996), como fator central do gênero e da sexualidade,
tendo em vista a perspectiva de identificá-la em processo constante de mudança,
como também nas suas implicações para a experiência da vida sexual. Neste
sentido, ao abordar a questão de gênero é necessário partir das relações
sociais de dada sociedade, e não simplesmente das categorias de feminilidade e
de masculinidade como esferas estanques, dissociadas e sem relação uma com a
outra, na sua própria constituição. Só assim é possível visualizar novos
aspectos que as relações de gênero, emergentes na adolescência, encerram.
Apesar de ser na infância que se começam
as primeiras identificações das diferenciações de sexo, para os quais
comportamentos biopsicossociais são esperados e
sancionados para ambos os sexos, é na adolescência que
eles tomam forma e se definem em termos da estruturação das relações de gênero,
uma vez que é neste momento que as concepções de masculinidade e feminidade
passam a ter um significado próprio e são melhor delimitados. Para PARKER
(1991), o corpo pode assumir um papel fundamental nesta relação, pois ele será
o principal veiculador das práticas e comportamentos
que expressam as relações entre homens e mulheres, pois através da linguagem do
corpo, pela sua descrição e interpretação do mundo natural, é que é possível
imprimir à realidade biológica uma dada significação social.
Para HELMAN (1994), o corpo social é,
então, parte importante da imagem do como orgânico por fornecer, a cada pessoa,
uma base para perceber e interpretar suas próprias experiências físicas e
psicológicas. Esse como, em profundas transformações na adolescência, passa a
ter um significado mais relevante ainda, pois será através dele que haverá, ou
não, a identificação com si próprio, com o grupo de pares e a percepção do
olhar do outro.
Sendo o corpo um importante elo de
identificação para os adolescentes, a preocupação com a beleza será marcante
nesta fase, na medida em que ela propiciará a chance de se destacar no grupo.
As mulheres passam a buscar o estereótipo da beleza através do como alto e
esguio, copiado de modelos, artistas de cinema ou televisão, assim como o de
formas bem delineadas e sensuais, como expressão do mito de sedução do como da
mulher brasileira. Já os homens têm a preocupação em ter formas exuberantes,
com tônus muscular bem definido. Essa busca de corpos esculturais representa a
manifestação latente da simbologia do prazer erótico, capaz de despertar o
desejo e o prazer no outro.
"Não
tô satisfeita não, eu queria ser bem mais bonita, eu
queria ser boazuda, daquelas mulheres que todo mundo
mexe, passar na rua e todo mundo falar: nossa, que menina bonita!!!... Preciso
emagrecer fazer ginástica, mudar um pouco as coisas ... é uma questão de
vaidade, mas às vezes é só pra poder impressionar os meninos " (Branca/15 anos).
Não é possível analisar este fato
descontextualizado do padrão de beleza "imposto" pela mídia, que atua
primordialmente como formadora e reprodutora de estereótipos sociais, por
exibir continuamente nos meios de comunicação padrões de beleza através do exibicionismo
e culto público dos corpos de modelos e de atores, quase sempre desnudados, a
partir dos quais reforça o "glamour anoréxico"[4]
do mundo da moda. Os adolescentes passam ser o principal alvo desta
idealização, pois utilizam seus corpos para chamar atenção sobre si.
Essa idealização do corpo é notadamente
marcante, independentemente do segmento social e sexo. Esse fato pode estar
apontando para o papel fundamental dos meios de comunicação de massa na homogeinização de estilos devida característicos das
sociedades modernas. O corpo tem sido utilizado como um importante veículo de
consumo, do tênis ao corte de cabelo, criando uma cultura de consumo que tem no
adolescente um dos principais alvos de interesse.
Tratando da questão MORIN (1986) coloca
que a cultura adolescente juvenil participa da cultura de massas, que é a do
conjunto da sociedade integrada na industria cultural, capitalista, que
funciona segundo a lei de mercado, tomando-se um dos ramo
do sistema de produção-distribuição e consumo que funciona para toda a
sociedade. Porém, atua de forma mais intensa na adolescência, levando-a a
consumir produtos materiais que incentivam os valores da modernidade. Moças e
rapazes não são mais separados, um gosto comum conduz à cultura juvenil,
levando-os a adotar os valores da civilização urbana essencialmente ligados as vestimentas e a diversão.
O corpo parece ser o principal veículo de
diferenciação entre homens e mulheres em uma dada sociedade e a maneira de
percebê-lo torna-se diversificada conforme os gêneros. Tais
diferenças, sendo construídas através de um processo social e histórico era
de supor que as mesmas fossem percebidas de maneira diversificada no interior
da sociedade havendo, portanto, uma diferenciação de tais concepções conforme
os segmentos sociais, a religião, a raça, a idade e demais categorias nas quais
possam ser estratificadas. A implicação deste fato poderia apontar, como coloca
LOURO (1996), para o reconhecimento da existência de uma identidade para cada
um desses pólos, acreditando no rompimento da unidade, ou seja, na
impossibilidade de existência de apenas uma identidade masculina ou feminina,
transformando em muitos ou em múltiplos o sujeito masculino ou feminino .
Para o grupo estudado, no entanto, parece
que essas concepções não apresentaram diferenciações nem por sexo, nem por
segmento social, podendo indicar que o corpo é um forte elo de ligação entre os
adolescentes, umas das condições centrais que os transforma em um mesmo grupo.
A auto-estima relacionada ao corpo é fundamental
neste processo, pois vai interferir no próprio desejo sexual, bem como na forma
pela qual o adolescente percebe como pode ou deve atuar perante si e em relação
ao outro. As escolhas amorosas passam a ser, muitas vezes, norteadas pelos
atributos físicos, pouco importando o jeito de ser do companheiro como um todo.
Neste sentido a estatura, beleza, contorno corporal do adolescente podem afetar
o modo de como ele se vê e como as outras pessoas o sentem ouse relacionam com
ele. À medida em que o adolescente não se aceita
fisicamente, dificilmente se sentirá bem em relação a si mesmo e ao seu próprio
corpo, dificultando a sua valorização pessoal, fazendo com que nunca se sinta
desejável ou atraente.
O "outro", que até então era só
visto como amigo ou amiga, de forma aparentemente assexuada, passa a despertar
a atenção, a provocar sentimentos de desejo, promover novas sensações, emoções,
identificadas com formas de manifestação explícitas da
sexualidade representada por diferentes matizes. Um aspecto que chama a
atenção é o de que as adolescentes dos segmentos sociais B e C foram as que
tiveram mais desenvoltura para falar sobre a questão, o que parece apontar para
o fato da mulher, independente do segmento social, estar abrindo espaço na
busca do exercício da sua sexualidade. Sendo estas as mais reprimidas pela
sociedade, vale lembrar que é, através do movimento
feminista, que se instaura no seio das classes dominantes, no início das
primeiras décadas da segunda metade deste século, a busca de liberdade
de expressão da mulher para seus sentimentos e de igualdade de direitos. Nesse
processo é que as próprias relações de gênero, reinterpretadas, atualizam-se no
interior da sociedade moderna permitindo, com isso, haver ampliação do processo
a todos os segmentos sociais.
"Você
começa a compartilhar momentos com outra pessoa, não uma relação de amiguinha
assim, com um homem ... quando a gente vê um menino passando na rua e já começa
a ligar porque antes era só colega, você começa a achar mais defeitinhos numas coisas que já não tem, quando você é
criança você não tem noção destas coisas" (Camila/16 anos).
Neste contexto, aparece como necessidade
a busca das relações afetivas. Na representação das adolescentes entrevistadas
é neste momento que a opção sexual pode ser tanto em relação ao mesmo sexo,
como em relação ao sexo oposto. Da mesma forma, as adolescentes dos segmentos
sociais B e C tem a percepção das possibilidades de existência de
relacionamentos tanto homossexuais, como heterossexuais.
Numa fala
caracteristicamente cifrada, lacônica, permeada de vazios, os
adolescentes masculinos identificam apenas a necessidade de busca pelo sexo
oposto. A preocupação com a afirmação da própria masculinidade parece estar
presente neste fato, uma vez que a verbalização da possibilidade de existência
de relacionamentos homossexuais, poderia sugerir o medo velado da não
diferenciação entre o discurso e a realidade, podendo esta posição ser
interpretada como sua própria opção sexual. Daí, ao que parece, a negação em
falar sobre o assunto, demonstrando que o mesmo é ainda polêmico, independente
do segmento social a que o adolescente pertença.
Vale considerar, ainda, que exteriorizar
a existência da atração sexual pelo mesmo sexo pode estar sendo bloqueada em
função das dificuldades ainda existentes na aceitação das relações afetivas
entre pessoas do mesmo sexo, Pois, a despeito dos avanços da sociedade moderna,
os valores e as normas sociais tradicionais ainda discriminam a
homossexualidade, apesar de na atualidade, observamos uma maior liberdade de
expressão pública das relações não heterossexuais.
O relacionamento afetivo é fundamental
para que se estabeleça identificações para a formação
da identidade adolescente, pois é através dele que se experimentam relações de
companheirismo, determinando como se comportam numa relação a dois, havendo
trocas e experiências íntimas, com ou sem experiências sexuais. A curiosidade,
a atração sexual e o desejo intensificam-se possibilitando a oportunidade de
estabelecimento de relacionamentos amorosos que podem ser considerados
eventuais ou duradouros, havendo diferenças entre um e outro, por apresentar
importantes variações na forma de como se comportar e se relacionar a dois.
Os relacionamentos eventuais tomam forma,
na linguagem do jovem, como “ficar”, não havendo vínculo pessoal ou mesmo um
compromisso duradouro. É uma fase de busca de experimentação sendo, às vezes,
considerada uma fase intermediária para o namoro, que representa uma forma de
compromisso mais duradouro. É interessante observar que apesar do "ficar”
muito comum atualmente, esta forma de experimentação é carregada de preconceito
não só entre os adultos, mas pelos próprios adolescentes havendo, claramente,
uma distinção das possibilidades do “ficar” masculino e feminino. Para os
adolescentes, masculinos o “ficar” com várias meninas é aceito e muito
incentivado. Nesse sentido, quanto mais ocorrer este tipo de relacionamento,
mais o adolescente é valorizado perante o grupo, perante os pais e a sociedade,
por marcar claramente seu poder de virilidade. Já para as adolescentes, tal
situação assume conotações. Se elas estabelecem com freqüência esse tipo de
relacionamento, serão consideradas "mulheres fáceis", sendo
discriminadas não só pelos meninos, mas pelas próprias adolescentes. Apesar de
ainda existir diferenciações na forma de se relacionar, tanto para o homem
quanto para a mulher, relacionamentos polígamos são aceitos com naturalidade,
pois não se espera que o adolescente, ao "ficar",
se mantenha fiel, podendo ser natural ficar com vários adolescentes em uma
mesma noite.
Sendo o namoro considerado uma forma de
relacionamento mais estável, os adolescentes criam expectativas diferentes
neste tipo de relacionamento, firmando, em termos de representação, um pacto de
fidelidade e sinceridade que permeia as relações amorosas. Pelo significado
atribuído, este tipo de relação amorosa pressupõe reciprocidade no gostar,
pressupondo também a existência de amor de ambas as partes. Os adolescentes
masculinos identificam esta postura como sendo importante não só para o sexo
feminino, mas para si próprios, o que pode estar representado a flexibilização
da concepção machista em relação aos padrões e papéis tradicionalmente
pré-estabelecidos do ser homem e mulher. A fidelidade, que sempre foi
considerada um atributo da chamada condição feminina, começa a ser
re-significada na relação afetiva. Observamos não somente a cobrança social da
manutenção da fidelidade masculina, mas a própria necessidade de valorização
deste tipo de relação através do respeito ao compromisso assumido não só pela
mulher, mas também pelo homem.
É inegável, porém, que apesar da
existência de resistências para que o jogo de sedução seja uma característica
própria do papel masculino, a mulher tenha procurado criar um ponto de
igualdade nos relacionamentos afetivos.
"Eu
sempre gostei muito de namorar, ter amigos, sair mas o que eu gosto mesmo é de
namorar Hoje em dia as meninas de 14 anos já estão namorando, elas querem mais
é começar a sentir prazer logo cedo, melhor se tiver namorando " (Cristina/19 anos).
As questões referentes ao tipo de
relacionamento estabelecido pelos jovens parecem também apontar para uma forma
de homogeinização do comportamento adolescente. Se
nos anos sessenta e setenta apresentam-se as possibilidades de maior liberdade
de expressão para as mulheres das classes econômicas mais privilegiadas, uma
vez que estas não somente tiveram mais acesso às informações, à educação e ao
mercado de trabalho, mas também foram partícipes do movimento
feminista, nos anos noventa esta tendência parece apresentar-se para as
mulheres de outros segmentos sociais, o que implica na ampliação de mudanças
radicais nas formas de relacionamento entre homens e mulheres. Assim, o que se
observa é que não só as mulheres, independente do seu
segmento social, tem procurado vivenciar melhor os seus desejos e
emoções, como os homens tem procurado estabelecer novas relações amorosas o
que, de certa forma, muda essencialmente as relações de poder e de submissão
entre os sexos, características das tradicionais relações de gênero
(FOUCAULT,1994).
A menarca assume papel importante nesta fase
de socialização, pois ela continua sendo um marco que identifica a passagem da
infância da menina para a adolescência. Muito valorizada pelas mães, ainda
continua sendo atribuído um valor importante pelas adolescentes. Menstruar é
tornar-se "mocinha", ou seja, é adquirir um novo status perante o
grupo e a família. É um momento esperado ansiosamente pelas meninas havendo
mesmo uma certa competição entre elas, criando uma expectativa de quem ficará
menstruada primeiro e quando o fato acontece, é enaltecido para todo o grupo
social da adolescente.
É interessante notar que para os
adolescentes masculinos a menarca também tem a mesma significação, uma vez que
reconhecem igualmente este poder de mudança de status.
"Com
a menstruação a mulher começa a ver coisas diferentes, começa a entrar em outra
fase da vida
" (Bruno/ 18
anos).
A chegada da menarca constitui-se,
portanto, em importante elemento definidor da passagem da infância para a
adolescência para todas as adolescentes, independente do seu segmento social,
caracterizando-se como um dos poucos ritos de passagem que ainda permanece
valorizado nas sociedades modernas.
A menarca, ao ser valorizada como
possibilidade de a menina tomar-se "moça", define claramente o espaço
no qual a mulher poderá transitar, ou seja, esta mudança social do status de mulher pode, indiretamente,
ser considerada como um marco de atenção específica aos comportamentos futuros
da menina-moça associada, sobretudo, conforme o observado, à preocupação com a
fertilidade feminina. Daí, o significado social da repressão ao comportamento
liberalizado da mulher consubstanciado na busca de controle do exercício da sua
sexualidade. No âmbito dos discursos observamos que as adolescentes têm a
"consciência" de que ao menstruar passam a correr o fisco de ficarem
grávidas devendo, por isso, preocupar-se com esta possibilidade.
"Fica
todo mundo com aquela expectativa, a minha mãe chorava, a minha filha ficou
mocinha, claro que eu sabia que a partir daí eu podia engravidar " (Andreia/18 anos).
Já a ejacularca,
para o adolescente masculino, não tem a mesma simbologia da menstruação, ou
seja, possibilitar a mudança do status
infantil para a adolescência, como ocorre para a menina. Observamos, pelos
discursos, que os adolescentes masculinos quase não se lembram da primeira vez
que ejacularam e as meninas nem fazem menção a esta questão não parecendo,
portanto, uma identificação de passagem da infância para a adolescência.
Não será, portanto, a primeira
ejaculação, mas a possibilidade de ejacular um marco importante dessa passagem,
pois estará ligada a noção de liberação para o início da atividade sexual
ativa. Estará intimamente ligada a noção de virilidade, de poder concretizar o
ato sexual. Nesse sentido parece constituir-se como um marco
não do início da adolescência propriamente dito, mas sim da afirmação da
masculinidade do homem como parte característica do processo de adolescer. Esta
significação dada a ejacularca foi percebida nos três
segmentos sociais, podendo estar representando que este símbolo cultural
existente em relação ao sexo masculino e associado a
hierarquização das práticas sexuais, ainda conformam o poder masculino em
relação ao feminino
"Com
a ejaculação vai achar que está sendo homem, que agora vou transar com uma
menina, quer pegar, olha aquela menina e fica desesperado " (Carlos/16 anos).
Em contraposição, a visão das
adolescentes é que a ejaculação é encarada como a possibilidade de liberação
para a atividade sexual não sendo associada, em momento algum, à fertilidade
masculina, denotando que a preocupação com a ocorrência da gravidez ainda é uma
questão feminina, não havendo, portanto, para o adolescente, a necessidade de
regular os seus impulsos sexuais, muito pelo contrário, eles devem ser
liberados, pois fazem parte da condição masculina.
Interessante observar a identificação
diferenciada, segundo sexo, entre os adolescentes, em relação ao significado da
primeira ejaculação. Enquanto que para os meninos significa um fato biológico
aparentemente banal e natural, o mesmo não ocorre com a representação social
que as meninas têm dele. Isto porque, passam a identificá-la quase como um
marcador da manifestação das relações de gênero, por implicar a liberação do
poder masculino socialmente observado em relação a
sexualidade, em detrimento do feminino.
(Os meninos dão importância a primeira ejaculação?)
"Eu
acho que eles dão muito mais importância do que as meninas [comparando a
primeira menstruação], eles pensam agora que eu virei homem, agora eu posso,
porque menino leva muito mais a sério esse negócio, então eles acham que vão
poder sair por aí transando com Deus e todo mundo e eles passam a só pensar
nisso, eu vejo pelo meu irmão, quando ele passou por essa fase ele só pensava
em sexo, que coisa chata, chata não, mas precisa ver
que a vida não é só isso, os meus primos também, tem muito mais importância
para os meninos do que para as meninas
" (Andreia/18 anos).
(A 1ª
ejaculação dos meninos tem a mesma importância que a 1a menstruação para
as meninas?)
"Tem
mais, eles se sentem poderosos, os melhores. Eu acho que tem alguma coisa
dentro deles que estimulam eles a isso, da mesma forma
que as meninas, mas com eles são mais, eles se sentem os melhores " (Ana/16 anos).
Este caráter precioso dado ao sêmen, que
parece estar presente no imaginário das adolescentes, é explicado por FOUCAULT
(1994) através de sua interpretação sobre os textos de Hipócrates. O sêmen,
mais do que ter o poder de dar a vida no ato sexual, ele proporciona ao homem
um prazer mais intenso do que para a mulher porque a excreção do humor se faz
de maneira mais abrupta e com muito mais violência, além do fato de o prazer da
mulher, ao longo de toda a relação, ser dependente do homem. Isto porque mesmo
quando ela chega ao orgasmo antes dele, o ato sexual só terminaria quando o
homem a liberar. Daí, a desigualdade entre homens e mulheres na relação sexual
poder ser explicada pelo fato do ato sexual ser entendido como expressão de
superioridade "natural", pois é o macho que desempenha um papel incitador e dele deve sair vitorioso.
Neste contexto, o ato feminino não é
considerado como complemento, pois é sempre dependente do masculino. A
simbologia social deste poder encontra-se de maneira expressiva em FOUCAULT
(1994, p.118) quando afirma que "o ato sexual arranca do corpo uma
substância que é capaz de transmiti a vida, mas que só transmite porque ela
própria está ligada à existência do indivíduo e carrega em si uma parte dessa
existência. O ser vivo, ao expulsar seu sêmen não se limita a evacuar um humor
em excesso; ele se priva de elementos que são de grande valia para a sua
própria existência".
A sexualidade pode ser pensada a partir
de uma esfera na qual são construídas e transformadas as relações sociais,
culturais, e políticas através dos diferentes valores, atitudes e padrões de comportamento existentes nas sociedades modernas.
Os tabus, sendo considerados
proibições absolutas, geralmente revestem-se da função social de
preservar as instituições vigentes. Ao começar a experimentar sua sexualidade,
o/a adolescente depara com alguns questionamentos, por exemplo, em relação a masturbação, ao homossexualismo, a virgindade, sendo estes
considerados como importantes tabus, uma vez que funcionam como
"reguladores" dos comportamentos sexuais, principalmente neste fase
da vida.
Estas pautas, como aponta BARBIERE (1993,
p.83), darão um contorno a "construção dos
sistemas de gênero que correspondem à totalidade dos arranjos através dos quais
as sociedades transformam a sexualidade biológica em atividades humana, a
partir das quais as necessidades humanas são satisfeitos, quanto transformadas.
O poder contido nos sistemas de gênero opera com mais força nos estágios
reprodutivos da vida humana quando os meios para controlar a sexualidade, a
reprodução e acesso às atividades produtivas estão situados e funcionam de
maneira mais aguda. Esta definição favorece a desconstrução das diferenças de
gênero que foram e continuam a ser reinterpretadas, racionalizadas como
resultado de uma ordem natural e biológica imutável, no sentido de pensá-las
como circunstâncias construídas social historicamente e, portanto, sujeitas à
transformação pela ação social e política. Essa compreensão de gênero como um
operador social e simbólico também possibilita o exame das relações de poder
inter e intra-gêneros".
A sexualidade, portanto, dada a ampla
gama de situações e múltiplas implicações sociais, constitui-se um objeto de
controle ideológico de amplo aspecto. Daí, segundo PORTILLO (1992), adquirir caráter social normativo, indicativo do que seja normal ou
patológico. Esse caráter normativo, porém, não é homogêneo para todas as
sociedades, sendo que o próprio conceito de normal e patológico pode variar de
cultura para cultura, ou mesmo de um período histórico para outro. É neste
sentido que Portillo afira que os valores como
heterossexualidade, monogamia, fidelidade conjugal, sexualidade orientada para
a reprodução, virgindade, entre outros, variam de acordo com as diferentes culturas
ou mesmo através da evolução destes conceitos numa mesma sociedade.
Deste modo, os papéis sexuais determinam
a forma como as relações de gênero se estruturam, determinando padrões de
comportamento típicos para homens e mulheres. Esses comportamentos começam a ser reconhecidos ainda enquanto crianças, sendo que a partir
da infância são estabelecidas condutas específicas para cada um dos sexos
pretendendo-se com isso, imprimir identidades diferenciadas.
O processo de urbanização e de
industrialização, neste último século, influenciou de maneira decisiva as transformações sociais da humanidade, teve um peso
decisivo na nossa sociedade, a partir sobretudo dos anos 50. Sendo a sociedade
brasileira tradicional caracterizada pela estrutura sócio-econômica
predominantemente rural, até o fim do século XIX, conformada por uma estrutura
patriarcal que definiu claramente o papel feminino e masculino como
dicotômicos, o advento de uma sociedade urbano-industrial, nas últimas décadas,
conformou características peculiares em termos da configuração das relações de
gênero.
Dentre as mudanças comportamentais
ocorridas nas últimas décadas, os padrões de comportamentos ligados à atividade
sexual foram, sem dúvida, os que apresentaram maiores repercussões sociais,
fenômeno este que vem se refletindo, principalmente, nas mudanças dos valores
sociais da população adolescente.
A disseminação do uso dos métodos
contraceptivos teve papel fundamental nesta mudança, pois permitiu à mulher o
livre exercício da sua sexualidade, possibilitando haver uma separação entre a
reprodução e o prazer no ato sexual, o que veio facilitar a existência de
relações sexuais fora do casamento.
Em nível dos adolescentes entrevistados,
o discurso presente foi coerente com esta mudança de visão sobre a virgindade,
o que significa que para ambos os sexos ser virgem não é uma questão
fundamental para a definição de seus relacionamentos afetivos. Assim, as evidências de uma clara mudança na concepção acerca da
importância da mulher ter que se casar necessariamente virgem traz
alterações substantivas para a construção da identidade feminina no mundo
moderno.
Apesar da representação, em todos os
segmentos sociais, de que a virgindade feminina não é mais valorizada como antigamente,
sua re-significação apresenta diferenciações no interior dos mesmos e
manifesta-se de forma velada. Os adolescentes dos segmentos sociais A e B
afirmam que para eles não há mais a preocupação em ter que se casar com uma
mulher virgem, porém gostariam de ser o primeiro a ter relações sexuais com
suas namoradas, o que não deixa de ser uma forma de valorização da virgindade
feminina, embora desvinculada do casamento. Para adolescentes do segmento
social C, no entanto, a virgindade aparece ainda como importante mas, o que
acontece, na prática, é que na medida em que mulheres estão deixando de ser
virgens mais precocemente, a aceitação apresenta-se, de maneira velada, muito
mais por falta de opção.
As adolescentes, no entanto, foram
unânimes em revelar preocupação muito mais centrada nas expectativas da
primeira experiência sexual do que na necessidade de continuarem virgens até o
casamento.
Os pais parecem ter um papel marcante na
construção das identidades de gênero da nova geração, pois continuam aceitando
com naturalidade o início precoce da atividade sexual na adolescência para o
sexo masculino e, muitas vezes, até incentivando, mas apresentam comportamento
inverso em relação a adolescente. É importante ressaltar que nessa prática
encontra-se exemplificada a perpetuação da relação existente entre gênero e
poder, presente no discurso de FOUCAULT (1994) sobre a sexualidade. A
construção cotidiana do domínio masculino sobre o seu corpo, em detrimento ao
da mulher, define claramente os conteúdos do ser masculino e feminino que
estruturam o duplo padrão de moral de nossa sociedade; o primeiro apresentando
um caráter ativo, frente ao segundo - relacionado a
passividade.
Enquanto a vida sexual feminina ainda
sofre controles rígidos a todas as suas manifestações fora do casamento, por
outro lado, a atividade sexual do homem continua permitida e encorajada
demonstrando que as estruturas ideológicas do sistema patriarcal continuam
influenciando os processos de socialização sexual,
intimamente ligados à questão do poder. Como coloca PARKER (1991), esse
processo simultaneamente aumenta e legitima uma elaborada estrutura hierárquica
na qual os homens se distinguem em termos de autoridade e domínio, ao passo que
as mulheres se distinguem de acordo com sua submissão e sujeição ao jugo. Essa
estrutura da hierarquia de gênero perpassa, ao que parece, a estrutura mais
geral dos significados sexuais da nossa sociedade como um todo.
No universo dos adolescentes, no entanto,
a re-significação do valor dado a virgindade assume
outras matizes. Ou seja, ser virgem ou manter-se virgem é tido, também, como
uma forma de diferenciar-se do grupo de pares, portanto, de não identificação
com o mesmo havendo, inclusive, pressão para que a
adolescente inicie sua vida sexual precocemente. Na medida em que a virgindade
passa a ser "desqualificada", a exigência pelos pais da adolescente
para manter-se virgem carece de significado, principalmente quando o discurso
jovem assumido na modernidade é o de que manter-se
"pura" reveste-se da noção pejorativa de não ser desejada.
"Hoje
em dia não dão valor [para a virgindade] como antes, hoje em dia as pessoas são
ridicularizadas se assumem a sua virgindade... não
adianta você ir simplesmente com alguém só pra dizer para turma que não é mais
virgem e você é a única da turma virgem, porque as pessoas acham que se ainda
não transou é porque ninguém te quer"
(Cláudia/15
anos).
Neste contexto, tomar-se atraente e
desejada passa a ser um importante valor feminino, havendo uma busca quase que
frenética em torno da sensualização e do erotismo do
corpo. À medida em que as relações sexuais não
acontecem, elas podem estar sendo associadas diretamente a uma desvalorização
pelo outro gerando, inclusive, uma insegurança de que o grupo faça esta
identificação. Em contrapartida, a adolescente pressionada pelo grupo de amigos
a iniciar sua vida sexual, à medida em que isso não
acontece, começa a sentir-se deslocada do grupo, distanciada, sem
identificação, pois os assuntos sobre a atividade sexual que são discutidos nos
encontros com os amigos passam a ser o grande elo de ligação entre as
adolescentes.
Para os adolescentes, ser considerado
moderno implica demonstrar que valores tradicionais sobre a virgindade devem
ser rompidos para que se identifique a existência de transformações dos seus
valores em relação aos dos pais. Porém, a questão da perda da virgindade ainda
reveste-se de ambigüidade no discurso dos adolescentes. Não ser mais virgem
parece não ter importância para o estabelecimento de relações afetivas porém,
de forma velada, o que alguns discursos parecem sugerir é que, em nível do
"inconsciente", a questão posta é muito mais da liberação da
sexualidade feminina com múltiplos parceiros.
"Eu
acho que deveria, tanto da parte da menina usar mais o anticoncepcional, pra
poder fazer a coisa e não se arrepender ficar grávida e depois... se a menina
saiu com um monte de carinha aí pega o cara que tá
meio assim ... quieto, meio retraído e acontece... aí ela acaba se arrependendo
e ele não quer assumir, ele fala que não é dele porque ela já passou por outras mãos, transou com outros e acabou.
Agora se foi só com ele, ele tem certeza disso ele assume, porque ela perdeu a
virgindade com ele, o homem no fundo ainda dá valor, mas eu não ligo, por mim
tudo bem" (César/18
anos).
A constatação de que o comportamento
sexual do homem alterou-se no mundo moderno pode ser exemplificada
pelo fato de seu primeiro relacionamento sexual ocorrer, na maioria das vezes,
com a sua "namorada". Os jovens têm, então, iniciado sua atividade
sexual com seus parceiros, muitas vezes, no primeiro relacionamento afetivo.
Este ponto merece reflexão, pois aponta para algumas questões de mudança de
comportamento sexual e afetivo da população adolescente com implicações para
novas configurações das relações de gênero. Até há pouco tempo atrás, a
realidade era muito diversa uma vez que as mulheres iniciavam sua atividade
sexual geralmente com seus maridos ou com homens mais velhos. Os homens, por
sua vez, tinham sua iniciação sexual com prostitutas ou, também, mulheres mais
velhas. Geralmente, iniciavam mais precocemente sua atividade sexual em relação
à mulher.
Na realidade, o que parece estar
ocorrendo são novas possibilidades dos jovens buscarem parceiros com idades
similares. Ou seja, a mulher tem antecipado o início da sua atividade sexual e
o homem postergado, sendo no mesmo grupo de pares que se dá esta iniciação.
Este fato representa uma mudança social significativa pelo estabelecimento de
novos padrões de relações para a ocorrência da atividade sexual, ou seja, no
caso da mulher descola-se do casamento para o namoro e no caso do homem, da
prostituição para o namoro, o que parece reafirmara relevância do mesmo no
processo de adolescer.
Esse fenômeno pode ser identificado entre
os adolescentes entrevistados, cujo início da atividade sexual ocorreu em
situação pré-marital, com parceiros em idade similar, em torno dos 16 anos, não
havendo diferenciação por sexo, nem por segmento social.
Relacionada ao deslocamento do eixo da
primeira atividade sexual do homem, prostituta-namorada, poderia se imaginar a
existência de uma mudança de comportamento no tipo de relacionamento dos
jovens, ou seja, o primeiro ato sexual tanto para a mulher, quanto para o
homem, sendo considerado como um momento de troca e de afeto, em decorrência da
busca de complementaridade no relacionamento entre o casal.
No entanto, no relato acerca de como foi
a "primeira vez", os discursos apresentam significações bastantes distintas para cada um dos sexos. Para alguns
adolescentes masculinos, o início da atividade sexual ainda é visto como a
possibilidade de ascensão perante o grupo, a forma de
demonstrar sua virilidade e a própria necessidade de iniciar a atividade sexual
por ser uma condição exigida pela sociedade.
A virgindade masculina não deixou de ser
vista como vergonha porque o medo de demonstrar a falta de experiência, de não
poder se expor perante à mulher e até mesmo perante o
grupo, além da necessidade de valorização da virilidade do homem, demonstram
que a noção de masculinidade, fundada a partir dos valores da sociedade
patriarcal, ainda está presente na vida do jovem atual, e é reiterada pelas
tradicionais expectativas de comportamento constitutivas das relações de
gênero, ainda vigentes em nossa sociedade.
É interessante observar que, apesar das
adolescentes do sexo feminino também considerarem que a virgindade não mais se
apresenta como elemento importante e condição "natural" para o
casamento e certificado de sua moralidade, o início da atividade sexual antes
do casamento permanece cheio de expectativas, idealizado como um acontecimento
romântico, especial e mitificado a partir de fantasias de que a "primeira
vez" seja a possibilidade de viver um conto de fadas.
"Eu
não sou romântica, mas nessas horas eu costumo ser um pouquinho mais do que o
costume, eu sou meio prática, mas nessa hora que a gente precisa de um carinho,
de um afeto, de palavras bonitas, eu não tava esperando amor dele, só carinho
tava bom ... eu esperava uma coisa de filme" (Branca/15 anos).
Possivelmente esta fantasia seja a forma
encontrada pela mulher para substituir a primeira relação sexual pela
"noite de núpcias", ou seja, essa iniciação continua mitificada
embora oculta, pelo processo de ritualização que valoriza a primeira noite da
mulher, quer após o casamento ou não. Acreditar na existência de um momento
mágico aproxima-se da idealização de que a mulher viverá uma grande história de
amor, semelhante aos contos de fadas, o que parece explicar porque muitas
adolescentes buscam adiar sua iniciação sexual na esperança de que ocorrerá uma
“transa" muito especial.
Outra questão relevante sobre o início da
atividade sexual é a questão da escolha do primeiro parceiro. Apesar do
adolescente do sexo masculino não buscar mais iniciar sua atividade sexual com
prostitutas, não há a valorização de que o primeiro ato sexual seja
necessariamente com uma pessoa com que tenha um grande envolvimento afetivo.
"A
primeira vez é aprendizado, tem o empurrão dos irmãos ou amigos que são mais
velhos... sempre acaba rolando, independe de com quem, com a empregada, a
prostituta ou a namoradinha, tanto faz, eu nunca tive fantasias, isso é coisa
de mulher se você vai agradar tanto faz, é uma loucura " (Ademar/19 anos).
No entanto, esta parece ser a grande
preocupação das adolescentes; a idealização da primeira relação sexual como
algo de grande significação para a mulher explica porque a escolha do parceiro
terá grande relevância neste processo. Essa ainda demonstra uma postura
conservadora com relação a sua opção em escolher o seu parceiro. A concordância
em iniciar sua atividade sexual ainda está muito ligada à possibilidade de se
estabelecer uma relação estável, de existência de um forte vínculo afetivo
entre o casal.
Há também a preocupação da adolescente
com o "gostar", valorizando a reciprocidade do sentimento. A idéia
presente é a de que o menino goste muito da menina, que ele não queira transar
só por transar. Para os adolescentes, no entanto, esta preocupação quase
inexiste, pois os mesmos podem iniciar sua atividade sexual independente do
tipo de relacionamento, ou seja, quer com a namorada, com amigas ou conhecidas.
"Eu
quero que seja com um cara que eu goste muito e que ele goste muito de mim
também, não quero só eu gostar dele e ele estar ali só por causa disso " (Ana/16 anos).
E qual o significado desta escolha? O que
vem a ser a pessoa cena? O que parece ocultar-se nessa escolha ideal, a
despeito da virgindade não se constituir mais numa condição necessária para o
casamento, é o medo do abandono após o início da atividade sexual, ou até mesmo
o medo do julgamento moral da sua conduta, o "ficar falada", pela
possibilidade de contatos mais fáceis (sem a simbologia da primeira vez) com
outros parceiros.
Neste sentido, a aparente ambigüidade
observada na conduta feminina em relação a busca do
primeiro parceiro sexual antes do casamento, anda dentro de "moldes
conservadores'' de uma relação afetiva definida que lhe dê a segurança de não
ser abandonada, pode ser explicada pela manutenção de resquícios na moderna
cultura paulistana e brasileira da dicotomia observada em relação ao papel
feminino no sistema patriarcal que colocava à disposição do homem duas
categorias sociais de mulheres: de um lado, a esposa, que só iniciava a
atividade após o casamento, cujo exercício da sexualidade era especialmente
ligado à questão da procriação e, de outro, a amante ou concubina voltada à
satisfação dos prazeres do homem (PARKER, 1991). Com a permanência de
resquícios desses valores tradicionais impregnados no imaginário feminino, a
despeito dos avanços sociais da sociedade brasileira, é compreensível que as
adolescentes de hoje busquem repousar sua primeira experiência sexual sobre
relações afetivas que possam traduzir-se em
compromisso futuro.
"Eu
já conheci casos assim que as meninas de repente conheceram um cara e se
sentiram apaixonadésima, eles falam a gente vai casar
vai continuar junto, transou, o cara foi embora e pronto, elas ficaram super
mal aí eu acho que não é legal, por isso eu quero ter muita segurança e gostar
muito do cara e ele de mim pra isso não acontecer comigo " (Andreia /19 anos).
A persistência dos valores culturais do
sistema patriarcal na sociedade anual pode explicar, igualmente, o fato de, a
despeito dos adolescentes do sexo masculino passarem a valorizar sua iniciação
sexual com garotas de sua idade, a mesma continuar revestida de antigas
significações próprias da tradicional cultura machista. Ou seja, a valorização
do primeiro ato sexual se dá em função da necessidade de se impor perante o
grupo de amigos sendo, muitas vezes, valorizado pela família; consistir
igualmente em um marco importante na vida do homem, no sentido de afirmar seu
poder de macho, traço ainda marcante da antiga identidade masculina. Não ter
relações sexuais significa, portanto, para o homem, não demonstrar esse poder
que pode estar associado à condição de escolha pela homossexualidade, uma
grande preocupação entre adolescentes entrevistados.
"Olha
em relação ao homem tem um ponto que eu acho x ele tem medo, quando ele é
machista, quando ele é bem macho, o ponto fraco é chamá-lo de veado, por
exemplo, ele detesta essa imagem dos outros pensarem que ele é homossexual, ele
não aceita essa atitudes das pessoas e condena quem
pensar isso deles, tem que fazer logo pra não pensarem isso dele " (Cláudia/15 anos).
Os significados atribuídos ao início da
atividade sexual continuam, assim, sendo completamente opostos para os dois
sexos, em todos os três segmentos sociais, demonstrando que a liberação da
atividade sexual para a mulher, apesar de ser uma realidade dos tempos
modernos, ainda é cercada de preconceitos e restrições.
Outra questão que se apresenta, com
relação ao início da atividade sexual na adolescência, está relacionada aos
medos que acompanham a expectativa desse primeiro relacionamento. Para as
meninas, o medo da dor aparece como marcante para quase todas as entrevistadas,
independentemente do segmento social a que pertence. Para a maioria, este medo
pode estar associado ao tipo de relacionamento e a própria insegurança da
escolha do momento certo para o início da atividade sexual, parecendo estar
simbolicamente presente a idéia da dor como uma
punição ao estar cometendo um ato não permitido.
"A
menina já vai lá achando que vai sentir muita dor tem menina que acha que vai
sangrar até ter uma hemorragia, tem umas que querem se casar porque transaram a
primeira vez"
(Bianca/17 anos).
(Tem alguma expectativa em relação a primeira transa?)
"Penso,
mas não me preocupo muito. Pode ser que doa muito. Eu não imagino como possa
ser mas eu quem que seja com um cara que eu goste muito e que ele goste muito
de mim também, não quero só eu gostar dele e ele estar ali por estar pra eu não
me arrepender depois, porque ainda hoje é complicado começar a transar" (Ana/16 anos).
Por outro lado, é interessante observar
que à medida em que a adolescente se sente segura da
sua decisão, por se encontrar numa relação estável, ela não manifesta preocupação
com o medo da dor na primeira relação sexual o que parece apontar para o fato
deste medo aparecer em decorrência da própria insegurança do que vai acontecer
após o ato sexual, de como vai ficar o seu relacionamento como parceiro. É
enfim, a insegurança emocional de ser abandonada ouvir a se
tomar "mal vista" pela saciedade.
(Você acha que foi na hora certa?)
Eu
acho que sim, porque foi com uma pessoa que eu amei muito, não me arrependo,
não tive medo dele me largar pôr causa disso. A gente se separou depois porque
não tinha mais a ver acabou
" (Beatriz/16 anos).
Para os meninos o medo característico que
se apresentou para quase todos os entrevistados, foi o de "falhar” na
primeira vez, reforçando que a concepção do mostrar-se viril perante a mulher
é, ainda, um traço relevante na identificação da masculinidade, demonstrando
que esta questão é comum entre segmentos sociais analisados. A ocorrência de
impotência sexual na adolescência é um fato raro. O significado do medo de
falhar pode ser interpretado como o medo da ejaculação precoce, este sim, um
evento que se apresenta com freqüência neste período. Como ao ejacular
precocemente, interrompe-se o ato sexual de maneira abrupta, a possibilidade de
sua ocorrência traduz-se em medo, podendo ter a mesma significação da perda da
virilidade.
"O que mais preocupa o homem, acho que a maioria tem
que fazer muito rápido, rápido que eu falo é idade, por medo ... medo de que
falem dele ou coisa parecida, porque vai ficar brocha, a maioria pensa assim" Bruno/18 anos).
É interessante observar que nenhuma das
adolescentes entrevistadas referiu como motivo por ainda não ter tido relações
sexuais a preocupação com os valores impostos pela
religião. Sendo um importante aparelho repressor do comportamento sexual, a
Igreja, ao que parece, tem diminuído cada vez mais seu poder de ditar normas e
valores morais, principalmente para os adolescentes, uma vez estes que estão se
distanciando dos cultos religiosos.
SAKAMOTO et al. (1988) aponta, em seu
estudo, que a falta de religião pode ser associada à prática da relação sexual
“pré-marital" para os adolescentes. No grupo feminino, a taxa mais alta
desse tipo de relação é encontrada para as jovens que referem não ter religião
(53,4%), ou as que são católicas e freqüentam cerimônias menos de uma vez por
mês (47,0%). WHITE & DEBLASSIE (1992) corroboram esta idéia; ao realizarem
uma análise da literatura sobre a sexualidade do adolescente, num período de
cinco anos, afirmam que a religião é um importante agente de socialização e que
desencoraja a atividade sexual precoce, na medida em que vários estudos
demonstram haver uma significativa correlação entre o comportamento sexual do
adolescente e sua formação religiosa.
O controle da fecundidade ou a prevenção
das doenças sexualmente transmissíveis talvez seja uma das principais formas de
controle social sobre a mulher e, por outro lado, um dos eixos condutores da
luta dos movimentos feministas, que aponta para a existência das desigualdades
sociais entre homens e mulheres relacionadas a questão
de controle e poder sobre o seu corpo, perpassando, assim, discussões sobre
reprodução, anticoncepção e aborto.
Pensar na utilização de métodos
contraceptivos significa enfrentar questões anteriores a esta decisão, que
envolve desde a auto-permissão até o enfrentamento da
família, atreladas ao tipo de relacionamento a ser estabelecido com o parceiro.
O sentimento de culpa que surge após o
início da atividade sexual, reforça a necessidade do enfrentamento dessas
questões de gênero, ainda tão longe de serem resolvidas, apesar de todo o
avanço vivenciado pelas sociedades modernas. A insegurança de ser abandonada
traduz o primeiro elo destes questionamentos. O modelo ideológico que
representa a submissão da mulher na relação como homem continua a exercer
profunda influência na maneira de agir, pelo menos no início de relacionamento
homem-mulher Por outro lado, o medo constante do homem falhar na primeira
experiência também demonstra a necessidade de superar-se na relação sexual, no
sentido de ser melhor, mais experiente, portanto, de não ficar na condição de
inferioridade perante a mulher, o que significa a manutenção da relação de
poder neste momento. Pensar na anticoncepção significa a possibilidade de troca
de re-significação desta relação de poder, de inferioridade e superioridade.
"Eu
acho muito difícil usar na primeira vez, porque você não tem liberdade de pegar
a camisinha, tem gente que acha que quebra o clima... não tem aquela preparação
... o homem ainda tem preconceito da mulher pedir pra usar é como se ela
tivesse muita experiência e eles não gostam disso " (Aline/19 anos).
"É
muito difícil usar a camisinha na primeira vez. Sente aquela necessidade e vai
sem nada, fica muito ansioso, não pode demonstrar pra mulher que tá nervoso"(Bernardo/16
anos).
À medida em que a família não autoriza as jovens a
iniciar um relacionamento sexual ainda solteiras, o local onde ocorre a
primeira relação também tem uma enorme influência nesta complementaridade do
casal. A falta de segurança, o temor de aparecer alguém no momento introduz na
relação sentimentos de ansiedade, culpa, pressa, desejo que se misturam o que
descaracteriza qualquer possibilidade dos mesmos em relação
ao uso do preservativo, fato esse igualmente observado por GASTON et al
(1995).
Com o advento da AIDS, o uso da camisinha
é associado de maneira significativa à sua prevenção, não havendo, no entanto,
a valorização de sua utilização como método contraceptivo ou mesmo
preventivo às demais doenças sexualmente transmissíveis. POPPEN (1994)
afirma que o condom é o método mais usado na primeira
relação sexual e que, sem dúvida, as extensas campanhas
publicitária sobre a disseminação da AIDS contribuíram para a adoção
deste método. Essa parece ser também a realidade brasileira.
O espaço aberto nos meios de comunicação
para a discussão da importância do uso da camisinha na prevenção da AIDS tem
repercutido muito em toda a sociedade e parece que está começando a mudar o
comportamento dos jovens, o que foi evidenciado nos três segmentos sociais.
"Estão
se prevenindo só por causa da AIDS, se não fosse, eles
não tariam nem ligando" (Barbara/17 anos).
A despeito de tais evidências, algumas
considerações merecem ser feitas, pois o uso da
camisinha tem implicações bem mais complexas do que outros métodos
contraceptivos. Utilizar a camisinha como método contraceptivo significa
dividir a responsabilidade da anticoncepção que, até então, era atribuição
exclusiva do papel feminino.
"Primeiro que eles deveriam conhecer todos os métodos
anticoncepcionais né, no caso da gravidez, a menina
tem que tá usando pílula e no caso da AIDS tem sempre que tá usando camisinha.
(E você, o que fará?)
Sei
lá não faço a mínima.
(Mas você não disse que precisa conhecer
todos os métodos?)
(Você acha que não tem que se preocupar?)
É.
Com a AIDS, a gente tem que se prevenir " (Baltazar/ 15 anos ).
Um dos discursos ainda muito utilizado
para o não uso da camisinha é que o método atrapalha o prazer do ato sexual,
sendo expresso popularmente na tão conhecida frase "chupar bala com
papel". Esta conotação dada a camisinha está
diretamente ligada a própria noção de masculinidade que ainda faz parte do
universo cultural do adolescente brasileiro. O "tirar o prazer"
significa, como coloca PAIVA (1994), racionalizar ou regrar seus impulsos
sexuais, ter que considerar a parceira, portanto, trair sua virilidade, pois o
ser homem é naturalmente ter menos controle de seus impulsos sexuais e de forma
agressiva com mais intensidade do que a mulher. Para a mulher, sair do seu
papel feminino passivo prescrito, é mostrar-se familiarizada com aquilo que
deveria ser desconhecido.
O que chama a atenção neste fato é que,
apesar do jovem ter "consciência" da necessidade do uso da camisinha,
parece que o seu uso transcende a questão puramente lógica e racional. Isso
porque, de conformidade com análise anterior, a despeito da existência de uma
maior percepção da importância do seu uso, a concretização do mesmo implica
questões muito mais complexas, que ultrapassam o nível do comportamento
individual, decorrentes da forma de organização social e cultural de nossa
sociedade e, como foi evidenciado em nível dos discursos, trata-se de uma
questão marcadamente presente no interior dos diversos segmentos sociais aqui
analisados.
Nesse contexto, o uso da camisinha, pode
apresentar-se como a possibilidade da existência de igualdade numa relação.
VAUGHIN et al. (1989) afirmam que as razões citadas pelos adolescentes para que
os mesmos não utilizem o condom são
a necessidade de interrupção do coito, a diminuição da sensibilidade
peniana durante a penetração, a associação feita com possibilidades de
existência de doenças sexualmente transmissíveis ou de promiscuidade da
parceira, além da questão do homem não assumir a responsabilidade na
contracepção. Historicamente, o homem não tem participado da contracepção,
sendo uma responsabilidade feminina. Em contrapartida, o uso do condom tem sido uma atribuição do homem e a mulher
exclui-se da responsabilidade na sua utilização. As falas abaixo, reforçam o
padrão de comportamento no qual a negociação para o "sexo seguro"
ainda é uma questão difícil de ser enfrentada, uma vez que as mulheres exigem
menos o uso da camisinha, principalmente nas relações estáveis, e a tendência a
usar a camisinha nas relações casuais ou com menos vínculo afetivo é
reconhecidamente maior.
Não podemos, no entanto, como discute
PAIVA (1994) desvincularmos desta falta de negociação a questão da mitificação
da camisinha como um método não eficaz para a prevenção da gravidez, bem como a
identificação da pílula como tal, sendo veiculados durante décadas pelos
profissionais de saúde, pela mídia e pelo movimento de mulheres.
"A camisinha incomoda e tem o fato da pressa... é
importante mesmo a menina ir ao ginecologista e tomar a pílula, a menina tem
que tá usando a pílula.
(E se a sua namorada exigisse pra você
usar a camisinha?)
Eu
não ia querer saber mais dela, é ela que tem mais é que se cuidar
(Mas em relação a AIDS, você não acha que
também tem?)
Mas
usar camisinha é que nem chupar bala com papel, prefiro arriscar " (Bento/18
anos).
Outra questão importante na utilização
dos métodos contraceptivos é a auto-permissão, ou
seja, iniciar uma anticoncepção responsável significa assumir a sua própria
sexualidade e, muitas vezes, ter que assumir perante a família sua atividade
sexual ativa.
Como a família não faz parte deste
processo e há um enorme medo de que tal prática seja descoberta pois se a família
encontra uma canela de pílula ou caixa do diafragma significa a prova concreta
do exercício da sexualidade pela adolescente, a anticoncepção não é sequer
pensada pela mesma. À medida em que o desejo e a
vontade se intensificam, elas mergulham numa aventura e passam a aguardar
ansiosamente a chegada da próxima menstruação.
E mesmo quando a gravidez não acontece,
passado o susto inicial, elas continuam insistindo em não utilizar qualquer
método. Essa postura pode estar indicando que, apesar da adolescente afirmar
que a gravidez não faz parte dos seus sonhos imediatos, a
vontade de testar a sua fertilidade ou mesmo o desejo inconsciente de ser mãe
possa estar presente nesta atitude. A reconstrução de um novo modelo do papel
feminino, no qual o ser mãe pode não ser a prioridade ou o principal projeto de
vida da mulher, parece, no entanto, ainda estar introjetado
pelo modelo tradicional do papel feminino, em que ser mãe faz parte da
existência de toda a mulher e a adolescente, então, vive um constante dilema,
pois, apesar de cada vez mais buscar outras opções, este sonho pode, ainda,
fazer parte da sua realidade.
"Eu
tenho uma amiga que ela é louca, todo mês ela transa fica na maior ansiedade
esperando ver se vem pra ela. Aí na hora do sufoco ela fala, agora eu vou me
prevenir mas no outro mês é a mesma coisa, até a hora que ela engravidar não se
emenda mesmo"
(Beatriz/ 16 anos).
A constante necessidade de viver
situações emocionantes, estarem consequentemente expostos ao perigo, faz parte
do processo de busca da auto-afirmação. Este fato pode também ser evidenciado
pelo não uso da anticoncepção na adolescência.
O sentimento de onipotência, tão
característico desta fase, pode ser evidenciado a partir da justificativa
corrente de que "isso não vai acontecer comigo". Desta forma,
adquirir doenças sexualmente transmissíveis ou engravidar não é visto como uma
conseqüência da atividade sexual não protegida, pois com eles isto não
acontecerá, não havendo portanto, justificativa para ouso de anticoncepção na
adolescência.
"É
aquele papo de sempre comigo não vai acontecer nada nunca. O Darci, por
exemplo, quando foi fazer exame pro exército ficou morrendo de medo porque eu
sei que ele teve relações com um monte de meninas, meninas
que davam pra todo mundo na praia, eu morri de medo do exame, porque a
gente tinha relação e nunca usou nada, apesar da gente saber que
precisava" (Cristina/19
anos).
A racionalidade no uso da anticoncepção é
encarada, muitas vezes, como a quebra da emotividade tão fortemente vivida
pelos adolescentes. Racionalizar as emoções, não deixar que elas fluam com
naturalidade, sem compromisso, podendo significar o rompimento do pacto
de amor.
"Minha
amiga engravidou, aí ela disse: ele também devia ter se prevenido, mas se
naquela na hora ele parasse e dissesse eu vou usar camisinha, então ia achar
que não era paixão, porque paixão é um negócio que te tira do sério " (Ana/16 anos).
Pensar em anticoncepção representa o
desejo concreto de não querer engravidar, portanto, estar certa de que o desejo
de ser mãe deva ser adiado para outro momento da vida. Se o tradicional papel
feminino atingia sua plenitude com a gravidez, pensar no adiamento desta para
um momento posterior, é uma decisão que representa muito mais do que postergar
um sonho, significando uma mudança na postura feminina diante da sociedade,
isto é, ter outros sonhos em que a gravidez não está presente como a
profissionalização da mulher e, consequentemente, sua disputa no mercado de
trabalho.
Ou seja, o papel feminino assume outros
atributos que não só ser mãe ou responsável pelos afazeres domésticos.
Esta postura foi identificada em todas as
adolescentes, independente do seu segmento social. Este fato reforça que o
papel da mulher, no interior da sociedade como um todo, parece estar adquirindo
novos valores e, consequentemente, novos comportamentos diante dos mesmos.
Também é preciso levar em conta que à medida em que a
mulher passa a ser pressionada a entrar no mercado de trabalho, pois cada vez
mais dividem as despesas familiares com os maridos ou assumem ser arrimos de
família, esta própria conjuntura dá um novo perfil a própria condição feminina.
As experiências homossexuais talvez sejam
uma das primeiras formas de expressão do contato íntimo na adolescência. Foi
considerada, como colocam CUSMINSKY & VOJKOVIC (1992), notadamente no
passado, como uma anomalia ou um desvio de comportamento, onde o tratamento era
direcionado a corrigir o problema, às vezes com medidas extremas, como a
utilização de choques elétricos e terapia de adversão. Hoje, apesar deste
estigma já ter sido superado, carrega, ainda, grandes preconceitos em todos os
segmentos da sociedade. A despeito do reconhecimento de sua existência ao longo
de toda a história da humanidade, nas sociedades ocidentais as condutas
homossexuais são fortemente reprimidas uma vez que, como afirma PARKER (1991),
o homossexual fere a noção culturalmente definida de gênero biológico
descaracterizando, consequentemente, os papéis sociais instituídos como inerentes
a cada sexo. Com isso, destrói a noção de "macho", vinculada a uma
série de valores nos quais o simbolismo da sexualidade, poder e submissão estão
claramente ligados na configuração cultural de masculinidade e feminilidade.
Dentre os adolescentes entrevistados, a
homossexualidade é vista sob esta mesma ótica, ou seja, a homossexualidade
masculina pode ser aceita desde que ela seja assumida discretamente. Demonstrar
trejeitos femininos ou comportar-se de maneira "escandalosa" é
rejeitado como uma conduta aceitável ou normal, por descaracterizar a relação
corpo masculino-papel masculino.
Com isso, parece que no imaginário do
grupo adolescente pesquisado espera-se que a homossexualidade mantenha um
caráter privado, não público, como forma de respeitar o poder atribuído ao
homem, simbolicamente representado e sancionado como o sexo forte.
Nessa representação, o pressuposto
presente é o de que ao imitar a mulher o homossexual despersonaliza-se do seu
papel de macho, mas não consegue fazer-se idêntico a
mulher ocupando, desta forma, um espaço ambíguo que o faz não pertencer a
nenhuma categoria "natural", macho e fêmea. Daí anão aceitação do
homossexual que se traveste de mulher apresentar-se como simbologia de tal
condição.
"A minha opinião sobre o homossexualismo é que eu não
tenho preconceito contra, pessoas homossexuais normais certo, já inventei um
termo, homossexuais normais...
( O que você chama de homossexuais normais?)
O
cara que é ... mas que não é aquele homossexual, aquele escandaloso, se o cara
fosse homem eu não ia gostar porque é uma coisa mais do comportamento e tal,
mas também se quiser eu não sou homossexual e eu acho que quem ser tem todo o
direito assim, eu não tenho preconceito de... só acho que o cara não precisa
ficar se declarando, desmunhecando geral, é aquele que é mais é discreto, só na
dele, não dá nem pra gente desconfiar passa por homem e tudo bem" (Ademar/19
anos).
Numa situação análoga, a homossexualidade
feminina também não é aceita, pois, simbolicamente, fere igualmente a condição
de feminilidade, quer por alterar os comportamentos esperados para o sexo
feminino, quer por deixar de assumir o desempenho do papel passivo na relação
afetiva. Passa, portanto, a se constituir em uma relação de dominação.
VASCONCELOS (1985) ressalta que a identidade sexual é comumente vista a partir
da escolha do objeto sexual - homem para a mulher e mulher para o homem, como
que se ela fosse dada pelo outro e, no caso da mulher, através do resquício do
mito de Adão e Eva, na qual a mulher é feita a partir daquele reforçando,
assim, ainda mais a idéia de que a identidade sexual da mulher só constitui-se
como dependente do sexo oposto.
"Eu gosto de homem, mas se eu gostasse de mulher eu
acho que passaria por um preconceito muito grande, eu acho ridículo, aquela
mulher com jeitão de homem, falando grosso, é estranho... uma vez uma mulher se
interessou por mim foi horrível.
(Por quê?)
Ah
não tem nada a ver é estranho pensar numa mulher fazendo carinhos na gente, a
gente fica sempre esperando que o homem é que faça, parece que não combina" (Beatriz/
16 anos).
É interessante observar que mesmo nas
relações homossexuais questões da diferenciação de gênero estão igualmente
presentes. A homossexualidade masculina é aceita, desde que ela não transfigure
a relação de poder e o homem preserve sua identidade masculina. Isto pela
concepção de que ele é capaz de manter o desempenho do seu papel ativo nas
relações sexuais, sustentando assim o seu status
de macho perante a sociedade. Já com a homossexualidade feminina o mesmo não
acontece. A idéia presente é a de que ela inverte totalmente os padrões de
conduta esperados no desempenho do papel feminino, pois, dada mulher, ao se
tornar ativa, assume um papel que não é próprio de sua identidade. Mesmo sendo
passiva na relação, dada a natureza da mesma, passa a ter um comportamento
considerado como desvio da sua função biológica, qual seja, a de ser mãe e/ou
esposa. Daí, observarmos, aparentemente, uma maior tolerância em relação aos
comportamentos homossexuais masculinos, que em relação aos femininos.
"Eu não tenho nada contra, acho que cada um deve ter
suas preferências sexuais, agora eu não me sentiria bem se uma mulher viesse
pra cima de mim.
(Você nunca se sentiu atraída por outra
mulher?)
Não,
nunca mesmo, pros outros eu não tenho nada contra, agora comigo não ...quando a
gente vê um casal de homossexuais do sexo masculino, a gente parece que aceita mais, eu pelo menos sinto assim, pra mim é estranho
ver duas mulheres se tocando, se beijando, hum!!! (entonação de nojo). Não que eu não aceite nem vá criticar eu acho que eu não sei
explicar homens tudo bem eu aceito mas mulher..
(Por quê?)
Porque
quando a mulher vira sapatão ela fica com aquele jeitão de homem, perde aquele
jeitinho feminino da mulher parece que quer mandar em todo mundo" (Andréa/ 19 anos).
O discurso proferido pelos adolescentes entrevistados, independente do sexo ou segmento social, foi
no sentido de dar ênfase na afirmação de que eles próprios nunca tiveram
qualquer tipo de prática homossexual, embora a reconhecessem como comum entre
os adolescentes. Esta ênfase em demonstrar a ausência de desejo em experimentar
tal prática, além de poder significar o fato de já terem feito a opção pela
heterossexualidade poderia, igualmente, apontar para a necessidade de afirmação
no processo de construção da masculinidade e da feminilidade do adolescente.
Neste sentido, observamos igualmente que
a aceitação da homossexualidade foi colocada por alguns adolescentes como uma
opção considerada "normal", desde que referida ao outro.Com isso, a
despeito da preocupação em não demonstrarem preconceito contra aqueles que
optaram pela homossexualidade, a convivência possível apresenta limites
definidores, ou seja: seria normal desde que sua heterossexualidade fosse
reconhecida e respeitada.
"Tudo
bem eu respeito, não sou de criticar de achar ruim, se tem um homossexual aqui,
acho que ele é gente como eu, humano como eu, não tenho nenhum preconceito,
acho normal, só que eu não curto, eu não sou e também não quero que chegue
perto de mim e me ofereça uma coisa dessas, eles sabem que não é o meu barato,
então eles vão ficando no canto deles e eu na minha, fica melhor assim e
pronto, nada de confundir" (Branca/15 anos).
Parece, no entanto, que a aceitação da
homossexualidade pelo adolescente heterossexual não deixa de ocultar
preconceitos a despeito de, em termos do discurso, buscar estigmatizá-la. Isto
quando se observa que ao definir esta prática sexual, o uso de termos
pejorativos é recorrente, simbolizando, com isso, a existência de discriminação
em função dos valores sociais que carrega com relação ao assunto.
"Eu respeito, acho que cada um tenha um jeito de ser de
viver com quem quer de amar quem quiser eu não quero isso pra mim, mas tenho
amigos homossexuais, eu respeito, eu acho que são pessoas maravilhosas, mas eu
não consigo entender porque isso acontece na personalidade da pessoa, muito
mais do que do corpo, o corpo é só uma conseqüência, acho que é por causa da
criação dos pais, algum trauma de infância eu não sei, não tenho nada contra
entendeu, não sou contra nem a favor nem contra, eu aceito. Não vou dizer que
eu nunca vou deixar de ser amiga porque eu tenho várias amigas que estudaram
comigo que se tornaram homossexuais, adoro elas, tenho o maior carinho, mas eu
não consigo dar uma explicação.
(Alguém já te cantou?)
Já,
não essas amigas, sapatões que eu encontrei em discotecas, eu acho meio chato, né? Mas normal, natural"(Bianca/17 anos).
Muitos adolescentes, no entanto, não
tiveram o menor constrangimento de se posicionarem totalmente contrários à
prática de relações homossexuais, rejeitando, inclusive ter relações de amizade
com pessoas homossexuais.
"A sexualidade pra mim é, existe só dois tipos:
masculino e feminino, agora tem pessoas que aí já vai pro outro lado, escolhe
outra opção (risos).
(Você está falando do homossexualismo?)
É.
(E o que você pensa a respeito?)
AH!
... sei lá, como eu posso dizer eu não sou contra nem a favor se o cara quer
problema dele só que não vem pro meu lado, não quero nenhuma aproximação, sai
fora meu!!"(Bernardo/16 anos).
A despeito de, na sociedade moderna,
observamos um aumento da tendência a desmistificar o homossexualismo como
"doença" ou "desvio" de comportamento, sua representação
persiste ainda no imaginário social. Aparece como prática essencialmente
patológica por contrariar não somente a lei natural das coisas expressa pela
função biológica e social dos corpos, mas igualmente os desígnios superiores da
criação divina.
Por fim, cabe ressaltar que as posições
sobre a homossexualidade foram as mais homogêneas entre os adolescentes,
indicando que os valores sociais existentes sobre tal prática encontrada forte
congruência tanto no interior dos segmentos sociais, quanto entre os sexos e
são reveladores da grande discriminação e repulsa a este tipo de opção sexual.
Vale considerar, no entanto, que a
homossexualidade vêm se tomando uma prática cada vez mais comum no interior das
sociedades modernas, e a despeito das resistências existentes, em alguns
países, já se começar a aceitar a formalização do casamento, com todas as
implicações legais advindas dele, movimento que igualmente se ensaia no Brasil.
A masturbação talvez seja uma das
práticas sexuais com maior transformação em termos de sua significação social e
moral. SUPLICY (1983) coloca que no começo do século XX, o ato de masturbar-se
era considerado perigosíssimo, devido a conseqüências bastante sérias tais como
cegueira, surdez, debilidade mental, loucura e outros desvarios
Mais tarde, a ela foi atribuída a
responsabilidade por espinhas, impotência e até mesmo esterilidade. O hábito de
masturbar-se constantemente poderia intervir nas relações sexuais, dificultando
o orgasmo para a mulher e causar fraqueza ou impotência precoce, para o homem.
Este caráter patológico, enfocado do ponto de vista biológico individual, deixa
de existir com o avanço do conhecimento científico, mas dá lugar a uma nova
forma de repressão, agora social, por reprimir o ato masturbatório
através da criação de sentimentos ligados a vergonha e culpa, identificando com
uma coisa feia e pecaminosa e que, portanto, deveria ser proibida para as
crianças e abandonada pelos adultos na medida em que se tomassem mais maduros.
Foi curioso observamos, dentre os
depoimentos dos adolescentes pesquisados, discursos representando riscos ao
abuso de tal prática ou ainda, possibilidades de emergência de problemas de
natureza biológica. O que parece significar resquícios dessas antigas crenças
ainda presentes no imaginário do jovem contemporâneo.
"Ah!
Tem uma idade que é excessiva, né, não sai do
banheiro, aí chega as espinhas, porque essas espinhas
aqui tão meio estranhas aqui, aí chega outro e fala: sua mão tá cheia de pêlo,
assim Ne, sua mão tá cheia de pêlo, seu pau tá em carne viva Ne, bem assim,
você não sai do banheiro, este monte de revista, o que é isso (risada), tem
essa metade também Ne, então é importante "(Bento/15 anos).
No entanto, o fato é que, anualmente, a
masturbação tende a ser vista como fazendo parte do processo de modernização
dos comportamentos sociais, como umas das formas de expressão sexual do ser
humano, constituindo-se numa conduta saudável no processo de desenvolvimento
sexual da criança e do adolescente. É concebida como um exercício para o
conhecimento do próprio como, sofrendo profundas mudanças em termos de
significação psicossocial, em decorrência das quais a noção de doença ou pecado
se desloca para constituir-se num processo de auto-conhecimento
do corpo. Transcende ainda, a esta auto-percepção
corporal, pois, não passa a ser uma prática aceita somente no período da
infância ou da adolescência mas também como forma de busca do prazer
independente da idade, o que também desmistifica o caráter naturalizado a ela
atribuído de "normal ou anormal''.
RODRIGUES Jr. (1993) assevera que a
manipulação dos genitais com o objetivo de se obter prazer, apesar de todos os
mitos que a cercam, era permitida para o sexo masculino e, muitas vezes, foi
uma prática exercida em grupo, como forma de competição para se verificar quem ejaculava
mais rápido. Para as meninas, no entanto, sempre houve uma enorme repressão a
qualquer ato que pudesse ser associado a masturbação.
A partir dos movimentos feministas, a mulher passa a reivindicar também o
direito de conhecer o seu próprio corpo, dos seus potenciais e a torna de
expressão da sua sexualidade.
A expressão de tal mudança ficou
evidenciada na maioria dos depoimentos dos adolescentes entrevistados no
interior dos quais a masturbação é identificada como fazendo parte tanto do
processo de auto-conhecimento, quanto da busca pelo
prazer independente do sexo ou segmento social. Os adolescentes verbalizaram,
sem nenhum constrangimento, que a masturbação faz ou já fez parte do seu
cotidiano, possibilitando a descoberta e conhecimento do seu corpo. É
representada como um estágio preparatório para o início da atividade sexual.
Este aprendizado apresenta importante significação, pois demonstra que o
adolescente percebe a cobrança excessiva que atualmente é feita para que haja
um bom desempenho sexual nas relações afetivas e, para tanto, a masturbação
assume um papel fundamental neste processo de socialização para a sexualidade
não só na adolescência, mas também na futura vida adulta.
LEITENBERG et al. (1993), no entanto,
colocam que não existe evidências empíricas da mudança do
comportamento masturbatório, durante a
adolescência, sobretudo no caso da mulher, pois, em seu estudo com uma amostra
de 280 adolescentes voluntários da Universidade do Estado de New England, em 1988, observaram
que 81% dos adolescentes masculinos e 45% dos femininos relataram masturbar-se
sendo com a freqüência foi três vezes maior para o sexo masculino. Tais dados
demonstram, segundo os autores, que a masturbação trata-se ainda de uma prática
exercida mais pelo sexo masculino, apesar de nas gerações femininas mais
recentes este percentual ter aumentado em relação a gerações anteriores.
Concluem que, a despeito das mudanças sociais ocorridas que encorajam a mulher
a ter uma maior percepção da sua própria sexualidade, a masturbação não tem
alterado este processo de socialização.
O ponto chave da questão parece
referir-se ao fato de que, apesar dos valores sociais sobre a masturbação terem
mudado radicalmente, deixando de ter a conotação de pecado ou doença ela ainda
é mais facilmente incorporada pelos homens, uma vez que para a mulher tal
prática implica romper limitações bastante arraigadas
de bloqueios relacionados ao toque em seu próprio corpo, por carregar
sentimento de vergonha ou culpa, pelo reconhecimento de seu gosto pelo prazer.
"Não
acho normal [a masturbação], como as pessoas pensam, ah! eu vou me masturbar
ficar tocando no meu corpo, pra ficar sentindo prazer sozinha, eu não acho
legal"(Amélia/ 17 anos).
Outro fato a ser apontado é a crença
ainda presente, no imaginário feminino, de que a satisfação afetiva e sexual da
mulher só se realiza a partir do relacionamento como sexo masculino e,
consequentemente, o prazer da mulher só ocorre a partir dos carinhos e do
próprio papel ativo da penetração no ato sexual. Simbolicamente faz parte do
papel masculino proporcionar o prazer à mulher tendo, portanto, a obrigação de
realizá-la e para tal, cabe a ele tocar e acariciar o corpo feminino
A masturbação também é vista como forma de satisfação sexual substituta do ato sexual propriamente
dito. O desejo de ficar com alguém e as fantasias sexuais aumentam e,
como coloca LOYOLA & CAVALCANTE (1989), a masturbação atende às
necessidades de alívio e de tensão sexual, sem o compromisso do desempenho.
Para o adolescente, no entanto, ela pode representar dois
mecanismos distintos de relacionamento afetivo posterior, ou seja, vai
oferecer uma condição segura para a experimentação sexual, pois propicia um
domínio da auto-percepção corporal ou pode ocultar uma insegurança de se
relacionar com o outro, em razão de bloqueios em assumir concretamente um
relacionamento afetivo pelo temor de se aproximar ou declarar sua intenção,
pelo próprio medo de fazer carícias no outro e não ser desejado ou ser
rejeitado.
Segundo SUPLICY (1993), a "naturalidade”
do ato de masturbar-se é vista eminentemente como uma forma de expressão da
sexualidade, centrada na adolescência. Ela pode representar a busca da
descoberta do prazer e auto-conhecimento do como,
desde que nesta fase da vida. Associa-se a masturbação na fase adulta o
processo de individuação nas relações afetivas, isto é, a insegurança de se
aproximar do outro na adolescência se prolongaria a ponto de dificultar que o
indivíduo adulto possa ter relacionamentos maduros e saudáveis. Nessa perspectiva,
não é identificada como uma maneira a mais de se relacionar consigo mesmo ou
com o parceiro, pois é vista como um mecanismo de prazer solitário, não fazendo
parte do relacionamento afetivo a dois.
A erotização
dos meios de comunicação vem contribuindo de maneira acentuada para a
modificação do comportamento sexual das pessoas, independente da idade ou
classe social. Para SIMONETTI (1993), as opiniões divergem sobre o culto a erotização promovido principalmente pela televisão. Isto
porque, para a autora, tanto há a possibilidade das crianças passarem a
conviver com uma sexualidade menos reprimida, menos sublimada e até aprender
lições capazes de melhorar a qualidade das relações pessoais, como o fato da erotização "doentia", que invade os lares mesmo
nos horários acessíveis a esta população, estar incitando uma sexualidade
precoce ou "transgressora".
A questão básica é que, independente da
linha de pensamento que se compartilhe, é inegável que os conteúdos dos
programas televisivos ou reportagens de jornais e revistas voltados para a
questão sexual produzem um estímulo ao comportamento do jovem em relação a sua
sexualidade, pois o efeito visual dos meios de comunicação propicia o contato
com o próprio corpo, a identificação do prazer e, consequentemente, as
primeiras manifestações sexuais, dentre as quais o processo de masturbação que
está intrinsecamente ligado. Esse fenômeno pôde ser observado nos três
segmentos sociais estudados o que reforça a idéia de que a mídia tem um papel
preponderante na homogeinização do comportamento
adolescente.
Se por um lado, pudemos observar que a
homossexualidade ainda se reveste de preconceitos pelas dificuldades da
sociedade em lidar com as questões que envolve tal
prática, a masturbação parece ter sofrido uma mudança substantiva em sua
conceituação sendo, para a população adolescente entrevistada, mais permissiva
e aceita no processo de desenvolvimento vivido na adolescência.
Para o grupo analisado, estas questões
imbricam-se, em nível do discurso proferido, de tal forma que é quase
imperceptível a identificação de qualquer
diferenciação entre os valores sociais relacionados a essas duas práticas,
havendo uma enorme proximidade de pensamento nas categorias analisadas –
segmento social e sexo.
Considerações
finais
A adolescência, para o conjunto de
estudantes entrevistados, independentemente do segmento social e sexo,
apresenta-se como um "sentimento" vivido por todos, representado por
um conjunto de identificações, indicadoras da existência de uma identidade
própria por conter, em seu conteúdo, especificidades marcadamente
características e diferenciadoras do momento de vida adolescente, daquelas
relativas a infância e a idade adulta.
Como característica básica a adolescência foi representada como uma fase onde há uma frenética
busca pelos prazeres da vida, na qual a diversão é significada por todos como
importante elemento de identificação da identidade adolescente; representada,
assim, como um momento único da vida em que todos precisam viver intensamente
todas as experiências que tal fase possa proporcionar.
A assunção de poucas ou nenhuma
responsabilidade foi identificada também como uma das características típicas
da adolescência. Mesmo para os jovens que já trabalham, as atividades
ocupacionais não são assumidas com empenho, por não serem tomadas como próprias
dessa fase. São, assim, consideradas uma das formas de propiciar, a despeito de
diferentes significações para os diferentes segmentos sociais, acesso a diversão, ao consumo de produtos identificadores da mesma,
como a moda, bem como, notadamente no segmento social A, à busca de certa
autonomia em relação aos pais.
O estudo foi representado como a
principal atribuição da adolescência, independentemente de sexo e de segmento
social. Talvez por se tratar de um grupo de adolescentes estudantes tal fato
assume significado relevante e estreitamente ligado ao projeto de vida do
adolescente, por conter a identificação de que é através dele que se pode
manter o status social existente, no
caso do segmento social A, ou a possibilidade de ascensão social para os demais
segmentos sociais. Para a mulher, apresenta significação peculiar pela
identificação da profissionalização como elemento fundamental da construção da
nova identidade feminina, o que passa a re-significar seu exclusivo papel
tradicional de mãe e de esposa, redimensionando as relações de gênero na
sociedade moderna
A gravidez na adolescência foi
representada como incompatível com a identidade adolescente significando
elemento momentâneo de interrupção desta identidade. Vale considerar, no
entanto, a especificidade do grupo investigado, uma vez que, por serem
estudantes, a perspectiva da existência de um projeto devida, onde a profissão
seja valorizada, adquire sentido social.
A importância da sexualidade na formação
da identidade adolescente foi representada, em nível do discurso, por
diferentes ordens de manifestações, uma vez que através dela ampliam-se as possibilidades de novas significações e identificações,
permitindo que o adolescente se reconheça como tal.
Assim é que o corpo foi representado como
importante elo de ligação entre os adolescentes, sendo que o
padrão de beleza imposto pela mídia através do biotipo
padrão da mulher - magra, alta e esguia e do homem - forte, com massa muscular,
influencia na auto-estima do adolescente, assim como a forma de se relacionar
com amigos/amigas, namorados/namoradas, "paqueras", tanto no interior
do grupo de pares, quanto nas relações de gênero.
Na configuração das relações de gênero
emergentes na adolescência, a identificação dos papéis feminino e masculino
apresentou-se marcadamente determinada pelas relações sociais inerentes ao
sistema patriarcal, ainda vigentes na moderna sociedade
paulistana. São especialmente perceptíveis nas diferentes concepções
presentes em relação ao "ficar" e ao namorar, para cada sexo, onde a
preocupação com o controle da sexualidade feminina ainda manifesta-se nos
moldes tradicionais das relações de gênero.
A menarca e a ejacularca
tem representações opostas como demarcadores sociais da percepção da entrada na
adolescência. Enquanto a menarca é identificada como um rito de passagem da
menina para a mulher adolescente, portanto, como uma mudança de status e daí para o controle da
sexualidade feminina pelas possibilidades de reprodução, o mesmo não ocorre com
a ejacularca. No entanto, a possibilidade de
ejaculação daí decorrente adquire forte significação como identificadora do
poder de virilidade masculina assim como da tradicional colocação de seu
"poder" frente a mulher.
Dentre os adolescentes pesquisados, a
virgindade não se apresenta mais como condição necessária para o casamento é,
no entanto, ainda valorizada pela família da adolescente e, de maneira velada,
por adolescentes masculinos do segmento social C. Porém, o número de parceiros
que possam existir após o início da atividade sexual foi ainda representado de
forma diferenciada para ambos os sexos, sendo aceito
com naturalidade, estimulado e valorizado para o sexo masculino, enquanto que
para o sexo feminino é, ainda, cercado de preconceito.
Os jovens estão realizando cada vez mais
precocemente sua iniciação sexual com parceiros de idades similares, o que
parece indicar a transformação do antigo padrão vigente na sociedade brasileira
do adolescente masculino ser iniciado por mulheres mais velhas ou prostitutas e
as mulheres, com seus maridos ou companheiros.
A primeira relação sexual foi
representada de forma diferenciada para os adolescentes sendo, para a mulher,
identificada como um acontecimento especial, idealmente esperado como
decorrência da existência de um vínculo afetivo. Para o jovem, sua
identificação, à semelhança da menarca para a menina, parece consistir num
verdadeiro rito de passagem por representar a obtenção do atestado de
virilidade masculina e sua busca de afirmação no interior das relações de
gênero.
Duas categorias de medo poderiam ser
destacadas como estruturantes das primeiras relações sexuais:
- para a adolescente, o medo da dor
parece ocultar o medo de ser abandonada pelo parceiro após o intercurso sexual;
- para o adolescente, o medo de falhar é
identificado com o temor de ser associado a ausência
de virilidade.
A maioria dos jovens entrevistados
tiveram a sua primeira relação sexual na sua própria casa, na casa do parceiro(a), de parentes próximos ou de amigos, demonstrando que a
eterna vigilância da família em relação aos passeios externos dos adolescentes
não influencia a decisão e o momento de ter, ou não, relações sexuais.
Os jovens, na sua maioria, demonstraram
conhecer basicamente dois métodos contraceptivos, a pílula e o condom, não implicando tal conhecimento no uso dos mesmos
como preventivo da gravidez ou de doenças sexualmente transmissíveis.
Não somente a dificuldade de prever ou
planejar a primeira relação sexual, mas sobretudo a ansiedade característica da
mesma, é apontada pelos jovens como dificultador na
utilização de métodos contraceptivos, sobretudo a camisinha. A ocorrência das
demais relações, por serem esporádicas, normalmente em local improvisado e na
casa de familiares ou amigos, não são igualmente passíveis de serem previstas,
e, à semelhança da primeira relação, freqüentemente rápidas, acabam por
dificultar a utilização de métodos contraceptivos.
A relutância da família na aceitação da
iniciação sexual feminina precoce e desvinculada do casamento, e mesmo a
"recusa" em reconhecer sua presença marcante na sociedade moderna,
dificulta a prevenção da gravidez na adolescência pela ausência de busca de
orientação médica especializada para a utilização de métodos contraceptivos adequados.
A disseminação da AIDS e sua divulgação
nos meios de comunicação têm favorecido o conhecimento sobre a importância do
uso do condom passando, tal prática, a ser uma
preocupação do adolescente, como forma de evitar o contágio da doença. No
entanto, o discurso adolescente não reconhece sua relevância como prevenção de
outras doenças sexualmente transmissíveis e mesmo da própria gravidez.
O significado social atribuído a gravidez na adolescência está relacionado não ao fato em
si, mas sobretudo ao rompimento do padrão tradicional de família e presença de
filhos ilegítimos que possam surgir das relações pré-martais.
Frente a ocorrência de uma gravidez indesejada, a realização do aborto foi a primeira solução mencionada. Porém, a decisão em realizá-lo pareceu depender do tipo de relação afetiva existente entre o casal apresentando, inclusive, significações diferentes para os vários segmentos sociais.
Apesar do homossexualismo ser
considerado, pela maioria dos adolescentes entrevistados, como prática usual na
adolescência, experiências sexuais desta natureza foram negadas por todos e a
opção pela homossexualidade, em contraposição a
heterossexualidade, foi discriminada no âmbito dos discursos, em diferentes
graus e significações.
A masturbação foi representada como uma
prática normal, desde que seja praticada na adolescência, sendo caracterizada
como uma busca pelo individual e auto-conhecimento
corporal, além de manifestação positiva da sexualidade.
Diante da riqueza de significações
presentes no discurso dos adolescentes, de ambos os sexos e de diferentes
segmentos sociais, pudemos observar que refletir sobre temas ligados ao
universo da adolescência como a construção da identidade, a configuração das
relações emergentes de gênero e relações com a manifestação da sexualidade
significou, no presente trabalho, penetrar no imaginário de sujeitos sociais
onde valores tradicionais e modernos convivem de maneira aparentemente ambígua,
configurando novas relações sociais reveladoras do amplo processo de mudança
que caracteriza o ser adolescente hoje, em sua especificidade.
É neste sentido que longe de fechar
questões acerca do tema consideramos que o presente trabalho permite demonstrar
a fertilidade com que se depara o investigador que pretenda mergulhar nesse
rico universo de significações.
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Notas
[*] Este trabalho consiste em uma versão resumida da
Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Saúde Pública da USP -1997.
[1] Técnica do Centro Nacional de Epidemiologia da Fundação
Nacional Saúde/MS.
[2] Profa. Dra. do Departamento de Saúde Materno-Infantil da
Faculdade de Saúde Pública/USP. End.: Av. Dr. Arnaldo, 715, 2° andar Sala 218 -
São Paulo-SP CEP: 01246-904. Tel. : 3066-7702 e 7703.
[3] A referida investigação, sob a coordenação de Albertina
Duarte Takiuti, Coordenadora do Grupo de Atenção à
Saúde do Adolescente, encontra-se em fase de tratamento e análise dos dados.
[4]
Definição dada pelo Jornalista Marcelo Leite, na Folha de São Paulo, de
13/10/96.
Fonte
DOMINGUES, C. M. A. S. ; ALVARENGA, A. T.
Identidade e Sexualidade no Discurso Adolescente. Rev. Bras. Cres. Desenv. Hum., São Paulo, 7
(2), 1997.