EXMO.
SR. DR. JUÍZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE CARIACICA
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo, no uso de suas atribuições legais, vêm a presença deste Juízo, com fulcro no art. 201, incisos VII, X, e XI do Estatuto da Criança e do Adolescente, e na forma do art. 191 e seguintes do mesmo diploma legal, propor
na entidade governamental de atendimento UNAED – Unidade de Atendimento
Especializado ao Deficiente, órgão integrante do ICAES, Instituto da Criança e
do Adolescente do Espírito Santo, vinculado à Secretaria Estadual de Justiça,
situada à Rodovia José Sette, km 2, Bairro São João
Batista, Cariacica – ES, dirigida pela Sra. Carmem Borgo, pelos seguintes fatos e fundamentos jurídicos:
Dos fatos
e fundamentos jurídicos
Apurou-se, em sindicância realizada pelo Ministério Público do Estado do Estado Espírito Santo, como se vê dos documentos anexos, que a UNAED – Unidade de Atendimento Especializado ao Deficiente não atende às exigências legais, princípios e obrigações estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ferindo, portanto, frontalmente, os direitos e garantias individuais e coletivos das crianças e dos adolescentes que ali encontram-se abrigados.
Dispõe a Lei nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias unidades assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de:
(...)
IV – abrigo;
(...)
Parágrafo único. As entidades governamentais e
não-governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando
os regimes de atendimento, na forma definida, junto ao Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das
inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e
á autoridade judiciária.”
“Art. 91 (...)
Parágrafo único. Será negado o registro à entidade
que:
a) não ofereça instalações físicas em condições
adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e
segurança;
b) não apresente plano de trabalho compatível
com os princípios desta Lei;
c) esteja irregularmente constituída;
(...).”
“Art. 92. As entidades que desenvolvem programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios:
II – integração em família substituta, quando
esgotados os recursos de manutenção na família de origem;
III – atendimento personalizado e em pequenos
grupos;
IV – desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
(…)
VII – preparação gradativa para o desligamento;
(…)”
“Art. 94. As entidades que
desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações:
(...)
III – oferecer atendimento personalizado, em pequenas
unidades e grupos reduzidos;
(...)
VI – comunicar à autoridade judiciária,
periodicamente, os casos que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos
vínculos familiares;
(...)
XIII – proceder a estudo social e pessoal de
cada caso;
(...)
XX – manter arquivo de anotações onde constem
data e circunstâncias do atendimento, nome do adolescente, seus pais ou
responsável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento da sua formação,
relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua identificação
e a individualização do atendimento.
§ 1º Aplicam-se, no que couber, as obrigações constantes deste artigo às entidades que mantêm programa de abrigo.” (grifei)
Através do Of. CONDCAC Nº 127/02 (documento 1 – anexo), informou o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Cariacica não encontrar-se a Unidade de Atendimento Especializado ao Deficiente regularmente ali inscrita.
Possuindo em seus quadros apenas 1 (um) profissional da área de Serviço Social, não realiza a Entidade estudo social e pessoal de cada caso.
Há de se observar, ainda, que a Entidade não possui plano de trabalho que, atendendo aos princípios estabelecidos no art. 92 e às obrigações fixadas no art. 94, ambos da Lei nº 8069/90, contemple procedimentos atinentes a:
1) a preservar os vínculos familiares;
2) a esgotar todos os recursos para a manutenção na família de origem, comunicando à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares;
3) a promover a integração em família substituta;
4) a dispensar atendimento personalizado aos abrigados;
5) a desenvolver atividades em regime de co-educação e profissionalização;
6) a propiciar atividades culturais, esportivas e de lazer;
7) a manter arquivo de anotações para a identificação pessoal do abrigado e a individualização de seu atendimento.
Em relatório, fruto de visita realizada pela Sra. Mara R. T. Altoé Filgueiras, Assistente Social, Assistente Técnicas do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude (documento 2 – anexo), concluiu-se que a Entidade “desnatura o caráter provisório/transitório previsto no Estatuto para as entidades de abrigo” dada a inexistência de quaisquer procedimentos tendentes a proporcionar o reatamento dos vínculos familiares e face a não comunicação à autoridade judiciária quando isto se tornar impossível, quando então serão adotadas as providências possíveis e necessárias à colocação de tal criança ou adolescente em uma família substituta.
Tal quadro nos leva ao fato de que a Entidade não atende exclusivamente a crianças e adolescentes, fazendo-o com relação a menores relativamente capazes de idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos, e até mesmo a adultos. Frize-se que muito desses adultos passaram a sua infância e adolescência institucionalizados.
Consta,
ainda, do mencionado relatório que “a entidade fere o disposto no art. 92,
III, do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que se refere ao atendimento
em pequenos grupos, pois que há um excesso considerável de internos, em prejuízo
do atendimento mais personalizado que cada um necessita”.
Estabelece o art. 97 da Lei nº 8069/90:
“ São
medidas aplicáveis ás entidades de atendimento que descumprirem obrigação
constante do art. 94, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus
dirigentes ou prepostos:
I – às entidades
governamentais:
a)
advertência;
b)
afastamento provisório de seus dirigentes;
c)
afastamento definitivo de seus dirigentes;
d)
fechamento de unidade ou interdição de programa”.
Do pedido
Diante do exposto, requer o Ministério Público do Estado do Espírito Santo:
1) a citação da Diretora da Unidade de Atendimento Especializado ao Deficiente Sra. Carmem Borgo e do Diretor do Instituto da Criança e do Adolescente do Estado do Espírito Santo para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, oferecer resposta, sob pena de confissão e revelia
2) a produção de todas as provas admitidas em lei e necessárias a evidenciar a veracidade dos fatos acima narrados, especialmente a documental, pericial, vistoria judicial, depoimento pessoal e testemunhal (rol oportunamente apresentado),
3) sejam afastadas as irregularidades apontadas estabelecendo-se os Representados além daquelas que, nos termos do art. 461 do CPC, se mostrarem cabíveis para assegurar o resultado prático equivalente, a obrigação de, no prazo de 90 (noventa) dias, proceder à necessária inscrição, no Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Cariacica, de programa de atendimento no qual seja previsto projeto pedagógico e plano de trabalho que atendam às exigências legais, e aos princípios e obrigações estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 90, 91, 92 e 94),
4) seja fixada multa diária no valor de R$ 1.000 (um mil reais) em caso de descumprimento de qualquer das obrigações eventualmente estabelecidas por esse Juízo, a ser solidariamente suportada pelas partes integrantes da lide;
Após o devido processo legal, requer o Parquet:
5) seja julgada procedente a presente ação, com a aplicação à Representada da medida prevista no art. 97, inciso I, letra “d” da lei nº 8069/90, qual seja, a de fechamento da Unidade, ou outras, que no curso da instrução, mostrem-se adequadas à superação das irregularidades apontadas, na forma do art. 461 do Código de Processo Civil.
Dá à causa o valor de R$ 10.000 (dez mil reais)
Nestes termos, aguarda deferimento.
Cariacica, 27 de novembro de 2002.
Promotora de Justiça