A GESTÃO ESCOLAR: UM CAMPO MINADO... ANÁLISE DAS
PROPOSTAS DE 11 MUNICÍPIOS BRASILEIROS*
Nora Krawczyk
Doutora em Educação. Faculdade de Educação, Unicamp. Professora no Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: História, Política e Sociedade, Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP.
Resumo: A tendência atual das reformas
educacionais, em curso nas últimas décadas, em vários países do mundo,
inclusive no Brasil, tem na gestão da educação e da escola um de seus pilares
de transformação. A posição hegemônica nessas reformas defende o início de uma
mudança radical na maneira de pensar e implementar a gestão dos sistemas
educativos concentrada, principalmente, na instituição escolar e sua autonomia.
Nesse sentido, uma das principais políticas educacionais no Brasil é a
descentralização educativa e a descentralização escolar. Esta última promove a
autogestão institucional. Pesquisas sobre as reformas educacionais feitas em
vários países indicam uma tendência à fragmentação do sistema educativo das
políticas de gestão em curso, sustentadas pelos conceitos de autonomia,
descentralização, flexibilidade, individualização, poder local, etc. Nesse
sentido, a construção de uma nova institucionalização democrática da escola não
se perfila como desafio ao novo modelo de gestão educacional hegemônico. Pelo
contrário, o desafio desse novo modelo define-se como a construção de uma nova
governabilidade - entendida de forma instrumental e, portanto, como um conteúdo
eminentemente normativo e pragmático (Fiori, 1995) - no interior do sistema
educativo e a contribuição da escola para a governabilidade de toda a
sociedade. Este artigo propõe-se analisar as propostas de política educacional
em gestão escolar dos governos de 11 municípios de diferentes regiões do país;
e discutir a racionalidade dessas novas formas de organização e gestão. A
análise das propostas de reforma da gestão escolar foi pautada pelo
questionamento que fazem à democracia, ao centralismo, à qualidade do ensino e
ao papel dos professores e dos outros atores educativos.
Palavras-chave: Reforma educativa, gestão escolar,
governabilidade
Desde o início da década de
1980 o tema da gestão da escola e sua autonomia vem ganhando
destaque merecido nos debates políticos e pedagógicos sobre a escola pública.
No quadro da luta pela construção de uma sociedade democrática, uma das grandes
vitórias das escolas no campo político-educativo foi a
conquista da liberdade de ação e de decisão em relação aos órgãos superiores da
administração e a maior participação da comunidade escolar nos espaços de poder
da escola, por meio de instâncias como os conselhos de escola.
No decorrer da década de
1980 aprofundou-se o processo de democratização política da sociedade
brasileira e aumentou a pressão para que o diretor revelasse sua face de
educador, chegando-se a questionar a direção da escola por um só indivíduo. Ao
longo desse processo, foi ganhando força a proposta de direção colegiada,
formada por representantes de todos os membros envolvidos no processo educativo
(Warde, 1992).
Mas o processo de
reconstrução democrática não foi o único nem o primeiro momento em que o tema
da gestão da escola foi ponto relevante no debate político-educacional. Em
décadas anteriores, durante a ditadura militar, quando a escola pública era
dominada, em quase todos os estados e municípios, por estruturas
administrativas centralizadas e burocratizadas, ganhou força a
reivindicação dos educadores pela autonomia escolar vinculada à necessidade de
experimentar alternativas pedagógicas - curriculares e didáticas - que
diminuíssem os altos índices de evasão e repetência na escola primária e a
deterioração da qualidade da escola pública em geral, sujeita a rituais,
arcaísmos e burocratismos das medidas administrativas. Nas décadas de 1950 e
1960, ganhou espaço a idéia da autonomia escolar e da liberdade dos educadores
para rebater a dominância de ações administrativas e intervenções políticas com
projetos alheios à realidade escolar.
Os argumentos que defendiam
a necessidade de uma gestão escolar autônoma como condição para melhorar a qualidade do ensino supunham, segundo estudos
realizados por Warde, a unidade escolar como o locus dessa melhoria: "é a unidade escolar que comporta as
possibilidades de aperfeiçoamento qualitativo do ensino, porque é nela que
podem ser realizadas experiências pedagógicas alternativas" (Warde, 1992).
Interrompidas essas iniciativas na década de 1970, os sistemas de ensino
viveram o apogeu do processo de centralização administrativa, apesar de
protegidos pela Lei no 5.692/71, que propugnava a autonomia
da escola e a descentralização administrativa no âmbito da educação, princípios
já registrados na Lei no 4.024/61.
A partir da década de 1980,
como dissemos, a gestão escolar volta à cena do debate político, mas agora no
contexto de reforma do Estado, tendo como um dos pontos principais a
descentralização. Supunha-se, por razões distintas, que as formas
descentralizadas de prestação de serviços públicos seriam mais democráticas,
fortalecendo e consolidando a democracia. Ao mesmo tempo, elevariam os níveis
reais de bem-estar da população. As reformas do Estado nessa direção seriam,
portanto, desejáveis, pois viabilizariam a concretização de idéias
progressistas como eqüidade, justiça social, redução do clientelismo e aumento
do controle social sobre o Estado.
Nos últimos 15 anos, a
discussão educacional no continente latino-americano vem sofrendo deslocamentos
importantes na direção do reforço à educação básica e, em especial, à sua
qualidade. As razões disso devem ser buscadas dentro da própria evolução dos
sistemas de educação em nível mundial, nas novas exigências que o sistema
produtivo impõe ao setor educacional e na forma como a discussão desencadeada
nos países centrais, nos últimos 20 anos, reflete-se nos periféricos. É nesse
contexto que, em meados da década de 1980, se apresentaram as
novas tendências relativas especialmente à gestão escolar e às medidas para
assegurar a qualidade do ensino.
As tendências atuais do
debate educacional expressam de maneira bem clara a mudança do cenário
socioeconômico dos últimos anos. Nesta última década do século a educação ganha
centralidade por estar diretamente associada ao processo de reconversão e
participação dos diferentes países em uma economia em crescente globalização.
Nesse quadro, a primazia da qualidade do ensino passou a integrar a agenda dos
políticos como meio para alcançar a competitividade da produção nacional no
mercado mundial e o desenvolvimento de uma cidadania apta a operar no mundo
globalizado.
Essas novas preocupações
implicam, entre outras coisas, a proposta de rearticular o sistema educativo
com os sistemas político e produtivo. A globalização dos mercados e o
desenvolvimento de novas tecnologias criaram a necessidade de dar um novo
significado à organização escolar para que a escola seja eficiente e
democrática no processo de formação do novo cidadão, o cidadão da era
globalizada.
Dessa forma, a redefinição
do papel do Estado na educação, sem suas funções dirigistas e centralizadoras,
tem buscado, segundo o discurso político-educacional mais visível, a criação de
condições para que as práticas inovadoras não sejam impedidas ou condenadas ao
fracasso pela burocratização nem pela tendência à rotina do aparelho estatal,
ao favorecimento da regulação à distância e ao incentivo à autonomia e
avaliação dos resultados. Uma vez redefinido o papel do Estado, as políticas
educativas devem voltar-se para a gestão institucional responsável - a
descentralização -, a profissionalização e o desempenho dos educadores, o
compromisso financeiro da sociedade com a educação, a capacidade e o esforço
científico-tecnológico e a cooperação regional e internacional.
Segundo essa perspectiva, as
mudanças propostas poderiam colocar o sistema público sob a pressão da
competição e encorajar sua reestruturação, diferenciação, flexibilização e
especialização. Essa solução apresenta-se como mais democrática do que a
utilização de recursos para promover a educação formal que, em virtude de sua
ineficiência em termos de aprendizagem real, aprofunda as desigualdades.
No interior
do debate político-educacional, intelectuais e políticos críticos
alertam para as inconsistências e suposições do potencial democrático das
tendências que o Estado tem demonstrado neste fim de século em relação à
educação e às conseqüentes implicações dessas tendências nos modelos de gestão
escolar em curso. Nesse sentido, a década de 1990, fase em que a lógica de
mercado e seu caráter de seletividade tendem a ser institucionalizados,
omite uma realidade social na qual a desigualdade está profundamente arraigada.
Em contrapartida, gerou-se um debate sobre a necessidade de se firmar um acordo
amplo entre os vários setores sociais para que sejam efetuadas reformas estruturais
nas instituições sociais e políticas. No caso da educação pública, isso implica
um novo modelo de gestão que tem como proposta reestruturar o sistema por
intermédio da descentralização financeira e administrativa, dar autonomia às
instituições escolares e responsabilizá-las pelos resultados educativos. A
inovação vem acompanhada de políticas voltadas para a compensação das
desigualdades extremas.
Esse embate se expressou,
entre outros espaços, nos longos debates entre diversos setores e entidades da
sociedade civil e em negociações com o Congresso Nacional que antecederam à
promulgação, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases, Lei no
9394/96 - LDB. As mudanças propostas e definidas na legislação acompanham a
tendência hegemônica mundial anteriormente explicitada e destacam três aspectos
principais: descentralização administrativa, participação da sociedade civil e
autonomia crescente dos sistemas e das escolas públicas.
Hoje não é difícil obter o
consenso sobre a necessidade de transformar as estruturas e dinâmicas da gestão
das escolas para que elas recuperem a capacidade de transmitir uma cultura
significativa e contribuam para recriar e desenvolver a capacidade de alcançar
eficácia financeira e democratização política.
No entanto, entramos num
terreno pantanoso quando tentamos discutir a necessidade de a escola recuperar
sua autoridade cultural, sem a qual não terá força suficiente para atender à
exigência de contribuir para a formação dos agentes de uma economia marcada
pela competitividade implacável e de uma sociedade civil comprometida com a
gestão democrática de sua política.
As políticas de
descentralização dominantes estimulam a revisão dos conteúdos escolares para
adequá-los aos novos conhecimentos científicos e tecnológicos e mantê-los
sensíveis aos problemas da sociedade contemporânea. Vinculado a isso, propõe-se
também uma renovação metodológica e o fortalecimento das relações da escola com
seu meio social imediato.
Mas quando falamos de gestão
da escola, não estamos pensando apenas em uma determinada organização e na
racionalização do trabalho escolar para alcançar determinados resultados, ou
seja, na produção institucional da escola (Paro, 1997). Referimo-nos também a
uma renovação dos dispositivos de controle que garantam níveis mais altos de
governabilidade. Em outras palavras, estamos nos referindo às relações de poder
no interior do sistema educativo e da instituição escolar e ao caráter
regulador do Estado e da sociedade no âmbito educacional. As expectativas
oficiais em relação às mudanças da gestão do sistema e da instituição escolar,
para o conjunto de estratégias de desenvolvimento e governabilidade social e
educacional, evidenciam as relações contidas na gestão escolar.
Queremos chamar a atenção
para o importante papel articulador da gestão escolar entre as metas e os
delineamentos político-educacionais e sua concretização na atividade escolar.
Portanto, é possível pensar a gestão escolar como um espaço privilegiado de
encontro entre o Estado e a sociedade civil na escola.
Assim, é limitado
compreender a gestão escolar apenas como responsável pela realização eficiente
dos objetivos institucionais da escola. Sua decomposição em diferentes âmbitos
de atuação, o financeiro, o administrativo e o pedagógico, pode ser útil do
ponto de vista analítico, mas fragmenta o complexo processo dessa gestão.
Corre-se o risco de não visualizar a influência da gestão escolar nos
diferentes aspectos que constituem o cotidiano da escola e a instituição em sua
totalidade.
Há uma vasta literatura que
discute a estreiteza da visão economicista da gestão escolar que a reduz a uma
atividade administrativa. Das diferentes perspectivas de análise, tenta-se
resgatar a especificidade da instituição escolar e a necessidade de entender a
gestão escolar com base em seus fins pedagógicos. No campo da pesquisa sobre a
administração escolar - sendo administração definida como a utilização racional
dos recursos para a realização de determinados fins -, destaca-se a necessidade
de fazer penetrar os objetivos pedagógicos nas formas de alcançá-los.
No campo da sociologia da
educação e das análises do cotidiano escolar aparece, de forma cada vez mais
clara, o caráter primordial da trama organizativa da escola - tradicionalmente
localizada no âmbito administrativo - na gestão pedagógica e nas condições do
trabalho docente (Ezpeleta, 1992; Ball, 1993).
"Ainda que a distância entre toda norma e sua possibilidade de
realização seja previsível, no devenir cotidiano da escola participam, também,
prescrições de diferentes ordens (no mínimo de origem administrativa, laboral e
curricular) que operam simultaneamente" (Ezpeleta 1992, p. 105). Em outras
palavras, as escolas não são uma continuação natural da ordem normativa na
prática, mas realidades complexas organizadas em torno dessa ordem.
Além disso, a gestão escolar
não se esgota no âmbito da escola. Ela está estreitamente vinculada à gestão do
sistema educativo. A instituição escolar, através de sua prática,
"traduz" a norma que define uma modalidade político-institucional a
ser adotada para o trabalho na escola. Essa norma - que afeta a prática escolar
e, ao mesmo tempo, é afetada por ela - faz parte de uma definição
político-educativa mais ampla de organização e financiamento do sistema educativo.
Essa perspectiva de análise nos permite diferenciar, pelo menos, três
instâncias na constituição da gestão escolar: a normativa, as relações e
práticas na escola e a gestão escolar concreta.
Vimos que a posição
hegemônica nas reformas educativas em curso nas últimas décadas, em várias
partes do mundo, inclusive no Brasil, defende o início de uma mudança radical
na maneira de pensar e implementar a gestão dos sistemas educativos
concentrada, principalmente, na instituição escolar e sua autonomia. O discurso
da reforma elege a escola como o espaço central das políticas para melhorar a
qualidade do ensino. A importância outorgada à escola faz referência a uma
identidade institucional como unidade de ensino e trabalho.
Acredita-se que o estreito
vínculo entre os objetivos escolares e a produtividade empresarial faz com que
a escola se assemelhe à empresa: os fatores do processo educativo são vistos
como insumos, e a eficiência e as taxas de retorno, como critérios fundamentais
de decisão. O processo educativo e a tarefa do professor submetem-se cada vez
mais à lógica de produção material e de competição do mercado (Mezomo, 1997).
O novo modelo de gestão
escolar faz questão de propor a construção de instituições autônomas com
capacidade de tomar decisões, elaborar projetos institucionais vinculados às
necessidades e aos interesses de sua comunidade, administrar de forma adequada
os recursos materiais e escolher as estratégias que lhe permitam chegar aos
resultados desejados e que, em seguida, serão avaliados pelas autoridades
centrais[1]. De fato, o dado mais
intrincado da proposta é a avaliação externa dos resultados por meio de testes,
em vez dos mecanismos burocráticos do sistema, como o mecanismo de integração e
unidade do sistema educativo.
A busca da autonomia escolar
é fundamentada em duas perspectivas distintas que expressam problemas
diferentes que se pretende solucionar (Tiramonti, 1997; Furlán et al., 1992). A primeira delas recupera
a racionalidade proveniente do liberalismo clássico e associa autonomia com
liberdade. Ou seja, a gestão autônoma é aquela que está isenta da intervenção e
do controle do poder político, sendo dirigida pela consciência individual ou da
instituição. A gestão escolar, entendida como sinônimo
de administração de uma organização que persegue determinados fins, associa-se
imediatamente à imagem de uma empresa e evoca a figura do diretor,
principalmente, como gestor do funcionamento da escola.
A segunda é uma perspectiva
ecológica cuja idéia de autonomia se constrói como sinônimo de
auto-organização, indissociável da idéia de dependência ecológica do meio
ambiente. Nesse caso, convoca-se a participação coletiva dos diferentes atores
educativos nos processos de planejamento e na avaliação do funcionamento da
escola.
A construção da identidade
institucional de cada escola será, então, resultado da organização autônoma do
corpo burocrático estreitamente vinculado aos interesses da comunidade. Por
exemplo, ao discutir a influência ou não do caráter público ou privado das instituições
de ensino na aprendizagem de alunos dos setores "menos favorecidos
economicamente", Tedesco afirma que o bom desempenho desses alunos não
depende do caráter das instituições, mas da dinâmica delas. Ou seja, da maior
ou menor identidade institucional, associada ao grau de autonomia dos
estabelecimentos para definir os estilos de ação pedagógica (Tedesco, 1998).[2]
A tendência atual das
reformas educativas, que têm na gestão um de seus pilares, muda a natureza da
escola como organização. Uma série de questões próprias do âmbito da cultura
passa a ser formulada e tratada com a mesma teoria e a mesma metodologia da
economia de mercado. A preocupação com a identidade moral e cultural passa a
ser substituída pelo imperativo da eficácia. Faz-se um tratamento desse
conceito como integrante de um conjunto de questões neutras e técnicas, em vez
de vinculá-lo a interesses concretos (Ball, 1993).
Essas reformulações
tornam-se ainda mais controvertidas quando se leva em conta que são produzidas
sobre as bases de uma crise estrutural do sistema educativo. Nas últimas
décadas, os sistemas educativos de vários países sofreram um excesso de
burocratização e rotinização da prática escolar e deixaram de responder às
demandas sociais. Inversamente à educação formal, os meios de comunicação de
massa e as instituições de formação particulares ganham prestígio cada vez
maior como portadores de conteúdos significativos para a socialização.
É possível que a instituição
escolar venha a ser uma "empresa escolar" e o sistema educativo, uma
rede de escolas. Nesse caso, temos de estar cientes do processo de
transformação da identidade institucional da escola que atinge também seu
caráter público e democrático. Pesquisas sobre as reformas educacionais feitas
em vários países indicam uma tendência à fragmentação do sistema educativo
decorrente das políticas de gestão em curso, sustentadas pelos conceitos de
autonomia, descentralização, flexibilidade, individualização, poder local etc. (Frigotto, 1995; Pereyra et al., 1996).
A construção de uma nova
institucionalização democrática da escola não se perfila como desafio ao novo
modelo hegemônico de gestão educacional. Pelo contrário, seu desafio define-se
como a construção de uma nova governabilidade - entendida de forma instrumental
e, portanto, com um conteúdo eminentemente normativo e pragmático (Fiori, 1995)
-, no interior do sistema educativo, e a contribuição da escola para a
governabilidade de toda a sociedade. Os conceitos de
"governabilidade" e "reformas estruturais" são definidos
cada vez mais, como diz Fiori, de forma circular (1995). Ambos passaram a ser
categorias estratégicas destinadas à consolidação de uma nova forma de
articulação, ancorada na demanda, entre o sistema educativo e os sistemas
produtivo e político.
A preocupação com a
governabilidade e sua associação com modernização e desenvolvimento econômico
substituiu o otimismo desenvolvimentista dos anos 50, que acreditava na
associação necessária e irreversível do desenvolvimento econômico com a
construção democrática dos países em desenvolvimento[3].
"(...) a idéia de desenvolvimento político deixa de ter um signo
necessariamente positivo e o foco central das preocupações práticas passa do
problema da 'construção democrática' para o da 'estabilidade política' ou, mais
precisamente, da 'preservação da ordem' ou da 'governabilidade'" (Fiori,
1995, p. 158). Sem dúvida, o tema da gestão escolar no atual debate educativo
no Brasil traz à cena diferentes aspectos das velhas e das novas reivindicações
pela autonomia escolar. É melhor supor um quadro de embate entre as diferentes
concepções de educação.
Passemos agora à análise das
propostas de gestão escolar implementadas por um
conjunto de municípios como parte de uma reforma educacional mais ampla,
discutindo a racionalidade dessas novas formas de organização e gestão. Esta
análise foi pautada pelo questionamento que fazem à democracia, ao centralismo,
à qualidade do ensino e ao papel dos professores e dos outros atores
educativos.
Com base nas propostas dos
municípios não foi possível inferir sua abrangência nem as conseqüências nas
escolas, mas sem dúvida elas nos permitiram fazer um apanhado das tendências
político-educativas hoje em curso.
Os municípios analisados
foram: Icapuí, Iguatu e Júcas no Ceará, Jaboatão dos Guararapes e Recife em
Pernambuco, Itabuna na Bahia, Belo Horizonte em Minas Gerais, Resende no Rio de
Janeiro, Porto Alegre e Ijuí no Rio Grande do Sul, e, finalmente, Cuiabá, no
estado de Mato Grosso[4]. Como vemos, os
municípios variam muito entre si. Há municípios muito pequenos, outros médios e
quatro capitais de estado. O custo por aluno e o desempenho dos sistemas
educativos municipais também são bastante diferentes. As propostas em questão
pertencem às prefeituras da gestão 93-96 e, dentre os municípios pesquisados,
estão cinco administrados pelo mesmo partido político há duas gestões.
A lógica, os princípios e os
valores que subjazem às novas propostas de gestão escolar devem ser entendidos
no cenário de um novo desenho do papel do Estado, suas novas funções e
responsabilidades. Por isso, o estudo pretendeu abranger dois aspectos das
propostas: por um lado, a articulação entre governo municipal e instituição
escolar dentro do sistema educativo; por outro, a organização da instituição
escolar.
Articulação entre governo
municipal e instituição escolar
Para o estudo da articulação
entre governo municipal e instituição escolar e da articulação no interior do
sistema educativo foram identificados os objetivos da política educacional dos
municípios, os princípios norteadores da gestão político-educativa dos governos
municipais, as inovações na estrutura administrativa dos órgãos centrais de
gestão educativa, as atribuições e responsabilidades da Secretaria de Educação
Municipal e os canais de comunicação entre as instituições escolares.
Para compreender a proposta
de gestão escolar elaborada pelos municípios citados é importante prestar
atenção tanto no que ela significa dentro da política educacional global do
município quanto no seu conteúdo específico. Para isso indicaremos alguns
aspectos diretamente vinculados ao nosso objeto de estudo.
Todas as prefeituras
visitadas reconhecem as más condições de trabalho dos professores, sejam
acadêmicas ou profissionais, e propõem-se mudar a situação.
Veremos mais adiante, no âmbito das medidas político-educativas, como a
situação dos docentes se relaciona com a gestão escolar.
É importante salientar que
em quase todos os municípios estudados existe uma preocupação com a
democratização da gestão escolar. Porém, esta não está necessariamente ligada a
objetivos como a descentralização dos espaços de decisão, a eqüidade do sistema
educativo ou a definição de uma nova concepção de educação e cultura escolar.
Os motivos são vários. Ao longo do estudo das diferentes propostas de gestão
escolar analisaremos a relação entre o conteúdo das propostas e outros
objetivos da política educacional do município.
Somente as prefeituras de
Belo Horizonte, Cuiabá, Porto Alegre, Recife e Itabuna têm como objetivo
definir uma nova concepção de educação e de cultura escolar que enquadrem as
medidas político-educativas. Nesse sentido, encontramos nesses municípios as
diretrizes gerais e explicativas do conjunto de medidas político-educativas
para o modelo de gestão escolar proposto.
A Secretaria de Educação de
Belo Horizonte pretendeu elaborar, através do Projeto Escola Plural, "as diretrizes gerais da política para toda a
rede municipal", definiu estratégias que introduziram uma nova concepção
de educação voltada para a modificação da cultura escolar e para minimizar
comportamentos institucionais que levem à exclusão das classes populares.
De sua parte, a Secretaria
de Educação de Cuiabá teve como objetivo criar uma nova "cultura escolar e
organizacional", baseada nos princípios do modelo de Qualidade Total.
Nessa nova cultura organizacional, o aluno é o centro das atenções na escola,
ou seja, a escola existe para que o aluno aprenda. Portanto, se o aluno não
está aprendendo, certamente o problema está na escola, em seus processos,
organização e funcionamento. É importante que todos os que trabalham na escola
- do vigia ao diretor - saibam que o sucesso do aluno depende da escola e o
sucesso da escola depende das propostas e dos projetos que ela identifica como
necessários para operacionalizar uma proposta pedagógica.
No caso de Itabuna
encontramos o projeto Zerando a
repetência, apresentado pela Secretaria de Educação como um projeto
articulador da nova concepção educativa, que propunha, a partir de diferentes
ações de capacitação profissional, do envolvimento da sociedade civil e dos
programas educativos, eliminar o problema do fracasso escolar. Em Porto Alegre,
o projeto Escola Cidadã propunha a
valorização da escola como instituição pública, democrática, de direito
universal e promotora de um ensino de qualidade. O projeto desenvolveu-se em
três linhas de atuação: a democratização do acesso ao ensino, a democratização
da gestão e a democratização do conhecimento. Em Recife, o projeto Pedagogia Instituinte convocou a
comunidade escolar e a sociedade para o debate das prioridades e das ações
educativas.
Nessa rápida exposição dos
quatro projetos, podemos observar que as propostas de gestão escolar desses
municípios partem de pontos diferentes. As propostas de Belo Horizonte, Porto
Alegre e Cuiabá envolvem claramente uma importante mudança na cultura escolar.
Em Belo Horizonte e Porto Alegre as propostas de educação enfatizam a
necessidade de um projeto político-educativo para todo o sistema e identificam
o conteúdo desse projeto como um espaço privilegiado para se repensar a prática
pedagógica. Ou seja, as diretrizes gerais político-educativas do sistema
educativo devem orientar os comportamentos institucionais e, portanto, a
democratização da gestão escolar.
Em contrapartida, em Cuiabá,
o sucesso da educação - e, portanto, da política educacional do governo -
parece estar sob a responsabilidade dos atores envolvidos no trabalho escolar e
em sua capacidade de gerir adequadamente a instituição. Nesse caso, a gestão da
escola é o elo unificador do conjunto de medidas e de estratégias
político-educativas, ao passo que no caso anterior é a concepção
político-educacional que dá unidade ao conjunto de medidas e estratégias
governamentais.
O projeto de Itabuna é bem
menos ambicioso. Propõe a discussão dos princípios e das práticas educativas a
partir do sintoma mais significativo de seu fracasso, ou seja, a repetência e a
discussão das estratégias de solução. Por último, a nova concepção educacional
do projeto de Recife está ancorada na possibilidade de uma construção coletiva
com a sociedade das prioridades educacionais do município.
A leitura dos objetivos da
política educacional do período 1993-96, enunciados pelas respectivas
administrações, permitiu-nos observar uma unanimidade no que se refere à
necessidade de investir esforços na universalização do ensino fundamental, valorizar
o magistério e democratizar a gestão escolar. Esses objetivos são claramente
privilegiados na nova LDB; eles fazem parte das diretrizes divulgadas pelo
governo federal e contam com o consenso dos diferentes setores da sociedade. No
entanto, o objetivo de eqüidade no sistema educacional, citado por somente duas
prefeituras da amostra, está quase ausente no discurso político consensual, que
privilegia, apenas, a qualidade do ensino.
Princípios norteadores da gestão político-educativa dos governos municipais
Chamamos de princípios
norteadores da gestão político-educativa do governo municipal os aspectos que -
explícita ou implicitamente - orientam a proposta de ação governamental. Com
base na análise do conjunto de depoimentos e do material publicado pelas
prefeituras pudemos observar que o princípio de "participação" é
comum à gestão dos municípios de Icapuí, Iguatu, Porto Alegre, Recife, Itabuna,
Jaguaré e Ijuí. Mas o conteúdo é bem diferente em cada um deles, embora não
sejam necessariamente opostos.
Em Porto Alegre, o princípio
de "participação" referia-se a uma gestão voltada para a construção
de espaços de aproximação entre a administração e a comunidade, para que o
governo conhecesse as necessidades da sociedade e, ao mesmo tempo, a sociedade
pudesse intervir nas decisões da administração. A expressão maior desse esforço
é o projeto de orçamento participativo e, no caso da gestão escolar, a
identificação da autonomia institucional como o caminho mais adequado para
políticas duradouras e mais próximas da comunidade.
A administração de Icapuí
esteve preocupada com a "transparência" de sua gestão e, por isso,
manteve um vínculo estreito com a população, caracterizado pela constante
divulgação das decisões governamentais e o acompanhamento da comunidade.
Existiam ainda fóruns legais de participação, nos quais a comunidade se reunia
quinzenalmente para debater a política e tomar decisões relativas à
implementação de ações educativas no município. Além disso, a população de
Icapuí reservava um espaço na gestão das escolas para um representante que não
pertencesse à comunidade escolar.
As informações e os
depoimentos recolhidos no município de Ijuí deixam clara a participação
sistemática da Igreja Católica e da Unijuí - Universidade do Noroeste do Rio
Grande do Sul -, junto com a Secretaria de Educação, na elaboração das
diretrizes político-educacionais. A Unijuí e a Secretaria de Educação foram
responsáveis pela capacitação dos professores, pela produção de materiais
didáticos para as escolas e pelos encontros sistemáticos com a comunidade
escolar para debater as propostas e o encaminhamento das mesmas.
Em Recife foi criado um
evento anual, a Conferência Municipal de Educação (Comude), que reunia
representantes de escolas e movimentos populares, poder público e iniciativa
privada. Esse evento foi o principal fórum de participação organizada da
população. Houve também outros eventos e reuniões regulares das lideranças de
diferentes regiões político-administrativas da cidade para promover o
envolvimento da população com a educação pública.
Em Cuiabá, um dos princípios
que orientaram a ação educativa daquela administração foi a
metodologia de gestão da Qualidade Total. Nesse contexto, ampliaram-se as
funções e os espaços de decisão da escola. As metas educativas e as ações para
alcançá-las foram compromissos dos atores que atuam na escola. Esta passa a ser
responsável pelo que ocorre em seu espaço, não podendo mais atribuir à
Secretaria a responsabilidade pelo fracasso de seus alunos e pelas dificuldades
de administrar o próprio dia-a-dia.
Aqui, o princípio de
"experiência de produção coletiva" está intimamente vinculado ao
princípio da participação. Pressupõe-se que a criação de
estruturas diretivas colegiadas, nas diferentes instâncias do sistema educativo,
permitam que os objetivos educacionais propostos pela administração
governamental sejam atingidos mais facilmente.
Outro aspecto importante a
se destacar entre os princípios norteadores das diferentes gestões
político-educativas é que o objetivo - de Belo Horizonte, Porto Alegre e Cuiabá
- de definir uma nova concepção de educação para o município ganha conteúdo,
nos dois primeiros casos, no princípio de "sensibilidade pela formação
humana em sua totalidade" e, em Cuiabá, na "filosofia da Qualidade
Total".
Tanto a proposta de Belo
Horizonte quanto a de Porto Alegre estão voltadas para
que a escola se sintonize com a pluralidade sociocultural dos alunos. Por isso
defendem que a escola transcenda os limites dos conteúdos curriculares e
desenvolva trabalhos interdisciplinares. Nesse sentido, o currículo não se
constitui somente das oportunidades que a escola possa promover, mas também das
vivências que elas venham a oferecer ao educando para ampliar sua visão de
mundo.
A política educativa da
Secretaria de Educação de Cuiabá, baseada na filosofia da Qualidade Total, teve
a intenção de mudar a escola e sua relação com os alunos, os pais e a
comunidade. O princípio básico de tal filosofia é que a escola deve se
organizar e se reestruturar para prestar serviços de qualidade, pois os alunos
são clientes que têm direito a uma escola e a um
ensino de qualidade. Se a escola, em seu conjunto, não estiver consciente de
seu papel e não se organizar, não será a Secretaria que conseguirá mudar sua
maneira de agir, sua cultura.
É interessante observar
nesta análise que, nos municípios em que foi possível identificar os princípios
norteadores de suas gestões político-educativas[6],
alguns buscaram uma aproximação entre administração central e comunidade e
entre escola e comunidade. Esses princípios foram identificados como
participação, transparência administrativa e consolidação dos órgãos
colegiados. Em contrapartida, somente em Belo Horizonte, Porto Alegre e Cuiabá
observamos que a ação governamental também esteve orientada para a mudança da
cultura escolar.
Inovações na gestão da Secretaria de Educação Municipal
Em todos os municípios, os
entrevistados afirmaram que a mudança mais importante
ocorrida nas respectivas secretarias de Educação referiram-se às funções
da própria Secretaria, ou seja, a relação dela com as escolas. Segundo os
entrevistados, a Secretaria deixou de ser uma instituição encarregada de
administrar as escolas e assumiu o propósito de criar condições e garantir
apoio para que as escolas "caminhem por seus próprios pés".
A prefeitura de Cuiabá foi
um pouco além e sintetizou a função da Secretaria da Educação em duas palavras:
acompanhar e apoiar; deslocando a responsabilidade pela qualidade de ensino à
instituição escolar.
As diferentes equipes
municipais fizeram referência também ao investimento em uma política de
articulação da escola com a Secretaria de Educação, em alguns casos, por meio
de mecanismos informais de apoio e controle e, em outros, da criação de espaços
formais de comunicação. A criação de organismos colegiados no interior da
Secretaria de Educação para gerir e organizar o sistema municipal de educação
assume diferentes formas em cada município. Em Belo Horizonte, há o Colegiado
Superior da Secretaria Municipal de Educação. Icapuí, Cuiabá, Jucás, Iguatu,
Porto Alegre, Jaboatão e Ijuí constituíram um Conselho Municipal de Educação.
Em ambos os casos, as atribuições são as mesmas.
Algumas inovações na
administração da gestão educacional dos municípios aconteceram no interior
dessas mesmas estruturas. O exemplo mais claro de reformulação de funções das
estruturas já existentes aconteceu em Belo Horizonte, cujo Centro de
Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação, antes responsável pela formação
dos professores, passou a assumir também o apoio técnico-pedagógico às escolas
para a elaboração e a implementação dos projetos pedagógicos. Em Recife, a
Secretaria Municipal de Educação reorganizou suas equipes para reduzir os
níveis hierárquicos e as instâncias intermediárias entre
a Secretaria e as escolas. Supervisores e coordenadores passaram a atuar sediados nas escolas e estiveram diretamente
vinculados à Secretaria.
Em todos os municípios
pesquisados, a descentralização administrativa e pedagógica foi vista como um
pré-requisito para o sucesso de vários objetivos propostos pelos respectivos
governos. Esta parece ser a expressão de uma gestão moderna, que procura
racionalizar ações e torná-las eficientes, eficazes e de qualidade. Mas também
é comum em quase todos os municípios que são referência
neste estudo uma política de apoio técnico às escolas - especialmente à
capacitação de professores - e de controle da prática escolar - pela elaboração
de sistemas de avaliação das escolas -, centralizada na Secretaria de Educação
dos municípios.
Os espaços de assistência e
controle escolar das secretarias de Educação dos municípios em questão
apresentaram características bem diferentes, segundo suas prioridades. No caso
de Cuiabá, foi criado o "Escritório de Qualidade Total", que prestou
assistência técnica às escolas na implantação da metodologia de gestão da
Qualidade Total. No município de Jucás, a criação do "agente
pedagógico" foi considerada uma das principais inovações no âmbito educativo.
Esse agente foi definido como "o elo viajante" entre a Secretaria de
Educação, as escolas, os professores e a comunidade. Suas funções estiveram
vinculadas ao apoio profissional a professores, acompanhamento do desempenho
dos alunos e orientação às escolas, distribuição de material didático e
aproximação da população para que os pais fossem incentivados a mandar filhos
para a escola e, se necessário, ajudá-los a resolver pequenos problemas que
poderiam inibir as crianças de freqüentá-las. Segundo os entrevistados, o
agente pedagógico tornou-se uma figura conhecida e muito querida da população
local e das escolas por seu trabalho na comunidade, com os professores e na
escola em geral.
No município de Iguatu foi
criado o Núcleo de Ativação Pedagógica (Napi), formado por supervisores do
município e diretores eleitos na rede estadual. Teve como finalidade
acompanhar, dar assessoria pedagógica aos professores e avaliar as escolas
públicas do município. A unificação do trabalho dos supervisores municipais com
as diretorias da rede estadual teve o propósito de integrar as duas redes e,
com o tempo, constituir uma única rede de ensino.
O acompanhamento do
comportamento da população escolar foi feito por um sistema de informação
recentemente criado. Esse sistema permitiu manter um registro mensal atualizado
de matrículas, evasões, transferências e desempenho de cada escola. Um dos
motivos da criação desse sistema de informação foi o Convênio de
Municipalização estabelecido entre o município de Iguatu e o governo do estado
do Ceará, que garantiu ao município o custo mensal/aluno de R$15,00, exigindo,
em contrapartida, a aplicação de 30% da arrecadação municipal em educação e o
controle rigoroso de freqüência e desempenho dos alunos.
No município de Porto
Alegre, a Secretaria de Educação reorganizou suas equipes em duas supervisões:
a Supervisão de Educação, responsável pela implementação de programas de
formação, pela formação das equipes diretivas e pela promoção de debates sobre
o papel da escola, e a Supervisão Administrativa, responsável
pelas políticas vinculadas às condições de trabalho dos docentes e à
contratação de funcionários para as escolas.
Em Recife, foi observada a
presença do Grupo Permanente nas unidades escolares. Esse grupo, formado pelo
supervisor escolar e pelo orientador educacional das unidades escolares,
participou do cotidiano da escola e organizou atividades de capacitação. Por
estarem presentes no dia-a-dia da escola, os membros desse grupo funcionaram
como coordenadores pedagógicos, auxiliando os diretores na organização e
implementação do Projeto Pedagógico.
Encontramos municípios nos
quais os recursos são repassados às escolas para que elas definam suas
prioridades, como veremos adiante. Em outros, como os casos de Jucás e Itabuna,
a prioridade orçamentária das prefeituras é elaborar estratégias para reter os
alunos. No município de Itabuna ocorreram várias ações para melhorar a
aprendizagem dos alunos e diminuir a evasão. Entre as ações implementadas
podemos indicar as classes de aceleração, cursos de férias, classes de reforço,
distribuição de material escolar e transporte gratuito. Vale ainda mencionar a
iniciativa do Projeto Fundação Sítio do Menor Trabalhador, cujo objetivo foi
diminuir a evasão dos alunos, o qual contemplava, entre as estratégias, uma
bolsa-auxílio para a família dos estudantes.
Em Jucás, as principais
medidas para reter os alunos foram o estabelecimento de um padrão mínimo
necessário para o funcionamento das escolas e a implementação do programa de
merenda escolar e transporte gratuito para professores e alunos. Estabeleceu-se
também um sistema de premiação aos professores em cuja(s) classe(s) não
houvesse nenhuma evasão de alunos durante todo o ano letivo.
Em Jaboatão a situação é um
pouco diferente. A Secretaria de Educação estabeleceu convênios com as escolas
comunitárias de empresas, entidades religiosas, associações comunitárias e com
a rede particular de ensino. Foram 128 convênios que, segundo os depoimentos,
permitiram ampliar o atendimento na escola fundamental.
Em síntese, podemos observar
que tanto as inovações que encontramos no âmbito das administrações centrais
dos municípios quanto as atribuições e
responsabilidades da gestão das mesmas seguem a delimitação da competência das
três esferas administrativas da Federação estipuladas pela LDB e a tendência
evidenciada na Lei de mudar o perfil dessas instâncias.
Também é fácil visualizar
que em quase todas as experiências citadas os novos espaços institucionais de
assistência e controle escolar têm o propósito de mudar o perfil tradicional da
inspeção escolar para um trabalho coletivo de formação e execução das políticas
educativas que tendam a melhorar a qualidade do ensino e o rendimento dos
alunos.
Outro elemento importante
dessas experiências é que o conteúdo das medidas de apoio e de controle
institucional das prefeituras está atrelado às condições exigidas dos
municípios para que tenham direito ao apoio financeiro estadual e federal. Essa
situação se repete na definição das prioridades orçamentárias dos municípios.
Referimo-nos, especificamente, ao financiamento vinculado à matrícula e ao
aproveitamento do aluno do ensino fundamental.
A esse respeito podemos
citar o depoimento sincero de um dos prefeitos entrevistados quando diz que a
política de universalização do ensino é sistematicamente abalada por restrições
orçamentárias. E que as ações para criar convênios e, principalmente, para
formular projetos de municipalização que fossem contemplados com o apoio
financeiro do Estado aliviaram um pouco a situação. Isso obrigou o controle da
permanência das crianças nas escolas por intermédio de um censo escolar
quinzenal, para saber quantos alunos há na escola, o índice de repetência etc.,
já que a participação financeira do Estado está definida pelo número de alunos
que freqüenta a escola.
Relação
entre as instituições escolares
Só em 7 dos 11 municípios
pesquisados existem mecanismos formais de articulação entre as escolas. No caso
do município de Iguatu, a articulação foi conseqüência de uma iniciativa dos
diretores eleitos. Para canalizar suas necessidades de organizar, discutir e socializar experiências, criaram uma Associação dos
Diretores das Escolas Públicas, entidade registrada em cartório com estatuto e
regimento regularizados e em plena atuação. A associação teve como objetivo ser
um espaço de discussão e avaliação das medidas tomadas pela Secretaria de
Educação e de organização de reivindicações comuns a todas as escolas.
Os demais
municípios que registraram espaços de articulação formal entre as escolas foram
iniciativas das secretarias de Educação, como em Porto Alegre e
Recife, ou uma conseqüência da própria estrutura organizativa do sistema
educativo, como em Icapuí e Belo Horizonte.
Em Porto Alegre, as
coordenações de apoio ao ensino multidisciplinar e de ação institucional foram
articuladas em grupos de trabalho dentro da própria Secretaria, com o objetivo
de reunir esforços para garantir uma unidade conceitual e metodológica dos
diversos programas de formação. As secretarias de Educação dos municípios de
Ijuí e de Recife promoveram encontros entre os profissionais de várias escolas
- professores, diretores e coordenadores - para o intercâmbio de experiências.
Em Cuiabá, as Oficinas
Pedagógicas foram responsáveis por essa articulação, promovendo reuniões
sistemáticas entre diretores, supervisores e professores de uma ou várias
escolas para a elaboração do planejamento. Daí resultaram os planos de
desenvolvimento das escolas que foram submetidos ao debate e à aprovação dos
Conselhos Escolares Comunitários. As redes de ensino de Icapuí e Belo Horizonte
foram organizadas por regiões. As diferentes regionais, juntamente com o
Conselho Municipal, foram espaços privilegiados de discussão da política
educativa e suas estratégias.
As informações disponíveis
sobre a relação entre as instituições escolares nesses municípios não fornecem
elementos suficientes para uma análise das diferentes propostas. Contudo, é
possível inferir que o desafio em questão - às vezes para o governo, outras,
para os próprios educadores - é definir estratégias que respeitem e incentivem
a diversidade das escolas e, ao mesmo tempo, consolidem a unidade do sistema
educativo. Nos casos de Iguatu e Cuiabá, por exemplo, o papel da instituição
escolar na consolidação da unidade do sistema educativo foi manter a ação
coletiva interinstitucional. Já em Porto Alegre, Icapuí e Belo Horizonte, o
papel da instituição escolar foi o de se articular com as diferentes esferas da
gestão político-educacional e, desse modo, promover a consolidação da unidade
do sistema educativo.
Organização da instituição
escolar
Para o estudo da organização
da escola foram analisadas as principais características da proposta e áreas
envolvidas na mudança da gestão escolar; quem eram os atores envolvidos na mudança,
como se articulavam escola e comunidade; qual era o eixo das mudanças que
estavam centradas na gestão escolar e quais as principais estratégias de
implementação da proposta; as resistências apresentadas pelos diferentes atores
e os principais problemas identificados pelas administrações municipais.
Principais características da proposta de gestão escolar
O processo de mudança de
gestão escolar está vinculado à política mais ampla dos municípios de
descentralizar a gestão educacional e, portanto, consolidar a autonomia cada
vez maior da instituição escolar. Em todos os municípios estudados, o argumento
das secretarias de Educação para essa mudança foi a
necessidade de diminuir a burocratização dos processos de decisão e aproximar
as instituições escolares dos interesses da comunidade. Em ambos os casos, a
tendência é melhorar a qualidade do ensino fundamental.
Mas a descentralização da
gestão escolar apresenta-se com forma e conteúdo diferentes nos diversos
municípios da amostra. Por um lado, existem áreas distintas nas propostas de
cada prefeitura e, por outro, as estratégias de gestão dessas áreas também
variam de acordo com o grau de autonomia pretendido para a instituição escolar.
Em todos os municípios
analisados, salvo Icapuí e Resende, as secretarias de educação pretenderam
descentralizar a gestão pedagógica e administrativa das escolas. Belo
Horizonte, Cuiabá, Iguatu e Porto Alegre propuseram também descentralizar a
gestão financeira. Porto Alegre teve a proposta de gestão escolar mais
complexa, pois atingiu todas as áreas da escola.
O material documentado e os
depoimentos indicam que a mudança da gestão pedagógica das escolas envolveu, em
algumas prefeituras, atribuições e responsabilidades de seus organismos colegiados
de gestão na definição dos aspectos pedagógicos da prática escolar. Mas sua
expressão mais clara foi a exigência de que as escolas
elaborassem um projeto pedagógico próprio. Pudemos observar também que, na
maioria das propostas, a elaboração de um projeto pedagógico significou definir
as atividades e metodologias de ensino, estipular o orçamento necessário e a
responsabilidade institucional pela execução do projeto. No entanto, o alcance
da descentralização da gestão pedagógica da escola varia entre os municípios e
está vinculado ao grau de autonomia escolar, tanto na área pedagógica quanto na
financeira.
A proposta da Secretaria de
Educação de Cuiabá, por exemplo, teve como enunciado em suas diretrizes a
autonomia escolar, mas uma análise mais minuciosa nos permite observar suas
características e a margem real de autonomia de suas escolas: o tema gerador
que organizou os conteúdos de ensino foi definido pela Secretaria e os recursos
financeiros que foram repassados às escolas estiveram vinculados à aprovação
dos projetos pela mesma Secretaria. No entanto, recai exclusivamente sobre a
escola a responsabilidade pela execução do projeto e pelo rendimento dos
alunos. Dessa forma, o elemento que define a autonomia das escolas nas
diretrizes da secretaria é, de fato, a condição de gerir os recursos
financeiros repassados diretamente para alcançar os objetivos previamente
estabelecidos pelas autoridades competentes.
Em outros casos, o grau de
autonomia escolar é bastante abrangente, incluindo-se a obrigatoriedade de
definir um projeto pedagógico próprio, como em Porto Alegre, Belo Horizonte e
Recife. Na proposta de Porto Alegre, as escolas possuíam regimentos
individualizados que lhes permitiam realizar experiências inéditas e
diferenciadas na rede; em Belo Horizonte, o repasse de recursos financeiros
para a gestão direta das escolas e a elaboração de projetos de trabalho permitiram que cada escola delineasse seu próprio perfil de
atuação.
Como indicamos
anteriormente, Porto Alegre é o único município que contemplou a
descentralização da gestão escolar nas áreas curricular, financeira,
administrativa e pedagógica. Trata-se de um projeto bastante complexo que supõe
um modo de organização e trabalho coletivo que inicia com um diagnóstico dos
interesses da comunidade escolar e prossegue com a definição dos princípios de
cada área de conhecimento; a articulação entre ambos permite elaborar uma
proposta pedagógica.
Somente em Porto Alegre e
Belo Horizonte a mudança de gestão pedagógica ultrapassa o âmbito administrativo,
incorporando uma determinada concepção de organização do trabalho pedagógico
escolar, articulada com uma proposta curricular para todo o sistema educativo.
No caso de Belo Horizonte, essa articulação fica ainda mais clara na sua
proposta de organização do trabalho dos professores que veremos mais adiante.
Em Recife, encontramos uma proposta menos pretensiosa, mas que envolveu a
universidade no processo de consolidação da gestão escolar autônoma, no auxílio
às escolas para a definição de um perfil próprio.
Uma gestão pedagógica com
ampla margem de autonomia, mas sem uma articulação clara com um projeto
político-educativo para todo o sistema, pode deixar espaços institucionais
"desamparados" e comportamentos não previstos de atuação da
comunidade. Foi o caso do município de Ijuí, cuja autonomia de gestão
pedagógica escolar foi exercida, de fato, pela Igreja local. Um exemplo
ilustrativo foi a resposta das escolas à proposta de
que cada instituição definisse seus próprios temas geradores segundo as características
e os interesses da comunidade escolar. O resultado foi surpreendente; todas as
escolas escolheram como tema gerador a campanha de
fraternidade da CNBB.
Na maioria dos municípios
citados encontramos mudanças da gestão escolar na área administrativa, mas
foram poucos os casos que registraram mudanças na área financeira. Nos casos em
que as escolas tiveram autonomia financeira - Belo Horizonte, Cuiabá, Iguatu e
Porto Alegre -, a prefeitura repassou os recursos financeiros estipulados por
lei à instituição escolar, e esta, por sua vez, foi responsável pela gerência
do orçamento e pelo êxito ou fracasso do seu projeto pedagógico.
A análise das propostas dos
vários municípios nos permite observar que, além das características básicas da
gestão de recursos públicos, o conteúdo e as conseqüências da autonomia
financeira e administrativa das escolas estão diretamente vinculados à política
de alocação de recursos de cada município. Nesse sentido, encontramos algumas
particularidades interessantes. Por exemplo, dentre os municípios que adotaram
a política de repassar às escolas os recursos públicos, eles estiveram, em
geral, condicionados à apresentação e à aprovação de um projeto elaborado pela
unidade escolar e à prestação de contas do que já havia sido recebido. Dessa
forma, a política de financiamento expressa-se como um
sistema de premiação, no qual os recursos materiais financeiros de cada escola
estão atrelados a seu desempenho.
Uma situação diferente foi
encontrada no município de Belo Horizonte, cuja política de distribuição de
recursos públicos privilegiou as escolas de regiões e população carentes; ou
seja, a alocação de recursos foi diretamente proporcional ao grau de pobreza de
cada região e cada escola. A justificativa para essa política, que visou
equilibrar financeiramente as escolas, esteve ancorada no reconhecimento por
parte das autoridades de que as receitas das escolas variam muito de acordo com
a renda familiar das crianças que as freqüentam.
Isso faz com que as escolas
busquem novas fontes de recursos na comunidade, além do auxílio fornecido pelas
APMs. É o caso dos convênios e de parcerias entre escolas e ONGs, organismos
internacionais e organizações comunitárias locais. Essas organizações
comunitárias têm como objetivo ajudar a arrecadar fundos e subvenções para
atividades específicas que possam melhorar o orçamento e os serviços das
escolas.
A nova organização escolar,
a partir da descentralização de sua gestão, foi acompanhada, na maioria dos
casos, pela organização coletiva do trabalho do professor. Por exemplo, no
município de Jucás, a organização coletiva do trabalho do professor previu um
planejamento administrativo e pedagógico que envolveu diretor, professores,
representantes de classes e agente pedagógico. A função principal dessa equipe
foi desenvolver o projeto pedagógico da escola.
No caso de Belo Horizonte, a
proposta de trabalho coletivo foi mais complexa. Respondeu a uma organização
por ciclos de ensino fundamental e à mudança de organização e função de
supervisão, para uma gestão pedagógica colegiada na escola articulada com o
sistema educativo. A supervisão escolar ou coordenação pedagógica era composta
pelo diretor ou vice-diretor, pelos supervisores e orientadores do turno e por
um professor eleito por seus pares. Essa equipe foi responsável pela
coordenação dos trabalhos e pela articulação com as instâncias da Secretaria de
Educação e do Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (Cape).
Em Iguatu, o Núcleo de
Ativação Pedagógica (Napi) foi responsável pela organização e pela articulação
do trabalho coletivo dos educadores. Além de prestar assessoria pedagógica, o
Napi reuniu sistematicamente os professores para planejamento
e avaliação conjunta do trabalho. Em Jucás, o planejamento
administrativo e pedagógico foi realizado mensalmente por cada escola, pelo
diretor, pelo agente pedagógico, por todos os professores e por representantes
dos alunos de cada classe.
Por último, gostaríamos de
retomar a idéia hoje consensual da necessidade de romper com o centralismo
burocrático e suas conseqüências, que caracterizou a gestão nas diferentes
instâncias de governo nos últimos 30 anos aproximadamente. O processo tem sido
bastante estudado e debatido no âmbito acadêmico e político. No entanto, a
cultura antiburocratizante que nos últimos anos vem ganhando espaço nas
diferentes instâncias e áreas de governo parece chegar,
em alguns casos, às últimas conseqüências. Foi o caso de Ijuí, cuja prefeitura
decidiu não documentar a política educativa nem seus projetos por recear a
burocratização e a cristalização da prática pedagógica. Segundo os
entrevistados, a documentação da prática pedagógica poderia cristalizá-la e,
portanto, impedir o debate e o desenvolvimento do processo de
ensino/aprendizagem que deveria acompanhar as mudanças sociais e comunitárias.
É interessante destacar como o "pânico da burocratização" pode gerar
efeitos perversos como o que acabamos de citar: em nome da desburocratização,
nega-se a construção social e histórica da prática educativa.
Atores envolvidos na gestão escolar
Em alguns dos municípios da
amostra - Icapuí, Belo Horizonte, Cuiabá, Porto Alegre e Jaboatão -, as
estruturas diretivas das escolas foram afetadas pelo novo modelo de gestão, na
busca da coletivização das responsabilidades e da autonomia institucional.
Isso significa que a
responsabilidade da direção escolar nas mãos de um ou dois profissionais -
diretor e vice-diretor - é agora compartilhada com a comunidade escolar por
meio de um órgão dirigente cujos membros têm poderes idênticos. No entanto,
essa estrutura colegiada de gestão escolar assume diferentes formas,
atribuições e responsabilidades, e envolve diferentes atores em cada um dos
municípios citados.
No município de Icapuí, a
estrutura diretiva das escolas esteve organizada na forma de um conselho que
interveio nos aspectos administrativos e pedagógicos e esteve constituído por
pais, professores, diretores, representantes de alunos e da comunidade.
Em Belo Horizonte, cada
escola teve uma coordenação pedagógica responsável pela coordenação escolar e
pelas articulações necessárias com as equipes regionais, o Cape e a Secretaria
da Educação. A Coordenação Pedagógica era composta por diretores, supervisores
e orientadores de turno ou professores eleitos por seus pares. No caso de
Jaboatão, os depoimentos indicam que a proposta municipal de organização
escolar previu a existência do Conselho Escolar, mas que este, em geral, só
funcionava nos períodos de eleição de diretores.
As escolas de Porto Alegre
contavam, além do Conselho Escolar com caráter deliberativo, com uma equipe
diretiva formada pelo diretor, pelo vice-diretor e pela coordenação pedagógica.
Essa equipe articulava as ações da Secretaria com o Conselho. A equipe
diretiva, como organismo mediador entre os segmentos da escola e entre o
Conselho e a Secretaria de Educação, teve muita influência nas decisões do
Conselho. A criação da equipe diretiva visou reforçar a autonomia das
respectivas escolas, atribuindo mais responsabilidades à unidade e promovendo
melhor articulação entre o setores pedagógico e
administrativo.
O cargo do diretor
manteve-se em todos os casos, mas com estratégias de eleição e atribuições
diferentes. Belo Horizonte, Cuiabá, Iguatu, Porto Alegre, Itabuna, Jaboatão e
Ijuí adotaram como estratégia de democratização da gestão a mudança do processo
de escolha do diretor por sua eleição direta na comunidade escolar. Outros
atores envolvidos na gestão escolar são professores e pais. Em alguns
municípios participam também alunos e membros da comunidade. É bastante comum
hoje em dia falar-se da necessidade de participação dos pais na gestão da
escola. Porém, os argumentos que sustentam essa necessidade são muito genéricos
e confusos.
Nos municípios em que a
direção da escola é compartilhada com o Conselho de Escola, pretendeu-se, em
geral, estimular a presença dos pais na gestão administrativa e pedagógica da
instituição. Buscou-se também a participação dos pais como um mecanismo de
fiscalização do cumprimento do serviço educativo. Por exemplo, em Iguatu promoveram-se
encontros com os pais das crianças para informá-los sobre os critérios de
administração da merenda escolar, de modo que eles pudessem avaliar a qualidade
da merenda.
É interessante atentar para
as dificuldades que os pais enfrentam para se envolver na gestão da escola. Os
entrevistados do município de Belo Horizonte salientaram a dificuldade de
participar, em particular, da gestão dos assuntos pedagógicos, porque não se
reconhecem como interlocutores instruídos o suficiente para intervir nesse tipo
de questões. No entanto, na maioria dos casos analisados, a participação dos
pais fica clara quando se trata de acompanhar as atividades escolares dos
filhos ou arrecadar fundos, e pelo interesse manifestado de conhecer o
rendimento de seus filhos.
Os argumentos sobre as
dificuldades ou a falta de interesse dos pais em participar dos assuntos
coletivos da escola, comumente usados por professores e diretores, são bastante
temerários e parecem revelar uma visão distorcida da comunidade. As pesquisas
que nos últimos anos têm procurado estudar esse tema tendem a desmentir que a
comunidade não queira participar. E indicam que, além dos fatores ligados às
condições de trabalho e de vida da população, há também uma resistência da
escola a essa participação[7].
Numa das pesquisas
realizadas por Vítor Paro em escolas públicas de primeiro grau nota-se que um
dos aspectos mais importantes dessa resistência é o fato de que não existe
quase nenhuma identidade da escola pública com os problemas de sua comunidade.
Segundo o autor, a crítica dos membros da comunidade às escolas analisadas é
que a reciprocidade de atuação pode ser sintetizada na pergunta: "Se a
escola não participa da comunidade, por que a comunidade vai participar da escola?"
(Paro, 1997).
Por sua parte, o argumento
de que a comunidade escolar não participa porque tem baixa escolaridade - e,
portanto, não possui os conhecimentos técnicos necessários - supõe apenas o
aspecto técnico ou profissional da gestão escolar. Esse pressuposto, muito
presente entre professores e pais, desconsidera a natureza política da
participação da comunidade escolar como mecanismo de controle democrático da
atuação do Estado.
A participação dos alunos na
gestão da escola, ainda que citada em vários municípios, não é comentada em
quase nenhum dos casos analisados, salvo em Porto Alegre, onde foi reconhecida
como parte do processo de formação do educando. Esse é um exemplo da
importância que a administração central outorga às experiências escolares que
enriqueçam a vivência dos alunos em sua proposta educativa.
É sabido que não existe
instituição democrática sem práticas e comportamentos democráticos; mas também
não existem práticas e comportamentos democráticos sem relações sociais
democráticas. E a escola, em seu cotidiano, está permeada pelo autoritarismo de
professores, diretor, alunos, funcionários e pais. As relações autoritárias
sustentam-se em condicionantes ideológicos que se expressam em determinadas
concepções e crenças sobre a criança pobre, a escola, a comunidade, o ensino, a
aprendizagem, etc. Por isso, é importante que se admitam, que se explicitem e
se reconsiderem esses pressupostos para reformular as relações no interior da
instituição escolar.
A democratização das
relações intra-escolares é um tema-chave da gestão escolar, pois, como
demonstram vários estudos sobre o currículo escolar (Sacristán e Péres Gómez,
1994; Apple 1987), a escola educa tanto pela conduta que se expressa nas
relações cotidianas, que é exigida também dos alunos, quanto pela via do
conteúdo formal. Nesse sentido, a gestão escolar como espaço de socialização e
os valores que estão em jogo nesse processo vêm ganhando cada vez mais atenção
nos debates sobre política educativa e estratégias de desenvolvimento.
Articulação escola - comunidade
Um dos atores envolvidos na
gestão escolar é a comunidade, por intermédio de seus membros e das
instituições públicas ou privadas da sociedade. O Conselho de Escola é um órgão
institucionalizado de participação da comunidade escolar na gestão da escola.
Somente em Icapuí a comunidade não-escolar também participou da gestão das
instituições escolares. Entretanto, existem outras formas de articular as comunidades escolar e não-escolar com a instituição
escolar e a política educacional do município.
Em vários municípios -
Icapuí, Jucás, Iguatu, Recife, Resende, Itabuna, Jaboatão -, a comunidade
esteve articulada com a Secretaria de Educação ou com a unidade escolar, por
meio de convênios ou parcerias com empresas e organismos não-governamentais
para ajudar a obter recursos financeiros para as escolas. Além disso, como os
recursos institucionais são insuficientes em grande parte dos municípios, as
escolas costumam solicitar a colaboração financeira da comunidade por
intermédio da caixa escolar e promover atividades para a arrecadação de fundos
como bingos, festas, etc.
Também pudemos observar que,
na maioria dos municípios, a comunidade escolar e outros setores da sociedade
participaram de alguma maneira da política educativa global, ainda que com
significados bastante diferentes. Nos municípios de Icapuí e Recife, a
articulação entre a política educacional e a comunidade foi expressa pelo
direito da população de ser informada das ações educativas e, por sua vez, de
controlar a gestão governamental.
Em Icapuí, a comunidade
esteve presente no Conselho Municipal através de seus representantes. Mas
também os conselhos comunitários e as associações de moradores participaram de
forma sistemática da gestão das escolas, enviando seus representantes aos
conselhos escolar e municipal e promovendo, dessa forma, a integração entre
escola e comunidade.
A prefeitura de Recife
implementou um programa de regionalização do planejamento educacional e
promoveu as Conferências Municipais de Educação (Comudes), para que a
comunidade participasse da formulação das diretrizes básicas do Plano Municipal
de Educação. Prevista na Lei Orgânica Municipal, a Comude realizava-se uma vez
por ano com a participação de pais, alunos, professores, administradores, funcionários,
representantes dos poderes públicos e da iniciativa privada. O município foi
dividido em seis regiões político-administrativas, cujas comunidades e
lideranças locais se reuniam regularmente para definir as propostas que seriam
encaminhadas às Comudes e eleger os delegados
regionais que formariam o grupo gestor do orçamento municipal.
Após a realização da
primeira Comude, foram constituídos três grupos de trabalho, o GT
Profissionalização do Magistério, o GT Financiamento da Educação e o GT Gestão Democrática, que acompanharam a implementação das resoluções
tomadas na conferência.
No município de Ijuí a
situação foi diferente. A comunidade local esteve representada pelas
instituições sociais de maior presença para a população, tanto na definição da
política educacional como no próprio cotidiano das escolas. Algumas
instituições desenvolveram trabalhos de assessoria, como a Universidade de
Ijuí, cuja presença se destaca há mais de dez anos na elaboração e na gestão da
política educativa do município. A Federação das Associações de Municípios do
Rio Grande do Sul (Famurs) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais da
Educação (Undime/RS) são instituições que desenvolvem projetos de assessoria na
área da educação e congregam vários municípios nessa ação. Ao mesmo tempo,
várias associações comunitárias utilizaram o espaço físico das escolas para
promover atividades, convertendo-as num ponto de encontro das pessoas do
bairro.
Algumas administrações
municipais - de Jucás, Itabuna, Icapuí e Recife - convocaram a mobilização da
população e de professores para garantir a freqüência e a permanência das
crianças na escola, como parte das estratégias administrativas para consolidar
a universalização do ensino. Em Recife existiu também uma Comissão Regional de
Educação que reuniu membros do Movimento Popular e da Comunidade Escolar para
discutir temas relacionados à educação em cada bairro.
Encontramos uma situação
particular em Porto Alegre, onde o envolvimento da comunidade na formulação da
política educativa do município encontrou canais institucionais. A própria
concepção de Orçamento Participativo exigiu a participação organizada da
comunidade. Um exemplo ilustrativo da força e da legitimidade da participação
da comunidade escolar na gestão institucional foi o processo de constituição de
ciclos numa das escolas da cidade. Os pais e alunos dessa escola eram
favoráveis à implantação da proposta e os professores, contrários. O consenso
entre pais e professores resultou de um prolongado processo de discussão
coletiva e só então a organização curricular em ciclos foi implementada.
Principal eixo e estratégia da implementação da proposta de gestão escolar
Nas propostas
político-educacionais de todos os municípios estudados, a consolidação de uma
gestão escolar democrática, em alguns casos, e autônoma, em outros, esteve
vinculada à melhoria da qualidade do ensino. Mas a relação aparece, em várias
situações, bastante difusa. Uma maneira de tentar compreender o conteúdo dessa
relação é buscar o eixo principal das estratégias de mudança da gestão escolar
e os pressupostos que o fundamentam.
Como vimos, em alguns
municípios a proposta de uma gestão escolar democrática fundamentou-se na
possibilidade de viabilizar a formação de mecanismos institucionais que permitissem
a participação popular e o gerenciamento coletivo do poder público. Isso vale
tanto para a gestão do sistema educativo quanto para a da escola.
A proposta pedagógica
identificada como de "Qualidade Total", posta em prática em Cuiabá,
contemplou entre seus princípios um modelo de gestão escolar autônoma que
concebeu a escola como instituição prestadora de serviços que precisa
organizar-se para oferecer um serviço de qualidade. Os alunos são os clientes
que têm direito à escola e ao ensino de qualidade.
Há municípios em que a
gestão escolar esteve atrelada ao propósito de universalizar o ensino e
aumentar o tempo de permanência das crianças na escola. Foram os casos de Jucás
e Iguatu, onde pressupunha-se que a participação e a
mobilização de pais e professores na escola ajudasse a "conscientizar os
pais da importância da escola".
Há outros casos em que a
capacitação de professores vai além de uma estratégia. Essa capacitação é, em
suas diferentes formas, a base de sustentação de uma gestão autônoma das instituições
escolares; ao mesmo tempo, a qualidade da autonomia escolar possibilita os
caminhos necessários para ter professores bem formados. Um claro exemplo é a
prefeitura de Recife que elaborou mecanismos bem diversificados de apoio aos
professores, contemplando processos coletivos entre os docentes, processos
institucionais de trabalho cuja unidade é a escola e processos de orientação
com professores mais experientes. Essas estratégias cruzam os novos espaços de
gestão escolar.
Em Belo Horizonte, o eixo
das mudanças propostas para a gestão escolar foi a
constituição de uma nova cultura escolar, baseada nos princípios da Escola
Plural, que privilegiou a mudança dos comportamentos institucionais, como vimos
nos objetivos da política educacional dos municípios.
Em Itabuna, a política
educativa do município esteve formulada no Projeto Zerando a repetência.
Procurou-se entender o fracasso escolar e a repetência como um fracasso da
instituição escolar e não do aluno. As medidas político-educativas da administração
refletiram várias frentes de trabalho nessa direção, entre elas mudanças na
gestão escolar.
Nos pontos anteriores
arrolamos as principais características das propostas de mudança da gestão
escolar. No entanto, é possível indicar no conjunto das ações a estratégia que,
por seu tratamento, aparece como prioritária na implementação da nova política
de gestão escolar.
Nos objetivos da política
educacional nos municípios encontramos uma preocupação de capacitar os
profissionais da escola. A mudança na maneira de pensar e
agir dos professores é vista como imprescindível para viabilizar uma
gestão escolar mais democrática e autônoma. Para analisar o perfil dessas
mudanças de comportamento, necessitaríamos fazer um estudo aprofundado dos
processos de capacitação dos professores e da prática escolar cotidiana[8]. Mas é possível inferir, das informações
obtidas, que o perfil das mudanças desejadas no comportamento dos professores
difere muito segundo as propostas de gestão escolar em jogo.
Talvez o caso mais claro
seja o de Cuiabá, que traçou em suas diretrizes o perfil dos profissionais que
participaram ativamente de uma organização escolar flexível, ágil e autônoma.
Nesse contexto, ainda que a administração municipal reconhecesse a importância do
trabalho com os profissionais da escola, considerava indispensável uma mudança
na atitude do diretor, que lhe permitisse liderar o processo de mudança
institucional e gerir uma escola flexível, ágil e autônoma.
A preocupação da
administração de Recife foi bastante original. Considerando imprescindível para
o êxito de uma gestão democrática o bom funcionamento dos conselhos escolares,
elaborou uma estratégia de capacitação permanente dos conselheiros das escolas,
sob a responsabilidade da Secretaria de Educação. Os entrevistados destacaram o
resultado positivo mais evidente dessa estratégia: das 156 escolas municipais,
107 possuem conselhos escolares atuantes.
Icapuí estabeleceu em seu
plano de ação o aperfeiçoamento dos processos de democratização por meio da
efetivação das várias instâncias de participação da comunidade escolar na
condução da política educativa do município. São elas: o Conselho Municipal de
Educação, o Conselho de Diretores e Professores Coordenadores das Escolas e o
Conselho Escolar.
A importância que a
prefeitura de Porto Alegre outorgou à gestão política compartilhada com os
vários setores sociais já apareceu em vários momentos da análise; isso
representou não só uma das principais estratégias de democratização da gestão
escolar, mas também da administração do município em sua totalidade.
O município de Jucás
escolheu como principal estratégia de mudança da gestão escolar, bem como para
os outros propósitos de sua política educativa, identificar as carências
institucionais e definir o que foi chamado de "mínimo necessário nas
escolas". A partir daí, definiram-se as ações imprescindíveis para
responder a tais necessidades.
Chegado este momento, talvez
sejamos tentados a perguntar: que modelo de gestão escolar deve ser adotado?
Essa pergunta não tem resposta a priori, tampouco
uma resposta que possa ser qualificada como certa ou errada. Isso porque não
existem modelos de gestão certos ou errados, mas apenas proposições que revelam
racionalidades, perspectivas, contextos, experiências e interesses distintos.
Entre as reformas analisadas
registrou-se, em muitos casos, a tendência de remeter a democratização da
gestão escolar ao discurso político, ao passo que o alvo da proposta é a
modernização como estratégia para aumentar a eficiência institucional e,
portanto, a orientação das regulamentações e da ação política. Isso significa
que nem sempre as propostas de modernização da educação levam em conta sua
democratização.
Todas as propostas
enfatizaram a necessidade de constituir instituições autônomas com capacidade
de tomar decisões próprias, organizar tarefas em torno dos projetos
institucionais, administrar de maneira adequada os recursos econômicos e
selecionar os procedimentos que lhes permitirão obter os resultados desejados,
a serem avaliados pelas autoridades.
A administração central
reserva-se a atribuição de definir os espaços em que as escolas vão atuar de
acordo com os próprios critérios, a capacitação para esse novo processo de
gestão e o controle do mesmo.
Os anos 90 nos colocam
novamente diante de alegações sobre a necessidade da autonomia escolar como
condição para melhorar a qualidade do ensino. Contudo, diferentemente do
ocorrido nos anos 50, tais alegações não correspondem necessariamente à
reivindicação dos educadores - vinculada a pôr fim no arcaísmo e no
burocratismo das administrações centrais -, mas à redistribuição de
responsabilidades entre os vários órgãos do sistema educativo e a instituição
escolar, colocando a escola no centro de todas as políticas.
Até aqui, vimos como as
atribuições da gestão escolar estão divididas entre governo e escola. E vimos
também como esse novo modelo de gestão, que pretende manter o sistema educativo
articulado unicamente por mecanismos de controle, tende, na realidade, a
acarretar políticas de fragmentação do sistema educativo pelo deslocamento das
responsabilidades entre os diferentes órgãos do sistema, a individualização
institucional e o abandono da instituição escolar a seu próprio destino.
Por isso, diante do novo
modelo de gestão escolar e das novas formas de controle do Estado, a
diversidade das propostas estudadas nos alerta para a necessidade de uma
política de gestão escolar voltada para a consolidação de um sistema educativo
articulado entre as proposições da política educativa e sua concretização na
atividade escolar. Só assim será possível aproximar as intenções
democratizantes enunciadas das práticas político-educativas.
Nesse campo podemos
salientar alguns aspectos fundamentais que devem ser levados em conta pela
política de consolidação de uma gestão escolar democrática. Em primeiro lugar,
ainda no âmbito normativo, algumas das principais definições políticas para a
democratização da escola são:
·
o conteúdo das metas e os delineamentos propostos pelos
órgãos centrais - a política educativa;
·
as estratégias para lidar e superar a heterogeneidade
das condições institucionais e sociais do conjunto das escolas do sistema;
·
a distribuição das responsabilidades educacionais e
dos espaços de poder de decisão e as expectativas implícitas no conceito de
autonomia.
Em segundo lugar, já no
âmbito do cotidiano escolar, as propostas de gestão escolar devem admitir que a
organização escolar é marcada por uma pluralidade de orientações e práticas que
dificilmente se esgotam nas disposições formais/legais. Isso permitiria propor
um modelo de gestão que reconheça e, ao mesmo tempo, contemple um processo de
criação e recriação a que ela se submeterá em sua existência empírica.
Nesse sentido, também é
possível perceber nas propostas analisadas duas tendências básicas de
compreensão da escola como organização que têm importantes implicações na
construção de uma concepção democrática de gestão escolar.
Uma das tendências é
conceber a organização e a gestão escolar com base em modelos transladados de
âmbitos como o da empresa privada e passar a ver a escola gerida como tal.
Assim, com argumentos reducionistas e simplificadores, a gestão escolar passa a
ser sobretudo "administração", porém, não muito "escolar",
sendo apresentada como apolítica, porque faz parte da tecnologia moderna e
racional. Por outro lado, é possível encontrar propostas de gestão escolar que
atingem a análise da organização do trabalho no interior da escola, ou seja, o
processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, as questões pedagógicas passam a
fazer parte da gestão escolar e as questões administrativas são pensadas em
relação a elas, e não o inverso.
Diz uma conhecida estudiosa
do cotidiano escolar:
a trama organizativa da escola - essa trama pouco visível e
pouco questionada como "natural" - é um componente essencial da
gestão pedagógica. Ainda que tradicionalmente localizada no campo
administrativo, não pode ser pensada como uma "forma" independente de
seu conteúdo, posto que a estruturação e a conformação institucionais das
escolas constituem o primeiro condicionante do trabalho educativo. Naquilo que
ainda se pensa como dimensão estritamente administrativa há
comprometidas opções cuja natureza, para o fazer docente, adquire a
forma de decisões técnico-pedagógicas (Ezpeleta 1992).
Sem dúvida, a gestão escolar
é uma peça fundamental do processo de transformação educativa. Constitui um
espaço de interação com os alunos e o local onde se constroem as condições
objetivas e subjetivas do trabalho docente - ainda que sob as múltiplas
determinações do sistema educacional e da própria sociedade.
As reformas educacionais
aqui analisadas apresentam uma forte tendência de mudança da organização
institucional do sistema educativo por meio do fortalecimento e da autonomia da
escola. Mas o propósito de tornar o sistema educativo menos burocrático e mais
dinâmico deve vir acompanhado de uma política educativa de articulação e
unidade do sistema educativo, para não provocar sua fragmentação e, assim,
legitimar os mecanismos de diferenciação e segmentação institucional.
Com base nessas reflexões
podemos afirmar que, ao pensar a gestão escolar, estamos necessariamente
erguendo uma ponte entre a gestão política, a administrativa e a pedagógica. Ou
seja, a gestão escolar não começa nem termina nos estabelecimentos escolares,
tanto que não se trata de unidades auto-suficientes para promover uma educação
de qualidade com eqüidade.
Notas
[1]. Os
principais delineamentos do novo modelo de gestão na América Latina são
analisados em Tiramonti 1997.
[2].
Encontramos reflexões no mesmo sentido em Melo (1993).
[3]. Em Fiori
(1995) encontramos uma interessante análise desse processo e dos diferentes
significados que o conceito de "governabilidade" foi ganhando na
teoria política.
[4]. No
momento do estudo, Belo Horizonte, Itabuna, Icapuí e Porto Alegre eram
administrados pelo PT; Cuiabá, Resende e Ijuí, pelo PDT; Jucás e Iguatu, pelo
PSDB; Jaboatão dos Guarapes, pelo PSB; Recife pelo PMDB e Juaguaré, pela
coalizão PMDB-PTB.
[5]. Os
objetivos da política educacional de cada um dos municípios foram levantados
nos relatórios de estudos de casos. Isso não significa que o município não
possa ter outros objetivos dos quais não temos informação.
[6]. Em todos
os municípios, com exceção de Resende, foi possível extrair do conjunto do
material disponível os princípios norteadores da gestão.
[7]. Veja-se a
respeito, por exemplo, Avancine (1990), Malta Campos (1983), Campos (1985),
Paro (1997).
[8]. Ver Cenpec - Formação em Serviço: Guia de apoio às ações do Secretário de Educação, 1997.
The School Management: A mined
field... Analysis of the Proposals from 11 Brazilian cities.
ABSTRACT:The
current tendency of the educational reforms, underway during the last decades,
in several countries all over the world, has the education and school
management as one of their pillars of transformation. The hegemonic position of
this reforms defends the beginning of a radical change
in the way the management of educational systems are thought of and
implemented. Thus, one of the main educational policies in
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* Este
artigo é o resultado de um estudo realizado no Cenpec em novembro de 1997 e faz
parte do Projeto Gestão e Políticas Públicas, coordenado por
Raquel Brunstain.
Como citar
este artigo:
Formato ISO
KRAWCZYK,
Nora. A gestão escolar: um campo minado... Análise das propostas de 11
municípios brasileiros. Educ. Soc., ago. 1999, vol.20, no.67, p.112-149. ISSN
0101-7330.
Formato Documento
Eletrônico (ISO)
KRAWCZYK,
Nora. A gestão escolar: um campo minado... Análise das propostas de 11
municípios brasileiros. Educ. Soc. [online]. ago. 1999, vol.20, no.67 [citado
27 Junho 2003], p.112-149. Disponível na World Wide Web:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73301999000200005&lng=pt&nrm=iso>.
ISSN 0101-7330.