DIREITOS HUMANOS: INFÂNCIA E JUVENTUDE
Délcio Antônio Agliardi
Professor e
Consultor para Projetos Sociais.
Pós-graduando
em Direito Comunitário: Infância e Juventude, FESMP/RS.
Ana Cristina Ferrareze Cirne
Promotora de
Justiça Especializada - Infância e Juventude - Passo Fundo/RS.
Pós-graduanda
em Direito Comunitário: Infância e Juventude, FESMP/RS.
1) Ruptura: o Direito de ter Direitos
“... a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais...” (Norberto Bobbio - 1990).
Certamente, o reconhecimento dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes é o novo nome dos direitos humanos. Aliás, a aplicação dos dispositivos constitucionais contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente está para os tempos atuais, no que se refere à possibilidade de atendimento adequado, justo e humano dessa clientela, como esteve o desejo de liberdade para os homens na revolução francesa do século XVIII, observadas as devidas proporções, é claro.
Na verdade, quando falamos em crianças e adolescentes, nos referimos a vidas em fase especial de desenvolvimento e formação. A Constituição Federal de 1988, batizada de Constituição Cidadã, pelos avanços que incorporou em diversas áreas, coerente com a defesa da vida, dos valores éticos e da solidariedade, preconiza que os meninos e meninas sejam prioridade absoluta. Esses princípios, afirmados, geram direitos humanos de três dimensões: individuais, coletivos e difusos.
Dessa forma, resta viabilizado que se construa uma nova perspectiva humana, um novo encontro com as gerações futuras, garantindo o que é efetivamente essencial: a vida, assegurando-a através da proteção adequada da saúde, do acesso à educação, do fornecimento de meios próprios de profissionalização. Em suma, engajando todas as crianças e adolescentes no seio da sociedade, para que dela possam se servir e a ela possam atender, contribuindo com o seu trabalho. Temos, portanto, os caminhos legais para a inclusão dos jovens na vida organizada pelos homens.
Lamentavelmente, no entanto, a prática diária das nossas cidades não tem obedecido às previsões legais, e o contexto em que vivemos está longe de refletir os objetivos do legislador constituinte e do legislador ordinário, que elaborou a Lei n.º 8.069/90, acolhendo a teoria da proteção integral.
Em face desse contexto, diariamente
somos bombardeados com notícias sobre o desrespeito de direitos básicos das
crianças e adolescentes, fatos que se somam aos que observamos ao sair de casa
e cruzarmos a esquina, na qual se encontra um grupo de crianças pedindo esmola
nas proximidades de um semáforo, sem freqüentarem o ensino regular, trilhando
uma estrada rumo à marginalização. É contra esse descompasso entre a lei e a
realidade de diversos jovens que devemos agir.
2) Direitos humanos?
No século XX vivenciamos uma verdadeira revolução conceitual, sendo que as Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, com destaque para os anos de 1948 e 1976.
Quanto às crianças e adolescentes, são alvo de dois importantes tratados oriundos da Organização das Nações Unidas - ONU: a Declaração Internacional dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção dos Direitos da Criança (1989).
Com exceção da Somália e dos Estados
Unidos da América, todos os integrantes da ONU firmaram os referidos
documentos. No nosso país, em todo o texto da Constituição Federal de 1988, os
meninos e meninas são os únicos a merecer o termo prioridade absoluta. Mas a imensa maioria das crianças e
adolescentes brasileiros só tem direito de ver, ouvir e calar.
Os direitos humanos dos nossos jovens
são feridos quando são submetidos precocemente ao trabalho, em atividades com
riscos inclusive para adultos, explorados sob o ponto de vista físico e, para
completar, sem o merecido retorno financeiro. Também são verificados problemas
no acesso à saúde, à educação e ao
lazer. O acesso fácil aos entorpecentes, assim como às drogas lícitas, é outro
ponto de descompasso entre a legislação brasileira e a vida real.
A exploração sexual de crianças e
adolescentes e a violência sexual a que são submetidas inúmeras meninas,
diariamente, muitas vezes dentro de suas casas, pelo pai, pelo companheiro da
mãe, pelo vizinho, também não são dados favoráveis às estatísticas brasileiras de
proteção aos direitos das crianças e adolescentes.
Com efeito, fixar o olhar em
indicadores sociais permite que se conclua que não estamos vivenciando, na
prática, o contexto de proteção que a lei prevê. Em um país com aproximadamente
165.000.000 (cento e sessenta e cinco milhões) de habitantes, 58.000.000
(cinqüenta e oito milhões) possuem menos de 17 (dezessete) anos, sendo que
20.000.000 (vinte milhões) sofrem com a marginalização, seja pela pobreza, pelo
abandono ou por alguma forma de exclusão social[1].
Ainda, 18.000 (dezoito mil) são
espancados a cada dia. O número é assustador, na medida em que é nove vezes
maior que as estatísticas de pessoas
torturadas durante a ditadura militar brasileira.
Além da violência física, a
impossibilidade de ascensão social, decorrente da dificuldade em freqüentar o
ensino regular, é outra falha do nosso sistema, que necessita ser corrigida.
Somente 53 (cinqüenta e três) entre 100 (cem) matriculados conseguem adentrar
na segunda série do ensino fundamental. A seu turno, 27 (vinte e sete) concluem
a oitava série e um universo inferior a 4% (quatro por cento) dos 100 (cem)
alunos terminam o curso universitário[2].
O envolvimento em atos infracionais,
por outro lado, é fruto desse contexto, em que se sobressai a
falta de acesso à educação, a violência no lar, o abuso sexual e, com relevo, a
facilidade para obter drogas, tanto lícitas como ilícitas.
Justamente a respeito dos
entorpecentes, segundo dados da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura), Porto Alegre é a capital brasileira que tem
maiores índices de consumo de bebidas, álcool e uso de drogas ilícitas entre
crianças e adolescentes, sendo que as estatísticas abaixo abrangem uma faixa
etária de 10 a 24 anos de idade, mas com a maior faixa concentrada,
lamentavelmente, entre 10 e 17 anos[3]:
O uso de drogas por adolescentes. (%)
Cidades |
Cigarro |
Bebidas
alcoólicas |
Drogas
ilícitas |
|||
|
fumam |
não fumam |
consomem |
não consomem |
usam ou
usaram |
não usam ou
nunca usaram |
Brasília
|
11 |
89 |
53 |
47 |
8 |
92 |
Manaus
|
12 |
88 |
49 |
51 |
4 |
96 |
Belém
|
14 |
86 |
52 |
48 |
4 |
96 |
Recife
|
10 |
90 |
50 |
50 |
5 |
95 |
Salvador
|
7 |
93 |
62 |
38 |
4 |
96 |
Rio de Janeiro
|
13 |
87 |
59 |
41 |
15 |
85 |
São Paulo |
12 |
88 |
58 |
42 |
7 |
93 |
Florianópolis |
12 |
88 |
61 |
39 |
8 |
92 |
Porto Alegre |
18 |
82 |
62 |
38 |
15 |
85 |
Ao permitir, por omissão, que nossas crianças e adolescentes se
aproximem perigosamente das drogas, a sociedade está protagonizando, como
co-autora, que esses jovens estejam caminhando, a passos largos, para a
exclusão do meio social, para a marginalidade. São justamente esses jovens que
se tornam autores de atos infracionais, os quais a mesma sociedade clama ao
Ministério Público e ao Poder Judiciário para que sejam internados na Febem.
Ou, mais grave, para que se reduza a
idade de imputabilidade penal, a fim de que possam ser encarcerados com os
maiores de 18 (dezoito) anos de idade.
Portanto, vivenciando diariamente
problemas como a exploração sexual, o trabalho infantil, as agressões físicas,
o livre acesso às drogas, a evasão escolar, não podemos dizer a todas as crianças
e adolescentes desse país que os seus direitos estão sendo atendidos. Uma
parcela desfruta das condições necessárias para crescer dentro da sociedade,
mas outro grupo, desfavorecido, sequer tem conhecimento das previsões inseridas
na Constituição Federal e na Lei nº 8.069/90. A outorga dos direitos a esse
grupo deve ser o objetivo de todos os que trabalham e que se ocupam com a
temática das crianças e adolescentes nesse país.
3) A Intervenção judicial como meio de aproximar a lei da vida real:
“O apoio e a proteção à infância e à juventude devem figurar obrigatoriamente entre as prioridades dos governantes. Essa experiência constitucional demonstra o reconhecimento da necessidade de cuidar de modo especial das pessoas que, por sua fragilidade natural ou por estarem numa fase em que se completa sua formação, correm maiores riscos. A par disso, é importante assinalar que não ficou por conta de cada governante decidir se dará ou não apoio prioritário às crianças e aos adolescentes. Reconhecendo-se que eles são extremamente importantes para o futuro de qualquer povo, estabeleceu-se como obrigação legal de todos os governantes dispensar-lhes cuidados especiais” (Dalmo de Abreu Dallari).
Para assegurar a efetividade dos direitos previstos na Constituição Federal e na Lei n.º 8.069/90 às crianças e adolescentes, face à inércia, em diversas questões, do Poder Executivo, é fundamental a atuação do Poder Judiciário, mediante provocação do Ministério Público, através do oferecimento de ações civis públicas.
Com efeito, a intervenção judicial se torna decisiva para assegurar as previsões contidas nos referidos diplomas legais, evitando que o Poder Executivo continue a protelar a implementação dessas garantias, utilizando surradas justificativas, como a ausência de recursos, a inexistência de previsão orçamentária, o princípio da discricionariedade administrativa ou a falta de norma específica para regulamentar dispositivos que seriam apenas programáticos.
Em determinadas situações, a atuação
do Ministério Público e do Poder Judiciário é a única saída para que se faça
cumprir um dever que deveria ser prioritário para qualquer governante, como
observa com precisão Hugo Nigro Mazzilli[4]:
“É muito
estreita a ligação do Ministério Público com as normas de proteção à criança e
ao adolescente, haja vista tratar-se de interesses sociais ou individuais
indisponíveis. Diz o art. 227 da Constituição ser dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação. Não se pode, pois,
excluir a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público em qualquer feito
judicial em que se discutam interesses coletivos, difusos ou até mesmo
individuais indisponíveis ligados à proteção da criança e do adolescente”.
Para examinar a pretensão deduzida
pelo Ministério Público, é fundamental a atuação firme e incisiva do Poder
Judiciário, ao afastar as teses estatais, antes referidas, e garantir a
aplicação dos direitos assegurados às crianças e adolescentes na legislação,
conforme se extrai da análise de Judá
Jessé de Bragança Soares[5]:
"Os direitos assegurados na Constituição e nas leis encontram, no processo judicial, o meio necessário e suficiente para a garantia coercitiva da sua efetividade, podendo o lesado ou as pessoas extraordinariamente legitimadas provocar a ação do poder jurisdicional para, através do devido processo legal, restabelecer a ordem jurídica quando algum daqueles direitos seja violado ou ameaçado".
Adotando
posicionamento semelhante, Ruy
Ruben Ruschel[6]
fornece importante lição:
"Se faltarem vontade política e eficiência prática aos demais Poderes, resta ao Judiciário ocupar o espaço aberto, conquistando-o até fixar seus próprios limites. Se não o fizer, quando invocado caso a caso estará tomando uma postura conservadora, timorata ante as doutrinas consolidadas (na verdade superáveis), cúmplice da histórica iniqüidade que infelicita nosso povo".
Dentre as justificativas já
referidas, a mais utilizada pelo ente público para defender sua inércia é a
discricionariedade. Porém, tal tese tem sido rechaçada sucessivamente pela
jurisprudência, uma vez que os nossos pretórios têm acolhido reiterado
posicionamento doutrinário sobre esse tema.
Olympio de
Sá Sotto Maior Neto[7]
aborda com
propriedade a questão:
“Em outro vértice da mesma figura, o legislador fez também por instituir
capítulo próprio para tratar da proteção judicial dos interesses individuais,
coletivos e difusos relacionados à infância e à juventude. A idéia central é de
que as regras enunciadas no Estatuto da Criança e do Adolescente se constituem
em comandos obrigatórios à família, à sociedade e ao Estado, aguardando-se,
especialmente por parte dos poderes públicos, o cumprimento das normas
estabelecidas. Todavia, e exemplificando, se o administrador, espontaneamente,
não tornar efetivo o que lhe foi determinado pela lei, exsurge disponível ao
interessado um conjunto de medidas judiciais especificamente destinadas à
satisfação, via prestação da tutela jurisdicional, do direito violado”.
A Juíza do Tribunal Regional Federal
de São Paulo, Lúcia Valle Figueiredo[8], nesse mesmo diapasão,
valoriza o contexto que gerou o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que
tal situação deve ser sopesada no momento da decisão a ser proferida,
assegurando o direito inserido na legislação e descumprido pelo ente
estatal:
“O ato administrativo, individual ou de caráter normativo, deve ser esmiuçado até o limite em que o próprio magistrado entenda ser seu campo de atuação. Não há atos que se preservem a um primeiro exame judicial. O exame judicial terá de levar em conta não apenas a lei, a Constituição, como também os valores principiológicos do texto constitucional, os ‘standard’ da coletividade”.
Após abordagem dos princípios que
limitam a atividade discricionária do administrador, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[9] apresenta a seguinte conclusão, de fundamental
valia para a compreensão dessa questão, ora em análise:
“Todos esses princípios foram colhidos implícita ou explicitamente na Constituição de 1988. Eles limitam a discricionariedade administrativa, norteiam a tarefa do legislador e ampliam a ação do Poder Judiciário, que não poderá cingir-se ao exame puramente formal da lei e do ato administrativo, pois terá que confrontá-los com os valores consagrados como dogmas na Constituição”.
Sobre o tema, importante transcrever a decisão da Oitava Câmara Cível de Férias do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, unânime, a qual pode ser empregada para afastar, previamente, qualquer alegação nesse sentido:
"Não se deve negar ao Ministério Público a legitimidade ativa 'ad causam', na defesa do cumprimento das normas constitucionais, sob o argumento da independência entre os poderes. São independentes enquanto praticam atos administrativos 'interna corporis'. Não são independentes para, a seu talante, desobedecerem a Carta Política, às leis e, sob tal pálio, permanecerem cada um a seu lado, imunes à reparação das ilegalidades" (LEX 155/98).
Quanto à
conhecida tese utilizada pelos procuradores dos entes públicos demandados nessa
área, referentes à ausência de previsão orçamentária, importante o ensinamento
de Diomar Ackel Filho[10], que assim professa:
"A Administração, na consecução dos objetivos do bem comum, tem deveres e obrigações, assim como se investe de faculdades e direitos. Ao implementar os atos que lhe competem, espelhados na condução dos serviços e obras públicas, sempre tem em mira determinados fatos, traduzidos como realidade social, em que devem ser sopesados como imperativos a executar ou carências a suprir. Nesse desiderato, o agente público necessita avaliar essa realidade, dando azo, então, ao seu discrimen. Ao fazê-lo, por vezes, o administrador avalia equivocadamente o contexto, divorciando-se do bem comum, ou mantendo-se culposa ou deliberadamente na contemplação distorcida da verdade social, omite-se, negligencia, prevarica. É, então, que surge a possibilidade de correção do desvio ou da omissão praticada por via dos mecanismos de controle da atividade administrativa, entre as quais avulta em importância o Poder Judiciário, pela eficácia vinculativa de sua atuação".
Não pode, portanto, crer o ente
público que possui ampla autonomia, podendo descumprir deliberadamente direitos
assegurados em prol das crianças e adolescentes, sem qualquer possibilidade de
exame dessa conduta deliberada por parte do Poder Judiciário, mediante
provocação do Ministério Público. Em ação civil pública movida pelo “Parquet”
na Comarca de Passo Fundo, processo nº 4284/649, o ilustre Magistrado Eugênio Facchini Neto[11] teceu o seguinte comentário, que define a necessidade do
Poder Executivo se sujeitar à revisão judicial das suas ações (ou omissões):
“O que deve acabar, isso sim, é a
caolha perspectiva de que há um confronto entre os poderes cada vez que há uma
ação judicial envolvendo atos dos demais poderes. Isso deve ser visto com
naturalidade, repito, pois se todas as manifestações do Poder - que em si é uno, não se olvide - necessariamente
devem buscar o bem comum, as eventuais demandas judiciais que forem propostas,
colocando em dúvida a preservação de tal finalidade, nada mais representam do
que uma oportunidade que o sistema oferece para uma última e detida análise da
questão, buscando garantir a efetiva consecução do interesse público”.
Dessa forma, se a legislação brasileira contém dispositivos adaptados à doutrina da proteção integral, é evidente que todas as questões que envolvam direitos humanos na área da infância e da juventude podem ser alvo de exame judicial.
E, em se tratando de omissão do Poder Executivo, a implementação dessas garantias devem ser buscadas através do oferecimento de ações civis públicas pelo Ministério Público, se a busca da solução pela via do ajuste restar inviabilizada.
4) Conclusão:
Diante do contexto examinado, o que se constata é que as previsões da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente ainda não foram integralmente aplicadas no nosso país, não obstante transcorridos mais de 13 (treze) anos da entrada em vigor da Lei n.º 8.069/90.
Caso contrário, cenas que presenciamos diariamente nas ruas das nossas cidades, como crianças pedindo esmolas nas proximidades dos sinais de trânsito, adolescente utilizando substâncias entorpecentes nas praças, mães com seus bebês no colo esperando por horas para um atendimento médico, dentre outras, seriam apenas tristes recordações do passado. Afinal, os artigos 3º e 4º da Lei n.º 8.069/90, além de outras previsões do mesmo diploma e da Carta Magna, não se coadunam com essas situações.
Em face dessa situação, para que possamos corrigir essas falhas, é decisivo que o ente público seja compelido a investir na área da infância e da juventude. E essa ação somente ocorrerá por pressão da sociedade, a qual deve iniciar na escolha criteriosa dos governantes, e por intermédio de medidas fortes do Ministério Público e do Poder Judiciário.
É fundamental reverter conceitos ainda vigorantes no Poder Executivo quanto aos investimentos nessa área, uma vez que somente com programas e projetos adequados, que necessitam de recursos para a sua implementação célere e integral, é possível minimizar e, gradativamente, encerrar com páginas tristes da nossa história, como o trabalho infantil, as dificuldades de acesso à saúde, a privação de moradia, de educação e de lazer.
O que se constata atualmente é que existe um número considerável de crianças e adolescentes excluídos socialmente, impossibilitados de ascender no grupo em que vivem, uma vez que não se alimentam adequadamente, vivem em lares desestruturados, sujeitos a agressões físicas e sexuais, afastados da escola e sem acesso a atendimento médico imediato e eficaz, quando dele necessitam.
Inseridos nessa situação, marginalizados pela sociedade desde o nascimento, as crianças e adolescentes integrantes desse grupo facilmente se envolvem com drogas lícitas e ilícitas, com atos infracionais, com violência e morte. E se tornam alvos da fúria da sociedade, que os gerou com a sua incompreensão e com o seu descaso.
Portanto, se desejamos que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes sejam integralmente respeitados no nosso país, é fundamental uma reversão da forma de examinar essa questão, com uma firme e impositiva cobrança junto aos órgãos públicos responsáveis pela formulação das políticas de atendimento para que efetivamente atuem para suprir as carências que todos conhecem nessa área.
Caso contrário, continuaremos a possuir e a conviver com duas realidades diversas, uma vez que somente uma parcela das crianças e adolescentes tem seus direitos humanos assegurados, face à posição social que suas famílias ocupam. A outra, a seu turno, prosseguirá o seu caminho, no qual palavras como exclusão, fome, medo, doença, violência, drogas, prisão e morte são uma constante.
Notas:
[1] Jornal da AMENCAR (Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente), ed. 34, 11/00.
[2] Jornal da AMENCAR (Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente), ed. 34, 11/00.
[3] UNESCO - Levantamento efetuado em 14 (quatorze) capitais, entre 16.619 (dezesseis mil, seiscentos e dezenove) jovens entrevistados, dos dois sexos, das escolas particulares e públicas, divulgado em 05.07.01, no Jornal A Folha de São Paulo.
[4] MAZZILLI, Hugo Nigro. Alguns Casos de Atuação do Ministério Público, RT 688/252.
[5] SOARES, Judá Jessé de Bragança. Instrumentos processuais no Estatuto da Criança e do Adolescente, Revista do Ministério Público RS, 29, págs. 144 a 155.
[6] RUSCHEL, Ruy Ruben. Da Eficácia dos Direitos Sociais Previstos em Normas Constitucionais, Revista do Ministério Público RS, 33, págs. 39 e 40.
[7] NETTO, Olympio de Sá Sotto Maior. O Ministério Público e a proteção aos interesses individuais, coletivos e difusos relacionados à infância e juventude, Revista do Ministério Público RS, 29, p. 102.
[8] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Controle da Administração Pública, RT, 1991, p. 43.
[9] DI PIETRO¸Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, Atlas, 1991, p. 173.
[10] FILHO, Diomar Ackel. A Discricionariedade Administrativa e a Ação Civil Pública, RT 657/51.
[11] NETO, Eugênio Facchini. Boletim Informativo nº 23, tomo II, págs. 89 a 121, Ministério Público RS, sentença proferida em 1º de agosto de 1995, processo nº 4284/649, Passo Fundo.