EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE
SUMARE
O MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, pelo Promotor de Justiça firmatário,
com fulcro nos arts. 129, III e 227, ambos da
Constituição Federal, arts. 201, V e VIII, 208,
parágrafo único, 210, 1, 224, todos da Lei nº 8.069/90, Lei 7.347/85 e art. 81
do CPC, vem à presença de Vossa Excelência propor a presente Ação Civil
Pública, com requerimento liminar, contra o MUNICÍPIO DE HORTOLÂNDIA,
representado pelo Prefeito Municipal, Sr. JAIR PADOVANI, domiciliado na Rua
Alda Lourenço Francisco, nº 502, Jardim Remanso Campineiro,
Hortolândia, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.
O artigo 227, caput, da Constituição Federal, estabelece que é dever da família,
da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida. à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à
salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
Já o § 7º deste artigo
estabelece que:
“No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se á em
consideração o disposto no art. 204”.
O art. 204 da Constituição Federal,
por sua vez, trata das ações governamentais na área da assistência social,
fixando duas diretrizes básicas:
No inciso I, a descentralização político-administrativa e no inciso II, a participação da
população, por meio de organizações representativas, na formulação das
políticas e n& controle das ações em todos os níveis.
Sobre tais diretrizes, pondera TANIA DA
SILVA PEREIRA:
“Prevê também o Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 88-1-11-1V,
entre as diretrizes da política de atendimento, a municipalização, a criação dos conselho municipais, estaduais e nacionais dos direitos
da criança e adolescente, e, ainda, a manutenção de fundos nacional, estaduais
e municipais vinculados aos respectivos Conselhos.
As diretrizes de descentralização e de municipalização acham-se
diretamente relacionadas, na medida em que a criança, o jovem e sua família
vivem, efetivamente, na comunidade e devem ter, na
esfera municipal, desenvolvimento dos
principais projetos e programas de proteção e atendimento.
Há que se entender a descentralização como um principio
constitucional norteador do ordenamento jurídica Aliás, prevê o art. 60 das
‘Disposições Transitórias’ este princípio no que concerne à educação superior,
da mesma forma, prevê no art. 198-11 a descentralização quanto às ações da
saúde, e no art. 204-11 é determinado o mesmo princípio no que se refere à
assistência social. O art. 227 estende a
descentralização no que tange ao atendimento dos direitos da criança e do
adolescente, levando-se em consideração o disposto no art. 204-CF” (Direito da Criança e do
Adolescente, Editora Renovar, ano 1996, p. 558).
Coube no Estatuto da Criança e do
Adolescente, norma de natureza infraconstitucional, em obediência ao disposto
n.º art. 204, II, da Constituição Federal estabelecer
a forma de participação popular.
O Estatuto da Criança e do Adolescente,
na esteira dos mandamentos constitucionais, estabelece a prioridade absoluta
das políticas de proteção aos menores em dispositivo que assim se ostenta:
“Art. 4º”. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, a saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao registro, a liberdade e à convivência familiar e
comunitária.
a)...
b)...
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
O art. 259, parágrafo - único, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno prevê:
“Compete aos Estados e Municípios promoverem a adaptação de seus órgãos e
programas às diretrizes e princípios estabelecidos em lei”.
Ressalte-se, ainda, que são diretrizes
da política de atendimento à criança e ao adolescente (artigo 88 da Lei
8.069/90), entre outras, a:
I -
municipalização do atendimento;
II- criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente,
órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis,
assegurada a participação popular, paritária, por meio
de organizações representativas, segundo leis federais, estaduais e municipais.
Cabe ao Conselho Municipal de Direitos
da Criança e do Adolescente estabelecer prioridades e definir a aplicação do
dinheiro público, mediante os fundos.
A gestão e
manutenção destes fundos estão vinculados aos Conselhos Municipais de Direitos, para utilização na área da criança e do adolescente,
consoante dispõe o art. 88, mc. IV, do Estatuto.
Por outro lado, o art. 131 e seguinte,
do Estatuto da Criança e do Adolescente, disciplina a criação do Conselho
Tutelar, órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado de zelar
pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Tanto a criação do Conselho de
Direitos, quanto a do Conselho Tutelar são questões
afetas ao Município, que, observando as normas gerais previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente, criará normas legais no âmbito de sua competência
(Legislativo Municipal) e executará as medidas necessárias para dar concretude às normas (Executivo Municipal).
Atento ao princípio da proteção
integral e da prioridade na efetivação dos direitos das crianças e dos
adolescentes, o legislador municipal editou Lei n0
566, de 26 de junho de 1997, dispondo sobre a criação do Conselho
Tutelar.
Não obstante a louvável iniciativa do
Poder Legislativo municipal, o mandamento inserto no referido Diploma mostra-se
inobservado pelo Poder Executivo municipal, que até a
presente data não tomou as providências necessárias tendentes a criar condições
para a instalação do órgão e escolha de seus membros.
Referida Lei Municipal estabelece o
prazo de 05 meses, contados da publicação (artigo 26), ou seja, até o mês de
novembro de 1997, para o primeiro processo de escolha dos membros.
Contudo, decorridos mais de 25 meses da
publicação da Lei Municipal n° 566/97, não se realizou o processo de
escolha dos Conselhos Tutelares.
Verifica-se, portanto, a omissão do
Poder Municipal, incumbido de destinar recursos para as necessidades de
implantação, desenvolvimento e trabalho operacional (artigo 28, da Lei
Municipal n° 566/97), situação que não pode ser tolerada, pois está a lesar
direitos básicos das crianças e adolescentes desse município.
A situação instalada, importa
registrar, acarreta:
I)
ausência de uma política de
atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 87, 1 a V do ECA),
II) inexistência de criação e
manutenção de programas específicos, entidades de atendimento que seriam
responsáveis pela manutenção das próprias unidades a serem criadas, bem assim de
planejamento e execução de programas de proteção sócio-educativas, destinadas
às crianças e adolescentes, em regime de orientação, apoio sócio-familiar,
apoio sócio-educativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo, liberdade
assistida, semiliberdade e internação, de acordo com
as disposições gerais elencadas no art. 90 caput c.c. incisos I a VI do Estatuto Menorista.
A adoção das medidas legais pelo
requerido faz-se necessária e urgente, máxima considerando a diversidade de
problemas relativos à Infância e Juventude existentes na comarca, notadamente a prática cada vez mais freqüentes de atos infracionais de elevado potencial ofensivo e a inexistência
de programas oficiais, para atendimento de situação de ameaça ou lesão a
direito de menores, em níveis compatíveis com a demanda.
Frise-se que o atraso na instalação do
Conselho Tutelar vem acarretando indiscutível e inevitável prejuízo não só às
crianças e adolescentes, que vêem desrespeitado seu direito de absoluta
prioridade referente à formulação e execução das políticas sociais públicas,
mas à coletividade.
Ademais, essa causa ofensiva a
diretrizes e princípios norteadores das matérias relativas à
infanto-adolescência faz com que o Juízo da Infância
e Juventude seja onerado com o exercício de atribuições cometidas ao Conselho
Tutelar, nos termos dos artigos 261 e 262 do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Tais atividades, na essência, não são
jurisdicionais e sobrecarregam o Poder Judiciário, o qual já se vê assoberbado
com o desempenho de suas funções institucionais, inclusive daquelas atribuídas
que lhe são atribuídas de forma exclusiva pela Lei Menorista.
Vale lembrar, por fim, o teor do
disposto no artigo 5°, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido
na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão aos seus direitos
fundamentais”
O prazo estipulado pela lei para o
Poder Executivo criar condições para implantação, desenvolvimento e
operacionalização do órgão em questão já se expirou há
muito. Patente, pois, a omissão da Municipalidade, máxima considerando que o
requerido já foi instado a criar condições que permitam a implantação do
Conselho Tutelar, como se vê dos inclusos documentos.
Ante ao exposto, requer-se
1 -
Seja compelido o Município de Hortolândia ao cumprimento de obrigação de
fazer, consistente em, no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, contados
da data de ciência da presente ação, instalar o Conselho Tutelar, conforme Lei
Municipal n” 566/97, adotando as providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao adimplemento de tal obrigação,
adaptando-se o Município às diretrizes e princípios estabelecidos em lei, em
vista da garantia de prioridade na preferência na formulação e execução das
políticas sociais públicas voltadas para área da infância e juventude.
2 - Em virtude da relevância da matéria
e havendo justificado receio de prejuízo em caso de espera pelo provimento final (art. 213, § 1°, da Lei 8069/90), presentes os
pressupostos legais -fumus
boni iuris e periculum in mora -,
a concessão de Medida Liminar, para que o prazo acima aludido comece a
correr imediatamente, ou seja, a partir da ciência desta (citação) pela
requerida, com a fixação de astreinte;
Tal medida é necessária em razão da
comprovada desídia do requerido que, após anos da publicação da lei, não
instalou o Conselho Tutelar, mesmo após instado
extrajudicialmente a fazê-lo.
3 -
Concedida a LIMINAR ou com a sentença final requer o autor a imposição de multa diária ao requerido, na ordem 100 (cem)
salários mínimos por dia de descumprimento, caso a obrigação de fazer objeto da
presente ação civil pública não seja satisfeita. após o prazo de sessenta dias
a que for compelido o requerido para a realização do ato comissivo, conforme
dispõe os §§ 2° e 3°, do artigo 213 do
ECA.
4 -
Na hipótese de descumprimento da determinação judicial, após o prazo
mencionado, com o trânsito em julgado da sentença que impuser a condenação ao
Poder Público Municipal, desde já se requer a remessa de peças da presente ao
Tribunal de Justiça de São Paulo e à Câmara Municipal, para a apuração de
infração político-administrativa contra o Chefe do
Poder Público Municipal a quem se atribui a omissão
(artigo 216 da Lei 8069/90).
5 - Citação pessoal do requerido para, querendo contestar a presente ação, no prazo
legal, sob pena de confissão e revelia.
Por fim, requer-se, provando por todos
os meios em direito admitidos seja julgado procedente o pedido formulado na
presente AÇÃO CIVIL PUBLICA, em razão dos fatos ora expendidos.
Dá-se â presente o valor de R$
10.000,00
Sumaré, 28 de julho de 1999.
ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS
Promotor de Justiça
Proc. 659/99
Tendo em vista as provas carreadas aos
autos, verifica-se que a liminar pleiteada há de ser deferida, visto que em
sede de cognição sumária e superficial, presentes os
requisitos para tanto.
Ante o exposto, DEFIRO a liminar para
determinar a instalação do Conselho Tutelar no município de Hortolândia, no
prazo de sessenta (60) dias, sob pena de pagamento de multa diária, no valor de
cem (100) salários mínimos, para a hipótese de atraso.
Intime-se e cite-se.
Sumaré, d.s.
LUIS MAURICIO SODRÉ DE OLIVEIRA
Juiz de Direito