O PRAZO DO RECURSO DE APELAÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE*

 

 

José Luiz Mônaco da Silva

Procurador de Justiça em São Paulo.

 

 

O art. 198, inc. II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece o seguinte:

 

“em todos os recursos, salvo o de agravo de instrumento e de embargos de declaração, o prazo para interpor e para responder será sempre de dez dias”.

 

Assim, para apelar, o recorrente dispõe do prazo de dez dias, nos exatos termos do art. 198, inc. II, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

A despeito da clareza do enunciado legal, a 1a Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar em 17 de abril de 1998 o Recurso Especial n. 128.081, do Estado do Rio Grande do Sul, decidiu de maneira diversa. O relator do recurso, Min. Garcia Vieira, esposou a tese segundo a qual o prazo para apelar, em se tratando de ação civil pública da competência da Justiça da Infância e da Juventude, é de quinze dias, e não de dez, uma vez que tal demanda se sujeita à disciplina da Lei n. 7.347/85, cujo art. 19 manda aplicar o Código de Processo Civil naquilo em que não contrariar suas disposições. “A citada Lei n. 7.347/85” – diz um dos trechos da referida decisão – “não regula o prazo para a interposição da apelação e, pelo artigo 508 do CPC, é de 15 (quinze) dias o prazo para interpor apelação que, no caso, deve ser contado em dobro (art. 188 do CPC). É verdade que a Lei n. 8.069/90, em seu artigo 198, item II, estabelece que nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, mas os recursos, com exceção do agravo de instrumento e de embargos de declaração, devem ser interpostos no prazo de 10 (dez) dias. Mas este dispositivo se dirige somente aos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, regulados pelos artigos 142 a 197, concernentes ao pátrio poder, tutela, colocação em família substituta, apuração de ato infracional atribuído ao adolescente, apuração de irregularidades em Entidades de Atendimento e apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente”.

 

Ousamos discordar, data venia, desse r. entendimento. Com efeito, o fato de o ECA não ter dispensado regras procedimentais próprias para as ações civis públicas não é motivo para a aplicação do prazo recursal previsto no art. 508 do Código de Processo Civil.

 

O art. 198 do ECA diz, sem meias palavras, que, nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, o prazo recursal é de dez dias. E ponto final. O legislador não fez distinção alguma entre os procedimentos regulados pelo ECA (perda e suspensão do pátrio poder, arts. 155 a 163; destituição da tutela, art. 164; apuração de ato infracional atribuído a adolescente, arts. 171 a 190; apuração de irregularidades em entidade de atendimento, arts. 191 a 193; apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente, arts. 194 a 197) e os não regulados por ele (ação civil pública e ação mandamental).

 

É certo que os arts. 208 a 224 do ECA, que cuidam predominantemente da ação civil pública, estão inseridos no Capítulo VII do Título VI do Livro II, ao passo que o art. 198, inc. II, encontra-se localizado no mesmo título, mas em capítulo diverso, Capítulo IV, o que poderia gerar no intérprete a suposição de que o prazo recursal de dez dias somente se aplicaria aos procedimentos incluídos no capítulo anterior, o Capítulo III.

 

Há palmar equívoco nesse raciocínio, na medida em que o art. 164 do ECA, inserido no Capítulo III do Título II, manda aplicar o procedimento para a remoção de tutor previsto no Código de Processo Civil e, no que couber, as disposições dos arts. 155 a 163, mas nem por isso o prazo para apelar é de quinze dias. Apenas o procedimento, e somente ele, será o instituído pelos arts. 1.194 a 1.198 do Código Buzaid. Há mais: o legislador reputou dispensável traçar regras procedimentais específicas para a ação civil pública, razão por que mandou aplicar às demandas coletivas as disposições da Lei n. 7.347/85.

 

Não foi à toa, por sinal, que o Tribunal de Justiça de São Paulo, interpretando corretamente a disposição do art. 198, inc. II, do ECA, deixou assentado o seguinte:

 

“O artigo 198 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece as alterações específicas do sistema recursal do Código de Processo Civil, adotado para processamento dos recursos. Dentre as modificações se encontra o prazo de dez dias para os recursos, com exceção do agravo de instrumento e dos embargos. As regras constantes do Capítulo dos Recursos do Estatuto da Criança e do Adolescente é aplicável a todos os feitos em trâmite perante a Vara da Infância e da Juventude e não só aos procedimentos previstos no Capítulo III. Aliás, seria compreensível tal entendimento se os recursos constituíssem apenas uma seção do Capítulo III. Mas não. Da interpretação sistemática se verifica que o Capítulo sobre os recursos se encontra à parte, desvinculado dos procedimentos, ainda que lhe seja posterior. Como bem observou a Meritíssima Juíza a quo, no caso aplica-se o princípio da especialidade e tramitando a ação civil pública perante a Vara da Infância e Juventude, adotada a Lei n. 8.069, de 1990, o prazo recursal é de dez dias, e não quinze... (Ag. Inst. n. 32.337-0, São Paulo, rel. Des. Cunha Bueno, j. 22/8/1996 – Jurisprudência do Tribunal de Justiça – JTJ, vol. 197/175).

 

Logo, independentemente da natureza da ação, o prazo para apelar, perante a Justiça da Infância e da Juventude, é sempre de dez dias, não se aplicando em hipótese alguma o art. 508 do Código de Processo Civil.

 

Notas

* Publicado no Jornal “Notícias Forenses”, edição de janeiro de 2002, p. 5