NOVA CLASSIFICAÇÃO DA INFRAÇÃO PENAL NO ATUAL SISTEMA
CRIMINAL BRASILEIRO E O APLACAMENTO DA CONTROVÉRSIA DE APLICAÇÃO DO INSTITUTO
PRESCRICIONAL
Joubert Farley Eger
Advogado e Aluno da ESMESC.
1. Introdução.
2. Infração Penal e Ato Infracional. 3. Penas ou Medidas Sócio-Educativas? 4.
Instituto Prescricional. 5. Conclusão. 6. Fontes Consultadas.
Introdução
Dentro de um contexto jurisprudêncial a cerca das medidas
sócio-educativas aplicadas aos adolescentes por cometimento de atos
infracionais, vislumbra-se uma celeuma de entendimentos divergentes e não
pacificados quanto à natureza das medidas aplicadas, se penais ou não, cujos
desentendimentos acarretam em controvérsias sobre a aplicação de institutos
penais como é o caso da prescrição.
Nesta esteira conturbada podemos enfatizar a divergência de
posições nas diferentes Turmas do Superior Tribunal de Justiça, mais
propriamente na Quinta e Sexta Turmas - (RESP n° 241.477/SP e RHC n°
7.698/MG).
Infração penal e ato infracional
Algo que não se tem pautado nos antagonismos decisórios e de
máxime importância ao intento do aplacamento das diferenças, repercute no
aspecto ôntico dos atos considerados infracionais pelo Estatuto da Criança e
Adolescência - Lei 8.069/90 - art.103, que assim preclara:
"Art.103. Considera-se ato infracional a conduta
descrita como crime ou contravenção penal."
De sabença jurídica, tem-se que a infração penal é
considerada genus, tendo como
espécies o crime e a contravenção penal no atual sistema penal brasileiro,
classificada pela divisão dicotômica, ocorrendo também nas legislações vigentes
da Itália, Peru, Suíça, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Holanda (cf. PEDRO
PIMENTEL: 01).
Tal taxionomia bipartida advém, afora entendimentos
contrários que não refletem o ideal deste trabalho, do elemento externo do fato
considerado atípico, seu preceito sancionador, ou seja, a infração penal se
classifica em espécies quanto às características da pena imposta, do qual o
legislador se valeu em mencionar no art.1° do Decreto-Lei n°3.914,
de 09 de dezembro de 1941, lei de introdução ao Código Penal e à lei das
Contravenções Penais, verbis:
Art.1° Considera-se crime a infração penal a que a lei comina
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei
comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa
ou cumulativamente.
FREDERICO MARQUES
alude que o nosso legislador trilhou nas mesmas sendas do legislativo
francês ao fixar os critérios de classificação da infração penal, embora lá a
divisão assenta de forma tricotômica (crime, delito e contravenção), segundo
consta no art.1°
do Code Pénal Francês:
"L'infraction que les lois punissent de peines
de police est une contravention. L'infraction que les lois punissent de peines
correctionelles est un délit. L'infraction que les lois punissent d'une peine
afflictive ou infamante est un crime".
Em mesmo iter ideológico,
TOBIAS BARRETO asseverou correto a distinção utilizada pelo legislador pátrio,
dizendo o mesmo que a pena "é uma
espécie de expoente da criminalidade; ela indica, por assim dizer, a potência,
o grau de responsabilidade jurídica, a que o legislador elevou a prática deste
ou daquele ato" (cf. citação feita por FREDERICO MARQUES: 51 e 52).
Neste passo, observa-se que os atos infracionais expressos no
art.103 da Lei 8.069/90, subsumem-se totalmente nas condutas tipificadas como
crimes e contravenções, desviando-se do preceito normativo somente no que
corresponde ao preceito sancionador, sendo este atendido às medidas dos artigos
101 e 112 do Estatuto.
Extrai-se assim, que em nosso sistema penal pátrio a
classificação de infração penal toma contornos nítidos de divisão tricotômica
de infração, tendo como terceira espécie o ato infracional referidos no art.103
do ECA.
Logo, o legislador tomou o acerto de que os atos infracionais
só serão estes quando existir crime ou contravenção. Portanto, as infrações
cometidas por crianças e adolescentes deverão estar sob o crivo dos princípios
do direito penal, pois não existirá medida sócio- educativa
ou protetiva se não existir ato infracional com o seu correspondente tipo
criminal ou contravencional. Permanece íntegro, destarte, à esfera do estatuto
o princípio mitológico insculpido por FEUERBACH: "Nullum crimen, nulla poena sine lege".
Nem é preciso exercício mental exegético para desvendar que a
criança e o adolescente possuem direitos e garantias fundamentais iguais a
qualquer pessoa quando o artigo 227 da Constituição ratifica as garantias
fundamentais individuais e sociais a que têm direito, bem como as garantias
técnicas processuais delineadas em tópico afirmativo do inciso IV, §4°, do
artigo suso.
Neste suelto de garantias e princípios, as crianças e
adolescentes não carecem em hipótese alguma para qualquer outra pessoa da
sociedade visto que, o Estatuto, investido pela Doutrina Jurídica da Proteção
Integral, emana de documentos absolutamente garantistas como a Convenção e as
Regras Mínimas de Beijing, os Documentos de Direitos Humanos das Nações Unidas,
as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da
Juventude (Resolução 40/33/85 da Assembléia-Geral) e a própria Carta Magna de
1988.
Poderia, no entanto, questionar se não há incompatibilidade
entre ato infracional, como espécie do gênero infração penal, e a
inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, conforme atesta os artigos 228
da Constituição Federal e 27 do Código Penal ?
A resposta assenta em negatividade.
Primeiramente, deve-se lembrar que a infração penal elevada a nível de norma é atividade valorativa do Estado em tutelar
certos bens jurídicos que à época são de imperioso interesse social. Neste
vértice, FREDERICO MARQUES atesta "sobre
os dados empíricos da realidade social é que incide a atividade legislativa
para modelar as condutas típicas de comportamentos humanos que devam ser
considerados delituosos"; J.T.DELOS afirma também que o "jurídico nada mais é que o social que
recebeu uma forma pela intervenção da autoridade estatal"; completando
ainda PAUL CUCHE, referindo-se que o legislador cumpre "discernir, na época e meio em que vive, as regras cujo respeito
deve ser assegurado por uma sanção penal" (cf. MARQUES:21).
É certo, e não se olvida, que a imputabilidade é elemento
integrante da culpabilidade, de acordo com os nortes finalistas.
Em mesma trilha, a constituição do elemento penal do tipo,
erigida à espécie de crime ou contravenção, é abraçada por grande parte dos
penalistas como fundamento da teoria tridimensional do delito - fato,
culpabilidade e antijuricidade - concepção esta construída pela dogmática
germânica.
Dessarte, e nas vozes dos mais elevados doutos da matéria
penal, como FREDERICO MARQUES e PETROCELLI, clarificam que antes de formar a
tríade do delito, o unitarismo da antijuricidade já ergue o fato ilícito a
nível penal, haja vista o juízo de valor legiferante que elevou o fato em
repugna à ordem pública e os ideais morais e sociais.
Obviamente que a tridimensionalidade do delito é voz que ecoa
uníssona, não esquecendo, em contrapartida, o unitarismo como primordial à
elevação do simples status de
infração penal. Desta forma a doutrina se inclina, conforme as palavras de
FREDERICO MARQUES, "Sem a
antijuricidade, não há crime - eis o essencial"; e mais, "Desde que o crime subsiste somente quando o fato está em
contradição com a ordem jurídica, - a antijuricidade é elemento ou requisito
indispensável para a aplicação das sanções cominadas a todo o ato que assuma a
coloração de ilícito penal"; e assim arremata o escólio do eminente
penalista, "E desde que surja o
antagonismo do ato competido com a ordem jurídica imperante, este será
antijurídico, e, por isso mesmo, delituoso. Como, pois, alijar a antijuricidade
dos elementos constitutivos do delito, para ficar-se preso a um dualismo
estéril que, além do mais, altera a realidade jurídico-penal, privando-a do que
lhe dá de mais substancial?" (cf. MARQUES: 30 e 31).
Encontra-se por estas elucubrações a inexistência de
incompatibilidade pela inimputabilidade do menor de 18 anos de idade com a
novel classificação tricotômica da infração penal em crime, contravenção e ato infracional, vez que, neste último,
a mera previsão dos ilícitos subsumidos em atos infracionais, pelo art.103 do ECA, prescindem do elemento da imputabilidade penal.
Não fosse assim os doentes ou alienados mentais não deveriam
ser atingidos pelas disposições gerais do Código Penal por serem pessoas
privadas da imputabilidade penal, devido ao despojo de um aspecto
biopsicológico adotado pelo legislador, referidos também no artigo 26 do
diploma repressivo. É de unânime entendimento que a falta deste elemento de
culpabilidade, a relação causal entre o agente e a conduta ilícita não
redundará em imposição de pena, mas sim, de outra sanctio juris, qual seja, a medida de segurança (art.96 do CP).
Em decorrência do desenvolvimento mental incompleto da
criança e do adolescente, item faltante do sistema biopsicológico referido, o
diploma penal comina à matéria, normas de índole extravagante (art.27 do CP).
Por dedução coerente e convergente aos preceitos garantistas do Estatuto e da Lex Mater de 1988, qualquer cominação de
caráter penal ou repressivo da norma 8.069/90, do qual se ateste lacuna e
possível prejuízo à criança e adolescente, o intérprete poderá se valer dos
preceitos do Código Penal, ex vi dos
artigos 12°
(Código Penal) e 6°
do ECA.
Das ilações acostadas pode-se aferir uma nova ordem penal
extravagante frente à Lei n°8.069/90, do qual, invariavelmente, deverá defluir
questões específicas em face às condições peculiares em que se encontram a comunidade juvenil, consagrada pela Doutrina da
Proteção Integral arraigada pelo Estatuto.
A este escopo, o exímio Professor e Desembargador AMARAL e
SILVA, conclui com total e absoluta clareza, verbis:
Aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar (atribuir) responsabilidade frente à
legislação penal comum. Todavia, podendo se lhes atribuir responsabilidade com
base nas normas do Estatuto próprio, respondem pelos delitos que praticarem,
submetendo-se a medidas sócio-educativas, de inescondível caráter penal especial. (RESMESC: 270). (grifos
do original).
Penas ou Medidas Sócio-Educativas?
De conformidade com o exposto em preâmbulo deste trabalho,
permeia nas lindes dos Tribunais sérias controvérsias
a cerca da natureza das medidas sócio-educativas, propugnando alguns, como é o
caso da Sexta Turma do STJ, a inconfundibilidade da essência das medidas com as
penas restritivas de direito ou privativas de liberdade, e outros, como é o
caso da Quinta Turma do STJ, a identidade das naturezas.
Dos que aludem a diversidade de naturezas
certificam que as medidas constantes no Estatuto são puramente
pedagógicas e não punitivas; sendo que a posição contrária afere naturezas
convergentes por uma interpretação contextual e teleológica das medidas
"pedagógicas".
Exposto isso, necessário é verificar que as medidas impostas
aos adolescentes, momentos sancionadores dos atos infracionais, constam em
diploma divergente dos fatos - momentos preceptivos[1] - estes, ensejadores dos efeitos da sanção. Dessume-se que entre
as penas privativas de liberdade e as medidas sócio-educativas, aquelas, ao
contrário destas, encontram-se incorporadas aos fatos geradores da sanctio juris.
Tocante ao critério estrutural concebe-se nenhuma crítica ou
desentendimento, quiçá por não redundar qualquer imprecisão técnico-legislativa
quando as sanções sejam previstas ao menos em outra norma, como pode se
verificar pelos diplomas administrativistas ou até mesmo em próprio ato
normativo mas afastadas dos momentos preceptivos, qual é o caso das penas
restritivas de direito[2] elencadas no artigo 43 do Código
Penal.
Mas, não sendo alvo de nenhuma divergência a questão não deixa
de ter algum relevo à solução da matéria, posto que o momento sancionador é
elemento integrante à perfeição da norma e não um todo em si mesmo, qual
ausência torna o preceito imperativo totalmente inócuo e sem eficácia. Ademais,
e conforme os princípios de direito, referido item caracteriza acessório e como
tal deverá acompanhar a natureza do principal.
O fato de uma pena ou medida visar o ideal pedagógico ou
repressivo não descaracteriza a essência do preceito maior que é integrante, ou
seja, se a sanção imposta agrega carga imediata pedagógica e mediata
retributiva não a destituirá de sua natureza penal que a sua causa (momento
preceptivo) lhe origina. O legislador, tecendo sanções que, teleológicamente,
alvejam a ressocialização e prevenção em detrimento de qualquer carga de
retributividade, o faz por inclinações de política-criminal ao invés do sentido
primário que o direito criminal fora sempre conhecido (pena/castigo). Não é por
menos que as penas alternativas ou substitutivas - art.43 do CP - concebidos
nos delineamentos do Direito Penal Mínimo veio colher outras cargas e funções
da pena, a prevenção e a ressocialização do que a simples e brusca repressão.
No acólito esposado, PEDRO PIMENTEL lembra da vívida
transmudação que as penas privativas se socorrem com as penas alternativas,
vê-se:
"Entre
os substitutivos penais que se propõem a evitar o encarceramento do condenado,
principalmente nos casos de penas de curta duração, encontram-se as formas de punir alternativas. Estas penas, capazes de produzir o
efeito benéfico da punição, sem os inconvenientes da prisão, foram lembradas
desde o momento em que se constataram os malefícios da prisão imposta em
virtude de penas brandas, e as sugestões mais significativas apontavam as
seguintes: a) castigos corporais; b) multa; c) detenção domiciliar (Código
Penal argentino e o nosso Projeto Alcântara; d) admoestação e repreensão
judicial; e) perdão judicial; f) prisão de fim de semana; g) prisão nas férias;
h) prestação de serviços à comunidade; i) interdição de direitos; j) dever de
aprendizado" (cf. PIMENTEL: 170).
É manifesto a carga pedagógica investida pelas medidas do
art.112 do ECA e que muito se assemelham, para não
dizer idênticas, às restritivas de direito do Código Penal, outrossim, a natureza jurídica-penal das
medidas sócio-educativas são prementes e refletem o correspondente primado
ôntico em que verificam os atos infracionais pela nova classificação
tricotômica.
Ainda que alguns relutem do prosélito entendimento acima, não
há de se deixar de enfatizar a glosa do célebre Desembargador AMARAL e SILVA,
citado pelo Ministro e Relator FELIX FISHER, no corpo do Acórdão do Recurso
Especial de n°
241.477/SP, quanto à inegável conotação repressiva das medidas
sócio-educativas:
"Não tenho a menor dúvida:
juridicamente consideradas, as medidas sócio-educativas são retributivas,
pedagógicas e, inclusive, repressivas.
São retributivas por que constituem resposta à
prática de um ato infracional, portanto legalmente reprovável.
(...)
O caráter retributivo é visível na mais branda das
medidas - a advertência - onde o juiz admoesta, vale dizer, avisa, adverte,
repreende.
São pedagógicas, porque têm caráter eminentemente
educativo, mas são repressivas (do latim, repressio, de reprimere - reprimir,
impedir, fazer cessar).
(...)
As medidas sócio-educativas visam prevenir e reprimir a delinqüência juvenil, vale dizer, fazê-la parar
relativamente ao agente e impedir ou moderar o fenômeno em relação aos demais
adolescentes." (grifos do original).
E para concluir o escólio do culto Desembargador, imperioso
destacar a seguinte afirmativa do subseqüente excerto:
"Admitir o caráter repressivo, penal especial (diferente do
penal comum dos adultos), insisto, é útil aos direitos humanos de vítimas e
vitimizadores." (grifo do original).
Do aludido, não sobram dúvidas do caráter penal das medidas,
tanto da ótica estrutural e fundamental do ato infracional como de sua função e
carga que lhe são inerentes.
Instituto prescricional
Até aqui analisado, constata-se o ato infracional como
espécie de infração penal e medida sócio-educativa com natureza penal especial.
Traçado essas premissas perfaz-se o silogismo apropriado ao uso do instituto da
prescrição penal - art.109 e ss. do CP - aos processos de apuração de ato
infracional.
Ponto teratológico jurisprudêncial, mas que, ao menos,
ostenta caminhar em direção ao ideal de aplicação do declamado direito
fundamental da prescrição.
A propósito, não há como esquecer da prescrição como forma de
segurança das relações jurídicas ou a perda do direito de punir do Estado pelo
decurso do tempo. Assim pondera MARIA HELENA DINIZ, pag.698,
é a "extinção da
responsabilidade criminal do acusado, por já se encontrar findo o prazo legal
da punição, que lhe fora imposta (...)" ou como bem salienta DAMÁSIO
E. de JESUS, por citação de ALEXANDRE C. F. TEIXEIRA, "(...) a prescrição não é ordenada em favor
do agente ou do condenado, mas em face do interesse da sociedade".
Vivifica-se nos arautos jurídicos
que a prescrição é direito subjetivo e fundamental inerente a todo cidadão,
evidenciado em todos os ramos do direito (tributário, penal, civil, comercial,
administrativo, processual) esclarecendo, a própria Lex Mater, as circunstâncias em que tal não se prestará a ser
utilizado (art.5°,
incisos XLII e XLIV).
Imagine-se o diploma do Estatuto da Criança e Adolescente -
Lei 8.069/90 - concebido pelos documentos mais
garantistas de direitos humanos (Convenção
e as Regras Mínimas de Beijing, os Documentos de Direitos Humanos das Nações
Unidas e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da
Juventude) declinar de direitos que, para adultos são reconhecidos e às
crianças e adolescentes não!
O ECA, cristalizado por uma Doutrina
de Proteção Integral, reconhecendo, deste modo, a criança e o adolescente como
sujeito em condições peculiares de formação, não pode enveredar por ínvios
caminhos que só trariam a degradação do psiquismo juvenil e a conseqüente
delinqüência e marginalidade da vida adulta.
Se a carga mais acentuada das medidas
correspondem à sua função pedagógica e não retributiva, não será menos
correto o emprego da prescrição. Até mesmo a modesta aplicação, pelo genitor de
uma criança ou adolescente, do animus corrigendi ou disciplinandi. num determinado tempo por
demais extenso a partir da data da indisciplina, não lhe alcançaria o êxito
pretendido.
Acentua o Relator do Acórdão citado (Resp n°241.477),
FELIX FISCHER, a feliz conclusão, verbis:
"(...) Destarte, não aplicar o instituto da
prescrição aos atos infracionais, injustos fundamentadores da atuação do
Estado, significa criar situações bem mais severas e duradouras aos
adolescentes do que em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, o
que é de todo irrazoável."
Tome-se ainda por nota o exemplo de desproporcionalidade
citada por ALEXANDRE C. F. TEIXEIRA, entre um hipotético fato entre adulto e
sujeito de desenvolvimento peculiar:
"Quando o maior comete um crime de lesão leve, e
o juiz recebe a denúncia depois de 4 anos da data do fato, ocorre a prescrição
da pretensão punitiva. Quando o menor comete um ato infracional, lesão leve,
que é crime, não há prescrição depois de 4 anos entre a data do fato e o
recebimento da representação!? É ou não um tratamento desigual!? Isso é
incompreensível".
Realmente, deixando de aplicar a prescrição aos casos em que
o Estado acomete-se em situação de indolência a corrigir o infante, avulta
invariavelmente a incompreensão. A esta análise, arremata o ilustre
Desembargador AMARAL e SILVA:
"Ora, se os adolescentes respondem por atos
infracionais, submetendo-se às medidas restritivas de direitos e até privativas
de liberdade impostas através de ação judicial, é claro que tem direito
subjetivo à prescrição. Do contrário, seria admitir para os adolescentes
sistema mais rígido do que o dos adultos."[3]
Por conseguinte, aplicado o instituto aclamado, deverá o
aplicador do direito atentar as disposições gerais do Código Penal no tocante
ao prazo prescricional aos menores de 18 a 21 anos, previsto no art.115 do CP,
imperativo de ordem pública ao escopo da legalidade e igualdade de tratamento.
Não é demais registrar, no louvor de justiça e bom senso, os
inúmeros julgados do egrégio Tribunal de Justiça de Santa
Catarina que admitem a prescrição penal às medidas da Lei n°
8.069/90, digno de registro também pelo Superior Tribunal de Justiça, quais
sejam: AP 99.000423-6, rel. Des. Paulo Gallotti; AP 99.004156-5, rel.
Des. Nilton
Macedo Machado; AP 99.002135-1, rel. Des. Nilton Macedo Machado; AP
98.015261-5, rel. Des. José Roberge; HC 99.000311-6, rel.
Des. Amaral
e Silva; AP 99.00762-6, rel. Des. Amaral e Silva, dentre inúmeros
outros.
Conclusão
Conclui-se de toda a decomposição do tema em estudo, o
advento do Estatuto da Criança e do Adolescente em uma ordem jurídica
convergente aos postulados garantidores do direito constitucional penal,
acoimado por infrações penais que se subsumem aos integrantes do crime e
contravenção penal e tendo como suas "penas especiais", as medidas
sócio-educativas (art.112 do ECA). De todos os
elementos sopesados, os mesmos certificam a clara manifestação dos institutos
penais garantistas, qual é o caso da prescrição.
Fontes consultadas
1. AMARAL
E SILVA, Antonio Fernando do. O Mito da Inimputabilidade Penal e o Estatuto da
Criança e do Adolescente. Rev.ESMESC, n°5,.
1. CARVALHO,
Jeferson Moreira de. Manual Funcional: Estatuto da Criança e do Adolescente.
São Paulo: Oliveira Mendes, 1997.
2. DINIZ,
Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3° vol. São Paulo: Saraiva, 1998.
3. MARTINS,
Jorge Henrique Schaefer. Penas Alternativas. Curitiba: Juruá, 1999.
4.
MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito
Penal: Da Infração Penal. Vol.II.
Campinas: Bookseller, 1997.
5.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal.
9ªed. São Paulo: atlas, 1995.
6.
PIMENTEL, Pedro Manoel. O Crime e a Pena na
Atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.
7.
TEIXEIRA, Alexandre César Fernandes. Prescrição da
Ação que Apura Infração Praticada por Adolescente. Site Jus Navigandi:
www.jus.com.br.
8.
Site do Superior Tribunal de Justiça: www.stj.gov.br.
Notas
[1] José Frederico Marques decompõe a norma penal em dois
momentos, que são o do juízo de valor (ou momento valorativo) e o da
imperatividade do preceito (ou momento imperativo). E esse momento imperativo
se compõe, por seu turno, em momento preceptivo - contido na regra primária da
norma - e em momento sancionador, contido em seu canône secundário.
(MARQUES:24)
[2] Observe-se que neste caso, as penas substitutivas
encontram-se na parte geral do Código Penal (art.43), enquanto que os momentos
preceptivos ou fatos ilícitos geradores daqueles encontram-se referidos na
parte especial a partir do art.121 usque
art.359-H.
[3] Consideração
importante faz o nobre Desembargador consoante a
terminologia empregada para as medidas sócio-educativas, qual não abandona o
caráter de puro "eufemismo", pois não deixam elas de ser meras penas
restritivas de direito.