ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS

 

 

Anna Paula Teixeira Daher

Dominique de Castro Oliveira

 

 

A Constituição Federal declara ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, preocupações estas que nortearam a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma que regula atualmente a adoção de crianças e adolescentes.

 

O que é uma família? Pode-se entender o ambiente familiar como o local onde o afeto constrói as consciências e supre as dificuldades de relacionamento. Constrói-se, hoje, uma nova concepção de família, o que não quer dizer que tal instituição, como a que conhecemos, esteja em crise, mas sim que as mudanças sociais estão transformando-a, fazendo com que exista necessidade de uma proteção maior pelo Estado, além de atenção da doutrina.

 

A adoção é uma medida de proteção às crianças e adolescentes. Assim sendo, trata-se de uma busca do SEU melhor interesse e não dos interesses dos pretensos adotantes. Para todos eles, nas palavras de Giselda Hironaka, busca-se uma família "Biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental, não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal."

 

Assim, a princípio, poderíamos afirmar que se deveria buscar uma família para tais crianças. Garantidos a estas os seus direitos fundamentais, o amor, enfim, um lar, faria algum sentido a discussão que hoje há sobre a adoção por homossexuais? Então, se uma pessoa está apta a dar a uma criança o lar do qual ela precisa, ao qual ela tem direito, porque a opção sexual dessa pessoa deve ser analisada?

 

Marcadas as relações afetivas com a predominância da heterossexualidade, é enorme o preconceito a casais homossexuais. Muito embora exista em alguns países regulamentação da união entre pessoas do mesmo sexo, no Brasil só há o projeto de lei de autoria da atual Prefeita da cidade de São Paulo Marta Suplicy, o qual aguarda análise e votação do Congresso. Como o legislador brasileiro ainda não concedeu juridicidade a essas relações, obviamente não existe qualquer previsão legal quanto à adoção por homossexuais e, para uma efetiva proteção da família a legislação precisa acompanhar as mudanças sociais.

 

É fundamental destacar que o direito de adotar é outorgado tanto ao homem como à mulher, bem como a ambos conjunta ou isoladamente. O artigo 42 do ECA dispõe: "podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil". Assim, fica claro que uma pessoa - apesar de sua opção sexual - a princípio pode adotar, desde que preencha os requisitos legais e que reste provado que o melhor interesse do adotando está preservado.

 

Um casal homossexual não pode adotar conjuntamente, porque o legislador exigiu a comprovação da estabilidade da família para o deferimento da adoção simultânea. E, como já foi dito antes, as relações homossexuais não têm nenhuma espécie de regulamentação, assim sendo, torna-se juridicamente impossível que dois homens ou duas mulheres pleiteiem, em conjunto, a adoção de uma criança ou adolescente.

 

O que se vê muitas vezes são pessoas solteiras que se habilitam para adoção mas não tornam clara a sua opção sexual, por medo de verem-se impedidas de adotar por terem optado por uma relação homossexual, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente não apresente nenhuma restrição quanto à opção sexual do pretenso adotante.

 

Existe o fantasma da discriminação, é claro. Aqueles que são contra a adoção de crianças por homossexuais alegam que as mesmas sofreriam por serem filhas de um casal não convencional. É verdade que esta ocorre e que essas crianças podem, no futuro, terem problemas quanto à opção sexual de seus pais. Mas será que alegar esse problema não seria o mesmo que cortar o braço por medo de perder os dedos da mão? Nós vamos ficar eternamente presos ao " ... e se?"?

 

Ademais, alguém, sinceramente pode afirmar que essas crianças, hoje, não sofrem discriminação? Sofrem! Elas não têm família, não tem apoio, muitas vivem nas ruas e todos nós temos medo delas. É verdade que algumas apresentam perigo real, mas a grande maioria só precisa de estrutura familiar, rotina, segurança.

 

Ora, discriminadas essas crianças já são. As crianças negras até hoje são discriminadas. O que se sugere? Que elas não nasçam para evitar a discriminação? Será que essas crianças não enfrentariam esse tipo de discriminação – ou qualquer outro – de maneira muito mais equilibrada e positiva se tivessem uma família? Como muito bem, enfocado por Luiz Mello de Almeida Neto: ".... o modelo de família constituído por um homem e uma mulher, casados civil e religiosamente, eleitos reciprocamente como parceiros eternos e exclusivos a partir de um ideário de amor romântico, que coabitam numa mesma unidade doméstica e que se reproduzem biologicamente com vistas à perpetuação da espécie, ao engrandecimento da pátria e à promoção da felicidade pessoal dos pais não esgota o entendimento do que seja uma família."

 

Até que ponto a homossexualidade de uma pessoa pode influenciar outra? Ainda que esses dois sejam pai/mãe e filho(a). Desde 1985 o Código Internacional de Doenças (CID) entende a homossexualidade como desajustamento social decorrente de discriminação religiosa ou sexual e desde 1991 a Anistia Internacional caracteriza como violação aos direitos humanos a proibição da homossexualidade.

 

Alguns estados brasileiros estão começando a analisar mais abertamente essa questão, notadamente o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, aonde há casos de deferimento de guarda e até mesmo de adoção para pessoas declaradamente homossexuais:

"Adoção cumulada com destituição do pátrio poder – Alegação de ser homossexual o adotante – Deferimento do pedido – Recurso do Ministério Público. 1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais) considerado que o adotado, agora com dez anos, sente orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade.2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fatos de formação moral, cultural e espiritual do adotado.3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Apelo improvido. (Ac. Um. Da 9ª CC TJRJ – AC 14.332/98 – Rel. Desembargador Jorge de Miranda Magalhães, j. 23.03.1999, DJ/RJ 26.08.1999, p. 269, ementa oficial)" (grifo nosso)

O fundamental para os filhos é que as funções, tanto paternas quanto maternas, sejam devidamente desempenhadas. E, no Brasil (no mundo) de hoje, está claro que o desempenho dessas funções nada tem a ver com o sexo das pessoas. O que dizer das milhares de famílias monoparentais que hoje temos no país? Se assim fosse, estariam esses pais ou mães criando um exército de desajustados e discriminados? Será que um menino criado sem o pai observando a inclinação da mãe a relacionar-se com indivíduos do sexo masculino, tenderia a envolver-se sexualmente no futuro com outros homens?

 

Toda criança merece fazer parte de uma família. Não podemos deixar que nossos preconceitos impeçam essas pessoas de serem educadas com toda a assistência material e intelectual, de receber afeto para no futuro se tornarem adultos normais e saudáveis.

 

Referências Bibliográficas:

BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A possibilidade da adoção por casais homossexuais no Brasil atual. In: Jus Navigandi, n. 51.

CARELLI, Gabriela. Tudo por um filho. Revista Veja, São Paulo, 09.05.2001.

FERRAZ, Sílvio. Uma decisão corajosa. Revista Veja, São Paulo, 27.09.2000.

FIGUEIREDO. Luiz Carlos de Barros. Adoção Para Homossexuais. Juruá Editora, Curitiba, 2001.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. In: Revista Brasileira de Direito de Família – N.º 1 – Abr.Mai.Jun/99. Editora Síntese.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. Vol. 5. São Paulo: Atlas, 2001.