MARCAS DE GÊNERO NA ESCOLA. SEXUALIDADE E VIOLÊNCIAS/DISCRIMINAÇÕES. REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS E PROFESSORES

Seminário sobre Gênero e Educação

 

 

Mary Garcia Castro
Pesquisadora UNESCO-Representação Brasil.
UFBA-professora aposentada; UNICAMP-CEMI-pesquisadora associada.

 

Miriam Abramovay
Professora e pesquisadora Universidade Católica, Brasília.

 

 

Apresentação

Recorrendo a distintas pesquisas da UNESCO, principalmente aquelas com alunos e membros do corpo pedagógico de escolas em 14 cidades brasileiras(2), discutem-se representações de jovens do ensino fundamental e médio, de professores e outros membros do corpo pedagógico sobre temas como violências, e, entre essas, especialmente discriminações que se entrelaçam à construção da sexualidade, como a homofobia(3), análises precedidas por reflexões sobre violência e masculinidade. Destaca-se também alguns diferenciais por sexo/gênero, tanto entre alunos como entre os que não trabalham e não estudam, considerando que tal grupo merece mais atenção no campo de políticas públicas.

 

Chama-se atenção para a reprodução de estereótipos e inclusive o lugar da escola em tal processo, considerando que muitos dos discursos de professores e diretores, por exemplo, alinham-se a uma cultura de senso comum que tende, se não necessariamente a apoiar, a silenciar sobre discriminações. Abstendo-se, assim, a escola de assumir um papel mais agressivo em termos de formação de uma cidadania, pautada no reconhecimento da diversidade, da denúncia, do combate e da desconstrução de discriminações e relações de gênero (4) que sustentam assimetrias e preconceitos, como a homofobia.

 

O questionamento de uma cultura de produção de masculinidade que potencializa violências de várias ordens e a construção de uma cultura de paz, ou o "aprender a ser", defendido por autores como Morin (1999) e Delors (1998), são, em grande medida, ainda uma utopia a pedir mais investimentos de todos, em que pesem programas acionados inclusive com tal fim — educação para cidadania e por reconhecimento da diversidade — e para melhorar a qualidade do ensino no Brasil, como os "Parâmetros Curriculares Nacionais" (Governo Brasileiro, 2001) para o ensino fundamental; e os "Parâmetros Curriculares Nacionais - Ensino Médio" (Governo Brasileiro, 2002).

Adverte-se que este não é um trabalho em que se critiquem indivíduos ou coletividades, mas processos e, em particular, a intenção de revolucionar culturas autoritárias e discriminatórias, por ações parciais, legais, sem consideração de cenários econômico-sociais, o imaginário e práticas das populações de referência e atropelando a democracia, ou seja, sem participação ativa dessas populações.

Defende-se, assim, que, mais que criticar a omissão ou a relativa participação de professores e outros membros do corpo pedagógico em tal revolução educacional, por um ensino de qualidade no plano de saberes e quanto ao fazer e ao ser (Morin 1999), haveria mais que atentar para distintas dimensões, como: as parcas condições materiais das escolas brasileiras, em especial as públicas e o baixo reconhecimento da importância do professor, o que se registra por suas críticas ao seu nível salarial; à falta de alternativas para uma formação continuada e integral; e à sua pouca participação no debate e operacionalização dos Parâmetros mencionados — que segundo muitos "chegaram de cima". Também se frisa que outro fator que inibe que boas intenções no campo de políticas públicas em educação passem a gestos de muitos é a insatisfação de alunos em relação a sua não participação como sujeitos de mudança na/da escola e a falta de investimentos por representação juvenil, com marcas de gênero e raça naquele campo — mas tal tese é mais desenvolvida em outros trabalhos (ver referências sobre publicações da UNESC0 no Brasil, ao final e Castro e Abramovay, 2003 sobre políticas publicas de/para/com juventudes).

 

Na escola/fora da escola, na escola?

(gênero e raça/etnia - sutis nuances)

De acordo com dados do IBGE, no Brasil, em 1996, 31,1 milhões de pessoas se encontravam na faixa etária entre 15 e 24 anos, o que equivalia a 19,84% da população do país; já em 2000 a população em tal faixa etária seria da ordem de 34.081.330 milhões. A população que freqüentava o ensino fundamental e médio em 2000 era, independentemente da idade, composta por 42 188 630 pessoas. Respectivamente, por sexo, em 2000, estavam no ensino fundamental, 17 253 127 homens e 16 632 904 mulheres; e no ensino médio, 3 772 949 homens e 4 529 650 mulheres.

 

Considerando grupos na pobreza — renda familiar per capita até meio salário mínimo - Henriques (2001 cit. in Grupo Técnico....2002:12) calculou que em 1999, os que tinham 15 a 24 anos mais se destacavam em tal situação que a população mais velha, sendo muito similar por sexo a proporção dos pobres, por tal parâmetro, mas bastante dissimilar por raça/etnia, mais se destacando os classificados como de cor preta e parda (ver Tabela 1).

 

Tabela 1

Incidência de Pobreza em alguns grupos populacionais, segundo cor, algumas faixas etárias e sexo, em %- Brasil, 1999

Faixa etária/Cor

Mulheres

Branca

Parda

Preta

7 a 14 anos

33,5

61,0

60,2

15 a 24 anos

22,2

48,3

45,9

25 a 40 anos

21,4

44,7

41,3

Homens

Branca

Parda

Preta

7 a 14 anos

32,2

61,8

60,6

15 a 24 anos

21,0

45,5

41,7

25 a 40 anos

19,4

41,5

35,9

Fonte: IBGE,PNAD 1999, elaborado por Henriques 2001, cit in Grupo Técnico para Elaboração de Propostas de Políticas para Adolescentes de Baixa Escolaridade e Baixa Renda, 2002: 12. Nota - considerado os grupos com renda familiar per capita até meio salário.

 

Entre os de 15 a 24 anos para cada 100 homens brancos pobres, existem 110 mulheres brancas, 211 mulheres negras e 214 homens negros. Na faixa etária de 7 a 14 anos, por sua vez, para cada 100 meninos brancos pobres há 103 meninas brancas, 189 meninas negras e 203 meninos negros. Ou seja, na alquimia entre raça e gênero, na classe, algumas mulheres perdem mais que as outras, e não necessariamente os homens se destacam como em melhor situação, o que alerta contra referências generalistas e políticas públicas para identidades em si, sem consideração à heterogeneidade que comporta cada uma.

 

Quer pela representação quantitativa no cômputo geral da população e na pobreza, quer pelos direitos humanos dos jovens, esses fazem jus a serem considerados tanto em políticas universais como a serem sujeitos de políticas específicas. Os jovens têm o direito de dispor de bens e serviços não acessíveis a todos nas relações de mercado, como a educação, já que o seu tempo deveria estar dedicado aos estudos, a atividades culturais, ao lazer e aos esportes, ou seja, a uma formação ética, estética e intelectual (Castro e Abramovay 2001).

 

Assim, discutir políticas públicas para juventudes, como o direito a escolas de qualidade, tanto em conhecimentos para formação intelectual, quanto para habilidades, como para o exercício critico de cidadania, é construto da democracia e responsabilidade social com a sustentatibilidade da civilização, ou com gerações que no presente se fazem gerações futuras, como por direitos humanos individuais e coletivos.

 

Mais de uma década depois da Constituição Federal falta assegurar o direito de todos os cidadãos ao ensino fundamental público e gratuito. Ainda há, no Brasil, mais de 1,1 milhão de adolescentes de 12 a 17 anos que não sabem ler e escrever. Considerando-se a população de 10 a 19 anos, verifica-se que o analfabetismo incide principalmente sobre o subgrupo mais jovem – de 10 a 14 anos -; e sobre os adolescentes do sexo masculino (ver Tabela 2).

Tabela 2

População de 10 a 19 anos por condição de alfabetização e sexo, Brasil 2000

 

Idade

Homens Analfabetos

 

%

Mulheres Analfabetas

 

%

10-14

802 882

9,14

454 991

5,31

15 a 19

582 348

6,45

314 069

3,52

Total

1 385 230

7,78

769 060

4,39

Fonte: Censo 2000, IBGE cit. in Grupo Técnico para Elaboração de Propostas de Políticas para Adolescentes de Baixa Escolaridade e Baixa Renda, 2002: 13

 

Mas há que cuidar no debate sobre educação e gênero para não se circunscrever a diferenças de acesso à escola e índices de alfabetização, pois no caso do Brasil, não é necessariamente por desigualdades em relação a tais indicadores que se identificariam marcas de gênero no plano educacional. Com tal preocupação, alertam alguns pesquisadores, como Rosemberg (2001) sobre o risco de propostas ‘homogeneizadoras’ e genéricas, ou circunscritas ao debate sobre gênero e escola à questão de acesso e permanência diferenciada por sexo e sem referência às diversidades de situações nacionais e a juventudes.

 

O panorama atual de acesso e permanência de homens e mulheres nos sistemas educacionais evidencia, nas últimas décadas, ou igualdade de acesso e permanência entre os sexos, ou melhor posição das mulheres (em alguns países desenvolvidos como em vários países latino-americanos)... Eu mesma venho anunciando o maior êxito (ou menor fracasso) escolar de meninas e moças desde Rosemberg, (1975:35-36).

 

Contudo alerta também Rosemberg (op. cit.) que há estrangulamentos na pirâmide educacional, tanto para o caso das crianças, dos adolescentes e dos jovens de ambos os sexos. Assim, demonstra que em 1999, no Brasil, estudavam na 1a a 4a serie, na idade entre 10 a 11 anos, 75,8% dos meninos naquele grupo etário e 70,4% das meninas. Já cursando o secundário, na faixa entre 15 a 17 anos, estariam somente 36,9% dos rapazes naquela faixa e 48,0% entre as moças do mesmo grupo etário.

Há uma outra complexa marca de gênero, como adianta Henriques (cit. in Grupo Técnico ... 2002:14) que tem a ver com trajetórias de vida diferenciadas de meninos e meninas, rapazes e moças, mesmo quando da comunidade dos pobres.

 

Observa-se que a taxa de freqüência à escola dos meninos e rapazes é ligeiramente maior que a das meninas e moças, o que aparentemente contradiz fenômeno constatado por diversos estudos que demonstraram que a população feminina é maioria dentre os concluintes do ensino básico, apresenta um melhor desempenho e uma trajetória escolar mais regular que o alunado masculino, alcançando em meados da década de 90, ligeira vantagem na média de anos de estudos (Rosemberg, 2002). Esse paradoxo é apenas aparente. Na verdade, o que o dado de freqüência à escola está mostrando é que as adolescentes do sexo feminino estão concluindo sua escolaridade antes, em virtude de um diferencial na carreira escolar dos meninos e rapazes, que é mais acidentada, seletiva e lenta que a das meninas e moças, embora a evasão e reprovação levem a um estrangulamento do fluxo escolar dos adolescentes de ambos os sexos.

 

Se limitados a indicadores formais de educação viria se cumprindo as metas previstas em acordos internacionais, de inserção das meninas no sistema escolar, mas fortes desigualdades raciais se mantêm, inclusive entre jovens mulheres, como já detalhado anteriormente. Se além do acesso, indicadores mais finos forem utilizados, como os relativos à trajetória, permanência e desempenho no ensino fundamental, mais se evidencia a perversa realização de discriminações e desigualdades sociais, como a de teor racial. Em 1999 tem-se que 16,3% dos brancos e 25,6% dos negros de 7 anos não freqüentavam a escola. Entre os jovens de 15 a 24 anos, os níveis de cobertura escolar em 1999 declinam drasticamente em relação àqueles, aumentado a proporção dos que não freqüentam a escola: 35,8% dos classificados como brancos e 31,6% dos negros (recenseados como pretos e pardos).

 

Sobre diferenciais por sexo/gênero e raça/etnia quanto ao desempenho tem-se que:

 

A taxa de escolarização liquida das mulheres é superior a dos homens nas duas fases do ciclo fundamental, em todos os anos do período. Por exemplo, na 2a fase do fundamental, a diferença entre mulheres e homens permaneceu estável em torno de 8 pontos percentuais durante toda década, atingindo em 1999, 65,7% e 56,9% para mulheres e homens, respectivamente. Como esperado, o diferencial entre brancos e negros é mais acentuado entre os mais pobres, tanto na 1a quanto na 2a fase do ensino fundamental. Em 1999, entre os 25% mais pobres, as diferenças entre os meninos são de 5,3 e 16,9 pontos percentuais para as 1a e 2a fases, respectivamente (Henriques, 2002: 54).

 

Considerando-se portanto o desempenho escolar (5), identifica-se diferenças de gênero e de raça particularmente entre os 25% mais pobres: as taxas de desempenho são de 41,5% para meninas brancas e de 25,1% para meninas negras; 31,4% para meninos brancos e 20,5% para meninos negros (cálculos por Henriques, op. cit.).

 

Jovens fora da escola – marcas de gênero

É comum na literatura, a afirmação de que trabalho precoce é uma das principais causas para muitos jovens deixarem a escola, sendo que muitos também acumulam o trabalho com o estudo (6). Na área urbana tanto os que trabalham e estudam como também os que só trabalham, com a maior probabilidade se jovens do sexo masculino estarão empregados em pequenas e médias empresas, no comércio ou em serviços, enquanto, se moças, no comércio e em serviços pessoais, destacando-se o caso do trabalho doméstico remunerado. Em 1998 cerca de 29% das jovens entre 15 a 24 anos eram trabalhadoras domésticas remuneradas.

 

Ainda que válida a crítica social à falta de oportunidades para as famílias pobres garantirem a permanência de seus filhos nas escolas, a questão da saída da escola, assim como as idas e vindas ao sistema escolar, remetem a diversas possibilidades explicativas e não exime a escola de críticas, uma vez que há também pesquisas que registram desencantos dos jovens para com a escola. Madeira (1997: 49), a partir de pesquisa sobre meninas dos setores populares, defende que a literatura sobre a "trajetória da relação educação-trabalho de meninas no Brasil talvez seja um dos temas cujas análises tenham sido das mais distorcidas". Continua Madeira, op.cit:50-51):

 

De fato, atribui-se com freqüência o fracasso escolar ora aos pais ou, o que é mais comum hoje, a diferentes dimensões do sistema sociopolítico, mas raramente ao que está acontecendo no interior da organização escolar. Entretanto, os maiores entraves para melhorar o fluxo educacional destas crianças são internos ao próprio sistema, e decorrem de sua série de procedimentos pedagógicos extremamente autoritários, marcados por ‘desvios culturais’ que acabam por reforçar as desvantajosas dificuldades sociais. ....

...

A conclusão que os dados nos levam é que se a escola foi capaz de abrir as portas para as crianças mais pobres, não tem sido capaz de responder às mínimas demandas pedagógicas destas crianças. A literatura existente já aponta para o fato de que os educadores, atuando junto a tal clientela, orientavam seu trabalho a partir de valores próprios da classe media, gerando expectativas incompatíveis com o perfil do alunado. (Madeira 1997: 84).

 

Somos mais cautelosos no ajuizamento sobre a escola, inclusive porque em distintas pesquisas realizadas pela UNESCO em diversas cidades do Brasil, o comum é a ambivalência, expressando os alunos tanto frustrações como expectativas e avaliações positivas em relação à escola, em particular quando comparada a outras instituições e por projetos nos quais a educação escolar colaboraria no processo de mobilidade social e inserção no mercado (Heiborn, 1997).

 

Em estudo que vem sendo realizado no Rio de Janeiro sobre a equação trabalho e escola, por abordagem compreensiva (7), entre os que não estudam e não trabalham, há registros sobre os que saíram da escola em algum momento de suas vidas por desencantos em relação ao ensino, mas predominam os que foram forçados pela necessidade de trabalhar ou, principalmente entre as jovens, o que mais se comenta a seguir, por um casamento, por terem tido um filho ou por terem ficado grávidas. Contudo concorda-se com Madeira (op.cit) sobre a urgência de políticas públicas para os jovens que abandonaram ou foram abandonados pelo sistema escolar e a vigência de discursos "preconceituosos no sistema escolar" (Madeira, op cit.) que podem colaborar para o abandono e o sentido de fracasso escolar de muitas crianças e jovens.

 

Os que não estudam e não trabalham correspondem a 20,4% do total de jovens entre 15 a 24 anos, no conjunto das nove Regiões Metropolitanas no Brasil, em 1999 — o que significa mais de 11 milhões de jovens..

 

Advertem especialistas no campo da juventude e políticas na América Latina que o contingente de jovens que não estudam nem trabalham (ou que não são recenseados como trabalhando) viria crescendo e que pouco se conhece sobre suas estratégias e problemas ou como se conformam em termos de vulnerabilidade social (8).(Castro e Abramovay 2003).

 

Gênero joga importante papel no debate sobre os jovens que não estudam e não trabalham. O lugar dos jovens associa-se a transformações na organização da família, com a ampliação e reconfiguração dos membros responsáveis pelo sustento da unidade familiar, e com o surgimento de novos tipos de família, como as chefiadas por mulheres sustentadas por jovens, e expandidas com a incorporação de novos membros. Note-se que no Brasil, em 1991, 15,6% das mulheres na faixa de 15 a 19 anos declararam-se casadas, sendo que entre os homens de tal grupo etário, a proporção foi de 3,1% (Berquó, in CNPD, 1998: 94 cit. in Castro e Abramovay 2003), o que sugere que a combinação entre geração e gênero mais revela assimetrias e desigualdades na própria geração focalizada, i.e., os jovens.

 

Segundo Silva e Rocha de Arruda (2002), com dados da PNAD 1999, os que não estudam e não trabalham, jovens, considerando o lugar na família, seriam, com a maior probabilidade, filhos (53,1%), seguindo-se dos que estariam na posição de cônjuges (29,8%) e por fim como parentes (12,9%). Note-se que gênero faz uma diferença, pois os jovens predominariam na situação de filhos (80,4%), enquanto ao se considerar as jovens que também não estudam e não trabalham tem-se que 42,6% estariam na situação de cônjuges e 41,1% como filhas. Tais informações embasam a tese de que o casamento, formalizado ou não, ou ter um filho, pode ser um fator que potencializa mais a mulher que o homem a deixar os estudos.

 

De fato, de acordo com os dados da Tabela 3, elaborada por Silva e Rocha de Arruda (2002) para o Brasil, em 1999, entre as jovens, considerando-se a equação trabalho e estudo, é justamente entre aquelas que não estudam e não trabalham que se encontra uma maior proporção de jovens que já tiveram filhos.

Tabela 3

Proporção de mulheres que tiveram filhos por faixa etária, segundo a equação estudo e trabalho, Brasil-1999

Decisão entre estudar e/ou trabalhar Faixa etária

Idade

15-17

18-19

20-24

15-24

Estuda e trabalha

2,2

7,3

18,2

9,4

Só trabalha

20,9

31,7

46,9

46,9

Só estuda

2,3

8,1

20,8

6,6

Não estuda e nem trabalha

32,2

50,5

67,2

57.3

Fonte: In Pessoa da Silva e Rocha de Arruda, 2002, com microdados da PNAD/IBGE 1999

 

Alguns estudos se referem aos que não estudam e não trabalham como população no desalento ou desmotivada, esperando-se que entre esses predomine os que já não mais buscam trabalho (CEPAL 2000 e Silva e Rocha de Arruda, 2002, entre outros). De fato a maior parte dos que não estudam e não trabalham, em nível de Brasil, não estariam buscando emprego, cerca de 70%, mas também é expressiva a proporção dos que insistem em buscar trabalho — 30% (in Silva e Rocha de Arruda 2002). Entre os que buscam emprego, destacam-se os jovens homens (48%). Entre as moças, tal proporção é bem inferior, 23%, possivelmente por seu engajamento no trabalho doméstico não remunerado, inclusive maternagem. Contudo, há que cuidar dos termos ‘desmotivado’ e ‘desalentado’, e mais pesquisar estruturas de ‘vulnerabilização’ e discursos dos jovens sobre a escola, o mercado de trabalho, suas buscas, expectativas e frustrações. Caberia, por outro lado, mais discutir como garantir a sustentação do grupo familiar jovem e a assistência à escola dos jovens pais e mães.

 

A trajetória dos jovens, especialmente se pobres, entradas e saídas da escola parece ser intensa e não é registrada em estatísticas oficiais sobre escolaridade. Tal tema deveria também ser parte da agenda de preocupações da escola, assim como outros correlatos, como a constituição de família, a gravidez e o ter filhos. Note-se que gravidez e o ter filhos concorre para a intermitência na freqüência escolar por parte das jovens, comprometendo sua trajetória no ensino (dados preliminares de pesquisa em realização-ver nota5) e, como se detalha em outra seção, em algumas escolas há discriminação contra jovens grávidas e mães solteiras. Segundo dados da CEPAL (2000), pra América Latina, as mães adolescentes estudam geralmente dois anos menos do que outras jovens da mesma faixa etária.

 

Na escola –  Breves referências ao cenário, segundo atores

Em pesquisas com jovens sobre a escola (e.g., Abramovay e Rua 2002) é comum que os alunos expressem uma ambígua referência à escola, a qual se critica, mas se considera importante. A escola é uma das referências básicas para os jovens, não só pela idéia de que é necessária para o mercado de trabalho, mas também pelas relações com os colegas — a sociabilidade de pares — e com os professores. Em São Paulo, por exemplo, 78% dos alunos de escolas públicas — ensino fundamental e médio - responderam afirmativamente à pergunta se gostavam da sua escola, enquanto entre alunas tal indicador é de 80,9%. (Comumente, são insignificantes estatisticamente as diferenças por sexo em relação a questões sobre a escola, como as que se menciona a seguir, daí a não referência a diferenciais por sexo/gênero.)

 

É, no entanto, surpreendente as altas proporções de alunos do ensino fundamental e médio que não gostam do espaço físico da escola (41% na cidade de São Paulo); que não gostam da maioria dos professores (cerca de 24% em São Paulo) ou das aulas (cerca de 26% nessa cidade) (in Abramovay e Rua 2002: 157). Para o caso de São Paulo, tem-se que cerca de 36% dos alunos declaram que não gostam dos seus colegas.

 

E os professores? Se os alunos não gostam nem dos seus colegas, nem dos professores; a maior parte dos professores declara que não gostam dos alunos — em muito maior proporção dos que o respectivo índice registrado antes, entre alunos. Em São Paulo, 53% dos professores responderam que o que menos gostam na escola é das aulas; 44%, da maioria dos alunos; 12% do espaço físico e apenas 7%, da maioria dos professores.

 

A ambiência escolar deveria ser ponto focal de políticas publicas, o que pede cuidado com a qualidade de ensino e condições salariais e de trabalho de professores. Pedem também mais reflexão, estudos e acompanhamento das relações sociais nas escolas, entre alunos e entre esses e os professores, tanto para detectar possíveis desencadeadores de violências, como porque um ambiente onde os atores não se gostam inviabiliza projetos pedagógicos que enfatizam a ética, a diversidade, o diálogo e a crítica, assim como fragilizam a implementação do ideal por um ensino de qualidade, como se propugna por exemplo nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Governo Federal 2002) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (Governo Federal 2001).

 

No estudo sobre violências nas escolas (Abramovay e Rua 2002) alerta-se que a escola, em muitos lugares, deixou de ser considerada um ambiente protegido, seguro. A violência nas escolas se associaria, guardando especificidades locais, grosso modo, a três dimensões sócio-organizacionais distintas: em primeiro lugar à degradação do ambiente escolar, isto é, dificuldades na gestão das escolas, resultando em estruturas deficientes; em segundo, a uma violência que se origina fora e vem para dentro da escola, manifestando-se por intermédio da penetração das gangs, do tráfico de drogas e da visibilidade crescente da exclusão social; em terceiro, relaciona-se com componentes internos das escolas, específicos de cada estabelecimento. Há escolas que historicamente têm se mostrado violentas e outras que passam por situações de violência. Mas há casos de escolas seguras em bairros ou áreas reconhecidamente violentos e vice-versa, sugerindo que não há determinismos ou fatalidades, o que garante que ações e reações localizadas sejam possíveis.

 

Alunos e professores, principalmente em escolas públicas, tendem a ser críticos em relação a diversos itens do sistema de ensino, ressaltando-se, porém, frustrações combinadas com a vontade de que tal estado de coisas mude. Insiste-se também nas criticas feitas por professores, como por exemplo, no caso da rede pública do ensino médio, às suas próprias condições de vida, o que reverbera na sua forma de vivenciar a pratica escolar. Assim, por exemplo, na maioria das 13 capitais pesquisadas sobre o Ensino Médio, em 2002, os professores se declaram ou insatisfeitos com a renda obtida com o seu trabalho no magistério (entre 76,9% em Maceió a 58,6% em Rio Branco) ou revoltados (entre 9,6% em Macapá a 32,0% em Porto Alegre). Os índices de insatisfação e revolta com a renda obtida no trabalho de magistério são bem mais altos entre os professores das escolas públicas (9)

 

Note-se que a renda média de docentes no Brasil, em 1997, era: no ensino fundamental (1a e 4a series-R$ 425,60; 5a e 8a series, R$ 600,41) e no ensino médio, R$ 700,19 (MEC/INEP 1997, cit. in Governo Federal, 2002:148, no Relatório Nacional Brasileiro sobre o CEDAW). Nesse Relatório se destaca que os baixos salários do magistério são destacados, considerando a possível influencia de gênero – no magistério da educação infantil e do ensino fundamental estaria 36% da força de trabalho formal feminina

 

Ainda tendo como referência, pesquisa sobre o Ensino Médio tem-se que, diferentemente do que prevê a Reforma do ensino médio (formação do educando como um todo visando o pleno exercício da cidadania e ingresso no mercado de trabalho), 53% dos alunos da rede pública e 71% dos alunos da rede privada acham que a principal finalidade do ensino médio é facilitar a aprovação no vestibular. Tal orientação instrumental de curto ou médio prazo problematiza a consecução de um projeto integrado de educação que tenha a intenção de investir na formação intelectual, criar hábitos de reflexão critica e em temas com acento ético, como são os que se orientam para a desconstrução de preconceitos e discriminações.

 

Quanto à Reforma do Ensino Médio, professores se declaram insatisfeitos por não terem tido papel ativo na concepção e na implantação e alguns consideram os formuladores da reforma "estudiosos reclusos em seus gabinetes, distantes da realidade das escolas". Destacam a tendência do Governo Federal ter idealizado alternativas para a educação brasileira, com base em realidades muito diferentes da do país. Muitos sugerem que a Reforma teve como ponto de partida um aluno que não corresponde à realidade. (10)

 

Insiste-se na tese de que tais informações ainda que resumidas, de pesquisa que a UNESCO conclui sobre o Ensino Médio e de outras, como Violências nas Escolas, ilustram a complexidade de implementar propostas necessárias no plano de intervenção sobre uma cultura escolar que reproduz estereótipos de gênero e que deixaria a desejar no plano de desconstruir discriminações e violências — o que mais se discute na seção seguinte — se não se intervêm em um cenário de problemas materiais e insatisfações sobre as condições de funcionamento das escolas, e não se analise a centralidade do vestibular no horizonte da trajetória escolar esperada pelos alunos, como os de ensino médio.

 

Representações sobre Violências, Sexualidade e Homofobia - Alunos e Professores.

Violência, Escola e Gênero

Violência e Masculinidade na Literatura (11)

O risco de a educação trair seus princípios humanistas, convertendo-se em peça de violências, quer pela anuência passiva a um estado de coerção - externo - quer pela participação consentida tanto como instituição ou por seus agentes, e.g., professores, em abusos de poder e autoritarismos - como as faltas, as punições arbitrárias e o ensino de má qualidade - mais se singulariza, por um poder que lhe destaca, o da administração de um "capital simbólico" que transita entre o objetivo e o subjetivo; tem um valor próprio pelo uso de jogos de linguagem; do discurso; da confiança; e da comunicação.

 

Em uma instituição como a escola, um comum tipo de violência nas relações pautadas por hierarquias seria a simbólica (ver Abramovay e Rua 2002). A violência simbólica seria exercida por consentimento, pelo uso de símbolos de poder, não necessita do recurso da força física, das armas, do grito, mas silencia protestos, ou seja, vai mais além do entendimento de senso comum, corporificando-se naqueles tipos de violência não percebidos como tais. A violência simbólica decola do reconhecimento da autoridade e tem na comunicação veiculo básico (Bourdieu 2001):

 

O debate sobre sistemas simbólicos, violência e educação, pede, por outro lado, referencia à socialização em distintas esferas, ou seja, não somente no plano da escola. Anotando que agressores e vítimas comumente são homens, expressiva e também crescente literatura (ver entre outros Nolasco, 2001; e Breines, Connel e Eide, 2000) discute a relação entre violência e masculinidade (12).

 

A relação entre violência e masculinidade seria reproduzida em diversos meios, não somente na escola, e por ritos de passagem que nas sociedades tradicionais seriam regulados, segundo Girard (1990) pelo sagrado e pelo sacrifício (13), disciplinando-se violências ao tempo que se exigiria dos jovens homens provas de aptidão para o exercício de violências socialmente legitimadas — o serem guerreiros, caçadores, chefes ou sacerdotes (Girard cit. in Nolasco 2001). Tais ritos de passagem, segundo Nolasco (2001) hoje, pelo individualismo, ou por oposição entre o individuo e a sociedade, seriam diversos e de ambíguos sinais, comprometendo referências a uma masculinidade positiva, ou seja, não necessariamente associada à violência.

 

Nolasco (op.cit) também se refere à "banalização da violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais". Por outro lado, a ‘masculinização’ ou a ‘feminização’ da violência depende de como se operacionalize o conceito, considerando-se que no plano de agressões verbais e outras, que não apelariam necessariamente para agressões físicas e o uso de armas, as mulheres podem se destacar (Breines et al 2000).

 

No plano da violência na escola, vários autores, em particular europeus, destacam afirmações de masculinidade por estereótipos quanto a força, agressão, defesa das mulheres ou assalto contra elas, como associadas a casos de violência (ver entre outros Breines et al, 2000; e Watts 1998).

 

Vários autores advertem para a importância de uma educação com uma perspectiva de cultura de paz, que aborde estereótipos de masculinidade, como o uso de armas e o apelo à agressão física, subordinação e discriminação contra mulheres e contra o homoerotismo, assim como os rituais de gangues por tais estereótipos (Cuellar 1997; Breines, Cornell e Eide, 2000 e Abramovay e Rua, 2002, entre outros).

 

Em seminário promovido pela UNESCO, em Oslo, 1997, insiste-se contra violência nas relações sociais de gênero, o que no plano da escola, teria como vetor discutir o incentivo, ou a banalização, pelo silenciamento a expressões de masculinidade que apelariam para o desrespeito ao outro. Breines, Cornell e Eide (2000) expressam, que entre as várias referências de tal seminário, a família, as relações interpessoais e a relação comunidade e escola seriam priorizados por convivências positivas, em que o ser masculino e o ser feminino não seriam, necessariamente, "embranquiçados" mas afirmados por respeito à individuação de cada sexo/gênero e por orientação coletiva por compromissos com a comunidade.

 

Um tipo de estranhamento, que para vários autores se associaria à representação da masculinidade, ou da masculinidade legítima e aprendida como a "normal", e que pode se traduzir em diversos tipos de violências, comumente encontrada na literatura sobre jovens, diz respeito à discriminação contra os homossexuais.

 

Costa (1994) considera que a organização cultural das praticas eróticas, ou seja, a aprovação do que é ou não normal tem a ver com a nomeação de identidades, o que se dá de forma coletiva, não sendo ao azar que um dos receios básicos quanto ao lidar com uma identidade não aprovada, seriam os outros, ou seja, como se será considerado pelo grupo de referência no seu trato com o "estranho". A ênfase de Costa (1994) está na linguagem e na comunicação como construtos de preconceitos.

 

A constatação de natureza universal, que nos casos de violência extrema, como a que fere, sangra e mata, quer na sociedade em geral, quer especificamente nas escolas, predominariam tanto como vítima e como agressores os homens, levaria a uma referência comum na literatura internacional sobre violência nas escolas de que "a violência é um problema masculino enraizado na promoção de atitudes e modelos machistas" (Fletcher, 1995: 1, cit. in Hayden e Blaya 2001 para o caso da Inglaterra).

 

A relação entre masculinidade e violência na escola, em alguns estudos, particularmente norte americanos, alimenta-se de trabalhos sobre gangues. Considera-se que as mulheres entrariam quer em brigas de gangues, quer nas que se reproduzem nas escolas, por pertencimento a gangues, como pivô, ou objeto de brigas, mas também seriam sujeitos quando as violências entre mulheres jovens se materializassem tendo, em muito caso, os homens por objeto desejado, moto de ciúmes.

 

Mas em alguns estudos também se ressalta que as mulheres não seriam necessariamente ‘objetificadas’ ou passivas em situações de violências nas escolas e mesmo no fenômeno das gangues (Artz 1998, para os EE.UU.). Artz relata depoimentos e histórias de meninas que se envolveram em vários delitos em escolas para moças nos EE.UU.. Nas escolas, a autora se refere à existência de uma "violência horizontal" instituída por poder paralelo, quando as garotas mais populares e fortes inibiriam as mais jovens. Elas comumente eram críticas das hierarquias nas escolas, mas a exerciam contra outras meninas. Artz (op.cit.) recomenda programas de prevenção e de atuação em relação a tais casos que levem em consideração o sentimento de solidão e abandono das entrevistadas.

 

Peignard et al (1998), sobre escolas na Inglaterra, mais “complexizam" a questão das relações de gênero e formas de afirmação de um "poder pelas meninas" por sutis formas de violência também contra os rapazes, além de chamarem a atenção para casos de assédio sexual, abusos sexuais e psicológicos (ver referências empíricas, na seção seguinte) em que os professores tomariam o lugar de agressores também, e consideram que no caso das meninas se mescla uma ‘adultocracia’ e códigos sexistas que mais as vulnerabilizam nas escolas.

 

Peignard et al (1998) consideram importante distinguir os casos de relações de gênero, de corte violento entre alunos, daqueles que envolvem professores contra alunos. A dominação dos alunos contra suas colegas passaria por meios escritos, verbais e físicos, podendo se exprimir por exposição à vergonha, como as comunicações no banheiro, as pichações e os desenhos, enquanto no caso em que professores seriam agressores, comumente a dependência das alunas ao autoritarismo dos professores seria usada. A nosso juízo, as violências de professores contra alunos implicam em dupla transgressão: aos direitos humanos do outro, dos e das alunas e à coletividade que representa, a escola, por um abuso de poder que lhe foi confiado.

 

Estudos na Inglaterra indicam que as alunas reagiriam de forma diferente aos meninos quando importunadas por abusos, brigas leves e incivilidades, e mais comumente se agrupariam entre elas, em turmas de pares, informais, formando confrarias solidárias e grupos de confidentes. Os meninos, por se isolarem mais, estariam passíveis, com maior possibilidade, a traumas e a reações do tipo abandono das escolas. Algumas meninas inclusive investiriam na construção de corpos atléticos, ‘malhando’, passando a agredir meninos e meninas mais jovens (Stanley 1993 cit. in Peignard et al 1998).

 

Mais que por curiosidade, tal detalhamento das marcas de gênero nas violências e suas formas de reação, estaria a indicar os limites de programas que não levam em conta as diferenças de construção do feminino e do masculino e a importância de mais debater a construção da masculinidade na família e na escola, por exemplo, e como se dá a participação de rapazes, meninos, moças e meninas em tal construção.

 

A associação entre masculinidade e violência para alguns estudos seria dada pela socialização, em distintos ambientes com tal orientação, sendo, portanto, um fenômeno de fora da escola (e.g. Payet 1997) (14). Para outros autores, a escola tem em si uma responsabilidade na reprodução de tal paradigma, quer pelo silenciamento dos professores, que não reagiriam a estereótipos de masculinidade, e por não se introduzir currículos mais explícitos contra aquela associação (Debarbieux 1996 e Breines et al, 2000, entre outros)

 

Referências empíricas (15)

Observou-se que embora os jovens estejam mais envolvidos na violência chamada de "dura", a percepção de rapazes e moças sobre o que é violência muito se assemelha. Ambos, quando solicitados a indicar, de uma relação proposta pela pesquisa, as cinco formas de violência mais graves, selecionaram os mesmos itens, mas com uma singular exceção: a questão da agressão a homossexuais. Neste caso, percebe-se maior sensibilidade das jovens com este tipo de violência. Bater em homossexuais é classificado pelas jovens como 3ª violência mais grave enquanto para os jovens ela ocupa a 7ª posição (ver Tabela 4). 

Tabela 4

Alunos por sexo, segundo percentual médio das cinco ações consideradas mais violentas, por ordem da indicação, no conjunto das capitais pesquisadas, Brasil-conjunto de 14 cidades, 2000.

Masculino

Posição

%

Feminino

Posição

%

Atirar em alguém

82,6

Atirar em alguém

86,3

Estuprar

68,5

Estuprar

84,0

Bater em homossexuais

36,1

Bater em homossexuais

47,8

Usar drogas

48,1

Usar drogas

46,0

Roubar

45,3

Roubar

44,6

Andar armado

44,0

Andar armado

42,1

 Solicitou-se aos informantes: "Entre as ações abaixo, marque as cinco que você considera mais violentas:.." Os percentuais referem-se apenas às respostas afirmativas obtidas na amostra de alunos. Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

 

De fato, como se analisa com mais detalhes na seção seguinte deste artigo, a discriminação contra homossexuais, ao contrario das de outras tipos, como as relacionadas a racismo e a sexismo são não somente assumidas mais abertamente, em particular por jovens alunos, como de alguma forma valorizada entre eles, o que sugere um padrão de masculinidade por estereótipos e medo ao estranho próximo, o outro, que não ser confundido consigo.

 

A homofobia, o medo voltado contra os/as homossexuais, pode se expressar ainda numa espécie de ‘terror em relação à perda do gênero’, ou seja, no terror de não ser mais considerado como um homem ou uma mulher ‘reais’ ou ‘autênticos/as’ (Louro 1997:29).

 

Note-se na tabela anterior que a proporção de jovens mulheres que consideram o estupro um segundo tipo entre as mais grave formas de violência é superior a dos jovens homens que assim se posicionam. De cada 10 moças, cerca de 8 citam o estupro como um dos mais graves tipos de violência, já entre os rapazes, 6 assim se posicionam. A recusa de uma violência que se atinge um outro de outro gênero, a mulher, diz respeito a uma cultura identitária própria, um padrão de masculinidade — que, ao mesmo tempo em que não reconhece os direitos humanos do outro, omite sua culpa na violação desses.

 

No relato sobre violências nas escolas, que envolvem agressões, roubo e vandalismos, os meninos e rapazes mais se destacam como testemunhas, como se nota na tabela 5, seguinte, o que indica sua maior convivência com tais atos.

 

Tabela 5

Alunos, no conjunto das capitais pesquisadas, segundo caso de relatos de violência na escola, Brasil-conjunto de 14 cidades - 2000 (%).

 

Caso de Relatos Sexo

 

Masculino

(%)

 

Feminino

(%)

Agressões e espancamentos de estudantes, pais ou professores na escola.

20

16

Assaltos à mão armada a estudantes, pais ou professores na escola.

15

11

Depredação da escola

10

11

Os percentuais referem-se apenas às respostas afirmativas obtidas na amostra de alunos para as seguintes solicitações: marque com um X se você sabe que já aconteceu nesta escola: (1) "Alunos, pais, professores ou funcionários já agredidos ou espancados"; (2) "Assalto à mão armada a professores, pais ou alunos?" (3) Depredação da escola? Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

 

Outro indicador próprio de uma cultura de violência que também tem marcas de gênero diz respeito ao porte de armas. O uso de armas embaralha sentidos, como o de instrumental básico a negócios ilícitos, o de poder e de masculinidade, que com esse se confunde. De fato, ter uma arma, segundo expressões de jovens homens, seria "mostrar que se é macho", "impõe respeito". Registra-se que ainda que não necessariamente sejam as armas usadas no ambiente escolar, elas servem para intimidação física e mesmo para demonstração de tal tipo de masculinidade. Alguns alunos relatam que eles levam para a escola não só armas de fogo, mas muitas vezes estiletes e canivetes, o que justificam como recurso de defesa.

 

Segundo informações apresentadas na Tabela 6, é bem superior a proporção de meninos e rapazes que já presenciaram alguém com arma de fogo em ambiente escolar (19%) em relação à de meninas e moças (9%), assim como daqueles que declaram que tiveram ou têm uma arma de fogo (7:1)

 

Tabela 6

Alunos, no conjunto das capitais pesquisadas, segundo sexo e testemunho de porte de armas de fogo por alunos, professores ou pais no ambiente da escola, e por posse de armas de fogo 2000 (%).

 

Masculino (%)

Feminino (%)

Testemunho (1)

19

9

Posse (2)

7

1

(1) Solicitou-se aos informantes: marque se você já viu nesta escola: alunos, pais, professores ou funcionários com arma de fogo (revólver, etc.) "Os percentuais referem-se apenas às respostas afirmativas”; (2) Solicitou-se aos informantes: marque o que for verdadeiro: Você já teve ou tem arma de fogo? "Os percentuais referem-se apenas às respostas afirmativas.” Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001.

 

Também no caso brasileiro, segundo relatos nos grupos focais, em particular com membros da comunidade técnico-pedagógica, como registrado na literatura internacional, ressalta-se que a construção da masculinidade, por padrões de valorização do machismo, propiciaria comportamentos violentos entre os meninos, além de se ressaltar diferenciais entre os meninos e as meninas em várias dimensões e tipos de conflitos em que se envolvem na escola.

 

Quadro 1

Gênero, masculinidade e violências nas escolas

Não querendo discriminar, mas eu acredito que os meninos são mais violentos. Certo, porque a cultura brasileira é machista, então, é uma coisa cultural, o homem tem que mandar, é homem é o maior . (Entrevista com coordenadora pedagógica, escola pública, Recife)

 

Nas declarações anteriores, a reprodução de um conhecimento de senso comum que possibilita fundamentar estereótipos, ainda que baseado em observações.

No depoimento seguinte, reflexão sobre a dinâmica da construção da masculinidade, por padrões de machismo, que pressuporia recurso da violência. Note-se, também, a observação sobre como gênero e geração, sistemas de construções culturais que envolvem discriminações e desigualdades, reforçam-se mutuamente, contribuindo para masculinidades pautadas por estereótipos que envolveriam orientações para a violência:

 

Quadro 2

"O menino ele tem que crescer para ser homem, mas não o homem que ele possa ser"

 

A sociedade machista coloca um grau de responsabilidade muito grande na criança masculina. A criança não é nem macho, mas ela tem que ser macha no sentido de ela estar marchando para uma sociedade que os adultos querem, não que a criança venha descobrir, então as suas vontades, ou as suas aspirações, se elas existem, elas são neutralizadas pouco a pouco, com o seu crescimento, quando a criança chega em uma idade de consciência infantil, ela já chega, com conceitos totalmente desvirtuados e destemperados. Então o menino, ele tem que crescer para ser homem, mas não o homem que ele possa ser[...], Então a criança, ela é colocada como masculina ou feminina, sem dar chance da criança estar tendo o trabalho de que ela possa ser masculino ou feminino.

[...]. E aí se ele tem que ser homem naquele grupo, ele tem que ser violento, tem que ser forte, tem que ser acima dos outros, e sobre tudo não pode deixar a mulher dominar. (Entrevista com diretores, escola pública, Vitória)

 

Ressaltam vários informantes, diferenciais por gênero quanto a comportamentos agressivos e tipos de indisciplinas:

 

As meninas não cabulam tanto, não falam que não querem assistir... Eu acho mais problemas com meninos. (...) Tenho [problemas com algumas meninas], algumas com negócio de namorado, que fica no pátio com namorado. É o único problema que eu vejo, ‘menina, vai para a sua sala, deixa aí...’, essas coisas assim. Eu acho que o menino é mais violento. (...) eles têm mais força na hora de uma briga, pode ser que eles machucam mais do que a menina. (...) menina eu não vejo, aqui na escola, brigando... (Entrevista com inspetores, escola pública, São Paulo).

 

Vários informantes relativizam a não-participação das jovens em atos de violência, e muitos sugerem a importância de qualificar que tipo de violência se faz referência ao se considerar gênero.

 

Os homens são em tese mais violentos, agora, o que a gente presencia aqui por incrível que pareça, eu nesses anos todos nunca apartei uma briga entre rapazes, por incrível que pareça, só apartei brigas entre moças. Elas brigam por causa do namorado. Agora,  a tendência maior a agressividade é entre os rapazes. Isso ocorre muito pela convivência do bairro, a convivência de onde vivem, o fruto do meio, eu acho que já traz do próprio meio deles, aonde eles vivem influi muito, por isso a necessidade de uma boa base familiar. Em tese os homens têm muito mais liberdade, vivem muito mais na rua, vivem muito mais nos ambientes mais pesados do que as mulheres, eu acho que já vem de lá. (Entrevista com inspetores, escola pública, Vitória)

Eu acho que [violência] é mais com os meninos, mas as meninas também brigam e se pegam mesmo também. As meninas também não escapam de sair dessa violência não, muitas vezes vem até alunas aqui, chorando machucadas, arranhadas, que a outra deu a outra não deu, e uma chama a mãe disso, a outra chama a mãe daquilo (...) mas os meninos são mais [violentos do que as meninas]. (Entrevista com inspetor, escola pública, Florianópolis).

 

Para muitos, as meninas se destacariam em determinados tipos de brigas, como as que têm como pivô um menino, no plano de violência verbal e em sutis formas de armar conflitos, como por "fofocas" ou maledicência:

 

... as meninas estão inclusive com muitos palavrões [comparação entre os comportamentos das meninas e dos meninos] (...) já tá aí com palavra obscena, é direto na boca dessa juventude nossa, esses palavrões. E qualquer coisa, solta aquele palavrão,  aí eu digo, ‘olha lá a boca, controla’, porque se eu for parar pra advertir, quando eu vejo eu advirto, mas se for pra castigar como se diz assim, mandar uma anotação pra casa vai ter que mandar toda hora, todo instante, porque o palavrão é direto. (Entrevista com inspetores, escola particular, Florianópolis)

 

Em diversos testemunhos, a ênfase em mudanças no que idealmente, ou por estereotipo, se espera do gênero feminino, considerando-se que as mulheres estariam se tornando "mais violentas".

 

Entre os problemas de menino e de menina? Não, olha, ultimamente tem se tornado, assim, quase que iguais, porque meninas que, a gente lida , pela própria cultura, a menina tem um comportamento mais dócil. Agora, de quinta série em diante que a gente tem percebido que elas têm se tornado tão agressivas quanto os meninos. E a questão até mesmo da sexualidade tem oferecido muito problema, porque a nossa cultura hoje, infelizmente, tem levado os nossos adolescentes, as nossas crianças para se expor. E a gente tem muitos problemas em relação a namoro dentro da escola, né? Que são mal conduzidos e as meninas, elas se apresentam muito mais avançadas entre aspas do que antigamente. Então elas têm se tornado, assim, muito violentas também, estão com comportamento típico de menino. Antigamente a gente tinha como só de menino. (Entrevista com inspetor, escola pública, Distrito Federal)

 

As diferenças de gênero quanto a comportamentos violentos viriam, sendo minimizadas, menos por uma igualdade positiva e mais pela expansão de uma cultura de violência que atingiria a todos, indicando-se casos de meninas mais violentas:

 

Eu acho que no mundo que nós estamos, não existe uma diferença entre meninos serem mais violentos do que meninas, está igual por igual. Às vezes briga de menina é pior que briga de menino. (Entrevista com inspetores, escola pública, Vitória)

 

Os meninos eram mais violentos, mas hoje em dia as meninas têm sido bastante violentas também, em sentido de comprar briga, principalmente, briga por namoro, namorados essas coisas assim, pegar pelo cabelo, desafiar a outra, essas coisas aí tem entre os jovens, e não é só entre os meninos, eu acho que hoje em dia esta mais ou menos igual , se bem que a gente ainda vê muito mais violência do lado masculino, o lado feminino ainda esta se conservando bastante, mas que tem bem mais violência hoje entre as meninas, que acompanham, tem. (Entrevista com diretora, escola pública, Porto Alegre)

 

Ressalta-se dos depoimentos anteriores que mesmo anotando-se mudanças nos comportamentos das meninas, ou no imaginário que se teria sobre elas, conserva-se o debate sobre marcas de gênero no campo da violência e das relações entre os sexos.

 

Sexualidade (16)

É comum na literatura sobre escola chamar atenção para o jogo de inculpações mútuas entre escola e família, o que não se discute neste artigo. Contudo, há indícios no campo de tensões que podem, inclusive, muito dificultar a realização de programas nas escolas voltados para educação sexual e para prevenção.

 

A escola, mais que formar no campo de valores e de cultura que envolve relações sociais tidas como privadas, como a sexualidade, teria que lidar com construções, que são reproduzidas por jovens, em comunidades de iguais, mas que discriminar um outro, não considerado igual. Há, portanto, dúvidas se a escola seria em si uma agência suficiente para lidar com temas como discriminações, violências e sexualidade, tendendo-se na literatura a propor redes e alianças entre agências, e a se investir na conquista dos jovens para que eles co-participem como sujeitos da desconstrução de estereótipos. Também se insiste que, em que pese ser um trabalho árduo e com limitações, caberia aos professores mais sistematicamente questionar seus próprios estereótipos.

 

A escola parece não ter uma influência muito significativa na transformação das representações de gênero de alunos e alunas, ou de professores e professoras, muito embora as representações pareçam ser o objeto mesmo da prática educativa. Muito pelo contrário: nela se reproduz o cotidiano sexuado de meninos e meninas, na mesma medida em que as relações de gênero ou os modos sexuados de pensar e agir não são questionados (Duque-Arrazola, 1997: 396)

 

A seguir algumas ilustrações de conflitos e diferenças entre rapazes e moças quando o eixo se volta para comportamento no campo da sexualidade, considerando pesquisas da UNESCO (ver nota 2).

 

Moças indicam que haveria censura por parte dos rapazes quando elas tomam a iniciativa por garantir sexo seguro, mesmo quando há programas neste sentido na escola:

 

‘A garota não pode ter um preservativo. Aqui na escola eles são distribuídos, dão, incentivam. Então, se a garota tiver e o garoto souber que a garota tem, já é um motivo para dizer: é piranha. Eles mesmos tratam de sair correndo’ (aluna de escola pública, Rio de Janeiro). (In Minayo, 1999: 68)

 

A demarcação de códigos femininos e masculinos, assim como rotulações, passa por diferenças, conflitos e pode chegar a casos de assédio sexual nas escolas, envolvendo inclusive coerções por parte de professores contra alunas. De fato, embora pouco estudado enquanto manifestação de violência nas escolas e, muitas vezes, ignorado, o assédio sexual pode ter graves conseqüências sobre os jovens, criando uma cultura permissiva em que atos desse tipo não são vistos como sérios e passíveis de punição, mas, sim, brincadeiras

 

As brincadeiras seriam recurso usado não somente por alunos, mas também por professores para disfarçar comportamentos e estereótipos quanto à sexualidade. Alunos relatam casos em que professores que declaram às alunas que determinados comportamentos delas estão atrapalhando seu trabalho, referindo-se a conotações sexuais: Se a gente tiver com a perna pra cima ele chega e fala assim: ‘Eu não vou conseguir prestar atenção. Eu não vou conseguir dar a matéria direito se você continuar sentada assim.’

 

Para alguns alunos, a distinção entre a tentativa de sedução e o assédio sexual é muito fluido. Mesmo sem a explicitação de favores que poderiam decorrer da aceitação de uma proposta sexual do professor, os desdobramentos resultantes do próprio jogo entre os dois indicariam quanto o poder do professor pode estar operando nesses casos: o professor dá aquela olhada. dependendo do professor e da aluna ele vai te dar uma notinha melhor. Essa relação desigual se revela, por exemplo, na tentativa de sedução de alunos ou alunas por professores ou professoras, mediante concessões: a gente pedia a ele [professor] para ir ao banheiro ou fazer alguma coisa e ele falava assim: ‘só se você me der um beijo.’ ( in Abramovay e Rua 2002:.248)

 

Na cidade de São Paulo, respectivamente, 11% entre os alunos e 20% entre membros do corpo técnico-pedagógico indicaram que nas escolas teria havido casos de estupro ou de violência sexual.

 

Há também estupros e outras formas de violência sexual que ocorrem no entorno da escola, mais precisamente no itinerário percorrido pelas alunas no deslocamento para suas casas: aqui no ano passado, na rua da escola, teve uma menina que foi estuprada. Ela era do 2º ano. Segundo inspetores de disciplina, uma das conseqüências dessas formas de violência é o medo de ir à escola, acarretando, muitas vezes, a desistência de estudar naquele estabelecimento de ensino ou até de dar continuidade aos estudos. (Abramovay e Rua: 2002: 253)

 

A proporção de mulheres jovens que declararam, no âmbito da pesquisa de avaliação dos programas sobre AIDs em escola (Rua e Abramovay 2001), terem vida sexual ativa varia de um mínimo de 18% em Recife a 20% em São Paulo, para um máximo de 36% em Belém e 31% em Florianópolis. Entre rapazes, os percentuais são mais altos, sendo que mais da metade dos jovens seriam sexualmente ativos. As jovens, em média, teriam sua primeira relação sexual entre 15 e 16 anos e os rapazes entre 13 e 14 anos.

 

Tais dados alertam para a importância de específico olhar para o caso dos e das jovens quanto à vivência da sexualidade, o lugar das relações de gênero, construções do masculino e do feminino, e que mais se invista em uma educação sexual mais afim aos desejos e práticas dessa geração. Por um lado, insistir em uma educação contra vieses ‘adultocráticos’ e contra a reprodução de subordinações da mulher e divisões sexuais do prazer, do poder e do trabalho, como da responsabilidade para com os filhos.

 

A avaliação que procedeu a UNESCO sobre os programas de educação preventiva sobre DST/AIDs e uso de drogas nas escolas sinaliza para mudanças de valores com ganhos nas relações sociais de gênero e respeito aos direitos das mulheres, como moças e rapazes mais conscientes da importância do uso de preservativos nas relações sexuais e postura reflexiva sobre sentidos das relações sexuais e os desejos da parceira, considerando o sexo seguro como ato de respeito a direitos do outro, da outra.

 

Mudanças de mentalidade seriam registradas não só entre alunos, mas também entre professores envolvidos nos programas. Tais achados indicam que os jovens, segundo sexo/gênero, e os professores devem ser sujeitos privilegiados em programas de educação para o exercício de uma sexualidade cidadã nas escolas, se o objetivo é cumprir com acordos internacionais assumidos (17) por investimento em mudanças ético-culturais e por relações de gênero baseadas no respeito e solidariedade, construto de uma cultura de paz.

 

Discriminações contra gestantes e mães solteiras (18)

Em que pese ser uma realidade bastante noticiada o aumento da gravidez entre adolescentes e das jovens mães, assim como de mães solteiras, há indicações de práticas discriminatórias por parte da escola contra alunas grávidas e mães solteiras, o que mais se registrou em escolas privadas:

 

Não, se chegar grávida não [aceita]. Antes se engravidasse tinha que sair, agora o pai de uma menina já fez a maior coisa, a maior revolução. Aí eles tiveram que aceitar. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola privada, diurno, Teresina).

 

Mas porque casou, tudo porque casou, solteira não pode. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola privada, diurno, Teresina).

 

Professores da rede privada também recriminam atitudes de preconceito em relação a alunas gestantes como ilustra o texto seguinte:

 

Uma vez a escola tomou uma atitude aqui que eu achei uma atitude preconceituosa. Não era ainda esta direção. Era a anterior, onde uma menina da 8ª série engravidou e aí a escola sugeriu que a mãe tirasse a menina da escola. A própria família quis que ela ficasse. E por direito ela ficou na escola. Cursou a 8ª mesmo com a barriguinha crescendo e tudo. Foi aprovada no final. E ainda hoje ela está na escola, mas a posição da escola, achei que foi preconceituosa do ponto de vista que, no meio dos adolescentes, poderia gerar uma série de situações. (Grupo focal com professores, escola privada, diurno, Teresina).

 

Um depoimento, de escola privada, aponta que não necessariamente as mulheres gestantes são vítimas de discriminação de forma generalizada.

 

Não. Aqui no colégio nós nunca vimos esse negócio de preconceito. Porque inclusive têm meninas grávidas e são tratadas normalmente por suas colegas. Teve um caso aqui no colégio que até o diretor permitiu que fizesse chá de bebê e foi até feito para uma colega aqui. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola privada, diurno, Maceió)

 

Também entre os jovens, haveria vigência de posturas preconceituosas em relação às alunas mães solteiras.

Aqui no colégio falam. Muitos amigos para mim chegam: ‘mulher, tu tem que casar porque fica feio tu ter uma filha, mora com a tua mãe, ele mora com a mãe dele. Isso fica esquisito, todo mundo vai ficar comentando’. Muita amiga minha comenta, aí eu mesmo não ligo não. Mas é preconceito. Eu acho que é preconceito a partir do momento que ofende a pessoa. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, noturno, Teresina).

 

Também há casos de professoras que sofrem pressões da escola por estarem grávidas, como indica uma professora de Porto Alegre que teve de deixar a escola em que dava aulas: Eu na outra escola que trabalhei, engravidei, ganhei neném, voltei e fui demitida. Aí eu descobri que o quadro da escola é esse, professoras que engravidam são demitidas. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola público, diurno, Porto Alegre).

 

Alertam vários estudos que vem aumentando o número de adolescentes grávidas, sendo que entre os dois últimos censos, a única faixa etária em que ocorreu aumento de fecundidade foi a de 15 a 19 anos, 8,7% para 9,1%. Em 2001, 25% dos partos da rede publica de saúde foram de adolescentes (e 50 mil curetagens pós-aborto).

 

Uma brasileira entre 10 a 14 anos dá à luz a cada 15 minutos e dos 2,7 milhões de partos do Serviço Único de Saúde, ano passado, 1,3% foram em mães dessa faixa. Ao todo, 700 mil meninas têm filhos anualmente em um país onde dois terços de adolescentes pertencem às classes baixas e uma em quatro crianças vive em miséria absoluta." (Maranhão, Magno in Jornal do Comércio, 5.12.2002)."

 

Ora, discriminar jovens grávidas e desconhecer a realidade de mães solteiras nas escolas não apenas fere os direitos humanos das mulheres, como deixa a escola de contribuir socialmente, lidando com essas questões quer em termos preventivos, quer no plano de atendimento especializado, e, ideal maior, disposição de serviços, tanto para um trabalho contra preconceitos, como pela integração das jovens mulheres, grávidas e mães. Note-se que ainda que seja ambígua a relação causal entre deixar escola e ficar grávida ou ter filhos, esses são momentos que viriam intervindo negativamente na trajetória da vida educacional de meninas e jovens, como antes comentado, baseando-se em pesquisas em desenvolvimento pela UNESCO.

 

Discriminações contra os homossexuais na escola

Algumas Reflexões

Vem ganhando terreno, no plano de reflexões sobre gênero, além das relações sexuais entre homens e mulheres, investigar como um campo em si, mas também entrelaçado à construção do que é ser homem e o que é ser mulher, orientando-se ademais para o debate das relações sociais entre homens, a questão do homossexualismo.

 

Privilegiar discursos sobre homossexualismo é considerar não somente a importância da linguagem para apresentar visões de mundo, representações, como também o exercício de violências ao se nomear o outro por formas negativas ou contrarias à sua vontade, com o intuito de humilhar. No caso da escola, em que o verbo é matéria prima, o cuidado com a linguagem, os discursos de alunos e professores ganham mais relevância, indicando claros fracassos no projeto escolar racionalista de formar mentalidades por parâmetros de igualdade. Vários autores ressaltam tal importância do estudo de linguagens no âmbito escolar, em particular sobre sexualidade.

 

A linguagem institui e demarca os lugares dos gêneros não apenas pelo ocultamento do feminino, e sim, também, pelas diferenciadas adjetivações que são atribuídas aos sujeitos, pelo uso (ou não) do diminutivo, pela escolha dos verbos, pelas associações e pelas analogias feitas entre determinadas qualidades, atributos ou comportamentos e os gêneros (do mesmo modo como utiliza esses mecanismos em relação às raças, etnias, classes, sexualidades, etc..). Além disso, tão ou mais importante do que escutar o que é dito, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não são, seja porque não podem ser associados aos atributos desejados, seja porque não podem existir ou por não poderem ser nomeados. (Louro, 1997:67)

 

Referências Empíricas

Na pesquisa sobre Ensino Médio, cujos dados foram levantados em 2002 (ver nota 6) quando se pergunta aos alunos sobre quais pessoas ele não gostaria de ter como seu colega de classe, cerca de 11,9% dos alunos respondem que não gostaria de ter um colega homossexual. Em São Paulo, em escolas públicas, tal indicador de rejeição aos homossexuais sobe para 14%.

 

Nos depoimentos abaixo, ilustrações de que a discriminação pode resultar no abandono da escola pelo jovem objeto dessa, e, também, documenta-se em um deles, a indiferença da escola com a vigência de tal violência e a crítica, em outro, pela falta de uma ação mais dirigida contra tais ocorrências.

Quadro 3

Teve um menino que era homossexual, os alunos ficavam chateando ele e os professores não ligavam, que ele desistiu de estudar. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, noturno, Maceió).

 

Tinha um menino sabe, ele era um menino delicado você entende? Homem não é assim, não aceita isso. Mas era o jeito dele, não era porque ele era gay e tal, afeminado, ele, o jeito dele, ele era uma pessoa assim que, sabe? Ele era completamente diferente de um menino, assim, ele não é diferente as atitudes dele, o jeito dele agir, ele não tinha aquele machismo, ele tratava as pessoas mais com clareza e ele era muito, a amizade com os meninos sabe, ele não tinha, porque todo mundo falava que ele era gay e chegou assim a ter um caso assim altamente drástico dentro da sala, ele falou que ia parar de estudar por causa disso. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, diurno, Rio Branco).

 

Na minha sala tinha um menino homossexual e a galera, os meninos, perturbaram ele tanto, até ele sair da escola, não voltou. Ele chegava assim, todo assim e os meninos ficavam perturbando, fazendo hora, brincando. Acabou que teve de sair da escola porque foi muito forte a história. Acho que deveria ter mais campanha na escola para alertar a galera que vivemos num país democrático. Hoje cada um é e pode ser o que quer. Acho que é importante respeitar os outros. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, diurno, Salvador).

 

Alguns alunos assumem abertamente a sua intolerância em relação aos homossexuais, rejeitando a aproximação:

 

            Tenho [preconceito], mas uma certa parte. Meu preconceito é, como se chama, com o gay. Meu preconceito não é totalmente em cima da pessoa. É, por exemplo, se a pessoa que é gay vier com gracinhas para mim. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, diurno, Teresina).  

 

Sempre tem. Eu acho que é, tipo assim, como um trauma assim, que existe em algumas pessoas: "Ah, eu não gosto de negro. Ah, eu não gosto de gay, sabe?" É alguma coisa que aconteceu com ele, sabe? Não tem explicação, embora eu não goste de nenhum gay e se não chegar perto, mas se chegar também, eu fico com raiva, eu não gosto, eu conheço vários sapatão, mas eu não gosto, sabe? Se quiser ser, tudo bem, né? Mas ele lá e eu aqui, converso numa boa, tenho vários amigos assim, só que ele lá e eu aqui. Eu não vou permitir, mas nem todo mundo é igual, né? (Grupo focal com alunos, escola pública, noturno, Cuiabá).

 

Professores confirmam que há discriminação contra homossexuais por parte de alunos. Note-se em um dos testemunhos a tentativa de banalizar tal fato, considerando que essa prática não é nada tão grave:

Eles [os alunos] têm alguma reserva com um aluno [homossexual] que nós temos aqui, então, às vezes, eles falam alguma coisinha, mas não para o aluno. Então a gente tenta chamar a atenção, mas não é nada tão grave não. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola pública, diurno, Goiânia).

Aqui na escola tem um caso de um aluno homossexual. Os meninos têm pavor dele, como se ele tivesse uma doença. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola pública, diurno, Salvador).

 

Os casos declarados de opção pelo lesbianismo seriam menos comuns, sendo uma exceção, o depoimento seguinte, o que indica maior censura e autocensura em relação ao homossexualismo feminino:

Até aconteceu comigo esse ano sim, eu cheguei para a garota e falei que ia processar ela, entendeu? Porque ela falou que eu era sapatão, eu falei: sou assumida ha três anos nessa escola e eu assumo o meu papel quem quiser falar alguma coisa comigo vem comigo. Ela ficou falando gracinha. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, noturno, Rio de Janeiro).

 

Há testemunhos no sentido de frustração com o tipo de procedimentos tomados pela diretoria da escola em caso de queixa por discriminações:

 

[...] Eu esse ano fui recusada, não gostei, chamei o cara para diretoria porque queria retratação dele, o cara simplesmente falou uma barbaridade [que ela era homossexual] e eu não concordei, porque atingiu a minha pessoa. A diretora resolveu o problema, só que não foi da forma que eu queria, mas resolveu. Então tem um grupinho preconceituoso aqui na escola... (Grupo focal com alunos, escola pública,  noturno, Belo Horizonte).

 

Se se registra discursos que revelam postura preconceituosa, há também muitos outros, em sentido contrário, em que os alunos reconhecem o preconceito como algo negativo. Em seus relatos eles são sempre testemunhas ou vítimas, quase nunca sujeitos ativos da discriminação. Observe-se, contudo, como a linguagem, os termos, denuncia alguma cumplicidade passiva, chegando-se em um dos textos a seguir apresentados, a se considerar que a discriminação não seria justa, porque não tinha provas:

 

Tem preconceito porque tem um menino, é meio afeminado. Travesti. Muitos jogam ovos nele. Muitos ficam tirando "sarro". Muitos não chegam perto dele. Parece que ele tem uma doença contagiosa. Eles julgam pela aparência e não conhece para saber o que e como ele se sente. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, diurno, São Paulo).

Tem preconceito sim. Tinha um menino aqui com um jeito meio afeminado mesmo. Todo mundo mexia com ele. Chamava de "viadinho" e tal. Não tinha provas verídicas. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, diurno, São Paulo).

 

Alunos também identificam casos de discriminação explícita dos professores em relação a alunos diferentes do padrão tido como normal.

 

Eu tenho um caso com um aluno do primeiro ano, que ele é homossexual, e um professor do segundo ano passou por ele no corredor e disse que ele é um ser extraterrestre, que é uma aberração. (Grupo focal com alunos do ensino médio, escola pública, noturno, Rio Branco).

 

Professores relatam expressões de preconceito e casos de discriminação e até de segregação por parte dos alunos, mas, quanto à forma que reagem, comumente se referem a uma chamada contra tais práticas.:

 

Tem um aluno aqui, que eu observei que é homossexual. Já conversei com ele e com o amigo. Conversando com os dois, tanto ele quanto o colega que não é homossexual, sentem o preconceito porque gostam de conversar. Então existe o preconceito sim, com relação ao sexo e por estar conversando com os dois, vi que alguns alunos olhavam para mim com certa surpresa. Quis deixar claro que aquilo é uma opção e não fará mal a ninguém. (Grupo focal com professores, escola pública, diurno, Teresina).

 

Observe-se na reflexão do professor abaixo a mentalidade que tende por um lado a uma censura consentida, ao se considerar que um homossexual se não deixar transparecer seria considerado como os demais e, por outro lado, a autocontensão dos seus preconceitos, não pelo seu convencimento de que tais preconceitos se fundamentam em estereótipos, em valores negativos, mas sim, pela demarcação social crítica contra discriminações, ou seja, medo da punição social. Acata-se um padrão de não discriminação pelo receio da crítica externa..

 

Graças a Deus eu nunca tive problemas sérios de ter que chamar a atenção de alguém e essas pessoas que os outros consideram diferentes, que para mim não são diferentes; são como eu, apenas uma opção sexual diferente, elas convivem normalmente, pelo menos na minha aula não deixam transparecer. Às vezes a gente até brinca, mas jamais seria ofendendo, mas é complicado. O professor tem que estar muito aberto, porque uma palavra. Às vezes você se acha certinho a vida toda, mas uma palavrinha que você fala vai no outro dia na secretaria: ‘Olha; esse professor aqui, me desrespeitou; é preconceituoso. Sai no jornal; um deslize assim e já estão degradando a imagem do professor. Tem que ter cuidado’. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola pública, noturno, Cuiabá).

 

Já no depoimento abaixo, também de um professor, a insinuação de que a culpa seria da vítima, ou seja, de que os jovens que optam por uma sexualidade não tida como padrão tendem a se autodiscriminar, isolando-se e se sentindo injustiçado:

 

Eu acho que tem discriminação aqui, que costuma acontecer aqui é um certo isolamento da pessoa, então as pessoas meio diferentes, de orientação sexual ou não, costumam ter um isolamento, direto com as pessoas. Eu não vou citar o nome aqui, sempre se sentindo injustiçado, sempre tem essa separação, então isola um pouquinho. A gente tem um caso com um menino de segundo ano que ele é meio isolado... (Grupo focal com professores do ensino médio, escola privada, diurno, São Paulo).

 

Mas há, também, depoimentos que sugerem que a escola pode desconstruir a discriminação, colaborando para a inclusão e ressaltando nos alunos, a auto-estima e qualidades que contam segundo parâmetros pedagógicos, como o esforço e o desempenho escolar.

 

Temos aula com uma pessoa homossexual e assumido. É o mais inteligente da turma, uma pessoa que não sofre preconceito da sala. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola privada, diurno, Rio Branco).

No ano passado eu tinha 5 adolescentes gays assumidos, 3 lésbicas assumidas na sala de aula, e todos eles com o maior respeito de toda a turma. Foram líderes de turma e botavam a turma para frente. Sem nenhum problema. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola pública, noturno, Porto Alegre).

 

Em síntese, na medida em que a questão da discriminação não é tratada como assunto institucional, fica a deriva o registro de tendências, pois seguiriam essas, mais orientações, formas de ser individuais, dependendo, portanto, de quem é o professor. E assim, há também casos de professores que reconhecem que não sabem como lidar com seus preconceitos, seus valores aprendidos, então como formar para uma cultura da diversidade, os seus alunos, mais além da tolerância formal?

 

Respeitar o negro, respeitar a mulher, respeitar o homossexual, mas tem coisas que eu mesma, eu estava conversando com ela, eu tenho dificuldades de aceitar. Eu respeito, mas eu não aceito ainda. Eu vi dois homossexuais caminhando de mãos dadas, dois homens, aqui na frente passando, e eu fiquei olhando e não acreditava no que eu estava vendo. Mas eu sempre oriento, eu nunca falo, tem que respeitar, eles não estão me atingindo, tudo bem, mas eu tenho dificuldade de aceitar isso. Que todos os valores que eu recebi durante a minha vida, de repente se quebram. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola privada, diurno, Porto Alegre).

Nessa escola, no meu turno, nós temos casos de alguns rapazes que têm deficiência e isso no começo que eles aparecem e se matricula no começo do ano, já é uma dificuldade, pelo menos para mim. Tenho essa dificuldade de trabalhar a respeito e eu procuro evitar esse tipo de piadinha, chacota, entendeu? Orientando dentro da minha disciplina, então volta e meia eu faço o quê? Eu tento fazer um comentário extra, eu tento de alguma forma este conhecimento, essas informações em respeito ao direito do outro de escolher a sua própria sexualidade. (Grupo focal com professores do ensino médio, escola pública, noturno, Cuiabá).

 

Observe-se que, no imaginário desse professor, uma pessoa que escolheu um tipo de sexualidade própria teria deficiência

 

A discriminação contra alunos que são homossexuais por parte dos alunos ocorre, principalmente, de forma velada/disfarçada, através de brincadeiras preconceituosas. De acordo com depoimentos de alguns diretores e professores de escolas públicas e particulares, principalmente os meninos têm esse tipo de atitude, como forma de constrangimento e intimidação àqueles que têm uma opção sexual diferente da sua. Enquanto, entre professores e diretores, alguns consideram que as brincadeiras não são manifestações de agressão, naturalizando e banalizando as expressões de preconceitos, há os que enfatizam que as piadinhas ofendem e partem freqüentemente dos meninos e rapazes. (Os depoimentos e dados seguintes são da Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, referindo-se ao ensino fundamental e médio, em 2001-UNESCO-ver nota 2)

 

Os alunos comentaram ‘da cor da calcinha dele’. É brincadeira, ‘você viu? hoje ele está de calcinha cor de rosa’. Mas, assim..., não foi rejeitado. Não foi tratado agressivamente, não. (Entrevista com diretor, escola particular, São Paulo)

Há preconceito, principalmente por parte dos meninos (...) é motivo de piada pra eles, porque eles levam tudo no sarro (...) Eu acho que o homem tem mais preconceito de ter amigos homossexuais do que a mulher. (Grupo focal com professores, escola particular, Cuiabá)

O preconceito que existe que eu percebo é quando um aluno faz sua escolha sexual, principalmente o homem. Quando parte para o homossexualismo. Principalmente na sala é que é motivo de brincadeiras, preconceito, mas isto acontece em qualquer lugar. (Grupo focal com professores, escola privada, diurno, Teresina).

 

No quadro seguinte, registros de nomeações do outro, dos tidos como homossexuais, colhidas em grupos focais com alunos.

Quadro 4

Apelidos Atribuídos aos considerados Homossexuais, por Alunos

Boiola (Boiolão)

Bicha (Bichinha e Bichona)

Viado

Travesti

Luz Clarita (em referência a personagem da novela "Chiquititas")

Vera Verão (em referência a personagem do programa "Zorra Total"

Bulu

Sapatão ( Sapatona)

Gay

Fonte: UNESCO, 2001- Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas

 

· Quando o preconceito vem de casa

Alguns diretores observam que "tem pais que não vêm na escola porque têm vergonha que o filho tem características homossexuais. A gente tem pai assim, que às vezes procura a gente: 'professora você acha que meu filho tá mudando de hábito?"  Nos contactos com pais, colheram-se testemunhos que evidenciam preconceitos:

Embora seja proibido se falar, eu preferia excluir o homossexual da convivência do meu filho. (Grupo focal com pais, escola particular, Distrito Federal)

Se eu descobrir que uma filha minha é homossexual eu vou ficar frustrado pra caramba. Vou ficar frustrado. (Grupo focal de pais, escola pública, Vitória)

 

Trabalho sobre sexualidade e contra a homofobia nas escolas

No capitulo sobre "Orientação Sexual" dos "Parâmetros Curriculares Nacionais" (volume 10) se lê:

A discussão sobre a inclusão da temática da sexualidade no currículo das escolas de primeiro e segundo graus tem se intensificado a partir da década de 70 por ser considerada importante na formação global do indivíduo. Com diferentes enfoques e ênfases há registros de discussões e de trabalhos em escolas desde a década de 20. A retomada contemporânea dessa questão deu-se juntamente com os movimentos sociais que se propunham, com a abertura política, a repensar sobre o papel da escola e dos conteúdos por ela trabalhados. Mesmo assim não foram muitas as iniciativas tanto na rede pública como na rede privada de ensino.

              ...

O trabalho de Orientação Sexual na escola é entendido como problematizar, levantar questionamentos e ampliar o leque de conhecimentos e de opções para que o aluno, ele próprio, escolha o seu caminho.

...

Em relação às questões de gênero, por exemplo, o professor deve transmitir, pela sua conduta, a eqüidade entre os gêneros e a dignidade de cada um individualmente

....

O diálogo entre escola e família deverá se dar de todas as formas pertinentes a essa relação

.....

Optou-se por integrar a Orientação Sexual nos Parâmetros Curriculares Nacionais por meio da transversalidade, o que significa que tanto a concepção quanto os objetivos e conteúdos propostos por Orientação Sexual encontram-se contemplados pelas diversas áreas do conhecimento.

...

A partir da quinta séria, além da transversalização já apontada, a Orientação Sexual comporta também uma sistematização e um espaço específico [...] na forma de uma hora de aula semanais [....] e com um professor disponível. Isso porque, a partir da puberdade, os alunos também já trazem questões mais polêmicas em sexualidade, já apresentam necessidade e melhores condições de refletir sobre temáticas como aborto, virgindade, homossexualidade, pornografia, prostituição e outras. (Governo Federal 2001: 111-129)

 

Ainda que os parâmetros curriculares nacionais (PCN’s) sobre temas transversais somente tenham sido organizados para o ensino fundamental, o que já é ponto de discussão, esperar-se-ia que seus princípios, se legitimados na comunidade pedagógica, repercutissem em todos os níveis do ensino básico. Ora, o levantamento de campo da pesquisa base dos depoimentos e dados usados neste artigo (ver notas 2 e 6) realizou-se em período que ainda muito se debatia os PCNs por distintos meios de comunicação e no meio educacional, 2000-2001 (20), contudo, note-se que nos discursos transcritos nas seções precedentes sobre sexualidade e discriminações contra homossexuais membros do corpo pedagógico costumam expressar opiniões sobre tais temas, alguns a indicar que assumem atitude crítica contra discriminações por parte dos alunos, contudo, não há propriamente uma perspectiva didática declarada, sistemática que relacione visões de mundo com a responsabilidade de formação de opinião ou menção espontânea a trabalho planejado no âmbito escolar sobre tais temas.

 

De uma forma difusa há entre os atores da escola, principalmente os professores, uma forte tendência a considerar que a escola é de fato um lugar ideal para trabalhar contra preconceitos, mas não necessariamente tal vontade tem o respaldo de um planejamento pedagógico explícito e continuado, ficando, muitas vezes, ao nível de intenção, de palestras e se limitando a uma cruzada pessoal, por conversas e referências no plano de opiniões contra posturas preconceituosas.

 

Eu acho que se deve trabalhar esses temas em escola, porque está ligado a isso a questão do feminismo, machismo, sexualidade. O professor vive isso e, de repente, na sala de aula, ele está desenvolvendo isso, o problema da sexualidade de alguma forma e não está percebendo; então, o professor tem que estar ligado a essa questão; e eu acho que professor em relação a isso tem que ser assim, não deve apenas dar a sua opinião, ele tem que saber o que ele está falando; ele pode estar perdido, porque tem muitos professores que têm o curso de licenciatura você fala isso para aquele que fez apenas um curso bacharel, apesar de que sempre tem uma maneira da escola, ela tem de vez em quando um curso sobre isso, sobre racismo, sobre sexualidade. Então a gente tem a oportunidade de conseguir conhecimentos e não consegue administrar. Então eu acho que o que o professor deve fazer é isso. (Grupo focal com professores, escola pública, noturno, Cuiabá).

 

A maioria dos professores afirma, de fato, que o preconceito deve ser combatido pela escola. As diferenças devem ser respeitadas e os alunos devem posicionar-se para não serem vítimas de discriminação:

 

Eu acho que a escola tem que brigar contra. Tem que fazer de tudo pra acabar com o preconceito. Eu acho que esse é o papel da escola, humanizar mais as pessoas, trabalhar a diversidade, o respeito, o sexo, a classe. É tudo. (Grupo focal com professores, escola pública, noturno, Maceió).

 

Um diretor de uma escola pública informou que é feito um trabalho de conscientização sobre o homossexualismo junto aos alunos na escola que trabalha, onde é ressaltado o respeito pelas diferenças. Segundo o diretor, esse trabalho é desenvolvido, principalmente, por existir um número considerável de alunos e profissionais de sua escola que são homossexuais.

 

A gente desenvolve um trabalho no nosso jovem sobre o respeito pelo outro. Se você respeita o outro, não importa a opção sexual dele, como não importa a religião, não importa o partido político ao qual ele pertence ou a cor. Ele é um ser humano e como ser humano tem que ser respeitado[...] (Entrevista com diretor, escola pública, Salvador)

 

Essa não é uma realidade comum à maioria das escolas públicas. Alguns diretores relataram que não existe um trabalho nas escolas para tratar quer sobre sexualidade quer sobre homossexualismo, mas manifestam preocupação, principalmente por existirem muitos alunos que têm essa opção sexual, mas declaram que não temos segurança. Considera-se que, deveria haver para o corpo docente um trabalho de esclarecimento, de orientação sistemática, ou seja, com a colaboração de especialistas, para terem condições para informar, lidar com as questões apresentadas pelos alunos e segurança ao tratarem do tema, mesmo se não ha discriminação sexual por parte dos alunos heterossexuais.

 

Eu vou ser sincera, não só a minha mentalidade, o meu jeito de pensar e ver que não estão tão preparados para isso, não temos segurança para tratar sobre homossexualismo, não temos conhecimento, mesmo alunos não sendo preconceituosos, a gente não sabe como orientar (...) (Entrevista com diretor, escola pública, Maceió)

 

A conversa informal é uma das medidas adotadas por algumas escolas para tentar evitar que alunos que tenham outras preferências sexuais sejam discriminados. Entretanto, não há indícios de que a homossexualidade tenha sido trabalhada de forma mais consistente na sala de aula, de forma a criar entre os alunos uma familiaridade com o tema, desconstruindo preconceitos e socializando no convívio com a diferença.

 

Quando existe qualquer forma de discriminação por parte dos colegas, nós colocamos essa discussão à tona, a discussão da discriminação das minorias, das opções. Tem que conversar, discutir o assunto, nós procuramos discutir essa relação para justamente impedir que esses alunos se sintam prejudicados ou discriminados dentro da escola. (Entrevista com diretor, escola pública, Rio de Janeiro)

Aqui a gente procura acabar com essa história se por ventura existir, preconceito racial, social.... a gente procura sempre conversar com eles nessa questão. (G Grupo focal com professores, escola pública, noturno, Maceió).

 

Em 2000, 340 escolas em 14 capitais brasileiras foram avaliadas quanto à implementação do "Programa de DST/AIDs e Uso Indevido de Drogas nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio", do Governo Federal (Rua e Abramovay 2001). Nessas, entre 47%, em Recife a 82%, em São Paulo e Manaus, respectivamente, responderam que a escola tratava dos temas DST/Aids – que envolve debates sobre sexualidade — e drogas como temas transversais. Mas proporções inferiores informaram que teria ocorrido cursos de formação/capacitação dos professores para atuar naqueles temas — entre 17% em Recife a 33% em Vitória. Em São Paulo, a proporção foi de 20%. Já as formas mais recorridas para tratar daqueles temas foram: palestras por especialistas de fora da escola e aulas pelos professores de ciência. Segundo vários professores, um dos problemas na execução das atividades previstas pelo programa, seria a falta de periodicidade: "nós sempre fazemos isso, não é...não é bem sistemático não. Nós fazemos isso no começo do ano, certo, e do segundo semestre" (entrevista Vice Diretor, escola estadual, Fortaleza, in Rua e Abramovay, 2001: 125)

 

Orientação sexual também não seria matéria explicitamente adotada pela maioria das escolas pesquisadas, mas temas relacionados à sexualidade seriam abordados em diferentes disciplinas em alguns casos, sendo que há também registros de conflitos com os pais, que consideram que os professores estariam ensinando saliências, assim como casos em que professores explicitam que há demanda por parte dos pais para que na escola se inclua currículos sobre orientação sexual, assim como demanda por parte dos alunos(21).

 

Note-se no testemunho seguinte, a indicação de uma professora tanto da resistência de pais sobre o ensino de sexualidade na escola, quanto à indicação de insegurança e temor, na abordagem do tema:

 

Quadro 5

Ensinando saliência

Considerações finais

Construções sociais da masculinidade e da feminilidade, pautados no poder das armas e o desrespeito ao desejo do outro, comumente uma mulher, viriam contribuindo para reproduções de violências contra as mulheres e contra vários ‘outros’ (Breines, Connell e Eide, 2000).

 

Mas, por outro lado, respaldados em pesquisas sobre experiências da sociedade civil e do poder público que recorrem à participação juvenil ou à democracia participativa (22), ancoradas na criatividade dos jovens, considera-se que vem se acionando saídas, e que se pode colaborar para uma outra cultura e tecedura de relações sociais, combatendo violências ao se entrelaçar:

 

·                                        uma educação não burocrática e com ênfase na ética;

·                                        a difusão de uma cultura sensível à "nossa diversidade criadora" (Cuéllar 1997) e valores de cultura para paz (UNESCO 2001);

·                                        o compromisso com uma democracia atenta por ampliar o acesso a equipamentos culturais e sociais e estimular expressões de linguagens juvenis; e

·                                        a urgência na criação de oportunidades de realização sócio-econômica de homens e mulheres jovens, ou seja, programas e políticas de seguridade social.

 

É consenso que nestes tempos, paz tem a ver com o enfrentamento de diversos tipos de violências, que no dia-a-dia, vitimizam tantos, quer por ações violentas diretas, quer pelo estado de medo e insegurança que atinge a todos.

 

O movimento de mulheres contribuiu de maneira significativa para alertar contra a naturalização de acontecimentos antes não considerados como violentos, como os que se materializariam no âmbito doméstico. Se os dados sobre violência doméstica e violência sexual (assedio e estupros) no Brasil ainda desafiam o cumprimento das recomendações assumidas pela sociedade política e civil com o CEDAW e Pequim 1995, assim como outras convenções internacionais, por outro lado, tem o Brasil um considerável lastro de campanhas e programas desenvolvidos no nível local e nacional.

 

Contudo, também no feminismo e nestas identidades feministas jovens, as culturas juvenis são, ainda, tema de pouco investimento (Lavinas 1997). O que se relaciona também ao fato das mulheres jovens ainda não se constituírem em um coletivo feminista, sujeito social de pressão, o que pede mais investimento em organizações juvenis de vários formatos (ver Castro e Abramovay 2003 sobre políticas de/para/com juventudes).

 

Frisa-se a invisibilidade de um sujeito coletivo que represente interesses e necessidades das mulheres jovens, o que colabora para o vazio, inclusive no plano de políticas públicas, por uma educação que colabore em questionar a sexualidade tradicional, que invista na auto-estima das mulheres jovens e na formação de uma massa crítica juvenil.

Por outro lado, há mais que se preocupar e investir em políticas públicas e projetos de cunho local sobre vários tipos de violências que vêm atingindo meninas e adolescentes, em particular em comunidades periféricas, e discriminações, que se dão em vários meios.

 

O reconhecimento de que várias violências são remodeladas quando se considera gênero e as jovens sugerem, também, a importância de mais investimentos nas relações sociais de gênero, na construção de uma masculinidade juvenil, que, nas áreas mais vulneráveis, vem sendo pautada pela linguagem das armas e das agressões, o que se torna mais grave pela ampliação do poder de organizações ilegais, à margem da governabilidade democrática. Mas tal reflexão não reduz a escola a uma instituição que reflete ou que é condicionada pelo entorno e muito pode a escola fazer por outra linguagem, que não a de violências, outras formas de ser em distintos tipos de relações, e, em particular, em questões que se entrelaçam com gênero, considerando ser um lócus privilegiado de interação entre jovens.

 

Um dos desafios é como a escola se contrapõe a culturas de violências, práticas correntes e difusas com tal vetor e lida com violências simbólicas, em que as vítimas se tornam cúmplices. As jovens e meninas são tratadas como objeto de disputa, pretexto para competições entre homens e, muitas vezes, assumem, quer por defesa, quer pelos símbolos de poder e sedução do tráfico, da contravenção ou dos códigos de sexualidade baseados na propriedade da "fêmea", a adoção de comportamentos também violentos e de passividade, o que contribui sutilmente para a corrosão de sua auto-estima. Em muitos casos, as jovens se consideram também ‘poderosas’ quando adotam padrões violentos de comportamento.

 

Diversas pesquisas promovidas pela UNESCO vêm indicando casos de estupros, assédio sexual, incivilidades contra as jovens, em particular, em comunidades em que se concentram os pobres e, o mais alarmante, certo sentido de banalização de tais violências e outras, como as de cunho racista. Muitas vezes, essas e outras violências não são consideradas como tais, até por membros do corpo pedagógico, ou seja, inclusive em áreas que idealmente seriam de proteção para os jovens como as escolas, o que se documenta no artigo, em relação à discriminação aos homossexuais nas escolas.

 

Muito há que investir em programas de seguridade social e no campo de fortalecimento de uma cultura de paz, desenhados para a especificidade de situações e pensares das mulheres jovens e contra a reprodução da construção de masculinidade baseada em violência.

 

Há que focalizar mais o caso de meninas e mulheres jovens no desenho de programas e políticas públicas, na prevenção contra violências, no plano de seguridade social e investir em uma perspectiva por mudanças culturais, de mentalidade, o que pode não se limitar na área de educação a cumprir metas de atendimento escolar, mas refletir sobre significados de modelagens pedagógicas para tais mudanças. Tal vetor pede programas nas escolas com o sentido de valorizar a auto-estima de grupos em condições de subalternidade imposta, questionar sistematicamente e de forma preventiva expressões de discriminações e por linguagens próximas, como as de cunho artístico e lúdico, colaborar na ampliação da participação dos jovens por projetos sociais críticos em áreas estratégicas, para propostas éticas, como gênero e sexualidade.

 

Insistimos na tese de que, se há que muito mudar no campo das práticas escolares, há, também, que ampliar redes de contacto entre movimentos sociais, como o feminista e o campo da educação. Ratifica-se nesse sentido que o feminismo muito avançou no plano jurídico e político formal, em termos de visibilidade para violências naturalizadas, tidas como coisas de marido e mulher, por exemplo, ou do âmbito do privado. Mas se reconhece que ainda nesse campo são muitas as lacunas e, entre elas, insistimos, no caso das relações de gênero entre os jovens. Também se insiste na falta de políticas educacionais que mexam com conteúdos curriculares e práticas tradicionais nas escolas, por caminhos democráticos, com a participação ampliada da escola.

 

 

 

NOTAS: 

(1) Mary Garcia Castro - pesquisadora UNESCO-Representação Brasil; UFBA-professora aposentada; UNICAMP-CEMI-pesquisadora associada. Miriam Abramovay - professora e pesquisadora Universidade Católica, Brasília. Colaboraram na organização de dados e referências, os pesquisadores Fabiano de Souza Lima; Lorena Bernadete da Silva e Diana Teixeira Barbosa; e as assistentes de pesquisa: Christiani Maria Lima da Silveira; Luciana da Silva Bacellar; Salomé Lima Ferreira e Clesirlene de Oliveira Gomes da Silva - UNESCO.

(2) A UNESCO no caso dos estudos "Violências nas Escolas" (Abramovay e Rua, 2002); "Drogas nas Escolas" (Castro e Abramovay 2002) e "Avaliação das Ações de Prevenção às DST/AIDS e Uso Indevido de Drogas nas Escolas de Ensino Fundamental e Médio em Capitais Brasileiras" (Rua e Abramovay, 2001) realizou entre 2000-2001 pesquisa extensiva e compreensiva em escolas publicas e privadas, estaduais e municipais de treze capitais brasileiras e Distrito Federal, com alunos a partir de quinta série do Ensino Fundamental: pais; professores; e membros do corpo técnico-pedagógico das escolas-diretores, supervisores de ensino e os responsáveis pela segurança do ambiente escolar: inspetores de segurança, policiais militares ou seguranças privado. Articulou-se o emprego de um amplo survey com entrevistas e grupos focais. O survey se refere a um universo de 50 049 alunos e cerca de 2 050 pessoas estiveram envolvidas na parte compreensiva da pesquisa (Ver nas publicações citadas, a parte de metodologia.). As informações-dados e depoimentos-usados neste artigo, referem-se principalmente à base de dados da Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, recurso dos estudos citados. Em algumas seções faz-se também uso da base de dados organizada para pesquisa que conclui a UNESCO sobre Ensino Médio que abrange 13 capitais, sendo que nesse e em outros casos, anuncia-se no texto, as fontes.

(3) Em "Violências nas Escolas" (op.cit.) e em pesquisas em andamento, e.g., sobre o Ensino Médio (Abramovay et al. -com publicação prevista para 2004) e em uma exclusiva sobre Racismo na Escola (que se inicia) discute-se outro tipo de discriminação/violência, como o racismo.

(4) Sobre o conceito de gênero, como relações sociais entre os sexos, entre pessoas do mesmo sexo e como formas de estar no mundo, a partir de construções sociais sobre sexo no plano das interações individuais e vias instituições práticas culturais e símbolos; assim como sobre as relações entre gênero e outras modelagens da vida social, como geração, raça e classe, ver entre outros autores, Lavinas (1997); Heilborn (1997); Saffioti (1987) e Castro (1991).

(5) Sobre forma de mensurar o desempenho escolar, utilizada, anota Henriques (2002: 71): "[...]pela adequação entre a idade da criança e a série efetivamente concluída”.

(6) Em 1998, 41,6% das mulheres jovens entre 15 a 19 anos e 61,6% entre 20 a 24 anos estavam na força de trabalho. No caso dos homens jovens, as taxas de atividade naquelas faixas etárias, eram, respectivamente: 63,6% e 89,5% (in Banco de Dados sobre o Trabalho da Mulher-http://www.fcc.org.br, consultado em 20.2.2003

(7) Pesquisa promovida pela UNESCO em realização no Rio de Janeiro: "Cidadanias Negadas: Vulnerabilidades Sociais e a equação estudo e trabalho no Rio de Janeiro" (Castro e Abramovay—coordenação)

(8) Observação enfatizada pelo consultor da CEPAL, Ernesto Rodriguez em Santiago do Chile, junho de 2001 em seminário sobre Vulnerabilidade Social organizado por aquela entidade.

(9) Informações de pesquisa em vias de publicação sobre o Ensino Médio, pela UNESCO (coordenação: Abramovay).

(10) Informações de pesquisa em vias de publicação sobre o Ensino Médio, pela UNESCO (coordenação Abramovay).

(11) Esta seção resume debates desenvolvidos em Castro 2002.

(12) "Os homens têm uma expectativa de vida menor que as mulheres; respondem por cerca de 90% do contingente carcerário; morrem mais em acidentes de trânsito, ingestão de álcool e drogas; e cometem mais suicídio que as mulheres... Segundo um relatório elaborado pela Federal Bureau of Investigation, nos EE.UU., em 1991, a probabilidade de um homem cometer assassinato é 9 vezes maior do que uma mulher. No que se refere ao estupro violento a proporção de agressores é de 78 homens para uma mulher; para lesões corporais graves, a relação é de 10 homens para uma mulher.... " Nolasco, 2001: 13; 60). Referindo-se a estatísticas sobre o Brasil, nota o autor que em 1997, a cada 4 homens jovens mortos, 1 é morto por arma de fogo.

(13) "Na visão de Girard, o sacrifício funciona para a comunidade [tradicional] como um instrumento de prevenção na luta contra a violência; o sacrifício funciona como controle da violência. Nas sociedades desprovidas de um sistema judiciário, o sacrifício e o rito têm um papel essencial" (Nolasco, 2001: 31)

(14) "Todas as pesquisas mostram a existência de ligação entre atitudes na escola e sexo dos alunos. Os alunos que brigam, que são insolentes, são majoritariamente meninos." Desde o maternal, a relação é mais conflituosa entre a escola e os meninos do que entre a escola e as meninas. Os trabalhos existentes lançam a hipótese que as meninas são mais conformadas às normas da escola. Elas seriam, constantemente, melhor preparadas pela família para ser esses bons alunos que a escola valida." (Payet 1997:148)

(15) Ver nota 2

(16) Nesta seção, o debate sobre sexualidade, considerando bases de dados da UNESCO (ver notas 2 e 6) é rápido. Vem a UNESCO, com tais bases, desenvolvendo pesquisa em profundidade sobre sexualidade, juventudes e escola, com publicação prevista para 2003.

(17) Como os de Beijing 1995 e na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher 1984

(18) Informações desta seção são do banco de dados da pesquisa sobre o Ensino Médio, ver nota 6

(19) O processo de elaboração dos PCN’s teve inicio em meados de 1994. Nos anos 1995 e 96 foram realizados em todo o pais, diversos debates contando com a participação de docentes, técnicos de secretarias de educação e educadores do ensino fundamental assim como membros de sindicatos (Almeida, Hildevana Meire, cit in Bazar, em 28.2.2003. Note-se que em que pese a ênfase do Ministério da Educação e Cultura-ver Governo Federal, 2001—de que houve ampla discussão na comunidade escolar sobre os PCNs, os professores entrevistados na pesquisa UNESCO sobre o Ensino Médio queixam-se de que teria havido pouca participação dessa comunidade no campo da implementação dos PCN’s nas escolas.

(20) "Uma pesquisa do Instituto DataFolha, realizada em 10 capitais brasileiras e divulgada em junho de 1993, constatou que 86% das pessoas ouvidas eram favoráveis à inclusão de Orientação Sexual nos currículos escolares" (Governo Federal, 2001: 1210)

(21) Ver Castro, Abramovay et al, (2001) estudo sobre experiências de organizações não governamentais na área da cultura, esporte, lazer e educação para cidadania, sendo que em varias delas gênero é parte da agenda, recorrendo-se a diversas linguagens para questionar estereótipos e discriminaçoes.

 

(Coordenadoria Especial da Mulher e Conselho Britânico, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e com a colaboração do grupo de "Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual" (EdGES) da Faculdade de Educação da USP. – São Paulo, 24-28 de março de 2003)

 

 


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