A CONSTRUÇÃO DO CAMINHO DO VÍNCULO MÃE ADOLESCENTE / BEBÊ PRÉ-TERMO
No inicio da vida, o bebê tem a mãe
como um prolongamento de si mesmo. Segundo BOWLBY (1990),”os psicanalistas são unânimes em reconhecer
a primeira relação humana de uma criança como a pedra fundamental sobre a qual
se edifica a sua personalidade”. Este primeiro vínculo, geralmente com a
mãe, é denominado apego. Vários pesquisadores têm-se dedicado a estudar em
profundidade este tema (BRAZELTON, 1988; KLAUS & KLAUS, 1989; MAZET &
STOLERU, 1990; SPITZ, 1996; GUEDENEY & LEBOVICI, 1999; CARON, 2000) e,
embora, não haja consenso à respeito da natureza deste
vínculo, a maioria dos autores concorda que dele depende o desenvolvimento
físico e psicológico adequado da criança.
O principal foco de interação entre os
pais e os filhos, nos primeiros anos de vida, é, em geral, a alimentação. Esta
se inicia nas primeiras horas de vida com a amamentação. O toque, o calor
corporal, o contato visual e auditivo que a amamentação propicia constituem
importante estimulação afetiva e cognitiva (LAWRENCE, 1996). Este é um período
de grande aprendizagem tanto para a mãe quanto para a criança que, conforme
evolui, pode determinar futuros problemas de interação familiar (RAMOS &
STEI7N, 2000).
A prematuridade de uma criança não
constitui em si uma condição prejudicial para o estabelecimento do vínculo;
porém, do ponto de vista estatístico, os prematuros são super representados na
população de crianças vítimas de maus tratos e atrasos de desenvolvimento de
etiologia não-orgânica (MAZET & STOLERU, 1990).
Numerosos estudos têm acompanhado
díades de mães e bebês prematuros encontrando dificuldades no estabelecimento
do vínculo inicial uma vez que o nascimento de uma criança prematura e,
notoriamente, em caso de baixo peso ao nascer, é um choque
afetivo, que pode ser vivido de maneira dolorosa e traumatizante
(BRAZELTON, 1988; MAZET & STOLERU, 1990; CRESTI & LAPI, 1997; DRUON,
1997; WIRTH, 2000). Poder-se-ia dizer que o parto é prematuro para o bebê e
para a mãe. Este bebê pré-termo não corresponde às expectativas dos pais que
deverão realizar, além do luto pelo filho imaginário, o luto do bebê pré-termo
real que corre risco de vida e está com sua morte anunciada (WIRTH, 2000). A não
concretização do filho imaginário e perfeito interrompe a relação mãe-bebê e
gera vários sentimentos de depressão, culpa, rejeição e até hostilidade. A
aceitação do bebê real é um processo difícil que depende da história individual
da mãe, das relações com seus próprios pais e das condições psicológicas que
ela apresenta (SPITZ, 1996).
Dentro desse cenário, a adolescente que
engravida tem sua crise do ciclo vital sobrecarregada com outro processo
crítico na vida de uma mulher: a gravidez. Segundo VIÇOSA (1997), o perfil mais
freqüentemente encontrado entre as adolescentes gestantes é o desamparo
emocional, um estado de ansiedade e sentimentos ambivalentes com respeito ao
bebê. Porém, o fato de a mãe ser adolescente não tem uma relação direta com
fatores de risco na gravidez e, sim, com a gravidez não ser desejada e/ou
procurar tardiamente o pré-natal.
A gestação para a adolescente nem
sempre é vista negativamente. As adolescentes de nível sócio-econômico mais
baixo passam a ver a gravidez como uma forma de status social e de aceder mais
rápido ao nível de autonomia adulto (VIÇOSA, 1997). A mesma autora refere que,
quanto mais cedo a mãe adolescente for motivada a desenvolver uma interação
positiva com seu bebê, mais chances terá de se
vincular fortemente com o filho e exercer sua função materna.
Dentro da minha prática clínica, numa
UTI Neonatal, tenho acompanhado muitos casos de mães adolescentes com filhos
prematuros, onde as questões apresentadas acima aparecem com muita freqüência.
Um dos sinais das alterações na relação mãe-bebê se evidenciam nas dificuldades
de amamentação.
Porém, existem casos de mães
adolescentes que transformam este momento de conflito em momentos de
aprendizagem e superação. Este artigo pretende apresentar um estudo de caso que
descreve a construção do vínculo de uma mãe adolescente e seu bebê prematuro.
A Organização Mundial de Saúde (OMS),
desde 1977, considera como pré-termo todo recém nascido vivo de gestação
inferior a 37 semanas ou 259 dias, sempre a partir da última data da
menstruação até a data do parto. A prematuridade é um fator que está associado
ao aumento da morbidade e mortalidade neonatal, especialmente em bebês que
nascem com menos de 1500 gramas, podendo levar a seqüelas que irão influenciar
o desenvolvimento da criança e estão relacionados a processos biológicos,
ambientais e cognitivos (MIURA, 1991; HERNANDEZ, 1996; HALPERN, 2000).
Os efeitos da interação entre os
potenciais biológicos e ambientais com processos afetivos e psicossociais podem
ser negativos (por exemplo: a associação entre a pobreza e o baixo peso ao
nascer) ou positivos (por exemplo: aleitamento materno como proteção às
infecções). Para VAZ (1989), os recém-nascidos pré-termo correspondem a um
grupo de risco elevado para lesões hipóxicas que levam à paralisia cerebral,
retardo mental e outros, reduzindo a habilidade para adaptação social, física e
psicológica.
Esses bebês apresentam algumas
desvantagens anatômicas, somadas à imaturidade, que podem interferir na sucção
adequada. A ausência ou diminuição de gordura nas bochechas (“suckingpads” ou coxins) leva à
instabilidade da mandíbula e à falta de vedamento labial adequado. A
movimentação da língua pode se apresentar não funcional e sem canolamento,
determinando escape de leite. Por outro lado, o padrão extensor apresentado por
estes bebês dificulta a sucção efetiva, uma vez que a extensão gera a
respiração oral, aumenta o risco de aspiração do leite e leva à fadiga
rapidamente (ARVFDSON & BRODSKY, 1993).
O aspecto emocional do aleitamento é
referido por vários autores (BRAZELTON, 1988; SPITZ, 1996; LAWRENCE, 1996;
WINNICOTT, 1999; XAVIER, 1998), como a base do desenvolvimento psicológico do
apego, sendo indicado também como o início da comunicação não-verbal entre a
mãe e o bebê. Ambas questões apresentam-se fundamentais para o desenvolvimento
adequado da personalidade. As mães de prematuros não concretizam, na vida real,
o filho imaginário e perfeito. A quebra da relação mãe-bebê poderá gerar vários
sentimentos de ambivalência e culpa. Todas estas dificuldades podem ser maiores
se a mãe é uma adolescente.
A adolescência é um período de
transição entre a infância e a idade adulta que envolve muitas mudanças
físicas, cognitivas e psicossociais. Este período dura
aproximadamente uma década (dos 12 aos 20 anos), sendo considerado seu início
na puberdade (processo biológico que leva à maturidade sexual) (PAPALIA
& OLDS, 2000).
O grande avanço da difusão, através dos
meios de comunicação, de novos padrões de comportamento e valores tem
influenciado as práticas da sexualidade do adolescente, levando-as a ocorrer
cada vez mais cedo. Isto parece se refletir na incidência cada vez maior de
gestações em adolescentes (VIÇOSA, 1997).
As gestações na adolescência, muitas
vezes, têm o risco de produzir bebês que, além de prematuros, apresentam-se com
muito baixo peso ao nascer (menos de 1500 gramas). Isto acontece porque,
geralmente, as mães adolescentes são pobres, com baixo nível de instrução, não
se alimentam bem, recebem uma assistência pré-natal inadequada ou, por vezes,
nenhuma (PAPALIA & OLDS, 2000). Entretanto, nem sempre os aspectos
econômicos são responsáveis pelos partos prematuros: um estudo, realizado em
Utah, com 134.000 meninas e mulheres, concluiu que mães entre 13 e 19 anos tinham
maior probabilidade de ter bebês de baixo peso natal se comparadas às mães de
20 a 24 anos, independente de seu grau de instrução, estado civil e assistência
pré-natal (FRASER, BROCKERT & WARD, 1995). Segundo os autores, o baixo peso
estaria associado ao fato da adolescente estar em crescimento, ainda competindo
pelos nutrientes com o bebê.
Outro fator importante na gravidez da
adolescente é estas meninas precisarem desenvolver habilidades para cuidar de
um bebê, muitas vezes frágil e doente. Segundo VIÇOSA (1997), quanto mais cedo
forem motivadas a desenvolver afeto pelos seus bebês, melhor será o vínculo
mãe-bebê. Um atendimento por equipe multidisciplinar nesse período se faz
necessário a fim de dar o tempo para a mãe, o companheiro e a família de se
recuperarem do impacto de um nascimento prematuro e dar suporte para a
adolescente sentir-se competente para cuidar do seu filho (VIÇOSA, 1997;
GUEDENEY & LEBOVICI, 1999).
Todos os profissionais envolvidos no
atendimento do bebê têm que estar alertas no andamento da relação mãe-bebê: com
quê freqüência o bebê é visitado? quais as preocupações desses pais? conseguem
falar de suas dúvidas? acompanham a recuperação do filho? percebem mudanças no
bebê?
Muitas vezes o que essas mães precisam
é de um espaço de escuta, onde não só coloquem suas angústias mas, também, suas
expectativas positivas sobre esse filho que não era o esperado. Como
profissionais de saúde temos que participar na reconstrução de uma história que
foi abruptamente interrompida, ajudando os pais a
re-significar o nascimento do filho prematuro.
Especificamente, a fonoaudiologia pode
realizar uma intervenção “moduladora” para fortalecer a comunicação mãe-bebê
(HERNANDEZ, 1996). Esta intervenção consiste em apontar à mãe a sua prontidão e
habilidade em acolher as necessidades de seu bebê, usando como referencial a
situação real vivida, auxiliando-a ao dividir nossas percepções à respeito do sinais do filho. Estes sinais são os primeiros
passos na construção do vínculo. Ao mesmo tempo, como fonoaudiólogos
vamos detectar precocemente alterações oro-motoras que possam interferir
na alimentação deste bebê.
“M” é uma mãe adolescente que completou
os 18 anos após o nascimento do seu primeiro filho, “G”. Possui segundo grau
completo. Teve uma gravidez não desejada, tendo decidido, junto com seu
namorado de 18 anos, levá-la adiante. “M” fez pré-natal regularmente desde que
confirmou a gravidez. Teve a bolsa rota com 33 semanas de gestação mas só foi
realizado o parto às 34 semanas de gestação, constituindo-se assim, uma
situação de alto risco pela bolsa rota prolongada. Antes de ser internada no
Hospital onde foi realizado o parto, teve várias consultas médicas.
“G” nasceu com 34 semanas de idade
gestacional, Apgar 9 no primeiro e quinto minutos de
vida, com boa saturação sangüínea, com 1120 gramas e 36 centímetros. Após os
primeiros minutos de vida, apresentou disfunção respiratória
precoce, sendo colocado em campânula para receber oxigênio. Nas
primeiras 24 horas realizou exames complementares que constataram infecção
generalizada (sepse) e raio x com infiltrado leve
bilateral, ministrando-se, então, antibioticoterapia. Nos primeiros dias de
vida apresentou crises de apnéia e cianose. Fez uso de sonda orogástrica para
se alimentar durante 12 dias. Apresentou uma boa evolução com bom ganho de
peso, iniciando a alimentação por via oral com 13 dias de vida. Nas primeiras
mamadas na mamadeira apresentou incoordenação da sucção, deglutição e
respiração, observando-se cianose perioral. Por este motivo foi solicitada a
avaliação fonoaudiológica.
No exame, o paciente apresentou
estruturas do sistema sensório motor oral íntegras e
funcionais. Os reflexos orais estavam presentes e adequados. A sucção
não-nutritiva apresentou força moderada, canolamento lingual e vedamento labial
efetivos e ritmo inconsistente. Foi observada a sucção nutritiva na mamadeira
verificando-se episódios de cianose devido à falta de ritmo e coordenação entre
as funções neurovegetativas. No seio materno nunca apresentou este sintoma,
mamando mais coordenadamente, porém, observando-se cansaço e sonolência, com
tempos curtos de mamada.
A mãe foi orientada, após uma
entrevista, onde foram investigados aspectos da história pré-natal, da
internação e do seu posicionamento a respeito da amamentação. As orientações
consistiram em: incentivar mais o seio materno, uma vez que o desempenho do
bebê era mais consistente e a mãe mostrou disposição para tal; regular o ritmo
da mamada na mamadeira quando fosse necessário complementar a
alimentação; a utilização de bico ortodôntico para adequação do fluxo do
leite; e o reconhecimento precoce de sinais de estresse no bebê. De outra
parte, colocamos a equipe do berçário à disposição para ajudar nos momentos de
aleitamento, até a mãe se sentir segura para amamentar sozinha.
O paciente recebeu visita da mãe todos
os dias, e do pai esporadicamente pois, segundo a mãe, o pai era o responsável
pela sustentação da família e trabalhava em duas empresas.
Permaneceu 43
dias internado e recebeu alta com 2000 gramas
e alimentação mista, ou seja, seio materno e mamadeira complementar.
Entre os vários casos atendidos, este
foi selecionado por ilustrar muito bem a possibilidade
de uma mãe adolescente vir a se vincular; de uma maneira adequada, ao seu bebê
prematuro.
Foi realizado um estudo de caso
individual, numa abordagem qualitativa, com o objetivo de compreender os dados
coletados e ampliar o conhecimento do assunto pesquisado (GOMES, 1997; GOLDIM,
2000).
Para tanto, foi realizada uma entrevista
não estruturada, de enfoque fenomenológico, com uma questão aberta que
investiga o quê significa amamentar um bebê prematuro para a mãe adolescente.
Dentro deste enfoque, pretende-se não explicar um fenômeno mas compreendê-lo
através da consciência do fato vivido pelo seu ator (CARVALHO, 1987). A
entrevista, segundo MINAYO (1992, p. l07-108), é uma “conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador; destinada a
fornecer informações pertinentes para um objeto de pesquisa.” Porém, a
entrevista fundamentada no método fenomenológico não submete ao entrevistado a
uma análise conceitual ou classificadora mas busca-se, através da compreensão
profunda de seu discurso, a efetivação da consciência de si, que leva à
autodeterminação (CARVALHO, 1987).
A entrevista durou aproximadamente 45
minutos e foi gravada.
Para proceder à análise foi usada a
técnica de análise de conteúdos, numa forma de análise temática que busca
descobrir os núcleos de sentido presentes numa comunicação, os quais revelam
significado em relação ao objeto em estudo (MINAYO, 1992). Segundo GOMES
(1997), a análise de conteúdo é realizada utilizando as seguintes fases de
análise: pré-análise (ordenação dos dados), exploração do material
(classificação dos dados), tratamento dos resultados obtidos e interpretação
(articulação entre os dados e os referenciais teóricos utilizados no estudo).
Na entrevista com “M”, realizada após
assinar o consentimento para participar do estudo, a mãe pareceu disposta e
receptiva para falar de sua experiência. Desde os momentos inicias, “M” dá uma
conotação positiva à experiência da maternidade quando diz:
“Desde que tive as dores, eu me senti mais forte... Para lutar pelas coisas que eu quero, porque agora tenho ele.”
Pergunto se lembra como foi a primeira mamada, ao que prontamente responde:
“...eu comecei a rir Foi muito bom e ao mesmo tempo
me deu um ataque de riso.... Era uma coisa meio estranha. Mas foi bom, eu senti ele. Eu gostava porque ficava pertinho dele.
Porque eu queria passar para ele que eu estava do lado dele.”
Várias mulheres relatam a primeira
sensação do ato de alimentar como estranha. Mesmo assim, para “M”, a estranheza
inicial deu ensejo ao sentimento de vinculação real com o bebê (“eu senti e/e..., eu estava do lado de/e”).
“M” relata que a bolsa rompeu quase
duas semanas antes do bebê nascer e da sua angústia quando viu “G” tão pequeno
nascer:
“...quando ele nasceu eu vi ele tão pequeninho.... eu achei que não ia sobreviver Eu não quis nem olhar muito, nem tocar, para mim não me apegar. Só quando o vi na incubadora, vi que estava melhorando, ele me passou força. Então pensei: eu tenho que passar para ele que eu estou aqui.”
Este aspecto
de sentimentos ambivalentes de apego e rejeição são bem descritos na literatura. Para BRAZELTON (1988), existe um sistema de feedback recíproco na relação mãe-bebê, modelando a resposta do
adulto. Este sistema propicia o sentimento de reciprocidade, identificação e da
interação bem sucedida. A partir deste início de comunicação, a mãe sente-se
mais competente para compreender as necessidades de filho e o desejo de cumprir
sua função materna surge com força, permitindo uma sintonia cada vez mais
harmoniosa. “M” relata esses sentimentos desta forma:
“Nos primeiros dias, ele abriu a boquinha querendo mamar. Então, eu tocava nele de um jeito diferente de quem cuidava dele para ele saber que era eu. Ele sabe que sou eu só com o toque da minha mão...”
Para a mãe poder realizar os cuidados
do bebê precisa haver uma identificação com o filho. Segundo CARDOSO (1995,
p.631) “o cuidado materno implica,
inicialmente, que a mãe esteja identificada com o filho e, se isso não ocorrer;
ela não perceberá as necessidades do mesmo.” Esse processo leva algum tempo
e ajuda na construção da competência materna para cuidar o bebê e acelerar a
recuperação dele, “M” nos conta como ela viu a recuperação de “G”:
“Noutro dia da internação ‘G’ saiu do oxigênio, o que já foi uma melhora, no outro dia foi para a UTI 2 (sala de cuidados semi-intensivos). Foi um dia após o outro que ele foi melhorando...”
A recuperação gradativa do bebê é
acompanhada pela mãe com preocupação e esperança. Muita desta esperança é
passada pelos profissionais que cuidam do bebê ao prestar-lhes cuidados com
afeto e respeito. A segurança que a mãe precisa para poder suportar a
hospitalização prolongada e a separação estão na
confiança que a família deposita nos profissionais que cuidam do seu bebê
doente. “M” consegue colocar esta vivência com estas palavras:
“Eu já vim ao hospital sabendo que eu iria embora e ele ia ficar Todo dia eu vou com isso... Só que como cuidam bem dele e passam segurança para mim, eu vou um pouco mais tranqüila... Mas já fazem 40 dias.”
O espaço que os profissionais
proporcionam para a mãe se sentir necessária para o bebê também ajuda a
percorrer o caminho da hospitalização com mais confiança. Mesmo os bebês que
não podem ser alimentados ao seio recebem o leite materno que a mãe é
incentivada a esgotar diariamente no hospital ou em casa. “M” nos conta o que
significava trazer o leite materno de casa:
“Quando eu tirava o leite em casa, eu pensava: e como se eu estivesse cuidando dele agora...”
A amamentação é uma das bases para a
construção da saúde mental do ser humano, uma vez que, ocorrendo adequadamente,
estabelece um ambiente facilitador; no qual as interações naturais do bebê com
o meio cooperam para desenvolver plenamente o potencial genético (WINNICOTT,
1999). Este autor refere que a maior parte das dificuldades de alimentar o bebê
decorre dos problemas que a mãe tem inicialmente em adaptar-se às necessidades
do filho.
“O ‘G’ pegou o seio na primeira vez... Só depois teve algumas dificuldades porque era preguiçoso, tinha sono e não sugava. Ele começou mamando 5 minutos, 10, .foi para 15 e agora mama 45 minutos.”
Outro momento crítico para os pais é o
da alta que, segundo BRAZELTON (1988), é um momento no qual eles se deparam com
a alegria de terminar uma jornada longa e desgastante no hospital e, por outro
lado, com o medo de levar o bebê frágil para casa. Para “M”, a proximidade da
alta foi vivenciada com muita expectativa e um pouco de decepção porque não
aconteceu no dia previsto:
“Segunda-feira, eu vim com as coisinhas dele... A doutora tinha dito que ia ter alta. Aí, cheguei, foi o pior dia. Arrumei tudo esperando ele... daí eu chego em casa e ele não veio... Isso foi o pior...”
Talvez o mais difícil da espera da alta
seja que a decisão está sempre fora do alcance dos pais. Nada do que eles
possam fazer vai acelerar as condições de alta. As
vezes os próprios médicos não possuem todas as respostas e os critérios são de
difícil entendimento para os pais (CUNHA, 2000).
O período de hospitalização coloca os
pais e, especialmente a mãe, numa situação de crise, que muitas vezes leva à
reflexão sobre vários aspectos da vida pessoal, sendo percebido como uma
experiência que pode modificar valores, sentimentos e capacidades (CUNHA,
2000).
“Eu estou vendo o mundo diferente. Quando minha mãe falava as coisas, agora eu sei que é isso mesmo. Eu tenho medo do meu filho ficar nesse mundo.... Eu tenho que ser forte para poder ajudá-lo... Antes eu era muito dependente dos outros, hoje se tiver que voltar sozinha a meia-noite, eu volto....”
Esta etapa de hospitalização pode ser
bem aproveitada pela mãe quando a equipe consegue dar espaço para ela aprender
os cuidados especiais que, às vezes, o bebê precisa. “M” comenta como ela
conseguiu transformar o tempo de hospitalização em um tempo de amadurecimento e
preparação para a maternidade:
“Se eu tivesse ganho ele com nove meses e agora eu estando em casa, não teria tanta experiência como tenho hoje... Porque eu fiquei aqui não só para estar com ele mas para aprender. Que nem o primeiro banho, eu dei nele, aprendi a tocar direitinho nele, aprendi a não ter medo de tocar. Todos os cuidados eu aprendi aqui...”
A mãe, ao permanecer junto do bebê no
hospital, ajuda na recuperação construtiva do bebê. Segundo CASTRO NETO (1995),
a presença e competência da mãe é tão importante para a sobrevivência do bebê
quanto o alimento. Mas, para que esta mãe consiga alcançar este objetivo,
também precisa de apoio tanto da equipe quanto da família. Segundo MILES,
CARLSON & FINI( (1996), o pai do bebê aparece como
a figura de apoio da mãe mais freqüente. Embora, geralmente, menos presente no
hospital, a mãe sente-se mais segura quando o companheiro divide as
preocupações e expectativas com ela.
“Ele (o pai do bebê), desde o começo queria(..).
Eu fiquei não querendo porque achei que era muito nova(...) Mas ele me disse
vamos ficar juntos, morar juntos(...) Ele trabalha em dois serviços para poder
nos manter Quando ele pode vem aqui, às vezes ele deixa de almoçar para ver
ele. Ele está todo
bobo com o ‘G’(...) Ele falou que quer ser um pai presente.”
Pergunto para “M”, o que mais ela
gostaria de dizer sobre esta experiência da maternidade e ela me responde:
“Mesmo sendo nova, eu sei que tenho o mesmo amor de uma mãe de 30 anos que ganhe nené, agora. Eu sei que vou conseguir cuidar dele, eu sei que tenho a mesma força...”
Ao descrever e discutir
este caso, refletimos sobre o risco que corre a relação mãe adolescente
e bebê pré-termo. A adolescente que gera um filho pré-termo pode vivenciar uma
situação muito estressante e de muito risco, tanto para ela quanto para o bebê.
A literatura a este respeito traz muitos exemplos dos efeitos deletérios de uma
maternidade precoce mal conduzida.
Porém, através da nossa prática,
podemos observar que intervenções precoces da equipe de saúde podem levar à
superação desta situação, propiciando a livre expressão dos sentimentos destas
mães. Para poder ajudá-las, os profissionais devem identificar suas
necessidades e promover o vínculo da mãe com o bebê, dando o suporte necessário
para a adolescente desenvolver sua função materna.
A fonoaudiologia, de forma integrada
com a equipe multidisciplinar; deve participar dos programas de incentivo ao
aleitamento materno com mães adolescentes, como uma forma de facilitar o
vínculo, considerando este ser um período crítico e influir diretamente na
qualidade de vida e no futuro desenvolvimento do bebê, inclusive da comunicação
oral e nas futuras relações afetivas. A avaliação da função motora oral e de
alimentação abarca não só a habilidade motora da criança, mas também os fatores
externos que podem interferir; como o meio onde esta é
realizada e a interação mãe-bebê (XAVIER, 1998).
Habilitar um bebê a sugar o seio é, nos
casos de bebês prematuros, dar-lhes a oportunidade de “sugar” a vida, escapar
da morte física ou emocional. A construção do vínculo, nestes casos, é um
caminho cheio de dificuldades, no qual as mães, principalmente adolescentes,
precisam de acolhimento para superar a angústia, as dúvidas, a solidão e a
falta de confiança nas suas próprias condições de cuidar o filho.
Muitas vezes, a falta de um
profissional preparado para realizar uma escuta cuidadosa, tentando compreender
aquilo que a mãe está dando a ver não facilita a construção deste primeiro
vínculo, fundamental para a saúde mental e física do bebê. O fonoaudiólogo,
como profissional dos distúrbios da comunicação, pode ser a ponte entre a mãe e
a equipe e entre a mãe e o seu bebê, intervindo de forma moduladora com os
outros profissionais e nos primeiros “diálogos” pré-lingüísticos da díade.
Acolhendo a mãe mostramos o caminho
para o bebê ser acolhido. Restabelecendo a unidade da díade, através da
amamentação, favorecemos o desabrochar da mãe intuitiva e empática com seu
bebê.
O caminho que “M”. percorreu nos mostra
claramente que risco não é destino. Cabe a nós, como profissionais, atuar com
compreensão, delicadeza e empatia propiciando, assim, a vitória da vida em
todas suas possibilidades.
NOTAS SOBRE O AUTOR:
[*] Fonoaudióloga, docente da Universidade Luterana do Brasil, Porto
Alegre - RGS; E-mail: sudel.ez@terra.com.br
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