EXMO. SR. DR. JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE FRANCA - SP

 

 

 

             

 

 

              O Promotor de Justiça da Infância e da Juventude da Comarca de Franca-SP, infra-assinado, no uso de suas atribuições legais, no interesse da criança MAXWELL PEDAES, brasileiro, nascido no dia 26 de novembro de 1.983, filho de Donizete Felício Pedaes e Maria das Graças Sanches Pedaes, residente à Avenida Nicolau Del Monte, nº 3.187 - Jardim Guanabara, nesta cidade e comarca de Franca-SP., com base no inquérito civil nº 001/93-IJ-PJF, anexo, e com fundamento nos artigos 196, 203 e 227 da Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 7º, 11, 147, I, 148, IV, 201, V, e 208, IV, a 224, do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/90), nas Leis nºs 8.212/91 ("Lei Orgânica da Seguridade Social"), bem como na legislação em vigor aplicável à espécie, respeitosamente vem à presença de Vossa Excelência para propor, como efetivamente proposto tem, a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelo procedimento ordinário, com pedido de tutela LIMINAR, contra o INSS - INSTITUTO NACIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL, através do seu procurador regional em Franca-SP., e contra o SUDS - SISTEMA UNIFICADO E DESCENTRALIZADO DE SAÚDE, pelo seu responsável, com endereços respectivos à Rua Voluntários da Franca, nº 1.186, e Rua Frei Germano, nº 2.001, pelos fatos e fundamentos seguintes.

 

I - DA COMPETÊNCIA

 

1.Nos termos dos artigos 147, inciso I, 148, inciso IV, e 209, todos do Estatuto da Criança e da Juventude, o Juízo da Infância e da Juventude de Franca é competente para conhecer e julgar a presente ação civil pública, fundada em direito indisponível e interesse afeto à criança Maxwell Pedaes.

 

  II - DA LEGITIMIDADE ATIVA E PASSIVA

 

2. O Ministério Público do Estado de São Paulo, através da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da comarca de Franca-SP., é parte ativa legítima para propor ação civil pública fundada em interesse individual da criança -- notadamente de criança portadora de grave moléstia --, por força dos artigos 127 da Constituição Federal e 201, inciso V, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

3. Já o INSS e o SUDS são partes passivas legítimas porque o Serviço Único de Saúde, referido no caput do artigo 11, do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda não está devidamente estruturado, em face de profundos obstáculos administrativos, mas o PAM, que era integrante do INAMPS, está sendo gerido pelo SUDS, e o INSS, que arrecada as contribuições gerais da Seguridade e da Previdência Social Estatal no Brasil, deve ser responsabilizado pelo não oferecimento, ou pela oferta irregular e/ou inadequada do serviço de saúde, sobretudo à criança portadora de deficiência, incumbindo ao Poder Público, representado pelos réus, fornecerem à criança deficiente os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento e à reabilitação, nos termos do § 2º, do sobredito artigo 11, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

  III - DOS FATOS

 

4. Conforme consta do inquérito civil nº 001/93, da Promotoria de Justiça da Infância e da juventude de Franca-SP, que embasa e instrui a presente, a criança Maxwell Pedaes, hoje com 10 anos de idade, é portadora de grave moléstia, denominada Puberdade Precoce Verdadeira (via eixo), necessitando de ser submetida a tratamento ininterrupto mediante o uso da substância agonista do LH.RH (DECAPEPTIL), através da administração de uma ampola mensal, por tempo indeterminado, para bloquear os fenômenos puberais e retardar o avanço de idade óssea para se conseguir uma estatura final adequada na fase adulta, valendo consignar que o garoto teve a sua estrutura física parcialmente prejudicada pelo problema que apresenta, medindo apenas 1 metro e 40 centímetros, com grande quantidade de pêlos nas pernas, peito e no rosto (barba), sua voz é grossa e desafinada como a de um adolescente e, segundo os pais, já apresenta ejaculação, principalmente noturna, tudo de acordo com os relatórios médico e psicossocial, respectivamente a fls. 04 e 05/06 do inquérito civil.

 

  Sobredito tratamento é altamente custoso e, uma vez iniciado (como já foi), não pode ser paralisado de forma alguma, sob pena de graves e irreversíveis conseqüências. Note-se que, conforme nota fiscal datada de 14 de junho de 1993 (fls. 40 do inquérito), uma ampola de Decapeptil estava custando CR$ 6.178.000,00 (seis milhões, cento e setenta e oito mil cruzeiros), equivalentes a mais ou menos US$120,00 (cento e vinte dólares americanos).

 

  Diante desse custo, a família da criança buscou desesperadamente, antes de iniciar o tratamento, que o Poder Público, através das entidades que ora figuram como rés, fornecesse gratuitamente aquele medicamento à criança, conforme assegura o § 2º, do artigo 11, do ECA, porquanto, repita-se, uma vez iniciado o tratamento, não pode mais ser interrompido.

 

  Recebendo sucessivas e injustificáveis negativas à sua pretensão de atendimento ao seu interesse, aliás consubstanciado em um direito essencial e inalienável, isto é, no direito à saúde e à vida, garantido legal e constitucionalmente, a família da criança não viu outra alternativa senão iniciar o tratamento a suas expensas, apelando para a benevolência de algumas pessoas caridosas, mas sempre com enormes sacrifícios, como por exemplo a venda do seu terminal telefônico e outros dessa natureza, para comprar a sagrada ampola mensal de DECAPEPTIL, enquanto a imprensa bombardeia a opinião pública com notícias de escândalos e desmandos no Poder Público.

 

5. Finalmente, procurada pela família da criança, a Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Franca-SP instaurou o incluso inquérito civil, com fundamento no inciso V do artigo 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente, objetivando proteger e fazer valer os seus direitos indisponíveis. Dentro do inquérito, buscou-se, por todos os meios, resolver o problema na esfera administrativa, mediante telefonemas e ofícios aos órgãos públicos de atendimento à vida e à saúde à criança e ao adolescente, conforme dá pequena amostra as cópias de ofícios e respectivas respostas entranhadas no inquérito civil. Até para a ABRACI - Associação Brasileira de Amparo à Criança S/C, em São Paulo e à sua congênere em Milão na Itália, a Ai.Bi - "Associação amici dei bambini", apelou-se. Porém, até agora, tudo foi em vão!

                                              

IV - OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS E LEGAIS.

 

6. Como já foi dito pelos filósofos, o homem é um animal social, razão de viver em sociedade, a qual, para a sua própria subsistência, precisa ordenar, como a ordenou, no Estado de Direito, estruturando-a sobretudo na legislação constitucional e infra-constitucional. Quando fatos naturais ocorrem, ou mesmo quando, em face de conflitos de interesses, as lides são autocompostas, o Poder Judiciário, que já é inicialmente inerte, permanece inerte, por ausência de autor.

 

  Entretanto, quando a lide não é solucionada voluntariamente pela pessoa de quem se exige a pretensão resistida, não resta outro caminho senão o de buscar junto ao Poder Judiciário a prestação da tutela jurisdicional. Nessa linha de raciocínio, a criança Maxwell Pedaes tem o direito inalienável e indisponível à saúde e, por conseguinte, à vida. Ora, estando esta (vida) ameaçada, em razão de séria moléstia que afeta aquela (saúde), e garantindo o ordenamento jurídico do País a prestação e a oferta regulares dos serviços de saúde, de previdência e de assistência sociais a todos quantos deles necessitem, nada mais justo do que a prestação dos serviços.

 

  E tais serviços e direitos estão  previstos nos artigos 196, 198, 203, inciso I, e 227, § 1º, incisos I e II, todos da Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 7º, 11, caput e §§ 1º e 2º, e 208, VII, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente, nas Leis 8.212/91 e 8.213/91, e em toda a legislação pertinente em vigor no Brasil. Aliás, desnecessária seria até a referência a leis, porque, ao autor, basta expor os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, porquanto o juiz sabe perfeitamente onde enquadrá-los.

 

7. Mas não é que, mesmo diante de textos constitucionais e legais tão claros e límpidos, além de precisos, a família da criança Maxwell Pedaes não conseguiu o fornecimento gratuito, pelo Poder Público, do medicamento DECAPEPTIL ?

 

  Só restou, então, ao Poder Judiciário, para solucionar essa delicada lide, resultante do conflito do interesse da família em obter o medicamento e o do Poder Público em não fornecê-lo, caracterizando-se em pretensão resistida.

 

  V - O PEDIDO DE TUTELA LIMINAR

 

8. Dispõe o § 1º, do artigo 213, do ECA, que sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o réu.

 

  Então embutidas na disposição retrotranscrita as condições milenares para o deferimento liminar da tutela jurisdicional, que, a rigor, deveria sê-lo apenas ao cabo do processo. E são elas o periculum in mora (que, no caso, está contido na expressão "justificado receio de ineficácia do provimento final"), e o fumus boni juris (presente na frase "sendo relevante o fundamento da demanda").

 

9. E, com o devido respeito, estão ambas presentes na lide em exame, como veremos agora.

  Com efeito, há mais do que justificado receio da família da criança de que, mesmo obtendo o provimento final da tutela jurisdicional, ele será ineficaz porque não poderá suportar um mês mais o pagamento do remédio para o garoto e, como já dito e repetido, o tratamento não pode ser, uma vez que já foi iniciado pela premência e pelo perigo à vida de uma criança, interrompido. Então, indaga-se, de que adiantará obter a procedência da ação após o demorado processamento do feito, se a criança nem mais estiver entre os vivos ? Ou, se estiver, as suas condições, pela interrupção do tratamento, não serão suscetíveis de salvaguarda? Está evidente, portanto, o periculum in mora.

 

  No que concerne ao fumus boni juris, ou seja, a "relevância do fundamento da demanda", ainda mais claro surge dentro do cenário dos autos. De fato, por ter nascido no Brasil, filho de brasileiros e viver no Brasil, o garoto Maxwell Pedaes, atualmente com 10 (dez) anos de idade, considerado, para todos os efeitos legais e jurídicos uma criança (artigo 2º do ECA), e portador de evidente deficiência, porquanto a anomalia de que padece interfere de modo marcante no seu desenvolvimento psicossomático, tem direito à prestação gratuita do medicamento que lhe foi prescrito pelo médico, a ser fornecido pelo Poder Público (§ 2º, do artigo 11, do ECA).

 

10. Sendo assim, presentes que estão todos os requisitos dos §§ 1º e 2º, do artigo 213, do Estatuto da Criança e do Adolescente, requer a Vossa Excelência que se digne em conceder, liminarmente, a tutela específica da obrigação de fazer, consubstanciada na determinação aos réus INSS - INSTITUTO NACIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL e SUDS - SISTEMA UNIFICADO DE SAÚDE, através de suas representações em Franca, Estado de São Paulo, para que forneçam, solidariamente, o medicamento DECAPEPTIL L. P. à criança MAXWELL PEDAES, já qualificada no preâmbulo, na dosagem de 01 (uma) ampola mensal, na época determinada pelo médico, cuja orientação deverão observar para o tratamento completo da Puberdade Precoce da qual a criança é portadora, fixando-lhes o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento da ordem judicial, sob pena de imposição da multa diária de CR$ 10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), a ser atualizada diariamente pelos índices oficiais, citando-se e intimando-se os réus nas pessoas de seus representantes legais, inclusive e sob pena de desobediência.

 

  VI - O PEDIDO COM SUAS ESPECIFICAÇÕES

 

11. ISTO POSTO, pede a procedência integral da Ação Civil Pública, para o fim de que sejam os réus INSS - INSTITUTO NACIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL e SUDS - SISTEMA UNIFICADO E DESCENTRALIZADO DE SAÚDE, através de suas representações em Franca-SP, solidariamente condenados na obrigação de fazer consistente em garantir à criança MAXWELL PEDAES integral tratamento à moléstia Puberdade Precoce Verdadeira (via eixo), de que padece, sobretudo no fornecimento do medicamento DECAPEPTIL L.P. na dose de uma ampola mensal, na época determinada pelo médico que assiste ou vier a assistir a criança, cuja orientação deverão observar rigorosamente para o tratamento integral, sob pena de desobediência e de imposição da multa diária no valor de CR$10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), a ser atualizada diariamente segundo os índices oficiais, a fim de assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento (artigo 213, caput, "in fine", do Estatuto da Criança e do Adolescente), devendo ainda arcar com os ônus da sucumbência integrais, inclusive honorários de advogado que reverterão para os cofres estaduais, conforme decidiu a E. Quinta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação Cível nº 185.434-1/5, desta comarca de Franca, em Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público local contra a Indústria de Produtos Alimentícios Imperador Ltda (processo nº 726/90, da 2ª Vara Cível de Franca).

 

  VII - O VALOR DA CAUSA

 

12. Atribui-se à causa o valor de CR$10.000.000,00 (dez milhões de cruzeiros), equivalente a 12 ampolas do medicamento DECAPEPTIL L.P., a preços atuais.

 

  VIII - AS PROVAS

 

13. Pretende o autor demonstrar a verdade dos fatos alegados através da prova documental encartada no incluso inquérito civil, que embasa a presente, bem como deixando desde já requerida a produção de todo meio idôneo de prova permitido em direito, sobretudo a pericial, a testemunhal, e outras, se necessárias, que serão especificadas na ocasião processual oportuna.

 

  IV - O REQUERIMENTO PARA A CITAÇÃO DOS RÉUS

 

14. Requer a citação dos réus INSS - INSTITUTO NACIONAL DA SEGURIDADE SOCIAL, na pessoa do Dr. ÊNIO LAMARTINE PEIXOTO, Chefe da Procuradoria Regional, ou quem suas vezes fizer, à Rua Voluntários da Franca, nº 1.186, 1º andar, e SUDS - SISTEMA UNIFICADO E DESCENTRALIZADO DE SAÚDE, na pessoa do seu Diretor, Dr. JONAS ANTÔNIO LOPES, à Rua Frei Germano, nº 2.001, ou quem suas vezes fizer, autorizando-se o Senhor Oficial de Justiça a proceder segundo o disposto no § 2O, do artigo 172, do Código de Processo Civil.

                                  

Termos em que,

p. deferimento.

Franca, 22 de julho de 1.993.

                                     

 

Eliseu Florentino da Mota Junior

4º Promotor de Justiça de Franca