EXMO. SRa. DRa. JUIZA DE DIREITO
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE EXECUÇÕES DA INFANCIA E JUVENTUDE E
CORREGEDORA DA FEBEM
FLAVIO AMERICO FRASSETO, PAULO GONÇALVES
SILVA FILHO, ELPÍDIO FRANCISCO FERRAZ NETO, MONICA MARIA PETRI FARSKY, MARLENE
ROSA DAMASCENO, RENATO ISNARD KHAIR, PATRICIA HELENA MASSA ARZABE e ANTONIO
JOSE MAFEZOLLI LEITE, todos procuradores do Estado em exercício junto às
Varas Especiais da Infância e Juventude de São Paulo, com escritório à rua
Piratininga, 105, 1o. andar, sala 127, Brás, nesta capital, vêm
impetrar ordem de habeas corpus com pedido de liminar em favor dos adolescentes listados no item 1 abaixo,
todos inseridos em medida sócio-educativa de internação, mas ora recolhidos
junto ao DACAR-III da Secretaria da Segurança Pública, tendo em vista estarem
os jovens a sofrer constrangimento em suas liberdades de ir e vir por conta de ação ou omissão da Fundação do
Bem-Estar do Menor, FEBEM/SP, entidade responsável
por suas custódias, na pessoa de seus dirigente
responsáveis, em especial seu presidente. Apresentam, a seguir, o fatos e os
fundamentos jurídicos do pedido.
1. Pacientes
NOME |
NASC. |
D.SENT |
ENT. U E-4 |
No. DEIJ |
|
22/12/81 |
24/04/97 |
14/07/99 |
2872/97 |
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16/02/81 |
08/06/99 |
21/09/99 |
18.011/99 |
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24/06/81 |
21/10/98 |
26/02/99 |
13.223/98 |
|
01/12/81 |
11/01/99 |
05/05/99 |
14.496/9.1 |
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24/10/80 |
02/12/98 |
12/01/99 |
|
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15/08/81 |
04/05/99 |
10/08/99 |
17.506/99 |
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18/11/80 |
18/09/98 |
13/10/98 |
11.855/98 |
|
21/01/81 |
19/10/98 |
12/01/99 |
7874/98 |
|
22/07/81 |
05/03/99 |
06/07/99 |
16.035/99 |
|
10/04/81 |
15/04/99 |
24/06/99 |
16.433/99 |
|
31/07/81 |
05/08/99 |
27/09/99 |
18.667/9.1 |
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21/01/81 |
18/12/98 |
12/01/99 |
14.363/99 |
|
27/03/82 |
|
22/10/99 |
19.987/9.1 |
|
30/05/81 |
28/04/99 |
14/07/99 |
|
|
25/07/81 |
12/03/99 |
24/06/99 |
15.204/9.1 |
|
05/10/81 |
21/05/99 |
30/06/99 |
17.326/99 |
|
|
|
22/10/99 |
|
|
30/10/81 |
24/06/99 |
14/10/99 |
19.034/9.1 |
|
05/05/81 |
23/03/99 |
24/06/99 |
16.043/99 |
|
18/01/81 |
17/12/98 |
15/01/99 |
10.792/98 |
|
13/12/80 |
17/11/98 |
17/03/99 |
12.929/98 |
|
09/08/81 |
20/04/99 |
14/07/99 |
15.553/99 |
|
02/02/81 |
04/12/98 |
15/04/99 |
13.248/98 |
|
08/08/81 |
14/07/99 |
27/09/99 |
18.477/91 |
|
21/10/81 |
20/04/99 |
30/06/99 |
16.959/99 |
|
18/09/80 |
03/09/97 |
22/09/99 |
5084/97 |
2. Os fatos e fundamentos jurídicos
Os
pacientes encontram-se, por sentenças oriundas de comarcas de São Paulo e do
interior paulista, desde a data indicada no item acima, inseridos em medidas
sócio-educativas de internação, sem tempo determinado.
Assim,
tendo praticado infrações enquanto adolescentes, a eles não foi aplicada pena de prisão, mas sim,
conforme dispõe a lei 8069/90, medida sócio-educativa com privação de
liberdade.
Muitas
diferenças, entre algumas semelhanças, verificam-se entre a prisão e a
internação. Esta última é cumprida, segundo determinação legal, em ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL (art. 112,
VI do ECA) que tem o dever de observar as obrigações
do art. 94 do ECA a fim de garantir os direitos previstos no art. 124 da mesma
lei.
Embora
sejam raras as entidades cumpridoras da totalidade das obrigações do art. 94 do ECA, não se pode admitir que medida de internação
subsista sem atividades pedagógicas (art. 123, parágrafo único, 94, X e 124, XI
do ECA) e sem atendimento técnico. O atendimento técnico consiste no trabalho
de acompanhamento por equipe multiprofissional com o
escopo de promover a aceitação e avaliar a
assimilação, por parte do jovem, do programa pedagógico.
Pois,
bem, até o dia 31 de outubro de 1999, e desde a data indicada no quadro do item
1 supra, os pacientes mantinham-se em unidade educacional da FEBEM,
especificamente na U E-4, situada no Complexo
Imigrantes. Nela, bem ou mal, encontravam-se inseridos em atividades
pedagógicas e vinham, eles e suas famílias,
recebendo atendimento técnico satisfatório.
Contudo,
desde então o quadro é outro, e dramático. Sem qualquer razão justificável, os
pacientes, que de maneira geral não tomaram parte em qualquer rebelião, que não
tiveram sua Unidade totalmente destruída no levante do dia 25 de outubro de
1999, foram transferidos, por iniciativa exclusiva da FEBEM, da U E-4 para o
prédio do DACAR-III, espécie de cadeia pública destinada a presos provisórios e
situada na Marginal do Pinheiros.
As
condições de permanência em tal prédio são terríveis. Trata-se de construção
destinada a acolher presos provisórios, ou seja, cuja função resume-se a operar
pura e simplesmente a contenção de imputáveis que aguardam decisão da Justiça
Penal. Assim, inexiste espaço para desenvolvimento de qualquer atividade de
caráter pedagógico, que de fato estão suspensas. Os pacientes não recebem
qualquer tipo de escolarização ou profissionalização ou orientação, e nem irão
receber, face a ausência de espaços apropriados ou
adaptáveis.
De
outro lado, neste local, os jovens têm prejudicado, senão inviabilizado, seu
atendimento técnico. Não há salas para assistentes sociais e psicólogos, que
circulam pelo ambiente de maneira desorientada, destituídos das mais
elementares condições de trabalho (não há mesas, prontuários, máquinas de
escrever, arquivos, telefones, etc.). Assim, sem possibilidade de serem
avaliados de maneira séria e consistente, os pacientes, que cumprem medida sem
tempo determinado, não têm perspectivas de se verem liberados.
O local de permanência dos
pacientes foi edificado com um único escopo, a garantia de contenção, e
presta-se somente para isto. Para tanto, é dotado de uma espécie de panótico central, um centro de vigilância de onde se pode
acompanhar a movimentação de todas as celas, subtraindo do recluso qualquer
privacidade. De lá, queira-se ou não, avistam-se diuturnamente os adolescentes,
nus, tomando banho. Esta sala central é onde se concentram os técnicos e
dirigentes da FEBEM, na sua maioria mulheres. Tal situação trata-se de evidente
atentado à dignidade e ao respeito que merecem os adolescentes (art. 124, V do ECA) ou qualquer ser humano. As dependências do DACAR-III
mostram-se inapropriadas inclusive para o cumprimento de pena de prisão, na qual o detento já condenado tem acesso a
trabalho, escola, atendimento técnico e outras atividades, conforme a Lei de
Execuções Penais. Ora, como então manter-se lá
adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa?
De
outro lado, ainda pior, os pacientes, ao contrário do que acontecia na Unidade
da FEBEM (onde ficavam durante o dia em atividades ou no pátio), nas
dependências do DACAR-III passam a maior
parte de seu tempo em cela, escura (a energia elétrica é desligada durante o
dia), descendo para o pátio interno durante pequeno período do dia. Ou seja, são mantido sob restrita contenção, na mais completa
ociosidade, sem qualquer atividade que seja, ao menos para passar o tempo.
Mais,
no novo prédio os jovens não contam com assistência médica adequada (a
enfermaria é improvisada), não realizam atividades externas, não mantêm a posse
de seus objetos pessoais, não recebem assistência religiosa, não desenvolvem
atividades físicas, tudo em desacordo com o art. 124 do ECA.
Induvidosa,
portanto, a situação de constrangimento ilegal ao direito de ir e vir que hoje
suportam os pacientes. A privação de liberdade, no âmbito das medidas
sócio-educativas, tem caráter meramente
instrumental, ou seja, somente se justifica e se legitima enquanto condição necessária à reeducação e ressocialização.
Por ser excepcional, deve-se evitá-la ao máximo. Se for aplicada,
contudo, assim será para que, e somente para que, através dela, se viabilize um
trabalho pedagógico. Sua duração, também, será mensurada por conta das
necessidades reclamadas por este trabalho pedagógico (art. 100/113 do ECA). Assim, somente se legitima a contenção, no ECA, se a serviço da educação ou da terapêutica.
Ora,
na situação hoje amargurada pelos pacientes, inseridos em medida sócio-educativa,
mas encarcerados em celas inadequadas até para um preso condenado a pena de reclusão, a contenção que experimentam serve a ela
mesma e nada mais. Ou seja, apartada de qualquer prática
terapêutico-pedagógica, ou de qualquer perspectiva de que tal prática venha a
se instalar, a privação de liberdade suportada pelos pacientes perde, nas
dependências do DACAR, a legitimidade que lhes empresta a ordem jurídica
vigente. Torna-se um fim em si mesmo, atraindo manifesta ilegalidade sanável
através da presente via.
De
outro lado, sem trabalho educacional e terapêutico, os pacientes sofrem e
sofrerão prejuízo em suas almejadas reabilitações, a importar perpetuação
indefinida da medida. Mais, ainda que pelo puro sofrimento evoluam,
a precariedade do atendimento técnico que recebem obstrui o sagrado direito a uma avaliação
qualificada e tempestiva de suas condições, requisito indispensável para que
alcancem a liberdade. Há, portanto, daí, notório constrangimento, potencial e
atual, ao direito de locomoção.
Ao
ministrar a medida, o julgador retirou os jovens de seus núcleos familiares no
suposto de que o Estado ofereceria a eles a educação que os parentes não
conseguiriam dar. Esta educação não vem sendo ministrada, de modo que, inviável
o alcance do objetivo que legitimou a aplicação das medidas, a privação de
liberdade tem de cessar.
Na
prática, vem-se operando a pura contenção, algo que subverte a natureza
predominantemente pedagógica da medida. Se o Estado (Poder Executivo) não
cumpre os objetivos a que ele mesmo se propôs (enquanto Poder Judiciário), cabe
no mínimo a humildade de reconhecer seu fracasso e remediar o prejuízo gerado
ao cidadão, restabelecendo-lhe a liberdade. Livres, os pacientes poderão, na
comunidade, com o apoio da família, receber a atenção que merecem.
Há que se refutar desde logo eventual tese
no sentido de que a irregularidade justificar-se-ia excepcionalmente por
tratar-se em tese de situação de caráter
emergencial, instalada por ação dos próprios adolescentes (rebelião), e
reforçada pela falta de alternativas de encaminhamento mais adequadas. Ora,
vale consignar que o motim ensejador da remoção
atingiu a UAP 1 e UAP 6 do Complexo Imigrantes. Os
pacientes encontravam-se na U E-4, do mesmo complexo,
e não participaram da rebelião. Ainda que a U E-4 necessitasse de reformas, estas
poderiam ser empreendidas em prazo breve, podendo enquanto isto os internos
permanecer em outras áreas do Complexo Imigrantes, tal como as casas destinadas
à antiga U E-23, que não foram afetadas pela rebelião do dia 25/10/99. No complexo Imigrantes, é fato, os pacientes tinham acesso a
atividades esportivas, de lazer, escola e cursos profissionalizantes. Nenhum
argumento lógico-racional justificava a remoção para local em condições tão
precárias e inapropriadas como o DACAR, havendo efetivas possibilidades de
permanência no próprio Complexo Imigrantes.
No
caso, a remoção da ilegalidade implica como única saída urgente e eficaz
ordenar-se a imediata soltura dos pacientes. O constrangimento ilegal está
demonstrado, à saciedade, e não pode estender-se por mais um dia que seja. A
execução da medida sócio-educativa encontra-se obstruída, sofrendo os jovens privação de liberdade sem base legal qualquer. Não
há perspectivas imediatas, nem a médio prazo, de
adequação do espaço para gerenciamento de medida sócio-educativa. Tampouco apresentam-se alternativas de remoção para local mais
apropriado, considerando que o DACAR, hoje, vem recebendo diariamente novos
internos.
Assim,
determinar a remoção dos pacientes para unidade adequada, ainda que sob pena de
desobediência, no atual contexto da Fundação será em vão. Não há alternativa
política vislumbrável. A solução útil e eficaz para
sanar o constrangimento é, assim, uma só: a
desinternação imediata dos pacientes, e suas entregas
às famílias, comunicando-se a decisão ao processo de execução, onde serão
estudadas as melhores alternativas em meio aberto a serem adotadas em cada
caso..
Inexistindo
lugar apropriado para cumprimento da medida imposta pelo Judiciário
com base na lei, a solução preconizada, inclusive pela Jurisprudência, é
de fato a soltura do sentenciado.
No
sistema penitenciário, há precedentes no sentido de que, tendo o imputável
direito a cumprir pena em regime semi-aberto, a inexistência de vagas em tal
regime impõe a liberação do condenado. Mutatis mutandis, o raciocínio do julgado adequa-se
perfeitamente à hipótese focalizada, no sentido de que o adolescente não pode
suportar o constrangimento de permanecer em regime de pura contenção enquanto
não se disponibiliza equipamento adequado a cumprimento de medida
sócio-educativa. O cerne da argumentação é:
“a negligência do Poder Executivo
em providenciar infra-estrutura do sistema de cumprimento da medida sócio-educativa
de internação não pode recair sobre a pessoa do adolescente internado”.
Veja-se:
“Habeas
Corpus. Constrangimento Ilegal. Ocorrência. Condenação no regime semi-aberto.
Paciente preso em regime fechado. Falta de vagas em estabelecimento adequado não
autoriza mudança para regime mais rigoroso. Réu que não pode arcar com as
conseqüências da deficiência do sistema prisional. Espera de vaga no regime de
prisão albergue domiciliar. Ordem concedida. A falta de vagas ou inexistência
de estabelecimento adequado para cumprimento do regime prisional inicial imposto na sentença não constitui motivo para autorizar o
juiz da execução efetuar mudança para regime mais rigoroso, pois a negligência
do Poder Executivo em providenciar infra-estrutura do sistema penitenciário não
pode recair sobre o condenado” (Ag n. 101.138-3, 1ª Ccrim., rel. des. Nelson Fonseca,
RT 672/312) (TJSP, HC 260.199-3/5, Mogi Guaçu, 5ª Ccrim., rel. des. Celso Limongi, j. 6.08.98).
Na
área da Infância e Juventude, especificamente, há precedente jurisprudencial no
sentido de que, não sendo possível a remoção de jovem custodiado em delegacia
ou cadeia para centro de internação no prazo de cinco dias do art. 185,
parágrafo 2º , do ECA, impõe-se sua liberação:
“Habeas Corpus – Internamento provisório –
Cumprimento em estabelecimento prisional, por prazo superior a cinco dias.
Inadmissibilidade. Ofensa ao art. 185 e parágrafos da Lei 8069/90. “Não sendo possível a pronta transferência do adolescente
para estabelecimento apropriado, poderá ele permanecer em repartição policial,
desde que isolado dos adultos, pelo prazo máximo de cinco dias. Excedido esse
prazo, sem ter sido efetivada a remoção, impõe-se a liberação do adolescente”. A internação não pode ser cumprida em estabelecimento
prisional, devendo o infrator, se inexistente na comarca entidade exclusiva com
as características definidas no art. 123 do ECA, ser imediatamente transferido
para a localidade mais próxima. Excepcionalmente, sendo impossível a pronta
transferência, o adolescente poderá aguardar sua remoção em repartição
policial, por prazo não superior a cinco (5) dias (art. 185, parágrafos). Como
ensina José Luiz Mônaco da Silva... “o decurso desse prazo, sem o devido
cumprimento, ocasionará a liberação do adolescente, pouco importando a natureza
do ato infracional praticado” (cf. “Estatuto da
Criança e do Adolescente – Comentários”, pág. 316 – RT – 1994)” ( in Biblioteca
dos Direitos da Criança ABMP – Jurisprudência vol. 1/97 HC 95.1490-4, TJPR,
rel. Des. Carlos Hoffmann, j. 4/12/95).
A
decisão acima indicada lastreou-se em parecer bem fundamentado da Procuradoria
Geral de Justiça do Estado do Paraná:
“Prevê o Estatuto, como regra
geral, a transferência imediata, reclamando das autoridades iniciativas
tendentes a prontamente encaminhar o adolescente a
instituição adequada. Somente naqueles casos de manifesta impossibilidade,
excepcionalmente e pelo prazo improrrogável de cinco dias, permite a lei que o
adolescente aguarde a remoção em estabelecimento prisional de adultos,
inclusive delegacias de polícia, desde que em local apropriado e isolado dos
imputáveis (artigo 185, caput e §§). Não sendo providenciada a remoção no
prazo legal (cinco dias), o adolescente deverá ser colocado em liberdade.
Neste sentido, ao analisar a internação provisória, leciona JOSÉ LUIZ MÔNACO DA
SILVA, in Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários, Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo, 1994, página 316: “Não havendo possibilidade de o
adolescente ser imediatamente transferido para outra localidade, seja em razão
da falta de veículo, seja em virtude de outro motivo ponderável, nada impede
que ele permaneça em repartição policial, em seção isolada dos adultos e com
instalações apropriadas, pelo prazo máximo de cinco dias, findo o qual será
prontamente removido... o decurso desse prazo, sem o devido cumprimento,
ocasionará a liberação do adolescente, pouco importando a natureza do ato infracional praticado” (grifamos).
Comungando da mesma tese: PAULO AFONSO GARRIDO DE PAULA, in Estatuto da Criança
e do Adolescente Comentado – Comentário Jurídicos e Sociais –, 2º. ed.,
Malheiros Editores, São Paulo, 1992, páginas 519/520; WILSON DONIZETI LIBERATI,
in O Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários, IBPS e Marques Saraiva
Gráficos e Editores, 1991, página 129. (...).Conseqüentemente, como a MM.
Magistrada indica que há mais de cinco dias encontra-se o adolescente
“custodiado na Delegacia de Polícia local, separado dos demais detentos” e está
“a disposição deste Juízo” (v. fls. 77), caracterizada a coação ilegal, a ser
cessada mediante a concessão da ordem impetrada. Por derradeiro, quanto ao
tópico, friso que há entidade destinada ao cumprimento da internação provisória
funcionando nesta capital, conforme se constata no Regimento Interno do Centro
Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator – CIAADI – (artigo 4º., § 2º.)”.
Ora,
a situação acima retratada é muito análoga à ora posta em julgamento. Nela fica
afirmado, com sólida argumentação, que o ECA não
admite o cumprimento de internação provisória, por mais de cinco dias, em
cadeias ou delegacias, ainda que separados os adolescentes dos maiores
imputáveis. Se não for possível remover os adolescentes para prédio adequado, a
solução é liberá-los. A razão é clara. A contenção, por si mesma, na visão do ECA, destituída de acompanhamento técnico-pedagógico,
tende a corromper o jovem, agravando a situação preexistente ao encarceramento,
de modo que a liberação, neste caso, é menos danosa à própria ordem pública, do
que a manutenção do custódia.
No
caso vertente, todavia, o constrangimento ainda se verifica de forma mais
veemente e incisiva. Tratam-se aqui de pacientes não mais internados
provisoriamente, sem situação processual definida. Todos eles já receberam
medida sócio-educativa de internação por tempo indeterminado, que deveria ser
- tanto que vinha sendo - cumprida em
estabelecimento educacional. Agora foram removidos para prédio da Secretaria da
Segurança Pública, sem quaisquer condições de adequação aos mandamentos do ECA, sem que contribuissem em
nada para tanto. A sensação de injustiça amargurada dia a dia está, a passos
largos, pondo a perder os avanços que já haviam alcançado, gerando
inconformismo e violência, de modo que a imediata desinternação
destes jovens será a única forma de não comprometer seus futuros, propiciando à
sociedade maiores chances de reintegrá-los de forma ajustada.
Por
fim, parafraseando o acórdão, nem se argumente que não existe espaço mais
adequado para emergencialmente se mandar os jovens: há instalações
razoavelmente adequadas no Complexo Imigrantes que podem ser utilizadas até que
outras melhores fiquem prontas.
3. Da autoridade coatora e
da competência
Tendo
sido perpetrada a remoção, de inopino, por decisão
da FEBEM, e sem o aval do Poder
Judiciário, é evidente que o ato de coação ilegal deve ser creditado à Fundação e seus
dirigentes, em especial, seu presidente. Daí porque se mostra competente
o Juízo de Primeiro Grau para receber a apreciar o writ.
Todos
os pacientes estão submetidos à jurisdição do Departamento de Execuções da
Infância e Juventude, que tem como atribuição ordinária decidir sobre a
necessidade - daí a viabilidade - de prosseguimento da medida. Assim, na
ausência de norma expressa dispondo de outra forma, o Juiz Diretor do
Departamento de Execuções da Infância e Juventude parece ser a autoridade
competente para apreciar o pedido. Este magistrado, além do poder de deliberar
em todos os processos em tramitação no DEIJ, acumula a função correicional da FEBEM, duas características intimamente
vinculadas ao pedido e à causa de pedir do presente writ.
Adiante-se
que não se mostra necessário deduzir o pleito em cada processo de cada jovem
porque as situações de fato (causa de pedir) são as mesmas para todos, e também
porque qualquer dos Juízes designados para o DEIJ podem
deliberar em qualquer processo de execução. Salvo melhor juízo, a
divisão interna de processos entre os magistrados do Departamento é mera
distribuição informal de trabalho, não importando demarcação de âmbitos
restritos competência.
De
outro lado, o fracionamento do pleito em mais de uma centena de pedidos geraria
inevitável perturbação nos trabalhos da serventia, inviabilizando o advento de
decisão rápida e uniforme, como se espera, além de prejudicar a tramitação
ordinária dos feitos de execução.
4. Pedido liminar
A ordem há de ser deferida
liminarmente. A viabilidade jurídica do pedido é evidente. São fatos
notórios que embasam o pleito. Não se questiona, também, a ilegalidade da custódia
dos pacientes nas atuais condições em que se encontram. A pretensão é
evidentemente justa, plausível e legal.
Presente também o perigo de dano
irreparável caso inalterada a situação até o julgamento final do pleito. A
privação de liberdade em condições inadequadas, em regime diverso daquele
ministrado na sentença, gera dano moral
irreparável ao cidadão que a suporta. De outro lado, a cada dia que os jovens
permanecem recolhidos naquele espaço não se privam apenas do avanço a que fazem
jus. Em verdade experimentam um retrocesso inequívoco em seu processo
educacional. Entre outros danos, a
experiência da prisão fortalece neles a identidade marginal, fazendo-os
sentirem-se a cada dia mais como criminosos sem perspectivas de recuperação. A estigmatização do grupo social também se incrementa. A
sensação de injustiça experimentada (foram punidos com a transferência para
prisão sem terem participado da rebelião) remove qualquer vínculo de confiança
nas instituições, tornado-os cada vez mais rebeldes e insensíveis ao diálogo.
Assim, a demora na decisão pode tornar sem sucesso qualquer intervenção
posterior por parte do Judiciário ou da FEBEM, pelo que a ordem deve ser
concedida preambularmente.
5. Meios de prova
Os
fatos narrados acima são notórios, dispensando prova. De qualquer forma, não
são passíveis de demonstração documental, dependendo do testemunho de quem
visita as dependências do local. Quando o constrangimento não pode ser
demonstrado por via documental, o habeas corpus, é
cediço, admite produção de prova em audiência ou por inspeção. Deste modo, se
assim se entender necessário, os impetrantes postulam demonstrar o alegado
através dos seguintes meios de prova: vistoria judicial pessoal ou por parte da
equipe técnica do Juízo; oitiva de técnicos da U E-4,
oitiva de dois ou três dos pacientes. Prova também pode advir das próprias
informações a serem enviadas pela autoridade coatora.
6. Pedidos
Diante
do exposto, requerem os impetrantes seja concedida LIMINARMENTE a ordem para o
fim de ordenar-se imediatamente a soltura dos pacientes, sob risco de,
negando-se a tutela postulada, investir-se este Juízo na condição de autoridade
coatora.
Ao
final, após a chegada das informações e parecer do Ministério Público, pede a concessão da ordem para os mesmos fins
postulados em liminar, comunicando-se a decisão ao processo de execução de cada
jovem para o fim de se estudar o melhor encaminhamento a ser promovido em meio
aberto.
Subsidiariamente, requer, liminarmente e/ou a final, a concessão da ordem ao menos para se
determinar a imediata remoção dos pacientes para
unidade educacional adequada, ou qualquer outro espaço onde se viabilizem ao
menos atividades pedagógicas e atendimentos técnicos regulares em condições
adequadas.
Postula,
ainda, intimação pessoal e urgente dos impetrantes acerca de todos as decisões
que sobrevierem nestes autos.
N. termos, pede deferimento.
São
Paulo, 10 de novembro de 1999.