EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO FORO REGIONAL DE PINHEIROS
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RITO SUMÁRIO PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PARA GARANTIR O ACESSO UNIVERSAL E GRATUITO À EDUCAÇÃO EM CRECHE NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO DESSA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu Promotor de
Justiça designado, vem, mui respeitosamente à presença de V. Exa. para, nos
termos do art. 129, inc. III da Constituição Federal, art. 25, inc. IV, a, da Lei 8.625/93, art. 103, VIII da
Lei Complementar Estadual 734/93, arts. 4º, 5º, 19 e 21 da Lei 7.347/85, arts.
208 e ss. da Lei 8.069/90, arts. 3º, 83 e 90 da Lei 8/078/90 propor esta em
face do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO,
representado judicialmente em Juízo, por força do art. 12, II, do Código de
Processo Civil, por seu Prefeito Municipal, DR. CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO, domiciliado no Palácio das
Indústrias - Parque D. Pedro II, nesta Capital, pelos fatos e fundamentos a
seguir expostos:
1. DOS FATOS
É
de conhecimento público e notório que o MUNICÍPIO
DE SÃO PAULO vem sistematicamente negligenciando
a oferta de educação infantil a milhares de crianças pela insuficiência de
vagas nas Creches Municipais, quer sejam de rede própria ou conveniada, incapazes
de atender plenamente a demanda verificada no âmbito da cidade e, mais
especialmente, de competência territorial dessa E. Vara da Infância e da
Juventude da Capital.
Tal
situação é, ademais, agravada também pelo sistemático descumprimento das leis
orçamentárias quanto à construção e ampliação da rede existente.
O
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO tem se mostrado absolutamente incapaz ao longo de gestões administrativas
passadas de compreender a importância da educação no processo formador do
cidadão, economizando vergonhosamente e deixando criminosamente de implementar
os investimentos devidos na manutenção e no desenvolvimento do ensino, tema
esse objeto de ações e inquéritos civis próprios no âmbito desta Promotoria de
Justiça.
A presente
ação cinge-se à condenação do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO ao atendimento da demanda
existente e por existir no âmbito de jurisdição dessa E. Vara da Infância e da
Juventude da Capital, sendo que nas demais Varas da Justiça da Infância estão
sendo propostas ações para o mesmo fim, limitadas, todas elas, à situação
abrangida pelos limites da competência territorial de cada foro.
2. DO RITO SUMÁRIO
Conforme
dispõe o art. 5º, § 3º da Lei 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, a ação judicial intentada por qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra
legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, nos casos de não
oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público ou de sua oferta
irregular, será de rito sumário.
Trata-se
de aplicação das normas processuais previstas nos arts. 275 e ss. do Código de
Processo Civil, independentemente de qualquer outra regulamentação, por força
do disposto no art. 275, inc. II, g,
que garante a observância do procedimento sumário nas causas, qualquer que seja
o valor, nos demais casos previstos em lei, como a hipótese vertente.
3 DOS DISPOSITIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS
PERTINENTES AO TEMA:
O direito fundamental à educação é tema afeto a inúmeros diplomas legais em todas as órbitas da Federação. Além de objeto da Constituição Federal e de leis nacionais como a que estabelece diretrizes e bases para a educação (Lei 9.394/96) e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), é também alvo de disciplina nas Cartas estaduais e nas leis de organização interna dos municípios.
3.1. A Constituição Federal
Antes
mesmo daquele dispositivo específico, a própria Constituição Federal já
consagrara a educação como direito social fundamental, dispondo sobre ela,
dentre outros, nos seguintes artigos:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a
saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.
[...]
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos
seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola;
[...]
IV - gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais;
[...]
VI - gestão democrática do ensino público, na forma
da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
[...]
Art. 208. O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental obrigatório
e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que
a ele não tiveram acesso na idade própria;
[...]
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças
de zero a seis anos de idade:
[...]
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é
direito público subjetivo.
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo
Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade
competente.
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos
no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou
responsáveis, pela freqüência à escola.
[...]
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no
ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os
Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório.
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos
de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por
cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente
de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
[...]
3.2 Constituição do Estado de São Paulo
A
Constituição Estadual Paulista dispõe com rara riqueza, em diversos dispositivos,
o sistema de prioridades estabelecido para educação, mormente nos níveis
fundamentais do ensino básico, do seguinte modo:
Art. 233 - As ações governamentais e os programas de
assistência social, pela sua natureza emergencial e compensatória, não deverão
prevalecer sobre a formulação e aplicação de políticas sociais básicas nas
áreas de saúde, educação, abastecimento, transporte e alimentação.
[...]
Art. 237 - A educação ministrada com base nos
princípios estabelecidos no artigo 205 e seguintes da Constituição Federal e
inspirada nos princípios de liberdade e solidariedade humana, tem por fim:
I - a compreensão dos direitos e deveres da pessoa
humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a
comunidade;
II - o respeito à dignidade e às liberdades
fundamentais da pessoa humana;
III - o fortalecimento da unidade nacional e da
solidariedade internacional;
IV - o desenvolvimento integral da personalidade
humana e sua participação na obra do bem comum;
V - o preparo do indivíduo e da sociedade para o
domínio dos conhecimentos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar
as possibilidades e vencer as dificuldades do meio, preservando-o;
VI - a preservação, difusão e expansão do patrimônio
cultural;
VII - a condenação a qualquer tratamento desigual
por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer
preconceitos de classe, raça ou sexo;
VIII - o desenvolvimento da capacidade de elaboração
e reflexão crítica da realidade;
Art. 238 - A lei organizará o Sistema de Ensino do
Estado de São Paulo, levando em conta o princípio da descentralização.
Artigo 239 - O Poder Público, organizará o Sistema
Estadual de Ensino, abrangendo todos os níveis e modalidades, incluindo a
especial, estabelecendo normas gerais de funcionamento para as escolas públicas
estaduais e municipais, bem como para as particulares.
Art. 240 - Os Municípios responsabilizar-se-ão prioritariamente pelo ensino fundamental, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, e pré-escolar só podendo atuar nos níveis mais elevados quando a demanda naqueles estiver plena e satisfatoriamente atendida, do ponto de vista qualitativo e quantitativo.
Art. 241 - O Plano Estadual de Educação, estabelecido em lei, é de responsabilidade do Poder Público Estadual, tendo sua elaboração coordenada pelo Executivo, consultados os órgãos descentralizados do Sistema Estadual de Ensino, a comunidade educacional, e considerados os diagnósticos e necessidades apontados nos Planos Municipais de Educação.
[...]
Art. 247 - A educação da criança de zero a seis anos, integrada ao sistema de ensino, respeitará as características próprias dessa faixa etária.
Art. 248 - O órgão próprio de educação do Estado
será responsável pela definição de normas, autorização de funcionamento,
supervisão e fiscalização de creches e pré-escolas públicas e privadas do
Estado.
Parágrafo único - Aos
Municípios, cujos sistemas de ensino estejam organizados, será delegada competência para autorizar o funcionamento e supervisionar
as instituições de educação das crianças de zero a seis anos de idade.
[...]
Art. 255 - O Estado aplicará, anualmente, na
manutenção e no desenvolvimento do ensino público, no mínimo, trinta por cento
da receita resultante de impostos, incluindo recursos provenientes de
transferências.
Parágrafo único - A lei definirá as despesas que se
caracterizem como manutenção e desenvolvimento do ensino.
[...]
3.3 A LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO
A
Lei Orgânica do Município de São Paulo também é generosa ao abordar a educação,
fazendo-o nos seguintes dispositivos principais:
Art. 200 - A educação ministrada com base nos
princípios estabelecidos na Constituição da República, na Constituição Estadual
e nesta Lei Orgânica, e inspirada nos sentimentos de igualdade, liberdade e
solidariedade, será responsabilidade do Município de São Paulo, que a
organizará como sistema destinado à universalização do ensino fundamental e da
educação infantil.
§ 1º - O sistema municipal de ensino abrangerá os níveis fundamental e da educação infantil estabelecendo
normas gerais de funcionamento para as escolas públicas municipais e
particulares nestes níveis, no âmbito de sua competência.
§ 2º - Fica criado o Conselho Municipal de Educação,
órgão normativo e deliberativo, com estrutura colegiada, composto por representantes do Poder Público,
trabalhadores da educação e da comunidade, segundo lei que definirá igualmente
suas atribuições.
§ 3º - O Plano Municipal de Educação previsto no
art. 241 da Constituição Estadual será elaborado pelo Executivo em conjunto com
o Conselho Municipal de Educação, consultados os órgãos descentralizados de
gesto do sistema municipal de ensino, a comunidade educacional do referido
sistema, sendo ouvidos os órgãos representativos da comunidade e consideradas
as necessidades das diferentes regiões do Município.
Art. 201 - Na organização e manutenção do seu
sistema de ensino, o Município atenderá ao disposto no art. 211 e parágrafo da
Constituição da República e garantirá gratuidade e padrão de qualidade de
ensino.
§ 1º - A educação infantil, integrada ao sistema de
ensino, respeitará as características próprias dessa faixa etária, garantindo
um processo contínuo de educação básica.
§ 2º - A orientação pedagógica da educação infantil
assegurará o desenvolvimento psicomotor, sócio-cultural e as condições de
garantir a alfabetização.
§ 3º - A carga horária mínima a ser oferecida no
sistema municipal de ensino é de 4 (quatro) horas diárias em 5 (cinco) dias da
semana.
§ 4º - O ensino fundamental, atendida a demanda,
terá extensão de carga horária até se atingir a jornada de tempo integral, em
caráter optativo pelos pais ou responsáveis, a ser
alcançada pelo aumento progressivo atualmente verificada na rede pública
municipal.
§ 5º - O atendimento da higiene,
saúde, proteção e assistência às crianças será garantido, assim como a
sua guarda durante o horário escolar.
§ 6º - É dever do Município, através da rede
própria, com a cooperação do estudo, o provimento em todo o território
municipal de vagas, em número suficiente para atender à demanda quantitativa e
qualitativa do ensino fundamental obrigatório e progressivamente à da educação
infantil.
§ 7º - O disposto no § 6º não acarretará a
transferência automática dos alunos da rede estadual para a rede municipal.
§ 8º - Compete ao Município recensear os educandos
do ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais e
responsáveis, pela freqüência à escola.
§ 9º - A atuação do Município dará prioridade ao
ensino fundamental e de educação infantil.
Art. 202 - Fica o Município obrigado a definir a
proposta educacional, respeitando o disposto na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e legislação aplicável.
§ 1º - O Município responsabilizar-se-á pela
integração dos recursos financeiros dos diversos programas em funcionamento e
pela implantação da política educacional.
§ 2º - O Município responsabilizar-se-á pela
definição de normas quanto à autorização, supervisão, direção, coordenação
pedagógica, orientação educacional e assistência psicológica escolar, das
instituições de educação integrantes do sistema de ensino no Município.
§ 3º - O Município deverá apresentar as metas anuais
de sua rede escolar em relação à universalização do ensino fundamental e da
educação infantil.
Art. 203 - É dever do Município garantir:
I - ensino fundamental gratuito a partir de 7 (sete)
anos de idade, ou para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - educação igualitária, desenvolvendo o espírito
crítico em relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais das aulas, cursos,
livros didáticos, manuais escolares e literatura;
III - a matrícula no ensino fundamental, a partir
dos 6 (seis) anos de idade, desde que plenamente atendida a demanda a partir de
7 (sete) anos de idade.
Parágrafo único - Para atendimento das metas de
ensino fundamental e da educação infantil, o Município diligenciará, para que
seja estimulada a cooperação técnica e financeira com o Estado e a União,
conforme estabelece o art. 30, inciso VI, da Constituição da República.
Art. 204 - O Município garantirá a educação visando
o pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício consciente da
cidadania e para o trabalho, sendo-lhe assegurado:
I - igualdade de condições de acesso e permanência;
II - o direito de organização e de representação
estudantil no âmbito do Município, a ser definido no Regimento Comum das
Escolas.
Parágrafo único - A lei definirá o percentual máximo
de servidores da área de educação municipal que poderão ser comissionados em
outros órgãos da administração pública.
Art. 205 - O Município proverá o ensino fundamental
noturno, regular e adequado às condições de vida do aluno que trabalha,
inclusive para aqueles que a ele não tiveram acesso na idade própria.
Art. 206 - O atendimento especializado aos
portadores de deficiências, dar-se-á na rede regular de ensino e em escolas
especiais públicas, sendo-lhes garantido o acesso a todos os benefícios
conferidos à clientela do sistema municipal de ensino e provendo sua efetiva
integração social.
§ 1º - O atendimento aos portadores de deficiências
poderá ser efetuado suplementarmente mediante convênios e outras modalidades de
colaboração com instituições sem fins lucrativos, sob supervisão dos órgãos
públicos responsáveis, que objetivem a qualidade de ensino, a preparação para o
Trabalho e a plena integração da pessoa deficiente, nos termos da lei.
§ 2º - Deverão ser garantidas aos portadores de
deficiência a eliminação de barreiras arquitetônicas dos edifícios escolares já
existentes e a adoção de medidas semelhantes quando da construção de novos.
Art. 207 - O Município permitirá o uso pela
comunidade do prédio escolar e de suas instalações, durante os fins de semana,
férias escolares e feriados, na forma da lei.
§ 1º - É vedada a cessão de prédios escolares e suas
instalações para funcionamento do ensino privado de qualquer natureza.
§ 2º - Toda área contígua às unidades de ensino do
Município, pertencentes à Prefeitura do Município de São Paulo, será preservada
para a construção de quadra poliesportiva, creche, posto de saúde, centro
cultural ou outros equipamentos sociais públicos.
Art. 208 - O Município aplicará, anualmente, no
mínimo 30% (trinta por cento) da receita resultante de impostos, compreendida a
proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino
fundamental e da educação infantil, nos termos do art. 212, § 5º, da
Constituição da República.
§ 1º - O Município
desenvolverá planos e diligenciará para o recebimento e aplicação dos recursos
adicionais, provenientes da contribuição social do salário-educação de que
trata o art. 212, § 5º da Constituição da República, assim como de outros
recursos, conforme o art. 211, § 1º da Constituição da República.
§ 2º - A lei definirá as despesas que se
caracterizam como manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 3º - O atendimento ao educando se dará também
através de programas de transportes, alimentação e assistência à saúde, nos
termos dos art. 208, inciso VII e 212, § 4º da Constituição da República e não
incidirá sobre a dotação orçamentária prevista no “caput” deste artigo.
§ 4º - A eventual assistência financeira do
Município às instituições de ensino filantrópicas, comunitárias ou
confessionais, não poderá incidir sobre a aplicação mínima prevista no “caput”
deste artigo.
§ 5º - Será vedado o fornecimento de bolsas de estudo que onerem os cofres públicos, salvo para aperfeiçoamento e capacitação de recursos humanos da administração pública.
Art. 209 - O Município publicará, até 30 (trinta)
dias após o encerramento de cada semestre, informações completas sobre receitas
arrecadadas, transferências e recursos recebidos e destinados à educação nesse
período, bem como a prestação de contas das verbas utilizadas, discriminadas
por programas.
Art. 210 - A lei do Estatuto do Magistério
disciplinará as atividades dos profissionais do ensino.
Art. 211 - Nas unidades escolares do sistema
municipal de ensino será assegurada a gestão democrática, na forma da lei.
3.4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Por
sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em inúmeros de seus
dispositivos, registra o dever do Poder Público para com a educação, com ênfase
no ensino fundamental e na educação infantil, premissas maiores de intervenção
do Município na condução da gestão educacional. Destaca-se, nesse contexto, o
próprio art. 4º do Estatuto, assim descrito:
Art. 4º É dever ... do Poder Público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos concernentes à ... educação.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
[...]
c) preferência na formulação e na execução das
políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas
áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Depois desse, também o art. 54 do
Estatuto ao dispor que:
Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente:
[...]
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças
de zero a seis anos de idade;
[...]
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é
direito público subjetivo.
§ 2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo
Poder Público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade
competente.
[...]
3.5 A LEI 9.394/96
O
tema da educação é de tal transcendência que há lei federal recente com quase
uma centena de artigos estabelecendo apenas
as diretrizes e bases para a educação. Esse diploma, a Lei 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, no que se refere ao dever do Estado para com a educação,
destaca, principalmente que:
Art. 4º - O dever do Estado com educação escolar pública
será efetivado mediante a garantia de:
[...]
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas
às crianças de zero a seis anos de idade;
[...]
Art. 5º - O acesso ao ensino fundamental é direito
público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação
comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente
constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para
exigi-lo.
§ 1º - Compete aos Estados e aos Municípios, em
regime de colaboração, e com a assistência da União:
I - recensear a população em idade escolar para o
ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso;
II - fazer-lhes a chamada pública;
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência a escola.
§ 2º - Em todas as esferas administrativas, o Poder
Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos
deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino,
conforme as prioridades constitucionais e legais.
§ 3º - Qualquer das partes mencionadas no caput
deste artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese
do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito sumário a
ação judicial correspondente.
§ 4º - Comprovada a negligência da autoridade
competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser
imputada por crime de responsabilidade.
§ 5º - Para garantir o cumprimento da
obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso
aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.
Especificamente
sobre a educação infantil, além dos dispositivos já citados anteriormente,
trata ainda o Título V, Capítulo II, Seção II da Lei 9.394/96, assim
disciplinando a matéria:
Art. 29 - A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30 - A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para
crianças de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis
anos de idade.
Art. 31 - Na educação infantil a avaliação far-se-á
mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de
promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.
4. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Em
face do disposto nos art. 127, caput,
da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público promover a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Nesta
ordem que ora se requer, competem em igualdade harmônica a defesa desses três
paradigmas legitimantes da intervenção ministerial e que pode ser sumularmente
descrita como a defesa da ordem
jurídica-democrática na proteção dos interesses sociais.
Mais
ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, em seu art. 208,
VI, registra que se regem pelas disposições desta
Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança
e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular de ...
ensino obrigatório, de atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência; de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis
anos de idade; de ensino noturno regular, adequado às condições do educando, de
programas suplementares de oferta de material didático-escolar, transporte e
assistência à saúde do educando do ensino fundamental.
O
mesmo dispositivo legal, em seu parágrafo único, registra que as
hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros
interesses individuais ou coletivos, próprios da infância e da adolescência,
protegidos pela Constituição e pela Lei.
Recentes
pronunciamentos da jurisprudência referendam integralmente a legitimidade do
Ministério Público para questões como esta posta em debate. Veja-se sobre o
tema, dentre outras decisões:
MINISTÉRIO PÚBLICO - Legitimidade de parte ativa -
Defesa da ordem jurídica, sobretudo no que diz respeito aos direitos básicos do
cidadão - Recurso provido.
Não
se deve negar ao Ministério Público a legitimidade ativa ad causam, na defesa
do cumprimento das normas constitucionais, sob o argumento da independência
entre os Poderes. São independentes, enquanto praticam atos administrativos de
competência interna corporis. Não são independentes para, a seu talante,
desobedecerem à Carta Política, às leis e, sob tal pálio, permanecerem, cada
uma seu lado, imune à reparação das ilegalidades.(TJSP, Apel. 201.109-1, Rel.
Villa da Costa, 04.02.94)
4.1 O ENSINO FUNDAMENTAL COMO
DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO E OS LEGITIMADOS PROCESSUAIS
O acesso ao ensino fundamental corresponde a direito público subjetivo. Entendemos neste ponto, uma vez que há outros deveres do Poder Público para com a educação estabelecidos no art. 4º, que todos aqueles constantes do rol dos incisos I a IX daquele artigo também são direitos públicos subjetivos, posto que não pode haver declaração de dever do Estado sem a correspondente transformação daquela obrigação em direito do cidadão, cujo cumprimento pode ser judicialmente exigível. Assim, além do ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria, também são direitos públicos subjetivos: a) a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; b) o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; c) o atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade; d) o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; e) a oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; f) a oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola; g) o atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; h) o atendimento a padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
No
tocante ao ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e
gratuito na escola pública, é direito subjetivo do público, inclusive que ele
cumpra seus objetivos legalmente definidos mediante o desenvolvimento da
capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo; a compreensão do ambiente natural e social, do sistema
político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a
sociedade; o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de
tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Há, pois, direito público
subjetivo não apenas quanto à sua prestação, mas também quanto ao cumprimento
de suas finalidades importando o desvio em responsabilidade da autoridade
pública, valendo o mesmo raciocínio aos demais direitos públicos subjetivos
relacionados com a educação.
Reforça
esse preceito o art. 208, § 1º, da Constituição Federal que o acesso ao ensino
obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, assim como disposição à
contida no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 54, § 1º.
Qualquer
cidadão poderá demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à educação
por meio de mandado de segurança (art. 5º, LXIX, da Constituição Federal), ação
cautelar ou outra via adequada, em vista da declaração legal e constitucional
de que tal acesso é direito público subjetivo e em face do princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça de lesão
a direito (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal). Aplica-se, fora dos
casos de ações especiais, as normas processuais previstas nos arts. 275 e ss.
do Código de Processo Civil, independentemente de qualquer outra
regulamentação, por força do disposto no art. 275, inc. II, g, que garante a observância do
procedimento sumário nas causas, qualquer que seja o valor, nos demais casos
previstos em lei, como a hipótese vertente. Também para a defesa dos direitos e
interesses protegidos por esta Lei que forem comuns aos previstos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, segundo o art. 212 daquele diploma, são
admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, inclusive ação mandamental,
que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.
Grupos
de cidadãos poderão demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à
educação por meio de mandado de segurança (art. 5º, inc. LXIX, da Constituição
Federal) ou por mandado de segurança coletivo, desde que preenchidas as
condições previstas no art. 5º, inc. LXX, b,
da Constituição Federal, ou ainda pelos meios já indicados.
As
associações comunitárias, organizações sindicais, entidades de classe ou outras
legalmente constituídas poderão demandar contra o Poder Público também por
esses meios.
O
Ministério Público[1] poderá demandar contra o Poder Público para exigir
o acesso à educação pelos meios já expostos, com exceção do mandado de
segurança coletivo por lhe faltar legitimidade processual. Poderá, principalmente,
por força do disposto no art. 129, III da Constituição Federal, art. 25, inc.
IV, a, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica nacional do Ministério Público), no
art. 5º, da Lei nº 7.347/85, propor ação civil pública[2] e nos arts.
201, inc. V e 210, inc. I do Estatuto da Criança e do Adolescente, propor ação
civil pública. Aplica-se, fora dos casos de ações especiais, as normas
processuais previstas nos arts. 275 e ss. do Código de Processo Civil,
independentemente de qualquer outra regulamentação, por força do disposto no
art. 275, inc. II, g, que garante a
observância do procedimento sumário nas causas, qualquer que seja o valor, nos
demais casos previstos em lei, como a hipótese vertente. Também para a defesa
dos direitos e interesses protegidos por esta Lei que forem comuns aos
previstos do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o art. 212 daquele
diploma, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes, inclusive ação
mandamental, que se regerá pelas normas da lei do mandado de segurança.
5. DA COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE
Não
suscita dúvida a competência absoluta para processo e julgamento da causa por
qualquer Vara da Infância e da Juventude da Capital, não sendo razoável
pretextar-se que vigora a competência do
juízo especializado em causas em que figurem como parte a Fazenda Pública,
sendo esta inquestionável, segundo os arts. 35 e 36 da Lei de Organização
Judiciária do Estado de São Paulo.
O art. 148, inc. IV do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é Lei Federal (nº 8.069, de 13 de julho de 1990), estabelece que:
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é
competente para:
[...]
IV - conhecer de ações civis fundadas em
interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente,
observado o disposto no art. 209;
O art. 209, por seu turno, dispõe
que:
Art. 209. As
ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou
deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para
processar a causa, ressalvada a competência da Justiça Federal e a competência
originária dos Tribunais Superiores.
Vale dizer, apenas a competência da Justiça Federal e dos Tribunais Superiores prefere a da Vara da Infância e da Juventude. Nada ficou registrado quanto à competência da Vara da Fazenda Pública, que não goza da mesma qualidade daquela atribuída por Lei Federal à da Infância e Juventude. Mais, tal competência é absoluta.
Dispõe
o aludido artigo 35 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, Decreto-Lei Complementar Estadual n° 3 de 27
de agosto de 1969, com a alteração dada pelo artigo 17 da Lei Estadual n° 6.166
de 29 de junho de 1988, que:
Art. 35. Aos Juizes das Varas da Fazenda do Estado
compete:
I - processar, julgar e executar os feitos, contenciosos ou não, principais, acessórios e seus incidentes, em que o Estado e respectivas entidades autárquicas ou paraestatais forem interessados na condição de autor, réu, assistente ou opoente, excetuados:
a) os de falência;
b) os mandados de segurança contra atos de
autoridade estaduais situados fora da Comarca da Capital; e
c) os de acidentes do trabalho.
II - conhecer e decidir as ações populares que
interessem ao Estado ou às autarquias e entidades paraestatais; e
III - cumprir cartas precatórias e rogatórias em que
seja interessado o Estado.
Parágrafo único. As causas propostas perante outros
juizes desde que o Estado nelas intervenha como litisconsorte, assistente ou
opoente, passarão à competência das Varas da Fazenda do Estado.
O artigo 17 da Lei Estadual n° 6.166 de 29 de junho de 1988 apenas dá nova denominação à Vara Especializada (para Vara da Fazenda Pública).
Os
dois dispositivos em análise decorrem da competência dos Estados para organizar
sua Justiça, nos termos do artigo 125 da Constituição Federal, e do teor do
artigo 93 do Código de Processo Civil, e devem se harmonizar expressamente com
o artigo 22 da referida Constituição, que prevê competência exclusiva da União
para legislar sobre direito processual.
Como
harmonizar os referidos preceitos? Torna-se evidente que ao organizar sua
Justiça, os referidos Estados podem criar Foros Privativos (não privilegiados),
desde que seus dispositivos se harmonizem com os preceitos de natureza
processual, emanados de lei federal.
E
nesse aspecto, temos que o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao trazer em
seu bojo normas de competência próprias, afasta por completo a possibilidade de
aplicação do Código Judiciário do Estado, tornando patente a competência
absoluta das Varas da Infância e Juventude para ações referentes à essa
matéria, excetuando expressamente somente a Justiça Federal e as competências
originárias dos Tribunais Superiores.
Diz
o artigo 208 da Lei n° 8.069/90, expressamente:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as
ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao
adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular:
Logo
a seguir, no mesmo Capítulo, prossegue o Estatuto com o art. 209, já citado,
afirmando que “As ações previstas neste
Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação
ou omissão, cujo juízo terá competência
absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça
Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.” (grifo nosso).
Finalmente,
sobre o tema, diz ainda a lei especial em comento com o também já citado art.
148, onde se esculpe que “A Justiça da Infância e da Juventude é
competente para: ...IV - conhecer de ações civis públicas fundadas em
interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente,
observado o disposto no artigo 209;...”
A
análise dos artigos em questão demonstram com segurança a competência absoluta
em razão da matéria do Juízo da Infância e da Juventude, que não poderia ser
afetada pelos foros privativos criados por normas de organização judiciária,
que, aliás, é anterior a sua edição.
Outro,
aliás não poderia ser o entendimento.
De
fato, desde a Constituição Federal de
1988 foi estabelecido o princípio da absoluta prioridade da criança (artigo
227), e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao repetir o princípio,
perfilhou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente,
estampada no seu artigo 1°. A intenção do legislador foi de criar leis
específicas para a proteção da pessoa humana em desenvolvimento e o aplicador
dessa lei deve atuar especificamente no Juízo da Infância e Juventude,
ressalvadas unicamente as competências expressamente previstas em seu texto
legal, entre as quais não se situa o foro da Fazenda Estadual.
Embora
a matéria seja nova em nossos Tribunais, já houve julgado em que foi admitida a
Fazenda Pública do Estado no pólo passivo, discutindo-se unicamente se a
competência seria da Vara Especial ou
não.
Entre
a doutrina, também a matéria não é analisada, excetuando-se aqui apenas o
entendimento do Ilustre Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de
São Paulo, JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, (Estatuto
da Criança e do Adolescente - Comentários - ed. Revista dos Tribunais,
1994, p. 365), que com maestria, enfrentou a questão em foco, explicando:
Tratando-se
de ato comissivo ou comissivo que importe em violação dos direitos assegurados
pela Constituição Federal e pelo Estatuto, a ação será proposta no foro do
local onde o dano ocorreu. Se determinada cidade deixar de oferecer ensino
obrigatório aos seus munícipes mirins, a demanda será proposta na comarca a que
pertencer tal município, cujo Juízo da Infância e da Juventude terá competência
absoluta para processar a causa.
A questão assumirá contornos mais complexos quando o
ato comissivo ou omissivo for praticado dentro dos limites geográficos de uma
grande cidade, como é o caso da Capital Paulista, cuja comarca apresenta mais
de uma dezena de Juízos da Infância e da Juventude. Desses juízos, qual será o
competente para o processamento e o conhecimento da ação? Um exemplo, decerto,
responderá a indagação: se na Zona Norte de São Paulo o ensino público
mostra-se deficitário devido a contínuas greves do corpo docente, dando azo a
que o corpo discente passe a maior parte do ano letivo sem aulas, a ação
será proposta perante o juízo que tenha
competência para açambarcar toda a região, no caso o Juízo da Infância e da
Juventude do Foro Regional de Santana. No pólo passivo figurará o Estado, caso
a rede de ensino seja estadual, ou o Município, se municipal. E mais: não
prevalecerá, ante expressa disposição do artigo em estudo, o foro privativo de
que gozam essas pessoas jurídicas de direito público.
Convém
registrar enfaticamente que a Vara da Infância e da Juventude dispõe de
competência absoluta em razão da matéria, o que se sobrepõe à competência em
razão da qualidade da parte.
Importa
ressaltar que as exceções previstas no próprio Estatuto, ou seja, a ressalva
quanto à Justiça Federal e quanto à competência originária dos Tribunais,
obviamente, não se aplicam ao caso concreto.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente é lei especial e traça regra específica de
competência material e a própria Constituição Federal prevê o princípio da absoluta
prioridade de atendimento à criança, o que deve ser estendido aos limites da
preferência processual. (art. 227).
A
passagem citada de lavra do ilustre Promotor de Justiça JOSÉ LUIZ MÔNACO DA
SILVA, suscita-nos o tema da competência territorial para a presente ação,
posto que a ação deveria ser prestada pelo ESTADO DE SÃO PAULO em áreas
correspondentes aos mais diversos foros regionais da Capital.
O
problema pode ser facilmente resolvido mediante algumas singelas considerações.
Inicialmente, cabe ponderar que a competência territorial é relativa e,
portanto, prorrogável.
Nos
termos do art. 102 do Código de Processo Civil, a competência em razão do
território poderá ser modificada pela conexão ou continência. Os juízes por
onde se processam as ações conexas são competentes, isoladamente, para o
julgamento das causas. A conexão é causa modificadora dessa competência,
fazendo com que as causas conexas sejam reunidas para obter julgamento
conjunto, a fim de se evitarem decisões conflitantes.
Em
tema assim, expressa a lei, que ocorrendo conexão ou continência, o juiz, de
ofício ou a requerimento das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas
em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente. (art. 105, do CPC).
Ora,
se assim pode agir o magistrado, ex
officio, ou a requerimento das partes, pode o autor, ab initio, ao invés de propor diversas ações idênticas em diversos
foros, reuni-las em uma única e propô-la em qualquer daqueles que fosse
competente para o julgamento de parte da demanda global, por força de sua
jurisdição local.
Economia
processual manifesta se concentra em tal proceder, obtendo-se maior celeridade
e concentração de esforços da Justiça Pública na solução geral da causa.
Não
fossem argumentos suficientes, há outro mais, quase desconhecido. As atuais
Varas da Infância e da Juventude dos Foros Regionais foram criadas por força do
art. 2º da Lei Estadual 3.947/83., à época denominada simplesmente Vara de
Menores. Foi distribuída a competência territorial geral, sem referência específica
às Varas de Menores de então pelo mesmo art. 2º. No art. 4º, inc. IV, e com a
norma expressa no art. 7º, quando ficou assentado que:
Art. 4º A competência de cada foro regional
será a mesma dos foros distritais existentes, com os acréscimos seguintes
e observados, no que couber, os demais preceitos em vigor:
[...]
IV - em matéria de menores, a mesma competência da
atual Vara de Menores da Comarca de São Paulo, excluídas, porém, as infrações
imputadas a menores e observado o disposto no artigo 7º desta Lei.
Art. 7º Os atos normativos dos juizados de menores
da Comarca de São Paulo serão adotados, em conjunto, pelos titulares das
respectivas varas regionais e central, ou das especiais, com a coordenação de
um deles, designado, periodicamente, pelo Conselho Superior da Magistratura.
Vale
dizer, há um nível de coesão e uniformidade na atuação das Varas da Infância e
da Juventude, quer pela competência idêntica vigorante entre elas, quer pela
atividade administrativa que deve ser conjuntamente desenvolvida por seus
magistrados titulares. Tal aspiração de coesão reforça o sentido identificador
de qualquer uma das Varas da Infância e da Juventude é igualmente competente
para apreciar o tema da presente ação civil pública.
Ademais
disso a jurisprudência dessa E. Corte tem firmado reiterada posição no sentido
da firmar a competência, em casos que tais, na sede da Justiça da Infância e da
Juventude.
Se
na inicial fundou o autor seu pedido em defesa de interesse coletivo afeto à
criança e ao adolescente, a competência somente poderia ser a Justiça da
Infância e da Juventude, nos termos do acórdão exarado nos autos do Conflito de
Competência n. 33.513-0/8, do qual foi relator o Des. Luís de Macedo.
Em
termos análogos a decisão proferida na ação civil pública em recurso de Agravo
n. 36.139-0/2, em que foi relator o Des. Carlos Ortiz.
6. DO ENSINO PÚBLICO
A
preferência constitucional pelo ensino público importa em que o Poder Público
organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação,
mediante prestações estatais que garantam, no mínimo: ensino fundamental,
obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade
própria; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creches às crianças
de zero a três anos e em pré-escolas às
crianças de quatro a seis anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do
ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas do
educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde; conteúdo mínimo para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,
nacionais e regionais (art. 208).
O
dever estatal com a educação implica a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, cada qual, com seu sistema de ensino em regime de colaboração
mútua e recíproca, destinado, anualmente, a União não menos de dezoito por
cento da receita de impostos, e os Estados e Municípios, cada um, no mínimo,
vinte e cinco por cento da receita de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, com prioridade de aplicação no ensino obrigatório. Esses
recursos, como qualquer outro recurso público, serão destinados à escola
pública. Faculta-se, por exceção, dirigir recursos públicos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, inclusive por meio de bolsa de
estudos a quem demonstrar insuficiência de recursos, quando houver falta de
vagas e cursos regulares na rede pública na localidade da residência do
educando.[3]
O
dever do Estado para com a educação aparece repetido em diversos diplomas
legais. Na Constituição Federal, nos arts. 205 e 208; na Lei 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), no art. 54; na própria Lei de Diretrizes e Bases
da Educação nos arts. 2º, 4º, 58, § 3º e 87, §§ 2º e 3º.
A
educação como processo de reconstituição da experiência é um atributo da pessoa
humana[4] e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa concepção que a
Constituição agasalha nos arts. 205 a 214, quando declara que ela é um direito
de todos e dever do Estado.
Misteriosamente,
mas nem tanto, o legislador neoliberal convicto e irresponsável, olvidou o
mandamento constitucional no sentido de antes de ser um dever, a educação tratar-se de um direito do cidadão, exatamente porque de sua definição como direito
(e como direito fundamental insujeito, pois, às restrições de aplicabilidade,
sendo-lhe perfeitamente adequada a extensão da aplicabilidade imediata prevista
no art. 5º, § 1º da Constituição
Federal) é que surge o correlato dever do Estado. Na espécie, a redução legal
da amplitude do comando constitucional é absolutamente ineficaz quanto a
qualquer pretensão limitadora dos efeitos da norma constitucional ou daquelas
contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Implica
dizer, a educação é fundamentalmente dever do Poder Público, supletivamente da
família, mormente porque, como estabelece a Lei 9.394/96, dispõe sobre a
educação formal, aquela cujo ensino se dá por meio de instituições próprias e
estas são de obrigação estatal e não familiar. Parece, desse modo, injusta e
simultaneamente arbitrária e irresponsável a tentativa de mudança do pólo
principal quanto aos deveres de educação.
Absolutamente
indevida a inversão constitucionalmente definida sobre a preferência de
responsabilidade pelo dever de educação. Este é prioritariamente do Estado,
entendido como Poder Público, em seguida da família, não ao contrário, cabendo
inicialmente àquele oferecer as condições para exigência do cumprimento do
dever familiar, institucionalmente secundário. Tal inversão, que já se fazia
presente no texto do art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, é aqui
robustecida pela omissão do direito público subjetivo expresso no art. 205 da
Constituição Federal.
A
consecução prática dos objetivos da educação consoante o art. 205 - pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho - só se
realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da educação
formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios
com eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição, como
são: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino; garantia de
padrão de qualidade (art. 206).
Segundo
o art. 4º desta Lei, o dever do Estado com educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de: I - ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II -
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III -
atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades
especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero
a seis anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta
de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - oferta de
educação escolar regular para jovens e adultos, com características e
modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se
aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde; IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos
como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
6.1 DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO
Antes
mesmo de iniciar a explicação sobre o significado de ser a educação um direito público subjetivo, cabe trazer
ilustradora passagem de Pontes de Miranda,[5] onde conclama o mestre que
não se deve confundir “o direito à
educação com as bolsas sob os Antônimos, em Roma, ou sob Carlos Magno, ou
nos séculos do poder católico. Não se trata de ato voluntário, deixado ao
arbítrio do Estado, ou da Igreja, mas de direito perante o Estado, direito público subjetivo, ou, no Estado
puramente socialista e igualitário, situação necessariamente criada no plano
objetivo, pela estrutura mesma do Estado. A própria estatalização do ensino
constitui, nos ciclos evolutivos, grau avançado de progresso. Foi o que se deu
em Roma e na França, o que tem sido moroso é o processo de tal intervenção do
Estado. Surgiu na Alemanha antes de surgir entre os Franceses, porém lá mesmo
estacou.”
Em
outra passagem, o festejado mestre destila sua ira contra inúteis disposições
legais ao expressar “a ingenuidade ou a indiferença ao conteúdo dos enunciados
com que os legisladores constituintes lançam a regra. A educação é direito
de todos lembra-nos aquela Constituição espanhola em que se decretava que
todos “os espanhóis seriam”, desde aquele momento, “buenos”. A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas; portanto, se
há direito público subjetivo à educação e o Estado pode e tem de entregar a
prestação educacional. Fora daí, é iludir o povo com artigos de Constituição ou
de leis. Resolver o problema da educação, não é fazer leis, ainda excelentes; é
abrir escolas, tendo professores e admitindo os alunos.”[6]
O
legislador constituinte emprega tranqüilamente a expressão técnica
especializada, direito subjetivo público ou
direito público subjetivo, como se
tratasse de proposição normal, de conhecido significado. Por isso tentaremos
explicá-la, a fim de que o educando e sua família possam, eventualmente, ir a
juízo, a exigir a prestação jurisdicional do acesso ao ensino gratuidade, que o
Estado tem o poder-dever de ofertar. A importância do estudo dos direitos subjetivos e dos direitos subjetivos públicos não precisa
ser posta em relevo, porque incontestável, no âmbito do Direito Administrativo.[7]
Na
questão dos direitos públicos subjetivos, cumpre observar que a Administração
deles pode participar como sujeito ativo ou como sujeito passivo, mas
trataremos aqui apenas da relação jurídica pública, na qual, de um lado a
Administração figura como sujeito passivo, de outro lado o administrado, ou o
funcionário, como sujeito ativo. Desse modo, podemos entender, in genere, o direito público subjetivo
como a faculdade específica de exigir prestação prometida pelo Estado, decorrente da relação jurídica
administrativa.
O
sujeito passivo tem interesse pessoal em exigir a obrigação por parte da
Administração e essa potestas a exigir é condicionada por uma obrigação
jurídica do sujeito passivo, fundamentada em norma de direito objetivo.
A
obrigação do sujeito passivo decorre ou das leis e regulamentos ou de ato jurídico
individual, porque, em ambos os casos foi editada regra de direito que originou
a obrigação. Ao poder de exigir do administrado correspondente a obrigação
jurídica “de pagar” da Administração, obrigação que nem sempre existe, como é,
por exemplo, o caso do poder discricionário, causa determinante da restrição ou
desaparecimento do direito subjetivo. O administrado, neste caso, pode ter
interesse, jamais direito. Agindo na esfera da discricionariedade, a
Administração desvincula-se de quaisquer obrigações, desaparecendo, desse modo,
a possibilidade do direito público subjetivo, pela inexistência da obrigação
jurídica do sujeito passivo. Por sua vez, ao poder de exigir da Administração,
a qual também pode ser sujeito ativo da relação jurídica, correspondente a
obrigação jurídica “de pagar” do administrado.
Não se empreendeu, até o momento, a classificação completa dos direitos públicos subjetivos, mas entre as tentativas apresentadas sobressaem as de Jellinek, Löning, Stengel, Hauriou e Rossi, expostas e analisadas por Santi Romano.
Segundo
este último autor, em cinco diferentes categorias se distribuem os direitos
públicos subjetivos: de supremacia, de liberdade, cívicos,
políticos e patrimoniais. Os primeiros - direitos públicos
subjetivos de supremacia - cabem ao Estado e correspondem à possibilidade de
exigir a prestação de obrigações públicas.
Roger
Bonnard classifica em três grupos os direitos públicos subjetivos dos
administrados: 1º) direitos relativos aos serviços públicos e seu
funcionamento; 2º) Direitos à legalidade dos atos da administração; 3º)
direitos à reparação dos danos causados pelo funcionamento do serviço público.[8]
A
fonte primeira dos direitos públicos subjetivos dos administrados reside na lei
e no regulamento, mas ambos, em si, não são suficientes, muitas vezes, sem a
complementação do ato administrativo, que dá origem ao direito subjetivo,
porque se, em inúmeras hipóteses, basta que o indivíduo preencha uma série de
requisitos prescritos pela norma para que seja titular ativo do “poder de
exigir”, outras vezes, o pronunciamento da Administração completa o traçado do
texto legal ou regulamentar.
É
o que se passa, por exemplo, nos casos dos atos administrativos não-vinculados,
nos quais o enunciado legal fixa as condições de fato e de direito, mas as
vantagens só serão exigíveis quando surge o ato administrativo, enquadrado o
administrado na hipótese, ao contrário do que ocorre nos atos vinculados,
quando, preenchidos os requisitos prescritos, pode o funcionário ou
administrado exigir do sujeito passivo - a Administração - a prestação a que
tem direito como titular do direito subjetivo público, atuante, mesmo sem a
edição de ato administrativo posterior.
Desse
modo, a norma jurídica delineia apenas, de modo impessoal e geral, o direito,
integrando-se este, imediatamente, no patrimônio jurídico do administrado,
assim que este cumpra os requisitos enumerados. Nestes casos, o pronunciamento
da Administração, dispensável quando ao surgimento do direito público
subjetivo, serve apenas como um modo público de reconhecimento da situação
jurídica legítima e eficaz.
Graças
à estruturação de conceito preciso do direito público subjetivo, é possível
empreender a tarefa, difícil, mas aplainada, em parte, de estudar-lhe o campo e
os efeitos, em nosso sistema jurídico. Há um direito público subjetivo “quando
a pessoa administrativa se constitui em obrigação, segundo o Direito Público,
para com o particular; ou, igualmente, o Estado para com uma das pessoas
administrativas por ele criadas”[9]. Acrescentamos: ou ainda para com um
dos próprios agentes da Administração, o funcionário público. O direito que o
administrando tem, diante do Estado, de exigir prestações ativas ou negativas,
constitui o denominado direito público subjetivo.[10]
Neste
particular, o mandado de segurança é utilizado a todo instante, no Brasil, para
a proteção do direito subjetivo público, líquido e certo, ameaçado ou violado
por ato de autoridade que cause dano ao cidadão, com a simples ameaça ou com a
efetiva violação.
Embora
não desconhecida no âmbito do Direito Provado, é no campo de Direito
Administrativo que a relação de administração aparece com relevo todo especial,
importância que transparece, dominando e paralisando a de direito subjetivo.[11]
Podem, no Direito Administrativo, como no Direito Privado, nascer
simultaneamente, do mesmo negócio jurídico, a relação de direito subjetivo e a
relação de administração. Tais noções, aceitas no campo do Direito
Administrativo, são, em nossa disciplina, de natureza hierárquica diferente,
superando a relação de administração à de direito subjetivo.[12] Cumpre
observar que os direitos públicos subjetivos, unidos à relação de
administração, no Direito Administrativo, encontram, geralmente, no
desenvolvimento desta relação, uma condição necessária. O funcionário público
só adquire direito ao estipêndio quando presta, efetivamente, trabalhos
impostos pela relação de administração[13], o mesmo se verificando no
direito à aposentadoria ou à promoção, só possíveis quando determinados requisitos,
possibilitados pela relação de administração, são preenchidos.
Subjetividade
pública, pretensão e acionabilidade existem, quer da parte do administrado,
particular ou funcionário, quer da parte da Administração, porque a obrigação
jurídica ora se fixa nas pessoas públicas, ora nas pessoas privadas, o mesmo se
verificando quanto à titularidade que é peculiar à Administração ou ao
administrado.
Desse
modo, quando o administrado tem o direito de exigir do estado o cumprimento de
obrigações ativas ou passivas, dizemos que está de posse e no uso de seus
direitos públicos subjetivos erga statum,
figurando, pois, como sujeito ativo de tais direitos e a Administração como
sujeito passivo, ao passo que quando o Estado, no uso do jus imperii ou potestade,
como por exemplo, na realização efetiva dos créditos resultantes da imposição
tributária, exige do particular a cobrança, está, por sua vez, na
acionabilidade de seus direitos públicos subjetivos, passando agora a figurar
como sujeito ativo da relação de administração.
O
direito à educação serve para ilustrar o tema dos direitos subjetivos públicos,
mas não se confunda o direito à educação com o direito subjetivo público à
educação. Direito declarado verbalmente, de lineamento discutível, é diferente
de direito subjetivo, munido de ação protetória. O direito que todos têm ou
teriam à educação, direito declarado, não é a solução melhor, mais perfeita,
mais humana. Cumpre elevar, mediante pretensão, ação e remédio processual
adequado, o direito à educação à categoria de realidade exigível, pela
aplicação de sanções a quem não o cumpre.
Cria
mera possibilidade de instrução para todos, sem, entretanto, o traço de direito
subjetivo público, é um passo, condição mesma para a concretização desse tipo
de subjetividade, a que falta, ainda, a chancela da pretensão, da ação e, no
caso de inércia, da sanção.
Quanto
à legalidade do ato administrativo, pois que a Administração se submete ao
princípio da legalidade, o administrado tem o direito público subjetivo de
exigir tal conformidade de adequação do ato à lei, quando o pronunciamento o
atinja individualmente, prejudicando-o.
Relativamente
ao desencadeante da ação popular, é a particular parte legítima, fazendo, uso,
então, de seu direito público subjetivo àquele remedium juris. Nem se diga, neste caso, que o direito subjetivo
material é da pessoa jurídica pública, porque o cidadão, fração do estado,
também se beneficia com a providência tomada, impedindo lesão patrimonial que
indiretamente o atinge.
Tratando-se
de acesso aos cargos públicos (art. 37, I), o cidadão, em nosso direito, tem os
seguintes direitos públicos subjetivos: o de ser tratado com igualdade; o de
ser escolhido de acordo com a lei; o de inscrever-se no concurso, preenchidos
os requisitos legais, o de concorrer, em licitações e concursos, com os que se
encontram nas mesmas condições ou em condições equivalentes, segundo critérios
legais, constitucionalmente válidos; o de não ter acesso condicionado de modo
diferente ao acesso de outros concorrentes que se acharem nas mesmas condições.
O
art. 208, § 1º da Constituição vigente não deixa a menor dúvida a respeito do
acesso ao ensino obrigatório e gratuito que o educando, em qualquer grau,
cumprindo os requisitos legais, tem o direito público subjetivo, oponível ao
estado, não tendo este nenhuma possibilidade de negar a solicitação, protegida
por expressa norma jurídica constitucional cogente.
7. DA EDUCAÇÃO INFANTIL
7.1 EDUCAÇÃO INFANTIL COMO
PARTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA
A
educação escolar como processo de formação integral do cidadão compõe-se de
educação básica (formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio) e de educação superior, de acordo com o art. 21 da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação.
A
educação infantil não paira, pois, abstratamente sobre o mundo dos fatos como
um corpo errante de sentido, uma vez que é elo integrante da corrente
denominada educação básica, e que
compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Expressa
o art. 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação apenas duas finalidades da
educação básica: a) fornecer ao aluno a formação comum indispensável para o
exercício da cidadania; b) fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores.
Desarticula-se
o art. 22 das finalidades estabelecidas no art. 2º desta mesma Lei onde está
previsto que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Assim, parece curial que a mata
primeira da educação básica seja alcançar o pleno desenvolvimento do educando.
Cada
ramo da educação básica, por sua vez, tem seus objetivos próprios, assim
definidos: a) a educação infantil tem como finalidade o desenvolvimento
integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da
comunidade; b) o ensino fundamental terá por objetivo a formação básica do
cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a
compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia,
das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de
conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores; IV - o
fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de
tolerância recíproca em que se assenta a vida social; c) o ensino médio terá
como finalidade: I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos
adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o
aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a
compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos,
relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
7.2 DISCIPLINA GERAL DA
EDUCAÇÃO INFANTIL EM CRECHES
As
creches, ou entidades equivalentes, destinam-se às crianças de até três anos de
idade. (art. 30, inc. I) Cabe ressaltar neste passo, que na verdade o
atendimento segue até os três anos e onze meses, pois somente a partir dos
quatro anos é que poderia ingressar na pré-escola ou nas escolas infantis.
Outra
questão de grande interesse que se põe em relevo neste posto diz respeito à
natureza desse atendimento educacional prestado em creches e pré-escola. Por um
lado, pelo que se infere sistematicamente do disposto no art. 30 desta Lei, a
educação infantil não integra propriamente o domínio fundamental do ensino,
face ao caráter não obrigatório e também porque “na educação infantil a avaliação
far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o
objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”. Por outro
lado, a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade (art. 29), servindo assim como etapa básica para
adequado aproveitamento do ensino fundamental. Ademais disso, por figurar como
princípio a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola
(art. 3º, inc. I), as crianças que puderam desfrutar, sobretudo, de pré-escola,
tendem a ingressar em condições mais evoluídas no processo de alfabetização e
desenvolvimento intelectual. Assim, diante do sistema de direitos e garantias
preconizado pela Constituição Federal e pela Lei 9.394/96, somos inclinados a
registrar a opinião no sentido de que, mesmo sem o caráter obrigatório para os
pais ou responsáveis, a creche e a pré-escola, correspondendo a deveres do
Estado para com a educação, são etapas do ensino fundamental, tornando-se
secundário o disposto no art. 30. Assim, o acesso à creche e à pré-escola
também, e igualmente ao ensino fundamental propriamente dito, é direito público
subjetivo, regendo-se pelas disposições tanto do Estatuto da Criança e do
Adolescente, quanto desta Lei, as ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento
ou oferta irregular de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a
seis anos de idade. (art. 208, III da Lei nº 8.069/90 e art. 5º da Lei nº
9.394/96).
Disposições
análogas a essa disciplina jurídica da educação pré-escolar e infantil estão
dispostas nos arts. 208, inc. IV da Constituição Federal e 54, inc. VI do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
7.3 FINALIDADE DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
A
educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade (art. 29), servindo assim como etapa básica para adequado
aproveitamento do ensino fundamental.
7.4 GRATUIDADE DA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Elogio
que cabe para a Lei 9.394/96 que estendeu a garantia da gratuidade para a
educação em creche infantil. Veja-se que o ensino fundamental também é
concedido sob a rubrica de gratuidade, a exemplo do ensino infantil. Ocorre que
para o ensino fundamental há prática de crime de abandono intelectual pelos
pais se deixarem de prover a educação de filho em idade escolar. Apenas para os
pais existe essa obrigatoriedade especial, porque a obrigação genérica do
Estado existe não apenas para o ensino fundamental, mas para todos aqueles
previstos no art. 4º, no âmbito de sua competência. O art. 5º, § 2º indica
apenas uma ordem de preferência na formulação das políticas de atendimento, mas
todas as modalidades de ensino sendo deveres do Poder Público, são de prestação
obrigatória.
8. DA OBRIGATORIEDADE DA
EDUCAÇÃO INFANTIL EM CRECHES
À
noção do direito natural (por exemplo, Wilhelm Von Humboldt, em 1729), de
direito escolar para todos os povos, ligado à teoria geral do direito, fora dos limites em que o Estado pode
exercer a sua atividade, sucedeu em que o Estado interessado na difusão do
ensino; e a essa, a do Estado responsável pelo ensino de todos os seus cidadãos
e realizador da igualdade intelectual
(uma das espécies de igualdade material). Tal igualdade não significa
primarização geral, e sim o asseguramento de iguais possibilidades educativas
para todos.
As
Constituições do fim do século XVIII não resolveram o problema técnico da obrigatoriedade, nem o problema técnico
da generalização (compulsória para o
Estado) da escola. Nem mesmo da escola primária. Institui-se o ensino gratuito,
mas os dirigentes ficaram como os únicos juízes do número de postos escolares e das lotações. A escola única não veio à tona. Todavia, somente era do
ensino primário que se cogitava. Ao lado do direito à educação deveria estar a
obrigação de educação.[14]
A
partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e o que nela contém a
respeito de educação e, especialmente quanto à educação infantil, inúmeras inovações,
em termos legais, têm sido verificadas. Dentre estas inovações o Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90) e a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) merecem destaque dado o seu caráter
nacional e abrangente.
Tendo
em vista a intrínseca relação jurídica que há entre as normas citadas e a
correlação lógica existente entre elas, cumpre citá-las especificamente a fim
de que seja possível demonstrar a evolução e a importância das mesmas,
principalmente no que tange à educação infantil.
Assim,
o art. 208 da Constituição Federal preleciona:
Art. 208.
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I
- ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta
gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
(...)
IV
- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
(...)
§
1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§
2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (grifos nossos).
Desde
já é possível verificar a dimensão da responsabilidade estatal no tocante ao
tema da educação, sendo caracterizado como seu dever o oferecimento do ensino básico, ou seja, do ensino infantil,
fundamental e médio, segundo definição proposta pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação, a seguir analisada. E aqui cabe adiantar que o texto
constitucional, como se vê, não traça qualquer hierarquia ao enumerar as
diversas áreas de atuação do Estado no universo da educação, limitando-se a
defini-las como “deveres” a serem, obviamente, cumpridos, na medida em que a
demanda da sociedade assim o exigir.
De
acordo com este preceito constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente
consagrou novamente, em seu art. 54, o dever do Estado em propiciar a educação
básica, salientando os mesmos pontos tratados pela Carta Magna.
E
por fim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada em
1996, retoma a questão da responsabilidade do Estado em tema de educação,
conforme disposto em seu art. 4º. Esta Lei, por sua vez, define a composição
dos níveis escolares, já tratado de maneira genérica nos textos legais acima
citados. Deste modo, em seu artigo 21 fica definida a estrutura da educação
escolar:
Art. 21. A
educação escolar compõe-se de:
I - educação básica, formada pela educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior.
Ao tratar especificamente da educação básica
determina a referida Lei:
Art. 22. A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
E
aqui cumpre fazer algumas considerações. O legislador ao estipular o que
comporia a educação básica, agrupou aqueles níveis escolares que, como diz o
próprio nome, são básicos à formação do indivíduo e assim, indispensáveis ao
seu desenvolvimento como ser humano e como cidadão. Tanto o é que não incluiu
neste rol o ensino superior que, apesar de muito importante, não assume como
objetivo primordial a formação da personalidade do aluno.
Deste
modo, da mesma forma que o ensino fundamental e o ensino médio, o ensino
infantil encontra-se em posição privilegiada no rol de deveres do Estado. E tal
privilégio encontra respaldo não somente na esfera jurídica como, e
principalmente, no campo da pedagogia e da psicologia. Qualquer profissional da
área, ao ser inquirido a respeito, fornecerá resposta sempre no mesmo sentido:
a imprescindibilidade do ensino infantil, ministrado em creches e pré-escolas.
Desde estudos realizados, livros, artigos e outras publicações, até os índices
estatísticos, indicam que as crianças que freqüentam creches e pré-escolas
apresentam condições infinitamente superiores de ingressarem na 1ª série do
primeiro grau do que aqueles que não cursaram.
Diante
do exposto chega-se a uma conclusão lógica: não há nenhum tipo de preferência
prevista pela Lei entre o fornecimento de educação fundamental e o de educação
infantil. Isto significa, portanto, que o Estado será responsabilizado da mesma
forma se deixar de prover adequadamente o ensino infantil, assim como o será se
deixar de prover o ensino fundamental. E neste ponto cabe uma indagação: qual
então o sentido do termo obrigatório atribuído à educação fundamental no § 1º
do art. 208 da Constituição Federal e conseqüentemente da responsabilidade pelo
seu não-oferecimento prevista no § 2º do mesmo artigo?
Ora,
claro é que quando a Lei determina a obrigatoriedade do ensino fundamental,
fica evidenciada a intenção do legislador em enfatizar o caráter indispensável
desta etapa educativa, o que não significa colocá-la acima, em termos de
importância, à educação infantil. Significa, por seu turno, que o legislador
foi atento ao tema da educação fundamental, visando frisar aos administradores
do Estado que o seu não fornecimento adequado pode gerar conseqüências várias
no que tange à responsabilidade jurídica. Claro que o não fornecimento do
ensino infantil também gera responsabilização estatal, mas que, como se verá
adiante, apresenta aspectos diferentes da responsabilidade suscitada nos casos
do não cumprimento da demanda do ensino fundamental.
Assim,
enquanto a obrigatoriedade do ensino fundamental caracteriza-se como um dever
de duas vias, ou seja, dever do Estado em propiciar e dever dos pais em
garantir a matrícula do filho menor, a obrigatoriedade do ensino infantil
caracteriza-se somente pelo dever do Estado em propiciá-la. Neste segundo caso,
este caráter obrigatório não se encontra expresso na lei, como no caso da
educação fundamental, mas implícito no “caput” do art. 208 da Constituição
Federal, que determina: “O dever do Estado com a educação...”
Ambos
os ciclos educacionais, portanto, têm caráter obrigatório, restando a diferença
entre eles o fato de no caso do ensino infantil não estarem os pais compelidos
pela lei a matricular suas crianças nas creches e pré-escolas. No caso do
ensino fundamental, determina o Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 55: “Os pais ou responsável têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”
Tal
obrigação é elemento integrante daquele rol de deveres que incumbe aos pais
cumprirem, sob pena, inclusive de destituição de pátrio poder. Assim, dispõe
novamente a referida Lei:
Art. 22: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.” (grifo nosso)
E
quanto à sanção prevista por este Estatuto Legal:
Art. 24: “A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”
E,
por fim, cumpre ressaltar que também incorrem em prática de crime os pais que
não provêm ao filho a educação adequada, sendo este fato criminoso intitulado
como “abandono material”, previsto no art. 246, do Código Penal.
O
objetivo da citação destes dispositivos legais é exatamente demonstrar qual o
tipo de vínculo obrigacional que existe entre o particular e o ensino
fundamental. Sim, porque como já foi dito, em relação ao Estado, a obrigação se
caracteriza seja quanto ao ensino fundamental, seja quanto ao ensino infantil.
A
educação é obrigatória para o Estado como serviço público que deve ser posto em
quantidade e qualidade necessárias para atendimento universal da população em
condições de igualdade de conteúdo e aproveitamento àquele posto à disposição
pela iniciativa privada.
Ora,
se o ensino infantil é obrigatório, também pode se dizer que é direito público
subjetivo, assim como o ensino fundamental. Tal conclusão, ainda que óbvia e
baseada no bom senso, pois afinal está-se falando de uma etapa importantíssima
na educação da criança, merece especial atenção.
Segundo
o eminente professor Rodolfo de Camargo Mancuso, “os direitos subjetivos
compreendem posições de vantagem, privilégios, prerrogativas, que, uma vez
integradas ao patrimônio de seu titular, passam a beneficiar de uma tutela
especial do Estado.” E complementa: “quando tais prerrogativas se estabelecem
em forma de créditos formados contra ou em face do Estado, tomam a designação
de direitos subjetivos públicos” [15]
De
acordo com tal definição, fica claro visualizar o direito à educação infantil
como um direito subjetivo, já que, integrando o rol de direitos sob titularidade
da criança, passam, necessariamente, a serem tutelados pelo Estado. E mais,
patente é constatar que também se trata de um direito público subjetivo haja
vista que figura como crédito em face do Estado.
Ora,
se é a educação infantil direito público subjetivo e de caráter obrigatório,
qual a motivação do legislador em expressar tais condições apenas para o ensino
fundamental? A resposta é simples. Ao se proceder à análise dos textos legais
pertinentes à educação, uma conclusão somente é cabível: não há hierarquia
alguma entre o ensino fundamental e o infantil. Optou, porém, o legislador em
ressaltar aos administradores do Estado que o ensino fundamental é tão
importante para a criança a ponto de estarem os pais obrigados a matricular
seus filhos, sob pena de sofrerem todas as sanções acima expostas. E se os pais
estão obrigados a cumprir este dever, o Estado, logicamente, deve prover a
escola de toda a infra-estrutura necessária, pois, caso contrário, as normas
mencionadas teriam seu conteúdo esvaziado.
No
caso do ensino infantil, tal obrigação legal dos pais em relação à matrícula
dos filhos não existe, o que, em tese, abrandaria a urgência do fornecimento. O
que não significa que não seja o ensino infantil obrigatório ou consistente em
um direito público subjetivo, ou seja, passível de ser objeto de
responsabilização estatal em função de seu não fornecimento adequado.
Ademais
disso, por figurar como princípio a igualdade de condições para o acesso e a
permanência na escola (art. 3º, inc. I), as crianças que puderam desfrutar,
sobretudo, de pré-escola, tendem a ingressar em condições mais evoluídas no
processo de alfabetização e desenvolvimento intelectual. Assim, diante do
sistema de direitos e garantias preconizados pela Constituição Federal e pela Lei
9.394/96, somos inclinados a registrar a opinião no sentido de que, mesmo sem o
caráter obrigatório para os pais ou responsáveis, a pré-escola, correspondendo
a deveres do Estado para com a educação, são etapas do ensino fundamental,
tornando-se secundário o disposto no art. 30.
Assim,
o acesso à pré-escola também, e igualmente ao ensino fundamental propriamente
dito, é direito público subjetivo, regendo-se pelas disposições tanto do
Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto desta Lei, as ações de responsabilidade
por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao
não-oferecimento ou oferta irregular de atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos de idade. (art. 208, III da Lei nº 8.069/90 e art.
5º da Lei nº 9.394/96).
Disposições
análogas a essa disciplina jurídica da educação pré-escolar e infantil estão
dispostas, como visto, nos arts. 208, inc. IV da Constituição Federal e 54,
inc. VI do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Diante
do exposto, evidenciado está o descumprimento de normas constitucionais pelo
Estado nas situações em que não há um atendimento proporcional à demanda nas
creches e pré-escolas municipais. Se o pai não é obrigado a propiciar o
ingresso do filho na pré-escola, o Estado é sim, de maneira indiscutível,
obrigado a colocá-la à disposição das crianças, sendo os seus pais, portanto,
os únicos a possuírem legitimidade
para decidir pelo ingresso ou não da criança na educação infantil.
Assim,
inexiste discricionariedade administrativa do Poder Público no sentido de
promover ou não a educação infantil na sua rede oficial de ensino. Sua omissão
dá ensejo às ações judiciais já apresentadas anteriormente por todos aqueles
legitimados.
9. DO CONTROLE DA
DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO OBRIGATÓRIA
9.1 INTRODUÇÃO
Toda
experiência haurida em mais de oito anos de vigência do Estatuto da Criança e
do Adolescente tem despertado diversas indagações na doutrina que desembocam na
seguinte pergunta: como tornar reais os direitos consagrados, à exaustão, pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, inspirados pela Constituição Cidadã de
1988?
Se
é certo que o art. 227 da CF decorreu de uma imensa pressão popular que guindou
o princípio da prioridade absoluta à hierarquia de norma constitucional, “lex
superior”, não é menos certo que a norma infraconstitucional que se lhe seguiu
- o ECA - objetivou, através de uma série de preceitos ousados para nossa
sociedade marcada por desigualdades e injustiças sociais, criar uma tensão
entre a norma e a realidade, de tal sorte que, através de diversos mecanismos,
notadamente os de participação popular, fosse possível forjar um avanço no
tecido social.
Dentre
estes mecanismos, sobressai o da ação civil pública para tutela dos bens-interesses
contemplados pala Carta Magna e pelo ECA, para cuja propositura estão
legitimados, concorrentemente, o Ministério Público, a União, os Estados, os
Municípios, os Territórios, o Distrito Federal e as associações legalmente
constituídas, há pelo menos um ano, e que incluam entre seus fins
institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos pelo ECA.
Ocorre
que a força vanguardeira que inspirou o art. 227 da CF e o Estatuto da Criança
e do Adolescente e, de forma muito nítida, vem alimentado iniciativas do
Ministério Público - especialmente o de primeiro grau - nessa seara, perde
terreno quando essas demandas, de solução conturbada, desembocam nos tribunais.
Avaliando
uma série de acórdãos sobre o tema - que ainda são poucos face à recenticidade
dos dispositivos legais neles debatidos -, concluímos que o principal argumento
para o não-acolhimento da pretensão deduzida em juízo decorre, direta ou
indiretamente, do chamado “poder discricionário” do Administrador Público.
Nesses
arestos, o Judiciário acaba por concluir não lhe ser possível, sob pena de se
imiscuir na esfera de atribuições de outro Poder, condenar o Poder Executivo
numa obrigação de fazer ou não-fazer (geralmente da primeira espécie), pena de
ser vulnerado o postulado da discricionariedade administrativa.
Por
entendermos que essa idéia não se coaduna com o espírito do Constituinte - que
merece respeito - nem com o claramente vazado nas normas escritas por muitas e
anônimas mãos aglutinadas na Lei nº 8.069/90 - é que resolvemos desenvolver
este estudo, o qual se pretende seja INSTRUMENTAL, ou seja, ferramenta útil
para todos aqueles que labutam na área da infância e juventude, principalmente
direcionado aos que têm como compromisso pessoal forjar o avanço social, a
partir de uma lei que pode ser adjetivada de revolucionária - O ESTATUTO DA
CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
9.2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE
A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA
Como
já pontificou com brilho o culto magistrado da Vara da Infância e da Juventude
da Lapa, MM. Juiz de Direito Dr. Fermino Magnani Filho, ao conceder medida
liminar em ação civil pública proposta pelo Ministério Público visando
correções na política estadual sobre o programa de reorganização do ensino:
“Orientação momentânea da política
educacional está a sobrepor-se a um trabalho reconhecidamente bem sucedido.
Esses momentos negros - valendo frisar que os governos passam, mas o lixo fica
- seriam até compreensíveis sob regimes ditatoriais. Tendem a perpetuar seus
efeitos funestos.” (pp. 230 e 232 do Proc. 385/96).
Tais
considerações evidenciam a necessidade de controle sobre administração pública
despossuída de valores, princípios e padrões legais e constitucionais de
intervenção. Suscita rígido e enérgico controle jurisdicional para se fazer
cumprir a Constituição Federal, a Constituição Estadual e o Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Há,
pois, redução do nível de discricionariedade que se tolera em tema de políticas
públicas direcionadas à infância e à adolescência, em especial quanto à
educação.
São
lições da doutrina que a Administração tem liberdade para decidir o que convém
e o que não convém ao interesse coletivo, devendo executar a lei
vinculadamente, quanto aos elementos que ela discrimina, e discricionariamente,
quanto aos aspectos em que ela admite opção[16]. Mas o fato de a lei
conferir ao Poder Público certa margem de discrição significa que lhe deferiu o
encargo de adotar a providência mais adequada à espécie, podendo examinar o
momento e a forma de fazê-lo, mas não ficar inerte, pois os comandos legais não
se subordinam à vontade do administrado. [17]
De
fato, o dever de agir é um dos princípios da Administração, para quem a
execução, a continuidade e a eficácia dos serviços públicos constituem
imperativos absolutos. Por isso se diz que, sendo outorgado para satisfazer
interesses indisponíveis, todo poder administrativo tem para a autoridade um
caráter impositivo, convertendo-se, assim, em verdadeiro dever de agir. [18]
Em
conhecida passagem, FLEINER adverte que, no exercício de um poder
discricionário, a autoridade administrativa está autorizada a escolher “entre
as várias possibilidades de solução, aquela que melhor corresponda, no caso
concreto, ao desejo da lei”. [19]
Essa
característica fundamental do poder discricionário, associada ao dever de
eficiência que toca a Administração, evidencia que a existência de norma
autorizadora de um determinado ato, embora requisito indispensável, não é
suficiente para concluir pela sua legalidade em um caso concreto.
CELSO
ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO explica, a respeito, que, ao permitir alternativas de
conduta, a lei não autoriza o administrador a fazer o que bem entenda, antes o
encarrega “de adotar o comportamento ideal: aquele que seja apto, no caso
concreto, a atender com perfeição a finalidade da norma” [20]
O
mesmo autor identifica em todas as normas (vinculadas ou discricionárias), o
dever de adotar a melhor solução, praticando os atos logicamente idôneos ao
atendimento das finalidades colimadas. Nas suas expressivas palavras, “o dever
jurídico de praticar, não qualquer ato dentre os comportados pela regra, mas,
única e exclusivamente, aquele que atenda com absoluta perfeição à finalidade
da lei”, para que “sempre seja adotada a decisão pertinente, adequada à
fisionomia própria de cada situação”.[21]
Porque
existe um dever jurídico de boa administração, entende-se que o ordenamento só
quer a solução excelente e “se não for esta a adotada, haverá pura e
simplesmente violação da norma de Direito, o que enseja correção jurisdicional,
dado que ter havido vício de legitimidade”. Assim, “em despeito da discrição
presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato
discrepante do único cabível, ou se tiver eleito algum sumamente impróprio ante
o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada
revisão jurisdicional”.[22]
Portanto,
o administrador só é livre, verdadeiramente, para, no caso concreto, decidir
entre duas ou mais soluções igualmente aptas a atender a finalidade legal, na
sua plenitude.[23]
9.3 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE
DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA:
A
idéia de um poder discricionário do qual são adotados os administradores da
coisa pública nasce concomitantemente com a do Estado de Direito.
A
Revolução Francesa de 1789, ao soterrar a monarquia, fez eclodir profundas
mudanças em nível de infra e
superestrutura, numa linguagem marxista.
Na
ordem jurídica, as alterações foram notórias, marcando a passagem do Estado de
Polícia ou Absolutista - “L’Etat C’est moi” - para o Estado de Direito.
A
concepção de Estado de Direito, gestada no início do Século XVIII e
influenciada, decisivamente, por nomes como os de Rousseau e de MONTESQUIEU[24],
tem como aspecto nuclear a submissão do Executivo à lei, a legalidade cede ao
arbítrio que imperava na estrutura monarco-despótica rompida pela burguesia
emergente.
Para
Jean Jacques Rousseau, o Estado é resultado de um acordo de vontades, de um
contrato social, concluindo que apenas o Estado é fonte de direito, sendo tal a
legítima expressão da “volonté générale”. Ele acreditava que a justificação do
poder residiria na vontade direta dos vários indivíduos que compõem o todo
social.[25]
O
pensamento de Montesquieu, o qual deixou sua confortável posição na
magistratura francesa para refletir sobre a acelerada evolução política de seu
tempo, vem resumindo em sua principal obra “O Espírito das Leis”, na qual
expressa, com a ironia que lhe é peculiar:
A liberdade política
somente existe nos governos moderados. Mas nem sempre ela existe nos governos
moderados. Só existe quando não se abusa do poder, pois é uma experiência
eterna que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; e vai até onde
encontra limites. Quem diria? A própria virtude precisa de limites. Para que
não abusar do poder, precisa que, pela disposição das coisas, o poder freie o
poder.
É
na França que o direito administrativo ganha foros de disciplina, inclusive a
nível acadêmico, país pioneiro na formulação de seus princípios basilares,
dentre eles o do chamado “poder discricionário”.
Com
efeito, costuma-se dizer que a “Certidão de Nascimento” do Direito
Administrativo está materializada numa lei francesa de 1800, conhecida por Lei
de 28 do pluvioso ano VII (calendário da Revolução Francesa).
Sem
embargo da pertinência desse marco, de inegável valia do ponto de vista da
organização histórica dos acontecimentos, é mister salientar que a função
Administrativa sempre existiu, desde a Antigüidade, sem solução de
continuidade, ao contrário das demais funções do Estado (Legislativa e
Judicante), que sofreram algumas interrupções, principalmente em períodos de
arbítrio e de hipertrofia do Executivo.
A
escola de administrativistas franceses, que construiu o arcabouço doutrinário e
principiológico sobre o qual nós, hoje, ainda, comodamente, trabalharmos[26]
estruturou o conceito de discricionariedade administrativa em torno da idéia de
PODER, colocando-a como atributo imprescindível ao seu exercício.
Nesse
sentido, vale traduzir trecho da obra de Maurice Hauriou, vazado nos seguintes
termos:
A administração não é animada, naquilo que
ela faz, por uma vontade interior, mas sim, por vontade executiva livre
submetida à lei como um poder exterior. Segue-se que, de um lado, nas matérias
de sua competência, enquanto seu poder não está ligado por disposições legais,
ele é inteiramente autônomo e, por outro lado, nas matérias em que seu poder
parece ligado pela lei, ele se conforma sempre a uma certa escolha de meios que
lhe permite de se conformar voluntariamente à lei.
Esta
faculdade de se conformar voluntariamente à lei é tanto mais reservada à
administração das leis quanto ela goza constitucionalmente de uma certa
liberdade na escolha dos momentos e das circunstâncias em que assegura esta
aplicação.
Conforme este ponto de vista, convém mostrar
novamente que o poder discricionário da administração consiste na faculdade de
apreciar a oportunidade que pode ter de tomar ou não tomar uma decisão
executória, ou de não tomá-la imediatamente, mesmo que seja prescrita pela lei.[27]
Do
escrito por Hauriou, no início do século, emerge a tônica da
discricionariedade, segunda sua ótica: poder do administrador que, nas matérias
de sua competência, não delimitadas pela lei, estaria livre para agir de acordo
com critérios de conveniência e oportunidade.
Fiorini
critica essa visão inicial do problema, por acabar deixando ao arbítrio do
administrador (o que não se coaduna com o Estado de Direito) a forma de atuação
quando a lei seja omissa quanto a ela.
São dele as seguintes palavras:
“Para a velha tese da legalidade, donde o poder
administrador devia executar a lei, resultava difícil justificar a existência
da denominada discricionariedade da administração pública. Esta se apresentava
como um poder que tinha a administração pública. Esta se apresentava como um
poder que tinha a administração quando a lei não havia disposto como devia
atuar ante certas circunstâncias. Este reconhecimento da existência da
discricionariedade administrativa era a falência do caráter absoluto da
legalidade, que sustentava o dogma de que a administração só executava a lei. A
falência se salvava distinguindo-se a discricionariedade como um poder dentro
da administração, criador de normas particulares, que não tinham a consistência
jurídica das que executava a administração”.[28]
O
mestre português André Gonçalves Pereira, após vaticinar contra aqueles que
vêem no poder discricionário uma resultante da falta de disciplina legal, faz
questão de distingui-lo do poder arbitrário, “in verbis”:
“O poder
discricionário não resulta da ausência de regulamentação legal de dada matéria,
mas sim de uma forma possível de sua regulamentação: através de um poder, ou
seja, do estabelecimento por lei de uma competência, cuja suscetibilidade de
produzir efeitos jurídicos compreende a de dar validade a uma decisão a uma
escolha, que decorre da vontade psicológica do agente. Discricionariedade e
vinculação são assim formas diversas de regulamentação por lei de certa
matéria; mas quando a lei não contemple determinada situação de vida, e não o integre pelo menos genericamente na
sua previsão, nenhum poder tem em relação a ela o agente, - e sustentar o
contrário seria pôr em dúvida o valor do princípio da legalidade”.[29]
Michel
Stassinopoulos, citado pelo legendário Themistocles Brandão Cavalcanti [30],
fez um apanhado das teorias acerca da natureza do ato discricionário que, no
início do nosso século, encontravam guarida doutrinária. Dentre elas,
destaca-se a encampada pelo próprio Stassinopoulos, segundo a qual a
discricionariedade coincide com a determinação ou a capacidade de determinação
do sentido de uma noção deixada imprecisa pela lei, havendo nisso a
possibilidade de escolher entre as diversas soluções, a melhor, ou a que for
julgada melhor, por motivos de conveniência, de oportunidade, de interesse
público.
Essa
noção, a nosso ver superada pela melhor doutrina da atualidade,[31] ainda
vem sendo reconhecida em diversos arestos de nossos tribunais, receosos de
ousarem interferir no intangível “mérito” do ato administrativo.
Outra
corrente, criticada pela sua falta de consistência científica (pois confunde a
natureza do ato discricionário com uma de suas conseqüências), qualifica de
discricionário o poder não sujeito ao controle jurisdicional (Strassinopoulos
debita essa abordagem a Laun, Jellinek e Gegotz).
Essa
teoria, a par de seu arrigorismo técnico, também não mais encontra respaldo na
doutrina hodierna, que vem, paulatinamente, admitindo serem todos os atos
administrativos, mesmo os de cunho discricionário, sujeitos ao crivo do Poder
Judiciário. Lamentavelmente, na jurisprudência, ainda há algum receio de
invasão na esfera de atuação do Poder Executivo,[32] a despeito de ter
nossa vigente Carta Magna ampliado a noção de universalidade da jurisdição: “a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”;
(inc. XXXV do art. 5º), aderindo a uma verdadeira tendência mundial de abertura
do Poder Judiciário.[33]
A
vigente Carta Magna avançou no tocante ao acesso à Justiça, pois, além de ter
suprimido a expressão individual, o que franqueia a tutela dos
interesses metaindividuais, acrescentou a expressão “ameaça a direito”, se
comparada com o art. 153, § 4º, da Emenda constitucional nº 1/69.
Da
ênfase que era dada à atividade discricionária enquanto vinculada à idéia de
poder[34, 35], evoluiu-se, face ao fortalecimento do princípio da
legalidade[36] para a idéia de poder-dever.
Diogo
de Figueiredo Moreira Neto, comentando o assunto, conclui ser preferível
conceber a discricionariedade administrativa como uma competência para
definir, no caso, o interesse público, atribuindo-lhe a natureza jurídica de poder-dever.[37]
Essa
trajetória está associada ao acréscimo de funções sofrido pelo Estado que
passou a ser de cunho social.
Consoante
os adjetivos que as Constituições foram acrescentando a idéia de Estado,
conclusão essa diagnosticada com precisão por Maria Sylvia Zanella Di Pietro,[38]
esse passou de mero Estado de Direito para um Estado Social, que, hoje, ainda,
se almeja seja democrático, atributo esse que virá a delimitar ainda mais a abrangência
da discricionariedade administrativa.
Não
por outra razão, a doutrina moderna passa a identificar a discricionariedade
mais com a idéia de DEVER do que com a de PODER, acentuando sua condição de
serviente, caracterizador de função pública.
Celso
Antônio Bandeira de Mello[39], é categórico ao analisar:
Na ciência do Direito Administrativo, erradamente e
até de modo paradoxal, quer-se articular os institutos do direito
administrativo - inobstante ramo do direito público - em torno da idéia de poder,
quando o correto seria articulá-lo em torno da idéia de dever, de finalidade a
ser cumprida. Em face da finalidade, alguém - a Administração Pública - está
posta numa situação que os italianos chamam de doverosità, isto é,
sujeição a esse dever de atingir a finalidade. Como não há outro meio para se
atingir esta finalidade, para obter-se o cumprimento deste dever, senão irrogar
a alguém certo poder instrumental, ancilar ao cumprimento do dever, surge o
poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se
cumpra o dever. Mas é o dever que comanda toda a lógica do Direito Público
- grifei -. Assim, o dever assinalado pela lei, a finalidade nela estampada,
propõe-se, para qualquer agente público, como um ímã, como uma força atrativa
inexorável do ponto de vista jurídico.
Outros
doutrinadores pátrios[40], menos ousados que o mestre Celso Antônio, não
chegam a situar a discricionariedade na pauta dos deveres, mas questionam o
porquê da nomenclatura usualmente empregada - poder discricionário -,
bem como apontam os diversos limites constitucionais e legais a esse poder,
face à marcha dos acontecimentos históricos que têm levado uma democratização
do Estado de Direito, com sua tendência, inexorável, de passar a ser mais
participativo, menos representativo.
Numa
linha própria de pensamento, não menos vanguardista e científica, Lúcia Valle
de Figueiredo afirma consistir a discricionariedade numa competência-dever
atribuída ao administrador para agir no caso concreto, de acordo com o critério
da razoabilidade geral.[41]
Por
demais significativa é a lição trazida pelo mestre Karl Engish, em sua
“Introdução ao Pensamento Jurídico”, onde, ainda em 1956, prelecionava:
“Aqui podemos também lançar mão do conceito
evanescente de discricionariedade vinculada e dizer que a discricionariedade é
vinculada no sentido de que o exercício do poder de escolha deve ir endereçado
a um escopo e resultado da decisão que é o único ajustado, em rigorosa
conformidade com todas as diretrizes jurídicas”.[42]
Por
fim, há quem vislumbre, como o tedesco Huber e o francês Léon Duguit, antagonismo
entre as idéias de discricionariedade administrativa e a de Estado de Direito,
na medida em que, sob a inspiração do princípio da legalidade, inexiste
atividade administrativa não submissa aos seus cânones.
Enquanto
Huber ironiza, comparando a discricionariedade a um “Cavalo de Tróia” nos
arraiais do Direito Administrativo[43], Duguit assevera:
“A limitação da competência, não somente quanto ao
objeto do ato, mas ainda quanto ao motivo que o determina, constitui garantia
muito forte contra o arbítrio dos agentes públicos. A conseqüência disso, com
efeito, é que nada mais foi deixado à apreciação discricionária do agente
administrativo”.[44]
Não
compactuamos com as posições extremas dos ilustres autores estrangeiros,
porquanto entendemos realmente haver um DEVER discricionário. A
discricionariedade, sob nossa ótica, é natural da prática do direito, porque a
vida é bem mais rica do que a lei, sendo impossível ao legislador ordenar e
prever todas as situações de vida, de exercício do poder e de seus
desdobramentos.
9.4 CONTROLE JURISDICIONAL DA
DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA:
Razão
assiste ao preclaro publicista Celso Antônio Bandeira de Mello (talvez o mais
completo da atualidade brasileira) quando desloca o eixo metodológico do
conceito de discricionariedade da noção de poder para a de DEVER, noção essa
muito mais afinada ao Direito Público e à situação jurídica de FUNÇÃO.
O
dever discricionário do administrador público está, inegavelmente, cingido por
diversos princípios trazidos à lume pela Constituição de 1988 (inclusive em seu
preâmbulo) e por normas de hierarquia inferior.
Por
outro lado, o princípio da legalidade, norte maior do Administrador Público,
foi ampliado de tal sorte a contemplar não mais somente a lei, formalmente
considerada, mas o Direito como um todo, com toda a sua carga valorativa.
Não
podemos conviver mais com a marca da democracia meramente representativa,
segundo a qual os cidadãos limitam-se a eleger seus representantes e, após
depositarem seu voto na urna, aguardam passivamente a sucessão de atos de
governo, sem qualquer participação na tomada de decisões.
Se,
desconformes com o modo de governar dos eleitos, resta aos eleitores a
possibilidade de, no próximo pleito, não tornar a elegê-los.
Esse
modelo político não serve ao terceiro milênio.
Dotados
dessa visão prospectiva, nossos constituintes de 1988 engendraram e inscreveram
no texto Constitucional diversos mecanismos de participação popular nos atos de
governo, em perfeita consonância com o princípio gravado no parágrafo único do
art. 1º da CF: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Sabedores
de que a mobilização popular, máxime em um país de dimensões continentais como
o Brasil, é de difícil ou impraticável influência direta junto aos governantes,
nossos legisladores (a nível Constitucional e Infraconstitucional), acolhendo
soluções do Direito alienígena e criando algumas genuinamente brasileiras,
outorgaram legitimação a certas entidades ou instituições, reconhecendo-lhes
representatividade para levar à análise de um outro segmento do PODER, o
Judiciário, anseios e pretensões que transcendem à esfera individual.
Essa
multiplicidade de remédios processuais alinhados na CF de 1988 (“habeas data”;
mandado de injunção; ação popular; mandado de segurança individual e coletivo;
ação direta de inconstitucionalidade; ação declaratória de
inconstitucionalidade por omissão e quejandos) aliada aos inúmeros legitimados
ativos para suas proposituras, consubstanciaria verdadeira letra-morta se
mantido o dogma da inatacabilidade do mérito do ato administrativo.
Quando
se aborda o tema da discricionariedade como reduto privativo do administrador[45],
geralmente se leva em conta a clássica teoria da separação de poderes, cuja
base teórica remonta aos séculos XVII e XVII, tendo em Montesquieu seu mais
prolífico ideólogo.
Deveras.
Não se pode olvidar o contexto social e político que levou o famoso BARÃO DE
BRÈDE e de MONTESQUIEU (1689/1755) a construir tal estrutura: o absolutismo
monárquico que imperava no mundo ocidental antes da Revolução Burguesa de 1789,
cuja característica marcante era, sem dúvida, a hipertrofia do Executivo sobre
as demais expressões de poder.
Naquele
cenário se tornava mais fácil compreender porque o nobre, conquanto partidário
da repartição tricotômica do poder, idealizava um Judiciário amorfo, ao ponto
de afirmar, literalmente: “Dos três Poderes, de que falamos, o de
julgar ; é de certo modo nulo. Não restam senão dois[46]”.
A
pouca relevância política dada ao Judiciário, era contraposta pelo teórico à
força do Legislativo, único poder capaz de, na sua ótica, neutralizar os abusos
do Executivo (“As leis devem, todo o tempo, castigar o orgulho da dominação”) e
mitigar as desigualdades.
Esse
Judiciário, definido por Montesquieu como “a
boca que pronuncia as palavras da lei”, evoluiu, graças à plena superação
da idéia de um poder ilimitado, e ganhou, na prática, status” de Poder,
compreendido, politicamente, como a capacidade de decidir imperativamente e
impor decisões.
Cândido
Rangel Dinamarco[47] tece profundas considerações sobre a Jurisdição,
enquanto expressão do poder estatal (que é uno), concluindo ser ela uma das
funções do Estado, a qual, ontologicamente, não se distingue é sua vocação para
voltar-se aos casos concretos, às situações de conflitos interpessoais.
O
juiz de hoje deve ter presente, quando conduz um processo e julga uma causa,
que suas ações são manifestações do poder estatal. Portanto, qualquer posição
que adote tem conotação política, que deve se pautar, não em seus gostos
pessoais, em suas idiossincrasias, mas nos valores dominantes do seu tempo,
pois como afirma o multicitado Cândido Dinamarco, o juiz “é, afinal de contas, um
legítimo canal de comunicação entre o mundo axiológico da sociedade e os casos
que é chamado a julgar”.[48]
José Afonso da Silva, define, com inequívoco bom senso, o que seja harmonia entre os poderes:
“cortesia no trato recíproco e no respeito às
prerrogativas e faculdades a que se
verifica, primeiramente, por normas de mutuante todos têm direito. De
outro lado, cabe assinalar que a divisão de funções entre os órgãos do poder
nem sua independência são absolutos. Há interferências que visam ao
estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio
necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o
arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos
governados”.[49]
Essa
real harmonia leva o Judiciário, quando provocado, a ser o responsável pela
identificação do interesse público, não podendo se furtar a fazê-lo.
Discorrendo sobre o tema, o insigne Mauro Capelletti, após acentuar a possibilidade
de o Judiciário atuar para coibir incorreções praticadas pelos membros dos
outros poderes, afirma a relevância da atuação desse Poder para colaborar com
identificação do interesse público e garantia de que esse seja realmente
alcançado.[50]
Partindo-se
da premissa de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito (individual,
coletivo, difuso, público ou privado) não seja passível de apreciação pelo
Poder Judiciário, resta concluir que também a discricionariedade administrativa
está sujeita ao controle jurisdicional.[51]
Nessa
linha de raciocínio, é digno de transcrição parte do aresto da lavra do Des.
Nery da Silva, do Tribunal de Justiça de Goiás, onde, após trazer à lume lições
exemplares da magistrada Federal Lúcia Valle Figueiredo, infere:
“Não há imunidade legal para quem infringe direito.
O poder discricionário não está situado além das fronteiras dos princípios
legais norteados de toda iniciativa da administração e sujeita-se a regular
apreciação pela autoridade judicante”.[52]
Extrai-se
das colocações acima a exata dimensão que o Relator daquela apelação interposta
nos autos de uma ação civil pública tem de sua função de fazer uma lei para o
caso concreto: do caráter indeclinável da Jurisdição e da legalidade que deve
inspirar todos os atos administrativos.
Decisão
da sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Relator o
Des. Sérgio Gischow Pereira), entendeu ser passível de apreciação pelo Poder
Judiciário obrigação de fazer demandada do Executivo Estadual, por ser respaldada
em princípio constitucional e em lei infraconstitucional, sem que com isso
estivesse havendo qualquer tipo de intromissão do Judiciário na
discricionariedade do Administrador Público. Na ementa do acórdão, afirma o
insigne Relator:
“Valores hierarquizados em nível elevadíssimo,
aqueles atinentes à vida e à vida digna dos menores. Discricionariedade,
conveniência e oportunidade não permitem ao administrador que se afaste dos
parâmetros principiológicos e normativos da Constituição Federal e de todo o sistema
legal”.[53]
De
todos os ensinamentos supraexpostos, resulta de meridiana clareza a
possibilidade e até a necessidade de controle judicial dos atos
administrativos, mesmo aqueles praticados dentro da chamada esfera de atuação
discricionária, porque somente esse controle, a par de outros previstos na Lei
Magna, é capaz de garantir que a Administração atue sempre pautada pelo
princípio da legalidade estrita, jamais desbordando eventuais opções que o
vazio da norma lhe deixe (já que o legislador não tem como prever todas as
situações concretas da vida) para uso arbitrário do Poder.
9.5 CONCEITO DE
DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA:
Através
de uma ótica funcional da Administração, podemos definir a discricionariedade
administrativa como sendo o dever de o
Administrador Público, ante o grau de imprecisão existente na norma, seja essa
imprecisão derivada de conceitos axiológicos ou multissignificativos, optar
pela solução que mais se compatibilize com o interesse público, ditado pela
Constituição, pelas normas de inferior hierarquia e pelos dominantes ao tempo
da consecução do ato.
Despretensiosamente,
nosso conceito busca realçar a idéia de um “DEVER” discricionário.
Compromete-se
com a necessidade de o Administrador estar sempre vinculado à legalidade,
enquanto conceito amplo, hoje integrado também por outras fontes de Direito
distintas da lei “stricto sensu”.
Por
fim, ressalta o império do interesse público sobre todas as condutas
administrativas.
9.6 O PRINCÍPIO DA PRIORIDADE
ABSOLUTA AOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE:
De
forma inédita na legislação brasileira, o Constituinte de 1988 fez sentir, no
art. 227, o chamado princípio da prioridade absoluta, quando determina ser
dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Essa
nota diferencial em relação a outros campos de atuação das políticas públicas,
a fim de que não pairasse qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do preceito
constitucional (que alguns ainda insistem de taxar de meramente programático),
veio reiterada e esmiuçada na Lei nº 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Reza o art. 4º:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade - grifei -,
a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo Único - A garantia de prioridade
compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência do atendimento nos serviços públicos
ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das
políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos
nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude - grifos
meus.
O
dispositivo fala por si só. É por demais explicativo, mormente para quem está
imbuído do espírito da lei e dos critérios que devem nortear sua interpretação.
O
art. 6º do ECA traça os rumos da hermenêutica a ser empregada por seu
aplicador, destacando os fins sociais a que se dirige; as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da
criança e do adolescente de pessoas em desenvolvimento.
Ainda
que não o fizesse, é mister ao intérprete abrir mão da chamada “hermenêutica
tradicional”, que nunca valorou corretamente a força normativa dos princípios,
e realizar um trabalho exegético multilateral, que leve em conta não só a
valoração política, como a social e até a econômica.[54]
O
mestre em Direito Econômico, Johnson Barbosa Nogueira, em excelente trabalho
publicado na Revista GENESIS de Direito Administrativo, procura destacar a
função hermenêutica dos princípios. Segundo ele:
“Os princípios são referenciais de valoração
jurídica, os grandes responsáveis para não se ter uma valoração livre, mas emocionalmente
conceitual. São os princípios a ferramenta primordial para o preenchimento
das lacunas (axiológicas) do ordenamento jurídico”.[55]
Prioridade,
segundo o mais popular dos dicionaristas brasileiros, Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira, é:
“1. Qualidade do que está em primeiro lugar,
ou do que aparece primeiro; primazia. 2. preferência dada a alguém
relativamente ao tempo de realização de seu direito, com preterição do de
outros; primazia. 3. Qualidade duma coisa que é posta em primeiro lugar numa
série ou ordem”.[56]
ABSOLUTA,
segundo o mesmo “Aurélio” (hoje sinônimo de dicionário de nossa língua),
significa ilimitada, irrestrita, plena, incondicional.
A
soma dos vocábulos já nos indica o sentido do princípio: qualificação dada aos
direitos assegurados à população infanto-juvenil, a fim de que sejam inseridos
na ordem-do-dia com primazia sobre quaisquer outros.
Segundo
o Promotor de Justiça Wilson Donizeti Liberati, especialista na área dos
direitos da criança,
“Por absoluta prioridade, devemos entender que a
criança e o adolescente deverão estar em primeiro lugar na escala de
preocupações dos governantes; devemos entender que, primeiro, devem ser
atendidas todas as necessidades das crianças e adolescentes” (...).
Por absoluta prioridade, entende-se que, na área
administrativa, enquanto não existirem creches, escolas, postos de saúde,
atendimento preventivo e emergencial às gestantes, dignas moradias e trabalho,
não se deveria asfaltar ruas, construir praças, sambódromos, monumentos
artísticos, etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças são
mais importantes que as obras de concreto que ficam para demonstrar o “poder do
governante”.[57]
O
jurista Dalmo de Abreu Dallari,[58] comentando o art. 4º do ECA, destaca
a necessidade de serem priorizados o apoio e a proteção à infância e juventude,
por mandamento constitucional. Mais. Preceitua não ter ficado ao alvedrio de
cada governante decidir se dará ou não apoio prioritário às crianças e aos
adolescentes.
Exsurge
com clareza, das considerações tecidas, não ser possível qualificar a norma
esculpida no art. 227 da CF como sendo de eficácia contida (na classificação
exemplar de José Afonso da Silva); nem como sendo “not self-executing”, na já
superada taxionomia do Direito Americano.
A
norma é clara, passível até de uma exegese meramente gramatical, aquela que
exige do intérprete o mínimo esforço racional, embora seja recomendável avançar
no “iter” hermenêutico e se lançar mão dos métodos lógico e teleológico,
quando, então, virão à lume os dispositivos dos arts. 4º e 6º do ECA.
A
prioridade absoluta, enquanto princípio-garantia constitucional, vem sendo
reconhecida em alguns julgados de nosso país.
É do Tribunal de Justiça do Distrito Federal o primeiro acórdão, verdadeiro “leading case”, do qual tivemos conhecimento no qual há menção clara a ele, “in verbis”:
“Do estudo atento desses dispositivos legais e
constitucionais, desume-se que não é facultado à Administração alegar falta de
recursos orçamentários para a construção dos estabelecimentos aludidos, uma vez
que a Lei Maior exige PRIORIDADE ABSOLUTA - art. 227 - e determina a inclusão
de recursos no orçamento. Se, de fato, não os há é porque houve desobediência,
consciente ou não, pouco importa, aos dispositivos constitucionais precitados
encabeçados pelo parágrafo sétimo do art. 227.”[59]
O
Tribunal de Justiça Gaúcho, em decisão anteriormente mencionada, também faz
referência ao princípio quando adverte:
“A exigência de absoluta prioridade não deve ter
conteúdo meramente retórico, mas se confunde com uma regra direcionada,
especificamente, ao Administrador Público.”[60]
Partindo
da premissa de que a norma do art. 227 é de eficácia plena (distanciando-se em
tudo daquelas que alguns insistem em catalogar como sendo de conteúdo meramente
programático, cada vez mais raras em nosso ordenamento jurídico malcriadamente
positivado), temos de reconhecê-la, sim, como um fator a mais a limitar o campo
de atuação discricionária do administrador público.
Pensar
de outra maneira é converter o art. 227 e o microssistema do ECA em meras
cartas de intenções, desvirtuando-os de seu sentido evolutivo, de sua virtual
condução a uma utopia concreta.
É
também ignorar que diversas normas constitucionais, como bem ensina o
juspublicista luso Gomes Canotilho, destinam-se a formular roteiros de ação que
os poderes públicos devem concretizar, os quais adquirem especial relevância
nos programas de governo[61].
Eduardo
Garcia de Enterria e Tomás-Ramón Fernández, dissertando sobre os princípios
constitucionais[62] tecem considerações críticas a respeito dessa
classificação de algumas normas inseridas na Constituição como sendo princípios
meramente programáticos. Textualmente, vejamos:
“Estes valores não são pura retórica, temos de
impugnar essa doutrina, de tanta força ineficaz entre nós - simples princípios
programáticos - sem valor normativo de aplicação possível; pelo contrário, são
justamente a base inteira do ordenamento; o que há de presidir, portanto,
toda sua interpretação e aplicação” – grifei.
A
partir do momento em que se tem uma visão nítida do sistema, do qual ressalta o
princípio em foco, certamente que nenhum magistrado ousará denegar Justiça sob
o argumento da inviabilidade de exame do agir discricionário do administrador.
9.7 PERIGO DE DESRESPEITO ÀS
NORMAS CONSTITUCIONAIS
Ao
se enfatizar o assento constitucional do princípio da prioridade absoluta (art.
227 da CF), é mister que explicitemos a sua eficácia jurídica.
Sob
a inspiração da doutrina de José Afonso da Silva, é possível situar o princípio
em comento dentre os princípios gerais informadores de toda a ordem jurídica
nacional. Portanto, traduz-se ele em norma de eficácia plena e
aplicabilidade imediata.[63]
Nessa linha de raciocínio, não merece acolhida a argumentação de que nossa Constituição, no tocante à priorização das questões atinentes à infância e juventude, seria de cunho programático. Por essa trilha equivocada, “data venia”, optou o e. Superior Tribunal de Justiça no julgamento de Recurso Especial interposto nos autos de ação civil pública ajuizada pelo “parquet” de Goiás, “verbis”:
A nossa Constituição de 1988, mais do que todas as
Cartas e Constituições brasileiras anteriores é dirigente (dirigierende
Verfassung) e programática (programmatische Verfassung). Ela almeja construir
uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) erradicando a
pobreza e a marginalidade, e reduzir as desigualdades sociais e regionais
(id. III). Em outras palavras, um dos objetivos fundamentais da nossa República
Federativa é oferecer diretivas modeladoras para a própria sociedade,
acenando na ordem econômica, financeira, cultural e ambiental. Essas
normas programáticas se destinam especialmente aos Poderes Públicos; Ao
Legislativo, para que ele procure elaborar as normas infraconstitucionais
consoante programas e tarefas gizados pela Constituição; Ao
Judiciário, para que ele igualmente exerça a denominada atualização
constitucional (Verfassungsaktualisierung), ou seja, interprete as leis tal
qual preceituado na Constituição. Acontece que no caso dos autos as normas
maiores não estabeleceram, de modo concreto, a escalada das prioridades -
grifei. Assim, não se tem como obrigar o Executivo a construir o Centro de
recuperação e Triagem para a recepção de adolescentes submetidos ao regime
compulsório de internamento. Haveria uma verdadeira intrusão do Judiciário no
Executivo.[64]
Labora
em erro o eminente Relator quando entende imprescindível uma definição, a nível
infraconstitucional, de uma “escalada da prioridade”. Ora, ou a questão é
prioritária, com a nota de absoluta, ou não é.
O
Brasil parece regozijar-se de ser o país do faz-de-conta, o único no mundo onde
12% (doze por cento) pode ser 20,25%.
Sendo
o Estado de Direito um Estado Constitucional, torna-se implícita a existência
de uma Constituição que sirva de ordem jurídico-normativa fundamental, vinculando
todos os poderes públicos.
Gomes
Canotilho, ao discorrer sobre a noção de SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO, desdobra
sua lição em quatro tópicos: a) vinculação do legislador à constituição; b)
vinculação de todos os restantes atos do Estado à constituição; c) o princípio
da reserva da constituição e d) força normativa da constituição.
Explicando
o item b, acentua que o princípio da
constitucionalidade não se impõe apenas sobre os atos que não violem
positivamente a Constituição, mas também repercute sobre a omissão
inconstitucional, por falta de cumprimento das imposições constitucionais ou de
ordens de legislar.
Sobre
a força normativa da Constituição adverte:
“No entanto, quando existe uma normação
jurídico-constitucional ela não pode ser postergada quaisquer que sejam os
pretextos invocados. Assim, o princípio da constitucionalidade postulará a força
normativa da constituição contra a dissolução político-jurídica
eventualmente resultante: (1) da pretensão de prevalência de fundamentos
políticos, de superiores interesses da nação, da soberania da
Nação sobre a normatividade jurídico-constitucional; (2) da pretensão de,
através do apelo ao direito ou à idéia de direito, querer desviar
a constituição da sua função normativa e substituir-lhe uma superlegalidade ou
legalidade de duplo grau, ancorada em valores ou princípios
transcendentes (Preuss).”[65]
O
perigo de converter-se a Constituição em mera carta de intenções já havia sido
apontado pelo Prof. Konrad Hesse, em sua monografia “A Força Normativa da
Constituição”, escrita para rebater o texto “O que é uma Constituição Política”
de Ferdinand Lassale.
Hesse
confere peculiar destaque à chamada vontade da Constituição, alinhando-a
à vontade de poder. Segundo ele,
“aquilo que é identificado como vontade da
Constituição deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos
de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se
mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um
princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem
da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático.
Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a
pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas
e que, desperdiçado, não mais será recuperado.”[66]
A
lição do mestre germânico merece uma profunda reflexão, máxime em nosso país
onde a regra é o desrespeito às normas constitucionais, sempre sob o argumento
de não serem elas providas de aplicabilidade imediata.
Oprimir
a eficácia do princípio da prioridade absoluta é condenar seus destinatários à
marginalidade, à opressão, ao descaso.
É
fazer de um diploma que se pretende revolucionário, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, instrumento de acomodação.
9.8 A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA
CONCRETIZAÇÃO DOS BENS-INTERESSES TUTELADOS PELO ECA E PELA CONSTITUIÇÃO
Os
idealizadores do Estatuto da Criança e do Adolescente, no tocante à proteção
judicial dos interesses desse contingente de cidadãos, agiram em total
consonância com o princípio constitucional da Universidade da Jurisdição.
Tocante
à ação civil pública (que é um dentre tantos remédios processuais a que alude a
L. 8.069/90), foi ela objeto de ampliação.
Está
o Ministério Público legitimado (coisa que, apesar dos quase sete anos de
vigência do ECA, poucos lidadores do Direito o sabem)[67] a ajuizar ação
civil pública para proteção de interesses individuais de crianças e
adolescentes.
Louvando-se
nesse permissivo (art. 201, inc. V, do ECA), o Ministério Público do Rio Grande
do Sul ajuizou demanda contra o Estado do Rio Grande do Sul, com o fito de
compeli-lo a suportar encargos decorrentes do transplante de medula óssea -
única forma de salvar a vida de uma menor - e arcar com os remédios, transporte
e despesas hospitalares derivadas do procedimento.
Em
contestação, o Estado-réu argumentou, dentre outras coisas, ser o Ministério
Público carecedor de ação, por fundamentar o pleito em matéria constitucional
não regulamentada por lei ordinária.
A
demanda foi julgada procedente, por sentença confirmada pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. No acórdão, o Relator designado (houve
um voto divergente) faz expressa referência ao art. 227 da CF, conforme
veremos:
Então, atendendo a este fato e à circunstância bem
colocada pelo Ministério Público, autor da ação civil pública, vislumbro a
incidência do art. 227 da Constituição Federal, que obriga o Poder Público, o
Estado como um todo, a assegurar à criança a ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
etc. No caso específico, o direito à vida.
Ainda, o art. 4º do Estatuto da Criança e do
Adolescente diz que; é dever da sociedade em geral e do Poder Público assegurar
com prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, etc. No seu parágrafo único, diz que a garantia da prioridade
compreende a primazia em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.[68]
O
importante nessa decisão, a par do reconhecimento da legitimidade ministerial
para o ajuizamento de ação civil pública para tutela de interesse individual
(matéria essa que também foi objeto de impugnação estatal), é o posicionamento
favorável à idéia de eficácia plena e aplicabilidade imediata dos direitos
reconhecidos na CF à população infanto-juvenil.
A
legitimação para as ações de responsabilidade civil por ofensa aos direitos
assegurados à criança e ao adolescente está regulada nos arts. 201, inc. V, e
210, ambos do ECA.
Dentre
as espécies de interesses a serem argüidos em juízo, ressaltam, por sua
abrangência, os difusos, aos quais Ada Pellegrini Grinover atribui a seguinte
qualificação jurídica:
Trata-se de interesses comuns a uma coletividade de
pessoas, que não repousam necessariamente sobre uma relação-base, sobre um
vínculo jurídico bem definido que as congregue. Tal vínculo, nota Barbosa
Moreira, pode até inexistir, ou ser extremamente genérico - reduzindo-se,
eventualmente, à pura e simples pertinência à mesma comunidade política - e o
interesse que se quer tutelar não é função dele, mas antes se prende a dados de
fato, muitas vezes acidentais e mutáveis; existirá, v.g., para todos os
habitantes de determinada região, para todos os consumidores de certo produto,
para todos os que vivam sob tais ou quais condições sócio-econômicas ou se
sujeitem às conseqüências deste ou daquele empreendimento público ou privado, e
assim por diante.[69]
O
objeto dessas ações civis públicas está elencado, exemplificativamente,
no art. 208 do ECA.
Onde
houver oferta irregular ou não-oferta dos serviços de educação, saúde, profissionalização
infanto-juvenil e outros serviços relativos às crianças e adolescentes, o
Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal, os
Territórios e as associações legalmente habilitadas (art. 210 do ECA) poderão
propor ação civil pública.
Wilson
Donizeti Liberati chega ao ponto de afirmar ser possível o emprego desse tipo
de ação para impedir o gasto de dinheiro público em obras não prioritárias para
a comunidade, apurando-se a responsabilidade civil e criminal do ordenador das
despesas. Faz essa ousada e lúcida assertiva com base no princípio da
prioridade absoluta, definido por ele como “viga-mestra” do Estatuto.[70]
Com
todo esse arcabouço legislativo, não devemos vacilar quanto ao ajuizamento de
demandas tendentes a tornar reais os direitos abstratamente assegurados à massa
de crianças e adolescentes.
A
utilização da via jurisdicional se faz necessária sempre que o Estado se omite
quanto a alguma política social ou ação de abrangência individual contemplada
no ECA.
Fábio
Konder Comparato advoga ser do Executivo e do Legislativo a competência
conjunta para aprovação e encaminhamento dos programas de ação governamental e
que a intervenção do Judiciário somente se impõe quando determinado direito
social é negligenciado. Nessa hipótese, esse Poder está reconhecendo uma
omissão inconstitucional por parte dos demais poderes.[71]
Somente
a proliferação dessas ações será capaz de fazer desabrochar o senso de Justiça
dos integrantes de nossas cortes, pois o que se constata hoje, onde encontramos
escassos julgados dessa natureza, é uma exacerbada timidez dos integrantes do
Poder Judiciário.
Esse problema, aliás, foi detectado com percuciência pela Profª Josiane Rose Petry Veronese, na obra com a qual conquistou o título de Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, “in literis”:
“Depreende-se dessa
questão que, apesar da existência de todo um instrumental, cuja efetividade
dependeria tão-somente de seu uso, restringe-se a poucos casos isolados, e o
que é ainda pior, fica-se à mercê de determinados padrões, que antevêem na
realização das normas jurídicas que tenham a função de contribuírem na
transformação da sociedade, um certo perigo de desequilíbrio no sistema da
tripartição dos poderes. Temem que o Poder Judiciário, à medida que julgue
procedentes a grande maioria dos casos de conflitos que envolvem o indivíduo,
ou coletividades inteiras que interpõem ações civis públicas em razão da
inadimplência do Estado no cumprimento de suas políticas sociais, estaria
adentrando um campo que não me pertence, pois são questões que tradicionalmente
se entendia estarem a cargo dos outros dois Poderes”.[72]
O
acanhamento do Judiciário quando decide as ações civis públicas para tutelas de
interesses protegidos pelo ECA pode ser atribuído a vários fatores.
É
inequívoco o despreparo para lidar com a matéria (os cursos jurídicos de
graduação e de pós-graduação raramente incluem em seus currículos uma visão
sistemática da doutrina de proteção à infância e adolescência e, quando o
incluam, o fazem à guisa de disciplina opcional).
Muitos
dos atuais juízes, mormente aqueles que atualmente integram órgãos colegiados,
tiveram sua formação sob a égide do Código de menores, calcado na doutrina da
chamada “situação irregular”, o qual não contemplava em seu sistema qualquer
forma de responsabilização do Estado por eventuais omissões, hoje, quem pode
ser declarado em situação irregular é o Estado omisso.
Mas
o que mais chama a atenção é, sem dúvida, o receio de invasão em atribuições afetas
a outros poderes, tanto assim que, da leitura de diversos julgados nesse
diapasão, surgiu nossa motivação para o presente trabalho.
Emblemático
é o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no Agravo de
Instrumento nº 8.443, interposto pelo respectivo Estado em ação civil pública
promovida pelo “parquet” no intuito de condená-lo a reformar uma escola pública
situada na cidade de Xaxim.
Houve deferimento da liminar pelo juízo “a quo”, o que motivou o recurso, apreciando a irresignação, a Câmara houve por bem provê-la. Na ementa, assim se expressa o relator:
“A Câmara decidiu acolher o pedido de reforma para
declarar a extinção da ação civil pública proposta pelo Ministério Público
contra o Estado, por carência de ação, em face da impossibilidade jurídica do
pedido, com base no art. 267, VI, combinado com o parágrafo 3º do mesmo artigo,
do CPC, uma vez que a pretensão deduzida na petição inicial não encontra
admissibilidade no ordenamento jurídico vigente, na medida em que não podem o
Juiz tanto quanto o próprio Tribunal avocar para si a deliberação de atos da
Administração Pública, que resultam sempre e necessariamente de exame de
conveniência, oportunidade e conteúdo dos atos de exercício dos outros Poderes,
Executivo e Legislativo, do Estado; tendo-se, ainda, em consideração que a
Administração Pública nada pode fazer que não se contenha em seus recursos, e
há de fazê-lo segundo as previsões programáticas e orçamentárias, com
participação do Poder Legislativo, cujas atribuições igualmente restaram
atropeladas...” [73]
Há
quem chegue ao ponto de fulminar a própria legitimidade ministerial para a ação
civil pública “lato sensu”. Tal exagero pode ser constatado em voto proferido
pelo Des. Lécio Resende, do Distrito Federal:
“(...) tive notícia de que o professor Calmon de
Passos, ardoroso defensor da introdução na Constituição dos predicamentos
obtidos pela Instituição (Ministério Público), em conferência pronunciada na
Escola Superior do Ministério Público, teria se penitenciado, convalidando até
o entendimento que tenho casualmente me manifestado até quanto à absoluta
ilegitimidade para a propositura da chamada ação civil pública, que para mim já
induz a idéia de paradoxo, porque até quando aprendi a ação civil diz respeito,
exclusivamente, a interesse privado tutelado pela lei. Não posso conceber a
existência de ação civil pública” [74].
Esse tipo de posicionamento bem externa a necessidade de uma reformulação no ensino jurídico brasileiro, para adequá-lo às novas demandas sociais, tão bem detectadas e definidas no magistral voto do Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, o qual se transcreve parcialmente:
É manifesto que as
demandas reais da sociedade naturalista de massas deste século têm
lançado por terra, mesmo no âmbito dos regimes capitalistas, alguns dogmas
fundamentais do primitivo liberalismo burguês, entre eles, particularmente, a
aversão dos revolucionários do séc. XVIII às formações sociais intermediárias,
que então se pretendeu proscrever, como intoleráveis resíduos do feudalismo.
Hoje, ao contrário, o certo é que - dos sindicatos de trabalhadores às
corporações empresariais e às ordens de diversas profissões, dos partidos às
entidades de lobby de toda, das sociedades de moradores às associações
ambientalistas, dos centros de estudo aos agrupamentos religiosos, das minorias
organizadas aos movimentos feministas - tudo são formações sociais
reconhecidas, umas e outras, condutos reputados imprescindíveis à
manifestação das novas dimensões da democracia contemporânea, dita democracia
participativa e fundada, não mais na rígida separação, sonhada pelo liberalismo
individual da primeira hora, mas na interação cotidiana entre o Estado e a
sociedade - grifei. Nesse contexto, era fatal, como tem ocorrido desde o
início do século, que progressivamente se viesse pondo em xeque o dogma do
direito processual clássico, corolário das inspirações individualistas da
ideologia liberal, qual seja, o da necessária coincidência entre a legitimação
para agir e a titularidade da pretensão material deduzida em juízo. [75]
Sem
que se olvide da vinculação da Administração pública a existência de recursos e
sua previsão orçamentária, a observância do princípio da prioridade absoluta
impõe a necessária inclusão desses recursos que visem a atender os direitos
previstos abstratamente no ECA e na Carta Magna em orçamento. Esse, aliás, deve
ser o pedido nuclear das ações civis com a preponderante carga eficacial
cominatória.
9.9 CONCLUSÃO
De
tudo o que foi exposto, dessume-se ser o princípio da prioridade absoluta aos
direitos das crianças e adolescentes mais um vetor de limitação ao agir
discricionário do administrador público.
Tal
conclusão decorre, em primeiro lugar, do próprio princípio da legalidade que
deve nortear toda a pauta de ações dos integrantes do Poder Executivo, dogma
esse insculpido no art. 37 da Constituição Federal.
Não
há que se falar, por essa razão, em ingerência ou em falta de atribuição do
Judiciário para determinar como deve ser o agir do Administrador, porquanto é a
própria lei, e a Lei Maior, que o descreve no tocante aos direitos das crianças
e adolescentes.
O
fato de o princípio da prioridade absoluta encontrar assento constitucional
denota seu sentido norteador, verdadeira super-norma a orientar a execução e a
aplicação das leis, bem como a feitura de diplomas de inferior hierarquia, tudo
dentro da mais estrita legalidade.
Na
discussão sobre a implementação dos bens-interesses previstos no Estatuto da
Criança e do Adolescente jamais pode ser denegada qualquer pretensão deduzida
em juízo sob o argumento de que o Administrador Público tem o discricionário
“poder” de eleger prioridades e estabelecer prioridades, já que a Constituição
Federal, em seu art. 227, ampliada pelo art. 4º do ECA, não estabelece qualquer
hierarquia entre os direitos ali reconhecidos como prioritários.
De
outra banda, impõe uma oxigenação ideológica nos integrantes do Judiciário e do
Ministério Público para que de fato se conscientizem de sua função política,
enquanto integrantes de instituições cujo compromisso maior é com o interesse
público, tendo como valores supremos aqueles estabelecidos no preâmbulo de
nossa vigente Carta Magna.
Também
é de ser reconhecido o instituto da ação civil pública como um instrumento por
demais relevante na prestação jurisdicional, de dimensão política considerável,
permitindo o “vir ao mundo” de demandas outrora excluídas do acesso à Justiça,
garantindo a efetivação e a democratização dos direitos fundamentais
assegurados pelo ECA.
10. DO PEDIDO
Diante
desse quadro, requer-se:
a
condenação do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO a prestar o serviço público de educação
infantil em creches para crianças de até 3 anos e 11 meses, em condição de
igualdade, a todas as crianças a partir dos quatro anos de idade, cujos pais
desejem matriculá-las, quer por meio de rede pré-escolar própria, conveniada ou
indireta, respeitados os princípios da universalidade e gratuidade, até o
ingresso na educação infantil pré-escolar, a partir do ano letivo do ano 2000.
Nos
termos do art. 461 e seu § 5º, do Código de Processo Civil, com a redação que
lhe foi dada pela Lei 8.952/94, in
verbis:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
..................................................
§ 5º. Para a efetivação da tutela específica ou para
obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,
determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de
pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além
de requisição de força policial.
requer-se,
supletivamente, caso não seja dado integral provimento à decisão judicial
determinada nesta ação, no tempo e forma devidos, seja o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
condenado ao pagamento de mensalidades escolares em unidades particulares aos
alunos correspondentes às reclamadas matrículas pelo prazo correspondente à
omissão do Estado em prestar pessoalmente a assistência devida à educação
reclamada nesta ação civil pública.
Oportunamente requer seja citado o
réu, por intermédio de seu Prefeito Municipal, DR. CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO, domiciliado no Palácio das
Indústrias - Parque D. Pedro II, nesta Capital, para responder aos termos da
presente ação, assim como, querendo, contestá-la, no prazo legal, sob pena de
revelia.
Requer-se sejam as intimações ao
autor expedidas para a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e
Coletivos da Infância e da Juventude da Capital, à Rua Major Quedinho, n. 90,
8º andar, tels. 257.2899, r. 214/215/216.
Dá-se à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00
(um mil reais).
Termos em que
Pede deferimento.
São Paulo, 20 de maio de 1999.
Maurício
Antonio Ribeiro Lopes
Silvana
Buogo
Notas:
[1]
Sobre o Ministério Público e o ensino fundamental, veja-se artigo de Valerio
Bronzeado - “Ensino fundamental e Ministério Público: algumas considerações
críticas e práticas”. ADV advocacia dinâmica, seleções jurídicas, p. 19-29,
fev. 1995. Sobre o tema cabe examinar o trabalho de Francisco Chaves dos Anjos
Neto, “Ação civil pública: direito a gratuidade do ensino em estabelecimentos
oficiais de João Pessoa - PB; liminar concedida”, Boletim Informativo Secodid,
vol. 7, nº 23, p. 40-48, jul./set., 1993.
[2]
Silva, José Afonso da, Curso, p. 713.
[3]
Anísio Teixeira, A pedagogia de Dewney, in John Dewnwy, Vida e educação, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1959, p.
361.
[4]
Comentários à Constituição de 1967,
Tomo VI Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 333.
[5]
Idem, p. 348.
[6]
Bonnard, Le controle juridictionnel de l’administration, 1934, p. 35.
[7]
Précis, p. 73.
[8]
Cirne Lima, Princípios
de direito administrativo, 4ª ed., 1964, p. 57.
[9]
Miguel Seabra Fagundes, O controle dos
atos administrativos pelo Poder
Judiciário, 5ª ed., 1979, p. 169.
[10]
Cirne Lima, op. cit., p. 54-55.
[11]
Id. Ibid.
[12]
Id. Ibid.
[13]
Pontes de Miranda, Comentários,
p. 334-335.
[14]
MANCUSO, Rodolfo de Camargo - Ação
Popular, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998.
[15]
HELY LOPES MEIRELLES, Direito
Administrativo, p. 104.
[16]
SEABRA FAGUNDES, “Responsabilidade do Estado - Indenização por Retardada
Decisão Administrativa”, em Revista de
Direito Público, 57-58/14.
[17]
HELY LOPES MEIRELLES, Direito
Administrativo Brasileiro, pp. 82-83 e 88-89; CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit.,
pp. 336/337; LUCIA VALLE FIGUEIREDO, Disciplina
Urbanística da Propriedade, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, pp.
7 e 15; CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Elementos
de Direito Administrativo, pp. 30 e 46-48, e Discricionariedade e Controle Jurisdicional, Malheiros Editores,
São Paulo, 1992, pp. 13 e 15.
[18]
Iinstituciones de Derecho Administrativo,
1ª ed., Madrid, p. 117, citado por HELY LOPES MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, p.
152.
[19]
Elementos de direito administrativo,
ed. cit., p. 144.
[20]
Discricionariedade, pp. 32-33 e 36;
no mesmo sentido, WEIDA ZANCANER, Da
Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, 2ª ed., Malheiros,
São Paulo, 1993,p. 54; JOSÉ AUGUSTO DELGADO, “Princípio da Moralidade
Administrativa e a Constituição Federal de 1988”, em Revista Trimestral de Direito Público, vol. 1/214-215.
[21]
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Discricionariedade,
ed. cit., p. 37.
[22]
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, Discricionariedade,
ed. cit., p. 38.
[23]
Nesse sentido positiva o jurista português AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, citado por
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO em: Discricionariedade e Controle
Jurisdicional, p. 11. Ed. Malheiros, 2ª edição, quando afirma: Aquilo
que o Estado de Direito é forçosamente é Montesquieu e Rousseau, talvez mais
Rousseau que Montesquieu. (Reflexões sobre a Teoria do Desvio de Poder,
Coimbra Editora, 1940, p. 8).
[24]
“El Contrato Social”, tradução espanhola, Editorial Maucci, Barcelona.
[25]
Encabeçada por MAURICE HAURIOU: FRANCIS-PAUL BENOIT: LAFERRIÈRRE E BARTHELÉMY,
dentre outros.
[26]
No original, transcreve-se: L’administration n’est pas animée, dans ce qu’elle
fait, d’une volonté intérieure légale: elle animée d’une volonté exécutive
libre assujettie à la loi comme à un pouvoir extérieur. Il suit da là, d’une
part, que, dans les matières de as compétence, lorsque son pouvoir n’est pas
lié par des dispositions légales, il est entierement autonome, et, d’autre
parte, que dans les matières où son pouvoir parait liè par la loi, il lui se
conforme toujours à un certain choix des moyens qui lui permet de se conformer
volontairement à la loi.
“Cette faculté
de se conformer volontairement à la loi est d’autant plus rèservèe à
l’administration des lois et qu’elle jouit constitutionnellement d’une certaine
latitude dans le choix des moments et des circonstances où elle assure cette
application”.
“A ce point de
vue, il convient d’indiquer à nouveau que le pouvoir discrètionnaire de
l’administration consiste en la facultè d’apprecier l’opportunitè qu’il peut y
avoir à prendre ou à ne pas prendre ine décision exécutoire, ou à ne pas la
prendre immediatement, méme lorsqu’elle est precrite par la loi” (Précis
Élémentaire de Droit Administratiff, Librairie du Recueill Sirey, 1938, p.
229).
[27]
Bartolome A. Fiorini, “Manual de Derecho Administrativo”, Primeira Parte,
Buenos Aires, Ed. La Ley, 1968,
p. 233.
[28]
Erro de Ilegalidade no Acto Administrativo, Lisboa, Ed. Ática, pp. 222-223.
[29]
Tratado de Direito Administrativo, vol. V, p. 11. Ed. Freitas Bastos.
[30]
v.g. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO; MARIA SILVIA ZANELLA DI PIETRO; DIOGO DE
FIGUEIREDO MOREIRA NETO, dentre outros.
[31]
v. RDA 89/134 e TJSDP, REO 165.977).
[32]
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, em sua magnífica obra “A Instrumentalidade do
Processo”, p. 32, 3ª ed., Malheiros, quando discorre acerca das mutações
constitucionais do processo, enfatiza a tendência do Estado contemporâneo,
enquanto Estado-de-direito, onde assoma a legalidade e abertura do Poder
Judiciário como guarda último da Constituição e dos valores e garantias que ela
abriga e oferece, fruto dos sucessivos movimentos político-sociais da
Humanidade nos últimos duzentos anos, com a Revolução Francesa, e a industrial,
gerando a ascensão da burguesia e do proletariado e a universalização do voto
mais a urbanização da população e expansão dos meios de comunicação de massa.
[33]
HELY LOPES MEIRELLES traz noção emblemática da discricionariedade em torno da
idéia de PODER: “Poder discricionário é o que o direito concede à Administração
de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com
liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo” (Direito
Administrativo Brasileiro, p. 97, 14ª edição, Revista dos Tribunais).
[34]
EDIMILSON FARIAS, em artigo intitulado “Técnicas de Controle da
Discricionariedade Administrativa” (Arquivos do Ministério da Justiça, 47/159),
chega a falar em “potestades discricionárias da administração”.
[35]
No Estado-de-direito, o exercício do poder está amarrado pelo princípio da
legalidade. Cabe ao administrador público, em todos os casos, mesmo naqueles em
que a lei não descreve em minúcias como e o quê fazer, procurar sempre a
solução ótima para o caso concreto. Vale dizer, cabe ao administrador, enquanto
ocupante de uma função pública, o dever de buscar o interesse social.
[36]
“In Legitimidade e Discricionariedade”, p. 33. 1ª ed., Forense.
[37]
Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, Ed. Atlas.
[38]
“in” Discricionariedade Administrativa e Controle Jurisdicional, pp. 12/14, 2ª
ed., Malheiros.
[39]
v., nesse sentido, José Cretella Júnior, em seu Curso de Direito
Administrativo, p. 224, 14ª edição, Forense, e Maria Sylvia Zanella di Pietro,
op. cit., p. 171.
[40]
Curso de Direito Administrativo, p. 123, 1ª ed., Malheiros.
[41]
obra citada, p. 220, 6ª edição, Ed. Fundação Calouste Gulbenkian.
[42]
Citado por ODETE MEDAUAR, em “O Direito Administrativo em Evolução”, São Paulo,
Ed. Revista dos Tribunais, 1992, p. 184.
[43]
“apud” AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, “in” Teoria do Desvio de Poder em Direito
Administrativo, Revista de Direito Administrativo, vol. VI, p. 44.
[44]
Exemplo desse tipo de decisão retrógrada encontra-se em acórdão prolatado pela
6ª Turma do e. Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. Adhemar Maciel, no Rec. Especial
nº 63.128-9, oriundo de uma ação civil pública promovida com o fito de obrigar
o Governo Goiano a construir um centro de recuperação e triagem para
adolescentes infratores, onde encontramos afirmações como as que seguem: “A
Constituição Federal e em suas águas a Constituição do Estado de Goiás são dirigentes
e programáticas. Têm, no particular, preceitos impositivos para o
Legislativo (elaborar leis infraconstitucionais de acordo com as tarefas
e programas pré-estabelecidos) e para o Judiciário (atualização
constitucional). Mas, no caso dos autos as normas invocadas não
estabelecem, de modo concreto, a obrigação do Executivo de construir, no
momento, o Centro. Assim, haveria uma intromissão indébita do Poder Judiciário
no Executivo, único em condições de escolher o momento oportuno e conveniente
para a execução da obra reclamada”.
[45]
“O Espírito das Leis”, Traduzido e Anotado pelo Des. Pedro Vieira Mota, nota
55, p. 26, Ed. Saraiva.
[46]
Encerra seus comentários sobre uma visão funcional da Jurisdição, apregoando:
“Essa visão funcional da jurisdição, partindo da unidade do poder e diversidade
das formas do seu exercício segundo os objetivos propostos, elimina certas
preocupações minudentes e exageradas, como a da natureza jurisdicional ou não
das atividades do juiz na execução civil ou no processo criminal. Muito mais
relevante do que afirmá-la ou negá-la nesses casos, é saber que se trata
invariavelmente do exercício do poder e que, por isso, são atividades que se
pautam por desenganada marca de publicismo, sobrelevando aos interesses dos
demais sujeitos os do Estado” (op. cit., p. 119).
[47]
“O Poder Judiciário e o Meio Ambiente”, RT 631/28.
[48]
Direito Constitucional Positivo, p. 101, Ed. Rev. dos Tribunais.
[49]
“Juízes Legisladores?”, 1993, p. 100, Ed. Sérgio Antônio Fabris.
[50]
A essa conclusão já chegara, aliás, o administrativista Oswaldo Aranha Bandeira
de Mello (em seus “Princípios Gerais de Direito Administrativo”, vol. 1/417),
quando se posicionou a favor da sindicalidade do mérito do ato administrativo
com respaldo no art. 153, parág. 4º, da antiga Carta Constitucional (hoje art.
5º, inc. XXXV).
[51]
RT 721/212.
[52]
Apel. Cível nº 596017897, 12.03.97.
[53]
Nesse diapasão apregoa AUGUSTIN GRODILLO, em seus “Princípios Gerais de Direito
Público”, apud Johnson Barbosa Nogueira, em artigo nominado “A
Discricionariedade Administrativa sob a Perspectiva da Teoria Geral do
Direito”, “in” GENESIS - Revista de Dir. Administrativo Aplicado, nº 3, p. 747.
[54]
op. cit., p. 747.
[55]
“Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, p. 1393, Ed. Nova Fronteira.
[56]
“O Estatuto da Criança e do Adolescente - Comentários”, pp. 4/5, Ed. IBPS.
[57]
Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 25, 1ª ed., Malheiros.
[58]
Apel. Cível nº 62, de 16.04.93, acórdão 3.835.
[59]
Apel. Cível 596017897, 7ª Câmara Cível.
[60]
Direito Constitucional, p. 74, Ed. Almedina, 6ª edição, 1993.
[61]
“in” Curso de Direito Administrativo, p. 393, Ed. Rev. dos Tribunais.
[62]
Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 108, 2ª edição, Ed. Revista dos
Tribunais.
[63]
Rec. Especial nº 63.128-9 - Goiás; Rel. Min. Adhemar Maciel.
[64]
op. cit., pp. 360/362.
[65]
op. cit., p. 22, Ed. Sergio
Antonio Fabris.
[66]
O próprio HUGO NIGRO MAZZILLI, quando conceitua ação civil pública, em obra
atualizada após a vigência do ECA, a designa como sendo aquela ajuizada pelo
Ministério Público e demais legitimados, sempre no intuito de tutelar
interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, partindo de critério
objetivo-subjetivo, baseado na titularidade e no objeto específico da prestação
jurisdicional pretendida na esfera cível.
[67]
Reexame Necessário nº 596035428, 8ª Câm. Cível, Redator p/ acórdão Des. Eliseu
Gomes Torres.
[68]
“A Tutela Jurisdicional dos Interesses Difusos”, Rev. do Processo nº 14/15, pp.
27/27.
[69]
op. cit., p. 141.
[70]
A Nova Cidadania, Anais da XIV Conferência da OAB, Vitória, p. 49, set./1992.
[71]
Interesses Difusos e Direitos da Criança e do Adolescente, p. 258, Ed. Del Rey.
[72]
Julgado em 3.5.94, Rel. Des. Rubem Córdova.
[73]
HC 6.656/94.
[74]
RT 142/446.