EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE DA COMARCA DE CUBATÃO - SP
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DISTRIBUIÇÃO COM URGÊNCIA
(PEDIDO DE LIMINAR)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, por intermédio da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude
de Cubatão, pelo Promotor de Justiça que esta subscreve, com fundamento nos
artigos 127 e 129, inciso III da Constituição Federal de 1988, na Lei nº
7.347/85 e na Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), vem,
respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pelo rito
ordinário e com PEDIDO DE LIMINAR,
em face da PREFEITURA MUNICIPAL DE
CUBATÃO, situada na Praça dos Emancipadores, s/nº, Centro, em Cubatão,
pelos motivos de fato e de direito a seguir articulados.
1. DOS FATOS
Com efeito, a violação dos direitos básicos e fundamentais das crianças e adolescentes tem sido, constantemente, observada no nosso país. A realidade fática hoje verificada demonstra, claramente, que os próprios Poderes Públicos, que, a princípio, deveriam adotar medidas urgentes e prioritárias para garantir a sobrevivência digna dos menores, desrespeitam o Estatuto da Criança e do Adolescente, proporcionando aos mesmos situação de risco e, até mesmo, de perigo de vida.
Conforme consta
do Procedimento Investigatório nº 02/98, da Promotoria de Justiça da Infância e
da Juventude de Cubatão, cujas peças passam a fazer parte integrante desta
petição, a PREFEITURA MUNICIPAL DE
CUBATÃO está contribuindo, de forma incontestável e decisiva, para a
violação dos direitos fundamentais das crianças deste município, na medida em que oferece às mesmas uma creche
sem as mínimas condições de abrigo e proteção, sendo, ao contrário, inegavelmente
insalubre e perigosa à integridade física de quem a freqüenta.
De fato, a requerida mantém em constante funcionamento a “Creche Municipal Ilha Caraguatá”, localizada na Rua Pastor Pedro Rosalino de Carvalho nº 202, em Cubatão. Tal estabelecimento atende cerca de 85 (oitenta e cinco) crianças, na faixa etária de 04 (quatro) meses a 6 (seis) anos e 11 (onze) meses de idade. Ocorre que a mencionada creche apresenta péssimas condições físicas de atendimento às crianças lá abrigadas, sendo imprestável para o fim a que se destina. Senão vejamos.
O relatório de
vistoria elaborado pela Supervisão de Vigilância Sanitária da Prefeitura
Municipal de Cubatão, que traz à tona situação verificada pelos técnicos no dia
09 de março de 1998, por volta das 14:00 horas, documento acostado ao incluso
Procedimento Investigatório, atesta que a creche “funciona dentro de containers”, sendo composta por 04
berçários, 03 banheiros, copa/cozinha, 01 refeitório, diretoria e sala da
assistente social. As paredes dos “containers”, evidentemente, não apresentam
qualquer revestimento, além de tinta a óleo, proporcionando problemas
gravíssimos nas condições sanitárias do estabelecimento, tal como o “superaquecimento do ambiente em geral”.
O que mais preocupa, contudo, é que o presente
relatório de vistoria ressalta, expressamente, que a triste realidade observada
mostra-se praticamente inalterada com relação à vistoria realizada no dia 27 de
janeiro de 1997, já que a “maioria dos problemas são originados pela própria
estrutura e localização da creche”.
Já no ano de
1997, os técnicos da vigilância sanitária constataram, dentre outras
irregularidades, que: “em dias de sol, a temperatura atingida pelas paredes
chega a impedir que se toque nelas”; “a ventilação (natural e/ou artificial)
mostra-se insuficiente para combater o calor excessivo”; “existe infiltração de
água e goteiras em vários locais (inclusive berçários); “a creche costuma ser
freqüentada por anfíbios (sapos e pererecas) e animais peçonhentos (cobras e
aranhas) expondo a risco a saúde e até mesmo a vida das crianças. As pererecas
costumam entrar pelo ralo da cuba onde se banham os bebês. (fls. 22/23 do
Procedimento Investigatório).
Ora, como já
salientado anteriormente, esses problemas, gravíssimos,
pois colocam em risco a própria vida das crianças abrigadas na creche
municipal, persistem até a presente data, vez que decorrem da estrutura
inadequada do estabelecimento. Não
podemos concordar em amontoar crianças em containers. Os próprios técnicos da Prefeitura
Municipal de Cubatão são unânimes em afirmar que o local é imprestável para
alojar crianças e perigoso para as mesmas, posto que são obrigadas a suportar o
calor excessivo e a visita de animais peçonhentos.
Evidentemente, não é isso que desejamos
para as crianças de Cubatão.
Como é de trivial
sabença, as crianças de tenra idade, tais como as que são colocadas na “Creche
Municipal da Ilha Caraguatá”, não possuem grande resistência física, sendo
suscetíveis de adquirir diversas doenças, razão pela qual devem ser tratadas
com máximo de cuidado e em boas condições de higiene. A requerida, certamente, não está se preocupando com isso. Instala na
cidade uma creche com containers, quando o certo, segundo afirmações de todos
os técnicos, seria a construção de uma casa em alvenaria; oferece às crianças
ambiente insuportável, com superaquecimento, a ponto de, em dias de sol, ser
impossível tocar naquilo que chamam de paredes; proporciona, também, a
indesejada visita de anfíbios e animais peçonhentos, os quais, poderão causar
danos irreparáveis às crianças e aos funcionários que lá trabalham, como, por
exemplo, a morte de qualquer um deles.
Todos esses
fatos, também retratados no laudo do Instituto de Criminalística de Santos
(ilustrado com fotos), não sensibilizam a PREFEITURA
MUNICIPAL DE CUBATÃO. Esta, ao
invés de solucionar o problema, afastando definitivamente as crianças da creche
insalubre e procedendo a construção de estabelecimento adequado no local, opta
por tentar, em vão, minimizar o sofrimento decorrente do calor excessivo,
providenciando a compra de 02 aparelhos de ar condicionado e prometendo a
aquisição de outros 02 aparelhos. Agindo desta forma, a requerida não está
atendendo os seus próprios técnicos da vigilância sanitária, os quais afirmam,
categoricamente, que os problemas de superaquecimento decorrem da ESTRUTURA da
creche. SE EXISTE PROBLEMA ESTRUTURAL NA CRECHE, É LÓGICO E EVIDENTE QUE A
SIMPLES INSTALAÇÃO DE APARELHOS DE AR CONDICIONADO NO LOCAL NÃO SOLUCIONA A
QUESTÃO. É PRECISO MUDAR A ESTRUTURA, OU SEJA, DESATIVAR IMEDIATAMENTE A CRECHE
DO LOCAL, CONSTRUINDO-SE IMÓVEL ADEQUADO PARA TANTO.
Ademais, nota-se, ainda, que a requerida não tomou qualquer providência quanto à aparição de animais na creche, circunstância que, infelizmente, continua a se repetir, podendo ocasionar uma verdadeira tragédia.
Diante da conduta da PREFEITURA MUNICIPAL DE CUBATÃO, que insiste em desrespeitar os direitos de um elevado número de crianças que são abrigadas na “Creche Municipal Ilha Caraguatá”, e daquelas que futuramente ingressarão no estabelecimento, não resta outra alternativa ao MISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO senão ingressar com a presente Ação Civil Pública, visando a cessação, imediata, destas violações, e a solução definitiva do problema.
2. DO DIREITO
O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado, em conjunto com a família e a sociedade, tem o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a observância dos direitos das crianças e dos adolescentes, garantindo-lhes o bem estar e a segurança necessária para o pleno desenvolvimento. Vejamos:
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
O mandamento constitucional direcionou, sem dúvida alguma, o legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), o qual elaborou diversos dispositivos que fundamentam a pretensão do Ministério Público e garantem à criança e ao adolescente a salvaguarda dos seus direitos, inegavelmente desrespeitados pela Prefeitura Municipal de Cubatão, com a inovação nada elogiável de creche em container.
O artigo 7º do ECA regulamenta o direito à vida e à saúde das crianças e adolescentes:
“Art. 7º. A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”
A requerida não está garantindo “desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”, das crianças abrigadas na “Creche Municipal Ilha Caraguatá”. Oferece, como creche, “containers” superaquecidos e acessíveis a animais perigosos. Não providencia a construção de imóveis em alvenaria, sugeridos pelos próprios técnicos da vigilância sanitária, demonstrando preocupante desinteresse pela questão aqui levantada.
A criança, tida
pela legislação brasileira, como um ser em desenvolvimento, físico e mental, deve
ser respeitada, merecendo tratamento digno, a ponto da Lei nº 8.069/90
estabelecer que “É dever de todos
velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (artigo 18).
Confrontando os dispositivos acima mencionados, com o artigo 54, inciso IV do ECA, que enuncia ser “dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”, podemos concluir que os estabelecimentos oferecidos devem observar as mínimas condições de lá permanecer por algumas horas, o que, infelizmente, não se verifica na espécie.
Por fim, apenas para espancar qualquer dúvida, merece destaque o artigo 208, inciso III do ECA, aplicável ao caso concreto:
Art. 208 - Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensas aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular:
...
III - de atendimento em creche e pré-escola
às crianças de zero a seis anos de idade.
3. DO PEDIDO
Diante do exposto e do constante da documentação anexa, propõe o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pleiteando a citação da PREFEITURA MUNICIPAL DE CUBATÃO, no endereço acima mencionado e na pessoa do seu representante legal, o Sr. Prefeito Municipal, Dr. Nei Eduardo Serra, para que, querendo, apresente contestação, no prazo legal, julgando-se, ao final, PROCEDENTE a presente ação, para o fim de condená-la a:
- OBRIGAÇÃO DE FAZER, consistente em providenciar, no prazo máximo de 06 (seis) meses, a construção de imóveis, em alvenaria, para sediar a “Creche Municipal Ilha de Caraguatá”, no local em que hoje estão situados os containers, com capacidade para abrigar todas as 84 (oitenta e cinco) crianças, da faixa etária de 04 (quatro) meses a 6 (seis) anos e 11 (onze) meses de idade, obedecendo-se a todas as normas sanitárias vigentes;
- PAGAMENTO de multa diária, no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), exigível, apenas, na hipótese de descumprimento da r. sentença a ser prolatada.
- PAGAMENTO das custas, despesas processuais e honorários periciais.
4. DO PEDIDO DE LIMINAR
Postula, ainda, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos termos do artigo 12 da Lei nº 7.347/85, a concessão da medida liminar “inaudita altera pars”, sem justificativa prévia, posto que presentes os requisitos legais para tanto.
De fato, os documentos anexados ao Procedimento Investigatório nº 02/98, da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Cubatão, confirmam o desrespeito aos direitos básicos das crianças desta Comarca. A requerida proporciona às mesmas imenso sofrimento e concreto perigo de vida, na medida em que oferece creche sem as mínimas condições de abrigo, com superaquecimento do ambiente em geral e totalmente acessível a animais, inclusive peçonhentos, circunstâncias que comprovam o descumprimento de suas obrigações legais. O fato das crianças estarem passando por sérias privações, situação confirmada pelos próprios técnicos da Municipalidade, comprova a violação aos dispositivos legais acima descritos, estando presente, portanto, o “fumus boni juris”.
O “periculum in mora” também é latente no caso. Não é possível esperar o julgamento final desta ação para se obter a proteção dos direitos das crianças abrigadas diariamente na “Creche Municipal Ilha Caraguatá”. O sofrimento e perigo suportados pelas mesmas revelam-se graves, podendo gerar, a qualquer momento, prejuízos irreparáveis. Não se trata, apenas, de um ambiente um pouco mais quente; o local está superaquecido, diante do material dos containers, o que, aliado a pouca resistência das crianças, afeta sensivelmente a saúde das mesmas. Os anfíbios e animais peçonhentos continuam freqüentando o local, devendo tal situação ser imediatamente solucionada pelo Poder Judiciário.
Ante o exposto,
requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SÃO PAULO, a concessão da medida liminar, determinando-se que:
A “Creche Municipal Ilha Caraguatá” seja
desativada de imediato, compelindo a PREFEITURA MUNICIPAL DE CUBATÃO a não
abrigar crianças no local, sob pena de multa diária no importe de R$ 5.000,00
(cinco mil reais).
Concedida a liminar, requer, ainda, que:
A Municipalidade seja obrigada a remover todas as crianças atendidas na Creche da Ilha Caraguatá para outras creches da Prefeitura de Cubatão, preferencialmente nas mais próximas, arcando com os gastos de transporte da creche desativada para as disponíveis, abrigando, portanto, todas as crianças que hoje suportam imenso prejuízo. O transporte das crianças deve abranger, além da ida às creches disponíveis, o retorno à Creche da Ilha Caraguatá, no horário em que os responsáveis habitualmente apanham os menores, a fim de que sejam regularmente devolvidos aos pais. Tal requerimento se faz necessário, pois, desativada a creche da Ilha Caraguatá, as crianças fatalmente ficariam sem um local para abrigo, o que não podemos admitir, pois é obrigação da Municipalidade oferecer estabelecimentos adequados para receber os menores, e evitar que os responsáveis pelos mesmos sofram transtornos no tocante ao transporte das crianças.
5. DAS PROVAS
Protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, em especial por perícias, documentos e testemunhas.
Dá-se à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que corresponde à multa diária acima postulada.
Termos em que,
P. deferimento.
Cubatão, 01º de junho de 1998
Promotor de Justiça
da Infância e da
Juventude de Cubatão