PERCEPÇÕES DE ADOLESCENTES BRASILEIROS E MEXICANOS SOBRE
SEUS PAIS
Algumas áreas da
psicologia apresentam significativas contribuições ao conhecimento e à
compreensão do ser humano. A Psicologia Clínica considera que, para poder
entender as pessoas, é necessário o conhecimento de seu passado. A Psicologia
Social e a Psicologia do Desenvolvimento pesquisam como as pessoas se
auto-avaliam, ou como avaliam suas vidas, com base em suas próprias opiniões ou
conceitos sobre seu passado (PIPP, JENNINGS, SHAVER, LAMBORN & FISHER,
1983). Estes autores relatam que uma reconstrução cognitiva e afetiva do
passado constitui para a pessoa uma parte de sua adaptação ao presente.
Deste modo, uma das
melhores maneiras de compreender os adolescentes consiste em analisar como
julgam a relação que mantêm com seus pais, como se apresenta esta relação no
presente e como foi, em muitas ocasiões, no passado. É igualmente importante
conhecer como descrevem a relação com seus pais, ou seja, o grau e a forma com
que estabelecem diferenças emocionais entre o pai e a mãe, em termos de
dimensões afetivas tais como: amor, independência, amizade e dominação (BACK
& BOURQUE, 1970, cit. in ROSENTHAL, DEMETRIOU
& EFKLIDES, 1989).
Os adolescentes,
muitas vezes, caracterizam de maneira distinta a relação que estabelecem com
cada um dos seus progenitores, descrevendo a relação com o pai como mais formal
e distante, enquanto que com a mãe seria mais próxima, calorosa (SAFA, 1974),
marcada por maior igualdade, amizade e também mais negociável do que a relação
com o pai (PIPP et ai., 1983).
Vários autores
pesquisaram a influência da cultura sobre a atitude dos pais frente aos filhos,
os conflitos entre as gerações, ou a percepção dos filhos sobre os pais (MURILLO,
1976, POTAMIANOU, 1978, cit. in ROSENTHAL, DEMETRIOU
& EFKLLDES, 1989). Estes autores concluíram que as diferenças em termos de
conflitos entre as gerações, assim como as referentes à resolução dos mesmos,
podem apoiar-se na variação cultural entre os grupos.
De acordo com
LUMMERTZ & BIAGGIO (1987), na adolescência, o indivíduo precisa estabelecer
uma identidade própria, fora de sua família, pois seus horizontes aumentam
enquanto diminuem seus interesses centrados exclusivamente na família, e é iniciada
concomitantemente a assimilação dos julgamentos e dos valores do seu próprio
grupo o que, muitas vezes, gera dificuldades na relação com os pais em função
da autoridade dos mesmos. Além disso, na sociedade contemporânea, os jovens
buscam em grau muito maior sua identidade independentemente da família, o que
provoca freqüentes conflitos entre as gerações.
Considerando que as
diferentes culturas podem influir na percepção que as novas gerações têm sobre
seus pais, o presente estudo foi realizado com a finalidade de conhecer como os
adolescentes mexicanos e brasileiros percebem e descrevem os seus progenitores.
Participaram deste
estudo 1422 adolescentes mexicanos (50% do sexo masculino e 50% do sexo
feminino) e 8l0 brasileiros (45% do sexo masculino e 55% do sexo feminino),
cujas idades estavam compreendidas entre os 14 e 19 anos. Todos os adolescentes
eram estudantes do Segundo Grau. Em ambos países, os grupos foram equiparados
quanto à porcentagem de alunos para cada uma das três séries do Segundo Grau e
quanto à variável idade dos alunos.
A amostra mexicana
foi constituída por estudantes das escolas Preparatórias da Universidad
Nacional Autónoma do México, residentes no Distrito
Federal. A amostra brasileira foi composta por estudantes das Escolas Públicas
e Particulares de duas capitais do Sul do País, Florianópolis, capital do
estado de Santa Catarina e Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.
A atitude dos pais
em relação aos filhos foi definida como a percepção que os adolescentes têm
sobre a maneira como foram tratados regularmente pelo pai e pela mãe” (GIRARDI 1988, p. 154).
Para avaliar a atitude dos pais em relação aos filhos foram selecionados nove adjetivos bipolares que descrevem as maneiras de proceder, democráticas ou autoritárias, que os pais normalmente adotam com seus filhos. O tipo de instrumento utilizado foi o Diferencial Semântico de Osgood, com os seguintes adjetivos bipolares: impositivo, acessível, amigável, responsável, compreensivo, exigente, dominante, consistente e rígido. As pontuações para qualificar os pais variavam de 1 a 5, ou seja, de muito a nada, para cada um dos adjetivos indicados. Os mesmos adjetivos foram utilizados para avaliar (separadamente) a atitude do pai e da mãe.
A escala para
avaliar a atitude dos pais continha as instruções necessárias e foi aplicada
aos adolescentes nas próprias salas de aula, durante as atividades regulares do
período escolar.
Quadro 1 - Resultados da Escala Pai: Comparação entre
México e Brasil
Escala Pai Democrático: semelhanças e diferenças
Acessível Acessível
Amigável Amigável
Compreensivo Compreensivo
Responsável Responsável
Escala Pai Autoritário: semelhanças e diferenças
Adjetivos obtidos
no México Adjetivos
obtidos no Brasil
Impositivo Impositivo
Exigente Exigente
Dominante Dominante
Rígido Rígido
-- Consistente
Quadro 2- Resultados da Escala Mãe: Comparação entre
México e Brasil
Escala Mãe Democrática: semelhanças e diferenças
Acessível Acessível
Amigável Amigável
Compreensiva Compreensiva
Responsável --
Escala Mãe Autoritária: semelhanças e diferenças
Adjetivos obtidos
no México Adjetivos
obtidos no Brasil
Impositiva Impositiva
Exigente Exigente
Dominante Dominante
Rígida Rígida
-- Consistente
Os dados obtidos no
México e no Brasil foram analisados separadamente, para poder comparar os
resultados destas duas culturas. Em primeiro lugar, foram realizadas as
análises psicométricas requeridas pela investigação
científica (GIRARDI, 1994)2. Posteriormente, foram efetuadas as comparações
entre os resultados de ambos países (GIRARDI, 1998).
Os dados dos
quadros 1 e 2 (vide pág. anterior), foram selecionados por referirem-se às
semelhanças e diferenças encontradas nos itens respondidos por todos os
adolescentes mexicanos (1422) e por todos os adolescentes brasileiros (810).
De acordo com os
resultados dos Quadros 1 e 2 (vide pág. anterior), tanto no México como no
Brasil, uma parte dos adolescentes considera os pais democráticos, e outra
parte os percebe como autoritários. Considerando que as porcentagens das
variáveis sócio-demográficas, sexo, idade e escolaridade foram bastante
parecidas, tanto intra como inter países, omitiremos estes dados estatísticos
no presente relato de pesquisa.
Quanto às
semelhanças encontradas nas duas culturas, é possível observar que os
adolescentes de ambos países consideram que o pai e a mãe democráticos são
acessíveis, amigáveis e compreensivos na relação que estabelecem com os filhos,
enquanto que os pais autoritários são percebidos como impositivos, exigentes,
dominantes e rígidos.
Com respeito às
diferenças registradas, é interessante observar que nas escalas de pai e mãe
democráticos, somente nos dados do México aparece o adjetivo responsável,
enquanto que nas escalas de pai e mãe autoritários somente nos resultados do
Brasil se observa a presença do adjetivo consistente.
Os adolescentes, ao
responder ao Diferencial Semântico que lhes foi apresentado, tiveram de pensar
em qual foi a atitude dos pais em relação a eles,
desde a infância até o momento presente. Deste modo, a resposta individual que
davam ao instrumento refletia como seus progenitores eram percebidos por eles,
pois os resultados obtidos descreviam como cada sujeito percebia os próprios
pais.
Os adjetivos da
escala democrática, tanto no caso do pai como da mãe, trazem uma carga afetiva
bastante expressiva, pois além de serem acessíveis e compreensivos, os pais são
também amigos, ou seja, companheiros. o que os caracteriza como bastante
positivos. Isto não ocorre com os pais classificados como autoritários, pois
são denotados por adjetivos onde se percebe uma carga bastante negativa.
A carga afetiva
presente na escala democrática, tanto nos dados do Brasil como nos do México,
encontra apoio nos estudos de TRIANDIS, LISANSKY, MARÍN & BETANCOURT (1984)
em que relatam que hispanos e latino-americanos apresentam uma característica
cultural e um padrão de interação social bastante
particulares refletidos na “simpatia”. A pessoa que manifesta esta qualidade
pessoal é percebida como agradável e de fácil convivência, mostrando certo
nível de conformidade e de habilidade para compartilhar seus sentimentos com os
outros, comportando-se com dignidade e respeito em relação aos demais e
parecendo esforçar-se para manter a harmonia nas relações interpessoais.
Segundo
DÍAZ-CARABAÑO (1974) e DÍAZ-GUERRERO (1972, 1985), o afeto constitui um valor
muito importante para a cultura mexicana. Este valor foi também encontrado por
PINTO & FINGER (1989), em um estudo realizado com estudantes sul-
americanos (brasileiros e chilenos), os quais outorgaram grande importância ao
‘afeto’ e à ‘responsabilidade’, como determinantes fundamentais dos modos de
conduta que têm um foco interpessoal.
Esta qualidade
pessoal dos latinos foi confirmada no presente estudo pelos adolescentes
mexicanos e brasileiros, os quais reconhecem que seus pais são abertos e tolerantes
(acessíveis) e, ao mesmo tempo, carinhosos e dedicados (amigáveis e
compreensivos), adjetivos que estão presentes na escala democrática.
No entanto, o
profundo respeito e a obediência ilimitada que os filhos devem demonstrar aos
pais fazem com que, às vezes, eles também os percebam como autoritários, ou
seja: impositivos, exigentes, dominantes e rígidos (o que caracteriza a escala
de autoritarismo do presente estudo). Este dado concorda com a descrição de
MURILLO (1976) de que os pais méxico-americanos são
relativamente autoritários, mais reservados e exigem mais respeito com a
criança uma vez esta atingindo a puberdade. Outros autores acrescentam que os
pais são geralmente mais permissivos com o filho ainda criança do que na
puberdade ou na adolescência (TRIANDIS, MARIN, HIJI, LISANSKI & OTTATI,
1984).
Essas mudanças na
atitude ou no tratamento dos pais com os filhos nesta fase podem ter razões
sociais, culturais ou ser resultante da aprendizagem adquirida na interação com
o ambiente. Por outro lado, a necessidade do próprio adolescente de buscar sua
identidade fora da família, conforme mencionam LUMMERTZ & BIAGGIO
(1987), provoca constantes conflitos entre as gerações e faz com que os jovens
percebam os seus pais como autoritários.
No México, a pesquisa
foi realizada no Distrito Federal, para onde imigra gente de diferentes regiões
do país, portanto, é provável que os dados obtidos sejam representativos da
cultura mexicana. No Brasil, o instrumento foi aplicado no Sul do país, aonde
se verifica a presença de uma cultura marcadamente européia, com influência particularmente italiana, alemã e portuguesa. Por
esta razão, é recomendável ter cautela nas implicações dos resultados obtidos,
evitando generalizações para todo o território brasileiro.
Ainda que as
diferenças quanto à seleção da amostra dos dois países possam constituir uma
explicação plausível para os resultados apresentados, dado que certos aspectos
culturais (éticos, religiosos, ambientais, educacionais, etc.) podem acentuar
as diferenças culturais intra e entre os países, será necessário prosseguir os
estudos para tentar encontrar explicações mais claras para os resultados da
presente pesquisa.
Por esta razão, a
próxima etapa consistirá em buscar explicações teórico-metodológicas mais profundas
para as diferenças quanto aos adjetivos: responsável e consistente (presentes
nos dados de México e Brasil, respectivamente), para poder entender o
significado semântico destes adjetivos nas duas culturas contempladas.
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Notas
1. Centro de Investigación da Universidad Intercontirnental, México, D.F.
End.: Calle Patricio Sanz, 408 - Depto. 401, Col Del Valle 03100 - México, D.F.
E-mail: celinagirardi@yahoo.com
2. As análises
psicométricas realizadas foram as seguintes: análise de freqüência para
observar a distribuição das freqüências da amostra total e a distribuição das
opções de respostas dos itens da escala; prova t de Student para
conhecer o poder de discriminação dos itens do instrumento (Diferencial
Semântico); Alpha de Cronbach para obter os coeficientes de consistência
interna das escalas; Correlação Produto-momento de Pearson para analisar as
correlações entre as escalas de pai e mãe. Estas análises psicométricas
foram omitidas do presente artigo por já terem sido publicadas anteriormente
(GIRARDI. 994).