O FILHO UNIVERSAL
Um estudo comparativo de adoções nacionais e internacionais
Lidia Natalia Dobrianskyj Weber
Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná.
A adoção precoce e a tardia são ambas fontes de realização familiar.
Para as duas é preciso ter um coração aberto e uma mão estendida. A diferença é
que na adoção precoce prevalece o coração e na tardia os abraços abertos
protetores e firmes. É o dever se antepondo ao amor. Tarefa não fácil mas compensadora, fruto
da vontade, experiência de vida e maturidade. (Decebal
Andrei, brasileiro que adotou um adolescente).
A maneira como cada sociedade trata as suas crianças ao longo da história também indica o modo como cada um trata o seu semelhante. O abandono, infanticídio e maltrato de crianças foi muito utilizado durante muitos séculos, não tão distantes de nós. Historiadores como Ariès (1978) e Badinter (1985) mostram que a "descoberta" da família e, principalmente, da infância e da consciência da particularidade infantil, teve seu início somente no século XVII.
Ainda hoje, em muitos países, e também no Brasil, ocorrem atitudes primitivas e cruéis que nos fazem pensar se o ser humano já descobriu verdadeiramente o outro como seu semelhante. Milhões de crianças em todo o mundo estão sendo exploradas, vilipendiadas em seus direitos através da miséria, da prostituição, do trabalho escravo, do extermínio, do descaso afetivo, do abandono nas ruas e nas instituições... Paradoxalmente, temos um mundo que é também capaz de belezas inomináveis, de pessoas cuja generosidade reverte em ações genuínas em direção a este outro tão próximo de nós, uma nobreza que descreve com letras garrafais toda a capacidade de amar que existe no ser humano.
O abandono de crianças sempre esteve presente na história da humanidade. Para solucionar este grave problema, foram realizadas ações as mais diversas, desde as mais dolorosas e terríveis, até as mais sublimes. As ações humanitárias tinham o objetivo de proporcionar o acolhimento dessas crianças e as mais diferentes culturas tentaram encontrar códigos sociais que refletissem outros tipos de agrupamentos familiares que não aqueles ligados estritamente aos laços de sangue. A adoção, como é compreendida atualmente, é uma maneira de acolher uma criança (abandonada) e transformá-la em filha, mas teve diferentes significados ao longo dos tempos e em diversas culturas. A sociedade romana na antigüidade tem sido apontada como o berço da adoção, cujo objetivo primordial era a continuação da cultuação dos deuses-lares, das tradições familiares, principalmente quando não havia um sucessor masculino para o pater familias.
Ainda hoje, a adoção é realizada, na maioria das vezes, como uma solução para a ausência de filhos biológicos. Como existem ainda poucas pesquisas sistemáticas sobre a questão da adoção no Brasil, o oposto do que ocorre me países desenvolvidos, ouve-se freqüentemente que os "estrangeiros" realizam adoções motivados essencialmente pela ajuda humanitária, enquanto os brasileiros adotam somente porque não podem ter filhos biológicos.
Ao pensarmos em uma criança que, por múltiplas razões, não teve possibilidade de ser criada pela sua família de origem, percebemos que, de maneira geral, a adoção representa a melhor solução para sua vida. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tomou por base o pleno e primordial interesse da criança em caso de adoção, estando de acordo com o proposto por Pilotti (s/d.), que divide o instituto da adoção em dois momentos históricos: Adoção Clássica, anterior à Primeira Guerra Mundial, como aquela que visava solucionar os matrimônios sem filhos e Adoção Moderna que buscou resolver os problemas dos numerosos órfãos cujos pais biológicos morreram em virtude dessas guerras. No capítulo III do ECA, Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, reza o artigo 19, que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta (...)
Freire (1994, p.7), coordenador do Programa de Adoção Nacional do Movimento Suíço Terre des Hommes, afirma que "a adoção representa uma resposta às necessidades não satisfeitas pela ordem natural dos acontecimentos, uma resposta que oferece à criança órfã e abandonada uma possibilidade de ter pais e ambiente familiar indispensáveis para o seu desenvolvimento". Marin (1994, p.91) acrescenta que é uma "alternativa afetiva por definição. (...) Restituir à criança de quem sua família biológica abdicou, o seu direito postulado quase que universalmente à vivência numa família em que seja amada, reconhecida, educada e protegida". Afirma Bevilácqua (1980, p.822) que a adoção "chama para o aconchego da família e para as doçuras do bem estar, filhos privados de arrimo ou de meios idôneos, aproveitando e dirigindo capacidades, que de outro modo, corriam o risco de se perder, em prejuízo dos indivíduos e do grupo social, a que pertencem". Percebe-se claramente que a adoção permite que uma criança (abandonada) esteja inserida na comunidade e no seio de uma família.
Com o maior desenvolvimento da cultura social de um país, dos meios de comunicação, com o aumento do número de abortos provocados e do planejamento familiar, ocorre a diminuição da taxa de natalidade e do abandono de crianças e, conseqüentemente, aumenta a dificuldade da adoção de bebês. Teffaine (1987) relata que na França existem somente 4.000 crianças para adoção por ano (contando aquelas que vêm do exterior) para 20.000 pessoas que desejam adotar, e, diante desta dificuldade, um maior número de adotantes que gostariam de adotar um bebê, voltam-se para a adoção de uma criança com mais idade.
Temos consciência que, em alguns países europeus mais ricos, a taxa de natalidade tem caído tanto que fica abaixo dos níveis de reposição populacional (2,1 filhos por mulher). Tais países valem-se especialmente das adoções internacionais e a procura de crianças ocorre em países menos desenvolvidos.
O Brasil, infelizmente, é um país que tem muitas crianças abandonadas e, principalmente, esquecidas nas Instituições de "Abrigo", como são eufemisticamente chamados os antigos orfanatos ou internatos (Weber e Kossobudzki, 1993; 1994 e 1996). No entanto, ouvimos freqüentemente, dos profissionais que trabalham com adoção que existe uma grande fila de pessoas querendo adotar crianças porque não existem de fato crianças abandonadas, como afirma Becker (1995, p.1), ou que os brasileiros são preconceituosos porque exigem adotar bebês brancos. De fato, a questão do "abandono" não é simples. Nas instituições para crianças e adolescentes existem milhares de crianças, cujos pais não as visitam durante anos a fio, mas que ainda detém o Pátrio Poder sobre elas e, portanto, tais crianças não são consideradas legalmente abandonadas. Isto caracteriza o drama: que elas não têm mais nenhum contato com a sua família de origem, e geralmente nunca mais tiveram desde que foram institucionalizados (Weber, 1996C), mas não podem ser legalmente adotadas (Weber e Kossobudzki, 1993, 1994 e 1996; Weber, 1995). Estas crianças são filhas virtuais de ninguém. Se isto não é estar abandonado, então temos que criar um neologismo para definir esta situação.
A questão da adoção internacional também não é matéria simples. Há aqueles que claramente não a recomendam, dizendo que "nega-se à criança (...) o direito à família brasileira, à educação brasileira, à nacionalidade brasileira, pois daqui saídos em menoridade, já sofrerão as influências do Direito de outros países para onde vão, tendo assim, tolhida sua liberdade de opção futura da nacionalidade brasileira" (Ramos Neto, 1989, p.15). O mesmo autor coloca em suspeição, ironicamente, a questão do poder por trás deste tipo de adoção: "ninguém fiscaliza as condições em que se encontram este menores no exterior. No máximo, uma ou outra autoridade brasileira vai fazer turismo na Europa, talvez, com despesas pagas por terceiros, não tendo mínimas condições de verificar a situação em que se encontram todos os menores que daqui saem, sendo, ao que se sabe, conduzidos a visitar aqueles que tiveram melhor sorte..."
Por outro lado, existem autores que ressaltam que quando não é possível encontrar uma família brasileira que se interesse por uma determinada criança, uma família estrangeira pode desempenhar convenientemente esta função (Araújo, 1991; Brauner, 1993), sendo que esta matéria também foi decidida desta forma pela Convenção de Haia em maio de 1993 . Spring-Duvoisin (1986) realizou uma pesquisa exaustiva com 282 adultos jovens (vindos de diferentes países de origem) que foram adotados por cidadãos suíços e concluiu que somente 14% dos entrevistados apresentaram uma atitude negativa frente à sua adoção; os outros consideram-na muito bem sucedida.
Em alguns textos e falas as argumentações colocam como inviáveis as adoções inter-raciais, não importa se para estrangeiros ou para brasileiros (Souza, 1986); neste ponto, muitos técnicos dos Serviços de Adoção do País também comungam esta idéia, como relatou uma Assistente Social do Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, "após a habilitação, juntamente com a documentação (dos adotantes) são incluídas fotos coloridas do casal para que a criança tenha as mesmas características físicas dos pais"(grifo nosso) . Se estas idéias são difundidas pelos próprios técnicos dos Serviços de Adoção, é possível que as pessoas tenham uma consciência social sobre as adoções de crianças com mais idade ou de outra raça?!
Pesquisadores e profissionais imbuídos de um espírito científico mais próximo da pós-modernidade (Pilotti, 1988; Freire, 1991 e 1994; Gil, 1991; Niblett, 1994; Vargas, 1994; Maldonado, 1995; Weber, 1995 e 1996) não descartam a priori a adoção internacional, mas pregam a questão da conscientização da população brasileira sobre as adoções necessárias. Assim o fazem os Grupos de Apoio à Adoção existentes no país que percebem como viáveis as adoções de crianças chamadas "inadotáveis", ou seja, crianças com mais idade, de cor e com necessidades especiais, desde que haja preparação e acompanhamento para tal ato. Champenois-Marmier (1986), tecendo considerações sobre os franceses que adotam crianças de outros países, afirma que esta preparação é fundamental quando compreendemos o seu objetivo: ajudar os adultos a reconhecer e aceitar melhor as angústias de uma criança estrangeira, de tal maneira que eles possam tornar-se verdadeiros pais.
A presente pesquisa, apesar de apresentar alguns aspectos sobre o estado da arte do debate sobre as várias linhas de pensamentos sobre adoção, não pretende discutir a viabilidade das adoções internacionais, ou nacionais, mas analisar a questão de modo comparativo. Em nosso país, boa parte das crianças denominadas de "inadotáveis" conseguem ser adotadas internacionalmente. Por que isto ocorre? Será que os "estrangeiros" são melhores do que nós? Afinal, existem ou não crianças abandonadas, e disponíveis para a adoção no Brasil? Os brasileiros são realmente preconceituosos em relação à criança que desejam adotar? Atualmente, está em voga a Adoção Moderna que visa primordialmente o interesse da criança? Para tentar desvelar um pouco estas intrincadas e multifacetadas questões sociais realizou-se a presente pesquisa, com o objetivo de analisar empírica e comparativamente uma amostra das adoções nacionais e internacionais realizadas no país.
METODOLOGIA
Sujeitos e Material: Foram investigados 181 processos de adoção do Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba. Os dados foram coletados através dos processos de Requerimento da Adoção, Habilitação e Adoção dos adotantes e das Ações de Medida de Proteção das respectivas crianças. Esses processos foram divididos em duas categorias: 1) Adoções Nacionais: 91 processos referentes aos brasileiros que realizaram uma adoção no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba; e 2) Adoções Internacionais: 90 processos referentes a adotantes de outros países que adotaram através da C.E.J.A. A escolha dos processos foi aleatória, e o sorteio foi através da lista de todos os processos de adoções realizadas no Juizado da Infância e da Juventude no período entre 1990 e 1995. Para os processos de Adoção Nacional, foram sorteados 27% do total de adoções realizadas em cada ano do período pesquisado (N = 333); para a Adoção Internacional, como o total era inferior ao da Adoção nacional, foram sorteados 50% dos processos realizados em cada ano pesquisado (N = 180). É importante ressaltar que, no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, estão cadastrados não somente curitibanos ou paranaenses, mas pessoas de diversas regiões do país, embora a predominância seja de pessoas do Sul e Sudeste do Brasil.
Os dados foram coletados através de dois formulários elaborados para este fim, um para Adoção nacional e outro para Adoção Internacional, cada qual contendo 40 questões fechadas e 12 questões abertas.
Procedimento: Inicialmente entrou-se em contato com o Serviço Social do Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba com o objetivo de explicar-lhes a pesquisa e solicitar-lhes permissão para manusear os processos de adoção lá arquivados. Após a permissão, solicitou-se a lista do total de adoções realizadas nacional e internacionalmente no período de 1990 a 1995 e realizou-se o sorteio dos processos que seriam analisados. Todas as questões dos dois tipos de formulários foram preenchidas tomando-se por base as informações existentes em cada processo de adoção.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Antes de apresentar a análise dos dados, é importante ressaltar que esta comparação entre as adoções nacionais e internacionais tem, ao menos, dois vieses. O primeiro refere-se ao fato que as adoções nacionais analisadas fazem parte do universo de apenas um Juizado da Infância e da Juventude do país, o de Curitiba, que apesar de ter cadastros de pessoas provenientes de diferentes regiões, a grande maioria é oriunda do sudeste e do sul do Brasil. Como esta pesquisa foi realizada com material do Juizado, o segundo viés refere-se ao fato de estarem sendo analisadas apenas as adoções legais, excluindo-se, portanto, o grande número de adoções "à brasileira" , que também têm as suas particularidades em relação às adoções realizadas através dos Juizados da Infância e da Juventude; este dado foi pesquisado e descrito anteriormente por Weber e Cornélio (1995, A e B). Estes fatores não permitem a ampla generalização dos resultados obtidos, embora os dados possam contribuir para uma compreensão mais precisa em relação ao contexto das adoções realizadas por brasileiros e por estrangeiros no Brasil.
1.
PERFIL DOS ADOTANTES
A maioria absoluta dos pedidos de adoção foram feitos por casais: 95,60% dos brasileiros estavam casados e 2,2% eram concumbinos; 94,44% dos estrangeiros estavam casados; os brasileiros estavam casados há menos tempo (8,5 anos) do que os estrangeiros (11 anos) quando entraram com o requerimento para a adoção; somente 2,20% dos brasileiros e 4,44% dos estrangeiros estavam solteiros na época da adoção; havia uma viúva entre os estrangeiros.
Em relação a faixa etária dos adotantes, verificou-se que os adotantes brasileiros tinham entre 31 e 35 anos, sendo a média da idade das mães (34 anos) um pouco menor que a dos pais (36 anos). Quanto aos adotantes estrangeiros, os pais tinham entre 36 e 45 anos, sendo 37 anos a idade média das mães e 40 anos a idade média dos pais. Esses dados estão de acordo com aqueles encontrados por Weber & Cornélio (1995, A e B) em pesquisas com pais e filhos adotivos brasileiros (que realizaram tanto adoções legais quanto ilegais), que verificou um número reduzido de adotantes com idade inferior a 30 anos, sendo que provavelmente isto ocorre porque os casais buscam primeiramente a certeza de que não poderão ter filhos biológicos para depois procurar a adoção.
A maioria absoluta dos brasileiros (80,22% das mães e 87,91% dos pais) e 100% dos estrangeiros eram brancos. Em relação à Religião, a maioria absoluta de todos os adotantes eram católicos, embora este percentual tenha sido mais elevado para os brasileiros (82%) para os estrangeiros (62%); em segundo lugar, os adotantes eram protestantes.
Tabela 1: Porcentagem de brasileiros e estrangeiros em relação à sua escolaridade.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
ESCOLARIDADE |
PAIS MÃES |
PAIS MÃES |
sem curso superior |
25,27 29,67 |
48,89 46,67 |
com curso superior |
75,53 70,33 |
36,67 38,89 |
sem informação |
0,00 0,00 |
12,22 12,22 |
Na Tabela 1, verificam-se diferenças significativas em relação à escolaridade dos brasileiros e dos estrangeiros; enquanto as mães e os pais e as mães brasileiros, em sua maioria absoluta, haviam cursado um curso universitário, as mães e os pais estrangeiros estudaram até o 2º grau. Esses dados corroboram a mesma relação sóciodemográfica encontrada por Weber & Cornélio (1995 A): a maioria dos pais adotivos brasileiros com nível de escolaridade superior realizaram adoções legais, ao contrário daqueles que tinham escolaridade até segundo grau e realizaram adoções "à brasileira". Este dado evidencia uma correlação entre o nível de escolaridade e a legalidade da adoção, revelando claramente o quanto a informação e o esclarecimento são importantes no contexto da adoção.
Tabela 2: Número (freqüência e porcentagem) de brasileiros e estrangeiros em relação à renda familiar mensal em dólar.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
FAIXA SALARIAL MENSAL |
F % |
F % |
até 500 US$ |
8 8,79 |
1 1,11 |
de 500 a 1.000 US$ |
10 10,99 |
3 3,33 |
de 1.000 a 2.000 US$ |
31 34,07 |
10 11,11 |
de 2.000 a 4.000 US$ |
28 30,77 |
38 42,22 |
de 4.000 a 6.000 US$ |
6 6,59 |
20 22,22 |
mais de 6.000 US$ |
6 6,60 |
6 6,66 |
sem informação |
2 2,20 |
12 13,33 |
TOTAL |
91 100,00 |
90 100,00 |
Em relação aos proventos mensais dos adotantes, verifica-se pela Tabela 2 que 53,85% dos brasileiros ganhavam até 2.000 dólares e 37,36% de 2.000 a 6.000 dólares; esta distribuição inverte-se para os estrangeiros, onde somente 15,55% ganhavam até 2.000 dólares e 64,44% ganhavam entre 2.000 e 6.000 dólares. O salário familiar mensal médio dos brasileiros era de $2.250,00 e para os estrangeiros era de $4.430.00. Embora não seja nenhuma surpresa, é interessante notar que apesar dos brasileiros desta amostra terem, em sua maioria, um nível de escolaridade superior e exercerem atividades que exigem essa graduação, o seu rendimento é menor que dos estrangeiros.
Em relação ao país de origem dos adotantes estrangeiros, pode ser visto na Figura 1 que eles vieram da Itália, Holanda, Suécia, França, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra. A categoria outros países" representa a Bélgica, Suíça, Canadá e Brasileiros residentes no exterior.
Sobre a escolha do Brasil, 42,22% dos adotantes estrangeiros relataram que já haviam procurado adotar em outros países: tentaram na Romênia, paralelamente começaram trâmites no Brasil para verem se multiplicavam as chances de ter uma ou mais crianças; 26,66% já haviam tido algum contato com o Brasil: amaram a cultura brasileira, decidiram adotar aqui; 16,67% gostariam de adotar uma criança carente, abandonada: têm conhecimento dos problemas econômicos e sociais do Brasil. Existem muitas crianças no mundo que são infelizes e vivem em abandono; 4,44% conheciam pessoas que haviam adotado no Brasil.
Em relação ao estado de origem dos brasileiros, verifica-se na Figura 2, que a maioria era residente no Rio de Janeiro (40,66%), em Curitiba e em São Paulo, cada um com 25,27% do total. Considerando que os dados desta pesquisa foram coletados no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, era de se esperar que a maioria dos adotantes morassem em Curitiba ou em outras cidades do Paraná, fato que não foi observado nesta pesquisa. Será que os adotantes de outros Estados têm uma representação social sobre o Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba melhor do que os próprios curitibanos? Se isto for verdade, aonde adotariam as pessoas de Curitiba?! De fato, em outra coleta de dados que realizamos, verificou-se que dentre os habilitados para uma adoção em Curitiba, a maioria absoluta provém de outros Estados do País. Weber e Cornélio (1995 A) constataram que, na verdade, os moradores de Curitiba preferem cadastrar-se em Comarcas do interior do Estado do Paraná, onde a burocracia e a fila de espera por um bebê é menor, de acordo com os adotantes. Ainda pode-se supor que pessoas domiciliadas no Rio de Janeiro e em São Paulo preferem adotar em Curitiba por acreditarem que nesta cidade haveria um maior número de crianças brancas para serem adotadas. Weber e Kossobudzki (1996) constataram que 59% das crianças institucionalizadas no Paraná são brancas e Weber (1996 C) revelou que 58% das crianças institucionalizadas em Curitiba são brancas, dados bastante diferentes dos encontrados em uma pesquisa realizada nos internatos do Rio de Janeiro, onde 39% dos internos são pardos, 31% são brancos e 30% são negros. Rizzini (1985).
De qualquer forma, o motivo pelo qual as pessoas dos outros Estados, mais precisamente do Rio de Janeiro e de São Paulo, preferiram adotar no Juizado de Curitiba não foi investigada pelos técnicos do Serviço de Adoção em 65% dos processos; 26% dos adotantes residentes no Rio de Janeiro e em São Paulo optaram por Curitiba porque conheciam alguém que tinha adotado em Curitiba ou eles próprios já tinham adotado nesta cidade.
Tabela 3: Número (freqüência e porcentagem) de filhos biológicos e adotivos dos adotantes brasileiros e estrangeiros.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
FILHOS |
F % |
F % |
Filhos Biológicos |
7 7,7 |
13 14,45 |
Filhos Adotivos |
14 15,39 |
22 24,44 |
Sobre a constituição familiar dos adotantes, pode-se observar na Tabela 3 que existe pouca diferença entre os dois grupos, ou seja, poucos são os brasileiros e estrangeiros que têm filhos, sejam eles biológicos ou adotivos e, tanto os brasileiros quanto os estrangeiros desta amostra pesquisada, têm um maior número de filhos adotivos do que biológicos. Através do cruzamento de dados, foi possível verificar que 84% dos adotantes brasileiros e 72% dos estrangeiros, não possuíam filhos biológicos nem adotivos. Daqueles adotantes que não possuíam filhos biológicos, a grande maioria (97,50% dos brasileiros e 84% dos estrangeiros) relataram que não conseguiam tê-los. Estes dados vêm demonstrar que a maioria dos adotantes brasileiros e estrangeiros realizam a adoção como uma alternativa para serem pais. No entanto, 7% dos adotantes estrangeiros não possuíam filhos biológicos porque decidiram não tê-los, fazendo uma opção por filhos adotivos!
Tabela 4: Número (freqüência e porcentagem) de brasileiros e estrangeiros em relação à sua principal motivação para adotar.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
MOTIVAÇÃO |
F % |
F % |
Ela não podia ter filhos biológicos |
35 38,46 |
28 31,11 |
Ele não podia ter filhos biológicos |
26 28,57 |
9 10,00 |
Ambos não podiam ter filhos biológicos |
13 14,29 |
5 5,56 |
Não sabem o motivo de não poder ter filhos biológicos |
11 12,09 |
15 16,67 |
Por querer ajudar o próximo |
0 0,00 |
6 6,66 |
Pela perda de um filho |
0 0,00 |
2 2,22 |
Por sempre ter desejado adotar |
2 2,20 |
4 4,44 |
Gravidez de risco mãe e/ou criança |
0 0,00 |
13 14,44 |
Outros |
4 4,39 |
8 8,88 |
TOTAL |
91 100,00 |
90 100,00 |
Na Tabela 4, verifica-se que a principal motivação para adotar uma criança é o fato dos adotantes não conseguirem ter filhos biológicos, tanto por esterilidade quanto por infertilidade (diagnósticos conhecidos e desconhecidos); para os estrangeiros apareceu freqüentemente a alta probabilidade de ter uma gravidez de risco para a mãe e/ou para a criança (idade avançada, filho biológico anterior com problemas, receio de filhos com deficiências).
Outro fato importante de ser
ressaltado é que, apesar de ter aparecido em ambos os grupos o interesse na
adoção de uma criança pela adoção em si
(querer ajudar o próximo e sempre ter desejado adotar), isto foi mais freqüente
no grupo dos pais adotivos estrangeiros. No processo de habilitação dos
estrangeiros havia a investigação do motivo que levou os adotantes a procurar
uma criança no Brasil, e as respostas indicam o grau muito maior de interesse
social e de solidariedade, como indicam alguns depoimentos: nós trabalhamos como voluntários na Paróquia
que mantêm contatos com associações emprenhadas em ajudar os países de Terceiro
Mundo; em 1980 viemos ao Brasil e ficamos impressionados com a quantidade de
crianças em situação de abandono; sempre trabalhamos em ações de solidariedade
para crianças; sempre tivemos vontade de ajudar uma criança abandonada dado-lhe
uma família; gostaríamos de adotar uma criança brasileira porque nos
preocupamos com as crianças do Terceiro Mundo e achamos que é difícil encontrar
pais para crianças um pouco mais velhas, mas elas também têm
direito a um lar com amor e carinho; em nosso país (Suécia) não existem
crianças abandonadas e escolhemos o Brasil; sempre nos preocupamos
realisticamente com a adoção de uma criança do Terceiro Mundo e nosso padrão de
vida está centrado fortemente por princípios éticos e cristãos; como nós, na
Alemanha existem muitos casais querendo adotar uma criança.
2. PERFIL DA CRIANÇA DESEJADA
PELOS ADOTANTES
Segundo Jojima (1991, p.153) os casais nacionais habilitados e cadastrados no Juizado da Infância e Juventude de Curitiba "em sua expectativa, desejam adotar bebês de no máximo 6 meses de idade, sem problemas de saúde e que se assemelhem em suas características de cor de pele, cabelos e às vezes olhos, ou ao filho que teriam se pudessem ou viessem a gerá-lo (...) e são justamente os casais procedentes da Europa que têm conseguido um maior nível de despojamento quanto a esses valores e têm realizado o seu sonho de tornarem-se pais e a viabilizar o tornar-se filho de nossas crianças em situação de abandono".
Tabela 5: Número (freqüência e porcentagem) de pais adotivos brasileiros e estrangeiros em relação à idade da criança desejada.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
IDADE DESEJADA |
F % |
F % |
Até 6 meses |
61 67,03 |
8 8,89 |
Até 1 ano |
17 18,68 |
11 12,22 |
Até 2 anos |
7 7,69 |
13 14,44 |
Até 3 anos |
1 1,10 |
10 11,11 |
Até 4 anos |
3 3,30 |
3 3,33 |
Mais de 4 anos |
0 0,00 |
37 47,78 |
Indiferente |
0 0,00 |
2 2,22 |
Sem informação |
2 2,20 |
0 0,00 |
TOTAL |
91 100,00 |
90 100,00 |
Foi investigada a idade máxima da criança desejada podendo-se verificar na Tabela 5 uma diferença significativa entre os dois grupos: enquanto a maioria dos brasileiros (cerca de 67%) desejavam ter como filho um bebê de no máximo 6 meses, os estrangeiros demonstraram ter uma maior maleabilidade em relação à idade, aceitando crianças que tivessem mais de 4 anos (cerca de 48%). Nesta categorização das respostas foi utilizada a mesma linguagem utilizada nos processos: até 6 meses, significa que os adotantes desejam uma criança com menor idade possível, e aceitam um bebê somente até 6 meses de vida.
Comparando-se os brasileiros com os estrangeiros pode-se verificar que enquanto a maioria dos adotantes estrangeiros (55,55%) aceitavam adotar crianças com mais de 2 anos, realizando adoções tardias , somente 4,4% dos adotantes brasileiros apresentaram a mesma disponibilidade. Pare claro, portanto, que as crianças brasileiras com mais de 2 anos têm uma a chance muito maior de terem uma família se casais estrangeiros habilitarem-se no Brasil.
Essa diferença também pode ser explicada pelo fato de que pela legislação vigente (ECA) a preferência é sempre dada aos casais brasileiros, ou seja, casais estrangeiros não podem adotar crianças que são adotáveis aqui no Brasil. Desta forma, provavelmente, os estrangeiros sabem que se não forem mais flexíveis, aceitando crianças maiores, será muito mais difícil para eles realizarem o sonho de se tornarem pais. Apesar desta situação, é importante ressaltar que para os estrangeiros, o fato de ter um filho é muito mais importante do que ter um bebê.
Em relação aos motivos dos adotantes em relação à pré-determinação da idade da criança desejada,
infelizmente somente um dos
processos dos adotantes brasileiros tinha esta informação: um casal brasileiro
estava adotando a criança que havia sido devolvida pelo irmão da atual
adotante. Enquanto, em 31,11% dos processos dos estrangeiros estavam presentes
o motivo do limite da idade estipulada pelos adotantes, sendo que aqueles que
desejavam adotar uma criança com pouca idade, justificaram pelo melhor acompanhamento e adaptação da criança.
Entretanto, pode-se perguntar por que os técnicos não investigam o motivo do desejo de adotar somente um recém-nascido? Será que esse dado não é importante para a habilitação de um casal? Parece que o desejo de adotar um bebê recém-nascido passa a ser considerado "natural", até pelos Serviços de Adoção dos Juizados. E as adoções necessárias, das crianças com mais idade, geralmente institucionalizadas, os Serviços de Adoção dos Juizados não deveriam também tentar modelar a motivação dos postulantes à adoção?
Aproximadamente 15% dos brasileiros e 39% dos estrangeiros desejam adotar mais do que uma criança; sobre o sexo da criança, apesar dos dois grupos mostrarem-se indiferentes, os estrangeiros são mais representativos nesta questão (49% dos brasileiros e 73% dos estrangeiros mostram-se indiferentes em relação ao sexo da criança); 22% dos brasileiros desejam um menino e 27% desejam uma menina, enquanto 12% dos estrangeiros querem um menino e 13%, uma menina.
Sobre a saúde da criança desejada, esta informação não foi investigada em 76% dos processos nacionais e em 58% dos internacionais; daqueles processos onde havia esta informação, a maioria absoluta optou por uma criança saudável física e mentalmente. Novamente questiona-se o motivo da não investigação deste fator pelo Serviço de Adoção; não seria importante tentar perceber o grau de aceitação de uma criança com problemas de saúde?
Tabela 6: Número (freqüência e porcentagem) de pais adotivos brasileiros e estrangeiros em relação à cor de pele da criança desejada.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
COR DE PELE |
F % |
F % |
Branca |
66 72,53 |
12 13,33 |
Amarela |
2 2,20 |
0 0,00 |
Parda ou Mulata |
2 2,20 |
3 3,33 |
Negra |
1 1,10 |
0 0,00 |
Até morena |
15 16,48 |
40 44,44 |
Até negra |
1 1,10 |
0 0,00 |
Indiferente |
2 2,20 |
33 36,67 |
Sem informação |
2 2,20 |
2 2,20 |
TOTAL |
91 100,00 |
90 100,00 |
A Tabela 6 mostra a preferência dos adotantes pela cor da pele da criança desejada. Utilizou-se o mesmo linguajar dos processos; por exemplo, uma criança até morena, significa que, preferencialmente, o adotante desejava uma criança branca, mas aceitaria uma morena, mas não negra. Pode-se observar que a maioria absoluta dos pais brasileiros (72,5%) gostariam de adotar uma criança da cor branca, 19% adotariam crianças morenas, e, somente em dois casos, os adotantes aceitavam uma criança negra (a mãe adotante era negra e o pai pardo). Esta situação inverte-se para os adotantes estrangeiros, pois somente 13% tinham como ideal crianças brancas e 44% adotariam crianças morenas. Outro dado observado é que um número maior de estrangeiros não demonstrou preferência pela cor da criança desejada, estando implícita a aceitação de crianças negras. Em resumo, verificou-se que 84% dos estrangeiros aceitam uma criança parda e 37% aceitam uma criança negra, enquanto que somente 19% dos brasileiros aceitam adotar uma criança parda e 3% uma criança negra.
As diferença entre os dois grupos foi fortemente significativa, demonstrando que os brasileiros desejam adotar crianças brancas, enquanto os estrangeiros dividem-se em dois grupos: os que aceitam crianças que sejam morenas, mas não negras; e os que preferem não escolher a cor da pele, o que indica que os estrangeiros estão mais abertos para receberem como filho uma criança da cor diferente da sua.
Desta forma, novamente parece que os casais procuram adotar crianças com características parecidas com as suas, tentando desta forma imitar uma família biológica e deixar a adoção "menos evidente", como argumenta Costa (1988, p.280): "se a criança adotada for do biótipo parecido com o dos pais a situação não será conflitante, mas se o seu biótipo apresentar características que representam uma classe, como cor, cabelos demasiadamente encaracolados, se apresentará um problema que será referente ao preconceito".
3.
PERFIL DA CRIANÇA ADOTADA
A maioria absoluta dos pais adotivos desta amostra, 99% dos brasileiros e 83% dos estrangeiros, adotaram apenas uma criança. Os brasileiros restantes adotaram irmãs gêmeas com até 2 anos de idade; 13% dos estrangeiros adotaram duas crianças e 3% adotaram três crianças.
Tabela 7: Número (freqüência e porcentagem) de pais adotivos brasileiros e estrangeiros em relação à idade da criança adotada.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
IDADE DA CRIANÇA |
F % |
F % |
Até 6 meses |
65 71,43 |
26 28,89 |
Até 1 ano |
17 18,68 |
7 7,78 |
Até 2 anos |
6 6,59 |
9 10,00 |
Até 3 anos |
3 3,30 |
4 4,44 |
Até 4 anos |
0 0,00 |
5 5,56 |
Até 5 anos |
0 0,00 |
5 5,56 |
Mais de 5 anos |
0 0,00 |
34 37,78 |
TOTAL |
91 100,00 |
90 100,00 |
Através da Tabela 7, observa-se claramente a diferença entre os dois grupos: os brasileiros adotaram, significativamente, um número maior de bebês (crianças até 1 ano de idade), enquanto os estrangeiros adotaram crianças de praticamente todas as idades, sendo que aproximadamente 53% realizaram uma adoção tardia (e das adoções tardias, 38% adotaram uma criança com mais de 5 anos).
Ferreyra (1994, p.142) coloca que existem muitas razões que contribuem para que os pais adotem bebês.
Em primeiro lugar, os casais manifestam que querem viver todas as experiências do filho, desde "as primeiras fraldas e mamadeiras". Em segundo lugar, existe uma série de receios com relação à adoção de crianças maiores, que se manifestam medos: das seqüelas psicológicas deixadas pelo abandono e institucionalização; das influências provocadas pelo ambiente de origem; das dificuldades de adaptação; de que a criança guarde ressentimentos; que traga maus costumes; de que as lembranças da família, que pode ter tido antes, não deixem criar novos vínculos familiares.
Parece que este desejo de adotar somente um recém-nascido é tão compreendido pelos técnicos que nem merece ser investigado ou questionado durante um processo de adoção. Porém, pode ser uma forma de transgredir a adoção e "garantir" uma maneira de burlar o hereditário do outro, daquele desconhecido com sangue e genes diferentes e desconhecidos. Adotar somente um bebê pode também significar o desejo de "imitar uma família biológica", para que a adoção não fique tão evidente e denuncie a impossibilidade de ter filhos biológicos, como disse uma mãe adotiva: já que não posso ter filhos de sangue, quero adotar um recém-nascido para fazer de conta, para passar por todas as etapas. Dizer que é "mais fácil criar a criança desde pequena" pode ser uma tentativa de dissimular as raízes ancestrais, pois uma criança com mais idade já possui uma história anterior que ficaria sempre "no meio do caminho" numa disputa muitas vezes angustiante. Adotar um recém-nascido também pode ser revelador do desejo de tentar minimizar a sua carga genética pela imposição do social, da educação que os pais adotivos lhe darão, da história que eles lhe recriarão.
Vargas (1994) investigou as dinâmicas familiares de adoções tardias e afirma que elas trazem algumas características especiais que precisam ser observadas, mas que com preparação e acompanhamento, estas adoções são perfeitamente viáveis, segundo suas próprias palavras: "Na adoção tardia, tanto como na vida, as chances de sucesso ou fracasso das relações dependem da capacidade de suporte, de entrega, de trocas afetivas profundas, verdadeiras, entre os protagonistas".
Através do cruzamento dos dados sobre a idade da criança desejada e da adotada, constatou-se que a maioria absoluta dos brasileiros adotaram crianças com idades compatíveis à desejada: daqueles que gostariam de adotar bebês de até 6 meses, 88,5% tiveram o seu desejo realizado. Por outro lado, os estrangeiros novamente mostraram-se mais flexíveis, pois adotaram em sua grande maioria, crianças com idades superiores à estipulada: daqueles que aceitavam crianças com até 4 anos, 70% adotaram crianças com idades superiores a 5 anos.
Através da Figura 3 pode-se verificar que tanto os brasileiros quanto os estrangeiros adotaram um número maior de meninos. Foi possível constatar que a maioria absoluta dos brasileiros e estrangeiros adotaram crianças do sexo que desejavam e dos que se colocaram indiferentes quanto ao sexo da criança a ser adotada, aproximadamente 62,5% adotaram crianças do sexo masculino e 33,7% do sexo feminino.
Figura 3: Número (freqüência e porcentagem) de pais adotivos brasileiros e estrangeiros em relação ao sexo da criança adotada.
Tabela 8: Número (freqüência e porcentagem) de pais adotivos brasileiros e estrangeiros em relação à cor de pele da criança adotada.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
COR DE PELE |
F % |
F % |
Branca |
31 34,07 |
29 32,22 |
Amarela |
1 1,10 |
0 0,00 |
Parda ou Mulata |
14 15,38 |
29 32,22 |
Negra |
0 0,00 |
8 12,12 |
Sem informação |
45 49,45 |
24 26,67 |
TOTAL |
91 100,00 |
90 100,00 |
Com relação à cor de pele das crianças adotadas, pode-se observar na Tabela 8 que, infelizmente e surpreendentemente, aproximadamente 50% dos processos de adoção dos brasileiros e 27% dos estrangeiros não constava o dado referente à cor da pele da criança adotada.
Se for levado em conta somente o número conhecido, ou seja, somente os processos onde havia esta informação, verifica-se que 67% dos brasileiros adotaram uma criança branca, 30% uma criança parda e 2% uma criança oriental. É interessante ressaltar que mesmo os dois casais que desejavam adotar uma criança negra, acabaram por adotar uma criança parda! Na pesquisa de Weber & Cornélio (1995 A) com pais adotivos brasileiros, aproximadamente 66% adotaram crianças brancas e aproximadamente 30% adotaram crianças pardas. Dos estrangeiros da presente pesquisa, 44% adotaram uma criança branca, 44% uma criança parda e 12% uma criança negra.
Todos os estrangeiros que adotaram crianças pardas e negras eram brancos, enquanto apenas 27% dos brasileiros que adotaram crianças pardas eram brancos, sendo os outros da mesma cor da criança (dados coletados a partir do número conhecido de crianças pela cor da pele). Estes dados vêm mostrar que a viabilidade das adoções inter-raciais é mais freqüente entre os adotantes estrangeiros do que entre os brasileiros, pois os brasileiros tinham uma maior exigência em relação a bebês brancos. Costa (1988, p.270) em seu trabalho com a "Adoção em Camadas Médias Brasileiras" constatou que as mediadoras (especialmente em adoções "à brasileira") procuram obter o maior número de dados do tipo físico das famílias biológicas e das postulantes à adoção para que a "PARECENÇA" futura seja garantida (...) no sentido de evitar a manifestação futura de características físicas ou hereditárias temidas, ou meramente indesejadas, como o problema da cor". Desta forma o fato de que os adotantes brasileiros procurem e adotem em maior número crianças brancas é vista por Costa como uma maneira de refazer o biológico através da semelhança física do filho idealizado como um reflexo especular de si próprio e de manter o segredo da adoção.
Investigando-se a saúde da
criança adotada, dos processos onde foi possível obter esta informação (55% dos
nacionais e 85% dos internacionais) os dados mostraram que 44% dos brasileiros
e 55% dos estrangeiros adotaram crianças perfeitamente saudáveis; 56% dos
brasileiros e 45% dos estrangeiros adotaram crianças com algum problema físico
de saúde; nenhuma pessoa adotou crianças com problemas de saúde mental. Pode-se
supor que os brasileiros aceitem mais freqüentemente crianças com problemas de
saúde, mas uma análise mais fina dos dados revelou que, de fato, somente os
estrangeiros (36%) adotaram crianças com
graves problemas de saúde. Para o restante dos estrangeiros e dos
brasileiros que adotaram crianças com alguma doença física problema de saúde,
estes eram problemas menores, e facilmente tratáveis, tais como: desnutrição, desidratação, anemia,
verminose, sarna, entre outros.
Tabela 9: Número (freqüência e porcentagem) dos pais adotivos estrangeiros que adotaram crianças saudáveis em relação à idade destas crianças
|
SAUDÁVEL |
IDADE |
F % |
Até 6 meses |
11 26,19 |
Até 1 ano |
1 2,38 |
Até 2 anos |
5 11,90 |
Até 3 anos |
0 0,00 |
Até 4 anos |
2 4,76 |
Até 5 anos |
2 4,76 |
Mais de 5 anos |
21 50,00 |
TOTAL |
42 100,00 |
Através da Tabela 9 pode-se observar que, das crianças saudáveis adotadas pelos estrangeiros, a maioria tinha acima de cinco anos; a segunda maior freqüência foi para bebês com até 6 meses de vida. Aqui é necessário levantar uma questão: “Por que os estrangeiros estão adotando bebês saudáveis se a maioria absoluta dos brasileiros tinha como ideal adotar um bebê e o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 31, deixa claro que a adoção internacional é uma medida excepcional só podendo ser usada nos casos em que a criança não tem colocação em nenhuma família brasileira? A hipótese que pode ser levantada para se explicar esta questão é de que os estrangeiros estejam adotando bebês saudáveis mas que são de cor parda ou negra.
Tabela 10: Porcentagem de pais adotivos brasileiros e estrangeiros em relação à cor e saúde das crianças de até 6 meses adotadas.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
IDADE, COR, ESTADO GERAL |
F % |
F % |
Até 6 meses, branca, saudável |
6 6,59 |
0 0,00 |
Até 6 meses, branca, problemas físicos |
4 4,39 |
3 3,33 |
Até 6 meses, parda, saudável |
7 7,69 |
7 7,77 |
Até 6 meses, parda, problemas físicos |
2 2,20 |
4 4,44 |
Até 6 meses, negra, saudável |
0 0,00 |
3 3,33 |
Até 6 meses, negra, problemas físicos |
0 0,00 |
2 2,22 |
Visando a confirmação da hipótese levantada anteriormente foram cruzados dados da idade, da cor de pele e do estado de saúde da criança adotada pelos brasileiros e pelos estrangeiros como pode ser visto na Tabela 10. Constatou-se que os bebês saudáveis adotados pelos estrangeiros eram de cor parda e negra, e os bebês brancos e saudáveis só foram adotados pelos brasileiros; os brasileiros até adotaram crianças pardas, mas perfeitamente saudáveis. Faz-se aqui necessário lembrar novamente que a maioria dos problemas físicos apresentados pelas crianças adotadas não eram graves. Objetivamente, esses dados mostram que a maioria absoluta dos bebês adotados por estrangeiros poderiam ter sidos adotados por brasileiros e permaneceriam no seu país de origem, se estes aceitassem realizar adoções inter-raciais e especiais.
Entretanto, muitas outras perguntas referentes à questão dos bebês que poderiam ter sido adotados pelos brasileiros podem ser levantadas, como por exemplo: será que, pelo menos, para os bebês pardos não haveria colocação no país, se cerca de 18% dos brasileiros, desta pesquisa, aceitavam adotar um bebê "moreno"?!; será que as tentativas de se colocar as crianças em famílias brasileiras são feitas até a exaustão?, se nesta pesquisa houveram brasileiros (brancos) que adotaram bebês pardos (sem e com problemas de saúde); será que estes bebês que foram para o exterior também não poderiam ter sido adotados por outros brasileiros? Infelizmente estas e muitas outras perguntas não podem ser respondidas no momento, mas são questões que devem ser seriamente refletidas. Em trabalhos realizados por Grupos de Apoio à Adoção, como o Projeto Acalanto de São Paulo, os relatórios mostram que, das crianças encaminhadas para adoção através desta Associação (para pessoas que freqüentam suas reuniões), 49% tinha acima de 4 anos e 70% eram pardas ou negras! Aqui percebe-se que este tipo de trabalho realizado por Associações de Apoio à Adoção, que levam a conscientização das adoções necessárias, que divulgam a necessidade de encontrar pais para crianças destituídas de família, tem sido extremamente valioso, eficiente e essencial em nosso país.
4.
ASPECTOS JURÍDICOS: HABILITAÇÃO E
RECEBIMENTO DA CRIANÇA
O candidato estrangeiro pode realizar sua adoção por intermédio de uma Agência de Adoção Internacional e os candidatos só comparecem ao Brasil no momento em que é providenciado o encontro com a criança. Entretanto, não é obrigatório o uso das associações para intermediar a adoção, basta apenas que o candidato esteja habilitado junto ao órgão oficial que seleciona e habilita o candidato para adoção no seu país ou no estrangeiro.
As leis sobre adoção são diferentes em cada país. A lei brasileira preocupa-se em resguardar os futuros interesses do adotado no país estrangeiro e atender às prescrições referentes à qualidade do adotante no seu país, e assegura o reconhecimento da condição de filho do adotante no país para o qual deverá ser levado. Segundo Guimarães (1991, p. 32), na maioria dos países da Europa e da América, a adoção depende de aprovação judicial (Alemanha, França, Itália, Inglaterra), mas há os que admitem, cumulativamente, o deferimento por órgãos dos Poderes Judiciários ou Executivo (Holanda, Noruega).
Entre a entrada dos papéis e a habilitação no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, os processos dos brasileiros demoraram, em sua grande maioria absoluta, de 1 a 6 meses (73,44%) e dos estrangeiros 1 mês (73,86%). A comparação deste período de tempo não é direta, uma vez que os estrangeiros devem estar habilitados em seus respectivos países para habilitarem-se para adoção de uma criança no Brasil.
Desta forma, os estrangeiros não seguem o mesmo procedimento para a habilitação que os brasileiros, que são entrevistados por técnicos dos Juizados e recebem visitas em sua residência, enquanto os estrangeiros passam por essas etapas nos seus países sendo representados aqui no Brasil pelos agentes das entidades conveniadas, comparecendo no Juizado somente quando são chamados para receberem a criança brasileira em adoção.
Tabela 11: Número (freqüência e porcentagem) dos brasileiros e estrangeiros com relação ao tempo entre a habilitação e o momento em que receberam a criança, dos processos que se obteve a informação.
GRUPOS |
BRASILEIROS |
ESTRANGEIROS |
TEMPO ENTRE HABILITAÇÃO E RECEBER A CRIANÇA |
F % |
F % |
Até 1 mês |
15 16,48 |
21 23,60 |
De 1 à 6 meses |
38 41,76 |
23 25,84 |
De 6 à 1 ano |
21 23,08 |
23 25,84 |
De 1 à 2 anos |
14 15,38 |
13 14,61 |
De 2 à 3 anos |
3 3,30 |
8 8,99 |
De 3 à 4 anos |
0 0,00 |
1 1,12 |
TOTAL |
91 100,00 |
89 100,00 |
Através da Tabela 11 observa-se que o tempo entre a habilitação e o momento em que a criança foi acolhida pelos pais adotivos, guarda para os brasileiros e adoção para os estrangeiros, variou entre dias e 2 anos.
A análise dos dados também revelou que quanto maior a exigência em relação à criança desejada, maior o tempo de espera para a guarda e/ou a adoção serem efetivadas. Os brasileiros que conseguiram a guarda da criança até um mês após a sua habilitação, adotaram bebês até 6 meses de idade, da cor parda e com pequenos problemas de saúde; aqueles que adotaram bebês até 6 meses de idade, da cor branca e perfeitamente saudáveis, esperaram de 1 a 2 anos para receber uma criança. Os estrangeiros que tiveram seus processos finalizados em até seis meses, adotaram na sua maioria bebês pardos ou negros, com problemas físicos, ou crianças maiores de 5 anos, brancas e saudáveis. Aqueles que adotaram bebês pardos, saudáveis e crianças brancas, saudáveis, esperaram de 1 a 3 anos.
Contudo, pode-se dizer, objetivamente, que o grau de exigências acerca das características das crianças influem diretamente no tempo em que demora um processo para se finalizar. Desta forma o conceito das pessoas de que os processos no Juizado são muito demorados poderia ser mudado se as exigências em relação à criança fossem menores e a disponibilidade em aceitar o "diferente" fosse maior.
É possível questionar por que os brasileiros e os estrangeiros levaram praticamente o mesmo tempo para receber as crianças em adoção, se os estrangeiros apresentavam-se mais flexíveis quanto às características das crianças a serem adotadas e adotaram crianças denominadas "inadotáveis" (crianças com mais de 2 anos, pardas ou negras, com problemas físicos graves), enquanto os brasileiros adotaram crianças com até 6 meses, brancas e saudáveis? Uma hipótese a ser levantada é de que haveriam duas variáveis que estariam interferindo no tempo entre a habilitação e o recebimento da criança: este período estaria diretamente ligado ao reduzido número de bebês disponíveis para adoção e ao reduzido número de crianças institucionalizadas que estão aptas legalmente (seus pais biológicos destituídos do pátrio poder sobre elas) para serem adotadas. De acordo com a pesquisa de Weber e Kossobudzki (1996), de todas as crianças institucionalizadas do Paraná, em apenas 9% dos casos os pais dessas crianças haviam sidos destituídos do Pátrio Poder.
5.
PREPARAÇÃO E ACOMPANHAMENTO
A partir do momento em que uma pessoa começa a pensar em ter um filho adotivo, ela necessita de apoio, de algum tipo de atividade que a faça refletir sobre este planejamento de vida. Uma preparação para futuros pais adotivos envolve a discussão e a tomada de consciência sobre diversas situações específicas presentes neste processo, tais como, a motivação, os preconceitos, o desnudamento da infertilidade, o segredo da adoção frente ao filho e aos outros, as características específicas na adoção de crianças maiores, o mito de que laços de sangue são mais verdadeiros, entre muitas e muitas outras. Diversos autores têm procurado mostrar a importância desta preparação e apoio (Andrei, 1977; Maldonado, 1995; Motta, 1997; Vargas, 1994; Weber e Cornélio, 1995 A; Weber, 1996). É preciso lembrar que, na verdade, esta "preparação" deveria acontecer também com quem deseja ter um filho biológico, mas isto ninguém cogita. O que é preciso deixar claro é que não existe nenhuma família perfeita (e como ela seria?!), mas, muitas vezes o tipo de escolha realizada pelos Serviços de Adoção sugere que todas as famílias devem ser ideais, esforçando-se para conseguir um filho perfeito para uma família perfeita. É claro que este tipo de atividade envolve uma enorme responsabilidade dos técnicos e o medo de errar deve ser muito grande. Justamente por isso é que acreditamos na preparação e conscientização antes da exclusão. Na maioria absoluta das vezes os candidatos à adoção não passam por uma "conscientização e apoio" frente à sua decisão, mas somente por um processo de cadastramento e seleção. Às vezes, percebe-se que esta "seleção" realizada pelos Serviços de Adoção é extremamente rígida, estereotipada e desmotivadora, assim como também pensa também Maldonado (1995, p.20):
“É muito importante que as pessoas que desejam adotar crianças se sintam ajudadas e apoiadas em sua busca, em vez de serem tão rigorosamente examinadas, controladas e fiscalizadas para que se determine se estão aptas ou não a receber a criança. Não existe a menor possibilidade de submeter os pais biológicos a esse exame vestibular para a paternidade e a maternidade: por que tanto rigor com os pais adotivos?”
Na maioria dos processos dos brasileiros e dos estrangeiros estava ausente a informação sobre como havia sido a preparação (ou se houve algum tipo de procedimento de apoio) aos adotantes. Os brasileiros foram orientados pelos técnicos do Juizado no decorrer das entrevistas, durante as quais houveram informações e esclarecimentos sobre os processos, foram investigados os motivos da decisão da adoção e investigadas as características da criança desejada.
De maneira bastante diferente, os processos dos estrangeiros mostraram que eles realmente passaram, em seu país de origem, por todo um processo de apoio, aconselhamento e preparação para a adoção, freqüentaram cursos, tiveram suporte técnicos, freqüentaram grupos de apoio com pais adotivos e/ou tiveram contato freqüente com literaturas acerca do assunto, o que parece ter modelado de forma bastante positiva os seus desejos.
CONCLUSÕES
Em relação ao Perfil do Adotante, os brasileiros eram brancos, católicos, possuíam curso superior, eram um pouco mais novos e estavam casados há menos tempo do que os estrangeiros desta amostra; todos os estrangeiros eram brancos, estavam divididos em católicos e protestantes e a maioria não possuía curso superior, apesar de seu nível sócio-econômico ser aproximadamente 50% superior ao dos brasileiros.
A maioria absoluta dos brasileiros e dos estrangeiros não possuíam filhos biológicos nem adotivos e o fato de não conseguirem ter filhos biológicos foi a principal motivação que os levou à adoção. Entretanto, apenas uma minoria pensava na adoção pela criança, sendo este um pensamento praticamente só existente entre os estrangeiros, o que nos leva a concluir que, infelizmente, a cultura da adoção ainda não faz parte das motivações para a adoção dos brasileiros.
Com relação à origem domiciliar dos pais adotivos brasileiros, constatou-se que a maioria residia no Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba e que a informação referente ao motivo de sua preferência por adotar em Curitiba não constava na maioria absoluta dos processos.
Os estrangeiros eram provenientes da Itália, Holanda e Suécia. A maioria já havia tentado adotar em outros países antes de procurar a criança no Brasil e, grande parte, colocou que o fato de já terem tido algum contato (geralmente de "ouvir falar") com o Brasil, motivou-os a requerer a adoção no Juizado de Curitiba.
Em relação à criança desejada, os brasileiros mostraram a preferência por crianças de perfil conhecido como "mais facilmente adotáveis": um bebê branco com idade máxima de 6 meses, perfeitamente saudável, só adotariam duas crianças de fossem dois bebês gêmeos e eram indiferentes em relação ao sexo. A criança adotada efetivamente pelos brasileiros foi um bebê branco e saudável ou com pequenos problemas de saúde, com até 6 meses de vida, com leve predominância do sexo masculino, havendo uma forte correlação entre o desejo e a criança que eles de fato adotam.
Entretanto, quanto à criança desejada, os estrangeiros mostraram-se disponíveis para a adoção de crianças acima de 4 anos, saudável, poderiam ser irmãos, e não fizeram escolhas sobre o sexo, a maioria absoluta aceitava uma criança parda e uma boa parcela (37%) aceitava uma criança negra. A criança adotada de fato pelos estrangeiros tinha idade acima de 5 anos, pardas ou negras, com leve predominância do sexo masculino e saudável ou com pequenos problemas de saúde (embora uma boa parcela, 36%, tenha adotado crianças com doenças físicas graves).
Parece evidente que os estrangeiros mostram-se mais flexíveis quanto às características das crianças, prevalecendo o desejo de serem pais e não o desejo de escolher seu filho, ficando implícito que as crianças de cor, com mais de 2 anos, grupos de irmãos só têm a chance de serem adotadas e de crescerem numa família, como lhes é garantido pelo ECA, se casais estrangeiros vierem habilitar-se aqui no Brasil ou, como foi colocado anteriormente, se houver uma atuação maior da sociedade civil (Associações de Apoio à Adoção) na preparação e acompanhamento dos adotantes e na conscientização da população em geral sobre aspectos básicos da adoção, seus limites e possibilidades.
No entanto, estranha-se o fato de que muitos bebês pardos (saudáveis e com pequenos problemas de saúde) foram adotados por estrangeiros, havendo uma demanda de brasileiros nestes casos. Assim, muitas das crianças que poderiam ter sidos adotadas por brasileiros e continuado a viverem em seu próprio país, só tiveram a chance de viver o direito de ser criado e educado no seio de uma família, como reza o Estatuto da Criança e do Adolescente, graças à adoção internacional e pela falta de preparação e conscientização das adoções necessárias (crianças com mais idade, de cor e com necessidades especiais) pelo próprio Serviço de Adoção do Juizado.
Com relação aos Aspectos Jurídicos constatou-se que a maioria absoluta dos processos dos estrangeiros foram intermediados por Entidades Conveniadas, sendo que a mais utilizada foi a Rete Speranza que representava casais provenientes da Itália. O tempo entre a habilitação dos postulantes à adoção e o recebimento da criança, variou entre dias e 2 anos na maioria dos processos (tanto dos brasileiros como dos estrangeiros). Pode-se perceber que as adoções de bebês de cor, com problemas físicos, ou mais com mais de 5 anos (no caso dos estrangeiros) foram finalizadas em um período de tempo menor (até 6 meses). Podendo-se dizer que a disponibilidade e as exigências em relação às características das crianças são fatores que interferem diretamente no período de tempo para finalização de um processo de adoção.
Em resumo, a análise dos dados desta pesquisa, revelou que tanto nas adoções nacionais quantos nas internacionais realizadas pelo Juizado da Infância e Juventude de Curitiba, a grande maioria das pessoas foram motivadas para uma adoção porque não conseguiram ter filhos do próprio sangue, estando em evidência ainda a Adoção Clássica (encontrar filhos para quem não os pode ter biologicamente) em detrimento da Adoção Moderna (encontrar pais para crianças abandonadas). No entanto, enquanto os brasileiros ainda estão totalmente na era antiga ou clássica da adoção, poderíamos dizer que os estrangeiros já estão numa era pré-moderna, ou seja, eles ainda são levados para a adoção porque não podem ter filhos biológicos, mas têm consciência que existem no mundo milhares de crianças de cor, com mais idade, com problemas, sem família e transformam estas crianças em seus filhos.
Outras pesquisas já mostraram que o argumento de muitos Serviços de Adoção dos Juizados do país sobre a existência de um número maior de pessoas para adotar do que crianças para adoção, e que as crianças não são abandonadas mas carentes é, no mínimo, polêmica. Existem sim, milhares de crianças institucionalizadas que, embora não sejam abandonadas de direito (seus pais ainda não foram destituídos do Pátrio Poder), estão abandonadas de fato, pois em sua maioria absoluta, nunca foram visitadas por sua família biológica após o internamento e passam anos (ou até atingir a maioridade) numa instituição (Weber e Kossobudzki, 1996; Weber, 1995 e 1996 B). Então, é possível afirmar que existem de fato um maior número de crianças disponíveis para adoção do que de pessoas com desejo de adotar, porém tais crianças não têm as características físicas idealizadas pelos adotantes inscritos nos Juizados. A situação fica estagnada porque os Serviços de Adoção dos Juizados, em sua maioria, não têm programas de preparação, de apoio, de suporte técnico aos adotantes ou de conscientização da população em geral, o que poderia fazer com que entrássemos na era da pós-modernidade em relação à adoção. São os grupos da sociedade civil que trabalham com afinco neste processo .
A partir dos dados obtidos através desta pesquisa foi possível identificar com clareza ao menos duas variáveis que determinam que os estrangeiros sejam mais abertos do que os brasileiros em relação à criança desejada. A primeira variável é legal e passa por todas as exigências das leis instituídas em nosso país sobre a adoção internacional, além daquelas estipuladas nos países de origem dos adotantes. Os estrangeiros sabem que devem ser flexíveis, mas este fato não impede que o seu desejo de terem um filho seja muito superior ao desejo de um filho idealizado, permitindo, portanto, as adoções especiais. A segunda variável nos parece de suma importância e trata-se da questão da preparação para a adoção. Enquanto no Brasil, a maioria dos candidatos inscritos nos Juizados somente passam por algumas entrevistas, os candidatos estrangeiros, geralmente intermediados por alguma Agência de Adoção Internacional, passam por uma preparação e conscientização muito mais profunda a respeito do processo adotivo. Talvez a mais significativa maneira para se conseguir trabalhar ou modificar uma motivação idealizada seja a participação de Grupos de Apoio, que têm o objetivo de preparar adotantes, acompanhar e apoiar (técnica e psicologicamente) famílias adotivas e promover a conscientização sobre as adoções necessárias, daquelas crianças que passam anos "depositadas" em uma instituição. Este movimento da sociedade civil em relação à adoção é muito recente no nosso país, porém tem começado a demonstrar uma força visível, mostrando que a adoção é uma experiência fascinante, mas é preciso um trabalho árduo contínuo para esta conscientização.
Poder-se-ia dizer que esta preparação é um dos fatores que contribuem para que os adotantes estrangeiros adotem mais freqüentemente crianças maiores de 5 anos, pardas e com problemas sérios de saúde? Na verdade, este parece ser um fator realmente essencial, embora diversas variáveis podem contribuir para que os adotantes estrangeiros sejam mais flexíveis quanto às características da criança. Talvez a longa espera pelo filho e os limites impostos pelas leis obriguem os estrangeiros a serem mais maleáveis, mas não resta dúvida que, a leitura e a reflexão sobre o tema e, especialmente, a participação em grupos de suporte e o apoio técnico, ajudam a colocar por terra os mitos e os preconceitos que envolvem a adoção, permitem a elaboração das próprias dificuldades e expectativas idealizadas, aumentam a compreensão e a solidariedade, abrem espaço no coração para a aceitação do diferente e, conseqüentemente, iluminam os caminhos para um genuíno envolvimento afetivo.
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