PROJETO ALERTA
Janaína Valéria de Mattos, a partir de relatório elaborado por Vera Lígia Westin para o Programa Gestão Pública e Cidadania.
Apoio:UNICEF
dicas@polis.org.br
Freqüentes acontecimentos envolvendo instituições destinadas ao abrigo de adolescentes infratores, como as FEBEMs, vêm demonstrando, que, considerando-se as características da infração cometida, é necessário buscar alternativas para a atenção ao adolescente ao qual se atribui a prática de ato infracional. Não se trata de ignorar a necessidade da existência de instituições destinadas à internação, mas sim de evitar a perversidade contida no tratamento indiscriminado, característico da internação, que, devido a inúmeros fatores, faz conviverem, no mesmo espaço, adolescentes que cometeram delitos leves, muitas vezes o primeiro, com outros que, apesar da tenra idade, já se caracterizam por grande periculosidade. Aprovado em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - enfatiza a situação peculiar da criança e do adolescente como pessoas humanas em desenvolvimento e propõe novos ditames para a atenção a adolescentes infratores, prevendo medidas sócio-educativas, que deveriam ser aplicadas de acordo à gravidade do delito cometido, assim como à trajetória infracional de cada adolescente. Algumas experiências vêm demonstrando que a aplicação das medidas sócio-educativas pelo município, pode resultar em maior eficácia, menos custos, humanização no atendimento e menores índices de reincidência na prática de delitos .
Um exemplo disso é o Projeto Alerta, iniciativa da Secretaria Municipal de
Assistência Social de Presidente Prudente-SP (177 mil hab.), cuja missão
é acompanhar adolescentes a quem se atribui a autoria
de ato infracional. Localizada a sudoeste do Estado
de São Paulo, próximo à divisa de Mato Grosso do Sul e Paraná, Presidente
Prudente é um pólo regional que tem no comércio, serviços, e na agropecuária, a
base de sua economia. Além da população residente há um contingente flutuante
de cerca de 30 mil universitários de várias regiões do País, que estudam nas
três universidades existentes na cidade.
O Projeto Alerta foi iniciado em 1997, estabelecendo um convênio entre o
governo estadual, representado pela FEBEM e pelo Conselho Estadual de Direitos
da Criança e do Adolescente, e o municipal, através da Secretaria Municipal de
Assistência Social. O convênio prevê a aplicação, pelo município, das medidas
de Prestação de Serviços à Comunidade e Liberdade Assistida, duas das seis
medidas propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
A municipalização permitiu privilegiar os aspectos pedagógicos no tratamento
oferecido aos adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa. Além da
educação fundamental, são oferecidas pela secretaria: o PET - Programa de
Educação para o Trabalho, desenvolvido pelo SENAC, com metodologia
especialmente desenvolvida para atender a jovens de baixa renda, um curso de
informática básica em laboratório específico do projeto, além de cursos na área
de esportes, idiomas, etc, oferecidos em instituições comerciais.
Fazendo valer uma Lei, já existente no município, de isenção de ISS quando há
destinação de bolsas para crianças e adolescentes de baixa renda, o município
conseguiu suporte econômico para essas atividades.
As ações implementadas buscam a ressocialização de
jovens autores de atos infracionais,
proporcionando-lhes condições para um desenvolvimento integral, promovendo seu
retorno à escola, sua iniciação profissional e o envolvimento das famílias no
acompanhamento da trajetória de vida de seus adolescentes.
O principal objetivo do Projeto Alerta é fazer cumprir as medidas previstas pelo ECA, promovendo uma mudança de mentalidade e,
principalmente, das práticas adotadas para a atenção ao adolescente infrator. O
projeto se propõe a receber, orientar, acompanhar e proporcionar meios para que
os jovens em medida sócio-educativa possam buscar novos caminhos para a
construção de um projeto de vida que permita romper com a trajetória infracional. A expectativa é a de que a
aplicação das medidas sócio-educativas possam diminuir o número de
internações, o que de fato vem ocorrendo no município, impedir reincidências e
prosseguimento na prática de delitos, mudando a trajetória social e pessoal dos
adolescentes. Para que isso aconteça, a proposta pedagógica exerce papel
fundamental na aplicação das medidas, tendo como eixos de intervenção a
família, a escola e a comunidade.
FUNCIONAMENTO
Os adolescentes são convocados pela equipe do Projeto após o encaminhamento do
Juizado da Infância e da Adolescência. Para o primeiro encontro é sempre
necessário que venha acompanhado dos pais ou responsáveis.
A equipe então recebe, orienta e interpreta a medida para cada caso, explicando
ao adolescente e a seus acompanhantes o que significa
a aplicação da medida, quais são as regras e obrigações a serem obedecidas no
cumprimento, bem como as atividades que são oferecidas dentro da proposta
pedagógica.
A medida de prestação de serviços tem o caráter de reparação do dano, e
normalmente é cumprida em atividades que tenham repercussão junto à sociedade.
Deve ser fixada pelo prazo máximo de seis meses, e prevê o comprometimento de
oito horas semanais para o cumprimento da medida,
distribuídas de acordo à situação do adolescente. Os jovens são
consultados quanto a suas preferências e habilidades para o trabalho, que
servirão de orientação para sua colocação no ainda restrito rol de opções de
entidades que atuam em parceria com a SMAS. Na maioria dos casos, são encaminhados para o atendimento ao público do pronto socorro na
Santa Casa, , ou para a chamada Casa de Passagem, destinada ao abrigo de
migrantes, itinerantes e homens de rua. O encaminhamento é feito através de
carta entregue pelo próprio interessado. O controle de presença é diário, feito
pela entidade na qual o adolescente presta serviços, e
é encaminhado para a coordenação do Projeto mensalmente. Contatos
extraordinários são realizados quando se faz necessário.
A liberdade assistida é fixada pelo prazo mínimo de seis meses e prevê o acompanhamento
semanal da vida social dos adolescentes em cumprimento da
medida, sua trajetória e comportamento nas atividades sócio-educativas
que freqüenta e do seu relacionamento familiar, escolar e social mais amplo.
Como obrigações, o adolescente deve fazer uma visita semanal à sede do Projeto
e freqüentar a escola formal. São também incentivados a participar de outras
atividades oferecidas pela secretaria, principalmente em algum dos cursos
profissionalizantes ou de iniciação para o trabalho.
A família é a principal referência para o Projeto, sendo chamada a participar
de reuniões mensais, de grupo, ou às convocações para entrevistas individuais
extraordinárias que porventura vierem a receber. Esses encontros mensais são
realizados com a finalidade de orientar os pais sobre diversos aspectos,
conhecer o ambiente familiar do adolescente e dar apoio psicológico às famílias
para que possam melhor acompanhar os filhos no seu cumprimento de medida
sócio-educativa. Dependendo do caso, essas famílias, pais e irmãos, são
inseridas em outros projetos sociais do município, como Programa de Renda
Mínima, garantindo cestas básicas e renda mínima para as famílias mais
carentes, Projeto Criança Cidadã, que oferece atividades culturais, esportivas
e recreativas a crianças até 14 anos, buscando favorecer a permanência na
escola; e Projeto Jovem Cidadão, voltado ao adolescente acima de 14 anos em
situação de risco social, oferecendo qualificação profissional. Essas ações
voltadas para as famílias buscam proporcionar-lhes melhores condições para que
ajudem no processo de reeducação social do adolescente infrator.
RECURSOS
O Projeto Alerta é financiado com recursos da Prefeitura e da FEBEM. Além de
recursos financeiros, a FEBEM aporta treinamento permanente para a equipe de profissionais.
São atendidos em média 70 adolescentes por mês. O custo mensal médio per capita é de R$ 125, e contempla o pagamento dos
funcionários da equipe, material de escritório e pagamento dos convênios
firmados com as instituições que oferecem cursos profissionalizantes, como o
SENAC. O programa do SENAC busca estimular a reflexão sobre as exigências da
organização atual do trabalho e promover o ingresso e permanência em segmentos
ascendentes do mercado de trabalho de comércio e serviços, principais atividades
econômicas do município de Presidente Prudente. A secretaria mantém também um
convênio com a entidade SOS, de origem filantrópica, que desenvolve Projeto
próprio com adolescentes autores de atos infracionais,
mas que não estão em cumprimento de medida sócio-educativa, e que oferece
cursos de preparação para o trabalho.
O Ministério Público, na pessoa do Promotor, tem patrocinado e participado, em
conjunto com a equipe da SMAS, de diversos eventos voltados para o
convencimento e a obtenção de adesão por parte da comunidade, tanto para o
acolhimento dos jovens em prestação de serviços, como para sua inclusão em
atividades esportivas, culturais e de lazer.
Para a educação formal, a parceria com a Secretaria de Educação garante aos
jovens do Projeto prioridade no acesso a vagas nas séries correspondentes. A
equipe do Alerta é formada por cinco funcionários exclusivos: uma assistente
social, um psicólogo, duas estagiárias em assistência social e um escriturário.
Para a acolhida dos adolescentes, o Projeto ocupa uma sala na sede da
Prefeitura.
DIFICULDADES
O maior desafio é promover a participação da comunidade, na forma de trabalho
voluntário, assim como a adesão de entidades que se disponham a oferecer espaço
para os jovens em cumprimento da medida de prestação de serviços. A falta de
entendimento da comunidade quanto à necessidade de mudança de rumos e modelos
para o tratamento da questão faz com que adolescentes infratores ainda sejam
considerados problema de polícia, e a internação, segundo esses critérios, a
única solução possível. A mudança de mentalidade é uma tarefa difícil e requer
tempo e trabalho. A Secretaria de Ação Social está buscando recursos junto ao
Ministério da Justiça com o objetivo de formar agentes comunitários para a
difusão da experiência junto à sociedade. Também estão tentando obter a adesão
da Central de Voluntários em Ação de Presidente Prudente para a formação de
orientadores que possam acompanhar os adolescentes em liberdade assistida no
seu convívio comunitário, a exemplo do que ocorre em Belo Horizonte (DICAS
142). Pretende-se, ainda, ampliar o número de entidades cadastradas para a
prestação de serviços, o que também depende de um intensivo trabalho de
sensibilização.
RESULTADOS
O Projeto Alerta vem obtendo excelentes resultados no acompanhamento de
adolescentes que cometeram atos infracionais, através
da aplicação das medidas sócio-educativas como a liberdade assistida e a
prestação de serviços à comunidade. Em 1998 foram atendidos
139 adolescentes e registrado apenas um caso de reincidência. Atualmente
a cidade não tem nenhum adolescente internado na FEBEM.
Há poucos casos de evasão de adolescentes que estão cumprindo medida
sócio-educativa e há boa participação também das famílias.
Os cursos profissionalizantes e as atividades culturais, esportivas e de lazer
têm favorecido a reinclusão de jvoens
atendidos. Tais atividades, em muitos casos, se realizam em espaços públicos ou
comerciais que os adolescentes não se sentiam no direito de freqüentar. Desta
forma, o cumprimento da medida ajuda a recuperar a auto-estima e a incorporar o
direito de acesso aos serviços da comunidade.
O Alerta também permitiu uma mudança no modelo adotado pela SOS, entidade
parceria que já atendia adolescentes autores de atos infracionais
no municípios, mas colocava-os para trabalhar em
entidade privada, onde recebiam remuneração aviltante pelo trabalho prestado.
Na sua parceria com o Projeto Alerta, a SOS ajustou sua forma de atuação às
novas regras e princípios propostos pela Secretaria de Ação Social, em sintonia
com a filosofia do ECA. Atualmente a SOS oferece
cursos de iniciação para o trabalho, superando abordagens puramente repressivas
no tratamento oferecido ao adolescente autor de ato infracional.
Apontam ainda para uma ação mais abrangente, envolvendo diferentes setores da
sociedade.
Os resultados obtidos pelo Projeto demonstram também que, na maioria dos casos,
é possível ao adolescente romper com a prática de delitos e, sobretudo, ser
capaz de estabelecer um novo projeto de vida, vivendo integralmente sua
liberdade, sem oferecer riscos para a sociedade como um todo.
O Projeto Alerta foi um dos 20 finalistas do 4º ciclo de premiação do Programa
Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta das fundações Getulio Vargas e
Ford, e apoio do BNDES.
Extraído de www.pólis.org.br