O ABORTO: UM RESGATE HISTÓRICO E OUTROS DADOS

 

 

Néia Schor

 

Augusta T. de Alvarenga

 

 

Resumo: Preocupados com os resultados recentes de pesquisas brasileiras sobre complicações após aborto, que indicam um crescente aumento no número desses eventos, além de registrarem uma alta incidência dos mesmos entre adolescentes, os autores propõem-se a analisar, neste trabalho, a prática do aborto sob uma ótica histórica, como um subsídio para se "repensar"a questão em futuras políticas de saúde no Brasil. Apresentam, para tanto, enfoques médicos, religiosos, políticos, legais, sociais, econômicos e culturais sobre a questão do aborto, esposados pelos povos, desde as antigas civilizações, orientais e ocidentais, até os dias de hoje - todos eminentemente ditados por fatores econômicos, dependentes, obviamente, da facção que estivesse no poder em determinado contexto histórico. É apresentada, também, a legislação brasileira sobre o assunto.

Palavras-chave: aborto, ótica histórica, saúde da mulher.

 

Introdução

 

Este trabalho tem como objetivo trazer à tona alguns dados históricos a respeito da questão da prática do aborto, analisando-a sob a ótica das várias civilizações e religiões que ajudaram a compor a história do mundo.

 

O universo pesquisado foi de 2.588 mulheres carentes, apresentando complicações pós-aborto que procuraram o Hospital Municipal de Santo André no município da Grande São Paulo, no período de janeiro de 1978 a dezembro de 1982.

 

As conclusões mais marcantes foram a duplicação do número de abortos atendidos pelo serviço, na proporção de 1 aborto para 3,6 partos para 1 aborto para 1,8 partos, em 1978 e 1982 respectivamente e grande incidência do evento entre adolescentes(SCHOR, 1985).

 

Dados como esses - concretos e expressivos - parecem levar a certo tipo de reflexão até mesmo óbvia: em que medida o aparente descaso por parte de autoridades médicas e governamentais em relação à questão da prática do aborto não está, de certa forma, contribuindo para o agravamento do problema?

 

Seguindo essa linha de raciocínio, estaríamos abrindo espaço para discussões em torno das políticas de: planejamento familiar; saúde reprodutiva; controle da natalidade; qualidade de assistência à mulher; qualidade de vida da população e, por que não dizer, da polêmica questão da liberdade da mulher em relação ao seu próprio corpo. De uma forma ou de outra, sabe-se que o aborto é praticado no Brasil: nas populações carentes ou abastadas, em meio a boas condições de higiene ou não, entre mulheres jovens ou maduras. Até que ponto não estaríamos funcionando apenas como mero observadores de uma escalada que pode trazer conseqüências graves para a vida afetiva, biopsíquica e social de uma população feminina que vem sendo engrossada dia após dia?

 

O aborto como prática social e questão de saúde

 

Ao analisarmos a questão do aborto no Brasil de hoje não devemos nos desvincular de todo o conhecimento que se tem sobre o assunto em termos mundiais. Embora não seja possível abarcar todas as nuances que o tema comporta, vamos nos deter aqui nos principais trabalhos realizados a partir de 1960, com o objetivo de verificar como a questão do aborto vem sendo tratada ao longo dessas décadas.

 

A partir da tese de LIMA (1965), um marco nas pesquisas junto a escolas médicas, foi mostrada a incidência do aborto como responsável por inúmeras mortes hospitalares. Assim, esta prática - e suas conseqüências - eram vistas como problemas de saúde pública, requerendo atenção médica especial, além de propiciar a ocupação, a alto custo, de leitos hospitalares.

 

Para CANESQUI (1982), que analisou a constituição da política de planejamento familiar no Brasil, o aborto constituía um problema universal, que afetava a saúde pública e provocava a desintegração da família gerando problemas de diferentes ordens à mulher.

 

Várias vezes, em pesquisas realizadas em nosso país, o aborto foi associado a crime e doença, transformando-se num problema médico-social que incidia principalmente na faixa de mulheres entre 25 e 29 anos.

 

As principais causas desse estado de coisas estariam relacionadas, segundo uma gama variada de análises, com o atraso cultural, a falta de educação sexual, a paternidade "irresponsável" e a ignorância do uso de métodos anticoncepcionais.

 

Pelos diferentes aspectos que encerra, sabe-se hoje que somente a atenção médica não reduz a ocorrência dessa prática social do aborto provocado, uma vez que vários fatores estão presentes na sua ocorrência e no processo de atendimento à questão. Como saída geral mais relevante e mais eficaz, estaria a colocação em prática de uma efetiva política de planejamento familiar ou reprodutivo onde a mulher, vista na sua totalidade, lançaria novos elementos à análise do problema.

 

Para HUTCHINSON (1964), o aborto está situado entre os vários tabus que podem povoar uma sociedade, constituindo motivo de vergonha em alguns meios, sobretudo entre as classes mais altas. Entretanto, para ele, a prática do aborto como método limitador da família não é exclusiva de nenhum grupo econômico ou social.

 

Em relação à magnitude do problema como questão de saúde pública NAKAMURA & BARRETO (1979), citam que, entre 2800 mulheres entrevistadas, 15% delas já tiveram histórico de aborto espontâneo ou provocado. Além disso, constataram que a incidência do aborto é predominantemente maior nas áreas urbanas, numa proporção 2:1 em relação às áreas rurais, conforme os dados seguintes:

 

·                     São Paulo (município) - 15%

 

·                     Outras áreas urbanas - 13,5%

 

·                     Áreas rurais - 7%

Corroborando esses dados FARIAS (1972) revela que entre 1697 mulheres pesquisadas no decorrer de 3 meses, num hospital de Salvador, 21% registraram complicações pós-aborto. Também RICE-WRAY (1964) cita que para cada 1000 partos encontrou 233 mulheres tratadas por complicações pós-aborto. Vale destaque a pesquisa realizada por NEME et al. (1975), abrangendo o período 1944-1962, cujos dados demonstram que das 5500 complicações de gravidez ou parto, um terço estava relacionado com complicações pós-aborto.

 

Em termos de Brasil calcula-se, na atualidade, que sejam praticados 2,5 milhões de abortos por ano, o que equivaleria a um total de 6850 abortos por dia, 285 por hora e 5 por minuto1, 20, 21.

 

Esse valor adquire grande significado para o campo da saúde quando se observa as complicações mais freqüentes, tais como: infecção pélvica, hemorragia e choque séptico. Deve-se considerar igualmente que o aborto provocado pode afetar a mulher e as gestações subseqüentes (prematuridade, gravidez ectópica, abortamento espontâneo, baixo peso ao nascer). Com a repetição do número de abortos praticados os riscos se acentuam, trazendo não só implicações de ordem orgânica, mas também social, econômica e psíquica.

 

Entre as conseqüências de ordem orgânica, podemos citar até mesmo o risco da infecundidade. Entre os casos de infecção puerperal, sabe-se que 60% deles são ocasionados por aborto provocado (choque septicêmico) (NEME et al., 1975).

 

Outro dado marcante diz respeito aos óbitos maternos em 10 cidades latino-americanas: 34% das mortes são provocados por aborto. No Chile, por exemplo, a taxa percentual varia de 30% a 41% no que diz respeito aos óbitos maternos registrados1,7,18,20,25.

 

Do ponto de vista social a prática do aborto está relacionada, além de processos gerais, com uma série de processos particulares que vão desde as dificuldades de sobrevivência da mulher ou da família em meio a uma urbanização desenfreada, à carência de programas educativos e de planejamento reprodutivo, à alta do custo de vida, além de outros. Neles residem as possibilidades da mulher procurar o aborto como meio de terminar uma gravidez indesejada ou "impossível" de ser levada a cabo pela precariedade de sua situação pessoal ou de condição de vida.

 

A questão do aborto entre as adolescentes constitui um capítulo à parte no universo relacionado a essa prática. É fato que hoje em dia as adolescentes apresentam um início de vida sexual mais precoce. Num país desenvolvido como os Estados Unidos sabe-se que 50% das jovens são sexualmente ativas e que destas, 50% não usam métodos contraceptivos. Na Inglaterra e País de Gales (1978), cerca de 3% do total de abortos praticados referem-se a jovens menores de 16 anos, e destas, 50% procuraram os serviços públicos (ALTON, 1979 & AMIRIKIA, 1980). O que dizer, então, de um país como o Brasil, marcado pelo analfabetismo e pela falta de informação na área?

 

Um acompanhamento histórico da questão

 

Num país em que não raras vezes crimes de pequeno, médio ou grande porte deixam de ser julgados e, consequentemente, punidos - pela concorrência dos mais diversos fatores, tais como, falta de provas, ineficiência dos sistemas policiais e/ou jurídicos, interesses "ocultos", não haverá de ser diferente em relação à prática do aborto, considerada ilegal pelo atual Código Penal, em vigor desde 1940. Segundo Decreto-Lei no 2848, de 7 de dezembro de 1940 (artigos 124 a 127), somente duas modalidades de aborto não são puníveis: o aborto terapêutico - feito como tentativa de salvar a vida da gestante - e o aborto sentimental - decorrente de gravidez por estupro(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 1965; FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS,1980 e HODJA, 1979).

 

Ainda que no Brasil, o aborto, essa prática clandestina por excelência, carregue a marca da reprovação, certamente não terá sido assim no decorrer da história da humanidade. Sabe-se que desde os povos da antiguidade este era difundido entre a maioria das culturas pesquisadas. O imperador chinês Shen Nung cita em texto médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio.

 

Na antiga Grécia, o aborto era preconizado por Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas. Por sua vez, Platão opinava que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos e para preservar a pureza da raça dos guerreiros. Sócrates aconselhava às parteiras, por sinal profissão de sua mãe, que facilitassem o aborto às mulheres que assim o desejassem(FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS, 1980). Já Hipócrates, em seu juramento, assumiu o compromisso de não aplicar pressário em mulheres para provocar aborto (HODJA,1979).

 

Entre os Gauleses, o aborto era considerado um direito natural do pai, que era o chefe incontestável da família, com livre arbítrio sobre a vida ou a morte de seus filhos, nascidos ou não nascidos (FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS, 1980). O mesmo ocorria em Roma, onde o aborto era uma prática comum, embora interpretada sob diferentes ópticas, dependendo da época. Quando a natalidade era alta, como nos primeiros tempos da República, ela era bem tolerada. Com o declínio da taxa de natalidade a partir do Império, a legislação se tornou extremamente severa, caracterizando o aborto provocado como delito contra a segurança do Estado (CABANELLAS, 1945).

 

O livro do Êxodo cita que, dentre os povos hebreus, era multado aquele homem que ferisse mulher grávida, fazendo-a abortar. Esse ato de violência obrigava aquele que ferisse a mulher a pagar uma multa ao marido desta, diante dos juízes; se, porém, a mulher viesse a morrer em conseqüência dos ferimentos recebidos aplicava-se ao culpado a pena de morte.

 

Ainda que a regra geral se voltasse para a severidade legal, que punia a mulher com o exílio ou com castigos corporais extremados, na prática imperava quase sempre a impunidade. Com o advento do Cristianismo, entretanto, o aborto passou a ser definitivamente condenado, com base no mandamento "Não matarás". Essa posição é mantida até hoje pela Igreja Católica mas, ao contrário do que se possa pensar, ela não foi tão uniforme ao longo dos anos. Interesses políticos e econômicos contribuíram para que isso acontecesse.

 

São Tomás de Aquino, com sua tese da animação tardia do feto, contribuiu para que a posição da Igreja com relação à questão fosse mais benévola do que nos dias de hoje (HODJA, 1979).

 

No Século XIX, o aborto expandiu-se consideravelmente entre as classes mais populares, em função do êxodo crescente do campo para a cidade e da deterioração de seu nível de vida. Isso certamente constituía uma ameaça para a classe dominante já que representava um decréscimo na oferta de mão-de-obra barata, tão necessária para a expansão das indústrias. Na classe alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte repressão sexual sobre seus próprios membros e a prática do aborto, embora comum, era severamente condenada (CABANELLAS, 1945 e FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS, 1980).

 

Hoje em dia torna-se mais e mais comum que o número de defensores da prática livre do aborto venha crescendo respaldados em razões de ordem econômica, política, social e demográfica muito embora, em função de contextos históricos, a questão possa apresentar-se controversa e ambígua.

 

Alguns acontecimentos históricos, no início deste século, ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que regiam a questão do aborto e são explicitadoras dessas diferentes ordens de motivos que fundamentam concepções e políticas a respeito.

 

Com a Revolução de 1917, na União Soviética, o aborto deixou de ser considerado um crime naquele país, tornando-se um direito da mulher a partir de decreto de 1920. Processo inverso aconteceu em alguns países da Europa Ocidental, sobretudo aqueles que sofreram grandes baixas durante a Primeira Guerra Mundial, que optaram por uma política natalista, com o endurecimento na legislação do aborto. Como exemplo, podemos citar a França, que introduziu uma lei particularmente severa no que diz respeito não só à questão do aborto, mas também quanto aos métodos anticoncepcionais (FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS, 1980 e POPULATION REPORTS,1981).

 

Com a ascensão do nazifacismo, as leis antiabortivas tornaram-se severíssimas nos países em que ele se instalou, com o lema de se criarem "filhos para a pátria". O aborto passou a ser punido com a pena de morte, tornando-se crime contra a nação, a exemplo do que ocorreu em certo momento no Império Romano.

 

Após a Segunda Guerra Mundial, as leis continuaram bastante restritivas até a década de 60, com exceção dos países socialistas, dos países escandinavos e do Japão (país que apresenta lei favorável ao aborto desde 1948, ainda na época da ocupação americana) (FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS, 1980; POPULATION REPORTS,1981 e TIETZE, 1979).

 

A partir dos anos 60, em virtude da evolução dos costumes sexuais, da nova posição da mulher na sociedade moderna e de outros interesses de ordem político-econômica, a tendência foi para uma crescente liberalização. Acentuou-se na década de 70 e as estatísticas revelam que, em 1976, 2/3 da população mundial já viviam em países que apresentaram as leis mais liberais, mais da metade delas foi aprovada nesta última década.

 

Mas, há também casos de países que voltaram às leis anteriores, como aconteceu com a Romênia, Bulgária e Hungria (razões de ordem demográfica) e com Israel (motivos político-religiosos).

 

Se fôssemos traçar um quadro indicador das relações entre os diversos países do mundo e o tratamento dado à questão do aborto, teríamos(FRENTE DE MULHERES FEMINISTAS,1980; HODJA,1979; MHANGO & GRECH,1979 e POPULATION REPORTS,1981):

 

·                     o aborto é realizado por meio de simples solicitação - 35%

 

·                     o aborto é realizado por razões de ordem social - 24%

 

·                     o aborto é realizado por razões de ordem médica, eugênica ou

 

·                     humanitária - 20%

 

·                     o aborto é realizado para salvar a vida da mãe - 13%

 

·                     o aborto é totalmente proibido - 4%

 

·                     situação desconhecida - 4%

 

As situações apresentadas por TIETZE (1981) e BARRON (1952) não diferem muito do que se observou no quadro acima.

 

Aspectos jurídicos

 

O Código Penal, que atualmente vigora em nosso país, data de 1940 e é o terceiro existente no Brasil. Os dois primeiros, de 1830 e 1890, eram bem mais rigorosos que o atual, não prevendo a exceção do aborto para salvar a vida da mãe ou em caso de gravidez decorrente de estupro, conforme se tem hoje. Segundo o Código Penal hoje em vigor, estas duas modalidades de aborto previstas por lei só podem ser praticadas por médicos; o auto-aborto é punido, teoricamente, da mesma forma que o praticado por terceiros, sendo menor a pena para o primeiro (detenção de 1 a 3 anos, de acordo com o artigo 124).

 

Quanto ao aborto provocado por terceiros, as penas diferem quando há consentimento da gestante, sendo a pena de reclusão de 1 a 4 anos no primeiro caso e de 3 a 10 anos no segundo. Em caso de haver lesões corporais graves na gestante, ou mesmo sua morte, as penas podem ser aumentadas de um terço, ou duplicadas.

 

Continuam proibidos em nossa legislação os casos de aborto por incesto ou eugênico.

 

Aspectos da ética médica

 

O Código de Ética Médica foi elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, em cumprimento ao artigo 30 da Lei no 3.268/57 e publicado em 11 de janeiro de 19658.

 

O artigo 54 do Código de Ética impõe ao médico que não provoque aborto, salvo exceções referidas no artigo 128 do Código Penal (HODJA, 1979). Para realização do aborto, nestes casos, o médico deverá primeiramente consultar em conferência dois colegas, lavrando a seguir uma ata em três vias. Uma será enviada ao Conselho Regional de Medicina (CRM); outra, ao diretor clínico do estabelecimento onde será guardada pelo médico ao qual foi confiada a internação.

O Código de Processo Ético-Profissional para os conselhos de medicina estabelece no capítulo III, referente às penalidades, mais especificamente em seu artigo 60, que as penas disciplinares aplicáveis pelos conselhos regionais a seus membros podem ser de diferentes graus:

 

·                     - advertência confidencial em artigo reservado;

 

·                     - censura confidencial em aviso reservado;

 

·                     - suspensão do exercício profissional até 30 dias;

 

·                     - cassação do exercício profissional "ad referendum" do Conselho Federal.

 

 

Aspectos religiosos

 

Catolicismo

 

Baseadas no mandamento "Não matarás", as diversas religiões cristãs condenam a prática do aborto, ainda que a interrupção da gravidez se dê por razões de ordem terapêutica ou sentimental. Em fins do século passado interrompeu-se a discussão em torno da animação tardia do feto e atualmente a Igreja apresenta restrições quanto à prática do aborto terapêutico como caminho para se salvar a vida da mãe. Ou seja, condena todo tratamento que vier atentar diretamente contra a vida do feto, embora não condene conseqüências indiretas - a morte do feto, por exemplo - que este tipo de encaminhamento possa ter causado (HODJA, 1979 e MILANESI, 1968).

 

Igrejas protestantes

 

A postura das igrejas protestantes em geral (batista, luterana, metodista, presbiteriana, episcopal e unitária) parece ser um pouco menos rígida que a da igreja católica, uma vez que admite o aborto terapêutico, embora jamais encare o aborto como método de controle da natalidade. De qualquer forma, dá-se grande importância à vida da mãe, devendo a questão ser resolvida entre médico, pastor e paciente.

De acordo com LADER (1966), os unitários-universalistas foram aquela facção da igreja protestante que mais ousou em relação à questão: em 1963 já defendia a legislação do aborto em caso de perigo físico ou mental para a mãe, gravidez resultante de estupro ou incesto, defeito físico ou mental da criança que está para nascer ou quando existirem (o que abre a possibilidade de solução para vários casos individuais).

 

Igreja judaica

 

O judaísmo tem apresentado uma postura mais flexível no que diz respeito à questão do aborto, provavelmente por apresentar concepções teológicas diferentes em relação à alma e ao "pecado original". Para os judeus, o feto só se transforma em ser humano quando nasce e em pessoa um mês após o nascimento. Além disso, o fato de não existir uma autoridade máxima ditando todas as regras de conduta faz com que os judeus possam ter liberdade sobre sua própria consciência (HODJA, 1979 e MILANESI, 1968).

 

O aborto como questão em aberto: a urgência da discussão na sociedade brasileira

 

Diante dessa gama variada de aspectos que envolvem não somente questões de natureza ética, política e religiosa, por um lado, mas também sócio-econômicas, psicológicas e, sobretudo, de saúde pública, por outro, é que o aborto coloca-se como problema cuja existência concreta não pode ser ignorada na atualidade exigindo uma ampla discussão pela sociedade brasileira.

 

Tal discussão deverá oferecer diretrizes gerais ao estabelecimento de uma política social e de saúde para o setor que contemple, não somente, as implicações dessa prática em termos concretos, mas também, as questões de natureza ético-jurídicas que permitam ao campo da saúde implementar, de fato, uma política de assistência capaz de atender às necessidades da Saúde Reprodutiva da Mulher de modo integral e desmistificada.

 

 

 

 

 

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