Sentença:  VISTOS E EXAMINADOS ESTES AUTOS DE AÇÃO SÓCIO-EDUCATIVA (REPRESENTAÇÃO),  SOB N.° 00/00, EM QUE É AUTORA A JUSTIÇA PÚBLICA e REPRESENTADOS FULANO BRAZUCA, CICLANO BRASILEIRO e BELTRANO BRASIL.

 

 

                                               A Justiça Pública através de seu representante promoveu a presente representação contra FULANO BRAZUCA, CICLANO BRASILEIRO e BELTRANO BRASIL, todos qualificados na exordial e na peça complementar de fls. 95/96, menores respectivamente com 17 anos de idade (nascido em 07.3.78), com 15 anos de idade (nascido em 05.5.80),  com 17 anos de idade (nascido em 15.3.78), tudo à época do fato descrito na representação; ficando todos incursos , em tese, nas sanções do artigo 157, § 3° (segunda parte) do Código Penal, c.c. os artigos 103 e 112 da Lei n.° 8069/90.

 

Narra a representação que:

 

“Consta dos autos que no dia 03 de março de 1996, por volta das 23:00 horas, no interior de um táxi, no Trevo da Patrola, nesta cidade, os ora representados, previamente combinados, e com unidade de desígnios, tentaram subtrair dinheiro de Estilio José Lourenço de Andrade - motorista de praça -, mediante grave ameaça e violência, da qual resultou a morte da vítima.

Segundo o apurado, os representados reuniram-se na casa da namorada de Ciclano, e então acordaram de praticar roubo contra o motorista de táxi, sendo que Ciclano municiou-se com um revólver e Beltrano com uma faca.  Ao depois, dirigiram-se a um ponto de táxi situado na rodoviária velha, e contrataram uma corrida com o taxista que estava no começo da fila, dizendo que pretendiam ir ao Trevo da Patrola, e quando se aproximaram do referido Trevo, Ciclano (que estava sentado no banco atrás do motorista) sacou a arma que portava, encostou-a na cabeça do motorista e pediu-lhe dinheiro, garantindo-lhe que nada aconteceria; instintivamente o motorista reagiu, e foi alvejado com um tiro na cabeça, vindo a falecer”.

 

                                               Os  representados Fulano e Ciclano foram internados provisoriamente, face a decisão de fls. 22, quando ainda não havia representação contra os mesmos e nem contra o adolescente Beltrano.

 

                                               Recebida as representações as fls. 28 e 117, seguiram-se as apresentações dos menores em companhia de seus respectivos pais ou responsáveis (fls. 118/124), com a posterior apresentação das  defesas prévias as fls. 127/130, e complementação do rol de testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 131).

                                              

                                               Na oportunidade da decisão de saneamento, restou decretado o internamento provisório do adolescente Beltrano; designada audiência em continuação; e determinada a realização de estudo social (fls. 133/134).

 

                                                                       Juntados os respectivos estudos sociais as fls. 146/152, ocorreu a audiência em continuação quando foram colhidos os depoimentos de sete testemunhas de acusação e sete arroladas pela defesa (fls. 161/175).

 

                                               Manifestaram-se as partes em razões finais, através de memoriais.

 

                                               Pelo Dr. Promotor de Justiça, após tecer considerações sobre a autoria e materialidade do ato infracional em pauta,   e também sobre a personalidade dos representados, restou requerida a aplicação da medida sócio-educativa consistente na internação (art. 112, VI, do ECA) aos representados Ciclano Brasileiro e Beltrano Palauro, e aplicação da medida sócio-educativa consistente na liberdade assistida (por seis meses) ao representado Fulano Brazuca (fls. 176/183).

                                  

                                               A defesa dos adolescentes Fulano Brazuca e Ciclano Brasileiro, em suma, comenta que a intenção dos menores era somente de arranjar dinheiro e instintivamente, face a reação da vítima,  Ciclano puxou o gatilho e acabou por ferir fatalmente a vítima, e em seguida, tece considerações sobre o estudo social realizado e sobre o teor dos depoimentos testemunhais, culminando em requerer a absolvição dos representados (fls. 184/186).

 

                                               Por sua vez, a defesa do representado Beltrano Brasil manifestou não ficou caracterizado nos autos a participação do representado no delito ocorrido, fazendo comentários sobre os fatos e a personalidade do ora representado; e,  sobre a aplicação da “pena”, cita o princípio in dubio pro reo o as regras do artigo 29 e  § 2º do mesmo artigo do CP; a final, requer a absolvição do representado, ou, se não for este o entendimento, a aplicação da medida de liberdade assistida, e não internação (fls. 187/193).

 

                                               É O RELATÓRIO. PASSO A DECIDIR.

 

                                               Relatam os autos que, no dia 03 de março  de 1996, por volta das 23:00 horas, os adolescentes Fulano Brazuca, Ciclano Brasileiro e Beltrano Brasil, dirigiram-se até o ponto de táxi localizado no prédio da rodoviária antiga e solicitaram uma corrida de táxi com o primeiro taxista que se encontrava na fila, o Sr. Estilio José Lourenço de Andrade, dizendo que pretendiam ir até o Trevo da Patrola, e lá chegando o adolescente Ciclano disse ao motorista que se tratava de um assalto e encostou o revólver na cabeça do taxista, mas este reagiu e assim o menor detonou a arma, desferindo um tiro na cabeça da vítima que veio a falecer posteriormente.

 

                                               Consta, assim,  que os menores tentaram praticar o ato infracional consistente em roubo, mediante grave ameaça e violência, o qual resultou na morte da vítima.

           

                                               A  materialidade  do ato infracional atribuído aos adolescentes  apóia-se no  Laudo de Exame de Necrópsia de fls. 38.   Entendo também que existem provas suficientes indicando a autoria do ato infracional por todos os representados em apreço (artigo 114 do ECA).

 

                                               Portanto, diga-se, desde já, que a autoria compete aos menores Fulano, Ciclano e Beltrano, considerando que os dois primeiros são confessos, além de a confirmar a prova produzida.

 

                                               Os representados Fulano e Ciclano, confessaram a prática do ato infracional, e ambos, sem hesitação, afirmam que Beltrano, ora co-representado, tinha pleno conhecimento do assalto, considerando que tudo foi planejado com antecedência (na casa de Roseli, namorada de Ciclano), sendo que Ciclano se armou com uma pistola e Beltrano foi até sua casa buscar uma faca (declarações prestadas as fls. 07/09, 25/26 e 119, e ainda fls. 10/11, 66/67,  e 121).     A confissão de ambos foi espontânea e restou demonstrado um resquício de arrependimento pelos menores confessos, tudo perante esta autoridade, cujos relatos merecem credibilidade.

 

                                               A versão dada pelo representado Beltrano Brasil é a de que não tinha conhecimento do crime então planejado, e que, naquele dia, havia saído em companhia de Fulano e Ciclano quando Ciclano teria se prontificado em pagar a corrida de táxi que então pegaram.

                                                                                             

                                               Contudo, diante das evidências, a palavra de Beltrano não pode ser admitida como verdadeira.

 

                                               Com efeito, e como este Juízo já manifestou quando da decretação da internação do adolescente Beltrano (fls. 133), verificou-se que os adolescentes Fulano e Ciclano não entraram em contradição quando manifestaram a versão dos fatos ocorridos, e, de fato, estes adolescentes não têm real motivo de incriminar seu então amigo, e ora representado Beltrano. 

 

                                               Cumpre frisar o dito pelo Ministério Público, quando refere-se à alegação de Beltrano de que seus amigos (Ciclano e Fulano) não confiavam no mesmo (e assim teriam motivo para incriminá-lo) face ter Beltrano delatado Ciclano para um irmão mais velho deste por causa do uso de drogas por aquele.  Creio que não há dúvida de que ninguém convidaria pessoa não confiável à presenciar crime já planejado, pois certamente se dita pessoa já delatou o amigo uma vez, não seria diferente em uma segunda vez.

 

                                               Outrossim, certo restou que Ciclano e Beltrano eram amigos que sempre se encontravam, e portanto, conviviam sem desconfianças ou brigas (o próprio pai de Beltrano afirma que ambos se davam muito bem - fls. 124 -, e a testemunha Adonir Carvalho traz à tona a relação estreita de amizade que existia entre Ciclano e Beltrano - fls. 174 -; tem-se ainda que eram tão amigos que inclusive o próprio Beltrano afirmou que já estava acostumado em ver Ciclano portando arma - fls. 122, v.).

                                              

                                               Ademais, consta nos autos que menor Beltrano possui personalidade com desvios, face os relatos dos próprios parentes do adolescente, e conforme se infere do estudo social realizado.

 

                                               Inobstante a esforçada defesa do representado Beltrano manifeste que nunca a sua personalidade fora voltada para o crime, tem-se o imperioso dado trazido no estudo social que informa que Beltrano, em posse de uma pistola de 9 milímetros atirou 18 vezes em Joãozinho até descarregar a pistola, não acertando nenhum tiro nele (!) (fls. 152).   Beltrano comentou sobre o fato envolvendo “Joãozinho” perante este Juízo, mas não contou a história toda !  Disse apenas que restou mandado embora para Brasília.

 

                                               Os parentes de Beltrano Brasil informam sobre uma eventual ameaça de assalto feita por este contra o próprio tio que, muito embora não tenha sido provada, não há como não mencionar a mesma, pois trata-se este feito de aplicação de medida sócio-educativa, onde todos os dados relevantes devem ser considerados.

 

                                               Comentam também sobre as desavenças tidas entre a família de Beltrano e alguns vizinhos  que teriam culminado (uma delas) em degolamento do animal de estimação de um vizinho, por motivo de brigas entre as famílias, e ainda Aldo Severino Brasil comenta que Beltrano chegou a montar uma gang que se intitulava “gang dos homens maus” (fls. 164/166).    Tais assertivas, prestadas por pessoas confiáveis,  devem ser levadas em consideração merecendo o devido crédito deste Juízo, inclusive porque o representado Beltrano informou no estudo social que “acha os vizinhos chatos e orgulhosos”,  corroborando as informações sobre as desavenças entre vizinhos e família de Beltrano,  prestadas por seus tios.

 

                                               Assim, não se pode ter como verdadeira a versão isolada dada pelo representado Beltrano, e sim, deve ser admitida  como correspondente à verdade, a versão dada pelos representados Fulano e Ciclano.  Tais confissões são tidas como valioso elemento probatório da responsabilidade atribuída à Beltrano.

 

                                               Além de serem duas versões coincidentes e coerentes, observa-se (como dito supra) que os adolescentes Fulano e Ciclano não tinham qualquer interesse ou motivo de incriminar o então amigo e, assim, as palavras destes adolescentes servem como suporte ao reconhecimento da participação do representado Beltrano no ato infracional lamentavelmente ocorrido, pois ceifou uma vida humana e deixou uma mulher viúva com três filhos menores para criar.

 

                                               Comente-se, enfim, que a referência ao artigo 29 e  § 2º do CP feita pela defesa de Beltrano não pode ser admitida porque é assunto afeto à aplicação da pena no concurso de pessoas, e este feito busca a aplicação de medidas sócio-educativas (portanto, não meramente punitivas), tendentes a interferir no processo de desenvolvimento do adolescente infrator objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social.

 

                                               E, ainda que se tivesse citado tal norma para que fosse aplicada uma das mais simples medidas sócio-educativas, tem-se que o representado Beltrano estava junto com os demais representados desde o início, com o planejamento,  e todos agiram com integral adesão ao plano criminoso, podendo suas vontades estar dirigida finalisticamente a um resultado, mas todos assumiram riscos inerentes da ação, devendo concluir-se que a morte da vítima não foi um acontecimento atribuível apenas ao autor do tiro fatal, mas sim a todos os co-representados que participaram ativamente da empreitada criminosa

[1][1].

                                  

 

                                                           Dos estudos sociais:

 

                                                           Com relação ao menor Beltrano Brasil, além das manifestações acima referidas, denota-se do estudo social realizado que os pais do adolescente contribuíram, de certa forma, para o quadro que a psicóloga apresenta.  Condutas como a de “não contrariar” geram, à vista de qualquer pessoa leiga, sérios transtornos no comportamento emocional da criança.   Culmina o relatório informando que o prognóstico é reservado, pois embora possua (Beltrano) uma referência familiar, este lhe impõe poucos limites e aceitação incondicional ... e quando a realidade lhe cobra condutas coerentes com sua idade ele não é capaz de corresponder adequadamente em função da emergência de satisfação de suas demandas e necessidades internas (fls. 151).

 

 

                                                           No que tange ao menor Ciclano Brasileiro que efetuou o disparo com a arma de fogo (aliás sempre andava armado e não se sabe como não aconteceu alguma tragédia antes do fato ora em apreço), o estudo social informa sobre a família desestruturada, tendo o adolescente largado os estudos, e  ainda consta que estava vivendo maritalmente com mulher bem mais velha a qual mantinha atividade suspeita no ramo da prostituição.   O prognóstico é , portanto, também reservado, salientando que Ciclano desde muito cedo vem apresentando comportamentos que denotam pouca internalização de valores e ética social, bem como pouco tolerância aos limites (fls. 146/147).

 

 

                                               Por sua vez, e no que se refere ao menor Fulano Brazuca, tem-se, com satisfação, um quadro bom.   Com estrutura familiar boa (estrutura familiar com organização e funcionalidade), onde existe relação de mútua ajuda (sempre em casa um precisa do outro); observa-se que Fulano parou os estudos mas sempre estava ocupado em alguma atividade.  Conclui a ilustre psicóloga que o prognóstico do adolescente Fulano é bom e que parece possuir uma estrutura de personalidade com valores sociais e normas para ação e conduta internalizados (fls. 148/149).

 

                                                           Das medidas sócio-educativas:

 

                                                           Antes de aplicar as medidas sócio-educativas pertinentes, deve ser lembrada a lição de Paulo Afonso Garrido  DE PAULA ensinando que “as circunstância do fato devem compor, ao lado das condições de vida do adolescente, estrutura familiar, cultura, escolaridade etc., um todo capaz de propiciar decisão quanto à identificação da medida sócio-educativa mais adequada ao caso concreto”  [2][2].

 

 

                                                           Dessa forma e diante  de  todas  estas circunstâncias, impõe-se a aplicação de medida sócio-educativa de internação aos representados Ciclano Brasileiro e Beltrano Brasil, e imperiosa se mostra a necessidade do tratamento médico adequado, conforme salientou o DD. Representante do Ministério Público, ou seja, determino que ambos sejam submetidos a tratamento psicológico e psiquiátrico paralelamente.

 

                                                           Assim, a internação dos adolescentes - tendo em vista que não há nesta Comarca estabelecimento que possa fazer o acompanhamento médico, psicológico e social - será  no Educandário São Francisco (Piraquara-PR), para que os mesmos recebam o tratamento adequado, onde a equipe interprofissional tomará as providências que se fizerem necessárias.

 

                                                           E, com relação ao adolescente Fulano Brazuca, face o quadro acima analisado, aplico a medida sócio educativa consistente na  liberdade assistida por um período mínimo de seis meses (podendo a qualquer tempo ser revogada ou substituída por outra medida, ou ainda prorrogada -  § 2.° do art. 118, ECA), devendo o mesmo ter acompanhamento psicológico, com relatórios bimestrais, e a família e o adolescente devem ser fiscalizados pelo Conselho Tutelar desta Comarca (relatórios bimestrais), e ainda, condicionando o adolescente a comprovar, mensalmente, perante este Juizado, que está trabalhando ou estudando.

                                              

                                                           A aplicação destas medidas visam a recuperação dos adolescentes ao convívio social, lembrando que a proposta do Estatuto da Criança e do Adolescente quanto à medida sócio-educativa de internação resta diferenciada daquela de simplesmente segregar o adolescente autor de ato infracional, depositando-o em unidades oficiais, mas sim dando-lhe possibilidade de refletir sobre a prática da grave conduta anti-social ocorrida e para a construção de oportunidade de vida diversa daquela até então experimentada, e, pois, não somente implica estabelecer absoluta proporcionalidade entre a gravidade do ato infracional e a medida sócio-educativa, mas também de reconhecer que, especialmente quando se trata de ato infracional praticado mediante violência à vítima (como efetivamente ocorreu na hipótese em tela), necessário surge, via internação, atendimento adequado a dar cabo de tal grau de anti-sociabilidade [3][3].

 

                              ISTO POSTO, e considerando o que mais dos autos consta, julgo PROCEDENTES  as representação de fls. 02/03 e fls. 95/96, para aplicar a medida sócio-educativa de internação aos adolescente Ciclano Brasileiro e Beltrano Brasil, qualificados nos autos, no Educandário São Francisco, em Piraquara-PR., através do setor competente do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Curitiba-PR; e para aplicar a medida sócio-educativa de liberdade assistida ao adolescente Fulano Brazuca, também qualificado nos autos, e conforme determinado supra;  com fulcro nos artigos 103, 114 e 112, IV e VI,  combinados com os artigos 118 e 121 e §§,  122, I, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.° 8 069/90).

 

                                                           Oportunamente, expeçam-se cartas de execução.  E, transitado em julgado, expeça-se ofício solicitando a remoção dos adolescentes Ciclano Brasileiro e Beltrano Brasil.

 

                                                           Oficie-se, desde já, para a soltura do adolescente Fulano Brazuca, o qual a autoridade policial deverá entregar aos respectivos pais ou responsáveis, mediante termo de entrega.  Designar-se-á audiência admonitória, oportunamente.

 

                                                            P.  R.  I.        

 

                                               Pato Branco, 23 de outubro de 1996.

 

                                                DENISE ANTUNES

                                               Juíza de Direito   

 

 

Notas

1 – Trechos parafraseados de julgado in Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. Alberto Silva FRANCO et alli. . RT 4a. ed. p. 204.

2 -  IN: Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Munir Cury et alli. Malheiros, 1992. pag. 526.

3. Cf. AC. 7182, Apelação nº 94.0000054-5 do Conselho da Magistratura do TJPR, rel. Des. Wilson Reback, j. em 24.10.94. IN: Igualdade. Ministério Público do Estado do Paraná: Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Jan/Mar. 1995. Livro 6. Pág.75/86.