FIQUE VIVO

 

 

Bezinha Lopes da Cunha Soares

 Apoio UNICEF


 

Temas como uso indevido de drogas, violência e AIDS são vistos, em geral, como problemas da juventude e uma grande parte das ações empreendidas pelos governos consiste em palestras, conferências e outros processos que procuram "convencer" os jovens da importância de uma mudança de comportamento. Os educadores tendem a associar estes temas à morte e, muitas vezes, resvalam para o moralismo. Concretamente, poucos resultados são alcançados.


Experiências que abrem espaço para que os jovens, sem medo de repreensões, possam conversar e trocar idéias sobre seus problemas e seus interesses têm se mostrado muito mais eficazes para promover mudanças de comportamento.


Na FEBEM de São Paulo, por exemplo, as pesquisas mostravam que a transmissão do vírus da AIDS e DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) era muito grande entre a população de internos, além do uso cada vez maior de drogas, atitudes de violência e nenhuma preocupação com a preservação da vida. Ao perceber que abrir espaços de diálogo, abordando temas do cotidiano e resgatando valores da vida e da cidadania tinha muita receptividade entre os jovens e favorecia mudanças de comportamento, uma equipe formada pelo NUPAIDS (da Faculdade de Saúde Pública da USP), o NEPAIDS (Núcleo de Estudos para Prevenção da AIDS do Instituto de Psicologia da USP), pesquisadores da PUC-SP, Programas de DSTs/AIDS do Estado e do Município e ONGs como o CEDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular) e o Núcleo de Consciência Negra, implantou o projeto "Fique Vivo: Cidadania e Prevenção do HIV/ AIDS com jovens da FEBEM".
Outros dos objetivos deste projeto são:


a) defender os direitos da criança e do adolescente, bem como a cidadania dos jovens privados de liberdade na FEBEM, desenvolvendo políticas públicas e institucionalizando um modelo de prevenção e educação em outras unidades da FEBEM;
b) dar voz e espaço para os jovens discutirem seus problemas, buscarem soluções, trocarem experiências e expressarem seus medos, esperanças e expectativas diante da vida. O maior desafio é integrar a prevenção das DSTs/AIDS aos interesses dos jovens podendo então atender às suas necessidades;


c) desenvolver uma nova política social dentro da FEBEM para aproximar funcionários e jovens, buscando desenvolver uma relação mais saudável, baseada no diálogo e no respeito e não mais no modelo do medo, da humilhação e das coerções física e psicológica; e, por fim,
d) abrir a FEBEM para movimentos sociais que alavanquem recursos humanos e financeiros para a reestruturação da instituição.


IMPLANTAÇÃO
O programa foi oficialmente iniciado em janeiro de 1998 sob a coordenação do Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS da Secretaria Estadual da Saúde.


A primeira etapa do projeto foi ouvir os jovens para conhecer seus interesses. Constatou-se que o maior foco estava nos temas ligados a cidadania (drogadição, perspectiva de vida, racismo, vida no crime direitos humanos). Isto feito, o passo seguinte foi ganhar a confiança dos jovens para estabelecer com eles um canal de identidade e comunicação para trabalhar os temas levantados juntamente com a prevenção. Essa aproximação com os jovens ofereceu à equipe uma visão do que realmente deveria ser trabalhado: a questão da AIDS era só uma conseqüência, um risco a mais que essa população enfrenta todos os dias. O problema maior estava na falta de perspectiva de futuro, na necessidade de resgatar a responsabilidade e o valor da vida: a expectativa de vida entre os jovens era de 25 anos.
Diante disso, a equipe realizou uma experiência de escutar sugestões e reivindicações dos próprios internos o quê os levou a perceber que o melhor canal de comunicação seria a arte educação, uma vez que os jovens gostavam de cantar, fazer música, jogar futebol e ver televisão. Com isso, uma relação de confiança se estabeleceu entre os jovens e a equipe do programa e as manifestações de seus problemas e questões sociais tomaram a forma de música, teatro, dança e grafitagem.


Observou-se então que as produções tinham alto potencial de ação social positiva, constituindo um precioso material para sensibilização de outros jovens de dentro e de fora da FEBEM. Nesse momento, os responsáveis pelo "Fique Vivo" encontraram uma brecha para colocar aos jovens os objetivos do programa , conscientizando-os para prevenção em relação aos riscos das DSTs/AIDS e alertá-los sobre as responsabilidades de uma gravidez não desejada e principalmente, para transmitir-lhes informações sobre os direitos humanos e a cidadania.


A equipe acompanha todas as atividades com os jovens, procurando estabelecer parcerias com outras instituições, assessorando dirigentes da FEBEM para a institucionalização deste modelo em outras unidades e coordenando as oficinas de sexualidade, prevenção das DSTs /AIDS, drogadição, contracepção , reprodução e normas de gênero com os jovens: com CDHEP, tem desenvolvido as oficinas de cidadania, direitos e deveres, violência e exclusão social; com o Núcleo de Consciência Negra, oficinas de racismo, cultura negra e discriminação.


FUNCIONAMENTO
O programa se destina a jovens, de 14 a 19 anos, privados de liberdade. A participação desses jovens é voluntária e a equipe faz uma lista dos interessados (havendo necessidade, faz-se um sorteio). Em cada unidade são oferecidas 50 vagas (cada unidade possui 120 internos).


As atividades ocorrem aos sábados, com grupos formados por 20, 25 jovens e têm duração de quatro horas. São realizadas então as oficinas de dança, grafitagem, música, teatro, abordando os temas de uso de drogas, criminalidade, violência, racismo, injustiça social, cidadania, paternidade, perspectivas de futuro e prevenção das DSTs/AIDS.
A equipe do "Fique Vivo" também organiza palestras com profissionais de várias áreas que possam, com suas experiências positivas, servir de modelo e referência para os jovens.
No que diz respeito ao treinamento e à supervisão dos funcionários das unidades com as quais o projeto atua foi realizada uma parceria com o Programa Municipal de DSTs/AIDS. Além disso, profissionais da área de saúde têm realizado encontros periódicos com os membros de cada unidade a fim de traçar um projeto de cidadania e prevenção da AIDS, bem como discutir o papel do educador da FEBEM.


Com relação aos jovens que saem da instituição e ingressam no programa de Liberdade Assistida (LA) foi feita uma parceria com o Programa Estadual e Municipal DSTs/AIDS que vem financiando o treinamento de funcionários de todos os postos de LA para que as ações de prevenção da AIDS sejam incorporadas em programas de reinserção social.



RECURSOS
O projeto "Fique Vivo
" não tem um orçamento fixo. Ele sobrevive de recursos oriundos de acordos entre o Programa Estadual de Doenças Sexualmente Transmissíveis da Secretaria da Saúde (R$ 70 mil, para o programa de treinamento, que envolveu 200 funcionários da FEBEM e mais R$20 mil para as atividades com os jovens.


Além desses recursos, o projeto contou também com: uma doação de R$10 mil da Universidade da Califórnia -EUA, que foi utilizada na confecção de material didático e no treinamento de funcionários; a quantia de R$ 35 mil da Secretaria Estadual da Saúde que financiou um CD com músicas feitas pelos jovens (esse CD será usado como ponte para uma campanha de governo que visará conseguir ajuda para outros projetos educativos da FEBEM); seis estagiários voluntários (estudantes de algumas universidades) e colaboradores da ECA/USP (Escola de Comunicação e Arte da USP) e do Núcleo de Consciência Negra e do NUPAIDS.


O Projeto deverá receber uma quantia de mais ou menos R$ 50 mil para a estruturação de uma estação de rádio comunitária, dirigida pelos próprios jovens sob a assessoria da equipe de profissionais da Escola Oficina da FEBEM.

 
Estão orçados mais R$ 30 mil para implementar ações de educação, segundo esse modelo, em postos de Liberdades Assistidas, que se destinam a jovens desinternados.
Nas atividades cotidianas estão envolvidos diretamente cinco profissionais e dez voluntários. Há também um Grupo de Trabalho formado por mais seis profissionais que se reúne com os dirigentes da FEBEM para assessorar o programa e fazer pressão política para institucionalizar o modelo nas outras unidades.



DIFICULDADES

O modelo de educação da FEBEM baseado no medo, na ameaça, na humilhação e na violência física no trato com os jovens tem sido o maior obstáculo para o programa. Os funcionários, em sua maioria, se relacionam com os internos como se esses fossem bandidos irrecuperáveis, não lhes dando a ajuda necessária à sua recuperação. Muitas vezes há competição entre os funcionários e os jovens (os monitores se sentem excluídos e pouco valorizados pela FEBEM e pela sociedade que os vê como carrascos e espancadores, então não aceitam com facilidade um projeto voltado para o bem estar dos jovens; acreditam que a experiência na FEBEM deve ser necessariamente negativa para que o jovem "pague" por um crime que cometeu; não sabem exatamente se seu papel é de educadores ou carcereiros, se devem usar o diálogo ou a violência).


No início, a equipe deu aos monitores um espaço como o que foi dado aos jovens, porém surgiu muita desconfiança de ambas as partes, então foi estabelecida uma parceria com o Programa Municipal DST/AIDS para que os funcionários fossem assessorados no sentido de discutir as questões levantadas pelos jovens e assim pudessem participar do programa com uma nova postura.


Uma outra dificuldade encontrada pela equipe foi o enorme sentimento de desesperança e angústia dos dirigentes da FEBEM que muitas vezes se vêem perdidos, sem saber como resolver os problemas da instituição e acabam facilitando a entrada de várias iniciativas que buscam solucionar algumas questões, enfraquecendo uma proposta de reestruturação mais abrangente e definitiva.


Em 1998, após uma rebelião, a direção da FEBEM restringiu a adesão dos jovens ao programa, vinculando sua participação ao "bom comportamento". Isso levou a uma redução do número de participantes nas oficinas de 200 para 120 jovens.



RESULTADOS


Cerca de 300 jovens já participaram das oficinas culturais, sempre realizadas aos sábados. Estas oficinas têm servido como espaço de diálogo em que se alerta para os riscos à saúde representados pelas DSTs/AIDS e da responsabilidade perante uma gravidez não planejada. Estas oficinas também ajudam os jovens a visualizarem algum horizonte, a partir da clareza em relação aos seus direitos. Vários jovens passam a ansiar por novas oportunidades de inserção social após a saída da FEBEM.


A equipe do projeto mantém contatos rotineiros com cerca de 50 jovens, sendo que 10 são constantes. Um dos jovens foi incorporado à equipe e está agora desenvolvendo trabalhos de prevenção de AIDS em sua comunidade de origem e acompanhando os trabalhos da equipe na FEBEM.


A partir do CD gravado, os jovens conseguiram vislumbrar que são capazes de realizar projetos concretos e bem sucedidos. As mudanças de comportamento têm, inclusive, ampliado para mais e 25 anos a perspectiva de vida dos jovens.
Um outro grande resultado do "Fique Vivo" foi o compromisso do novo diretor da FEBEM em reestruturar todo o complexo de internação, dispondo-ses a institucionalizar o modelo do Projeto.


Se forem levados em consideração os dados quantitativos do programa, constata-se que não foi atingido um número grande de jovens. No entanto, há resultados constatados na mudança de comportamento dos jovens envolvidos no projeto.


O "Fique Vivo" foi uma das cinco experiências de destaque do 4º ciclo de premiação do Programa Gestão Pública e Cidadania, iniciativa conjunta das fundações Getulio Vargas e Ford, com apoio do BNDES.

 

Mais informações :  http://www.fiquevivo.org/

 

Exraído de www.polis.org.br