TRABALHO EDUCATIVO
Oris de Oliveira
Juiz do trabalho
aposentado.
Trabalho Educativo -
Trabalho e Educação
Trabalho
e educação foram historicamente no mundo grego como termos dicotômicos. Seria
relativamente fácil demonstrar que há, em nossos dias, resquícios culturais
desta dicotomia presentes em textos legais brasileiros.
O termo “trabalho educativo” é
polissêmico. Os múltiplos significados que um determinado termo possa ter
enquanto categoria de análise do trabalho educativo, e também enquanto categoria orientadora desse trabalho, podem ser tantos
quanto forem as concepções teóricas adotadas. Isso quer dizer que não há
somente um único significado que possa ser válido ou verdadeiro [1].
A multiplicidade de significados não
implica um relativismo estéril porque para “a utilização coerente do termo
dentro de cada concepção teórica é indispensável que aquele que o adote tenha
claro não só referencial teórico, que embasa, os
procedimentos metodológicos que utiliza, mas também, e
indispensavelmente, tenha muito bem claro os valores para os quais tais
princípios servem, sem o que não terá condições de prever as implicações das
soluções propostas” [2].
Entre seus múltiplos significados,
“trabalho educativo” pode referir-se às ações consistentes em educar, quando
“a educação concebida como a atividade
mediadora no seio da prática social global serve ao objetivo de promover o
homem. (...); a educação é sempre uma mediação valorativa, isto é, dirigida por
valores, uma mediação que indica um determinado posicionamento. Não é,
portanto, neutra” [3].
Trabalho Educativo significa,
também, uma inter-relação entre educação (tomada em todas as suas dimensões
como processo que visa promover o desenvolvimento da pessoa com todas suas
potencialidades) e o trabalho (visto não somente como realização do indivíduo,
mas também em sua dimensão social em dado momento histórico dentro do processo
produtivo em que está concretamente inserido).
Quando
se fala em trabalho educativo é impossível deixar de fazer a indagação:
“Falar em educação pelo trabalho
passa necessariamente por perguntar se estamos colocando o trabalho como meio
educativo, porque o trabalho é educar para quê? (...) Educar para que, ou, que
tipo de homem se quer educar, em qual sociedade? A questão crucial aqui é: que espécie de consciência pretendemos educar. Que idéias
queremos educar em “ nossas “ crianças e adolescentes” [4].
Costa
responde a indagação:
“A essência do homem é,
efetivamente, o trabalho desalienado, isto é, o
trabalho do qual o homem seja sujeito e não objeto, um executor cego de ordens,
separado da consciência dos fins, da organização dos meios e do produto de seu
esforço, como ocorre com o trabalho encerrado no círculo de ferro da alienação.
O trabalho educativo é aquele em que a dimensão produtiva está subordinada à
dimensão formativa. Isto quer dizer que, neste tipo de trabalho, o produto mais
importante é o trabalhador consciente do seu papel de agente da sua história e
da história da classe social e do povo-nação a que pertence. Nesse sentido, o
trabalho para ser educativo tem de ser, necessariamente, um trabalho desalienado. Acreditamos que, pela vivência concreta de
formas desalienadas de trabalho, o educando poderá
ascender à condição de membro consciente da classe trabalhadora, empenhado na
luta pela sua emancipação e comprometido com a sua superior destinação
histórica” [5].
O mesmo
autor esclarece:
“Nesta concepção do processo
educativo, o produtivo e o formativo co-habitam o mesmo espaço, mas não o fazem
em relação de igualdade. Devido à natureza pedagógica desse espaço, ele implica
na subordinação do produtivo ao formativo. Subordinar, aqui, não significa
renegar nem subestimar. O processo produtivo é encarado em toda a sua
complexidade e dinamismo. A subordinação da produção à formação significa o produto
principal do processo para compreender e enfrentar o mundo do trabalho. Os bens
e serviços gerados são também um produto importante, apenas que, secundário em
relação ao trabalhador que se forma” [6].
A
subordinação exige uma pedagogia estruturada sobre o “princípio das três
participações”: a) participação do educando na gestão do trabalho (co-gestão da
atividade por parte do educador e seus educandos); b) participação do educando
no conhecimento relativo ao trabalho realizado (o processo educativo não separa
o produtor de seu trabalho); c) participação do educando no produto de seu
trabalho (educação e produção não se opõem, e sem uma produção eficiente e
organizada, o processo educativo assume aspecto de um oásis pedagógico,
desvinculado da realidade concreta do mundo do trabalho” [7].
Um aspeto relevante é apontado por
Pedro Demo: a relação educação e trabalho e cidadania:
“A visão política do trabalho é uma exigência
da cidadania. Por isto dizemos que é derivado dela. Por sermos cidadãos, temos
o direito ao trabalho. Por ser direito, está definitivamente ligado à
realização da dignidade e da decência social. Não quer dizer secundarização porque cidadão que não trabalha é parasita,
ou seja, não é cidadão. No entanto, é muito diferente enfocar o trabalho como
componente da cidadania, ou como exclusiva realização profissional. A educação
tem a ver, essencialmente, com a primeira visão. Engloba a segunda, como
decorrência, e será sempre um dos frutos da dignidade profissional. É função,
pois, do processo produtivo, mesmo quando chamado a profissionalizar, não
relegar a cidadania a segundo plano” [8].
Na
interpretação entre trabalho e educação costuma-se distinguir, com razão, entre
"educação para o trabalho" e "educação pelo trabalho".
Nesta formulação, o trabalho é visto
“como princípio educativo, no sentido
de que ele é o organizador das atividades educacionais que visam fins mais
amplos do que a formação técnica, mas que também não a descartam, porque a
tomam como elemento importante na constituição do homem capaz de viver numa
sociedade industrial, de acompanhar suas transformações históricas e de pôr-se
como parte fundamental desse processo de transformação. Trata-se, portanto, da
proposição de uma educação para e pelo trabalho. (...) Cabe, portanto, pensar
uma educação que incorpore os ganhos presentes da proposta neoliberal, mas que
também a ultrapasse, não por mero acréscimo, mas por se gerar na perspectiva do
trabalhador ao invés de sê-lo a partir de interesses do capital. Uma educação
dessa natureza não pode colocar apenas a preparação para o trabalho, mas também
pelo trabalho, tendo por horizonte o desenvolvimento omnilateral
do sujeito que é seu objeto” [9].
Ideal
seria que educação para e pelo trabalho estivessem sempre associadas. Quando,
porém, a entidade educadora só repassa conhecimentos teóricos (o que é muito
comum em entidades de ensino superior) há apenas educação para o trabalho.
Neste caso, o educando primeiro aprende para depois trabalhar. Quando há
apenas educação para o trabalho, oportuna a observação de Antonio Gomes da
Costa:
“A educação para o trabalho
corresponde à dissociação dos processos formativos dos produtivos, ou seja, o
educando vai, primeiro, aprender, para depois trabalhar. Na educação para o
trabalho a noção de tarefa-modelo, a simulação do processo produtivo real é que
informa as atividades laborais dos educandos. Aqui não há preocupação, por
exemplo, com o valor de mercado daquilo que, eventualmente, for produzido” [10].
A
educação pelo trabalho se caracteriza quando o próprio trabalho é um dos
instrumentos do processo educativo
como um todo. Portanto, para que o trabalho seja educativo, é
indispensável:
a) que
ele se associe à educação do cidadão contribuindo para o desenvolvimento do
educando com vistas a realizar suas potencialidades intrínsecas e à formação e
desenvolvimento de sua personalidade.
b) que
no aspeto biopsicológico
"extraia" (educere)
do adolescente o que ele tem de "próprio" e "original".
Deve, pois, o trabalho contribuir para suprir as necessidades individuais: -
respeito pelo desenvolvimento harmônico do corpo e do espírito; promover
desenvolvimento emocional; incentivar a formação de um espírito crítico;
promover desenvolvimento de valores morais e culturais de todo tipo.
c) no aspecto social promova o
desenvolvimento do senso de responsabilidade social; instrumentalização para
participação nas transformações e no progresso sociais; desenvolver formação
política para exercício da cidadania.
É obvio
afirmar que o trabalho educativo envolve, também, em sua dinâmica, uma
inter-relação com a escola, colaborando para que o educando tenha acesso (ou
regresso), sucesso e permanência na escola não somente no ensino fundamental,
mas também propiciando acesso a níveis mais elevados.
É
importante, todavia, sublinhar que inexiste trabalho educativo com a simples
exigência de freqüência à escola paralelamente à "qualquer trabalho".
O acoplamento trabalho-escola não pode ser extrínseco, havendo necessidade de
uma participação ativa da escola.
Há
milhões de pessoas de todas as idades que estudam e trabalham sem que se possa
afirmar que essa concomitância transforme seus trabalhos em educativos. O que
se observa na realidade (as estatísticas e seus estudos analíticos mais
conservadores estão aí para confirmar) é que trabalho e educação conflitam
freqüentemente, a ponto do trabalho acabar por sufocar ou tornar precária não
somente a educação escolar, mas toda educação.
Trabalho
educativo: conceito e extensão
a) em que há exigências pedagógicas
relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando;
b) do qual resulta produção;
c) em que as exigências pedagógicas
(a) prevalecem sobre as da produção (b);
d) do qual se aufere remuneração,
cujo recebimento não desfigura nem descaracteriza o caráter educativo do
trabalho.
Não uma atividade laborativa
qualquer, mas a que se insere, como parte, em projeto pedagógico em que se vise ao desenvolvimento pessoal e
social do educando. Portanto, o desenrolar das atividades deverá ser ditado,
sob pena de inversão de meios e fins, por um programa preestabelecido.
Não uma
produção qualquer, mas aquela cujo produto possa ser vendido dentro das
exigências de qualidade e competitividade. Uma produção, pois, que implique
custo e benefício, capaz de remunerar quem a executa.
Remuneração, cuja modalidade fica em
aberto, como fruto imediato do trabalho executado.
Cabe indagar se os
referidos parágrafos 1º e 2º do art. 68 apresentam uma só modalidade específica
de relação de trabalho que se contrapõe a outras modalidades (por exemplo, às
de relação de emprego, de estágio, de reciclagem) e, conseqüentemente, passível
de apenas um contrato específico; ou apresentam um conceito genérico: - havendo
tantas relações de trabalho passíveis de contratos especificamente diversos,
desde que, evidentemente, nelas se encontrem os elementos essenciais da
conceituação dos referidos parágrafos.
Os programas de
pré-aprendizagem, dos contratos de aprendizagem, de estágio, de requalificação e de reciclagem preenchem os requisitos
apontados na conceituação. Sendo todos legais, literais e, essencialmente,
programas educacionais, se desvirtuariam, atropelariam etapas, haveria inversão
de meios se suas exigências pedagógicas fossem
sufocadas com prevalência do aspeto produtivo.
A riqueza do art. 68
consiste em propiciar às entidades governamentais e não governamentais um leque de alternativas que levem em
consideração as etapas educacionais de seus assistidos, socorrendo-se de uma ou
mais modalidades de trabalho educativo, sempre numa perspectiva de educação
para o trabalho, dando aos adolescentes a possibilidade de exercício de uma
atividade “regular” remunerada.
A conceituação dos supra citados parágrafos é genérica [11], mas
rica em seu conteúdo e ampla na sua abrangência, nela compreendendo todas as espécies de modalidades de trabalho
educativo compreendidas em sua formulação, respeitada a natureza jurídica
das espécies, apontando-se, sem maiores detalhes, algumas delas:
a)
o trabalho no clássico “contrato de aprendizagem”, que
se executa numa relação de emprego;
b) o estágio
profissionalizante, fora da relação de emprego;
c)
as atividades profissionalizantes de uma
cooperativa-escola, que tem entre seus objetivos educar os alunos dentro dos
princípios do cooperativismo e servir de instrumento operacional dos processos
de aprendizagem [12].
d)
as atividades de um processo de reciclagem ou de uma re-qualificação
profissional.
Há uma interpretação
restritiva do art. 68 do ECA, segundo a qual o
conceito não seria genérico, mas específico, criando a figura de uma modalidade
de trabalho que se diferenciaria de todas as demais e, ainda que executado em
uma empresa, não criaria vínculo empregatício porque é “educativo”, como se
esta qualidade do trabalho, por si só, fosse capaz de frustrar direitos
inerentes à natureza do trabalho realizado.
Infelizmente, esta
interpretação restritiva, certamente sem que essa tenha sido a intenção de seus
autores, tem se prestado a amparar velhas práticas de inserção de adolescentes
no mercado de trabalho, em que trabalhos “comuns” passaram a ser
etiquetados como “educativos” [13].
Essa não parece ser a
correta interpretação do art. 68 do ECA. Com efeito, o
fato de a norma legal dizer que entidades sem fins lucrativos devem assegurar,
servindo-se do trabalho educativo, condições de capacitação de adolescentes
para o exercício de atividade remunerada (caput do artigo), não restringe o alcance da conceituação genérica dos §§ 1º e 2º.
No art. 68 do ECA,
lido sistematicamente em consonância com o art. 62, educação (via
formação técnico profissional), produção, remuneração ou geração de
renda são elementos que não se
contrapõem nem se anulam, mas que se integram no trabalho educativo.
Em síntese: - “Trabalho educativo” é
termo genérico que evoca a complexa e não dicotômica relação trabalho –
educação. Sem distorcer os fins próprios da educação, inclusive e evidentemente
da educação escolar, há possibilidade de uma educação para o trabalho e pelo
trabalho.
Trabalho educativo - Formação técnico profissional - Formação profissional.
Na formação técnico profissional ou na formação
profissional há uma correlação privilegiada entre educação e trabalho porque em
ambas, quando corretamente aplicadas, há educação para o trabalho e pelo
trabalho [14]. Em todo processo de profissionalização deve haver
alternância de teoria (educa-se para o trabalho) e da prática (educa-se pelo
trabalho), sem que a preposição “pelo” indique ser o trabalho o único meio de
educar-se, e sem que a preposição “para” aponte o trabalho como valor supremo,
impedindo uma posição crítica (positiva ou negativa) sobre todo trabalho em
suas condições concretas, sobretudo quando é fator de exploração ou aviltante.
É relevante sublinhar que a formação técnico profissional e a formação profissional se
inserem, como bem sublinham documentos da UNESCO, num processo educacional,
situando-se, conseqüentemente, no campo da educação permanente, que é
caracterizada pela UNESCO como relacionada "a uma filosofia segundo a qual
a educação é concebida como um processo de longa duração que começa no
nascimento e prossegue por toda a vida. Educação permanente é um termo que
cobre, pois, toda e qualquer forma de educação pré-escolar, todo tipo ou
nível de educação formal, toda espécie de formação contínua e de educação não
formal. A educação permanente situa-se em um quadro conceitual no qual
pode-se ir ao encontro das necessidades educativas de cada pessoa, seja qual
for sua idade, suas capacidades, seu nível de conhecimento ou profissional, educação
devendo ser entendida como processo contínuo e não como aquisição obtida em
determinado período da vida por meios específicos [15].
a) a orientação profissional;
b) a pré-aprendizagem;
c) a aprendizagem;
d) reciclagens e/ou re-qualificações.
Estas fases são didaticamente
apresentadas em uma seqüência temporal, mas podem, em certos casos, repetir-se.
Na re-qualificação, por exemplo, nova orientação profissional se impõe.
O trabalho educativo poderá
realizar-se em escola de ensino profissional, em instituições especializadas em
profissionalização ou no ambiente de trabalho, neste último caso, por exemplo,
na modalidade de contrato de aprendizagem ou de estágio.
Em síntese: formação
técnico profissional (em todas suas etapas) e trabalho educativo não são
termos dicotômicos.
Trabalho educativo e iniciação profissional ou
pré-aprendizagem ou pré formação profissional
A relação que tem sido
feita entre o trabalho educativo e a pré-aprendizagem como uma de suas
modalidades merece breve explicitação.
O “Glossário da Formação
Profissional - Termos de Uso Corrente" (BIT, Genebra, 1987) assim
conceitua a "formação pré-profissional”:
"Formação organizada fundamentalmente
visando preparar os jovens para a escolha de um ofício ou de um ramo de
formação familiarizando-os com os materiais, os utensílios e normas de trabalho
próprias a um conjunto de atividades profissionais".
Na verdade, corresponde
ao que o mesmo Glossário conceitua como "Iniciação Profissional
Prática", como tal entendido o
"conjunto de breves períodos passados no
exercício de uma observação de diferentes atividades profissionais. Sua
finalidade é dar a pessoas desprovidas de experiência profissional a
possibilidade de ter uma idéia mais precisa das condições de trabalho, de
ofícios ou profissões que lhes interessam, e de lhes permitir, assim, escolher
sua profissão com conhecimento de causa".
A Recomendação 117 sobre Formação Profissional, 1962, da OIT, abre espaço para a Preparação pré-profissional:
1.
A preparação pré-profissional deveria proporcionar aos jovens que ainda não
tenham exercido uma atividade profissional uma iniciação a uma variedade de
tipos de trabalho, nunca, porém, efetuar-se em detrimento da educação geral nem
como substituto da primeira fase de formação profissional propriamente dita.
2.
A preparação pré-profissional deveria incluir uma instrução
geral e prática, apropriada à idade dos jovens para:
a)
continuar e completar a educação recebida anteriormente;
b)
dar uma idéia do trabalho prático e desenvolver o gosto e estima por ele, assim
como o interesse pela formação;
c)
revelar interesses e aptidões profissionais, facilitando assim a orientação
profissional;
d)
favorecer a aptidão profissional ulterior.
3.
A preparação pré-profissional deveria compreender, na medida do possível, a
familiarização do educando com o equipamento e os materiais comuns a certo
número de ocupações [16].
O adolescente
e o trabalho educativo
A literatura sobre trabalho educativo
costuma, geralmente, enfocá-lo quando realizado por adolescentes, ênfase que se
compreende, mas que pode levar a uma concepção equivocada sobre o assunto. Como
já se assinalou acima, o trabalho educativo não se restringe à determinada
faixa etária.
Inquestionavelmente, um adolescente
pode realizar bem um trabalho comum. O ideal seria que todo o trabalho
desenvolvido pelo adolescente fosse educativo, implicando qualificação para, no
futuro, ocupar lugar definido no mercado de trabalho e bem remunerado.
Enquanto, porém, este ideal não puder
ser historicamente alcançado, as linhas divisórias entre o trabalho comum e as
diversas modalidades de trabalho educativo devem ser muito
bem nítidas nas normas jurídicas autônomas ou heterônomas que o regulam.
É deturpação etiquetar velhas práticas como trabalhos educativos só porque, por
exemplo, exigem do adolescente trabalho e escolaridade, como se a exigência do
ensino fundamental não fosse hoje, historicamente, um direito e um dever de
cidadania. Se por um lado é equívoco depreciar um trabalho comum que o
adolescente pode dignamente realizar, não é menos desastroso deturpar o
trabalho educativo, via um nominalismo tão em moda, equiparando trabalho comum
e educativo, fazendo um nivelamento inaceitável.
Há de reconhecer que o trabalho
educativo, quando realizado por um adolescente, merece especial cuidado porque
se trata de uma personalidade em desenvolvimento, que exige, concomitantemente,
proteções especiais e prioridade absoluta. Na elaboração jurídica do trabalho
educativo do adolescente, sejam quais forem as suas modalidades, seja qual for a natureza jurídica da relação, devem ser respeitadas as
denominadas “normas genéricas de proteção”: - respeito da idade mínima,
proibição de trabalhos insalubres, perigosos, penosos, noturnos, prejudiciais
ao desenvolvimento físico, moral e social, compatibilidade escola-trabalho.
Esta última merece especial consideração porque, com uma jornada de oito horas,
precedida e seguida de deslocamentos casa - local de trabalho, e vice-versa,
interrompida pelo intervalo da refeição, dificilmente se consegue esta
compatibilidade não só de horários, mas, sobretudo, com a escolaridade diurna
(os efeitos precários do aproveitamento do estudo noturno são notórios), com
uma escolaridade que permita acesso, (ou regresso), permanência e sucesso.
Os programas sociais que cuidam de
adolescentes devem incentivá-los para que se eduquem profissionalmente,
começando pela “educação profissional de nível básico”, não a tomando, porém,
como etapa final, mas como patamar para níveis ulteriores (médio, superior) [17].
Trabalho educativo e idade mínima
As normas
da Convenção 138 da OIT sobre: a) idades mínimas para “emprego e trabalho”, b) a
Constituição sobre direitos trabalhistas e previdenciários do adolescente (art. 227, § 3º, Inc. III) e idades mínimas para “qualquer
trabalho” (Art. 7º, Inc. XXXIII),
c) aprendizagem (lei 10.097/00); têm
efeitos a serem considerados no que se refere às modalidades de trabalho
educativo:
a)
“qualquer
trabalho” comum (isto é fora do programa de aprendizagem) somente a partir dos
16 anos;
b)
“qualquer
trabalho” na empresa, na condição de aprendiz, isto é, em programa de
aprendizagem, somente a partir dos 14 e até os 18 anos;
c)
embora
as normas da Convenção 138 não se apliquem a trabalhos em programas de
profissionalização (art. 6º), todavia, na empresa, somente permitidos a partir
dos 14 anos;
d)
o
trabalho em regime de pré-aprendizagem, embora educativo, não se adequando ao
conceito de aprendizagem da lei 10.097/00, somente pode realizar-se na empresa
a partir dos 16 anos;
e)
todas as modalidade de trabalho educativo do adolescente, exceto o de estágio
(desde que executado nos parâmetros da lei 6494/77 e de seu decreto
regulamentar) realizado em empresa,
tem a garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários;
f)
o
fato do adolescente ser assistido por entidade sem
fins lucrativos e ser encaminhado para o mercado de trabalho, não altera a
natureza do trabalho prestado [18];
g)
Havendo
estrutura adequada, entidades educacionais e entidades sem fins lucrativos
podem desenvolver, dentro de seus muros, programas de trabalho educativo adequados a alunos, assistidos com a ampla
possibilidade oferecida pelo art. 6º da Convenção 138 da OIT [19].
Novas
modalidades de trabalho educativo
Nada
impede, evidentemente, que o Congresso Nacional venha a editar leis que criem
novas modalidades de trabalho educativo, por exemplo, legislando sobre trabalho
educativo na forma de pré-aprendizagem, louvando-se nos parâmetros da OIT acima
apontados. Houve no Congresso Nacional a tramitação de projeto de lei, que se
tivesse sido aprovado redundaria numa regulamentação (cheia de defeitos) do
trabalho educativo na modalidade de pré-aprendizagem.
À guisa de
conclusão, na formulação gramatical “trabalho educativo”, “trabalho” aparece
como “substantivo”, algo “substancial”, “principal”, ao qual “educativo” se
acoplaria como simples “adjetivo”, como “acessório”. Na essência e no dinamismo
do trabalho educativo, educação e trabalho são “substanciais”
e inaceitável qualquer dicotomia que os separe e os oponha como
acessório em relação ao outro.
Nota sobre o autor
Juiz do Trabalho (aposentado), Professor de direito do
Trabalho das Faculdades de Direito USP e UNESP.
[1] Oliveira, Betty, O
Trabalho Educativo: Reflexões sobre Paradigmas e Problemas do Pensamento
Pedagógico Brasileiro, Campinas, S.P. Autores
Associados, 1996. (Coleção Polêmicas Nosso Tempo), p. 67.
[2] Idem,
ibidem, p. 68.
[3] Idem,
ibidem, p. 21.
[4] Campos,
etc.
[5] Costa,
Antonio Carlos Gomes da, FEBEM - MG e a proposta da Educação pelo Trabalho em Menor e Sociedade Brasileira, mimeo, 1988, p.5.
[6] Idem,
ibidem, p.12.
[7] Ibidem,
p. 9.
[8] Pedro
Demo - Educação Básica e Trabalho do Menor, Mimeo,
1985.
[9] Celso
João Ferretti, Educação para o Trabalho em O Trabalho no Brasil no Limiar do
Século XXI, São Paulo, ed. LTr., 1995, p. 63 e 80.
[10] (1988,
II, p. 11).
[11] Em termos de lógica formal
seria melhor dizer que o termo “trabalho educativo” é analógico porque se
realiza integralmente em cada uma das modalidades, assim como “belo” não se
esgota em nenhuma coisa bela.
[12] A cooperativa-escola foi
regulada pela Resolução n° 23 de 1982 do Conselho Nacional de Cooperativismo. Nem
sempre é fácil estabelecer um equilíbrio entre as injunções da lucratividade
exigidas por uma cooperativa e a progressividade curricular, como assinalam
Marques, Pedro V. e Harold G. Love
(Cooperativa-Escola nas Escolas Técnicas Agrícolas, mimeo,
Piracicaba, 1992, p.13);
[13]
Fenômeno análogo se deu após a edição da emenda 20: - programas de inserção de
adolescentes no mercado de trabalho fora de um processo de qualificação
profissional, sem alterações substanciais ou acidentais (a não ser a placa de
identificação da entidade) passaram a denominar-se de “aprendizagem”; outros
não deixaram por menos, passaram a ser educativos e de
aprendizagem..
[14] Não é
por acaso que as Convenções 33 (1932) e 60 (revisão) (1937) da OIT sobre idade
mínima para admissão em trabalhos não industriais dão ao trabalho educativo,
quando executado em processo de profissionalização, tratamento privilegiado.
[15] J.M Luttringer, Le Droit de la Formation
Continue, Dalloz, Paris, 1986, p.2. (Cf. Glossário da UNESCO, "ad verbum"
“educação permanente".
[16]
A lei francesa (Royer) de 1973 (art. 57; 3º alínea)
contempla "período de pré-aprendizagem": - “Os alunos que seguem um
ensino alternado podem fazer estágios de iniciação ou de adaptação em um meio
profissional durante os dois últimos anos da escolaridade obrigatória" ( Code du
Travail, art.211-1 ) Neste período o aluno se
beneficia do estatuto escolar e de condições idênticas àquelas oferecidas por
etapas que permitem a preparação de um diploma de ensino técnico do nível de
operário qualificado "(Cf. G.Friedel, Encyclopédie Dalloz, Repertoire de Droit du Travail, 1.976, ad verbum Apprentissage")
[17] O
Decreto 2203/97 que regulamenta os artigos 36 e 39/42 da LDB (lei 9.394/96)
concernentes à educação profissional distingue os três graus:- básico, médio e
superior.
[18] O
adjetivo “assistido” do art. 67 do ECA qualifica o
substantivo “adolescente” e não indica uma modalidade de trabalho específica
que seria “trabalho assistido”. A assistência prepara adolescentes para
ingresso no mercado de trabalho, acompanha-os na execução, mas não afeta a
natureza jurídica do trabalho, com os direitos garantidos conforme modalidade
de regime, de emprego, cooperativo, etc.
[19] Nesta hipótese, a relação jurídica que alunos assistidos terão com a entidade promotora do trabalho educativo será da natureza civil, há entre toda escola com seus alunos.