ECA. ABANDONO DOS
ESTUDOS. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. Descabe o apenamento
do pai pelo fato de sua filha não estar freqüentando a escola. Não se visualiza
conduta dolosa ou culposa simplesmente por os pais não saberem o que fazer com
a filha que conta 16 anos, possui um corpo avantajado e não mais os obedece. (Apelação
Cível - Sétima Câmara Cível N° 70002785848, DESª
Maria Berenice Dias, Relatora-Presidente. 17.10.01).
Nº 70002785848
2001/CIVEL
Apelação Cível -
Sétima Câmara Cível
N° 70002785848 –
Sobradinho
J. A. O. e L. O.
– Apelantes
MinistÉrio
Público – Apelado
ACÓRDÃO
Vistos, relatados
e discutidos os autos.
Acordam os
Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado, à unanimidade, prover o apelo.
Custas, na forma
da lei.
Participaram do
julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Desembargadores José
Carlos Teixeira Giorgis e Sérgio Fernando de
Vasconcellos Chaves.
Porto Alegre, 17 de outubro de 2001.
DESª Maria Berenice Dias,
Relatora-Presidente.
RELATÓRIO
Desª Maria Berenice
Dias (Relatora-presidente) -
O MINISTÉRIO
PÚBLICO ofereceu representação visando à aplicação de penalidade por infração
administrativa consistente no descumprimento culposo dos deveres inerentes ao
pátrio poder contra J.A.O. e L.O. com relação a sua filha J.O., de 16 anos de
idade, alegando que os pais não vêm cumprindo o dever de dirigir a criação e a
educação da menina, que, desde março de 2000, deixou de freqüentar a escola,
tendo o educandário e o Conselho Tutelar realizando diligências, não obtendo
resposta dos responsáveis legais, os quais igualmente ignoraram a convocação
para comparecimento perante a Promotoria de Justiça.
Foi realizada
audiência de advertência (fl. 09), não tendo a menor
retornado à escola (fls. 14/15).
Transcorreu in albis o
prazo contestacional.
O Ministério
Público opinou pela procedência da representação, para que seja aplicada aos
representados a penalidade prevista no art. 249 do ECA
(fls. 16/18).
Sobreveio
sentença (fls. 19/22), que julgou procedente a representação, aplicando aos
representados a pena pecuniária de três salários mínimos, por infringência ao disposto nos arts.
249 do ECA e 384, I, do CC.
Irresignados, os representados apelam (fls.
26/31) argüindo, preliminarmente, a nulidade do procedimento, por ter decorrido
sem a atuação de defensor. No mérito, alegam que a filha é de porte físico
avantajado e não obedece os pais, que tudo fizeram
para que ela freqüentasse a escola, sem contudo obter êxito. Sustentam não ter
condições de arcar com a multa imposta, já que o varão, como funcionário
público aposentado, percebe por volta de um salário mínimo, enquanto a mulher
se dedica às lides domésticas. Requerem a reforma da sentença, para que se
julgue nulo o feito ou improcedente a representação.
Contra-arrazoado
o recurso (fls. 33/35) e mantida a decisão hostilizada (fl. 37 v.), subiram os
autos a esta Corte.
A Procuradoria de
Justiça, com vista, opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 40/43).
É o relatório.
VOTO
Desª Maria Berenice
Dias (Relatora-presidente) -
Duas vezes
convocados à escola pelo fato de sua filha não estar freqüentando as aulas,
fez-se presente o genitor dizendo que simplesmente não sabe o que fazer,
ratificando a justificativa apresentada pela menina de que não quer mais
estudar.
Além disso,
compareceu o genitor à audiência (fl. 09), e, mesmo tendo sido advertido de que
sua filha deveria retornar aos estudos, ela não voltou a freqüentar as aulas.
Ora, não se
visualiza conduta dolosa ou culposa a tipificar infração administrativa e
justificar o conseqüente apenamento do genitor,
impondo-lhe o pagamento de multa em valor três vezes superior ao seu salário.
Ainda que o
Estado conceda especial proteção à família (art. 226 da CF) e garanta à criança
e ao adolescente um leque de direitos e prerrogativas, o fato é que se limita a
delegar à família o encargo de tornar efetivos tais direitos.
Significativa a
ordem dos responsáveis estabelecida no art. 227 da CF para dar cumprimento ao
dever de assegurar tais direitos: a família, a sociedade e o Estado. Ou seja,
reserva o Estado para si uma cômoda posição, ao se colocar em último lugar na
identificação de responsabilidades.
De qualquer forma
e mesmo assim, quase que se reservando uma "competência residual",
não desempenha o Estado minimamente o mister que também é seu e que deveria
atender com absoluta prioridade. Não basta criar o aparato dos Conselhos
Tutelares, nem estabelecer o ECA um elenco de
infrações administrativas para assegurar os direitos dos menores conferindo
legitimidade ao Ministério Público para oferecer representação.
Ainda que seja
assegurado o direito à educação, descabe considerar como descumprimento doloso
ou culposo aos deveres inerentes ao pátrio poder o fato de o pai "não
saber o que fazer" com a filha que conta 16 anos de idade, possui porte
avantajado e simplesmente não quer mais estudar.
Ora, diante de
tal quadro, ou seja, inviabilizada a possibilidade de o pai assegurar o
adimplemento do direito à educação, mister que tal encargo seja assumido pelo
Estado, que não pode simplesmente penalizar o genitor aplicando-lhe multa em
valor três vezes superior ao seu salário.
O que é
imperioso, diante de tal situação, é que receba a adolescente um atendimento
psicológico e que haja um acompanhamento de toda a família para que retorne a
autoridade à estrutura familiar.
Assim, se cabe
culpar alguém, quem deveria ser penalizado é o Estado, quer porque não mantém
nas escolas um serviço de atendimento aos alunos e de suporte aos pais, quer
porque nem o Conselho Tutelar ou o próprio Poder Judiciário disponibilizam
qualquer estrutura para atender a tais situações.
Ao certo que
impor ao pai o pagamento de uma multa não vai fazer a filha retornar à escola,
aliás não é por meio da imposição de penas pecuniárias aos pais que se irá
mudar a conduta dos filhos.
Ao depois, há que
se atentar para o fato de que o Estado, que se omitiu de sua responsabilidade
assistencial, restará beneficiado com a arrecadação do valor da multa.
Por tais
fundamentos é que acolho o recurso.
DES. JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS – De acordo.
Des. Sérgio Fernando
de Vasconcellos Chaves – De acordo.
Desª maria berenice dias - presidente – APELAÇÃO CÍVEL nº 70002785848, de SOBRADINHO.
"PROVERAM. UNÂNIME."
Decisor(a) de 1º Grau: Romani Terezinha Bortolas Dalcin.