EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO FORO REGIONAL DE PINHEIROS

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, através a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância  e Juventude da Capital, pelos Signatários, vem,  respeitosamente, à presença de V. Exa. para, nos termos dos arts. 129, III e IX, da Constituição da República, 25, IV, a, da Lei 8.625/93, 103, VIII da Lei Complementar Estadual 734/93, 5º da Lei 7.347/85, 208 e seguintes do Estatuto da Criança e do Adolescente e 91 e seguintes da Lei Federal  8.078/90, propor ação civil pública com pedido de obrigações de fazer e  de indenizar, com pedido de liminar de cunho mandamental nos termos dos arts. 213, §§ 1º e 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente e 84, § 3º, da Lei nº 8.078/90  em face do ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno, representada em Juízo, por força do art. 12, I, do Código de Processo Civil, por seu Procurador-Geral, com endereço no Pátio do Colégio, s/nº, e do SINDICATO DOS PROFESSORES DO ENSINO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – APEOESP, entidade sindical representada por seu Presidente, com endereço à Praça da República, nº 282, ambos no Centro desta Urbe, pelos motivos de fato e razões de direito que doravante passa a aduzir.

 

 

I.                   DOS FATOS.

 

É  público e notório que o sistema Estadual de educação enfrenta movimento paredista por parte dos profissionais de ensino, o qual abrange, com maior ou menor grau de adesão, toda a extensão territorial de São Paulo – e isso desde o dia 02 de maio do corrente ano.

 

O movimento paredista tem por finalidade a obtenção de melhoria nos salários, conforme fartamente noticiado pela mídia (v. documentos em anexo), sendo certo que, durante o desenrolar da greve, vários episódios de violência puderam ser constatados, como os ocorridos na Avenida Paulista e o que vitimou o Exmo. Sr. Governador do Estado.

 

Sem embargo da eventual justeza do pleito manifestado pelos profissionais de ensino – que não será questionado na presente sede – , o certo é que o movimento perdura por mais de quarenta dias, durante os quais as verdadeiras vítimas do descalabro propiciado pelos Acionados – os alunos da rede Estadual de ensino e seus representantes legais – se encontram em situação de absoluto abandono, vendo fluir o ano-calendário  e não tendo as necessárias e devidas aulas, correndo o sério risco de perderem o ano letivo ou de serem obrigados a repor a carga horária em finais-de-semana ou durante o período de férias escolares.

 

Em verdade, enquanto Estado e Sindicato discutem eventual acordo, enquanto embates até mesmo físicos são verificados, as verdadeiras e autênticas vítimas da situação criada por ambos são absolutamente desprezadas, quando, acima de tudo, deveriam as Autoridades Públicas e os profissionais de ensino atentarem para o fato de que o prejuízo maior e mais efetivo decorrente do movimento paredista não afetará nem aos cofres do Estado e tampouco aos professores – mas aos alunos, cujo sagrado direito à educação – público e subjetivo nos termos do art. 208, I e § 1º da Carta Magna – parece ser questão de nenhuma importância dentro da autêntica “queda de braço” que tristemente se é obrigado a presenciar.

 

Enquanto o movimento persiste, com resistência de ambas as partes para que o impasse possa ser solucionado, número significativo de alunos está sendo obrigado a permanecer nas respectivas residências – quando deveriam estar na escola – com evidente prejuízo ao adequado processo pedagógico previsto pela Lei Federal nº 9.394/96, em autêntica negativa ao princípio da continuidade do ensino assegurado pelo art. 208, § 2º, da Constituição da República.

 

          II - DO DIREITO.

 

O art. 6º da Carta de Princípios elenca a educação como direito social fundamental, inalienável e indisponível.

 

Em seus arts. 205 e seguintes, deixou a Constituição patente que a educação é direito de todos e dever do Estado, trazendo os princípios pelos quais a obrigação do Poder Público será cumprida e os interesses sociais resguardados.

 

Dentre tais princípios – e revelando, mais uma vez, a especial preocupação do legislador para com o tema educação – destacam-se aqueles insertos nos arts. 206, VII – consubstanciado na garantia de padrão de qualidade do ensino – e  208, §§ 1º (que assevera ser a educação direito público subjetivo) e 2º (que trata da oferta regular do ensino), todos da Constituição da República.

 

À evidência que a oferta regular de ensino não implica apenas no dever de ministrar a educação de forma gratuita, mas de fazê-lo dentro de padrões mínimos de qualidade e de modo contínuo, vedadas indevidas e prolongadas paralisações, que trazem efetivos e por vezes irreparáveis prejuízos ao processo de aprendizagem.

 

É certo que a Constituição da República assegurou o direito de greve, em seu art. 9º, moldando-o, não obstante, a limites fixados por lei, que deverá resguardar “o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (cf. § 1º).

 

Ocorre que mencionada lei, até o momento, não foi promulgada.

 

Não obstante, à evidência que por força da própria Constituição Federal o direito de greve não pode afetar as necessidades inadiáveis da sociedade, dentre as quais, com efetiva prioridade, figura a educação, consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal, por sua 2ª Turma, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 208.278-3/RS (rel. Min. Carlos Velloso, “in” DJU de 13 de outubro de 1.997, p. 51.487).

 

De fato, o próprio Presidente da República, em recente discurso proferido em solenidade de formatura de novos diplomatas no Instituto Rio Branco, afiançou que a educação é o único caminho para o combate à exclusão social.

 

Demais disso, o art. 208, § 1º, da Magna Carta assevera que a educação é direito público subjetivo, não sendo demais lembrar, ainda, que seu art. 227 confere prioridade absoluta aos interesses afetos à infância e à juventude.

 

Tendo em conta tais fatos, à evidência que o direito à educação é indisponível, inalienável e inadiável, de sorte que o movimento paredista em curso está a gerar efeitos sociais nefastos, prejudicando significativo número de crianças e adolescentes, assim como trazendo sensíveis transtornos a seus representantes legais.

 

Os direitos de acesso à educação e do recebimento de ensino regular também são resguardados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que confere prioridade absoluta aos temas afetos à infância e à juventude (art. 4º), inclusive na área com a qual se está a tratar, como se observa dos arts. 53 e 54.

 

Dentre os direitos assegurados pelo art. 53, aliás, se encontra o de serem crianças e adolescentes respeitados por seus educadores (II).

 

O tema da educação, impende frisar, é de tal transcendência que há lei federal com quase uma centena de artigos destinada a tratar especificamente de suas diretrizes e bases.

 

Esse diploma, a Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no que se refere aos deveres do Estado, trata do acesso universal, obrigatório e gratuito ao ensino fundamental (art. 4º, I), além de novamente enfatizar que mencionado acesso é direito público subjetivo, legitimando qualquer cidadão ou entidade a acionar o Poder Público visando a assegurar sua efetividade (art. 5º).

 

Mencionada lei prevê ainda, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (cf. art. 3º, I), obriga os pais ou responsáveis a matricularem seus filhos no ensino fundamental (art. 6º), assim como o dever do Poder Público de adotar programas suplementares de suporte aos alunos, com o escopo de propiciar efetivo aproveitamento do ensino (cf. art. 4º, VIII).

 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação traz, ainda, a obrigatoriedade de ser observada, na educação fundamental, a carga horária mínima de oitocentas horas, distribuídas em duzentos dias “de efetivo trabalho escolar”, nos termos do art. 24, I.

 

Mercê da carga horária contemplada pela Lei Federal nº 9.394/96, o Poder Público institui – com a colaboração do corpo docente (cf. art. 13, II e V) – o calendário escolar referente ao ano letivo, de sorte a otimizar a oferta do ensino, racionalizá-lo e zelar por sua continuidade, necessária para que a aprendizagem seja profícua.

 

II.                DA CONCLUSÃO.

 

Não questiona o Autor, nesta oportunidade, o direito dos profissionais de ensino de reivindicarem melhores salários, nem, tampouco, os argumentos do Poder Público Estadual utilizados para o não atendimento do quanto postulado.

 

No entanto, não pode ficar inerte ante o grave quadro de lesão social propiciado pela insensibilidade dos contendores, que propicia permaneça significativo número de alunos da rede pública Estadual impedido de freqüentar o ensino regular.

 

Em decorrência de tal quadro, os acionados estão permitindo que o processo pedagógico seja violentado, ao imporem aos alunos longo período de inatividade escolar, estão colocando em risco o próprio ano letivo, ao deixarem de solucionar o movimento paredista por longo espaço de tempo, tornando duvidoso o cumprimento da carga horária mínima estipulada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, geram inequívoco prejuízo aos representantes legais dos alunos, que se vêem obrigados a deixar de lado atividades profissionais para cuidarem dos filhos – que deveriam estar na escola – e lhes fornecerem alimentação e tratamento médico (deveres inerentes ao Estado, por conta do disposto no art. 4º, VIII, da Lei Federal 9.394/96), dentre outras lesões, insuscetíveis de  serem arroladas de modo exaustivo.

 

Assim agindo, os Requeridos desestimulam os alunos, propiciando que o índice de abandono escolar sofra significativo aumento, em atitude inversa a seus deveres constitucionais e legais.

 

De tal conduta surge inequívoco dano moral aos alunos da rede pública de ensino do Estado, os quais são impedidos de estudar e, ao mesmo tempo, observam seus colegas, das redes Municipais e particulares, exercerem com efetividade o direito público subjetivo de acesso à educação regular, podendo evoluir enquanto aqueles permanecem em compasso de espera, pelas indevidas e impensadas atitudes adotadas pelos Acionados.

 

Demais disso, a eventual perda do ano letivo em decorrência da impossibilidade de cumprimento da carga horária estipulada na Lei de Diretrizes e Bases, tendo em vista a longa duração do movimento paredista, fará com que os alunos da rede pública de ensino Estadual fiquem defasados em um ano quando cotejados a seus amigos e colegas inseridos em outras unidades educacionais, ensejando conseqüências nefastas nos respectivos processos de formação, inclusive com seqüelas de ordem psicológica, que podem se tornar irreversíveis.

 

Cumpre afiançar, outrossim, que para o cumprimento da carga horária mencionada se fará necessário, no mínimo, que os alunos percam finais-de-semana e período de férias escolares, em detrimento do saudável e essencial convívio familiar, enquanto os seus colegas, pertencentes a outras redes de ensino, permanecerão exercendo regularmente os respectivos direitos.

 

Como se observa, o movimento paredista propiciado pelos Acionados já ensejou a eclosão de significativos danos morais e materiais aos alunos e a seus pais e representantes – estes forçados a alterar as suas rotinas, a abandonar atividades profissionais anteriormente tratadas, a ver frustrada a expectativa de merecidas férias na companhia dos filhos, além de arcar com os custos inerentes ao não fornecimento, pelas unidades escolares, de tratamento médico e de alimentação, como imposto pelo art. 4º, VIII, da Lei nº 9.394/96.

 

Necessário que se dê um basta à indesejada situação, sob pena de se legitimar a conduta adotada pelos Acionados, em detrimento, mais uma vez, da sociedade Paulista, cansada de ser vítima de atrocidades.

 

Indispensável que a irresponsabilidade de alguns, inscientes da gravidade das funções que exercem, seja devidamente coarctada, de sorte a resguardar o direito daqueles que sofrem sem ter voz e que são ignorados dentro de pleitos egoísticos como aqueles que estamos a lidar – os alunos, destinatários da educação e motivo de sua própria existência.

 

VII. DO PEDIDO DE LIMINAR

 

Atento a realidades como a abordada nos autos, o Estatuto da Criança e do Adolescente não poderia se omitir ante a premência da adoção de medidas jurisdicionais tendentes a garantir a eficácia da prioridade do tratamento destinado à infância e à juventude, bem como à educação.

 

Assim é que em seu art. 213, § 1º, a Lei Federal nº 8.069/90 conferiu ao Magistrado o poder de conceder a tutela liminarmente, quando relevante o fundamento da demanda e ante a existência de justificado receio da ocorrência de novas lesões antes de prolatado o provimento final.

 

Idêntica disposição, aliás, se encontra inserida no art. 84, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, além de emanar do próprio art. 12 da Lei Federal nº 7.347/85.

 

Essa exatamente a hipótese dos autos.

 

Com efeito, o direito à educação – público e subjetivo – assegurado pela Constituição Federal vem sendo desrespeitado por Estado e APEOESP, os quais, ciosos de seus próprios interesses, deixam ao léu as verdadeiras vítimas de suas condutas.

 

A irregularidade na oferta do ensino eqüivale à negativa de sua oferta. A persistência da situação atual por certo levará significativo número de alunos a sofrerem danos irreversíveis nos respectivos processos pedagógicos, com reflexos inevitáveis nas esferas moral e patrimonial.

 

Aguardar-se o provimento final sem a adoção imediata de certas cautelas, outrossim, implicaria em conceder-se autêntico “placet” à conduta dos Acionados, permitindo com que as indevidas condutas se protraiam no tempo, de sorte a tornar irreversível a perda do ano letivo por parte de significativo número de alunos.

 

Ante o exposto, havendo lesão a direito líquido e certo assegurado aos alunos da rede pública Estadual de ensino pelos dispositivos constitucionais e legais citados, postula o Autor seja concedida tutela liminar de cunho mandamental, nos termos do art. 212, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, determinando-se ao Poder Público acionado que adote as providências necessárias para o cumprimento, no corrente ano letivo, da carga horária estipulada no art. 24, I, da Lei Federal nº 9.394/96, devendo comunicá-las nos autos no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de apuração de responsabilidades pessoais de administradores e de integrantes do corpo docente da rede Estadual, com cerne nos arts. 54, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, 5º, § 4º, da Lei nº 9.394/96, e 2º e segs. da Lei nº 8.429/92.

 

VIII. DO PEDIDO

 

Concedida a tutela liminar, requer a citação do Estado de São Paulo e do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo – APEOESP – nos endereços acima consignados para, em querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia, sendo certo que a demanda deverá, a final, ser julgada procedente, com o fito de condenar os réus em obrigações de fazer – consistente em adotarem as providências necessárias para a reposição das aulas que deixaram indevidamente de ser ministradas, de sorte a atenderem ao comando inserto no art. 24, I, da Lei Federal nº 9.394/96 – e de indenizar alunos e respectivos representantes legais, por todos os danos morais e patrimoniais decorrentes de suas espúrias condutas, nos termos do art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie por força do disposto nos arts. 224 do Estatuto da Criança e do Adolescente e 21, da Lei Federal nº 7.347/85, cujos valores deverão ser apurados em regulares liquidações, vazadas nos termos dos arts. 97 a 100 da Lei Federal nº 8.078/90.

 

                             Requer sejam as intimações ao Autor expedidas para a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude da Capital, à Rua Major Quedinho, n. 90, 8º andar, tels. 257.2899, r. 214/215/216.

 

                             Protesta pela apresentação de todos os meios de provas em direito admissíveis.

 

Dá à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00 (um mil reais).

 

Termos em que, j. a esta as anexas notícias referentes à greve, extraídas de periódico de larga circulação, pede deferimento.

 

São Paulo, 12 de junho de 2000.

 

Motauri Ciocchetti de Souza

Promotor de Justiça

 

Silvana Buogo

Promotora de Justiça 

____________________________________________________________________