EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE BARÃO DE GRAJAÚ

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, por seu Promotor de Justiça nesta Comarca, com base no arts. 127 e 206, da Constituição Federal e nos demais dispositivos que os regulamentam, vem, através do presente ajuizar AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO LIMlNAR DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA contra o Estado do Maranhão, pessoa jurídica de direito público interno, com domicílio no palácio do governo, na capital deste ente federativo, pelos fatos e razões que passa a expor, para, ao final requerer:

 

DOS FATOS

 

No dia 14 de março do presente ano, compareceram a esta Promotoria de Justiça trinta e seis alunos, os quais delatavam que, em virtude de todos contarem mais de 18 anos de idade, estavam impedidos de cursarem o Ensino Médio Regular, ao tempo em que se lhes obrigavam a assistir ao curso na modalidade de tele-salas.

 

Os discentes asseveravam que, conquanto tivessem reiteradamente pleiteado suas matrículas no curso normal, a vedação foi-lhes expressa e inexorável. Ademais, demonstraram toda sua indignação, haja vista terem se sentido preteridos.

 

Incontinente, o Ministério Público notificou a diretora do Centro de Ensino Médio correspondente - o C. E. M. Aristides Lobão, a professora Maria do Socorro Eufrásio, a qual assim se pronunciou:

 

... Que, desde o ano passado, o Estado adotou o Programa de tele-salas, para fins de garantir o ensino médio a um maior número de pessoas; que, neste ano, porém, um problema ocorreu no educandário dirigido pela depoente; que, de fato, em virtude de determinação governamental, todos os alunos acima de 18 anos estariam obrigados a freqüentar, o curso na modalidade de tele-salas; que, não obstante isso, alguns alunos em Barão de Grajaú têm resistido à imposição; que tais alunos foram à diretoria pugnar por seu direito de freqüentar as aulas em curso normal; que a depoente não teve alternativa, diante das ordens de seus superiores, senão impedir os mesmos alunos de assistirem às aulas do curso normal; que a turma formada por alunos acima de 18 anos funcionou no CEM Aristides Lobão durante duas semanas, com um número de 35 (trinta e cinco) alunos; que, porém, em seguida, determinações advindas da Gerência Regional de São João dos Patos determinaram a suspensão das aulas; que a Gerência exigia a matrícula de tais alunos nas tele-salas; que buscou, por si, garantir o direito dos discentes de inscreverem-se no curso normal; que, apesar disto, não logrou êxito; que possui número suficiente de professores para o curso normal, assim como espaço físico adequado; que, todavia, não teve outra alternativa, senão acatar as ordens da Gerência; que os alunos, diante da imposição, têm afirmado preferirem não estudar, a freqüentarem o curso na modalidade de tele-salas. (v. doc. anexo).

 

DO DIREITO

 

Face à arbitrariedade em que se consubstancia o impedimento de alunos acima de 18 anos cursarem o ensino médio regular, emerge um castelo de princípios e de normas jurídicas. Com efeito, obrigar-se discentes a inserirem-se no Programa Viva Educação é prática visivelmente contrária aos alicerces de um Estado Democrático de Direito, a qual merece ser, imediatamente, fulminada pela Justiça.

 

Para se fundamentar o pedido, reputa-se edificante elencarem-se as seguintes razões:

 

DOS PRINCÍPIOS DA DEMOCRACIA DA IGUALDADE E DA LIBERDADE

 

No dizer do imortal Tobias Barrete, citado por Pinto Ferreira, em seu Curso de Direito Constitucional, “o princípio democrático constitui-se na igualdade, operando como força e na liberdade, operando como tendência, em todos os átomos do corpo social., para a sua completa harmonia e felicidade”. Resta, pois, evidente, que tais normas-princípio, espraiadas no texto da Carta Política mantém íntima conexão entre si, ao tempo em que compelem todo o sistema jurídico à sua indiscutível obediência.

 

Ora, no caso em tela, o que primeiro salta aos olhos é a desigualdade de tratamento entre as pessoas mais abastadas (que podem utilizar-se do sistema privado de ensino) e as menos afortunadas (as quais são impelidas ao sistema público educacional). Em suma, quem puder pagar educandário particular, poderá, INDEPENDENTEMENTE DA IDADE, sempre escolher entre cursar ensino médio em módulo de aceleração (supletivo, dentre outros), ou ingressar na modalidade regular (três anos). Por outro lado, os menos privilegiados, em termos econômicos, estarão, pasme-se!, OBRIGADOS, a ingressar no Programa Viva Educação.

 

Onde  há igualdade?

 

E mais, onde há liberdade?

 

O mais incrível é que, enquanto, lamentavelmente, a grande maioria da população é infensa ao estudo, ao aprendizado, à pesquisa e ao saber - por ainda não lhes ser possível avaliar a extensão dos benefícios -, outra pequena parcela deseja estudar de maneira abalizada, com tempo suficiente para sedimentar os conhecimentos adquiridos.

 

E o que faz o Estado?

 

Deseja obrigar-lhes ao curso relâmpago, cuja duração é de 15 meses!

 

DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES PARA O ACESSO E PERMANÊNCIA NA ESCOLA

 

Especificamente, merece análise a concreta violação ao Princípio da Igualdade de Condições para o Acesso e Permanência na Escola.

 

O sistema de aulas na modalidade de tele-salas diminui, concretamente, o acesso dos discentes ao ensino superior. É que, como sabido, atualmente, existe a possibilidade de ingressar em várias universidades através da avaliação seriada. Somente para citar os exemplos mais próximos, há o PSG na UFMA e o PAS, na UEMA.

 

Ora, a persistir a absurda obrigatoriedade? estar-se-á violando a igualdade de acesso entre aqueles que cursam ensino regular médio e os que se inserem no Viva Educação. A estes, contrário daqueles, restará, tão-somente, o acesso mediante tradicional concurso vestibular.

 

DO TEMPO NO PROCESSO DE APRENIZAGEM

 

A respeito, nem se venha argüir que um curso ministrado durante tão estreito interregno equipara-se a uma educação sedimentada ao longo de anos.

 

O edifício do conhecimento exige tempo, para que tenha suas bases consolidadas. Necessita-se, realmente, de prazo para que se desenvolvam discussões, bem como para se impingir, no espírito do aluno, senso crítico. Afinal, quem verdadeiramente deseja EDUCAR., deve plantar, na alma do discente, a semente do questionamento, da curiosidade, do amor pelo saber. Não se trata de “despejar” conhecimentos previamente preparados. O maior desafio do educador reside em incutir, no aluno a vontade de aprender, de discutir, de ensinar e de transformar uma realidade.

 

Não obstante isso, o que se tem observado, seja em nível nacional, seja em nível estadual, é uma demasiada preocupação com números e com estatísticas, tendo-se por desiderato alijar o País e o Estado do Maranhão da pecha de “entes do Terceiro Mundo”.

 

E como fica a qualidade do ensino? Qual o compromisso real com a Educação, com os cidadãos, com os professores, com a sociedade?

 

Ainda acerca da importância do tempo, no processo de aprendizagem calha à fiveleta o escólio da lavra de Adélia Luiza Portela, de Esmeralda Moura e de Eni Santana Barreto Bastos, na obra: O Direito de Aprender Direito: garantindo a qualidade da educação escola pela Justiça na Educação (in Kozen, Afonso Armando. Org. Pela Justiça na Educação. Brasília, MEC/FUNDESCOLA, 2000. p. 364):

 

 

O tempo curricular deve, pois, ser tomado como um elemento a ser levado em conta na avaliação do desempenho da escola, uma vez que é nesse tempo que se concretizam as relações pedagógicas e é nos seus limites que pode ocorrer o movimento de apropriação do saber sistematizado; (...), que podem acontecer múltiplas interações entre coetâneos, cuja promoção, de maneira ampla, constitui uma singularidade do ambiente escolar; que se desenvolvem habilidades e que se formam atitudes, elementos integrantes do perfil dos indivíduos que a escola tem por incumbência formar. (...)

(...) pesquisas indicam que os alunos daqueles professores que permanecem mais tempo na sala de aula tendem a apresentar melhor desempenho que os alunos daqueles que permanecem menos tempo. Assim, eliminar ou reduzir tempo de aula significa negar ao aluno que lhe é assegurado por lei e reconhecido, todavia, ainda não devidamente cobrado, pelas famílias ou por outros segmentos da sociedade. (...)

 

Essas considerações. Quase todas apoiadas em resultados de pesquisas, pretenderam mostrar que o planejamento, a distribuição e o emprego do tempo tanto podem construir instrumentos de democratização do ensino no interior da escola e da sala de aula, quanto fornecer elementos para uma avaliação da qualidade do trabalho escolar.

 

Ademais, o próprio INEP, órgão responsável pelo SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação, em 1997, indicou que apenas 12,8% dos alunos da 3ª série do ensino médio alcançaram o nível de proficiência desejável em Matemática, para a série correspondente. Em Língua Portuguesa, na mesma pesquisa, somente 24,3%. E esses índices são heterogêneos, já que:

 

apresentam melhores resultados os estudantes das capitais, em relação aos do interior, os alunos das escolas privadas, em relação aos de rede pública e os alunos cujos pais têm nível de escolaridade mais elevado. Essa heterogeneidade (...) parece ser mais um fator de desigualdade, do que simples diferenciação, na medida em que a dimensão das diferenças significa, para os alunos que apresentam desempenhos mais baixos, a oferta de oportunidade de aprendizagem menos efetivas do que aquelas proporcionadas aos alunos que apresentam desempenho mais altos (...) - v. Op. Cit.

 

Pois bem, se, com três anos obrigatórios não se tem logrado o êxito mínimo, no alusivo à proficiência em habilidades básicas do aluno do ensino médio, o que dizer de um programa cuja duração é de apenas quinze meses?

 

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃ DO MAGISTÉRIO

 

Outro ponto a destacar é o visível desrespeito ao princípio constitucional da valorização do magistério.

 

Através do programa Viva Educação, um único profissional é indicado por tele sala, o qual terá a função, impossível, de dirimir dúvidas acerca de todas as disciplinas! Imagine-se um expert em Química, em Física, em Matemática, em Biologia, em Inglês, em Português (Gramática, Literatura e Redação), em História e em Geografia!

 

Como preparar material necessário para cada discussão profícua? Como ensejar discussões salutares em sala de aula? Como solucionar dúvidas? Que tempo terá o profissional para qualificar -se?

 

Iniludivelmente, tal prática criará uma série de constrangimentos ao professor, reduzindo-lhe a credibilidade diante do alunos. Isto porque, certamente, a ninguém é dado manipular, em especial na condição de mestre, todas as áreas do saber.

 

Não bastasse, o professor recebe a qualificação de monitor, na busca de ocultar a sua real função na sala de aula, ao passo em que, repita-se, novamente, é desvalorizado.

 

Sobre cada um destes itens, dentre muitos outros, manifestou-se o Conselho Estadual de Educação do Maranhão em Parecer Técnico requerido pelo Gerente de Desenvolvimento Humano, o Senhor Danilo de Jesus Vieira Furtado, In verbis:

 

 

Constata-se que o Projeto Viva Educação não contempla em suas ações os princípios acima mencionados, quando não oferece:

(...)

respeito à formação do professor, quando este é contratado para ensinar todas as disciplina que compõe a estrutura curricular do projeto, não estando qualificado para tal tarefa, utilizando-se de nomenclaturas como "monitor", em substituição a Professor, visando escamotear a responsabilidade e o papel que este deve desempenhar na sociedade, desvinculando-se dos compromissos de valorização do magistério.

 

DAS VIOLAÇÃO ÀS REGRAS DO CONCURSO PÚBLICO

 

No momento em que se contratam os profissionais para orientar disciplinas ao integrantes do programa “Viva Educação", menospreza-se a regra constitucional de exigência do certame público. Trata-se de visível improbidade administrativa, que, igualmente, merece o repúdio por parte da Justiça.

 

DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Mesmo que, só por amor ao debate e à dialética, olvidassem-se de todos os vícios do Programa Viva Educação, ainda subsistiria, no mínimo, a afronta ao respeito da vontade do aluno, Mesmo que se considerasse que a modalidade de tele-salas fosse tão qualificada quanto o Ensino Regular; mesmo que se considerasse que o tempo seria elemento prescindível no aprendizado mesmo que se considerasse que um único professor pudesse ministrar todas as disciplinas; mesmo que se considerasse que não houve desvalorização do magistério, que não houve burla ao concurso público e que não há mais preocupação com as estatísticas do que com o cidadão; ainda assim, haveria de perguntar-se: COMO SE OBRIGAR alunos a freqüentarem tais cursos, principalmente se, como é o caso, existem infra-estrutura e professores à disposição?

 

Onde e como fica o princípio da Liberdade? Onde?

 

DA TUTELA ANTECIPADA

 

Diante do exposto, verifica-se que aí estão presentes todos os pressupostos - os concorrentes e os alternativos - para o deferimento de uma tutela antecipada.

 

Com efeito, estão presentes a “prova inequívoca" e a "verossimilhança", exigidos pelo caput do art. 273, CPC. Os documentos anexos indicam, sem sombra de dúvidas, que: a) as aulas já iniciaram; b) uma turma de Ensino Médio Regular de trinta e seis discentes já havia encetado o ano letivo, quando após duas semanas, proibiram-se as suas atividades; c) há infra-estrutura e professores suficientes para um curso de Ensino Médio Regular.

 

Além disso, o requisito alternativo do inciso I, do art. 273, do CPC - fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação -  está, indubitavelmente, presente. Afinal, o ano  letivo já se iniciou e os a1unos já se encontram bastante prejudicados. Desta forma, aguardar-se trânsito em julgado seria tornar inócua, por completa, a prestação jurisdicional do Estado

 

Assim sendo, Meritíssimo, conquanto se trate de TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, seu deferimento, inclusive INAUDITA ALTERA PARS, é medida que se impõe, sob pena, repise-se, de sua completa inutilidade.

 

Realmente, caso se espere o prazo de três dias para a concessão da antecipatória, tal como previsto na L. 8.437/92, os alunos perderão, certamente, o ano letivo e o princípio da inafastabilidade da prestação jurisdicional terá sido olvidado. Isto porque a citação, obrigatoriamente, terá de ser feita mediante precatória, tendo como dies a quo, para o transcurso dos três dias, a juntada da carta.

 

Por fim, relembre-se que a L. 8.952/94, que instituiu a Tutela Antecipada no âmbito do Código de Processo Civil, é posterior à L. 8.437/92, de modo que a aplicação da última deve ser mitigada, no que tange à força da norma posterior.

 

Adite-se, também, o fato de que tal antecipação será incapaz de acarretar qualquer ônus econômico para o Estado, na medida em que, como se disse, já se encontram presentes infra-estrutura e professores adequados para o Ensino Médio Regular nesta cidade. Desta forma não se trata de casos de impedimentos de Liminares em Mandados de Segurança, ou em medidas similares.

 

Em suma, Excelência, com base no exposto, o Ministério Público requer, como antecipação do provimento final, inaudita altera pars, que seja determinada à diretora do C.E.M Aristides Lobão o imediato reinicio das aulas naquela entidade educacional na modalidade de ENSINO MÉDIO REGULAR, de modo que se faculte aos estudantes o exercício real de seus direitos educacionais.

 

Ademais tendo em vista tratar-se de obrigação de fazer, requer, desde logo, com base no novel art, 14, V, e parágrafo único, bem como no art. 461, do CPC, que todas as medidas necessárias sejam tomadas, para fins de garantir a efetividade da tutela antecipada.

 

DO PEDIDO

 

Ex positis,o Ministério Público requer digne-se Vossa Excelência de:

 

I)                                    deferir o pedido de tutela antecipada inaldita altera pars, com base nos argumentos expostos e na premência indiscutível;

 

II)                                   citar o Estado do Maranhão, por precatória, em nome de sua Procuradoria;

 

III)                                  finalmente, e em termos definitivos, de determinar o reinício das atividades letivas em curso de Ensino Médio Regular, para aqueles que não desejarem inserir-se no Programa Viva Educação;

 

IV)                                 também, definitivamente, proibir que, nesta Comarca, haja obrigatoriedade de qualquer aluno acima de 18 anos de cursar, sem que o deseje, as tele-salas. Tudo sob pena de multa de R$1.800,00 (mil e oitocentos) reais por cada aluno que foi compelido a tal autoridade.

 

                                       Protesta provar o alegado por todas as formas admitidas em direito, mormente através dos documentos anexos e da oitiva de testemunhas.

 

Dá-se à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00

 

Nestes Termos.

E. Deferimento

 

 

Barão de Grajaú, 01 de abril de 2002

 

Francisco Fernando de Morais Filho

Promotor de Justiça