MANDADO DE SEGURANÇA - Ordem concedida - Recurso interposto pela autoridade apontada como coatora - Falta de preparo - Deserção - Inteligência do artigo 511. do Código de Processo Civil - Agravo retido improvido.A autoridade apontada como coatora não está isenta do preparo das custas recursais, pois o artigo 511 do Código de Processo Civil refere-se unicamente à Fazenda Nacional, Estadual e Municipal.ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE -Conselho Tutelar Escolha pela comunidade local, e não pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cuja atribuição limita-se à organização do respectivo processo.Consoante dispõe expressamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, compete à comunidade local escolher os membros do Conselho Tutelar, (artigo 132), e não ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cuja atribuição, nesse aspecto, limita-se à organização do processo de escolha (artigo 139). (Reexame Necessário nº. 25.750-1, Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná Relator: Des. Tadeu Costa, Julgado em 21/02/1995).

 

 

 

REEXAME NECESSÁRIO Nº. 25.750-1, DE ARAUCÁRIA – VARA CRIMINAL, DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE, FAMÍLIA E ANEXOS

 

 

REMETENTE: DOUTOR JUIZ DE DIREITO

IMPETRANTES: ...e...

IMPETRADO:...

RELATOR. DESEMBARGADOR TADEU COSTA

 

MANDADO DE SEGURANÇA - Ordem concedida - Recurso interposto pela autoridade apontada como coatora - Falta de preparo - Deserção - Inteligência do artigo 511. do Código de Processo Civil - Agravo retido improvido.

 

A autoridade apontada como coatora não está isenta do preparo das custas recursais, pois o artigo 511 do Código de Processo Civil refere-se unicamente à Fazenda Nacional, Estadual e Municipal.

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE -Conselho Tutelar Escolha pela comunidade local, e não pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, cuja atribuição limita-se à organização do respectivo processo.

 

Consoante dispõe expressamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, compete à comunidade local escolher os membros do Conselho Tutelar, (artigo 132), e não ao Conselho Municipal dos Direitos da Criar1ça e do Adolescente, cuja atribuição, nesse aspecto, limita-se à organização do processo de escolha (artigo 139).

 

ACORDÃO N.º 10.917 – 1ª. CÂMARA CIVEL

Reex. Nec. — 25.750-1

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de reexame necessário n.º 25.750-1, de Araucária, Vara Criminal, da Infância e da Juventude, Família e Anexos. em que figuram, como remetente o Doutor Juiz de Direito; como impetrantes,...como impetrado,..., Prefeito Municipal de Araucária.

 

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Prefeito Municipal de Araucária. que. com base no parágrafo único do artigo 26 da Lei Municipal 805/92. baixou a resolução 1/92, regulamentando o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

 

Na inicial, alegaram as impetrantes, em síntese, que. reunindo os requisitos exigidos em lei para postularem a função de membros do Conselho Tutelar, são detentoras do direito liquido e certo de se submeterem à escolha pela comunidade local, conforme estabelece a legislação federal, não pelos membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. como dispõe a legislação municipal.

 

Regularmente processado o writ, com liminar, o Magistrado de primeiro grau proferiu a respeitável sentença de fls. 486-491, julgando procedente a segurança, para declarar “nulos o procedimento de escolha do Conselho Tutelar e atos daí derivados, posse. nomeação dos membros - dados como escolhidos anteriormente”.

 

Inconformados com tal decisão, recorreram ..., autoridade apontada como coatora. e .... Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, argüindo, em preliminar, a impropriedade da ação, ao argumento de que as impetrantes “discutem direito em tese, sem qualquer vinculação prévia com uma possível situação individual sujeita a uma ameaça concreta Sustentaram, em seguida, o que o artigo 14 da Lei 756/90, com a redação ofertada pela Lei 805/92, não contraria nenhum princípio ou regra constitucional e, assim, nada, absolutamente nada, há que impeça o Município de atribuir ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. como representante da comunidade local, a escolha dos membros do Conselho Tutelar.

 

Contra-arrazoado o recurso e ouvido o representante do Ministério Público, o Dr. Juiz proferiu o despacho de fls. 522 verso, declarando deserto o mesmo recurso, por falta de preparo tempestivo, determinando a remessa dos autos a este Tribunal.

 

Por determinação do ilustre relator antecessor, os autos retornaram a Comarca e Vara de origem, a fim de que os recorrentes fossem intimados do aludido despacho. Procedida à intimação necessária, o Município de Araucária interpôs agravo retido (fls. 530-534).

 

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu o parecer de fls. 557-564, opinando pelo provimento do agravo retido e, em decorrência. pelo conhecimento da apelação, mas pelo seu improvimento, confirmando-se a sentença em grau de reexame necessário.

 

2. O agravo retido, interposto pelo Município de Araucária contra a decisão que declarou deserto o recurso voluntário, ao contrário do que sustenta o ilustrado Órgão opinante, não comporta provimento.

 

Como se vê da petição de fls. 492. o referido recurso foi interposto por ... e .... não pelo Município de Araucária. Logo, ao caso não se aplica a regra consubstanciada no artigo 511 do Código de Processo Civil, que dispensa de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela Fazenda Nacional, Estadual e Municipal.

 

Ademais, o apelo nem mesmo deveria ter sido recebido, porque os apelantes carecem de legitimidade para o recurso.

 

Com efeito. tratando-se de mandado de segurança, a legitimidade para o recurso cabe a pessoa jurídica de direito público interessada, a quem cabe a qualidade de parte. e não à autoridade apontada como coatora.

 

E. saliente-se, o que vem. reiteradamente, proclamando o Supremo Tribunal Federal:

 

“Administrativo. Mandado de segurança. Legitimidade para recorrer. E da pessoa jurídica interessada - no caso, o Estado de Rondônia - e não da autoridade coatora. a legitimidade para recorrer” (RT 600/243).

 

Aliás, e a respeito. assim se expressa Castro Nunes:

 

o direito de recorrer compete, nos termos do artigo 814 do Código, a quem for parte na causa, ou quando o determine a lei, ao órgão do Ministério Público.

 

No regime da antiga lei, o coator, que era citado (e não apenas notificado, como o é hoje, para prestar informações). podia recorrer.

 

Parte passiva no mandado de segurança é a pessoa pública interessada, que contesta o pedido e representa a autoridade coatora. E a ela que compete recorrer, se concedida a segurança, e bem assim ao impetrante, na hipótese contrária(“Do Mandado de Segurança”, 8ª ed., pág. 300. no. 187).

 

3. Quanto ao reexame necessário, este, igualmente. não merece prosperar.

 

O Conselho Tutelar, criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e definido pelo seu artigo 131. deve, consoante dispõe o artigo 132, ter seus membros escolhidos pela comunidade local.

 

E reza o artigo 139 do mesmo Estatuto:

 

“O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público”.

 

A Lei 8.069/90. pois. não atribui ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente a escolha dos membros do Conselho Tutelar, mas. sim. lhe dá a responsabilidade. de acordo com o estabelecimento em lei municipal. de promover o processo de escolha.

 

Wilson Donizetti Liberati. analisando o citado artigo 139. explica.

 

“É, portanto. o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente órgão máximo do Município para as questões infanto-juvenis. que deverá definir as bases da organização do processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar, podendo. para tanto, instituir em seu Regimento Interno. Comissões especiais e fixar regras para sua realização e eficácia.

 

Serão os cidadãos do Município que escolherão os conselheiros, através de votação individual, direta e secreta, e de modo simples que atenda às peculiaridades da comunidade local, evitando ônus desnecessário para o Erário público(“Comentário ao Estatuto da Criança e do Adolescente”. 2ª ed., pág. 111).

 

Destarte, se o já mencionado artigo 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, de modo claro e iniludível, que compete ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, apenas e tão-somente. organizar o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, não poderia a lei municipal ampliar as atribuições do mesmo Conselho. conferindo-lhe o direito da escolha daqueles membros, mesmo porque, tratando-se de lei federal, a atribuir tal escolha á comunidade local (artigo 132), obrigados estão os Municípios a estabelecer o processo de escolha por esse preceito. não podendo antepor, à referida norma, dispositivo de legislação local.

 

Ora, se a lei municipal não pode suprimir a participação da comunidade local na escolha dos membros do Conselho Tutelar, resta evidente que ao Prefeito Municipal é defeso. através de simples resolução, excluir a mesma comunidade dessa escolha, atribuindo-a ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Assim procedendo. o Prefeito Municipal de Araucária subtraiu o direito liquido e certo das impetrantes de submeterem seus nomes à escolha pela comunidade local.

 

E, vale observar, o que demonstra o judicioso parecer de fls. 480-484. da lavra do eminente Promotor de Justiça Moacir Gonçalves Nogueira Neto. cita­do pela douta Procuradoria-Geral de Justiça. que aqui se reproduz e se adota como razões de decidir:

 

“É licito aos prejudicados, no caso as autoras. impetrarem o writ contra autoridade que praticar atos executórios determinados na lei. As impetrantes. através do presente feito, combatem ato do Prefeito Municipal (resolução n.º 01/92) que estabeleceu regras para o processo de escolha do Conselho Tutelar e ato da Presidente do C M D C.A

 

que acatando as regras contidas naquele ato realizou a referida eleição.

 

O artigo 14 da lei municipal n0. 756/90, com redação dada pela lei municipal n0. 805/92, prevê em sua parte final:

 

a serem escolhidos pelos membros do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Referido artigo, e isto me parece evidente, e inconstitucional e, por via de conseqüência. todos os atos emanados do Poder Público com base em tal dispositivo estão maculados pela ilegalidade, sendo pois, suscetíveis de serem atacados via mandado de segurança.

 

A Lei Federal n0. 8.069 (Estatuto da Criança e do Adolescente) em seus artigos 132 e 139 (redação dada pela lei n0. 8.242) estabelece que os componentes do Conse­lho Tutelar deverão ser escolhidos pela comunidade local, devendo o processo de escolha ser estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

Se é bem verdade que o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a nova redação, não exige mais a realização de eleições para a escolha dos membros do Conselho Tutelar (conforme exigia o texto original) é certo que o processo de escolha deve ser estabelecido através de lei municipal, não podendo ser substituída por ato exclusivo do Prefeito Municipal. Assim, por outras palavras, não cabe ao Poder Executivo ditar normas para o processo de escolha e sim ao Poder Legislativo.

 

Por outro lado, em nosso sentir, quando a lei municipal referida diz que os componentes do Conselho Tutelar serão escolhidos pelo Conselho Municipal, fere princípio consagrado no E.C.A., uma vez que, se o Estatuto prevê que o processo de escolha deverá ser realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal, está a proibir que tal escolha seja feita pelos componentes desse último conselho com exclusividade.

 

Oportuno ressaltar que a regra referida estabelecida no Estatuto diz respeito a norma de caráter geral, portanto. nem hipoteticamente. está ferindo o princípio constitucional da autonomia municipal (artigo 24, inciso XV e § lº., da Constituição Federal).

 

Assim sendo, ferindo a lei municipal regra definida em lei federal, a primeira está a ofender não só a Constituição Federal como a própria Constituição Estadual (art. 10., inciso).

 

É induvidoso que as impetrantes têm o direito líquido e certo de participarem como candidatas do processo de escolha dos componentes do Conselho Tutelar com regras previamente aprovadas e estabelecidas em lei municipal e não através de ato exclusivo do chefe do Poder Executivo local.

 

O fato de não ter havido ainda posse nem nomeação, não afasta o direito líquido e certo das autoras, posto que elas guerreiam não a eventual realização de tais atos, mas sim o ato do Prefeito Municipal que ilegalmente disciplinou o processo de escolha e, também, por conseqüência. ato que realizou tal escolha segundo as regras definidas pelo Prefeito Municipal.

 

Em suma: o ilustre julgador singular. ao conceder a segurança. decidiu com inegável acerto, daí por que a sua decisão, antes de merecer qualquer reparo, é digna de integral confirmação, inclusive por seus próprios e jurídicos fundamentos.

 

Ante o exposto:

 

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, negar provimento ao agravo retido interposto pela Prefeitura Municipal de Araucária e confirmar a sentença em grau de reexame necessário.

 

Curitiba, 21 de fevereiro de 1995.

 

OTO SPONHOLZ

Presidente e Revisor

 

TADEU COSTA

Relator

 

MENDONÇA DE ANUNCIAÇÃO

Juiz Convocado