O TRABALHO DOMÉSTICO INFANTIL
Maria Amélia Bracks Duarte
Procuradora
do Trabalho, MG.
Em 27 de abril comemora-se o dia do trabalhador doméstico, cuja lei nº 5859/72 fez 30 anos em 11.12.02. Desde então, com exceção da jornada de trabalho e do FGTS, que ainda é facultativo, o empregado doméstico tem direito a férias, 13º salário, aviso prévio, repouso remunerado e os benefícios previdenciários.
No entanto, apesar dessa conquista para o jovem a partir de 16 anos, idade mínima do trabalhador, a ONU recentemente declarou que milhões de crianças no mundo inteiro trabalham como empregadas domésticas. Essa é uma das formas de abuso da mão-de-obra infantil mais visíveis, menos pesquisadas e mais aceitas socialmente. Segundo o IBGE¸ em pesquisa de 1998, somente no Brasil há cerca de 300 mil crianças no trabalho doméstico, sendo a maior parte do sexo feminino, que está reproduzindo a história da mãe que é ou foi trabalhadora doméstica. Dependendo das famílias que empregam essas crianças¸ elas ficam presas em um ciclo de tarefas extenuantes, em regime de semi-escravidão; são privadas de brincadeiras e atividades sociais, de apoio emocional por parte da família e de amigos. Muitas trabalham em troca de comida e do quartinho que lhes é destinado nos precários espaços dos apartamentos. Com baixa auto-estima essas crianças não vislumbram um futuro digno.
Uma das principais preocupações com o trabalho doméstico infantil advém da perspectiva de que este tipo de trabalho, em particular quando exercido na infância¸ pode ter importantes impactos negativos sobre a escolaridade a ser atingida e a inserção futura das pessoas no mercado de trabalho. Vários fatores contribuem para a grande quantidade de crianças empregadas domésticas. Com o ingresso de um número cada vez maior de mulheres no mercado de trabalho, surgiu a necessidade de se contratar alguém para realizar as atividades para a manutenção do lar. Crianças provenientes de famílias pobres¸ incluindo aquelas que a pobreza expulsou das áreas rurais para as urbanas à procura de emprego, tornaram-se uma fonte imediata para esse tipo de trabalho. Somem-se à precariedade das condições de vida as possibilidades de desordens familiares pela morte ou abandono por parte dos pais, além da tentativa de libertação das meninas do jugo que a sociedade lhes impõe. Em geral, saem da casa paterna onde são estupradas pelo pai ou irmãos para as residências particulares onde também são violentadas e sofrem seqüelas psicológicas. Quando descoberto o assédio sexual a que são submetidas, são despedidas e postas na rua. Restam-lhes, muitas das vezes, como opção, os caminhos da prostituição, das drogas e dos crimes.
Leio em reportagem da jornalista Bárbara Holanda, da Tribuna do Norte, Natal/RN, que o emprego doméstico é difícil de ser estudado porque as trabalhadoras não formam uma categoria organizada. O trabalho infantil doméstico é ignorado porque cada criança está empregada separadamente e trabalha na privacidade de uma casa¸ nunca reivindicando direitos, por desconhecê-los, ou por medo do abandono ou porque muitas vezes o único afeto que recebem vem do contato frio dos patrões. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece, no seu art. 248, infração administrativa de multa de três a vinte salários mínimos para quem trouxer crianças e adolescentes de outras comarcas para a prestação do serviço doméstico e não solicitar à autoridade judiciária de seu município a regularização da guarda, mesmo que autorizado pelos pais ou responsáveis da criança ou do jovem. Tutela-se, neste caso, a preservação dos direitos fundamentais do adolescente: proteção à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, ao esporte, ao lazer, à convivência familiar e comunitária. Quando há violação ou ameaça a esses direitos, o Estado é o maior responsável pelo seu resgate e ressarcimento.
Entre as formas mais eficazes de proteger as crianças e adolescentes empregadas domésticas está o fortalecimento e instrumentalização dos Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares, de modo que possam¸ de fato, garantir os direitos previstos em lei e impedir sua violação no âmbito de suas respectivas competências. Outra forma é a realização de campanhas sistemáticas de esclarecimentos sobre os múltiplos aspectos do emprego doméstico e os limites precisos da ajuda de crianças e adolescentes nas tarefas domésticas.
A comemoração do dia do trabalhador doméstico não deve ter pudor de enfrentar esta questão do trabalho infantil. Afinal¸ somente na fábula infantil da Cinderela é que a vida de sofrimento exaustivo da menina doméstica foi libertada pelo beijo do príncipe encantado. Longe da ficção, espera-se, apenas, que os direitos das crianças e adolescentes sejam respeitados.