CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AUSÊNCIA DE CONCURSO
PÚBLICO - NULIDADE - Políticas de melhoramento das condições sociais de menores
é função do poder público. Programas sociais nesse sentido dignificam a
atividade política. Todavia, é intolerável que, a pretexto de cumprir esse
dever público, o poder público municipal, fazendo tábula
rasa aos requisitos em lei previstos, utiliza-se de mão-de-obra de
trabalhadores menores, relegando a plano inferior o programa de aprendizagem
criado, transformando-o em meio ilícito de intermediação de mão-de-obra. Há
nesse caso a responsabilidade pelos direitos trabalhistas do Município agente,
não lhe socorrendo a própria torpeza a previsão contida no artigo 37, inciso
II, da Constituição da República de 1988. (RO nº 00145-2002-047-03-00-8,
TRT-MG, Relator: Juiz José Marlon de Freitas, Julgado
em 07/10/2002).
TRIBUNAL: 3ª Região
Tipo: RO Número: 8644
ANO: 2002
PROCESSO: 00145-2002-047-03-00-8 TRT-RO-8644/02
RECORRENTES: 1)
VARA DO TRABALHO DE ARAGUARI (EX OFFICIO) 2) MUNICÍPIO DE ARAGUARI 3) CAMILA
NAVES RIBEIRO RECORRIDOS: 1) OS MESMOS 2) CMBEM CONSELHO MUNICIPAL DO BEM ESTAR
DO MENOR
EMENTA: CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AUSÊNCIA DE CONCURSO
PÚBLICO - NULIDADE - Políticas de melhoramento das condições sociais de menores
é função do poder público. Programas sociais nesse sentido dignificam a
atividade política. Todavia, é intolerável que, a pretexto de cumprir esse
dever público, o poder público municipal, fazendo tábula
rasa aos requisitos em lei previstos, utiliza-se de mão-de-obra de
trabalhadores menores, relegando a plano inferior o programa de aprendizagem
criado, transformando-o em meio ilícito de intermediação de mão-de-obra. Há
nesse caso a responsabilidade pelos direitos trabalhistas do Município agente,
não lhe socorrendo a própria torpeza a previsão contida no artigo 37, inciso
II, da Constituição da República de 1988. Vistos os autos, relatados e
discutidos os presentes Recursos Ordinários interpostos contra decisão
proferida pelo Juízo da MM. Vara do Trabalho de Araguari, em que figuram, como
Recorrentes, VARA DO TRABALHO DE ARAGUARI (EX OFFICIO), MUNICÍPIO DE ARAGUARI e
CAMILA NAVES RIBEIRO e, como Recorridos, OS MESMOS e CMBEM - CONSELHO MUNICIPAL
DO BEM ESTAR DO MENOR. 1 - RELATÓRIO O Juízo da MM. Vara do Trabalho de
Araguari, pela sentença de fls. 158/168, proferida pelo MMº
Juiz Dr. Antônio Gomes de Vasconcelos, reconhecendo o Município de Araguari
como empregador dos Autores, julgou parcialmente procedentes os pedidos
relativos à presente ação trabalhista, para condenar os Reclamados,
solidariamente, a pagarem à Reclamante, no prazo legal, as parcelas de aviso
prévio, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, FGTS + 40%, multa
do artigo 477 da CLT, multa do artigo 467 d CLT, saldo de salário do mês de julho/2000, diferenças salariais apuradas
entre a remuneração percebida pelos Autores e o salário mínimo vigente.
Remessa oficial a este Regional, nos termos do artigo 1º, V, do Decreto-lei
779/69. O Município/Reclamado interpõe Recurso
Ordinário, às fls. 170/175, insurgindo-se contra o reconhecimento da existência
de vínculo empregatício com o Município sem a prévia aprovação em concurso
público, a caracterização da fraude trabalhista e o
conseqüente deferimento das parcelas pleiteadas. A Reclamante interpõe Recurso
Adesivo, às fls. 184, insurgindo-se contra o indeferimento da indenização pela
extinção antecipada do contrato por prazo determinado pelos Reclamados.
Contra-razões, pela Reclamante, às fls. 177/182, e pelo 2º Reclamado, às fls.
186/188. O 1º Reclamado não as apresentou. O Ministério Público se manifestou,
às fls. 190/192, em parecer circunstanciado da lavra de sua i. representante,
Drª Yamara Viana de Figueiredo Azze,
opinando pelo provimento parcial dos recursos ex officio
e voluntário do Município/Reclamado, para declarar
empregador o CMBEM - Conselho Municipal do Bem Estar do Menor, mantida a
condenação solidária do Município e para que sejam adotados
para os cálculos das parcelas deferidas o salário mínimo de forma proporcional
à jornada efetivamente cumprida e pelo desprovimento do recurso adesivo
da Reclamante. É o relatório. 2 - ADMISSIBILIDADE Conheço
do Recurso ex officio, por força do Decreto-lei
779/69. Conheço dos Recursos Ordinário e Adesivo interpostos
pelo Município/Reclamado e pela Reclamante, próprios
e tempestivos. Por versarem sobre as mesmas matérias, os recursos ex officio e o recurso voluntário do Município serão
analisados em conjunto. 3 - FUNDAMENTOS 3.1 - RECURSO EX OFFICIO DO JUÍZO DO
TRABALHO DE ARAGUARI E RECURSO VOLUNTÁRIO DO MUNICÍPIO DE ARAGUARI - NULIDADE
DA CONTRATAÇÃO - AUSÊNCIA DE FRAUDE TRABALHISTA A Reclamante alegou ter sido
admitida pelo 2º Reclamado (Município de Araguari), através do 1º Reclamado
(CMBEM - Conselho Municipal do Bem Estar do Menor), para prestar serviços para
o Município/Reclamado, em algum de seus departamentos
ou em outras repartições públicas por ele designadas; que os direitos
trabalhistas foram fraudados, porque o verdadeiro empregador era o Município,
mas a CTPS era assinada pelo CMBEM, que não possui condições econômicas e
financeiras para suportar encargos trabalhistas; que o contrato de trabalho era
por tempo determinado, até que completasse 18 anos, mas foi rescindido,
unilateralmente, antes do prazo contratualmente fixado. Pleiteou as verbas resilitórias, indenização do artigo 479 da CLT e depósitos
do FGTS, entre outros. O i. julgador a quo concluiu
pela existência de fraude trabalhista, porque o Município, ao contratar os
menores através do CMBEM, para dar cumprimento ao Programa Mineiro de Amparo à
Criança e ao Adolescente, retirou a autonomia e a participação do Conselho na
contratação, além de desvirtuar os objetivos do programa, que era a
aprendizagem profissional. Declarou fraudulenta a anotação da CTPS da Autora
pelo CMBEM e reconheceu como empregador o Município de Araguari, deferindo à
Autora, parcialmente, os direitos pleiteados, com responsabilidade solidária
dos Reclamados. O Município/Recorrente se insurge
contra a decisão, aduzindo que a relação havida entre as partes foi, única e
exclusivamente, de iniciação ao trabalho; que o Município e o CMBEM, desde
1976, preocupam-se com as políticas voltadas para programas de orientação, assistência
e desenvolvimento promocional da juventude urbana e rural; que o CMBEM adotou o
Programa Bom Menino, instituído pelo Decreto 2.318/86, regulamentado pelo
Decreto 94.338/87, depois pela Instrução Normativa nº 06/91, até que o Estatuto
da Criança e do Adolescente fosse regulamentado; que, devido à falta de
regulamentação do ECA, o Município editou a Lei
3.035/95, instituindo o Programa Mineiro de Amparo à Criança e ao Adolescente
PROMAM, o que ensejou a celebração de novo convênio com o CMBEM; que a fiscalização
do trabalho exigiu que fossem assegurados aos participantes do programa social
os direitos trabalhistas e previdenciários estabelecidos no ECA, mas os
Recorridos não se enquadravam na condição de aprendiz na iniciação
profissional, que exige adequação ao aprendizado metódico e a quem são
garantidos os direitos trabalhistas e previdenciários, como disposto no artigo
65 do ECA; que o CMBEM não dispõe de estrutura física
e material para proporcionar aos Recorridos a iniciação técnica profissional;
que os Reclamantes foram contratados para exercerem uma ocupação honesta, como
forma de prepará-los para a vida; que o trabalho educativo não está voltado,
necessariamente, para o menor carente, mas para o adolescente entre 12 e 18
anos, não importando a sua condição financeira, razão pela qual não havia
distinção na escolha dos menores; que não houve fraude trabalhista, porque a
relação mantida com os Reclamantes tinha como objetivo o seu desenvolvimento
pessoal e social, estando presentes os elementos configuradores da relação de
trabalho educativo, nos termos do artigo 68 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, e não a relação de trabalho tal como prevista na CLT. No que
respeita ao reconhecimento do vínculo com o Município, alega que a decisão fere
o princípio da legalidade previsto no artigo 37, II, da CF/88,
que exige a aprovação prévia em concurso público para a investidura em cargo ou
emprego público, questão que já se encontra pacificada após a edição do
Enunciado nº 363 do TST. Pleiteia a reforma da decisão, para absolvê-la da
condenação que lhe foi imposta. Não lhe assiste razão no que respeita à fraude
trabalhista perpetrada pelo Município e pelo Conselho Municipal do Bem Estar do
Menor CMBEM. Nesse aspecto, irreparável a brilhante sentença proferida pelo
Juízo de primeiro grau, que merece subsistir por seus próprios fundamentos.
Restou incontroverso nos autos que os Reclamantes foram admitidos pelo Conselho
Municipal do Bem Estar do Menor CMBEM, mediante convênio firmado com o
Município de Araguari, para dar cumprimento ao Programa Mineiro de Amparo à
Criança e ao Adolescente PROMAM, instituído pela Lei 3.035/95. Entretanto as
políticas de amparo à criança e ao adolescente instituídas no Município, cujos
objetivos eram a iniciação ao trabalho, a proteção à criança e ao adolescente e
a educação social (artigo 2º da Lei 3.035/95) foram desvirtuadas, como
demonstra o conjunto probatório dos autos, senão vejamos: O artigo 3º, I, da
Lei 3.035/95 prevê que "o Sub-Sistema de Iniciação ao Trabalho visa a preparação e o encaminhamento de adolescentes na faixa
etária de 14 a 18 anos, em situação de risco pessoal e social, para a
aprendizagem profissional diretamente no local de trabalho em: empresas, órgãos
e entidades públicas e privadas - Trabalho-Aprendizagem" Os critérios de
recrutamento, porém, não foram observados. Declarou o Diretor de Recursos
Humanos da Prefeitura Municipal de Araguari, Sr. Levi de Almeida Siqueira, à
fl. 16, que "...muitos dos Autores foram encaminhados à
PMA de diversas formas: a pedido dos pais, pedidos de autoridade pública, onde
havia necessidade dos serviços dos menores, dirigidos ao Secretário de
Administração por autoridades, como promotores do fórum, delegados de polícia,
segundo o conhecimento do depoente, mas esclarece que outros pedidos que
desconhece eram encaminhados ao Secretário de Administração, pedidos estes que
eram repassados ao Departamento de Recursos Humanos para atendimento dos
mesmos, com o encaminhamento dos menores via CMBEM..." A presidente do
CMBEM, Sra. Mariza de Oliveira Borela
e Calil, informou que "...recebia os
encaminhamentos de contratação vindos da PMA por determinação , não lhe
competindo discutir o teor do encaminhamento e das condições de trabalho, ou
seja, em resposta a qualquer questionamento, tinha a afirmação de que você
contrata e a Prefeitura paga , conforme lhe respondeu o Sr.
Secretário Cid Rosa de Oliveira, da Administração..." (fls.
17). Tampouco restaram configurados os pressupostos do trabalho educativo, de
forma a promover o desenvolvimento pessoal e social dos Reclamantes. Declarou o
Sr. Cid Rosa de Oliveira, Secretário de Administração do Município, que
"...o depoente, embora tivesse a preocupação com o aprendizado dos menores
e com a observância do horário de trabalho de 06 horas, não tomava conhecimento
das funções exercidas pelos menores em seus locais de trabalho, nem das
condições em que eram exercidas, nem do desempenho dos menores, nem da
influência do trabalho na sua formação pessoal. Não havia acompanhamento do
trabalho dos menores por parte do município, nem orientação, salvo no caso
daqueles que trabalhavam na sede do município, que tinham acompanhamento quanto
à freqüência escolar, assiduidade e no aprendizado de suas funções" (fl. 11). Por parte do CMBEM também não houve qualquer
preocupação com a aprendizagem dos adolescentes. Como consta do depoimento
prestado pela presidente do Conselho, Sra. Mariza de
Oliveira Borela e Calil,
ela recebia os encaminhamentos de contratação vindos da Prefeitura, "não
lhe competindo discutir o teor do encaminhamento e das condições de
trabalho". Como salientado pelo i. julgador de origem, "o CMBEM
transformou-se em mero intermediário ou longa manus
da prefeitura e foi definitivamente relegado ao plano inferior de servir de
mera fachada para contratação de menores pela prefeitura, para alocação em
diversos órgãos do município, mediante baixo custo com recursos humanos..." (fl. 164). Não há dúvidas, portanto, de que houve
fraude trabalhista, nos moldes do artigo 9º da CLT, pelo que o vínculo de emprego
se daria com o Município de Araguari, e não com o CMBEM, como anotado na CTPS
da Autora. Ocorre que a caracterização do vínculo com o Município implica
violação ao art. 37, II, da Constituição da República, pois o acesso a cargos e
funções públicas, a partir da CF/88, só é possível
mediante prévia aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos, com
exceção dos cargos de livre nomeação e exoneração, o que não é o caso dos
presentes autos. Questão, aliás, que já se encontra pacificada na jurisprudência,
pelo Enunciado nº 363 do TST. O CMBEM, portanto, deve ser mantido como
empregador, tal como já se encontra, devendo ser mantida a responsabilidade
solidária do Município de Araguari, por força do convênio firmado pelas partes,
em que o Município se comprometeu a custear as despesas decorrentes da
contratação da Autora (cláusula 3ª, fl. 72). Ficam mantidas, também, as
parcelas resilitórias deferidas, porque a defesa se
limitou a negar o vínculo de emprego, sem contestar, especificamente, as verbas
dele decorrentes. Por fim, a CTPS da Autora deve mesmo ser retificada quanto à
remuneração, para dela fazer constar o valor de um salário mínimo vigente. Dou
provimento parcial ao Recurso, para declarar que o CMBEM fica mantido como
empregador da Reclamante, mantendo-se a responsabilidade solidária do Município
de Araguari quanto às verbas trabalhistas deferidas pela sentença. 3.2 -
RECURSO DA RECLAMANTE 3.2.1 - INDENIZAÇÃO DO ARTIGO 479 DA CLT Aduz a
Recorrente que, não obstante ter sido contratados por prazo determinado, o
contrato foi extinto por culpa exclusiva dos Reclamados, o que enseja o
pagamento da indenização prevista no artigo 479 da CLT e o pagamento dos
salários e consectários legais, até o limite de 18 anos, conforme estabelecido
no convênio. Sem razão. Embora conste da CTPS que o contrato era por prazo
determinado, este restou descaracterizado, porque as funções e atividades
exercidas pela Recorrente não se enquadravam nas hipóteses descritas no artigo
443, § 1º e 2º, da CLT. Além disso, restou incontroverso nos autos que a
dispensa se deu em virtude da falta de recursos para a manutenção dos
contratos, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, não havendo falar em
ruptura abrupta do pacto por parte dos Reclamados. Nego provimento. 4 - CONCLUSÃO Conheço do Recurso ex officio
e do Recurso Ordinário interposto pelo Município/Reclamado.
No mérito, dou-lhes provimento parcial, para declarar que o CMBEM - Conselho
Municipal do Bem Estar do Menor fica mantido como empregador da Reclamante,
mantendo-se a responsabilidade solidária do Município de Araguari quanto às
verbas trabalhistas deferidas pela sentença. Conheço do Recurso Adesivo da
Reclamante. No mérito, nego-lhe provimento. Fundamentos pelos quais, ACORDAM os
Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª. Região, pela sua Primeira Turma,
preliminarmente, à unanimidade, conhecer do Recurso ex officio
e do Recurso Ordinário interposto pelo Município/Reclamado
e do recurso adesivo do Reclamante. No mérito, por maioria de votos, dar
provimento parcial aos recursos oficial e voluntário do Reclamado, para
declarar que o CMBEM - Conselho Municipal do Bem Estar do Menor fica mantido
como empregador da Reclamante, mantendo-se a responsabilidade solidária do
Município de Araguari quanto às verbas trabalhistas deferidas pela sentença,
vencida a Exma. Juíza Presidente que deferia a
responsabilidade subsidiária; unanimemente, negar provimento ao Recurso Adesivo
da Reclamante. (Belo Horizonte, 07 de outubro de 2002. JOSÉ MARLON DE FREITAS
Relator TRT-RO-8644/02 )