ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE –
MEDIDAS PROTETIVAS (ARTIGOS 101 E 129)- DEVER DO ESTADO - RECURSO PROVIDO. TJPR.
RECURSO DE APELAÇÃO N.º 1.914-2, DE ANTONINA, VARA DA INFANCIA E DA
JUVENTUDE, RELATOR:DES. TADEU COSTA, 09.02.98.
RECURSO DE APELAÇÃO N.º 1.914-2, DE ANTONINA, VARA DA INFANCIA
E DA JUVENTUDE
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO PARANÁ
APELADO: JUÍZO DE DIREITO DA VARA DA
INFANCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE ANTONINA
RELATOR:DES. TADEU COSTA
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE –
MEDIDAS PROTETIVAS (ARTIGOS 101 E 129)- DEVER DO ESTADO - RECURSO PROVIDO.
Devidamente comprovada a situação de
risco pessoal e social porque passam às crianças, à adolescentes e seus pais, é
imprescindível a aplicação das medidas protetivas da lei n0 8.069/90.
ACÓRDÃO Nº 7907
VISTOS, relatados e discutidos estes
autos de Recurso de Apelação nº 1.914-2,
de Antonina, Vara da Infância e da Juventude, em que é apelante o Ministério
Público do Paraná e apelado o Juízo de Direito da Vara da Infância e da Juventude
da Comarca de Antonina.
1. Tratam os presentes autos de
recurso de apelação interposto contra a respeitável decisão monocrática,
proferida pelo Juízo de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de
Antonina, que julgou extinto o pedido de providências requeridos por ..., sem
julgamento do mérito.
Inconformado, recorre o d.
representante do Ministério Público, pleiteando a reforma da decisão, para ver
deferida a aplicação de medida de proteção às crianças e à adolescente
(matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino) e
ainda, a inclusão em programa oficial de auxilio aos pais.
Intimado o requerente para a
apresentação das contra-razões, o prazo transcorreu in albis.
Encaminhados os autos a douta
Procuradoria-Geral de Justiça, foi emitido o parecer de fls. 91 - 100, opinando
pelo conhecimento e provimento do recurso, e ainda, pela retomada do
procedimento do pedido de colocação em família substituta não apreciado, no tocante
à criança ....
È em síntese, a necessária
exposição.
2. Merece reforma a decisão recorrida.
O Estatuto da Criança e do
Adolescente dispõe sobre proteção integral à criança e ao adolescente,
compreendendo-se esta como a garantia a todos os direitos já elencados na norma
Constitucional, além dos interesses à pessoa humana, colocando sempre aqueles
que mais necessitam do amparo da lei, a ensejar uma especial atenção) do
Estado.
O MM. Juiz monocrático negou a
aplicação das medidas de proteção elencadas no art. 101, do Estatuto da Criança
e do Adolescente às crianças e à adolescente, e ainda, da medida de
encaminhamento de seus pais a programa oficial de auxilio previsto no art. 129,
do mesmo estatuto. Também, não apreciou o pedido de colocação em família
substituta em relação à criança ..., requerido por ... e ..., às fls. 45 dos
autos.
Não pode o Poder Judiciário furtar-se
de proteger às crianças e à adolescente, cujos pais não têm recursos materiais,
sob o argumento de que a prestação de assistência às pessoas carentes, pela Lex Fundamentalis, pertence ao Poder
Executivo.
Devidamente demonstrada a situação de
risco pessoal e social que passam às crianças, à adolescente, é imprescindível
a aplicação das medidas previstas pela Lei n.º 8.069/90.
O pronunciamento da douta
Procuradoria-Geral da Justiça bem analisou a matéria e os argumentos ali
expendidos são adotados como razões de decidir, in verbis:
“Segundo se depreende dos autos está caracterizada a situação de risco
pessoal e social, posto que as crianças
e ..., e a adolescente ..., tem
violados os direitos fundamentais (saúde, educação, etc), por negligência dos
pais e ausência de inserção em programas de atendimento do Poder Público ou não
governamentais, conforme o artigo 98, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao comentar o artigo 98, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
brilhantemente leciona o advogado Edson Seda in Estatuto da Criança e do
Adolescente - comentado,
2º edição, Malheiros Editores, 1992, São Paulo, página 281:
“Aqui se encontra, normativamente, o coração do Estatuto, no sentido de
que, com este artigo, o legislador rompe com a doutrina da “situação
irregular”, que presidia o Direito anterior, e adota a doutrina da “proteção
integral”, preconizada pela Declaração e pela Convenção Internacional dos
Direitos da Criança.
E aqui se encontra a pedra angular do novo Direito, ao definir com
precisão em que condições são exigíveis as medidas de proteção à criança e ao
adolescente.
O princípio da exigibilidade, nesse caso, diz-nos que o desvio da norma,
sempre que ocorram as três condições por ela referidas, autoriza à cidadania
(através do direito constitucional de petição), ao Conselho Tutelar, através da
requisição, ao Ministério Público, através de representação em juízo, e à
autoridade judiciária, em decisão fundamentada, buscar fins sociais a que o
Estatuto se destina, consoante seu art. 6º.”
Outrossim, Wilson Donizeti Liberati, in O Estatuto da Criança e do
Adolescente - Comentários,
IBPS, Rio de Janeiro, páginas 41/42, assim expressa:
As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre
que os direitos reconhecidos no Estatuto
forem ameaçados ou violados. I. por ação ou
omissão da sociedade ou do Estado; II. Por falta, omissão ou abuso dos pais
ou responsável; e III. Em razão de sua conduta (art. 98).
As ocorrências enumeradas nos citados incisos constituem a base de
verificação da real situação de risco pessoal e social em que se encontram as
crianças e adolescentes. Se presentes
quaisquer das hipóteses acima mencionadas, evidencia-se a situação de risco,
devendo a autoridade judiciária ou o Conselho Tutelar tomar uma das
providências sugeridas pelo art. 101.
Ao utilizar os termos “ameaçados” e “violados “, o Estatuto serviu-se de fórmula
genérica em contraposição à teoria da situação irregular que utilizava figuras
casuísticas, tais como “menor abandonado “, “carente”, “delinqüente”
etc., para identificar a situação de risco pessoal e social da criança e do
adolescente “. (grifos nossos)
Mais adiante, complementa:
“Pela omissão, abandono ou negligência dos pais ou responsável, também se
caracteriza a situação de risco pessoal e social da criança e do adolescente.
Por omissão, entende-se a ausência de ação ou inércia dos pais ou responsável;
por abandono, tanto material, quanto o jurídico identifica o desamparo daquele
ser desprotegido, por negligência, supõe-se o desleixo, o descuido, a incúria,
a desatenção, o menosprezo, a preguiça e a indolência dos pais ou responsável.
Pelo inciso III as crianças são submetidas às medidas de proteção, na
iminência de ameaça ou violação de seus direitos em razão de sua conduta”
Havendo a configuração deste contexto (situação de risco), há necessidade
de intervenção do conselho tutelar do município, para que, com lastro nos
artigos 136, inciso I e 101, incisos I a VII, da Lei n0 8.069/90,
aplique medidas protetivas. Outrossim, também, é atribuição do conselho
tutelar, atendendo e aconselhando pais ou responsável, aplicar as medidas
previstas no artigo 129, incisos Ia VII, do Estatuto da Criança e do
Adolescente (v. artigo 136, inciso II, do mesmo diploma legal).
Ocorre que, por força do contido no artigo 262, da Lei n0 8.069/90,
enquanto instalados os conselhos tutelares, incumbe à Autoridade Judiciária o exercício
das atribuições a estes conferidas. Portanto, absolutamente correta a postura
ministerial no sentido de requerer a aplicação das medidas previstas nos
artigos 101, III e IV e /29, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
No que tange ao exercício das atribuições do Conselho Tutelar pelo Juiz
da Infância e da Juventude, ao comentar o art. 262, expressa Luiz Carlos de
Barros Figueirêdo, in Estatuto da Criança e de) Adolescente - Comentado, 20 edição, Malheiros Editores, 1992, São Paulo, página 774:
“Igualmente ao ocorrido no artigo anterior, a lei estabelece situação de
eficácia transitória para a hipótese, que, lamentavelmente, tudo indica, será
freqüente, da não instalação de Conselhos Tutelares. Efetivamente, trata-se de
uma das maiores conquistas democráticas da nova legislação, pela possibilidade
de os próprios concidadãos deliberarem sobre a aplicação das medidas previstas
no art. 101, I a VII, digna de figurar ao lado do Tribunal do Júri e da
composição paritária dos vogais classistas da Justiça do Trabalho. Todavia, não
só pelos óbices já analisados anteriormente, respeitantes a composição,
funcionamento, eleição, etc., há uma forte carga de mudança cultural trazida no
instituto, a bloquear sua pronta aplicação, mormente nas cidades de menor
porte, onde, normalmente, a sociedade civil não se encontra tão organizada para
reivindicar seus direitos. Reconhecendo tal realidade, o legislador cometeu as
atribuições origina/mente a cargo dos Conselhos Tutelares, até que sejam estes
efetivamente instalados (não basta, portanto, á simples criação por Lei), à autoridade judiciária. Por assim dizer,
mantém a situação vigorante na Lei anterior Se, de um lado, se enfraquecem os
princípios da doutrina da proteção integral, em especial por serem trazidas ao
aparelho judiciário tais crianças ainda precocemente, com todas as mazelas nele
existentes, contrariando espírito da convenção internacional aprovada pelo Dec.
Legislativo 28, de 14/09/90, não menos verdade é que, analisando-se a questão
de forma pragmática, ainda é a própria Justiça especializada, pelo esforço dos
juízes, curadores e equipes técnicas, como sempre poderá cumprir o papel dos
Conselhos Tutelares enquanto estes não forem instalados
Destarte, tem razão o recorrente ao pleitear, com fundamento na
comprovação da situação de risco, a aplicação de medidas indicadas nos artigos
101 e 129 da Lei nº 8.069/9O.
De outra parte, é relevante ressaltar que a execução de medidas aplicadas
é que estará a cargo da retaguarda mencionada pelo ilustre magistrado,
entidades governamentais e não governamentais que planejem e executem programas
na área de atendimento da população infanto-juvenil.
A assertiva de que os requerimentos da Promotoria de Justiça - inclusão das crianças em
estabelecimentos escolares e da família em programa de auxílio - não são factíveis, em razão de ausência de
programas estruturados para a execução das medidas não pode ser
sustentáculo para inércia da autoridade competente para aplicação das medidas,
deixando de exercer função que legalmente lhe é atribuída.
Releva ressaltar, também, que, em relação à medida de proteção de
inclusão das crianças em estabelecimentos de ensino, salvo melhor juízo, ,não
há maior dificuldade para execução, considerando que. após a aplicação da
medida, seja expedido ofício à Secretaria (ou Departamento) Municipal de
Educação e ao Núcleo Regional da Secretaria de Educação do Estado, cuja
abrangência territorial, inclua a comarca e local de residência dos menores de
dezoito anos, e se obtenha o auxilio de técnicos da área social do município de
Antonina. Ou, quiçá, seja utilizada outra forma de operacionalização mais
adequada à realidade da comarca.
Em relação ao programa de auxílio à família, não obstante o conhecimento
pelo Juiz de Direito de inexistência de algo com estrutura razoável, é o
momento de, exercendo a função que lhe é atribuída em lei, impulsionar o Poder
Público para o atendimento às famílias, em relação as quais tem obrigação de
amparar-se e protegeu; ‘ia criação dos programas específicos. Para o caso
concreto, após a aplicação, também com sujeição às censuras, indica-se que
deveria ser oficiado ao Executivo Municipal para que oferecesse a retaguarda
para a execução da medida imposta pela Autoridade Judiciária
Dessa forma, merece provimento o
recurso Interposto, para a aplicação das medidas de proteção já referidas.
3.
Finalmente, é de acolher-se à promoção ministerial, determinando-se o
desentranhamento do pedido de fls. 45 e seguintes, referente à colocação em
família substituta, sob a modalidade de guarda, da criança ..., autuando-se em
separado, para posterior apreciação pelo Juízo a quo.
Ante o exposto:
ACORDAM os Desembargadores integrantes
da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, dar provimento ao
recurso, deferindo-se a promoção ministerial para os fins colimados.
Estiveram presentes e acompanharam o
voto do Relator, os eminentes Desembargadores Accácio Cambi e Newton Luz.
Curitiba, 09 de fevereiro de 1998.
DES. NASSER DE MELO
Presidente
DES. TADEU COSTA
Relator