COBERTURA
VACINAL E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À NÃO-VACINAÇÃO EM LOCALIDADE URBANA DO NORDESTE BRASILEIRO, 1994[1]
Antônio
Augusto Moura da Silva[2]
Uilho Antônio Gomes
Sueli
Rosina Tonial
Raimundo
Antonio da Silva
Departamento de Saúde
Pública da Universidade Federal do Maranhão. São Luís, MA Brasil (AAMS, SRT,
RAS).
Departamento de Medicina
Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Ribeirão Preto, SP Brasil (UAG)
Resumo
Introdução: A identificação da cobertura vacinal e dos fatores
responsáveis pelo retardo ou pela falta de imunizações é fundamental para a
adequada monitorização dos programas de vacinação e
para se identificar e atingir as crianças que não são vacinadas adequadamente.
Métodos: Foi realizado inquérito domiciliar transversal, em
amostra aleatória por conglomerados em múltiplos estágios de crianças de 12 a
59 meses de idade, no Município de São Luís, Maranhão, Brasil, em 1994.
Utilizou-se questionário padronizado respondido pela mãe ou responsável pela
criança. Foram visitados 50 setores censitários; em cada um foram amostrados 40
domicílios, onde foram encontradas, em média, 15 crianças. O efeito de desenho
foi calculado para cada estimativa. A não-vacinação foi analisada em relação a
indicadores socioeconômicos, demográficos e à morbidade referida pela regressão
de Cox.
Resultados: A cobertura vacinal foi de 72,4% para BCG, 59,9% para
3 doses da vacina Sabin, 57% para 3 doses de vacina DPT (difteria, coqueluche e
tétano) e 54,7% para a vacina anti-sarampo. A baixa escolaridade materna foi o
principal fator de risco para a não-vacinação após o controle dos fatores de
confusão.
Conclusão: As coberturas vacinais foram baixas. Uma das
estratégias sugeridas para o aumento das coberturas é o incremento das
atividades de educação em saúde.
Descritores: Programas de vacinação.
Extensão de cobertura.
VACCINATION
COVERAGE AND SOME RISK FACTORS FOR NON-VACCINATION IN AN URBAN AREA OF
Abstract
Introduction: The assessment of vaccination coverage and risk factors for
non-vaccination is important to evaluate vaccination programs and to identify
children not properly vaccinated.
Methods:
A cross-sectional household survey was carried out in
the
Results: Vaccination coverage levels were 72.4% for BCG, 59.9% for three doses
of polio vaccine, 57% for three doses of DTP vaccine and 54.7% for measles
vaccine. Vaccination levels have remained statistically unchanged over the last
three years. Lower maternal schooling continues to be associated with increased
risk of non-vaccination in the multivariable analysis.
Conclusion:
Vaccination levels were low. Health education
activities are one of the suggested strategies to increase vaccination
coverage.
Keywords: Immunization programs; Extension of health services coverage.
Introdução
A
vacinação das crianças no primeiro ano de vida é fundamental para a prevenção
de várias doenças transmissíveis e é um dos fatores associados à redução da
taxa de mortalidade infantil10,16.
A identificação da cobertura vacinal e dos fatores responsáveis pelo retardo ou
pela falta de imunizações é fundamental para a adequada monitorização
dos programas de vacinação e para se identificar e atingir as crianças que não
são vacinadas22,35.
No
Brasil, especialmente a partir de 1973, quando o Ministério da Saúde criou o
PNI (Programa Nacional de Imunizações), têm sido realizadas pesquisas de
avaliação da cobertura vacinal no intuito de monitorar o cumprimento da meta de
vacinar 100% das crianças menores de 1 ano com todas as vacinas do esquema básico35. No início da década de 80, as
coberturas vacinais no Brasil estavam bem abaixo da meta preconizada. Na PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1981, dentre as crianças de 1
a 4 anos, 74,1% estavam vacinadas contra o sarampo, 65,9% tinham recebido a
BCG, 74,9% receberam 3 doses da vacina DPT (difteria, coqueluche e tétano) e
94,4% haviam tomado 3 doses da vacina Sabin. Apenas 38,3% das crianças tinham
recebido todas estas citadas vacinas e completado o esquema básico de vacinação3. Em 1996, na Pesquisa Nacional sobre
Demografia e Saúde4, mostrou-se que as
coberturas vacinais aumentaram, comparando-se com a década anterior, atingindo
92,6% para BCG, 80,3% para 3 doses da vacina DPT, 80,7% para 3 doses da vacina
Sabin, 87,2% para a vacina anti-sarampo e 72,5%, todas as vacinas.
Além de
não ter sido atingida a meta do Ministério da Saúde, as desigualdades regionais
nas coberturas vacinais são grandes, pois as mesmas são mais elevadas nos
Estados do Sul e Sudeste7,9,12
e mais baixas na região Nordeste39,40,41.
Em alguns Estados do Nordeste, como no Maranhão, em 1991, apenas 21,7% das
crianças de 12 a 23 meses no Maranhão e 58,3% em São Luís tinham completado o
esquema básico de vacinação17.
Apesar
da melhoria nas coberturas vacinais observada no Brasil,
uma parcela das crianças continua sem ser vacinada adequadamente, mesmo em
locais com ampla disponibilidade de serviços de saúde. Vários estudos de
avaliação da cobertura vacinal e dos fatores relacionados à não-vacinação
realizados em amostras representativas da população infantil foram
desenvolvidos no mundo e no Brasil no sentido de elucidar esta questão. Dentre
os fatores de risco para a não-vacinação destacam-se: baixa renda3,23,37,
residência em área rural4,25,39,41,
extremos de idade materna25, maior número
de filhos4,14,25,40, baixa
escolaridade materna4,14,37,40,41,
maior número de moradores no domicílio40,
residência há menos de 1 ano na área14,
falta de conhecimento acerca das doenças preveníveis
por imunização37,40, dificuldades
de transporte, conflitos trabalhistas motivados pela perda de dias de trabalho
para o cuidado dos filhos29, ausência de seguro-saúde23,24, e presença de
doença na criança40.
Não
somente fatores relacionados com os usuários estão associados a níveis mais
baixos de cobertura vacinal. Fatores estruturais relacionados aos serviços de
saúde tais como, retardo no agendamento das
consultas, falta de consultas noturnas ou nos finais
de semana, filas, tempo de espera, falta de brinquedos e distrações para as
crianças durante a espera também dificultam as vacinações29.
Outra causa da não-vacinação ligada aos serviços de saúde são as oportunidades
vacinais perdidas. Estas ocorrem quando a criança não é vacinada na presença de
doença leve ou quando a criança comparece à consulta na unidade de saúde na
época de receber a vacina e não é vacinada14,44,45.
O
objetivo do presente estudo é identificar alguns motivos da persistência de
baixos níveis de coberturas vacinais no Município de São Luís, Maranhão e contribuir
para a identificação de clientelas não atingidas pela vacinação e para a
elaboração de estratégias que possam elevar estas coberturas.
Métodos
O
Município de São Luís localiza-se na ilha do Maranhão, ao norte do Estado do
Maranhão, tendo uma área de 518 km2. Em
1996, sua população era de 781.068 habitantes19.
Teve forte crescimento demográfico ao longo das últimas décadas, apesar da taxa
de crescimento populacional estar diminuindo. A estrutura dos serviços de
saúde, especialmente a rede de ambulatórios públicos, aumentou bastante nos
últimos anos20.
Foi
realizado estudo transversal, utilizando o método de
amostragem por conglomerados em três estágios. No cálculo do tamanho amostral, utilizou-se a fórmula n= (z2
x p x q)/d2, supondo-se amostragem
casual simples. Fixou-se a probabilidade de erro tipo I em 5% e a precisão
absoluta desejada em torno da estimativa em 5%. Como se estimaram muitas variáveis na mesma amostra, calculou-se o produto
máximo de p x q (50%), no sentido de obter-se amostra de maior abrangência
possível. A amostra final necessária foi em torno de 400 crianças. Como a
amostragem não foi casual simples, estimou-se o efeito de desenho em torno de 2
para os indicadores, necessitando-se em torno de 800 crianças na amostra,
considerando-se a amostragem por conglomerados26.
No
primeiro estágio foram sorteados, de forma sistemática, 50
dos 578 setores censitários do IBGE, a partir de listagem ordenada dos
mesmos, com probabilidade proporcional ao número de domicílios particulares ocupados
(base censitária de 1991)18. No segundo estágio foram sorteados os
quarteirões e no terceiro foram sorteados os domicílios para serem visitados
após a realização de censo no quarteirão sorteado, ambos por amostragem
aleatória simples. Em cada setor, foram visitados 40 domicílios, com média de
15 crianças por setor. O percentual de recusas e ausências foi de 6,8%, após 3
repasses em dias e horários diferentes, semelhante ao
de outros trabalhos17,41. Não
se fez substituição de domicílios nos casos de perda.
Foi
utilizado questionário padronizado para coleta de dados, respondido pela mãe ou
responsável. O questionário foi bastante similar ao utilizado na PESN (Pesquisa
Estadual de Saúde e Nutrição - Maranhão) e em várias pesquisas realizadas nos
Estados do Nordeste2.
As
variáveis estudadas foram: vacinação, gênero e idade da criança, escolaridade
paterna e materna (em anos completos de freqüência à escola), renda familiar em
salários-mínimos, ocupação do chefe de família (não manual, manual especializada
ou semi-especializada e manual não qualificada ou desempregado adaptada da
Classificação Internacional Padrão de Ocupações - ISCO-68)36, idade
materna, número de irmãos residindo no domicílio, número de moradores residindo
na casa, posse de seguro-saúde (incluindo-se qualquer modalidade de assistência
médica supletiva do tipo pré-pagamento) e morbidade referida nos três últimos
meses.
Em
relação à vacinação, quando a criança possuía o cartão de vacinas ou de saúde,
anotavam-se do cartão as datas em que recebeu a
terceira dose das vacinas DPT e Sabin, BCG e anti-sarampo. Se a criança não
tinha o cartão, perguntava-se sobre o número de doses recebidas das vacinas
BCG, Sabin, anti-sarampo e DPT para a mãe ou responsável. Somente
considerava-se a resposta se esta descrevesse, precisamente, a técnica de
vacinação. A partir destas perguntas, calculou-se a
cobertura vacinal em crianças de 12 a 59 meses segundo três critérios:
confirmada pelo cartão de vacinas, considerando-se também as informações
verbais prestadas pela mãe ou responsável e cobertura vacinal na idade
aconselhada (se tomou as vacinas no mês recomendado). Para fins de comparação
com a PESN17, calculou-se também a
cobertura vacinal, com base no cartão, em crianças de 12 a 23 meses.
Considerou-se completado o esquema básico de vacinação quando a criança já
havia recebido 3 doses de Sabin e DPT e uma dose de BCG e anti-sarampo antes de
completar um ano de vida.
A
coleta de dados foi realizada de 15 de agosto a 25 de setembro de 1994, por
estudantes universitários ou recém-graduados em medicina ou enfermagem. Os
entrevistadores receberam treinamento para aplicação das entrevistas e
participaram de estudo-piloto. O trabalho de campo foi realizado em duplas,
tendo um supervisor de campo para cada dois entrevistadores. Os supervisores
foram docentes de ensino superior da área da saúde.
A
análise estatística incluiu cálculo da cobertura vacinal e da razão de
prevalências (risco relativo). O risco foi sempre calculado em relação à
categoria basal, considerada aquela com menor risco
para a não-vacinação. Na comparação entre as estimativas obtidas na PESN em
199117 e as estimativas obtidas no presente trabalho, foi utilizado
o teste "t" de Student
para comparação entre duas proporções (amostras independentes).
As
estimativas pontuais e por intervalo de confiança de 95% das proporções foram
calculadas no programa CSAMPLE, do Epi Info, versão 6.0415,
sendo o setor censitário a unidade primária de amostragem. O número de crianças
estudadas por setor variou de 2 a 33, sendo, em média, 15. Foram utilizadas
estimativas não ponderadas no presente trabalho, pois a diferença observada
entre as estimativas ponderadas e não ponderadas foi geralmente inferior a 1%.
O
efeito de desenho27 foi calculado para
cada estimativa. Quando se utiliza amostragem por conglomerados, a variância
das estimativas tende a ser maior em comparação à amostragem aleatória simples.
Os intervalos de confiança são mais largos e a precisão das estimativas é,
portanto, menor31. Os cálculos do intervalo
de confiança e do efeito de desenho levaram em conta estas diferenças no
tamanho das unidades primárias de amostragem. Os cálculos assumiram amostragem
com reposição, pois a fração amostral foi baixa
(0,9%), sendo estudadas 748 das 82.403 crianças menores de 5 anos de São Luís18. No presente trabalho, foram utilizados
os dados das crianças de 12 a 59 meses, pois a cobertura vacinal é
convencionalmente calculada excluindo-se os menores de 1 ano3,4,17,41,
pois estas crianças ainda têm oportunidade de serem vacinadas antes de
completar o primeiro aniversário.
No
ajuste para fatores de confusão, empregou-se a regressão de Cox13
modificada por Breslow6. Breslow modificou a regressão de Cox
impondo uma condição de duração constante de seguimento (t=1)
para todos os indivíduos, tornando este método típico dos estudos de coorte
aplicável a estudos transversais. Este modelo produz estimativa direta da razão
de prevalências ajustada e respectivo intervalo de confiança de 95%.
Foram utilizados
dois processos de modelagem: o modelo completo e o modelo reduzido28.
No completo, todas as variáveis acima indicadas foram incluídas. A razão de
prevalências obtida a partir do modelo completo foi uma estimativa ajustada
para todas as outras variáveis analisadas. O modelo reduzido foi obtido por
meio do módulo em passos, "stepwise", utilizando-se o processo de seleção
para frente, "forward".
Todas as variáveis associadas com a não-vacinação a um nível de significância
de 0,20 na análise univariável foram incluídas no
modelo e ficaram apenas aquelas que permaneceram associadas a um nível de
significância de pelo menos 0,10. A significância de cada variável no modelo
foi verificada pelo teste da razão de verossimilhanças. Todas as variáveis
foram incluídas na análise como categóricas.
Resultados
Cobertura vacinal confirmada pelo cartão de vacinas
A
vacinação foi medida pela cobertura vacinal para BCG, 3 doses de Sabin, 3 doses
de DPT, uma dose de anti-sarampo e pelo esquema básico de vacinação completo no
primeiro ano de vida. Avaliaram-se, inicialmente, apenas as informações obtidas
a partir do cartão de vacinas e estimou-se a cobertura vacinal em 596 crianças
de 12 a 59 meses, excluindo-se os casos com informação ilegível ou registrada
de forma incorreta no cartão de vacinas. Dentre estas, 488 (81,9%) possuíam o
cartão de vacinas e este foi visto pelo entrevistador. Observou-se cobertura de
72,4% para BCG, 59,9% para 3 doses de Sabin, 57,0% para 3 doses de DPT e 54,7%
para uma dose de anti-sarampo. Apenas 44,1% das crianças estavam completamente
vacinadas (Tabela 1).
A
cobertura vacinal em crianças de 12 a 23 meses foi maior do que aquela
calculada a partir daquelas com 12 a 59 meses. Observou-se cobertura de 80,3%
para BCG, 68,8% para 3 doses de Sabin, 64,1% para 3 doses de DPT e 60,5% para
anti-sarampo. Apenas 52,7% das crianças estavam completamente vacinadas (Tabela
2). Comparando-se os resultados com os dados da PESN, 1991, observou-se que não
houve alteração nos níveis de cobertura vacinal entre 1991 e 1994, em São Luís
(Tabela 3).
Cobertura vacinal considerando-se também as
informações verbais
Analisou-se,
também, a cobertura vacinal considerando-se os dados anotados no cartão de
vacinas e também a informação sobre a vacinação fornecida pela mãe ou
responsável. As coberturas foram mais elevadas. O percentual de crianças que
havia completado o esquema básico de vacinação foi maior em 17% (Tabela 4).
Cobertura vacinal na idade aconselhada
Utilizou-se
como indicador de qualidade dos serviços de vacinação a cobertura vacinal na
idade aconselhada, ou seja, considerou-se vacinada adequadamente apenas a
criança que recebeu BCG no primeiro mês, a terceira dose de Sabin e DPT com até
6 meses e anti-sarampo até os 9 meses de vida. Os níveis de cobertura vacinal
na idade aconselhada foram muito baixos (Tabela 5).
Análise não ajustada dos fatores associados à
não-vacinação
Não foi
observada associação entre vacinação e gênero da criança. As crianças de 1 e 2
anos foram vacinadas em maior proporção (50,7%) do que as de 3 e 4 anos (36,6%)
(Tabela 6).
A
cobertura vacinal foi menor para as crianças de mães que freqüentaram até 4 anos
de escola (30,6%) do que para aquelas cujas mães freqüentaram 9 anos de escola
ou mais (51,5%). Não houve diferença estatisticamente significante na cobertura
vacinal segundo escolaridade paterna, renda familiar e ocupação do chefe de
família (Tabela 6).
Não foi
observada associação entre vacinação com idade materna, número de moradores na
casa e morbidade referida. Houve diferença na vacinação segundo o número de
irmãos no domicílio. Aqueles com até 2 irmãos completaram o esquema básico de
vacinação em 46,9% das vezes, ao passo que dentre aqueles com mais de 2 irmãos,
só 30,3% tinham a vacinação completa. Não houve diferença na cobertura vacinal
comparando-se usuários e não-usuários de seguro-saúde (Tabela 7).
Análise ajustada dos fatores associados à
não-vacinação
Após o
ajuste para fatores de confusão, no modelo reduzido, as variáveis que
explicaram a vacinação básica completa foram idade da criança e escolaridade
materna. No modelo completo, somente as crianças de mães com até 4 anos de
escola tiveram maior risco de não serem vacinadas. O maior número de irmãos,
que está associado ao maior risco de não receber vacinação básica completa na
análise não ajustada, não continuou associado após o controle dos fatores de
confusão. Crianças com 3 e 4 anos tiveram um risco 1,29 vezes
maior de não serem vacinadas comparadas às crianças mais jovens. O risco de uma
criança de mãe que freqüentou até 4 anos de escola não ser vacinada foi 1,42 vezes maior em relação às crianças de mães de maior
escolaridade (Tabelas 6 a 8).
Discussão e Conclusões
Como o
desenho do estudo foi adequado e o índice de perdas foi de 6,8%, pode-se
considerar esta amostra como representativa da população de crianças menores de
5 anos, residentes no Município de São Luís. A composição da população segundo
renda familiar e escolaridade materna foi semelhante à composição da população
de famílias com crianças menores de cinco anos observada no censo de 199142,
o que torna a ocorrência de vício de seleção improvável.
É
possível que as coberturas vacinais estejam superestimadas em até 5%, pois só
foram estudadas crianças sobreviventes e estas tendem a ter coberturas mais
altas do que as falecidas (estimando-se o coeficiente de mortalidade em menores
de 5 anos em 50 por mil). As informações relativas à cobertura vacinal são
confiáveis, pois se considerou as vacinas anotadas no cartão
e aquelas referidas pela mãe apenas quando esta descreveu adequadamente
a técnica de vacinação empregada.
Uma das
limitações do presente estudo é que as famílias com mais de uma criança menor
de 5 anos estão representadas mais de uma vez (o que ocorreu em 22,1% dos
casos), o que pode ter contribuído para diminuir a precisão das estimativas e
aumentar o efeito de desenho. Entretanto, o maior efeito de desenho observado
foi 2, indicando que a correção utilizada no cálculo do tamanho amostral foi adequada.
As
taxas de não-resposta a quesitos específicos foram maiores para escolaridade
paterna (13,9%) e renda familiar (11,1%). Em relação às coberturas vacinais, a
taxa de não-resposta foi mais baixa para as vacinas DPT e Sabin (1,7%) e mais alta para o esquema vacinal básico completo (6,4%). Trabalho
realizado em Ribeirão Preto apresentou taxas de não-resposta mais altas, de
29,2% para a renda familiar e de 16,2% para a escolaridade paterna5.
Em Pelotas, a taxa de não-resposta para a renda familiar foi mais baixa, de
9,8%33.
A razão
de prevalências utilizada como medida de risco é mais adequada para estudos
transversais do que a razão de chances (odds ratio). Como a não-vacinação para todas as vacinas do
esquema básico no primeiro ano de vida (variável resposta) foi de 55,9%, o
pressuposto de raridade não é verdadeiro e, deste modo, a razão de chances
estimada pelo modelo logístico é um indicador viciado. Utilizando-se a razão de
chances, há uma tendência à superestimação
dos riscos - aumentando a probabilidade de erro do tipo I - e à diminuição da
precisão das estimativas, pois os intervalos de confiança da razão de chances
tendem a ser mais alargados quando o evento é freqüente6,13,30.
Os
índices de cobertura vacinal foram muito baixos e inferiores à meta do
Ministério da Saúde35 e à meta global do UNICEF21 para 1995, de vacinar pelo menos 80%
das crianças menores de um ano, exceto em relação à
BCG. As coberturas vacinais mostraram-se mais baixas do que as dos Estados
Unidos, 19958, Londrina, 19907, Pelotas, 199312
e Brasil, 19964. Foram mais ou menos semelhantes aos níveis
observados no Nordeste do Brasil, em 199141 e em países asiáticos
pobres, como Bangladesh37. As coberturas
vacinais foram superiores às da Bósnia em 1993 - uma região em guerra civil38 - e às do Maranhão em 199117.
A
cobertura vacinal considerando-se apenas as crianças de 12 a 23 meses tende a
ser mais próxima da cobertura real na população41,
porém produziu estimativas por intervalo de confiança menos precisas do que as
calculadas a partir das crianças de 12 a 59 meses, devido ao menor tamanho amostral neste segmento. As coberturas vacinais, quando se
considerou também a informação verbal da mãe ou responsável, foram mais altas
do que as obtidas levando-se em conta apenas o registro no cartão, mas este estimador pode estar incluindo também vacinas não recebidas
pelas crianças, devido à sua menor confiabilidade.
A
associação entre idade de 3 e 4 anos e menores níveis de cobertura vacinal, que
permaneceu mesmo após o ajuste para fatores de confusão, está, provavelmente,
indicando que as coberturas vacinais estão em ascensão no Município, pois a
coorte mais jovem foi mais vacinada que a mais velha. Fala a favor deste
argumento também o fato de que a cobertura vacinal em crianças de 12 a 23 meses
foi maior do que entre as crianças de 12 a 59 meses. Ao contrário, comparação das estimativas com estudo anterior indica que
não houve elevação da cobertura vacinal nos três últimos anos. Entretanto,
nesta comparação pode ter ocorrido uma falha em detectar uma diferença
estatisticamente significante porventura existente, devido ao baixo poder do
teste, pois em 1991 foram estudadas apenas 192 crianças menores de 5 anos e um
número ainda mais baixo de crianças de 12 a 23 meses17.
Contrariamente
a outros trabalhos, que descreveram níveis mais baixos de vacinação dentre os
mais pobres3,23,25,37, não se
observou diferença na cobertura vacinal segundo a renda familiar, demonstrando
a necessidade de se desenvolverem esforços para incrementar as coberturas
vacinais em todas as faixas de renda. Também em Londrina, não houve diferença
na cobertura segundo renda familiar7.
Houve
diferença na cobertura vacinal segundo o número de irmãos, da mesma forma que o
encontrado em outros estudos4,14,25,40,43.
Entretanto, esta associação desapareceu após o controle dos fatores de
confusão, indicando que o maior número de irmãos não foi um fator
independentemente associado à não-vacinação.
A posse
de seguro-saúde não foi um preditor de maiores níveis
de cobertura vacinal, ao contrário dos EUA, onde as crianças com convênio têm
maiores taxas de vacinação23,24.
A baixa
escolaridade materna manteve-se associada com a baixa cobertura vacinal, mesmo
após o controle para os fatores de confusão, confirmando observações de outros trabalhos3,4,14,37,40,41,43. A baixa
escolaridade materna é fator associado a vários eventos relacionados à saúde
infantil, como por exemplo, a maiores coeficientes de mortalidade infantil11, de morbidade e pior desenvolvimento
físico das crianças, além de ser fator inibidor das consultas preventivas de
puericultura.
Cleland e Van Ginneken11
fizeram revisão dos estudos a respeito dos mecanismos pelos quais a
escolaridade materna influencia a mortalidade infantil. Vantagens econômicas
associadas com melhor educação (melhor renda, melhores condições de moradia e
saneamento) são responsáveis por aproximadamente metade do efeito redutor da
escolaridade na mortalidade infantil. Maior uso de serviços de saúde e melhor
cuidado doméstico com a criança foram também importantes fatores mediadores.
Variáveis reprodutivas (número de filhos, gênero, espaçamento intergestacional e idade materna) são fatores de papel controverso.
O
aumento do nível de escolaridade dos pais, especialmente da mãe, propicia maior
conhecimento dos problemas de saúde de seus filhos. Há tendência à diminuição
de crenças em superstições e explicações mágicas para as doenças. Mães com mais
de 8 anos de escolaridade adaptam-se melhor à tecnologia médica e tendem a
fazer uso mais efetivo dos serviços de saúde. As mães de maior escolaridade
tendem a ter maior acesso, maior conhecimento e possuem
maior habilidade para interagir com os serviços de saúde32,34.
Tendem a valorizar mais o cuidado preventivo, têm maior poder de decisão dentro
do núcleo familiar, são menos fatalistas e mais informadas, mais propensas a
seguir as orientações médicas, a comprar e usar a medicação prescrita e a
adotar novas formas de comportamento, têm maior exposição e compreendem melhor os conteúdos das mensagens educativas11.
Vários
trabalhos têm mostrado que barreiras estruturais localizadas nos serviços são
obstáculos para a vacinação14,29,44,45.
Estas barreiras não foram estudadas no presente trabalho, mas parece que estão
atuando mais sobre crianças de mães de baixa escolaridade, sendo necessário
aprofundamento de estudos sobre este tema.
A
não-associação entre renda familiar e cobertura vacinal fala a favor de acesso
mais igualitário à vacinação, onde os fatores facilitadores (renda e posse de
seguro-saúde) não interferiram na vacinação. As barreiras à vacinação se
situaram nos fatores predisponentes, especialmente na escolaridade maternal.
Foi o grupo de mães que freqüentou até 4 anos de escola, cujos filhos
apresentaram os níveis mais baixos de cobertura vacinal, sendo este o
grupo-alvo para as ações de vacinação. Entretanto, as coberturas vacinais foram
baixas para todas as faixas de renda e escolaridade, indicando que as ações de
vacinação, apesar de amplamente disponíveis no município, não estão conseguindo
oferecer alta cobertura. É provável que muitas mães não estejam plenamente
convencidas da importância da imunização. Uma das estratégias para o aumento da
cobertura vacinal é o incremento das atividades de educação em saúde, no
intuito de difundir informação aos grupos-alvo, pois um dos obstáculos à
elevação dos níveis de vacinação em São Luís, está, provavelmente, nos
conhecimentos e crenças dos usuários. Estudos qualitativos são prioritários
para confirmar os achados acima sugeridos e, sendo este o caso, para
identificar conteúdos prioritários para discussão de Informação, Educação e
Comunicação.
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Notas
[1] Artigo
publicado em Rev. Saúde Pública, Apr. 1999, vol.33, no.2, p.147-156. ISSN 0034-8910.
Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101999000200006&lng=en&nrm=iso
Artigo recebido em 26.11.1997; reapresentado em 23.7.1998 e aprovado em
19.8.1998.
Parte da tese de doutorado de A. A.
M. da Silva, apresentada ao Departamento de Medicina Social da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da USP, 1997. Financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Maranhão/FAPEMA (Processo n
446/93), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq, pela CAPES e pela Secretaria de Estado da
Saúde e Secretaria Municipal de Saúde de São Luís.
[2] Correspondência
para: Antônio Augusto Moura da Silva - Rua Barão de Itapary,
155 Centro 65020-070 São Luís, MA - Brasil. E-mail: aasilva@elo.com.br