O PLANO ORÇAMENTÁRIO PLURIANUAL E A PRIORIDADE ABSOLUTA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DOS CONSELHOS ESTADUAIS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

 

 

Murillo José Digiácomo

Promotor de Justiça com atribuições junto ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Estado do Paraná.

 

 

Como sabemos, com a assunção do novo Presidente da República, em nível nacional, e dos novos governadores, em todos os estados da Federação, encontra-se em fase de elaboração o "Plano Orçamentário Plurianual", contemplando metas orçamentárias para os próximos 04 (quatro) anos de governo.

 

De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00, notadamente em seus arts. 48 e 49), a elaboração desse "Plano Plurianual", assim como de outras leis orçamentárias, precisa contar com a participação popular, seja por via direta, através de audiências públicas, consultas à população etc., seja por intermédio das entidades civis que representam seus mais diversos segmentos (como a própria Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude - AMBP), sem, é claro, perder de vista os mais diversos conselhos populares, onde a sociedade civil organizada tem vez e voz.

 

É importante não perder de vista, quando da elaboração do "Plano Orçamentário Plurianual", que, na forma da Lei nº 8.069/90 (notadamente em seu art. 4º, caput e parágrafo único, alíneas "c" e "d") e da Constituição Federal (conforme enunciado de seu art. 227, caput), é necessário que seja assegurada a mais absoluta prioridade à criança e ao adolescente, a começar pelas políticas sociais básicas (conforme art. 87, inciso I, da Lei nº 8.069/90) e passando pelas políticas de assistência social, para aqueles que necessitem (conforme art. 87, inciso II, da Lei nº 8.069/90 e art. 23, parágrafo único, da Lei nº 8.742/93 - Lei Orgânica da Assistência Social), sem perder de vista as políticas de proteção especial (como é o caso, apenas a título de exemplo, da indispensável criação de programas específicos de tratamento para dependentes químicos/usuários de substâncias entorpecentes, prevista nada menos que pelo art. 227, § 3º, inciso VII, da Constituição Federal, além de também estar contida no art. 101, incisos V e VI, da Lei nº 8.069/90, programas estes que deverão ser desenvolvidos e contemplados com recursos oriundos da área da saúde, que, como sabemos, atualmente conta com percentual mínimo, determinado pela Constituição Federal).

 

Para que isso ocorra, é fundamental que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e de Assistência Social, em nível nacional e estadual, sem embargo de outros que porventura estejam a eles vinculados e/ou também tenham competência (diga-se poder-dever) deliberativa quanto às políticas públicas nas áreas em que atuam, estejam em adequado funcionamento, cumprindo sua missão constitucional de elaborar políticas públicas para suas respectivas áreas de atuação (o que, no caso do Conselho da Criança, compreende os diversos setores de governo que, direta ou indiretamente, têm atuação na área infanto-juvenil, como saúde, educação, transporte etc.), que deverão ser contempladas – e repita-se, em regime de absoluta prioridade – nos diversos planos orçamentários.

 

Vale lembrar que um dos principais objetivos da criação de tais Conselhos, enquanto órgãos deliberativos (investidos, na forma da lei e da Constituição Federal, de competência executiva típica, ou seja, de efetivo poder de decisão nas áreas onde atuam) e de composição paritária entre governo e sociedade, é dar vez e voz aos diversos segmentos representativos da sociedade, que têm o direito e, acima de tudo, o dever de participar ativamente das decisões de governo que, em última análise, irão a todos afetar.

 

Para tanto, é fundamental que os referidos Conselhos promovam estudos e efetuem, em parceria com órgãos oficiais e privados (como o IBGE e institutos públicos de pesquisa, universidades etc.), o mais completo e confiável levantamento de dados acerca das maiores demandas e deficiências estruturais existentes nas suas respectivas áreas de atuação, estabelecendo metas e elaborando um planejamento para a progressiva solução dos problemas a seu cargo, que, por óbvio, não comporta vinculação político-partidária e deve sobreviver à eventual alternância de mandatos entre os governantes.

 

Ocorre que, em muitos Estados da Federação, a atuação dos Conselhos em nível nacional também tem deixado muito a desejar. Pelas mais diversas razões, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, tanto em nível estadual quanto municipal, não têm realizado a contento seu papel constitucional, ficando relegados a um papel secundário, no que diz respeito à elaboração das políticas públicas que lhes são afetas, muitas vezes, tendo de administrar os parcos recursos orçamentários que lhes são destinados na rubrica relativa aos Fundos Especiais dos Direitos da Infância e Adolescência e da Assistência Social, que gerenciam.

 

Essa verdadeira capitis diminutio, não raro, auto-infligida pelos próprios Conselhos acima referidos, parte da premissa equivocada de que seu poder de decisão estaria condicionado ao montante e à própria (e eventual) existência de recursos suficientes nos referidos Fundos Especiais, esquecendo-se que, na forma da Lei e, acima de tudo, da Constituição Federal, são aqueles verdadeiras instâncias de governo, com amplos poderes decisórios, cujo limite de atuação se encontra na própria capacidade orçamentária e financeira do ente federado respectivo. Os Fundos Especiais geridos pelos Conselhos de Direitos, na verdade, representam um plus orçamentário e financeiro, servindo para facilitar a arrecadação de recursos, por exemplo, por intermédio de multas administrativas (na forma dos arts. 245 usque 258 c/c arts. 194 usque 197 e 154, todos da Lei nº 8.069/90) e cominadas em sede de ações civis públicas (conforme disposto nos arts. 213 e 214, da Lei nº 8.069/90).

 

E mais. Em se tratando do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, consoante alhures ventilado, sua atuação deve ter por pressuposto o princípio constitucional da absoluta prioridade à criança e ao adolescente, que na forma da Lei nº 8.069/90 compreende a "preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas" e na "destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude" (conforme art. 4º, parágrafo único, alíneas "c" e "d", da Lei nº 8.069/90).

 

Para que possam bem e fielmente desempenhar seus misteres legais e constitucionais, portanto, devem os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social assumir a vanguarda das discussões relativas às mais diversas leis orçamentárias, a começar pelo "Plano Orçamentário Plurianual", que deve, o quanto possível, se adequar ao planejamento que, se espera, já foi e/ou está sendo elaborado por aqueles órgãos deliberativos, sendo necessário em qualquer hipótese, na forma da Lei e da Constituição Federal, assegurar a mais absoluta prioridade para a implementação, aprimoramento e/ou incremento de políticas públicas destinadas a atender o segmento infanto-juvenil.

 

Assim sendo, reputa-se imprescindível que os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social de todos os Estados da Federação sejam instados a participar, de forma ativa e efetiva, do processo de elaboração do aludido "Plano Orçamentário Plurianual" em todas as unidades da Federação, devendo, para tanto, apresentar ao órgão administrativo competente (Secretaria de Planejamento, Finanças ou equivalente, que talvez já faça parte de um ou de ambos os Conselhos.) o planejamento que já tiver, no que diz respeito à implementação de políticas, em nível estadual, para suas respectivas áreas de atuação e/ou traçar novos planos e metas, tendo sempre em vista a realidade social e financeira do Estado (stricto sensu).

 

Tal provocação pode se dar tanto por intermédio da representação estadual da ABMP, que recentemente passou a integrar o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, tendo sito já foi sugerido que as representações estaduais da ABMP, dada "capilaridade" (e conseqüente representatividade) em todos os municípios de todos os Estados da Federação, concorresse a uma das vagas da Sociedade Civil nos Conselhos Estaduais de Direitos da Criança e do Adolescente, a exemplo do que fez a nível nacional, tendo assim a possibilidade real de participar diretamente da definição e controle da execução das políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente em todas as unidades da Federação, quanto por iniciativa dos Centros de Apoio Operacionais das Promotorias da Infância e Juventude (em parceria com outros encarregados dos direitos e garantias constitucionais e/ou da cidadania, pois, afinal, a prioridade absoluta à criança e ao adolescente nas leis orçamentárias é direito constitucionalmente garantido a todo cidadão, especialmente àqueles com idade inferior a 18 – dezoito – anos) e seus equivalentes a serviço dos Juizados da Infância e Juventude, isso sem falar, é claro, de provocações similares levadas a efeito de forma sistemática (e de preferência articulada) pelos próprios Juizados da Infância e Juventude. É importante mencionar que a inércia do Juiz da Infância e Juventude ante os problemas sociais e estruturais que afligem a área infanto-juvenil não mais é compatível com os ditames e sistemática estabelecida pela "Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente" e disposições legais como as contidas nos arts. 1º, 3º, 4º, 5º, 6º, 18, 70, 98, inciso I, e 221, todos da Lei nº 8.069/90, apenas para citar alguns (que bem conhecem as deficiências estruturais, existentes em nível municipal e estadual), bem como por parte dos órgãos do Ministério Público que atuem junto àqueles, pois, afinal, na forma do art. 201, inciso VIII, da Lei nº 8.069/90, cabe a ambos "zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados à criança e ao adolescente...", através de medidas de ordem administrativa (como a prevista no art. 201, § 5º, alínea "c", da Lei nº 8.069/90) e do compromisso de ajustamento de conduta (previsto no art. 211 do mesmo Diploma Legal) ou, se necessário, judiciais, para o que existe todo um "arsenal" de ações a serem manejadas, como se verifica na análise do art. 208 e seguintes, também da Lei nº 8.069/90.

 

A aludida provocação deve ser acompanhada da devida orientação sobre como proceder para a consolidação do papel dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, como verdadeiras instâncias deliberativas quanto às políticas públicas nas suas respectivas áreas de atuação e de controle social, no que diz respeito à sua efetiva implementação por parte do Executivo local, sendo fundamental que naqueles impere a transparência e a representatividade popular, que não pode estar circunscrita às entidades que, eventualmente, componham sua ala não-governamental. As entidades que compõem a ala não-governamental de ambos os Conselhos devem ser conscientizadas de que exercem um mandato popular, sendo imprescindível que participem dos Fóruns de Direito da Criança e do Adolescente (Fórum-DCA) e que promovam, periodicamente, reuniões com as demais entidades com atuação na área da criança e do adolescente, delas colhendo subsídios para suas intervenções e votos quando das sessões deliberativas nas quais participarão.

 

Estamos convictos que a ABMP irá revolucionar o funcionamento do CONANDA, com destacada atuação em nível nacional. Os integrantes da ABMP, seja em nível municipal ou, como no caso se propõe, em nível estadual, têm muito a contribuir com o aprimoramento das atividades desenvolvidas pelos aludidos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, a eles emprestando um pouco do conhecimento jurídico que possuem e assim orientando e, se necessário, cobrando o fiel desempenho do relevante papel que lhes foi reservado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Assistência Social e, acima de tudo, pela Constituição Federal.

 

O momento de agir é agora, pois, do contrário, a falta de planejamento e previsão de recursos nas leis orçamentárias poderá ser, no futuro, invocada como óbice às ações que se pretendam desenvolver e aos programas que se pretendam implementar nas áreas citadas, em prejuízo direto a nossas crianças e adolescentes.

 

No site do Ministério Público do Estado do Paraná, mais especificamente na página do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente, na internet (que poderá ser acessado através do seguinte endereço eletrônico: www.mp.pr.gov.br, com "cliques" sucessivos nos tópicos "criança e adolescente", "doutrina", "ofícios circulares/de interesse geral" e "modelos", dentre outros), existem diversos exemplos de como essa iniciativa pode ser tomada e inúmeros artigos que a ela podem servir de fundamento.

 

Caso necessário, o autor se propõe a prestar o auxílio que estiver a seu alcance, nessa árdua, porém necessária e gratificante, tarefa de assegurar, de forma efetiva, a nossas crianças e adolescentes, a proteção integral e a prioridade absoluta que, há tanto, lhes foram prometidas pela lei e pela Constituição Federal. Mecanismos judiciais e extrajudiciais, para que a mencionada promessa se torne uma realidade, estão à nossa disposição. E em profusão. É necessário que os conheçamos e compreendamos bem e os coloquemos em prática.

 

O autor é Promotor de Justiça do Estado do Paraná, podendo ser contatado pelo e-mail murilojd@pr.gov.br e telefone/fax (41) 254-2414.