EXCELENTÍSSIMO SENHOR DR. JUIZ DE DIREITO
DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE LONDRINA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ, por seu Promotor de Justiça que adiante assina, em exercício junto
à Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Comarca de Londrina, no uso
de suas atribuições legais e com especial respaldo nos artigos 127, caput e
artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal, nos artigos 1º, inciso
IV, 3º e 5º da lei 7347, de 24 de julho de 1985, e artigos 54, inciso IV,
artigo 208, inciso III e 201, inciso V,
do Estatuto da Criança e do Adolescente, vem respeitosamente à presença
de Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR
EM DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS DAS CRIANÇAS DE 0 A 06 ANOS DA COMARCA DE
LONDRINA, COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, contra o Município de Londrina, Pessoa Jurídica de
Direito Público Interno, com sede administrativa na Av. Duque de Caxias, 635,
Centro, Londrina e que deverá ser citado na pessoa do seu representante legal,
pelas razões de fato e de direito que abaixo deduz:
Em notícia veiculada pelo jornal "A Folha de Londrina", de 02 de março de 2000, verifica-se que neste município a falta de vagas em creches atinge 12 (doze mil crianças), fato comprovado através de pesquisa do Conselho Tutelar, mostrando que é cada vez maior o número de crianças que esperam por vagas em creche, apesar desse direito ser assegurado constitucionalmente, como a seguir demonstraremos.
Porém tal fato não é novidade, tanto é que em 14 de abril de 1999, ou
seja, há quase dez meses atrás, o Jornal de Londrina noticiou reportagem
sobre o mesmo assunto na qual diz: Creches atendem 20% dos pobres,
demonstrando que 19.395 (dezenove mil e trezentas e noventa e cinco) crianças
que vivem na linha de pobreza não têm atendimento em creche. A Folha de
Londrina, neste dia (14.04.99) também noticiou a omissão do Poder Público sob a
manchete Milhares de Criança aguardam creche.
Para constatar a real necessidade da população londrinense de vagas de creches, foi realizado, em dezembro de 1998, na área urbana do Município de Londrina um levantamento pelas estagiárias de serviço social da Promotoria de Justiça das Comunidades de Londrina, onde ficou constatado, após minuciosa pesquisa, que das 24.279 (vinte e quatro mil e duzentas e setenta e nove) crianças, de 0 a 6 anos, que vivem na linha de pobreza (cujos pais recebem até dois salários mínimo mensal) em nossa cidade, apenas 4.884 (quatro mil e oitocentos e oitenta e quatro) recebem atendimento numa das 57 (cinqüenta e sete) creches cadastradas, sendo que destas apenas 11 (onze) são municipais.
Pelo exposto verifica-se que é notório a falta de vagas em creches e, como é cediço, os fatos notórios independem de prova (artigo 334, inciso I do Código de Processo Civil). Mesmo assim, fizemos questão de anexar as reportagens mencionadas, o levantamento realizado pelas estagiárias de serviço social para demonstrar o descumprimento constitucional do artigo 228, inciso IV da Magna Carta.
Aliás, na reportagem de 14 de abril de 1999, o Prefeito Municipal de Londrina, confessa que há falta de vagas de creches na cidade.
Conforme asseverou Ulysses Guimarães, a Constituição da República de 1988,
diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição cidadã [...] o homem é problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. (grifei) (in Anais da Assembléia Nacional constituinte, Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília- DF,1988).
De fato, a Constituição Federal de 1988, elaborou, dentre os seus princípios fundamentais e como alicerce do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana e cidadania ( art. 1º, incisos II e III ), determinando, ainda, como um de seus objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade justa, livre e solidária.
E, com vistas ao pleno exercício da cidadania, a Carta Constitucional prevê, como seu instrumento fundamental, a universalização da educação básica. De fato, a instituição educativa, a serviço do bem estar social, complementa, ao lado da família, o desenvolvimento pessoal e social das crianças e dos adolescentes e contribui decisivamente para a melhoria de vida de cada cidadão.
É efetivamente o que dispõe seu artigo 227, no que atinge em especial à educação da criança e do adolescente, enquanto direito público subjetivo a ser garantido com absoluta prioridade:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (grifei).
Na mesma esteira, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em
seu artigo 4º, in verbis:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária. (grifei)
A garantia de prioridade absoluta, então referida, compreende-se nas diretrizes a serem observadas pela Administração, sintetizadas no mesmo dispositivo, verbis:
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude.
Como se observa, a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional
não tratam a educação como um fim em si mesmo, ou mero aparato de
enriquecimento cultural, mas um verdadeiro caminho ou instrumento para
construção de uma sociedade que se pretende justa, livre e solidária, a ser
garantido à criança e ao adolescente com prioridade absoluta. E não deixa de
prever também que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos
de idade, preceito normativa reforçado no artigo 54, inciso IV, do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Pertine, nesta quadra, salientar a responsabilidade do Município, uma vez que o artigo 211, § 2º da CF, e artigo 88, inciso I, do ECA, indicam-no como ator prioritário no ensino fundamental e pré-escolar e estabelecem a municipalização do atendimento como primeira diretriz da política da infância e juventude.
Como se vê, a Magna Carta deu um valor especial ao capítulo da educação, pois mesmo vedando a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvou, no artigo 212, a destinação de recursos para a manutenção do ensino, determinando que os Municípios aplicarão, anualmente, nunca menos de vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Resta irrefutável, pois, que para o Poder Público o atendimento em creche e pré-escola às crianças e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade constitui-se em um poder-dever indeclinável, não se tratado de mera discricionariedade do Poder local.
Em sendo assim, não basta atender em creche e pré-escola somente parcela das crianças, pois outro imperativo constitucional que envolve a questão é a igualdade de condições de acesso e permanência na escola, prevista no inciso I do artigo do 206.
De outra banda, a legitimação do Ministério Público, neste caso, decorre de mandamento constitucional, uma vez que lhe incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis ( art. 127, "caput", da CF/88 ); preceituando também a Lei das Leis ( art.129 ) que são funções institucionais do Ministério Público, entre outras, zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos...aos direitos consagrados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia ( inciso II ); e promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (inciso III)
Reforçando o mandamento constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que as ações de responsabilidade por ofensas aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento ou oferta irregular de atendimento em creche e pré-escola (art. 208, inciso III) regem-se por disposições desta lei, a qual expressamente confere legitimidade ao Ministério Público para propor ações cíveis fundadas em interesses coletivos e difusos ( art. 201, inciso V, c/c art.210, inciso I ).
Ainda no âmbito da legislação infraconstitucional, temos a Lei de Diretrizes e Bases, muito bem comentada em artigo de Afonso Armando Konzen, que a seguir transcrevemos o tópico do atendimento em creche e pré- escola às crianças de zero a seis anos:
A oferta da educação infantil, sinônimo de creche e
pré-escola, passou a ser obrigação do Poder Público. Não há a obrigatoriedade
de matrícula. No entanto, toda vez que os pais ou o responsável quiserem ou
necessitarem do atendimento, nasce a correspondente obrigação pela oferta. A
Lei de Diretrizes e Bases, ao incumbir aos Municípios a responsabilidade pela
oferta ( artigo 11, inciso V ), também retirou a creche e a pré-escola do
âmbito das políticas de proteção especial e também transferiu todo o encargo para
o sistema educacional. Assim, a creche e a pré-escola não podem mais ser
consideradas uma espécie dos programas de apoio sócio-familiar, como até então,
em geral, vinham entendendo os Conselhos de Direitos da Criança e do
Adolescente, e tampouco integram as políticas de assistência social de caráter
supletivo, mas passaram constituir em política básica de educação.
In casu, o Ministério Público está defendendo um interesse difuso, pois não se pode definir, a priori, quais são as crianças que necessitam de atendimento em creche e pré-escola, a ser fornecido pelo Município. Deste modo, essa indeterminação de sujeitos - a qual deriva, em boa parte, do fato que não há vínculo jurídico a agregar os sujeitos afetados - nos leva a concluir que estamos diante de interesses difusos, posto que disseminados por todas a coletividade.
Não poderíamos deixar de citar a lição de Paulo Afonso Garrida de Paula, ao ministrar que o remédio adequado para a defesa dos direitos indisponíveis das crianças e dos adolescentes é a ação civil pública, conforme adiante exposto:
A ação civil para a defesa de interesses difusos e
coletivos afetos à infância e juventude é um caminho ímpar de resgate da enorme
dívida social para com os pequenos grandes marginalizados deste país: as
crianças e os adolescentes. É chegada a hora da justiça cobrar responsabilidade
dos governantes, colocando-os como réus quando de suas omissões no trato desta
questão crucial, de sorte a verdadeiramente amparar os desvalidos efetivamente
protegendo-os da descúria estatal. (in Menores, Direito e Justiça, ed.
RT,SP,1989, pág.126)
De todo o exposto, justifica-se o pedido e, de resto, demonstrada está conduta contra legem do município de Londrina.
Diante dos argumentos apresentados, conclui-se que esta situação caótica em que se encontra a população de Londrina, principalmente a de renda mais baixa, não pode perdurar indefinidamente, sob pena de se tornar um problema crônico de proporções e conseqüências gravíssimas e imprevisíveis.
No caso em tela, depreende-se que se encontram presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar, na forma do artigo 12 da lei 7.347/85, sem que seja necessária justificação prévia.
Com efeito, a plausibilidade do direito invocado, qual seja o fumus boni iuris, está plenamente evidenciado pela flagrante desobediência às referidas normas constitucionais e infraconstitucionais, haja vista que boa parte das crianças encontra-se privada de atendimento em creche.
Por outro lado, resta patente o requisito do periculum in mora, já que a permanência desta situação poderá gerar lesões graves e de difícil reparação às crianças mais humildes, tendo em vista a impossibilidade de receberem educação escolar, retardando e prejudicando o pleno desenvolvimento mental e intelectual.
Muitos são os prejuízos das crianças que ficam em casa ou em outro lugar expostas ao perigo, tendo em vista que os pais necessitam trabalhar e não tem onde deixar seus filhos. Além disso, as crianças estão deixando de aprender as primeiras noções da vida em sociedade, ficando mais vulnerável aos vícios de ambientes corrompidos.
Caso persista, portanto, a negligência e omissão do Município de Londrina, as crianças, repita-se, principalmente as carentes, já privadas de uma gama imensa de direitos, poderão sofrer danos irreparáveis, de ordem moral e patrimonial, em face do descaso municipal em lhes prestar atendimento em creche e pré-escola.
Desta forma, presentes os requisitos necessários, requer o Ministério Público seja concedida medida liminar, inaudita altera parte, determinando que o Município de Londrina providencie, no prazo de 30 (trinta) dias, atendimento em creche e pré-escola a, no mínimo, 100 (cem) crianças em cada região da cidade (norte, sul, leste, oeste e centro).
Se o Município de Londrina não providenciar o requerido, no prazo mencionado, a contar da medida liminar, requer o Ministério Público seja o requerido condenado a arcar com multa cominatória diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do § 2º do art. 12 da lei 7347/85.
Finalmente, requer o Ministério Público:
a) a citação do Município de Londrina, na pessoa de seu representante legal, para, querendo, contestar a presente ação civil pública, no prazo que lhe faculta a lei, cientificando-se-lhe que a ausência de defesa implicará em revelia e presunção de veracidade em relação aos fatos articulados;
b) a condenação do Município de Londrina na obrigação de fazer, para que, no prazo improrrogável de 01 (um) ano, promova o atendimento de todas as crianças de zero a seis anos de idade em creche e pré-escola. Caso o referido prazo, que é necessário à disponibilização de orçamento e demais trâmites burocráticos, não seja respeitado, que o requerido fique sujeito à multa cominatória diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais), valor esse que deverá ser destinado ao fundo gerido pelo Conselho dos Direitos das Criança e do Adolescente do município de Londrina, na forma do artigo 214 do ECA c/c os artigos 11 e 13 da Lei 7.347/85; e
c)
produção de todos os meios de provas admitidas em lei, notadamente a documental
e testemunhal. Seguem em anexo reportagens da Folha de Londrina de 02.03.00 e 14.04.71,
do Jornal de Londrina, de 14.04.71 e 15.04.71, relatório final sobre a
necessidade de vagas em creches e representação do Conselho Tutelar do
Município de Londrina;
Embora de valor inestimável, atribui às causa o valor de R$ 1.000,00 ( hum mil reais ) , para todos os efeitos legais.
Londrina, 09 de março de 2000.
Promotor de Justiça
Autos n ° 176/2000
vistos, etc...
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu
promotor de Justiça junto a esta Vara da Infância e da Juventude, desta
Comarca, com fundamento nos artigos 127, caput e artigo 129, incisos II e III,
da Constituição Federal nos artigos 1º, inciso IV, 3º e 5º da Lei nº 7347, de
24 de julho de l985, e artigos 54, inciso IV, artigo 208, inciso III e 201,
inciso V, do Estatuto da Criança e do
Adolescente, ingressou com a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR EM DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS DAS
CRIANÇAS, COM PRECEITO COMINATÓRIO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER contra o MUNICÍPIO DE
LONDRINA, devidamente qualificado na exordial, alegando falta de vagas em
creches que atinge 12 (doze) mil crianças nesta cidade, anexando a peça
vestibular várias notícias sobre o fato, vinculadas na imprensa escrita local,
onde através de prova documental argumenta estarem presentes os requisitos do
“FUMUS BONI IURIS” e o “PERICULUN IN MORA” para concessão de liminar, onde
pleiteia que o Município de Londrina
providencie, no prazo de 30 (trinta) dias, atendimentos em creche e pré‑escola,
para no mínimo 100 (cem) crianças em cada região da cidade (norte, sul, leste,
oeste e centro).
Verificando os autos e no arrazoado apresentado, juntamente com as provas trazidas ao bojo do processado, assiste total razão ao Ministério Público, quando pleiteia a presente liminar com preceito cominatório de obrigação de fazer, no sentido de que o Município de Londrina preste atendimento em creche e pré-escola a crianças de 0 a 06 anos de idade.
No mesmo diapasão, entendo estarem presentes os requisitos do “FUMUS BONIS IURIS” e o “PERICULUN IN MORA”, para a concessão do pleito liminar.
Todavia entendo que no prazo pugnado pelo órgão do Ministério Público de 30 (trinta) dias é exíguo para o cumprimento da liminar, como também entendo desnecessária a justificação prévia para o atendimento da inicial.
Assim, com fundamento no artigo 213 e parágrafos, do Estatuto da Criança e do Adolescente, CONCEDO “INAUDITA ALTERA PARTE” a “LIMINAR pleiteada, para determinar que o Município de Londrina providencie NO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS, o atendimento em creche e pré-escola, para no mínimo 100 (cem) crianças de 0 à 06 anos de idade em cada região (norte, sul, leste, oeste e centro), sob pena de que, não o fazendo, arcará com a multa diária de R$ 1.000,00 (HUM MIL REAIS), nos termos do artigo 12 da Lei 7.347/85.
Expeça-se mandado.
Cite-se.
Londrina, 13 de março de 2.000.
Juiz de Direito