DESENVOLVENDO ORIENTAÇÃO
SEXUAL COM ADOLESCENTES
Denize Boultelel Munari [1]
Marcelo
Medeiros [2]
Monica Rodrigues Silva [3]
Ana
Carolina D'Arelli de Oliveira D'oro
[4]
"Tórles sentia-se empobrecido e nu, como um arbusto que
experimenta o primeiro inverno após uma floração ainda sem frutos ". Robert Musil,
1978.
O interesse em desenvolvermos este
trabalho tem suas raízes na experiência de cada um dos pesquisadores, que em
épocas e em locais distintos, vivenciou de forma significativa trabalhos com
adolescentes, despertando um interesse particular por esse grupo.
A oportunidade de trabalharmos juntos, em
1995, na mesma Instituição - Curso de Enfermagem da Faculdade de Medicina do
Triângulo Mineiro - permitiu-nos o investimento na proposta que trazemos para
reflexão, visto que esta revela o seu significado para nosso aprendizado em
lidar com a adolescência e adolescentes, em especial com aqueles de classe
social menos favorecida.
Como uma etapa do ciclo vital, a
adolescência foi caracterizada, até pouco tempo atrás, como
sendo apenas uma fase de transição entre a infância e a vida adulta,
identificada por modificações físicas, especialmente aquelas modeladoras
dos caracteres sexuais secundários (ABERASTURY & KNOBEL, 1992; OSÓRIO,
1992).
No entanto, consideramos que essa visão é
ultrapassada e simplista por desconsiderar a dinâmica das transformações
presentes na puberdade e adolescência. Entendê-las apenas na dimensão da
transitoriedade entre a infância e o mundo adulto imprime-lhe uma importância
menor, uma vez que, os eventos próprios dessa fase podem determinar os rumos da
vida adulta. No nosso entendimento, o fenômeno da adolescência requer a
compreensão do conjunto das transformações que ocorrem neste período do
desenvolvimento humano.
Nesse sentido, OSÓRIO (1992) aponta que
"a adolescência vem sendo considerada o momento crucial do desenvolvimento
do indivíduo, aquele que marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva
como também a estruturação final da personalidade".
A importância desse momento é destacada
por ABERASTURY & KNOBEL (1992), como "uma etapa decisiva de um
processo de desprendimento que começou com o nascimento”. Isto quer dizer que
as transformações psicológicas inerentes a este processo, somadas às mudanças
corporais, definem uma nova relação entre o jovem e si mesmo, seus pais e o
mundo que o cerca.
O reconhecimento desse universo é um
grande desafio para o adolescente compreendendo uma das tarefas mais difíceis
da entrada no mundo adulto, visto que implica na elaboração de vários
sentimentos, entre eles, o luto pelo corpo de criança, pela identidade infantil
e pela relação que tinham com os pais na infância (ABERASTURY & KNOBEL,
1992 ; BECKER, 1996).
Outros aspectos também importantes que
caracterizam a dinâmica da adolescência estão assentados em um complexo biopsicossocial determinado pela redefinição da imagem
corporal (crescimento de pêlos pubianos e axilares, desenvolvimento das
gônadas, mudança na tonalidade da voz para o sexo masculino, menarca para o
sexo feminino, entre outros). Além disso OSÓRIO (1992) destaca a elaboração de
uma escala própria de valores, identificação com o grupo de iguais,
estabelecimento de um padrão de luta/fuga no relacionamento com a geração
precedente, aceitação dos ritos de iniciação como condição ao ingresso no status adulto
e assunção de funções ou papéis sexuais auto-outorgados.
Este autor refere ainda a existência de
diferenças básicas entre os termos puberdade e adolescência
relacionados, respectivamente, às modificações biológicas e às transformações
psicossociais. A puberdade é um fenômeno universal que ocorre entre os 12 e 15
anos, cujas características são comuns à espécie humana de modo geral, sendo
bastante definida e marcada pelas evidências físicas. Já a adolescência, embora
também sinalizada como um fenômeno universal, reserva peculiaridades para os indivíduos
em diferentes ambientes socioculturais, não podendo ser afirmado, precisamente,
a época de sua emergência.
À medida que conhecemos a dimensão e as
particularidades que caracterizam essa etapa da vida percebemos o quanto é
importante o domínio desse universo, considerando ainda a relevância de sua
interação e definição do ser adulto. Nesse sentido, trabalhos anteriores
referentes à temática da adolescência (CANO et al., 1992 ; CANO & FERRIANI
& MUNARI, 1995 ; FERRIANI, 1994 ; SI LVA & MUNARÍ & SILVA, 1994;
MUNARI & MEDEIROS & SILVA & D'ORO, 1995) indicam que os aspectos
referentes à sexualidade constituem a questão central e de maior interesse dos
adolescentes em conhecer e debater o assunto quando participam de grupos
específicos de educação em saúde nas escolas.
Portanto, a sexualidade assume papel
essencial nesta fase da vida do ser humano, onde a ânsia do adolescente na
definição de si mesmo é carregada de necessidades em conhecer o corpo, seu
funcionamento e as nuanças do comportamento sexual (namoro, gravidez,
contracepção). O processo de desenvolvimento que funcionava de modo acomodado
passa a sofrer turbulências caracterizadas pelo crescimento físico e emocional,
somado aos impulsos e conflitos constantes, fazendo do adolescente um ser contraditório,
de personalidade inconstante mas em busca de uma reorganização e de equilíbrio.
Nesse sentido, trabalhos que ofereçam
apoio e espaço para que o adolescente possa expressar suas dificuldades e
dúvidas são cada vez mais necessários, principalmente porque, segundo o
GTPOS/ABIA/ECOS (1994), a maioria dos pais atribuem a tarefa da orientação
sexual de seus filhos à escola e esta, por sua vez, apresenta dificuldades em
cumprir tal tarefa.
Para o GTPOS/ABIA/ECOS (1994), o trabalho
de orientação e desenvolvimento da sexualidade humana, de forma adequada, deve
pautar-se na compreensão de que "desenvolver sexualidade é como
desenvolver inteligência; ela será construída a partir das possibilidades
individuais e da interação com o meio e a cultura, A sexualidade é construída
basicamente a partir das experiências afetivas do bebê com a mãe e com o pai ou
com quem cuida dele. Seguem-se as relações com a família, amigos e as
influências do meio cultural”.
A proposta da orientação sexual, em nosso entendimento, consiste em propiciar
condições adequadas para a discussão sobre sexualidade, organizando as
reflexões a respeito de posturas, tabus, crenças e valores sobre
relacionamentos e comportamentos sexuais. Dessa maneira abrange o
desenvolvimento sexual compreendido como saúde reprodutiva, relações
interpessoais, afetividade, imagem corporal, auto-estima e relações de gênero,
abordando pontos referentes a aspectos anátomo-fisiológicos,
sociológicos e psicológicos da sexualidade (GTPOS/ABIA/ ECOS, 1994).
Considerando estas questões, vale
ressaltar que a orientação sexual é um processo de intervenção sistemático na
área da sexualidade, realizado em escolas, diferenciando- se da educação sexual
que ''inclui todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre sexualidade ao
longo da vida, seja através da família, da religião, da comunidade, dos livros
ou da mídia" (GTPOS/ABIA/ECOS, 1994) e que deve
fazer parte do dia-a-dia familiar do adolescente, com caráter mais formador que
normativo, sendo tarefa, preferencialmente, dos pais.
Porém, segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994)
os pais, tendo dificuldades em prestar esse tipo de esclarecimento em casa,
mesmo cientes da necessidade e importância da orientação sexual, atribuem-na às
escolas. As atividades de esclarecimentos e discussões desenvolvidas por
educadores são, muitas vezes, a única chance do adolescente tentar compreender
aquilo que se passa com ele.
Esse apoio à orientação sexual pode
sinalizar a transferência para a escola de uma responsabilidade que muitos pais
não se dispõem ou encontram dificuldade em assumir. A escola, através de seus
educadores, não deve ser considerada um tapa-buraco
mas co-responsável neste processo juntamente com a família e o próprio
adolescente. CANO & FERRIANI & MUNARI, (1995) desenvolvendo um trabalho
com pais de adolescentes, observaram que muitas vezes os pais têm muitas dificuldades em abordar questões de sexualidade
com seus filhos, justamente por não terem muito claro o que aconteceu com eles
próprios.
É importante considerar também que o
professor pode sentir-se despreparado em lidar com os aspectos da orientação
sexual junto aos seus alunos. De acordo com o GTPOS/ABIA/ECOS (1994), "o
professor deveria estar preparado para polemizar, lidar com os valores, tabus,
preconceitos e informar sobre as dúvidas, em vez de simplesmente transmitir
conteúdos. Conteúdos sobre sexualidade, se não forem relacionados às questões
vivenciadas por aquela idade, não serão incorporados".
O envolvimento com a temática e os
levantamentos bibliográficos que realizamos, nos permitem dizer que o
enfermeiro tem assumido a função de orientador sexual, sendo essa uma
preocupação constante em seu trabalho com essa clientela.
O próprio GTPOS/ABIA/ECOS (1994) legitima
o trabalho de orientação sexual desenvolvido pelos enfermeiros quando afirma
que essa atividade "pode ser realizada por educador ou outro profissional
capacitado para uma ação planejada, sistemática e
transformadora, visando a promoção do bem-estar sexual, a partir de
valores baseados nos direitos humanos e relacionamentos de igualdade e respeito
entre as pessoas”.
Em função dessas questões, de nossas
experiências anteriores, e de nosso interesse no trabalho com adolescentes,
motivamo-nos em atender à solicitação da diretora e da coordenadora pedagógica de
uma Instituição Filantrópica de Ensino de 1° Grau do município de Uberaba (MG),
para desenvolver atividades de orientação sexual junto a um grupo de 42
adolescentes, alunos da escola.
Apesar de termos
trabalhado com muitos outros grupos de adolescentes, este nos trouxe
algumas questões em particular. Por essa razão, o propósito desse trabalho é
uma avaliação da proposta que desenvolvemos junto ao referido grupo,
fundamentando-se nos seguintes objetivos: identificar as dúvidas e necessidades
dos adolescentes com relação ao tema; planejar, desenvolver e avaliar um
programa.
Metodologia
Este trabalho foi construído com base nas
etapas metodológicas para o trabalho grupal referidas por MUNARI (1995),
tendo-se o cuidado de estabelecer fases coerentes com o planejamento e a
sistematização de uma atividade com grupos, acompanhando seu próprio ritmo e
buscando dimensionar cada encontro a partir de uma revisão do conteúdo dos
encontros anteriores.
Atendendo a um convite, como dissemos
anteriormente, de uma determinada Escola de Primeiro Grau da cidade de Uberaba
(MG) para desenvolvermos atividades de educação em saúde com os alunos, fomos
conhecer o local e também as expectativas e necessidades para tal trabalho,
sendo apontado na ocasião, como prioridade, palestras sobre sexualidade.
A Escola a que nos referimos é uma
Instituição de cunho filantrópico, administrada e dirigida por religiosas
católicas da Ordem das Carmelitas Missionárias, que conta com a Secretaria
Municipal de Educação para suporte pedagógico e contratação de pessoal docente.
Atende crianças e adolescentes de baixa
renda na faixa etária de 3 a 15 anos de idade, cujos pais tenham
comprovadamente um vínculo empregatício. Seu funcionamento é em período
integral para os alunos da primeira à quinta série os quais têm um período de
aulas formais e outro de atividades extras, planejadas de acordo com a idade e
aptidão (jardinagem e horta, datilografia, teatro, esportes, recreação, corte e
costura manicure, entre outros). Vale ressaltar que
impressionou-nos a organização e a higiene do local, o tipo de compromisso
exigido dos pais ou responsáveis para com a escola e o dinamismo da
coordenadora
Elaborando a proposta feita pela direção
da Escola, devolvemos como sugestão um programa mais abrangente, onde
pudéssemos trabalhar aspectos mais amplos da adolescência tendo como pano de
fundo a temática da sexualidade, porém, partindo das expectativas e do
conhecimento prévio do próprio grupo. Solicitamos ainda que os pais fossem
informados de que iniciaríamos a atividade; a coordenação da escola prontamente
atendeu nosso pedido. Assim aplicamos junto aos alunos um questionário contendo
questões abertas e fechadas que permitiu o levantamento e caracterização das
necessidades do grupo, através de suas colocações, seus interesses e dúvidas
sobre sexualidade.
Após a compilação dos dados oriundos
deste questionário respondido por todos os adolescentes, categorizamos os
pontos por eles abordados em tópicos específicos, os quais detalharemos adiante
e elaboramos uma proposta de programa que foi posteriormente discutido e
aprovado pelo grupo. Estes temas foram desenvolvidos em onze encontros semanais
de três horas de duração, em um amplo espaço físico na própria escola, num
ambiente propício ao desenvolvimento de atividades grupais.
Desde o primeiro encontro
com a direção e coordenação da escola mantivemos um diário de campo onde
registramos nossas observações, procurando descrever de maneira mais próxima do
vivenciado o desenvolvimento do trabalho de um modo geral, mas principalmente
os comportamentos, as atitudes e a maneira com que o processo de orientação se
desenrolava.
No último encontro, reunimo-nos com o
grupo para o encerramento da atividade daquele ano e propusemos uma avaliação
do programa como um todo. O processo de avaliação constou de duas etapas. Na
primeira houve a aplicação de um questionário que tentava identificar se as
dúvidas dos educandos foram sanadas e de que maneira os encontros influenciaram
o seu conhecimento acerca do tema. Na etapa seguinte discutimos verbalmente
essas questões e o grupo aproveitou a oportunidade para expressar, à sua
maneira, suas percepções acerca dos encontros, dos conteúdos desenvolvidos e
das estratégias utilizadas.
Discussão
e reflexões sobre o trabalho desenvolvido
Ao encerrarmos as atividades percebemos
que tínhamos em mãos um rico material procedente dos questionários aplicados,
de nossas observações registradas no diário de campo e também das reuniões onde
discutíamos o desenvolvimento do trabalho. Assim, organizando o conteúdo deste
material, identificamos que poderia estar agrupado sob dois tópicos distintos,
porém articulados, os quais passaremos a discutir separadamente.
O
grupo: suas características, dúvidas e expectativas
Inicialmente, nosso contato com o grupo
deu-se através dos questionários respondidos onde pudemos ter uma idéia do
perfil dos participantes. Pela análise prévia das respostas percebermos que os
adolescentes eram bastante extrovertidos e não tinham
dificuldade em tecer suas questões. Usavam farta linguagem
adequada, atribuindo nomes corretos aos caracteres sexuais que se referiam,
validando o seu aprendizado em sala de aula com a professora de ciências,
conforme já havia nos informado a coordenadora.
No entanto, foi possível apreendermos que
o aprendizado restringia-se ao domínio dos termos sem uma articulação entre o
seu significado e o relacionamento sexual, porque possivelmente foi tratado
como uma simples questão de anatomia humana desvinculada do seu envolvimento
emocional, social e cultural.
A avaliação dos conteúdos expressos
nestes questionários aplicados antes de iniciarmos as atividades permitiu-nos
uma categorização das respostas que geraram dois aspectos relevantes de
análise, ou seja, (1) aparelho reprodutor masculino e feminino e, (2)
relacionamento sexual.
O grupo era composto por 42 jovens, sendo
23 do sexo feminino e 19 do sexo masculino, com idade predominante entre 9 e 14
anos de idade, a maioria deles cursando entre a 3ª e a 6ª série do primeiro
grau. A princípio, pensamos em separá-los por faixa etária mas percebemos ao
longo do tempo que, exceto dois ou três deles mais "experimentados",
os demais apresentavam um nível semelhante de conhecimento e desenvolvimento.
OSÓRIO (1992) coloca que não há muita
precisão no início da adolescência, sendo mais claramente definida a puberdade
como uma fase de intensas mudanças biológicas. Por nossa experiência, o grupo
com o qual trabalhamos estava no primeiro momento da adolescência (puberdade),
já demonstrando sinais de uma aproximação ao segundo momento denominado de
adolescência média por SOUZA (1985 ), ou adolescência
inicial para o GTPOS/ABIA/ECOS (1994).
Uma grande maioria conversa sobre sexo
com os colegas e com as mães, justificando de um modo geral que procuram alguém
para conversar porque "já estou
quase entrando na fase da adolescência e preciso saber disso pra não fazer coisa errada", ou "porque fico pensando em sexo" e
ainda "porque eu tenho várias
curiosidades". Uma pequena parcela do grupo não conversa sobre sexo
com pessoas próximas de seu convívio como pai, mãe, professor, colegas, porque
não gosta e tem vergonha ou simplesmente "porque não".
Como já dissemos anteriormente, suas
dúvidas giraram em torno de dois aspectos relevantes de análise. No que se
refere ao aparelho reprodutor, subdividimos a discussão em dois itens.
No primeiro, anatomia e fisiologia do
aparelho reprodutor feminino, as dúvidas giraram em tomo da menstruação, mais
especificamente, o que é, como e porque a mulher menstrua, e se durante a
menstruação a mulher pode fazer sexo e, neste caso, se corre o risco de
engravidar
Outras questões referiam-se à gravidez,
porque as mulheres fazem sexo e ficam grávidas, como é a gravidez e como o bebê
se transforma e fica na barriga da mulher, a melhor idade para engravidar e os tipos
de gravidez. Também surgiram
perguntas mais gerais como as diferenças da mulher e do homem e o que acontece
com a mulher depois do sexo. Estas questões, segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994),
estão de acordo com as dúvidas mais comuns de adolescentes na faixa etária com
a qual trabalhamos.
Quanto ao item anatomia e fisiologia do
aparelho reprodutor masculino, foram poucas as dúvidas, no entanto
significativas, por isso transcrevemos da maneira como apareceram nos
questionários: "Porque quando a
gente vê uma mulher pelada nós ficamos
com o pênis ereto?"; "É verdade que o caldo do pênis é que se
faz o filho?”; "De que maneira é feito o espermatozóide?"
Apesar de entendermos as questões
selecionadas pelos jovens, pensamos novamente que eles já haviam tido contato
com o assunto nas aulas de ciências, mas apenas visualizaram coisas e
possivelmente não tiveram espaço para explorá-las. BECKER (1996) afirma que
"a educação sexual nas escolas, quando existe, é tímida, superficial, e
não se compromete. Slides mostram pênis e vaginas, testículos e ovários, mas
raramente aborda-se o lado prático e humano da questão".
Na segunda categoria que denominamos relacionamento sexual, surgiram questões
quanto ao comportamento, ou seja: "como
se transa?"; "Sexo é bom?"'; "Como
é o beijo?"; "Sobre o homem e sua vida sexual"; "Por que as
pessoas fazem sexo?";"Por que os homens fazem sexo com todo mundo?”;
“Por que todas as pessoas fazem sexo?"; "O que precisa para prevenir
o sexo?"
Ainda nesta categoria apontaram questões
sobre a contracepção, o uso correto e utilidade da
camisinha, DIU, cuidados para evitar. a gravidez e sobre os tipos de
preservativos disponíveis para o homem e a mulher. Também colocaram suas
perguntas acerca da reprodução humana de uma maneira mais generalizada e também
quanto a aspectos da hereditariedade:
"Desde que idade os seres humanos estão prontos para a reprodução?";
"Qual o mecanismo da fecundação?"'; "Por que moças virgens ficam grávidas?";
"Como se faz filhos?"; "Quando a mulher tem uma relação sexual
com um cego ou deficiente, a criança que espera corre o risco de nascer igual
ao pai?"
Esse panorama mostrou-nos que este era um
grupo como muitos outros, com dúvidas centradas na sexualidade do ponto de
vista do como é e do como se faz, fazendo-nos refletir com BECKER ( 1996) que "pode-se compreender então que não seja
nada difícil encontrar adolescentes em plena atividade sexual sem saber o que e
por que o estão fazendo, sem saber o que é um ciclo menstrual, sem poder sequer
perceber o significado de um relacionamento sexual. E o que é pior, ignorando
completamente as possíveis conseqüências dele (uma gravidez, por exemplo) e os
modos de evitá-las".
Por outro lado foi pouco significativa a
preocupação com as doenças sexualmente transmissíveis. Porém, sentimos ao longo
dos encontros que tínhamos condições de avançar na discussão de questões
relevantes para a formação do adolescente enquanto cidadão, porque o grupo
assim o permitiu.
O nosso primeiro contato com o grupo foi
realizado no salão de eventos da instituição, onde dispúnhamos de espaço e condições adequadas para acomodar todos os
participantes, lembrando que essa é uma condição básica para o
desenvolvimento de atividades dessa natureza (MUNARI, 1995).
Os objetivos da primeira reunião eram os
de nos apresentarmos para o grupo, conhecermos os adolescentes, mostrar-lhes os
resultados do questionário que eles haviam preenchido e propor um cronograma de
trabalho que fosse fundamentado na aquiescência de ambas as partes, os
adolescentes e os coordenadores do grupo, estabelecendo assim, um contrato para o trabalho.
Nossa preocupação era deixar claro que
não estávamos ali para simplesmente fazer palestras e sim para estabelecer um
pacto de co-responsabilidade no desenvolvimento das atividades que contasse com
a participação ativa de cada um deles e de nossa intervenção sempre que
necessário.
Uma outra questão importante em relação à
condução do trabalho é que procurávamos preparar os encontros anteriormente,
através de reuniões onde checávamos o diário de campo, avaliávamos a reunião
anterior e projetávamos atividades para o próximo. No entanto, nem sempre era
possível cumprir com aquilo que estava previsto, em função das necessidades do
grupo, do seu movimento naquele encontro, aspecto esse já discutido por MUNARI
(1995).
Nas primeiras reuniões era comum o pouco
rendimento do grupo, tamanha a necessidade dos adolescentes em fazer coisas
para chamar atenção, falar palavras com intenção de chocar o grupo. O manejo
dessas situações era sempre enfrentado no sentido de esvaziar o sentido
pornográfico das reuniões para que o grupo pudesse aproveitar de fato os
encontros. Quando utilizávamos as mesmas palavras ditas, e ainda acrescentávamos
outras que faziam parte do vocabulário comum à eles,
geralmente isso causava certo espanto, sendo motivo de surpresa e de risinhos
nervosos.
Segundo TIBA (1994), é importante
uniformizarmos a linguagem falada durante as reuniões, demonstrando que o que
eles falam tem espaço no grupo e o que falam é importante. Para o autor
"esse entendimento de linguagem é fundamental, pois abre o diálogo para
outros assuntos mais importantes, que são a parte afetiva, do relacionamento e
do prazer".
Vale lembrar ainda que, às vezes, os
trabalhos de orientação sexual são dimensionados pela coordenação do grupo no
que diz respeito ao assunto, ordem de apresentação dos temas, etc. Aprendemos
com experiências anteriores como membros de uma equipe de assistência primária
em saúde escolar num município do interior do Estado de São Paulo que, quando
não consideramos o movimento do grupo, corremos o risco de passar simplesmente
um conteúdo que pode não fazer sentido naquele momento para o grupo, causando
dispersão, desinteresse ou apatia.
Essa fase inicial de conhecimento entre
os coordenadores e o grupo permitiu que, além de trabalharmos
aspectos básicos do aparelho reprodutor através de desenhos e cartazes,
estabelecêssemos um clima de confiança e respeito que começava a viabilizar a
abordagem de questões como o respeito às diferenças de cada um que estava no
grupo, a validade da contribuição de todos para o trabalho do grupo e a
importância do afeto e do respeito no relacionamento humano de modo geral,
destacando evidentemente aquele que se estabelece entre um casal.
No entanto, notávamos que alguns jovens
eram bastante dispersivos e que sua presença em determinados momentos
perturbava o andamento da atividade e aqueles que queriam participar começavam
a reclamar. A nossa atitude era de estar colocando para o grupo e de conversar
seriamente com eles, porque sabíamos que não bastava impedi-los de entrar; já
que tinham liberdade de escolher estar ali. Tentamos, então, atribuir-lhes
tarefas ou solicitar suas opiniões durante as discussões, o que amenizava o
clima grupal.
A metade do nosso trabalho foi marcada
por uma fase de interesse extremo em relação ao que se discutia. Nem sempre
conseguíamos esgotar todas as questões que emergiam dado ao volume de perguntas
e solicitações para detalharmos alguns aspectos que mais interessavam. O nosso
sentimento ao final das reuniões era de termos sido sugados ao máximo em nossas
capacidades, porém percebíamos que essa tarefa também nos trazia muito prazer.
O fato de termos já uma certa intimidade
com o grupo ocasionava uma espera no portão da escola no dia e no horário de
nossa atividade e nossa recepção sempre era calorosa, com muitos voluntários
para nos ajudar a carregar o material que seria usado no dia e nossas bolsas. A
ausência de algum dos coordenadores era sentida imediatamente e reclamada,
assim como a preocupação durante o período em que um dos coordenadores teve um
problema de saúde. Tais fatos caracterizam a coesão grupal,
que é o principal mecanismo facilitador de mudanças que ocorrem no interior dos
grupos (MUNARI, 1995).
Nesse período, passamos a discutir os
aspectos que compunham o relacionamento sexual, conversando sobre a atração
pelas pessoas, a fase do namoro e suas características. Os adolescentes
trabalhavam num primeiro momento em pequenos grupos, construindo cartazes a
partir de colagens que representassem o significado do namoro. Após isso,
voltamos para o grupão, ocasião em que trabalhamos o assunto
tendo umas das discussões produtivas em função da variedade e riqueza do
conteúdo produzido por cada subgrupo.
Na referida reunião pudemos atestar a
importância do trabalho de orientação sexual que se propõe a trazer para a
discussão valores, experiências e crenças que delineavam o saber do grupo. Um
aspecto que vale ressaltar é que essa atividade desenvolveu confiança e
responsabilidade entre os membros do grupo que se apresentavam para falar sobre
o seu trabalho ou discutir os assuntos em pauta, com segurança e satisfação com
aquilo que haviam construído.
Nas reuniões seguintes navegamos pelo
mundo do relacionamento sexual, a importância da responsabilidade e do afeto
como elementos fundamentais ao prazer. Acabamos por desembarcar na fecundação,
na transformação do óvulo e do espermatozóide em bebê na barriga da mulher e no
tão esperado nascimento. Foram certamente os encontros onde o silêncio, a
curiosidade e as perguntas imperavam. Trabalhamos com slides e vídeos sobre o
assunto e fomos freqüentemente interrompidos por questões que às vezes nos
surpreendiam pela ingenuidade, outras pela dura realidade com que muitos ali
conviviam.
Um destaque importante nesse momento do
trabalho era a seriedade com que as perguntas eram encaradas pelo grupo; como
jovens, até então, espectadores, passaram a participar de forma ativa com
questões de esclarecimento ou contribuindo na discussão, demonstrando que a
atividade fazia sentido para eles e que, portanto, nosso trabalho tinha razão
de ser.
O fato de termos desenvolvido trabalhos
dessa natureza várias vezes e em muitos locais, felizmente não transformaram
aqueles jovens em mais alguns, mas, naqueles que agora tinham nome e lugar
especial no nosso aprendizado de trabalhar com adolescentes.
No último encontro tivemos uma surpresa. Levamos material para um trabalho mas não foi possível
porque eles nos prepararam uma despedida. Apesar de nem todos estarem presentes
porque alguns já estavam entrando em férias, organizaram um show com a
apresentação de números de dança e poesia Demonstraram com afeto a importância
do vínculo que estabelecemos durante nossa convivência e mostraram a nossa
responsabilidade no desenvolvimento do trabalho. O que nos surpreende, ainda
hoje; são os agradecimentos repetidos várias vezes por termos
sido educados com eles, revelando talvez o clima de hostilidade e dureza
vivida na realidade cotidiana.
Após as apresentações, solicitamos que
respondessem ao segundo questionário, cujo objetivo era registrar por escrito a
avaliação sobre o trabalho. Das respostas obtidas nessa etapa pudemos apreender
que as atividades desenvolvidas facilitaram uma aproximação entre os
adolescentes e seus pais com relação ao assunto pois todos que responderam ao
questionário (25 jovens), afirmaram que conversaram com a família sobre nossos
encontros, sendo os pais aqueles mais citados como receptores da conversa.
A maioria dos adolescentes relatou que
seus pais acharam o trabalho muito bom, sendo que alguns referiram que "acabei explicando coisas que meus
pais não sabiam "; "eles acharam que eu
deveria aprender mais sobre isso "; "acharam bom e queriam saber o
que foi que eu aprendi "; "acharam bom porque assim não precisava
explicar de novo". Os assuntos apontados como preferidos na opinião da
maioria dos adolescentes foram o relacionamento sexual,
como fazer sexo prevenido, o namoro e o nascimento do bebê. Outros como as
doenças sexualmente transmissíveis, entre elas a AIDS, a
gravidez também foram relacionados.
TIBA (1994) considera fundamental o
vínculo entre a escola que trabalha orientação sexual e a família dos
adolescentes porque acredita que assim os pais podem "ser solidários em
suas inseguranças, esclarecedores em suas dúvidas e servir de farol para que os
pequenos aventureiros empreendam sua viagem rumo a uma vida
adulta, plena e realizada". No entanto, reconhecemos as
dificuldades que muitos jovens têm enfrentado,vivenciando um ambiente às vezes
de desagregação familiar e de promiscuidade.
Outro aspecto que ressaltamos da
avaliação dos adolescentes foi com relação aos resultados dos encontros frente
às suas dúvidas. A maioria se diz satisfeita pois a atividade "ajudou a tirar minhas dúvidas";
"o que eu não sabia eu perguntava"; "antes eu tinha dúvida e não
perguntava"; "eu estava falando coisa errada". Essas
respostas estavam, então, de acordo com nossas percepções sobre o
aproveitamento do grupo como um todo.
Das estratégias utilizadas durante as
reuniões, aquela de maior impacto e de maior aceitação pelos adolescentes foi a explicação dada pelos coordenadores do grupo, sendo a
utilização de filmes, slides e cartazes as menos referidas. Isso demonstra que
"gente falando e discutindo com gente", para esse assunto, é uma
estratégia eficaz, pois imprime a real importância do vínculo entre o
coordenador e o grupo, exercitando na prática os conceitos fundamentais do
relacionamento humano abordados na teoria,
caracterizando assim uma proveitosa relação de ajuda.
Considerações
finais
O que realmente nos chamou a atenção ao
final deste trabalho foi que, na nossa percepção, utilizamos um espaço,
geralmente ocupado para a transmissão exclusiva do conteúdo da sexualidade
humana centralizada na anatomia do aparelho reprodutor, para trabalhar questões
mais valiosas como o respeito humano, a solidariedade, a responsabilidade e o
afeto, não somente na teoria, mas na prática de nossos encontros.
Isto significa dizer que o preparo do
coordenador ou orientador sexual deve ser uma preocupação constante daquele que
se propõe a desenvolver trabalho dessa natureza pois seu resultado está
diretamente ligado à experiência do profissional no manejo do adolescente e do
seu universo, das características de um trabalho grupal e do conceito que tem
sobre si mesmo, seus tabus e crenças sobre a sexualidade.
Esses fatores podem assegurar uma atuação mais humana e crítica do profissional, que possibilite
ao jovem a participação na construção da sua sexualidade de forma responsável,
com vistas a uma vida adulta saudável e feliz.
É importante esclarecer que pretendíamos
complementar este trabalho conhecendo também as impressões dos familiares de
cada adolescente do grupo, bem como as repercussões no convívio familiar acerca
do trabalho realizado. Porém o término do ano letivo na escola impediu-nos de
realizar esta etapa.
A abordagem escolhida para nortear nosso
caminhar com este grupo nos revela que atingimos o propósito de um trabalho de
orientação sexual que segundo o GTPOS/ABIA/ECOS (1994) "procura
ajudar crianças e adolescentes a terem uma visão positiva da sexualidade, a
desenvolverem uma comunicação clara nas relações interpessoais, a elaborarem
seus próprios valores a partir de um pensamento crítico, a compreenderem o seu
comportamento e o do outro e a tomarem decisões responsáveis a respeito de sua
vida sexual, agora e no futuro''.
ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência
rotina. Porto Alegre, Afies Médicas, 1992.
BECKER, D. O que
é adolescência? São Paulo, Brasiliense, 1996.
CANO, M. A. T.; FERRIANI, M. G. C.;
MUNARI, D. B. O trabalho de enfermeiras junto a pais de adolescentes através da
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(1):37-44, 1995.
CANO,M.A.T. et al. Encontro
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Notas
[1] Enfermeira, Prof. Titular do
Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem; Universidade Federal de
Goiás.
[2] Enfermeiro, Prof. Assistente do
Departamento de Enfermagem da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal
de Goiás, End. :Rua 227, Qd 68 s/n, Setor
Universitário, Goiânia, Goiás. CEP 74605-080 Tel.: (062) 202-3537, Fax (062)
202-1033.
[3] Enfermeira, Prof. Auxiliar do
Departamento de Enfermagem em Educação e
Saúde Comunitária do Centro de Graduação em Enfermagem da Faculdade de Medicina
do Triângulo Mineiro - Uberaba.
[4] Enfermeira. Prof.a. Assistente do Departamento de
Enfermagem em Educação e Saúde Comunitária do Centro de Graduação em Enfermagem
da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro - Uberaba. End. : Praça Manoel
Terra s/n – Uberaba - Minas Gerais, CEP 38015-050, Tel.: (034) 3 12-7722 Ramal
1484/ 83/82.
Fonte
MUNARI, D. B.; MEDEIROS, M.; SILVA, M.
R.; D'ORO, A. C. A. Desenvolvendo Orientação Sexual
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