POLÍTICAS DE JUVENTUDE: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DEFINIÇÃO

 

 

Elizeu de Oliveira Chaves Júnior[1]

 

 

Gênese das teorizações sobre a juventude

 

Apesar de ter recebido mais atenção da mídia, de diversos agentes governamentais e da sociedade civil após a recente realização da Conferência Mundial de Ministros responsáveis pela Juventude, em Lisboa (1998), a discussão sobre a importância dos jovens para as estratégias de desenvolvimento das nações não é recente.

 

Inúmeros teóricos, como Pedro Lain Entralgo, Fernando de Azevedo, Roger Bastide, Ortega Y Gasset e Gilberto Freyre, nas décadas de quarenta e cinqüenta, trabalharam o tema, que, foi tratado paralelamente à chamada Sociologia das Gerações. Convém ressaltar que, a Sociologia das Gerações, conceito que fundamenta grande parte do presente trabalho, e que, portanto, será objeto de maiores aprofundamentos no decorrer do presente, deve ser, preliminarmente, entendida como o ramo das Ciências Sociais caracterizado pela constatação de que as ações humanas de cada grupo etário somadas representam a própria totalidade social.

 

Alguns autores dedicaram, na história recente, seu trabalho à evolução do tema, como Littré, por exemplo, que considerou o século XIX subdividido em quatro gerações, sendo que cada uma teria 25 anos. Giuseppe Ferrari, por sua vez, considerou de 30 anos o período de duração de cada geração; e Durkheim dividiu as gerações em adultas e mais jovens.

 

O lugar do termo juventude, na conceitualização geracional, já encontrava, pois, em seu começo, polêmica sobre a demarcação temporal como forma de classificação. Essa classificação, variada na definição de clientelas alvo das políticas de juventude de muitos países, tem feito com que o conceito de juventude sofra alteração de acordo, não só com as dinâmicas regionais, mas também com os interesses de determinados grupos de pressão e com os limites políticos vigentes.

 

As Nações Unidas entendem os jovens como indivíduos com idade entre 15 e 24[2] anos, com a devida salvaguarda que cada país, de acordo com a sua realidade, pode estabelecer sua “faixa jovem”. Alguns países, como o Japão, chegam ao aparente paroxismo de classificar como jovens os indivíduos com idade até cerca de 35 anos. Essa mudança para a realidade japonesa é perceptível e legítima, já que o conceito de juventude enquanto grupo populacional mutável sofre variação de acordo com o contexto social.

 

Essa polêmica, em torno de quem se fala quando se usa o termo jovem, é essencial para a afirmação de uma política de juventude. É legítimo para efeito de políticas públicas para os países latino americanos e especialmente para o Brasil - responsável por cerca de 50% da população jovem da região, faixa etária de 15-24, já que serve como denominador comum dos aspectos que nos permitem apreender a idéia de juventude: ingresso no mercado de trabalho, características biológicas e traços culturais marcantes. Afigura-se como razoável, para efeitos estratégicos, aceitar excepcionalmente o grupo de 24-29 anos, desde que por curto espaço de tempo e com objetivos bem determinados.

 

O próprio “lugar geracional” do termo juventude justifica a existência da Política de Juventude, pois esclarece a relevância deste setor populacional para o desenvolvimento social e sua importância para a percepção dos grandes desafios coletivos. Cabe, então, para um claro entendimento das políticas de juventude e de sua condição transformadora, fazer-se uma distinção entre grupos de idade e gerações.

 

As gerações e a juventude

 

Apesar de usualmente serem utilizados como equivalentes, o entendimento pleno dos grupos de idade e sua diferença com a definição de geração é essencial para a compreensão do papel da juventude nas sociedades “pós-modernas”.

 

O conjunto dos indivíduos das mais diversas idades, em um determinado período, constituiria a base para a compreensão da diferença entre geração e grupo etário. O que distinguiria uma geração de outra não seria meramente a faixa etária que as delimita, mas principalmente o conteúdo que ela simboliza, que atua como elemento de distinção das demais gerações.

 

Cada geração traz características e marcas próprias, compartilhadas por todo o universo social, devendo observar-se que as gerações não se apresentam sob a égide de determinado grupo, mas como referência a todos os grupos que formam o conjunto social. Segundo Stenger, essa síntese seria justamente o conteúdo geracional. Determinados fenômenos culturais acabam simbolizando diferentes grupos etários e, como conseqüência, uma geração inteira. Um exemplo riquíssimo, analisado pelo mitólogo Joseph Campbell, é a saga Star Wars, criada por George Lucas, que, contendo elementos subliminares baseados em mitologias e arquétipos decodificados para diferentes faixas etárias, tocou diferentes faixas etárias em questões como: solidariedade, amizade, união, esperança e rebeldia, tendo se afirmado como um forte símbolo intergeracional.

 

Em cada geração, teríamos, então, um sentido próprio oriundo das vontades dos indivíduos e das tendências de natureza política, econômica e cultural. As atividades de cada geração e as mudanças de conteúdo seriam os “sintomas” e apontariam para as mudanças de sentidos de uma geração para outra.

 

A confusão e miscelânea terminológica decorrem do fato de que são os jovens que imprimem os mais marcantes símbolos geracionais por suas condutas, inconformidades com a ordem vigente, manifestações culturais e exposição às problemáticas sociais. Diferentemente dos demais grupos, ao mesmo tempo em que possui condições de mudar a ordem vigente, apresenta um potencial para expor os anseios do universo social a que pertence. Mesmo que em diversos casos a juventude não esteja simbolizando a realidade social, a maneira como se porta indica caminhos a serem percorridos, falhas ou crises.

 

A juventude seria então, no conceito de gerações, o grupo etário responsável por determinar, de forma mais veemente, o ritmo da história.

 

Os primeiros movimentos de juventude seriam datados de 100 A.C., quando Marco Túlio Cícero é obrigado a lidar com os protestos organizados pelos jovens que, na verdade, retratavam as visões da sociedade em geral.

 

Tempos mais tarde, Adolf Hitler também se utilizaria dos jovens para impor seu domínio social e disseminar os postulados que pregava. Ele, assim como inúmeros outros chefes de Estado, se valeu do potencial dos jovens, mas de uma das piores formas possíveis: como elemento de propagação de violência e preconceito.

 

O mix social, que simboliza uma determinada geração, encontra na juventude seu tom mais forte e, quando equivocadamente marcado, pode gerar conflitos, crises, instabilidades e desagregação social.

 

No século XX, em face dessas ponderações e entendimentos, surgiram, já mesmo no âmbito da Liga das Nações, as primeiras articulações da juventude com vistas a permitir que este grupo pudesse ter uma participação organizada e continuada nos processos decisórios.

 

Referenciais normativos para a juventude

 

Os jovens, por definição, não estão pura e simplesmente à espera de sua realização pessoal e coletiva; reivindicam e exigem o direito de participar ativamente da história nacional e mundial, a partir de suas próprias comunidades.

 

Necessitam, hoje, de uma nova moral social e econômica. Ao mesmo tempo em que se encantam com a Internet e com as inovações tecno-científicas, protestam contra a miséria e a guerra, que, de forma trágica, têm estado presentes no desenrolar do século XXI. Conhecida por não aceitar a ordem estabelecida, busca sua inserção por meio da criação de uma ordem diferenciada, que considere suas opiniões e visão de mundo.

 

Como grupo populacional bem específico, os jovens contam com imensas dificuldades de inserção, que invariavelmente acabam por conduzir a drásticas transformações sociais.

 

Uma política de juventude, portanto, precisa se diferenciar de todas as outras formas de política de atendimento a um grupo populacional, pois, enquanto orienta um poder social específico face ao presente e ao futuro, não exerce meramente o papel de proteger e conceder direitos, mas baliza um projeto de nação.

 

Tendo em vista a proporção da população jovem, ou seja, a importância qualitativa e quantitativa da juventude - que hoje chega a cerca de 1,03 bilhão de jovens -, não equivocadamente, vários países têm notado que o potencial dos jovens não pode ser subestimado. Enfaticamente, os países em desenvolvimento, que reúnem 85% da população mundial, necessitam de um projeto de vida para os jovens. [3]

 

Reconhecendo essa realidade, em 1985, com a comemoração do Ano Internacional da Juventude, a Assembléia Geral das Nações Unidas produziu um referencial inicial para os países, em termos de políticas de juventude - Guidelines for further planning and suitable development in the field of youth[4]. O documento estabelece orientações para que os países construam bases para uma política de juventude, focalizando como prioridade os temas: participação, desenvolvimento e paz.

 

A tese de que a juventude deveria se auto-orientar, mais precisamente o sistema “laissez faire” - no qual os jovens não devem ser influenciados pelos “maiores”, devem impor suas próprias ações e valores - parece atualmente carecer de solidez, já que o consumo de drogas, a Aids, as DSTs, as diversas formas de exposição à violência, a desocupação, a fome e outras formas de vulnerabilidade social a que os jovens estão sujeitos evidenciam a necessidade de uma política bem estruturada que permita o desenvolvimento social de forma plena. Claro, pois se observa, de forma contínua, em trabalho realizado pelas Nações Unidas, que se os grupos etários mais velhos, em uma dada sociedade não se preocuparem com o presente, pobre e desarticulado será o futuro dessa sociedade.

 

Desde 1985, com a comemoração do Ano Internacional da Juventude e a elaboração de um dos primeiros marcos orientativos sobre a questão, até a adoção do Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além, pela Assembléia Geral da organização, em 1995, mais de 144 países - ou seja, cerca de 78% do total de membros da ONU - definiram modelos de política nacional de juventude, mas somente 73 países - precisamente 40% do total - implementaram um programa nacional de ação.

 

O Guia das Nações Unidas afirma que é essencial para o desenvolvimento de uma política de juventude, que sejam considerados os seguintes aspectos:

 

· O lugar e o papel da juventude na sociedade, e a responsabilidade de cada setor para com a juventude;

 

· Formas e maneiras de reunir os jovens para permitir que eles expressem suas necessidades e aspirações, e tomem parte nas decisões sobre as atividades que os atingem;

 

· Reorientação do processo político, tanto dos agentes governamentais como dos não-governamentais, para conceder aos jovens seu lugar como beneficiário e contribuinte para todos os aspectos do desenvolvimento nacional;

 

O Programa de Ação da ONU para a Juventude até o Ano 2000 e Além[5], destaca que as políticas são a melhor forma de combater os problemas que atingem os jovens, e que as premissas, para a existência de uma política, são:

 

· Existência de mecanismos de consulta e participação;

 

· Disseminação adequada de informação para diversas esferas juvenis;

 

· Monitoramento e avaliação das ações.

 

A Declaração de Lisboa sobre Políticas e Programas de Juventude, (juntamente com o Plano de Ação de Braga, resultado do último Fórum Mundial de Juventude do Sistema das Nações Unidas), por sua vez, resultado final do maior evento sobre juventude já realizado[6], foi um dos principais pontos de convergência de grandes mobilizações e articulações dos movimentos contemporâneos de juventude. O documento reconhece que os jovens são uma força positiva e têm enorme potencial para contribuir para o desenvolvimento e progresso social.

 

Implementação Regional

 

Mesmo com a existência das estratégias de juventude - enfatizando o Guia de Planejamento em Matéria de Juventude, o Programa de Ação da ONU para a Juventude e a Declaração de Lisboa sobre Políticas de Juventude - o entendimento de política de juventude é interpretado de diversas formas, de região para região. No caso da África do Sul, por exemplo, a política de juventude foi um mecanismo de integração racial; servindo como forma de eliminação das barreiras impostas pelo regime do Apartheid. No Chile, tem sido utilizado como um dos mecanismos de afirmação democrática pós ditadura militar. Na Noruega, inicialmente associada ao lazer, a política de juventude tem estimulado, de forma exemplar, a participação e o associativismo juvenil. Na China, a política de juventude faz parte do processo de reformas político-estruturais.

 

Algumas organizações também lançaram programas regionais de ação, visando orientar atividades entre países com características similares, como o PRADJAL, Programa Regional de Ações para o Desenvolvimento da Juventude na América Latina, lançado pela -Organização Ibero-americana de Juventude - OIJ.

 

Tendo em vista a imensa diversidade de interesses e estratégias envolvidas na descrição do que seria uma política de juventude, esta merece uma análise conclusiva.

 

Obviamente, aqui não se pretende dar uma palavra final sobre o assunto, mas apresentar linhas gerais coerentes para a elaboração de uma política que vá ao encontro das peculiaridades que fazem com que este grupo seja uma espécie de termômetro e força motriz social.

 

Características de uma política de juventude

 

Uma Política de Juventude constitui um conjunto coerente de intenções do Estado para que, em parceria com a sociedade civil, sejam estabelecidos objetivos, diretrizes e estratégias destinados a fomentar e coordenar as atividades em favor da juventude, de modo que façam parte de uma dinâmica de desenvolvimento.

 

Uma política, em conseqüência, deve ser:

 

1. Integral: no sentido de apreender a problemática juvenil em todos os seus componentes, por meio de uma visão de conjunto e como parte das estratégias de desenvolvimento social e econômico;

 

2. Orquestrada: deve envolver todos os atores, direta e indiretamente, vinculados ao processo decisório;

 

3. Sistematizada: deve estudar, de forma sistematizada e permanente, a dinâmica da juventude, definir suas necessidades, progressos e retrocessos, propor ações adaptadas às necessidades da juventude, atual e coordenar as ações de forma articulada e concertada;

 

4. Incisiva: apresenta, com a devida precisão, respostas às múltiplas dimensões das problemáticas juvenis, de forma específica e objetiva;

 

5. Participativa: favorece o protagonismo juvenil, possibilitando a construção de projetos de vida para os jovens, e estabelece pontos de referência - nos quais lideranças locais sejam formadas, e hábitos de conduta positivos sejam estimulados;

 

6. Seletiva: como toda política pública de natureza social, e este é um ponto de polêmica, a política de juventude deve ser universalista, humanista e adequada ao contexto; mas deve ter também um caráter pragmático, proporcionando aos jovens de baixa renda, do meio rural e urbano, e às “mulheres jovens”, em particular, serviços emergenciais de atenção;

 

7. Descentralizada: entende o papel dos atores locais na solução dos problemas, a política deve promover a desburocratização dos serviços proporcionando capacidade operacional, eficiência no atendimento e participação local dos jovens.

 

Sem esquecer que os temas centrais de uma política de juventude devem ser aqueles que compõem a própria agenda de desenvolvimento do país, notadamente: meio ambiente, saúde, educação, cultura, justiça, trabalho, esporte, turismo e lazer; uma Política de Juventude deve ter como eixo norteador o estímulo à capacidade do jovem em lidar com seus problemas, fornecendo mecanismos para que ele se afirme socialmente e tenha pontos de referência. Deve estabelecer valores e princípios que comprometam os jovens com as outras gerações, pois, somente desta forma, a juventude responderá positivamente às expectativas sociais a seu respeito, sendo uma efetiva protagonista social no pacto de desenvolvimento humano.

 

 


Referências Bibliográficas

 

Azevedo Fernando de, Sociologia Educacional, Editora Nacional, 1933.

 

CEPAL, Program Regional de Accinooes para el Desraollo de la Juventud en America Latina. Santiago 1995

 

Halls, S. Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 1997.

 

Hobsbawn, E. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

 

Krueger, R. Focus Group: a practical guide for applied research. London: Sage Publications, 1994.

 

Nações Unidas, Guidelines for further planning and suitable development in the field of youth, 1985.

 

Nações Unidas, Lisbon Declaration, 1998.

 

Nações Unidas, United Nations World Populations Prospects: 1990.

 

Nações Unidas, World programme of action to the year 2000 and beyond, 1995.

 

Stavenhagen, R. Sociologia e Sociedade. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977.

 

 


Notas:

 

[1] Elizeu de Oliveira Chaves Júnior - Consultor para Políticas de Juventude da Secretaria de Estado de Assistência Social/ UNESCO.

 

[2] Resoluções 40/14 (1985) e 50/81 (1995) da Assembléia Geral das Nações Unidas.

 

[3] Nações Unidas (DPCSD).

 

[4] Guidelines for further plannig and suitable development in the field of youth (1985) - Resolução 40/14 da Assembléia Geral.

 

[5] Resolução 50/81 da Assembléia Geral das Nações Unidas – 1995.

 

[6] Conferência Mundial de Ministros Responsáveis pela Juventude, Lisboa – 1998.

 

[7]  Texto extraído em: http://www.adolec.br/bvs/adolec/P/cadernos/capitulo/cap03/cap03.htm