OS NOVOS CONTORNOS DA FILIAÇÃO E DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS EM FACE DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

 

 

José Roberto Moreira Filho[1]

Professor de Direito Civil.

 

 

Introdução

 

O desejo em ter filhos é um sonho antigo e perseguido por todos desde há muitos séculos, pois é da essência natural de qualquer ser vivo, instinto mesmo, o desejo de procriar e de ter sua prole, seja para a perpetuação da espécie, seja para a continuação de família.

 

Nosso ordenamento jurídico, desde os primórdios, já possuía normas relativas à procriação e estabelecimento dos liames da filiação. Desde a Lei das 12 Tábuas (426 a.C.), passando pelo Direito Romano até chegar ao nosso atual ordenamento jurídico, várias foram as normas legais que visavam assegurar a unidade familiar, o direito de procriar, o liame de filiação e as regras concernentes ao direito hereditário.

 

Pelas dificuldades encontradas, em nossa sociedade, para o estabelecimento dos liames de filiação, com influência direta no Direito Sucessório, nossos legisladores sempre se valeram de presunções que eram sempre calcadas no liame biológico entre o pai ou mãe e seus filhos.

 

A forma presumida para o estabelecimento da filiação sempre levou em conta, ao estabelecê-la, o fato do casal ter tido ou não relações sexuais, antes, durante ou após um casamento ou união estável, pois havendo a conjunção carnal, o filho nascido seria presumidamente filho daquele que copulou com a mãe no período biológico propício.

 

Seguindo a esteira destas presunções, vários métodos e técnicas foram sendo desenvolvidos a fim de minimizar os erros que poderiam ser provocados por uma presunção que não correspondesse a essa verdade biológica.

 

Os primeiros exames levaram em conta a tipagem dos grupos sanguíneos ABO do filho nascido e do suposto pai, para fins de se verificar a compatibilidade ou incompatibilidade sanguínea entre eles, ou seja, o pai que tivesse o sangue do grupo O não poderia gerar um filho que tivesse sangue do grupo A, por exemplo.

 

Posteriormente, a técnica desenvolveu-se para a análise da tipagem do HLA, que era muito mais precisa do que o anterior exame ABO e finalmente, este novo exame foi rapidamente substituído pelo exame de DNA nos últimos anos.

 

Com a descoberta científica do exame de DNA, conferindo certeza da ordem de 99% a 100%, em alguns casos[2], os julgadores pareciam ter encontrado a solução jurídica dos conflitos relativos ao estabelecimento da filiação, na medida em que o suposto pai seria o pai jurídico se o exame de DNA conferisse o vinculo biológico entre ele e o filho nascido.

 

Ocorre que as novas técnicas de reprodução humana assistida, principalmente com a possibilidade de inseminações heterólogas, manipulação de gametas e a utilização de úteros de substituição, retiraram a certeza jurídica e biológica buscada no exame de DNA.

 

Atualmente busca-se, além da verdade biológica, uma verdade socioafetiva calcada no melhor interesse da criança para o estabelecimento da filiação.

 

 

Isto se faz necessário tendo em vista que, nas inseminações heterólogas, os pais que buscam as técnicas de inseminação artificial, utilizando o sêmem ou o óvulo de terceiros doadores, não serão pais biológicos do filho nascido, ou seja, o DNA, se feito, daria negativo para tais pessoas, mas não deixam de ser pais socioafetivos daquela criança tendo em vista que todo o projeto parental foi por eles elaborado e buscado. O contrário também se faz, na medida em que o doador de sêmem ou de óvulo, que teria o vínculo biológico com a criança nascida, não pode ter sua paternidade ou maternidade imposta, tendo em vista que apenas doou material genético e que nunca assumiu as responsabilidades e liames de uma filiação.

 

Nesta perspectiva atual, introduzida pelas técnicas de reprodução humana assistida, é necessário que os novos pilares da filiação sejam sopesados a fim de atender aos anseios daqueles que realmente querem ser pais e, principalmente, para assegurar o melhor interesse da criança nascida.

 

1.      Legislação correlata

 

1.1. Resolução 1.358/92 do C.F.M.

 

Atualmente, a única norma que possuímos acerca da reprodução humana assistida vem do pioneirismo e celeridade do Conselho Federal de Medicina que publicou, em 1992, a Resolução de nº 1.358.

 

A Resolução 1.358/92 resolveu adotar normas éticas, como dispositivo deontológico, no que diz respeito à regulamentação e procedimentos a serem observados pelas clínicas, centros, serviços e médicos que lidam com a reprodução humana assistida.

 

Descreveremos, portanto, as diretrizes básicas da Resolução 1.358/92 do C.F.M. nos tópicos em que estão subdivididas, para que possamos ter uma noção da tendência legislativa atual sobre o tema, tendo em vista que todos os Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional têm por fundamento a Resolução 1.358 do CFM:

 

a)      Princípios gerais

 

As técnicas de reprodução humana assistida têm o papel de auxiliar nos problemas de infertilidade, quando outras terapêuticas tenham sido ineficazes ou ineficientes e somente podem ser utilizadas quando existir probabilidade efetiva de êxito.

 

É obrigatório que a concordância dos pacientes e/ou dos doadores seja feita, por escrito, através de um consentimento informado, redigido em formulário especial, que deverá necessariamente conter todos os procedimentos e circunstâncias da aplicação de uma técnica de R.H.A.[3], bem como os resultados obtidos na clínica com a técnica proposta, além do seu caráter biológico, jurídico, ético e econômico.

 

É vedada a seleção de sexo ou de qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para se evitarem doenças ligadas ao sexo, sendo que a fecundação de oócitos somente é permitida para reprodução humana.

 

Não se permite a introdução no útero de mais de 04 embriões humanos e, nos casos de gravidez múltipla, proibi-se a redução embrionária.

 

b)      Usuários

 

Toda mulher capaz, nos termos da lei civil, que tenha expressado a sua concordância através do termo de consentimento informado, pode ser receptora das técnicas de reprodução humana assistida.

 

E toda pessoa casada ou que viva em união estável também pode se utilizar das técnicas de R.H.A., desde que tenha a aprovação do cônjuge ou companheiro externada no consentimento informado.

 

c)      Clínicas, Centros ou Serviços que aplicam as técnicas de R.H.A

 

As clínicas, centros ou serviços que aplicam as técnicas de R.H.A. são responsáveis pelo controle de doenças infecto-contagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição e transferência do material biológico humano para os usuários.

 

Devem ter, como requisitos mínimos, um médico responsável por todos os procedimentos executados, além de manter um registro permanente de gestações, nascimentos e mal-formações de fetos ou recém-nascidos, bem como dos procedimentos executados e das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido para os pacientes, com a finalidade de ser evitar a transmissão de doenças.

 

d)      Doação de gametas

 

A doação será sempre gratuita, garantindo-se o anonimato do doador e do receptor, exceto por motivação médica, resguardando-se a identidade civil do doador.

 

Apesar da garantia do anonimato, as clínicas devem manter, de forma permanente, um registro dos dados clínicos de caráter geral com as características fenotípicas e uma amostra de material celular dos doadores, sendo que o doador não poderá produzir mais de 02 gestações, de sexo diferente, numa área de um milhão de habitantes.

 

A clínica deverá garantir que o doador tenha a maior semelhança fenotípica e imunológica e a máxima compatibilidade com a receptora, não sendo permitido que qualquer pessoa vinculada a ela seja doadora.

 

e)      Criopreservação de gametas e embriões

 

É permitida a criopreservação de espermatozóides, óvulos e pré-embriões, sendo que os pacientes serão cientificados do nº total de pré-embriões produzidos para que decidam quantos serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.

 

No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino a ser dado aos pré-embriões criopreservados, em casos de divórcios, doenças graves e falecimento de um ou de ambos, e quando desejam doá-los.

 

f)        Diagnóstico em pré-embriões

 

Toda intervenção, com fins diagnósticos, em pré-embriões in vitro somente terá como finalidade a avaliação de sua viabilidade ou detecção de doenças hereditárias, sendo obrigatório o consentimento do casal.

 

Toda intervenção, com fins terapêuticos, em pré-embriões in vitro somente terá como finalidade evitar a transmissão ou tratar de doenças, desde que tenha garantias reais de sucesso, sendo também obrigatório o consentimento do casal.

 

O tempo máximo de desenvolvimento de pré-embriões in vitro será de no máximo 14 dias.

 

g)      Doação temporária do útero[4]

 

Desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética, as clínicas, centros ou serviços de R.H.A. podem utilizar a gestação de substituição.

 

As doadoras temporárias de útero devem pertencer à família da receptora, num parentesco de até 2º grau, sendo que demais casos devem ser autorizados pelo Conselho Regional de Medicina.

 

A doação de útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

 

1.2. Projetos de Lei no Congresso Nacional

 

Seguindo o caminho traçado pela Resolução 1.358/92 do CFM, alguns legisladores propuseram Projetos de Lei referentes à matéria.

 

O primeiro projeto foi apresentado em 1993 pelo Deputado Luiz Moreira (PFL-MA), tendo como relator o Deputado Marcelo Deda (PT-SP) e recebeu o número 3.638/93. O segundo projeto sobre a matéria foi apresentado em 1997 pelo Deputado Confúcio Moura (PMDB-RO), tendo como relator o Deputado Jorge Costa (PMDB-PA) e recebeu o número 2.855/97 e o terceiro projeto foi apresentado em 1999 pelo Senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), tendo como relator o Senador Roberto Requião (PMDB-PR) e recebeu o número 90/99.

 

A quase unanimidade de tais projetos de lei segue fielmente as diretrizes constantes na Resolução 1.358/92 do CFM, em nada inovando a respeito dos reflexos jurídicos e das conseqüências advindas do uso das técnicas artificiais de reprodução.

 

O Projeto de Lei mais completo e abrangente, que dispõe sobre a matéria, é o de nº 90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, que tramita burocraticamente no Congresso Nacional, junto à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.

 

O Senador Roberto Requião apresentou substitutivo ao PL 90/99 que, atualmente, está sob a relatoria do Senador Tião Viana, sendo que as principais inovações e modificações apresentadas ao projeto original foram a de reduzir para três o nº de embriões a serem introduzidos no útero materno, de proibir e tornar como crime a criopreservação de embriões, estabelecendo que todas as inseminações devem ser à fresco e de, também, tornar crime a redução embrionária.


 

2.      Dilemas jurídicos da reprodução humana assistida

 

Os principais dilemas jurídicos trazidos pela inseminação humana artificial dizem respeito às chamadas inseminações heterólogas, à possibilidade de congelamento de células germinativas e de embriões humanos e a tão discutida e propalada possibilidade de intervenção e manipulação de células germinativas ou totipotentes para fins de pesquisa ou clonagem.

 

Diante destas problemáticas, trazidas pela reprodução humana assistida, iremos discorrer sobre alguns dos efeitos jurídicos que são sentidos pela sua utilização:

 

2.1. Inseminação homóloga e heteróloga

 

a)      Inseminação homóloga

 

A inseminação homóloga ocorre quando, em quaisquer das técnicas de inseminação artificial, utiliza-se apenas os gametas do casal casado ou em união estável, ou seja, usa-se o espermatozóide do marido ou companheiro juntamente com o óvulo da esposa ou companheira.

 

A inseminação homóloga, por não apresentar distorções na hereditariedade biológica do ser concebido, tendo em vista a utilização dos gametas do casal, não apresenta maiores conflitos jurídicos, pois o ser nascido será filho biológico, jurídico e socioafetivo de ambos.

 

As maiores complicações podem ocorrer quando o sêmen do marido ou do companheiro ou o óvulo da mulher ou companheira ficam armazenados para utilização futura e quando um dos consortes ou conviventes venha a morrer antes desta utilização. Nestes casos, é possível que o cônjuge sobrevivente utilize o material criopreservado para a inseminação, chamada de inseminação post mortem, conforme veremos à frente.

 

Em relação aos companheiros, também, não restam dúvidas de que, estando caracterizada a união estável e sendo o filho nascido inseminado com o sêmen do companheiro, ele será fatalmente declarado filho legítimo daquele casal, apesar de não se poder aplicar, nestes casos, a presunção da paternidade imputada às pessoas casadas, nos termos do artigo 1.597 do Código Civil.

 

Na união estável, será necessário que haja um reconhecimento voluntário por parte do companheiro ou que o filho prove a existência da união estável havida entre o suposto pai e sua mãe para que se estabeleça o liame de filiação, com recurso até mesmo à perícia judicial através do exame de DNA.

 

b)      Inseminação heteróloga

 

A inseminação heteróloga, por sua vez, ocorre quando se utiliza, em quaisquer das técnicas de inseminação artificial, os gametas de terceiros, que não os do casal. A concepção é realizada com a utilização do esperma ou do óvulo doado por terceiro(a).

A inseminação heteróloga oferece um campo muito vasto de questionamentos e considerações no que diz respeito aos liames de filiação, visto que o filho que for gerado terá sua paternidade ou maternidade dissociada do vínculo biológico, dependendo do gameta de terceiro a ser utilizado na fecundação.

 

Neste ponto, é crucial a importância do termo de consentimento informado a ser assinado pelo casal antes da fecundação em uma inseminação heteróloga, pois tal consentimento atestaria a vontade do casal em ter o filho, demonstraria o vínculo socioafetivo com a criança a ser concebida e, por consequência, legitimaria a filiação entre o casal que recorreu à técnica heteróloga e o filho nascido desta técnica[5].

 

Não restam dúvidas de que, em uma inseminação heteróloga, temos várias pessoas envolvidas e com número peculiar a cada situação, por exemplo, poderíamos ter a mulher e o marido que recorrerem à técnica, se fossem casados; o doador do sêmen e a esposa, se houver; a doadora do óvulo ou do útero e o esposo, se também fosse casada e a criança a ser concebida.

 

Percebe-se, portanto, que em um conflito negativo ou positivo da maternidade ou paternidade, a questão a ser resolvida pelo judiciário seria por demais complexa e tormentosa e sempre dependeria do exame detalhado de cada caso concreto, pois, de um lado, teríamos a verdade genética e biológica, de outro lado, teríamos a filiação socioafetiva legitimada pelo consentimento informado feito entre as partes e no meio de todos estes conflitos a necessidade de, levando em conta sempre o seu melhor interesse, assegurar os liames de filiação para a criança a ser gestada.

 

É consenso entre os doutrinadores que a utilização das técnicas de inseminação artificial heteróloga deve necessariamente ser precedida de um criterioso contrato envolvendo a clínica, os doadores de gametas e seus receptores, bem como de um termo de consentimento livre, esclarecido e informado, que indique às partes contratantes, de maneira clara e inequívoca, suas responsabilidades, seus direitos, seus deveres e a abrangência de todos os procedimentos médicos que serão utilizados, além dos esclarecimentos sobre os vínculos de filiação que serão estabelecidos.

 

A doação de gametas é definida por Juliane Fernandes Queiroz como “o contrato mediante o qual o doador, por liberalidade, transferirá, do seu patrimônio corporal, óvulos (no caso da mulher) ou esperma (no caso do homem) para a titularidade de um terceiro[6].

 

Não existe, ainda, uma lei que defina o contrato de doação de gametas e nem mesmo a sua abrangência ou reflexos jurídicos, sendo certo que a Lei 9.434/97, no parágrafo único do seu artigo 1º, que trata da doação de órgãos e partes do corpo humano, retirou tal liberalidade de sua abrangência[7]

 

Apesar do corpo humano, considerado em seu todo, ser um bem indisponível, é certo que algumas partes do corpo podem ser objeto de liberalidade por seu titular, sempre à título gratuito, a fim de se evitar um comércio clandestino de órgãos humanos.

 

É consenso que a pessoa, ao doar partes de seu corpo, fazendo-o de forma livre, espontânea e gratuita, transfere a titularidade deste bem a terceiro de forma definitiva e não poderá requerê-lo de volta e nem reivindicar direitos ligados àquele bem doado, pois, pensar o contrário seria o mesmo que permitir, por exemplo, que um doador de rim pudesse reivindicar para si, após a doação, o órgão que lhe foi retirado.

 

Portanto, uma pessoa que doa livre e conscientemente o seu sêmen ou o seu óvulo despoja-se de toda a titularidade sobre àquele bem e nunca mais poderá reivindicar quaisquer direitos inerente a ele, sejam eles pessoais ou patrimoniais.

 

Eduardo de Oliveira Leite, corroborando tal entendimento, afirma:

 

Quem consentiu em doar o seu sêmen para um banco de esperma, com vistas a auxiliar um casal infértil, embora possa (em tese) alegar que o filho é, geneticamente falando seu, deverá, em contrapartida, aceitar que o filho não é institucional, nem voluntariamente, seu. Ao contrário, estar-se-ia admitindo – como ocorre na doação de órgãos – que após o implante do órgão em novo paciente, o doador reclamasse a propriedade do órgão doado, o que fica vedado pela lógica e pela própria natureza da doação[8.

 

Apesar da doação de gametas envolver uma gama enorme de questionamentos, é certo que sua utilização é permitida, em face da lacuna legislativa, e está, atualmente, apenas regulada pelos ditames da Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina.

Da mesma forma que o doador de gametas não poderá reivindicar, por exemplo, a paternidade ou a maternidade do filho nascido com a utilização de seu esperma ou óvulo, o filho também não poderá propor ação de investigação de paternidade ou maternidade em face do doador, porque se não estaríamos aplicando direitos diversos para fatos análogos. Torna-se necessário trazer novamente à baila os ensinamentos sempre precisos de Juliane Fernandes Queiroz:

 

Não se pode concordar com a possibilidade de se atribuir uma paternidade a quem, mesmo tendo um vínculo biológico, jamais planejou a concepção de um filho. Diferentemente do que ocorre por meios naturais (caso em que não se pode defender o afastamento da paternidade), na inseminação heteróloga o doador é terceiro interveniente que não tem conhecimento nem ao menos do destino que será dado ao seu material genético. A função da doação já indicia a extinção prévia de qualquer vínculo de paternidade[9.

 

2.1.1. Pilares da filiação: biológico, jurídico e socioafetivo

 

Conforme dispõe Paulo Luiz Netto Lôbo: “Em matéria de filiação, o direito sempre se valeu de presunções[10] pela natural dificuldade em se atribuir a paternidade ou maternidade a alguém, ou então de óbices fundados em preconceitos históricos decorrentes da hegemonia da família patriarcal e matrimonializada. Assim, chegaram até nós:

 

a) a presunção pater is est quem nuptia demonstrant, impedindo que se discuta a origem da filiação se o marido da mãe não a negar em curto prazo preclusivo;

b) a presunção mater semper certa est, impedindo a investigação de maternidade contra mulher casada;

c) a presunção de paternidade atribuída ao que teve relações sexuais com a mãe, no período da concepção;

d) a presunção de exceptio plurium concumbentium que se opõe à presunção anterior;

e) a presunção de paternidade, para os filhos nascidos 180 dias depois do casamento e 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal[11].

 

As presunções, relativas à caracterização da filiação, têm por base apenas um dos pilares da filiação, ou seja, o pilar biológico tendo em vista que o marido é presumidamente pai daquele filho que nasce durante o casamento ou até mesmo antes ou depois dele, em face de, nesta época, ter tido, presumidamente, relações sexuais com a mulher que gerou o filho nascido.

 

Portanto, a paternidade biológica “é a relação de filiação entre o pai e o filho, estabelecida pela consagüinidade[12].

 

O pilar biológico, portanto, foi, durante séculos, o mais importante caracterizador dos vínculos de filiação, fato que tomou impulso, importância e certeza com o advento das novas técnicas para se apurar os vínculos biológicos e genéticos do ser que nasce com o suposto pai, primeiramente o exame ABO, posteriormente o exame de HLA e, atualmente, o exame de DNA. O direito pressupõe o fato de que todo o ser que nasce origina-se de uma relação sexual ocorrida entre o pai e a mãe, o que elevou o critério de consagüinidade com caracterizador, a priori, da filiação.

 

O pilar jurídico, forma-se quando existe a consagüinidade, real ou presumida, e também quando a lei concede os vínculos de filiação às pessoas que de livre vontade a manifestam, como é o caso clássico da adoção que é artificial, mas puramente legal e principalmente socioafetiva.

 

O pilar socioafetivo, por sua vez, dissocia-se dos demais por não trazer em si uma certeza jurídica advinda da consagüinidade ou dos ditames legais, tendo em vista que estabelece de forma livre, consentida e paulatina a filiação.

 

Heloisa Helena Barbosa[13] afirma que, no Brasil, podem ser apontados três critérios para o estabelecimento da paternidade:

 

a)      o critério jurídico, previsto no Código Civil, sendo a paternidade presumida nos casos ali previstos, independentemente da existência ou não de correspondência com a realidade;

b)      o critério biológico, hoje predominante, como antes mencionado, pelo qual prevalece o vínculo biológico; e

c)       o critério socioafetivo, fundamentado nos princípios do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana, segundo o qual o pai deve ser aquele que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo de sangue.

 

Da mesma forma que a família se transmudou de uma família institucionalizada para uma família socializada, a doutrina vem dando importância maior e levando em consideração os liames sociais e afetivos firmados entre pai e filho e não apenas os liames jurídicos ou biológicos para se estabelecer à filiação.

 

O pilar biológico afirma que o pai é aquele que teve relações sexuais com a mãe, o pilar jurídico consagra a certeza jurídica da filiação, por presunção ou adoção, e o pilar socioafetivo, por sua vez, leva em conta que a filiação se estabelece no vínculo afetivo e fraternal firmado entre pais e filhos, ou seja, para a filiação socioafetiva não importa quem gera ou quem presumidamente teve relações sexuais com a mãe e sim quem nutre, quem educa, quem dá carinho, afeto, amor, ou seja, quem realmente exerce as funções esperadas de um pai ou de uma mãe.

 

A divisão dos pilares da filiação não importa em sua estagnação ou não interação, pois, na maioria das vezes, em uma mesma filiação podem estar presentes os três pilares supra citados.

 

2.1.2. Conflitos de maternidade e paternidade na inseminação heteróloga

 

Em relação à filiação devemos ter em mente que as novas técnicas artificiais de reprodução provocaram um desmoronamento completo nas bases, antes arraigadas, da filiação.

 

Nas inseminações artificiais, é possível a fertilização homóloga, que é feita com gametas do casal; a fertilização heteróloga, em que é utilizado óvulo e/ou espermatozóide pertencente a terceiros e o útero de subrogação ou mãe de substituição, que é a mulher utilizada como meio para gestar um embrião fertilizado com gametas de outras pessoas.

 

Mas, para definirmos os liames da filiação deveremos lembrar que atualmente a doutrina e a jurisprudência consagram, além da filiação biológica e jurídica, a filiação afetiva, também chamada de socioafetiva.

 

O pai ou a mãe, pela atual orientação doutrinária, não é definido apenas pelos laços biológicos que tenha com a criança, e sim pelo querer externado de ser pai ou mãe, ou seja, de assumir, independentemente do vínculo biológico, as responsabilidades e deveres da filiação mediante a demonstração de afeto e de querer bem ao filho, sendo que a falta de tais requisitos acarretará, independentemente do pilar em que se funda a filiação, a perda do pátrio poder e possibilitará que a criança seja adotada por quem realmente lhe dê afeto, carinho e condições dignas de sobrevivência e desenvolvimento.

 

Partindo desta premissa, poderemos definir a filiação do nascituro concebido por técnicas reprodutivas artificiais, tanto pelo aspecto biológico, quanto pelo aspecto socioafetivo, levando-se em consideração sempre o seu melhor interesse.

 

Estando casado ou em união estável o casal que se submeteu às técnicas artificiais de reprodução e que, em conjunto, externaram seu consentimento acerca da inseminação homóloga ou heteróloga, não restam dúvidas de que o filho nascido caberá ao casal que consentiu com a técnica e se presumirá legítimo, visto ser concebido na constância do casamento ou da união estável, daí descabendo qualquer contestação futura a seu respeito.

 

Havendo consentimento do casal, mesmo com a utilização de gametas de terceiros, estará caracterizada a vontade de ambos em assumir e de levar à cabo um projeto parental que certamente assegurará à criança a ser nascida todas as condições de viver dignamente. Neste caso, firma-se uma filiação socioafetiva indissolúvel entre o filho nascido e o casal que recorreu à técnica.

 

Se a mulher casada se submeter a uma fertilização com sêmen de doador (heteróloga) sem o consentimento do marido, a paternidade não poderá lhe ser imputada, tendo em vista que ele não externou sua vontade para o ato[14]. Alguns doutrinadores propugnam que nestes casos legitimar-se-ia, até mesmo, a dissolução do vínculo matrimonial pela alegação de deslealdade conjugal, injúria grave ou impossibilidade de vida em comum e possibilitaria a propositura de ação negatória de paternidade cumulada com anulação do registro de nascimento, se houver sido feita mediante ardil ou erro[15].

 

a)      Da maternidade

 

Em relação apenas à maternidade, temos que o princípio segundo o qual a mãe é sempre certa (mater semper certa est) ficou literalmente abalado pelas novas técnicas de reprodução humana artificial.

 

Antigamente a mãe era sempre certa, por não haver como fecundar o óvulo fora do útero materno ou transplantá-lo em outra pessoa, tendo-se como certo que a mãe sempre seria aquela que estivesse gestando o nascituro.

 

Atualmente, a certeza em relação à maternidade mostra-se abalada, tendo em vista que a mãe pode ser a que esteja gestando o filho, pode ser a que forneceu o óvulo para fecundação ou ainda a que recebeu o óvulo de uma terceira pessoa e que contratou a barriga de substituição para gestá-lo (mãe socioafetiva).

 

O ordenamento pátrio consagra a idéia de que a mãe é a que gestou e deu à luz.

 

Se a mãe doadora do óvulo for inseminada com sêmen de seu marido ou de terceiro, e ela própria gestar o concebido, ela será declarada a mãe da criança, tendo em vista a coincidência dos atributos genético, socioafetivo e gestacional.

 

A questão de maior complexidade ocorre quando a “mãe gestante” for diferente da “mãe biológica” ou da “mãe socioafetiva”.

 

Poderá, nestes casos, ocorrer o conflito negativo ou positivo da maternidade.

 

O conflito positivo ocorre quando várias mães reivindicam para si a maternidade da criança e o conflito negativo ocorrerá quando nenhuma das mães quer assumir a maternidade da criança.

 

Diante dos conflitos apresentados, a solução que melhor se mostra e que melhor se coaduna com a tendência doutrinária e legislativa mundial é a de se atribuir a maternidade à mãe que gestou a criança, por questões de afinidade e aleitamento.

 

Esta solução poderá ser modificada quando ficar evidente que a mãe gestante, por não ser mãe biológica, não tiver condições de cuidar da criança (psicológicas e sociais), entregando-se a criança à mãe que melhor atender aos seus interesses (biológica ou socioafetiva).

 

Atualmente, diante da possibilidade da substituição de útero, cresce na doutrina pátria o entendimento de que a mãe biológica é a que merece a maternidade da criança, pois entendem que a mãe de substituição é apenas a hospedeira daquele ser gerado, sem a contribuição de suas células germinativas, e que, ao fazê-lo, já estava ciente, de antemão, que gestaria uma criança para ser entregue após o nascimento a quem lhe contratou[16].

 

Outro ponto importante é levantado pelos adeptos da filiação afetiva, que pregam que, independentemente da origem biológica ou da gestação, a mãe será aquela que assumiu e levou adiante o sonho da maternidade ao recorrer até mesmo a estranhos para que sua vontade fosse satisfeita.

 

Em relação à substituição de útero, erroneamente chamada de barriga de aluguel, é certo que não há legislação que o regule ou que o proíba, sendo apenas tratada tal questão pela Resolução 1.358/92 do CFM.

 

A solução dos impasses relativos à disputa ou imposição da maternidade deve variar em cada caso concreto diante das peculiaridades levantadas e da casuística do caso concreto, mas a tendência é a de que o julgador ao julgar tais conflitos de maternidade deve sempre ter em mente quem primeiro externou a vontade relativa à busca da filiação e, principalmente, buscar em sua decisão o melhor interesse da criança e a sua integral dignidade.

 

b)      Da paternidade

 

Na paternidade o brocardo latino, segundo o qual, o filho de mulher casada presume-se de seu marido, pater is est, quem nuptiae demonstrat, também foi jogado por terra pelas novas técnicas reprodutivas.

 

Em face da omissão legislativa acerca da paternidade por técnicas de reprodução assistida, devemos dividi-la em paternidade homóloga e heteróloga.

 

Na inseminação homóloga, descabem maiores análises jurídicas, tendo em vista que se concilia a filiação biológica com a filiação afetiva, ou seja, o pai será aquele que doou o espermatozóide para ser fecundado em sua esposa ou companheira.

 

Em relação à inseminação heteróloga, devemos enfocar o tema sob três perspectivas distintas:

 

1º - Se a técnica heteróloga foi consentida dentro de um casamento ou união estável.

2º - Se a técnica heteróloga não foi consentida dentro de um casamento ou união estável.

3º - Se a técnica heteróloga foi realizada fora de casamento ou de união estável em mulheres solteiras, viúvas, separadas judicialmente ou divorciadas.

 

A primeira situação é a que oferece menos preocupação, pois já é consenso entre os doutrinadores e legislações estrangeiras que o homem, ao consentir expressamente na inseminação heteróloga de sua esposa ou companheira, assume a paternidade da criança e em nenhum momento poderá contestá-la.

 

O artigo 1597, inciso V, do Código Civil, já contém tal disposição ao presumir a filiação dos filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido[17].

 

Na segunda situação, a mulher, ao se inseminar com sêmen de terceiros e com o desconhecimento de seu marido ou companheiro, comete um ato atentatório ao casamento (injúria grave, violação dos deveres do casamento, insuportabilidade da vida em comum, violação ao dever de lealdade etc.). Em tais hipóteses, o marido poderá contestar a paternidade do filho, se já o houver registrado, tendo em vista que foi levado a erro ao fazê-lo[18].

 

A terceira situação é aquela em que a mulher recorre a um banco de sêmen e se fertiliza com o intuito de formar uma família monoparental. Nestes casos, não é possível atribuir-se ao doador qualquer vínculo de filiação. Ainda que não exista lei específica, por analogia, usamos o instituto da adoção em relação à doação do sêmen. Neste caso, acreditamos que a criança somente será registrada em nome da mãe, mas poderá no futuro requerer o reconhecimento de sua origem genética, sem que isto acarrete ao doador quaisquer obrigações ou direitos relativos à criança, uma vez que, ao doar seu sêmen, ele abdicou voluntariamente de sua paternidade, da mesma forma que o faz quem entrega uma criança para adoção.

 

 

2.2. Criopreservação de gametas

 

A maior e mais difícil missão do direito moderno será definir qual a proteção jurídica a ser dada aos embriões humanos congelados e estocados fora do útero materno, pois atualmente, veremos, que ele não tem uma proteção jurídica assegurada e livre de questionamentos éticos, sociais e jurídicos.

 

Mas, antes de adentrarmos nestes questionamentos, necessário será definirmos quais os entes que atualmente têm uma proteção jurídica assegurada.

 

2.2.1. Pessoa natural, nascituro e prole eventual

 

A nossa ordem jurídica atual reconhece e protege os direitos da pessoa natural, assegura e põe a salvo os direitos do nascituro e também confere direito à pessoas ainda não concebidas, como é o caso da prole eventual contemplada em testamento.

 

Jussara Maria Leal de Meirelles pontifica que:

Até difundir-se a fertilização in vitro, vulgarmente conhecida por ‘bebê de proveta’, o que se protegia, interpretando-se as disposições da lei civil era apenas:

a) O interesse do ente nascido com vida (pessoa natural);

b)O interesse do nascituro (já concebido no ventre materno);

c) O interesse da prole eventual (não concebida).[19]

 

a)      A pessoa natural

 

Tradicionalmente, entende-se por pessoa natural o homem como ente jurídico considerado como sujeito de direitos e obrigações. Como todo o ser humano é considerado pelo direito como sujeito de direitos e obrigações, o termo inicial do início de sua personalidade, e conseqüentemente, do início da existência da pessoa natural é o seu nascimento com vida (art. 2º do Código Civil)[20].

 

A separação do filho das vísceras maternas deve estar conjugada ao elemento vida para não gerar confusões entre a prematuridade e o aborto, pois se o nascimento ocorrer antes do término do ciclo gestacional e se a criança nascer com vida ela adquirirá personalidade e será considerada pessoa natural, mesmo que instantes depois venha a falecer.

 

A verificação do nascimento, para consideração de pessoa natural, deve caracterizar-se por sinais que possam ser identificados pela ciência médica, tais como vagidos, movimentos, inalação de ar e sua penetração nos pulmões, ainda que por ínfimo período[21].

 

A Organização Mundial de Saúde define o nascimento com vida da seguinte forma:

Nascimento com vida se dá com a expulsão ou extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez, de um produto de concepção que, depois da separação respire ou apresente qualquer outro sinal de vida, tal como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não desprendida a placenta. Cada produto de um nascimento que reúna essas condições se considera como uma criança viva[22].

 

Não se exige, como caracterização da pessoa natural, a viabilidade, isto é a sobrevivência durante pelo menos 24 horas após o nascimento[23] e, tampouco a forma humana, posto que o ponto de vista de nosso direito é social e não biológico[24], portanto se nascer, mesmo malformado, ele será considerado pessoa, adquirirá personalidade e terá a proteção do Direito, ainda que viva por pouco tempo.

 

Portanto, para o atual ordenamento civil pátrio, pessoa natural é aquela que nasce com vida. O nascimento com vida, através de qualquer forma de concepção e gestação, confere àquele ente personalidade civil e lhe impõe e assegura todos os direitos e obrigações conferidos às pessoas naturais, sendo certo que a natalidade sem vida não é fato jurídico, uma vez que nenhum efeito gerou.

 

b)      O nascituro

 

Em relação ao nascituro, várias teorias tentam explicar a sua natureza jurídica - teorias natalistas, da personalidade condicional e a concepcionista - sendo que a adotada atualmente considera que nascituro é o ser em desenvolvimento no útero materno até o momento de seu nascimento com vida.

 

Os mais notáveis doutrinadores, anteriores à vigência do atual Código Civil, eram adeptos da teoria concepcionista, tais como Teixeira de Freitas, Tomás Nabuco e Clóvis Beviláqua[25], pois pregavam que o direito deveria conferir personalidade às pessoas desde a concepção, no ventre materno.

 

Mesmo tendo nosso ordenamento jurídico adotado teoria diversa da acima apregoada, não restam dúvidas que tanto os natalistas quanto os concepcionistas são unânimes em afirmar que o ser, logo que concebido, tem vida humana e necessita de proteção jurídica, sendo certo que a única e mais importante discordância entre eles está na definição do momento em que se atribui personalidade a este ser em gestação.

 

O próprio Clóvis Beviláqua reconhece que o ordenamento pátrio adotou a teoria natalista ao afirmar:

Apesar da lógica irrecusável que sustenta esta opinião, é certo que a opinião contrária é a dominante e por ela se declarou o Código Civil Brasileiro, art. 4º: ‘Art. 4º - A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro’.[26]

 

Sérgio Abdalla Semião, por sua vez, afirma:

 

Antes do parto, o feto não é pessoa, é uma porção da sua mãe, uma parte das vísceras desta, como se afirma nas fontes romanas mencionadas. Antes do nascimento o nascituro não tem vida própria e independente, pois é alimentado pelo sangue materno. Até operar-se o nascimento, o nascituro está ligado ao corpo materno, em razão mesmo da sua existência, inteiramente dependente, alimentado por intermédio da placenta, cuja vida só tem existência intrauterinamente. Partus enim antequam edatur, mulieris portio est, vel viscerum. (O parto, antes que seja dado à luz, é porção da mulher ou de suas vísceras)

 

E complementa dizendo que:

 

Da fecundação ao parto, o que existe é uma spes personae, mais comumente denominada ‘nascituro’[27]

 

Mesmo com algumas divergências teóricas, prevalece, entre a maioria dos doutrinadores pátrios, o entendimento de que o nascituro é o ser em gestação implantado[28] e desenvolvendo-se no útero materno até o seu nascimento. Se nascer com vida, será considerado pessoa natural e se natimorto não terá proteção jurídica em virtude de não ter adquirido personalidade.

 

c)      A prole eventual

 

No que diz respeito à prole eventual, o Código Civil permite que a prole eventual de pessoas designadas pelo de cujus possa ser capaz de receber bens de herança, desde que tal disposição conste de seu testamento e de que tais pessoas estejam vivas quando da morte do testador. Portanto, para o nosso ordenamento jurídico, a prole eventual refere-se a pessoas ainda não concebidas que poderão ser beneficiadas por testamento, desde que seus pais tenham sobrevivido ao de cujus[29].

 

Por meio de testamento, o testador pode beneficiar a prole eventual de outras pessoas, desde que, quando de sua morte, tais pessoas estejam vivas e posteriormente tenham filhos dentro do prazo estipulado no testamento, pois se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos[30].

 

O conceito de prole é tomado stricto senso para designar “filhos” sem compreender descendência mais remota[31].

 

Ocorre que não sendo possível conferir direito às pessoas inexistentes (prole eventual) e tendo em vista que os bens hereditários não podem ficar sem dono, o testador somente pode conferir direitos hereditários à prole eventual de pessoas por ele determinada, utilizando-se o mecanismo da substituição fideicomissária[32], na qual ele nomeia um fiduciário, que guardará os bens até o nascimento da prole, quando então a propriedade dos mesmos resolve-se em favor dos nascidos.

 

2.3. O embrião criopreservado

 

Com o advento das novas técnicas reprodutivas que permitem o congelamento e a conservação de espermatozóides, óvulos ou embriões, para inseminação e gestação futura, mais um elemento de proteção se somou aos anteriores.

 

Atualmente, em face da lacunosa e insuficiente legislação, o embrião, uma vez congelado, não tem uma definição quanto à sua natureza jurídica, tendo que vista que não poderia ser classificado como nascituro, porque não ocorreu a nidação e, conseqüentemente, não está sendo gestado pelo útero feminino; não seria considerado prole eventual por que já houve a concepção e quando se abrir a sucessão o testador já estará falecido, não podendo ser considerado pessoa existente e, além disto, a lei prevê a designação de filhos de outras pessoas e não de filhos do próprio testador; e também não se encaixaria na definição de pessoa natural porque ainda não nasceu.

 

Conclui, de forma brilhante, pela necessidade da proteção jurídica específica, a douta Jussara Maria Leal de Meirelles ao lecionar que:

 

Em suma, se os denominados embriões pré-implantatórios não são pessoas a nascer (nascituros), nem por isso é possível classificá-los como prole eventual (a ser concebida) posto que concepção já houve. De outro lado, por serem em si mesmos portadores de vida, não podem ser tidos por bens suscetíveis de subordinação a interesses econômicos dos mais diversos. Conclui-se, pois, que a questão do destino dos embriões humanos não utilizados para implantação em útero não encontra acolhida nas categorias impostas pelo Código Civil. Desse modo, impõe-se distanciá-los da categorização estabelecida tradicionalmente, bem como, sob enfoque da proteção, equipará-los aos demais seres humanos[33].

 

É necessário, portanto, definirmos o status jurídico dos embriões humanos criopreservados, pois, detentores de carga genética própria, de vida independente e sendo aptos a gerarem novos seres é forçoso afirmar a clara necessidade de uma proteção jurídica distinta e diferenciada daquela dada às outras categorias contempladas pelo ordenamento civil pátrio.

 

Os embriões criopreservados, apesar da indefinição acerca de ser ou não detentor de personalidade jurídica, têm a garantia de preservação de sua dignidade como pessoas por nascer, sendo vedado, portanto, qualquer manipulação em suas células que não tenham por finalidade a detecção de sua viabilidade ou para tratar ou evitar a transmissão de doenças.

 

A manipulação genética de célula germinativa humana, para fins de pesquisa e/ou clonagem, é proibida no Brasil e passou a caracterizar-se como crime com o advento da Lei 8.974 em 05 de janeiro de 1995, chamada de Lei de Biossegurança, que estipula a pena mínima de detenção de três meses a um ano para as pessoas que realizarem qualquer manipulação genética em células germinais humanas e também se fizer qualquer intervenção em material genético in vivo, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência e com aprovação prévia da CTNBio e pena máxima de reclusão de seis a vinte anos se resultar em morte.

 

3.      Conflitos jurídicos no direito sucessório

 

3.1. Conceito e verificação da capacidade sucessória

 

A palavra sucessão sugere, genericamente, a transferência da titularidade de bens, direitos e obrigações de uma pessoa à outra. Ocorre que, no direito pátrio, temos várias acepções para a palavra sucessão que serão definidas de acordo com o seu objeto, ou seja, temos uma acepção em sentido amplo e em sentido restrito.

 

A sucessão em sentido amplo, nos dizeres de Washington de Barros significa “o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam[34], como, por exemplo, a sucessão que se dá no contrato de compra e venda no qual o comprador sucede o vendedor na propriedade e posse da coisa vendida ou no caso do locatário que sucede o locador no uso e gozo da coisa locada ou, ainda, o prefeito eleito que sucede ao outro em fim de mandato etc. Neste sentido amplo, a sucessão significa a passagem ou transferência, total ou parcial, de um direito ou obrigação de uma pessoa (física ou jurídica) para outra, seja a que título for.

 

Em sentido restrito, a sucessão significaria a transferências de bens, direitos e obrigações de uma pessoa à outra, em virtude de sua morte. Nos dizeres de Clóvis Beviláqua: “Direito hereditário ou das sucessões é o complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir[35], o que é corroborado por Carlos Maximiliano:

 

Direito das sucessões em sentido objetivo é o conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em conseqüência de sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto.[36]

 

Portanto, a espécie a ser estudada refere-se a sucessão em sentido estrito, ou seja, à sucessão causa mortis que cuida da transferência de bens, direitos e obrigações de uma pessoa que morre para os seus herdeiros legítimos e testamentários.

 

O direito sucessório está ligado ao direito de família e de propriedade e o legislador pátrio, ao elencar as pessoas beneficiadas na ordem de vocação hereditária, o faz com o firme propósito de agraciar, em primeiro lugar, a família, legítima ou natural, do de cujus e, posteriormente, atender a sua última vontade externada pela via testamentária.

 

D’Aguano, citado por Maria Helena Diniz, chega a justificar o fundamento científico do direito sucessório nas conclusões da biologia e da antropologia atinentes ao problema da hereditariedade bio-psicológica, segundo a qual os pais transmitem à prole não só os caracteres orgânicos, mas também as qualidades psíquicas, resultando daí que a lei, ao garantir a propriedade pessoal, reconhece que a transmissão hereditária dos bens seja uma continuação biológica e psicológica dos genitores[37].

 

Não há como se negar a relevante função social desempenhada pela possibilidade de transmissão causa mortis, pois valoriza a propriedade e o interesse individual na formação e avanço patrimonial, estimulando a poupança e o desempenho pessoal no progresso econômico, fatos que, direta ou indiretamente propulsionam o desenvolvimento da própria sociedade[38].

 

Ocorre que os dois pressupostos básicos da sucessão, citados por Orlando Gomes[39], para que se ocorra a sucessão mortis causa, que são a morte do de cujus e a vocação hereditária estão sofrendo modificações com o estágio atual do desenvolvimento tecnológico, sendo a legislação pátria totalmente omissa e lacunosa frente às novas técnicas reprodutivas.

 

Não há dúvidas de que se a pessoa, em vida, tiver filhos através das novas técnicas de reprodução, estes filhos, já nascidos, terão todos os direitos sucessórios quando da morte do de cujus, pois estando vivos ao tempo da morte do autor da herança e sendo deste herdeiros, herdarão sem maiores problemas.

 

Mas o problema maior e sem uma solução pacífica no ordenamento pátrio, diz respeito à possibilidade de se utilizar o esperma ou o óvulo do(a) autor(a) da herança, que tenha sido criopreservado, para possibilitar uma concepção e, conseqüentemente, uma gestação a ser iniciada após a sua morte, também chamada de inseminação post mortem.

 

Outra grande problemática bioética e jurídica diz respeito à implantação post mortem de um embrião anteriormente fecundado pelo “de cujus”, haja visto que já é ser vivo e concebido, com características genéticas próprias e diferenciadas de seus genitores e levando-se em conta que a capacidade sucessória é deferida às pessoas vivas ou já concebidas ao tempo da morte do de cujus ou à prole eventual de pessoas por ele designadas, em testamento[40].

 

Independentemente de qualquer formalidade, logo que se abre a sucessão, investe-se o herdeiro no domínio e posse dos bens constantes do acervo hereditário, mesmo que não tenha tido ciência da morte do de cujus. Este princípio, derivado da doutrina droit saisine, que se expressa pela máxima le mort saisit le vif, constante do Direito Francês[41], significa que aberta a sucessão o domínio e a posse dos bens da herança passam a pertencer de imediato aos herdeiros legítimos e/ou testamentários.

 

O princípio da Saisine, corroborado pelo artigo 1.784 do Código Civil, ao determinar a imediata transferência dos bens, direitos e obrigações do de cujus aos seus herdeiros legítimos e testamentários, provoca vários efeitos jurídicos. Dentre os mais importantes, destacamos os seguintes: verificação da capacidade sucessória de acordo com a lei em vigor na data do falecimento; identificação dos herdeiros aptos a receberem os bens da herança; transmissão dos bens aos herdeiros independentemente de sua ciência ou vontade; verificação do valor dos bens inventariados e a capacidade de qualquer herdeiro de defender todo o acervo hereditário contra atos de terceiro.

 

De acordo com o citado artigo 1.784 do Código Civil uma vez aberta a sucessão, ou seja, verificada a morte do de cujus, a herança se transmite imediatamente e sem formalismos, aos herdeiros sobreviventes que se tornam titulares dos direitos adquiridos.

 

Portanto, “o princípio cardeal do direito sucessório é a transmissão imediata dos bens aos herdeiros legítimos e testamentários, subordinada obviamente a que tenham capacidade para suceder[42].

 

Não basta, pois, que o herdeiro pertença à classe chamada à sucessão, pois antes de mais nada é necessário que prove ser capaz e não indigno de receber os bens da herança.

 

Em relação à verificação da capacidade sucessória, relevante se faz a opinião de Francisco Cahali e Giselda Hironaka de que:

 

O primeiro passo à identificação da condição de herdeiro é a verificação de sua qualidade, que se dá pela previsão como sucessor na ordem de vocação hereditária (sucessão legítima), ou pela instituição da pessoa por disposição de última vontade (sucessão testamentária). Para pretender a herança, haverá necessidade de um título ou fundamento jurídico do direito hereditário, consistente na convocação do interessado pela lei ou pelo testador.[43]

 

O artigo Art. 1.787 do Código Civil estipula “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela” o que é corroborado pelo artigo Art. 1.798, do mesmo diploma legal, que dispõe que “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.

 

Portanto, será a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão que regulará a capacidade sucessória dos herdeiros, sendo que “nenhuma alteração legal, anterior ou posterior ao óbito, pode modificar o poder aquisitivo dos herdeiros, visto que a lei do dia do óbito rege o direito sucessório do herdeiros legítimo ou testamentário”[44].

 

Portanto, o momento oportuno para a verificação da capacidade sucessória é o da data da morte do autor da herança, pois a capacidade dos herdeiros será apurada de acordo com a lei, em vigor, naquela data[45].

 

Portanto, pela lei em vigor, se o herdeiro era capaz ao tempo da feitura do testamento e tornou-se incapaz no momento da abertura da sucessão (morte do de cujus), ele não terá direito sucessórios, mas se era incapaz ao tempo da feitura do testamento e tornou-se capaz quando da abertura da sucessão, ele terá capacidade sucessória e herdará os bens deixados pelo de cujus.

 

Inicialmente, para se verificar a capacidade sucessória, tanto na sucessão legítima quanto na sucessão testamentária, é necessário que a pessoa, física ou jurídica, tenha personalidade jurídica, ou seja, que exista no momento da abertura da sucessão[46], salvo no caso do nascituro, da prole eventual ou de disposição testamentária em favor de pessoa jurídica ainda não constituída.

 

Portanto, serão, de acordo com a lei atual em vigor, incapazes de receberem bens de herança todas as pessoas ainda não concebidas ao tempo da morte do “de cujus”, salvo os casos da prole eventual e das entidades que ainda devem constituir-se por fundação.

 

Em relação às pessoas vivas que tenham praticado atos caracterizadores da indignidade e deserdação[47] contra o de cujus, a capacidade sucessória fica condicionada à sua posterior declaração judicial, sendo que, nestes casos, se decretada por sentença a indignidade ou caracterizada legalmente a deserdação, o herdeiro será excluído da vocação hereditária, sendo encarado como morto para efeitos sucessórios.

 

Necessário dizer que ao herdeiro pré-morto ou comoriente, ao herdeiro declarado indigno ou ao herdeiro deserdado por testamento, é possibilitado o direito de representação caso tenham deixados filhos aptos a lhe representarem e a sucederem os bens do de cujus, nos termos do artigo 1.851 do novo Código Civil.

 

Neste caso, “a apuração da capacidade sucessória decorre da verificação de um conjunto de pressupostos que se resumem nestas duas circunstâncias: a existência para fins de sucessão e a sua convocação para receber por causa de morte[48].

 

A renúncia do herdeiro também retira-lhe a capacidade sucessória, tendo em vista que nestes casos é encarado como inexistente para efeitos sucessórios, sendo que aos seus filhos não é assegurado o direito de representação e estes somente recebem os bens do de cujus se o herdeiro renunciante é o único de sua classe ou se todos os demais herdeiros de sua classe também renunciarem[49].

 

3.2. O direito sucessório e a reprodução humana assistida

 

Vê-se, pois, que o ordenamento legislativo pátrio não oferece solução adequada para as novas questões que a biotecnologia nos apresenta, pois o embrião criopreservado, apesar de já estar concebido, não pode ter a proteção jurídica assegurada aos nascituros, visto que não está em desenvolvimento no útero materno, não pode ser considerado prole eventual porque pela lei atual ele já estará concebido ao tempo da morte do de cujus e não será filho de pessoa designada pelo testador e sim seu próprio filho e não pode ser considerado pessoa natural porque ainda não nasceu.

 

O embrião conservado criopreservado fora do útero não pode, pela conceituação clássica, ser considerado nascituro, tendo em vista que tal conceito jurídico foi formulado e sedimentado pelos ensinamentos de nossos antepassados, que sequer imaginavam a possibilidade de uma fertilização fora do útero e, desta forma, não poderiam incluir, nesta conceituação, o embrião criopreservado.

 

Sua condição jurídica, portanto, é ainda indefinida e temerosa, embora merecedora de proteção.

 

Para que possa receber bens por sucessão legítima, tal embrião deverá estar implantado no útero feminino, pois só assim terá capacidade sucessória para herdar os bens do falecido.

 

Portanto, se com a morte do de cujus o embrião, em cuja fertilização consentiu, já estiver implantado no útero feminino, não há dúvidas de que a filiação lhe será assegurada, bem como o direito à herança.

 

Quanto ao embrião fecundado, mas não implantado, poderemos definir-lhe duas conseqüências jurídicas:

 

A primeira é a de que nunca poderá herdar por sucessão legítima, por não estar inserido no conceito de nascituro e pelo fato de o direito não poder ficar à mercê da vontade da mãe em implantá-lo quando bem entender, o que traria uma enorme insegurança jurídica e uma indefinição quanto à partilha dos bens.

 

A segunda conseqüência será a da possibilidade de vir a herdar, desde que o de cujus assim disponha em seu testamento, por analogia ao conceito de prole eventual, e desde que indique quem gestará o embrião e qual o tempo máximo para a sua implantação. Deve-se buscar, aí, a vontade expressa do testador em deferir-lhe a herança e conjugar sua última vontade com a vontade de quem gestará o embrião, pois, nestes casos, as duas vontades devem, necessariamente, estarem vinculadas, pois é juridicamente impossível que os atos de última vontade do de cujus vinculem o deferimento do legado sem levar em conta a autonomia de vontade de quem, possivelmente, venha a gestar o embrião criopreservado e futuro herdeiro e também será, do mesmo modo, ineficaz que alguém venha aproveitar-se de uma gestação futura sem que o de cujus tenha expressamente declarado, em vida, a sua vontade de concretizar aquele ato[50].

 

Quanto à inseminação post mortem, ou seja, a que se faz quando o sêmen ou o óvulo do de cujus é fertilizado após a sua morte, o direito sucessório fica vedado ao futuro nascituro, por ter sido a concepção efetivada após a morte do de cujus, não havendo, portanto, que se falar em direitos sucessórios ao ser nascido, tendo em vista que pela atual legislação somente são legitimados a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

 

O direito sucessório, portanto, decorre da filiação e, a partir da determinação do vínculo de paternidade ou maternidade, será resolvido. Destaca-se que o consentimento dado em vida é essencial para se determinarem os direitos do nascituro e para formação do vínculo de filiação.

 

Em relação à possibilidade da inseminação post mortem, a legislação estrangeira assim se manifesta:

 

§         Alemanha, Suécia: Veda-se a inseminação post mortem.

§         França: Veda-se inseminação post mortem e dispõe-se que o consentimento externado em vida perde o efeito.

§         Espanha: Veda-se a inseminação post mortem, mas garante direitos ao nascituro quando houver declaração escrita por escritura pública ou testamento.

§         Inglaterra: Permite-se a inseminação post mortem, mas não garante direitos sucessórios, a não ser que haja documento expresso neste sentido.

 

 

4.      A reprodução humana assistida no novo Código Civil

 

Já vimos que, no Brasil, atualmente, não temos nenhuma lei que ampara ou que regule a reprodução humana artificialmente assistida e que os projetos de lei, em tramitação no Congresso Nacional, ainda estão longe de serem promulgados.

 

Portanto, a carência de legislação específica, o costume de conferir validade ao que não é proibido e mais a evolução tecnológica que hoje integra o nosso cotidiano fazem com que a reprodução humana artificial seja livremente praticada, explorada e consentida, sem que nenhum controle legislativo ou governamental se faça valer.

 

Portanto, mesmo que as clínicas especializadas em reprodução humana assistida estejam atuando a todo o vapor, em face do volume de pessoas inférteis que anseiam por filhos, não existe nenhuma lei que regule os seus procedimentos ou os reflexos jurídicos advindos de tais técnicas, sendo que a Resolução 1.358 do CFM somente serve para traçar os caminhos éticos e deontológicos a serem seguidos pelos médicos e clínicas, tendo em vista que não possui força coativa de lei.

 

O atual Código Civil, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, em nada mudou e em nada aclarou as controvérsias acerca dos efeitos da reprodução assistida no mundo jurídico e muito menos se posicionou de forma clara quanto à proteção jurídica do embrião humano criopreservado.

 

Ocorre que uma importante mudança se fez com a introdução dos direitos da personalidade nos artigos 11 a 21 do novo Código Civil e, também, com a inserção da presunção de filiação aos filhos havidos por inseminação artificial, nos termos do artigo 1.597, incisos III, IV e V do citado Código[51].

 

Mas ao que parece, tais inovações “caíram de pára-quedas” dentro do novo ordenamento civilista, na medida em que não entraram em consonância com os demais dispositivos legais, especialmente no que tange aos direitos sucessórios.

 

Quanto a tais inovações é necessário dizer que o nosso legislador legitimou a paternidade, advinda de técnica de reprodução artificial, da seguinte forma:

 

4.1. Inseminação homóloga

 

Se a fecundação for homóloga, a filiação se estabelece mesmo que o marido esteja falecido ou mesmo que se trate de embriões excedentários que, pela norma legal, podem ser introduzidos no útero da mulher a qualquer tempo, sendo que os filhos nascidos serão considerados como concebidos na constância do casamento[52].

 

Portanto, mesmo que o marido já esteja falecido, os filhos, havidos por inseminação artificial homóloga serão presumidamente concebidos na constância do casamento.

 

O inciso IV do artigo 1.597, em comento, por sua vez, estipula que a presunção de paternidade se estende, também, aos embriões excedentários, havidos a qualquer tempo.

 

É necessário dizer que, na sistemática adotada pelo novo Código Civil, os incisos III e IV do artigo 1597 do novo Código Civil poderiam ser resumidos da seguinte forma: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III - havidos, a qualquer tempo, por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o cônjuge ou companheiro”, pois ser ou não embrião excedentário não retira a natureza homóloga da fertilização.

 

No mais, a dúvida reside em delimitar a abrangência da expressão “a qualquer tempo[53] relativa aos embriões excedentários, pois sabemos que pela moderna tecnologia é possível congelar um embrião humano por prazo indefinido sem que ele venha a perder suas capacidades vitais, genéticas ou biológicas.

 

Portanto, seria correto entender que o termo “a qualquer tempo” abrange apenas o tempo da constância do casamento ou o correto seria estender o entendimento a um tempo indeterminado, anterior ou posterior ao casamento ou união estável?

 

Optar por um dos entendimentos gera efeitos totalmente antagônicos.

 

Primeiramente, a presunção da paternidade do artigo 1.597 é iuris tantum e, portanto, admite prova em contrário, o que significa dizer que havendo prova que afasta a presunção da paternidade, como por exemplo, exame de DNA negativo, a filiação não será estabelecida em face do marido ou  companheiro, esteja ele vivo ou já falecido.

 

Se o termo “a qualquer tempo” for considerado apenas para as implantações de embriões concebidos ou anteriormente criopreservados, a qualquer tempo durante a constância do casamento ou união estável, afasta-se a presunção do liame de filiação das implantações de embriões homólogos realizadas após a dissolução do vínculo conjugal ou afetivo ou post mortem.

 

Neste caso, os embriões excedentários homólogos não se presumiriam filhos do de cujus, pois foram havidos após o rompimento do vínculo afetivo ou conjugal.

 

E se o termo “a qualquer tempo” for considerado dentro de sua conceituação habitual, ou seja, de tempo indefinido antes, durante ou depois do matrimônio ou união estável? Fica fácil vislumbrarmos os graves conflitos que podem surgir com tal interpretação.

 

Se levarmos em conta tal conceituação um filho, fruto de uma criopreservação embrionária homóloga, gestado e nascido, mesmo após a morte de seu genitor, será presumidamente concebido na constância do matrimônio e poderá reivindicar, para si, os direitos relativos à filiação e à herança, pois pelas disposições do artigo 1.798 do novo C.C.: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.

 

Apenas como exemplificação da problemática jurídica, introduzida pelas novas disposições acerca da presunção da paternidade, um filho, fruto de uma inseminação artificial homóloga, pode ser gestado 25 anos após a morte de um de seus genitores e reivindicar, por meio de seu representante legal, a posse dos bens que lhe pertencem e até mesmo demandar contra cada um dos filhos do de cujus o direito relativo à sua parte na herança, o que traria enorme insegurança jurídica na partilha.

 

Pode requerer, inclusive, os frutos e rendimentos percebidos desde a abertura da sucessão, por meio de petição de herança (artigos 1824 a 1828 do novo C.C.).

 

Percebam, que tal situação acarretará uma verdadeira insegurança no direito sucessório, pois se o de cujus falecer deixando sêmen criopreservado ou embrião fecundado homologamente, a esposa ou companheira poderá, após a morte e a qualquer tempo, fecundar-se e requerer, via petição de herança, os direitos hereditários do nascituro em relação à herança de seu finado marido, rompendo, desta forma, com a partilha anteriormente feita. Há a possibilidade até mesmo, dela requer a posse provisória dos bens em nome do nascituro (art. 877 a 878 do CPC).

 

Com o advento de tal norma legal e com a proliferação e maior acessibilidade às técnicas de reprodução humana artificial, o futuro próximo nos revelará a insegurança e temeridade de se fazer negócios envolvendo bens de espólio, tanto pelos herdeiros quanto pelos adquirentes, pois a qualquer tempo tais negócios podem ser contestados ou anulados por um filho do de cujus nascido vários anos após a morte e fruto de uma inseminação artificial homóloga de embrião excedentário.

 

4.2. Inseminação heteróloga

 

Se a fecundação for heteróloga, a filiação se estabelece apenas se houver prévia autorização do marido.

 

Pelo menos no que se trata de fecundação heteróloga, o legislador fez questão de inserir uma prévia autorização do marido para se firmar a filiação, mas foi omisso no que diz respeito à inseminação post mortem heteróloga em que tenha consentimento do marido neste sentido.

 

Outra omissão diz respeito à possibilidade da mulher também poder externar o seu consentimento, pois ela poderia estar morta e ter deixado um óvulo criopreservado[54]. Neste caso, o seu marido, se fosse infértil, poderia utilizar o óvulo de sua mulher e sêmem de terceiro e a presunção da maternidade se concretizaria com a autorização prévia da mulher.

 

Os conflitos, nestes casos, serão os mesmos da inseminação heteróloga, pois havendo testamento ou ato de última vontade determinando ou autorizando a fecundação heteróloga de sua mulher, há a presunção da paternidade havida na constância do casamento, em face da autorização prévia, e também os direitos sucessórios devidos ao filho nascido.

 

4.3. Outras divergências

 

O legislador refere-se apenas a autorização ou morte do marido, não cogitando a possibilidade do homem ser o sobrevivente que queira fertilizar outra mulher com o óvulo ou embrião deixado por sua esposa, utilizando-se, nestes casos, do útero de substituição.

 

Também não há menção à união estável, que, pelas normas legais, tem o mesmo direito do cônjuge sobrevivente.

 

Nestes casos, o inciso III do artigo 1.597, como sugestão, deveria ficar assim redigido “havidos, a qualquer tempo, por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o cônjuge ou companheiro”.

 

E, por sua vez, o inciso V do artigo 1.597 deveria ficar assim redigido “havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do cônjuge ou companheiro”.

 

Notas:

 

[1] Especialista em Bioética, Direito e Aplicações pelo Instituto de Educação Continuada da PUC Minas- IEC; Mestrando em Direito Privado pela PUC Minas; Membro fundador do Capítulo de Bioética da Sociedade Brasileira de Clínica Médica; Vice-Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG; Membro da Comissão de Ética em Pesquisa do Hospital Vila da Serra; Advogado militante.

[2] Conforme leciona Salmo Raskin, em seu artigo, DNA e investigação de paternidade, página web, “A tipagem sangüínea ABO só consegue excluir 13 em cada 100 indivíduos falsamente acusados e o HLA, nos melhores laboratórios do mundo, só consegue excluir 95 em cada 100 indivíduos falsamente acusados. O DNA exclui 100%, e uma não-exclusão em exame de DNA por P.C.R. automaticamente significa uma inclusão com probabilidade de paternidade altíssima”.

[3] Reprodução Humana Assistida.

[4] Jussara Maria Leal de Meireles, afirma que a Alemanha, Austrália, Espanha, França, Inglaterra, Israel, Noruega, Suécia e Suíça proíbem a utilização do útero de substituição (MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. IBDFAM,  Ed. Del Rey. 2002. pág. 397).

[5] Jussara Maria Leal de Meireles, afirma que na Austrália, Canadá, Espanha, França, Inglaterra, Israel, Noruega, Nova Zelândia, Suécia Venezuela, dentre outros, o consentimento informado determina a paternidade de quem consentiu com os seus termos (MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. IBDFAM,  Ed. Del Rey. 2002. pág. 398).

 

[6] QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial, p. 88.

[7] Art. 1º - A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo.

[8] LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 382.

[9] QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial, p. 162.

[10] Registros da presunção da paternidade são encontrados nas leis das 12 tábuas (462 a.C.) que legitimava o filho póstumo se este veio a nascer até o décimo mês após a dissolução do matrimônio. (Tábua Quarta n.4)

[11] Texto extraído do site jus navigandi.

[12] Juliane Fernandes Queiroz, Paternidade, ob. cit. pág 46.

[13] BARBOSA, Heloisa Helena – Direito à identidade genética. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM. Ed. Del Rey. 2002. pág. 381.

[14] Ressalva-se, entretanto, os casos em que haja paternidade socioafetiva formada entre pai e filho e caso fique demonstrado que o rompimento do liame afetivo provocaria graves danos ao menor.

[15] Dispõe QUEIROZ, Juliane Fernandes. Paternidade: aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial, p. 83 que: “A falta de consentimento do marido na prática de inseminação heteróloga poderia ensejar um separação do casal, não embasada na falta do dever de fidelidade, por adultério, mas sim na falta do dever de respeito mútuo, que igualmente deveria considerar a vontade do marido na constituição da família. Logo, a inseminação da mulher com esperma de um doador, sem o conhecimento do marido, pode conduzir a separação judicial por injúria”.

[16] É certo que o contrato envolvendo útero de substituição deverá ser gratuito, sendo vedado qualquer tipo de remuneração, pois o corpo humano está fora de comércio.

[17] Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: V - Havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

[18] Com a ressalva de não estar caracterizada a filiação socioafetiva entre pai e filho e sempre com a observância do princípio do melhor interesse da criança.

[19] MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica, p. 54.

[20] Isto se considerarmos o que dispõe a doutrina natalista, pois de acordo com a doutrina concepcionista o ser concebido já é considerado pessoa.

[21] Cf. FRANÇA, Rubens Limongi apud MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica, p. 50

[22] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS apud  SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro, p. 154.

[23] Exigência feita pelo Código Civil Francês.

[24] BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil, p. 69-70.

[25] SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro, p. 62-63.

[26] BEVILÁQUA, Clóvis apud SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro, p. 63.

[27] SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro, p. 152.

[28] Chama-se a implantação do embrião no útero materno de nidação.

[29] Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

II - as pessoas jurídicas;

III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

§ 1o Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775.

§ 2o Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.

§ 3o Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.

§ 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.

[30] Vide § 4º do artigo 1.800 do novo CC, supra.

[31] NONATO, Orozimbo apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. IV, p. 102.

[32] Artigos 1729 a 1740 do Código Civil.

[33] MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica, p. 56.

[34] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1968. 6. v, p. 1.

[35] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das sucessões. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1945.  § 1º.

[36] MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões.  4. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1948. n. 1.

[37] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 5.

[38] Cahali, Francisco José; HiRonaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil – direito das sucessões. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. v. 6. p. 24.

[39] GOMES, Orlando. Sucessões, p. 9.

[40] Artigos 1577 c/c 4º, 1717 e 1718, todos do Código Civil.

[41] Artigo 724 do Código Civil Francês.

[42] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. IV, p. 18.

[43] Cahali, Francisco José; HiRonaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil – direito das sucessões, v. 6, p. 48.

[44] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 41.

[45] O novo Código Civil foi taxativo ao determinar no artigo 2.041 de suas disposições finais que: “As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916)”.

[46] Cf. Cahali, Francisco José; HiRonaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil – direito das sucessões, v. 6, p. 135.

[47] Artigos 1595 a 1602 e 1741 a 1745 do Código Civil.

[48] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. IV, p. 19.

[49] Artigo 1.811 do novo Código Civil.

[50] Jussara Maria Leal de Meirelles, ob. cit. pág. 400, entende que: “A transferência ao útero dependeria , além dois fatores biológicos, da intenção de quem a realizasse e de quem se submetesse a tal intervenção médica. E reduzir a personalidade à vontade de pessoas direta ou indiretamente interessadas , por melhores que sejam as suas intenções, faz caracterizar verdadeira instrumentalização do ser embrionário. Saliente-se uma vez mais o agravamento de tal sujeição nas hipóteses em que se pretenda vantagens patrimoniais a partir da eventual gestação ou do nascimento do implantado”.

[51] Da Filiação

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

[52] O artigo 1597, inciso III e IV, é claro em dispor:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

[53] Inciso IV do artigo 1.597 do novo CC.

[54] Apesar das dificuldades técnica no congelamento e descongelamento do óvulos, não se descarta a possibilidade da tecnologia avançar a tal ponto.