EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE
JOÃO LISBOA – MARANHÃO
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato,
O bicho, meu Deus, era homem
Manoel Bandeira
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL,
através da Promotora de Justiça que esta subscreve, vem perante Vossa
Excelência, com fundamento no art. 129, III da CF, arts. 5º e 11 da Lei nº 7.347/85,
e art. 212 caput, c/c 213, §§ 1º e 2º da Lei nº 8.069/90, e com suporte nas
peças de informação apensas, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER, com pedido de LIMINAR contra o município de Senador La Roque, entidade de direito público
interno, através de seu representante legal (art. 12, II, CPC), atual Prefeito
do Município em destaque, podendo ser localizado para fins de direito na sede
da Prefeitura daquela cidade, pelas razões de fato e de direitos seguintes:
DOS FATOS
Na verdade, há anos que a população daquele povoado espera uma solução por parte da administração pública de Senador La Roque, no tocante à indiscutível necessidade da construção de uma escola.
A comunidade, revoltada com essa situação vexatória e humilhante chegou a ir à rádio local no começo deste ano, a fim de levar ao conhecimento de todos, sobre a realidade caótica, daquelas crianças e adolescentes.
Após tal iniciativa, o atual prefeito prometeu a todos os moradores que, no segundo semestre deste ano (2003), os alunos já teriam uma sede escolar para seus estudos. Contudo, até a presente data nada foi feito, ficando mais uma vez esta comunidade desassistida, pois o máximo que a citada autoridade fez foi colocar alguns tijolos em um terreno, que segundo a população, seria o destinado para a construção da dita escola (foto anexa nº 07).
Vale ressaltar que com a chegada do período chuvoso, o quadro tende a se agravar, pois a chuva facilmente irá penetrar nas aberturas do frágil telhado de palha da casa de fazer farinha, ou mesmo, diante da inexistência de parede, respingará nas crianças e adolescentes ali existentes, tornando praticamente impossível a continuação das atividades escolares, ainda que em péssimas condições.
Como aceitar o fato de que essas crianças e adolescentes, por ocasião das aulas, não possuem, por exemplo, sequer local para fazer suas necessidades fisiológicas?!
Ora Excelência, é preciso urgentemente dar um basta nessa situação!!! A comunidade do referido povoado não mais acredita em nenhuma promessa por parte do gestor público municipal, depositando na Justiça local toda a sua esperança na solução do problema.
Conforme já dito, as aulas chegaram a ficar paralisadas, logo no início desse semestre, porque a classe estudantil do Povoado Cajá Branca se recusava a continuar seus estudos na referida casa de fazer farinha, por temer ficar por ali anos a fio, mais uma vez no esquecimento. Porém, após contato com este Órgão Ministerial, a população em tela percebeu que o caminho melhor seria o retorno às atividades escolares, até que, por meio dos mecanismos legais, imediatas providências fossem tomadas.
Cabe salientar que esta representante ministerial, pessoalmente esteve no referido povoado, sendo, assim, possível constatar a infeliz realidade vivenciada por aquela comunidade. No dia de tal visita, os alunos não estavam nem mesmo no galpão de fazer farinha, pois este estava ocupado com sua atividade original, sendo que a aula, naquela ocasião, estava sendo ofertada em um pequeno casebre de barro, conforme foto anexa nº 04 a 06.
A Constituição Federal, em seu art. 227, invocando o princípio da prioridade absoluta, em relação aos valores fundamentais das crianças e adolescentes diz:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Em seu art. 208, a Carta Magna afirma de forma expressa:
Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante
garantia de;
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive,
sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria;
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo;
§ 2º - O não-oferecimento de ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
Na mesma linha de raciocínio, o Estatuto da Criança e do Adolescente, reforçando o teor do referido comando constitucional ressaltou em seu art. 53:
Art. 53 – A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao
pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua
residência.
A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) reafirma
essa mesma tendência principiológica, em seu art. 5º.
Art. 5º - O acesso ao direito público fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo.
Para que não pairasse qualquer tipo de dúvida, a Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, retificando o texto constitucional (art. 211 da CF), estabeleceu em seu art. 3º, § 2º.
“os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”.
Assim, com base em tal estrutura normativa observa-se que o Administrador está totalmente vinculado à implementação de políticas e planos de ação destinados a dar plena efetividade às normas garantidoras do direito è educação.
Com efeito, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo e o não oferecimento pelo poder público, ou sua oferta insuficiente e irregular, implicará responsabilidade da autoridade competente.
Logo, o que se vê é uma oferta irregular e insuficiente de ensino. Não se oferecendo minimamente condições físicas estruturais para o bem estar do alunado.
Certamente, o aproveitamento do conteúdo programático dado, é bastante reduzido, pois em tais condições, as crianças e adolescentes não vão ter uma concentração razoável, sobretudo por se tratar de um local aberto, com a influência direta de fatores externos como chuva, vento, frio, trânsito de animais e pessoas alheias ao processo educacional.
O comportamento omissivo por parte do Executivo Municipal é flagrantemente contrário aos direitos básicos a serem dispensados às crianças e adolescentes, consoante o art. 4º da Lei nº 8.069/90, como o direito à educação, à dignidade e respeito.
Qual a dignidade e respeito destinados a essa jovem população ? Pois, o que se vê, é o descaso, a negligência e um gritante desrespeito.
Como poderá ocorrer a formação de verdadeiros cidadãos, conforme o desejo estampado na Carta Magna (art. 205), por meio de uma Educação plena, se sequer há respeito à condição humana desses pequenos jovens?
Art. 205 – A educação, direito de todos é dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.
É preciso por fim urgentemente nessa violência, que atenta contra todo um ordenamento jurídico, sobretudo, aos princípios constitucionais elencados, que asseguram os valores fundamentais dos direitos das crianças e adolescentes.
DO PEDIDO DE LIMINAR
A permanência dessa situação absurda, causada pela inexistência de local
para o adequado desenvolvimento de um processo de educação, com certeza,
acarretará nova paralização das aulas, consoante o ocorrido no início desse
semestre, o que deixa, indubitavelmente, consubstanciado o periculum in
mora.
O fumus boni iuris encontra-se materializado por toda a dissertação acima demonstrada, que comprova, reiteradas vezes, a obrigação da parte da ré, pois o acesso ao ensino obrigatório e gratuito constitui direito público subjetivo, e o seu não oferecimento pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa em responsabilidade da autoridade competente.
Isto posto, requer-se a concessão da medida liminar inaudita altera pars, nos termos do art. 213, § 1º da Lei nº 8.069/90 para que:
a) o réu fique compelido a ofertar ensino fundamental obrigatório e gratuito de forma regular e adequado ao pleno desenvolvimento do processo educacional, com a construção de escola no Povoado Cajá Branca, município de Senador La Roque, estrutura de alvenaria, inicialmente, com no mínimo 03(três) salas de aulas, e demais dependências, para o satisfatório funcionamento de tal unidade educacional, como banheiros (feminino e masculino), cozinha, despensa e secretaria, tudo no prazo de 90 (noventa) dias;
b) fique fixada como multa diária pelo descumprimento do item acima, a pena de pagamento do valor diário de R$ 1.000,00 (hum mil reais), nos termos do § 2º do art. 213 da Lei nº 8.069/90.
Isto posto, requer-se deste juízo:
a) a concessão da medida liminar, nos termos postulados;
b) seja a parte ré citada para responder a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, na pessoa de seu representante legal;
c) ao final, seja julgada procedente a presente ação, condenando-se o requerido à obrigação de fazer, consistente na construção de escola (estrutura de alvenaria) que atenda satisfatoriamente toda a população estudantil do Povoado Cajá Branca, de acordo com a demanda existente, com quantidade de área construída com suas respectivas dependências, adequada para o pleno funcionamento de tal unidade escolar (sobretudo no tocante ao número de salas de aula), área esta que melhor será apurada por ocasião da instrução processual;
d) protesta-se por todos os meios de provas admitidos em direito, sobretudo juntada de documentos, depoimentos testemunhais, depoimento pessoal, e outros.
e) Condenação do réu ao pagamento das custas e demais despesas processuais;
Dá-se a presente, para efeitos meramente fiscais, o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais)
João Lisboa(MA), 24 de Fevereiro de 2003.
Alline Matos
Pires Guerra
Promotora de Justiça