OS EUFEMISTAS E AS CRIANÇAS NO BRASIL

 

 

Edson Seda

Consultor Jurídico, educador.

 

 

Este é um documento de trabalho na área da proteção integral à cidadania. Leia-o  para  testar  se  você tem sido um eufemista. Leia-o para saber das conseqüências do eufemismo no Brasil. Edição Adês – Rio de Janeiro – 1999

 

 

Sumário

 

1.      Introdução

2.      Os infratores

3.      Os menoristas

4.      O que diz a Constituição brasileira

5.      Agora, os eufemistas

6.      A essência do eufemismo

7.      As medidas sócio-educativas

8.      Apelo aos meios de comunicação

9.      Às faculdades de direito e às Secções locais da OAB

 

1.      Introdução

 

Ah, os eufemistas. Uns, por delicadeza, suavizam os termos para dizer coisas. Outros não ousam dizer o que pensam ou deve ser dito. Escrevo motivado pelas declarações de autoridades e especialistas quando dos últimos motins de adolescentes presos, primeiro no Rio de Janeiro, depois em Porto Alegre e São Paulo no último ano do século XX, ou seja, em 1999. Penso que o primeiro cuidado a adotar quando crianças e adolescentes são vítimas ou vitimadores é deixarmos de ser eufemistas (um exemplo entre muitos: jamais dizermos eufemisticamente que uma criança está em situação de risco (estado potencial de perigo), quando de fato o estado em que ela ou outra pessoa se encontram não é de risco mas de real violação de direitos fundamentais...). O resto (todo o complexo resto das mazelas que nós mesmos engendramos) é conseqüência da honestidade ou desonestidade com que concebemos, falamos e agimos na abordagem dessas difíceis questões.

 

No triste caso dos adolescentes encarcerados tem sido fácil afirmar certezas coletivas com toda convicção e essas afirmações não passarem de crassos erros. Aliás, quanto mais coletiva a certeza, maior o engano. Isso ocorre em vários âmbitos. Por exemplo: afirmar que o novo milênio e século começam não em 2.000 mas em 2.001. É óbvio que quem afirma isso confunde contar com medir (como quem confunde uma violação de direitos – certeza de que algo mau ocorreu – com um risco – probabilidade de que algo ruim vá ocorrer).

 

Quem conta 10 começa no um e termina no dez. Quem mede dez, começa no zero e termina no nove. No fim do nove. Daí, o bug do milênio, que ocorre do último dia de 1999 para o primeiro de 2.000. Daí zerarmos (para começar não no um mas no zero) o contador do vídeo, e o tempo do micro ondas, etc.. Quem mede o espaço, digamos, a largura de uma mesa, vê diretamente na fita métrica que deve iniciar no zero e terminar no fim do nove, pois o novo zero já é novo começo. Quem mede o tempo, sabe que o primeiro ano começa no primeiro de janeiro do ano zero (ao longo do ano zero se consome o ano um, como ao longo do zero da fita métrica se consome o primeiro centímetro). O ano um termina no 31 de dezembro do ano zero; ao longo do ano um se consome o ano dois... ao longo do ano nove se consome o ano dez. Se o leitor está entre os que dizem que Cristo nasceu no ano um e não no ano zero, pense bem, a contagem de nosso tempo começa um ano antes do nascimento de Cristo, no zero...

 

Se é tão fácil acertar ou errar ou ter posição divergente numa simples seqüência aritmética, o que não dizer de complexas questões do desenvolvimento humano? Dispomos ainda de algum tempo (escrevo em setembro de 1999) para repensar concepções e atitudes e zerarmos o novo século sem eufemismos. Depois, teremos ou não coragem de pensar ou não as coisas como são e agirmos ou não segundo esse entendimento.

 

2.      Os infratores

 

Tratarei aqui apenas dos infratores. Dia 16 de setembro de 1999, deu entrevista à Televisão Cultura de São Paulo, uma promotora de justiça de São Paulo (Dra. S.R, ponhamos assim, só as iniciais. Respeitemos democraticamente seu ponto de vista.) dizendo que os jovens de mais de 18 anos que estavam encarcerados por cometerem infrações antes dos dezoito anos não podiam ficar presos junto com os adultos porque o Estatuto da Criança e do Adolescente por ser uma legislação de menores não era uma lei de tipo penal e sim de tipo civil. Eu, que estava boquifechado fiquei literalmente boquiaberto com essa afirmação da representante do soberbo (por sua excelência) Ministério Público de São Paulo. Torturados pelos carcereiros do governo de São Paulo (o mundo inteiro viu a tortura pela televisão), os adolescentes (segundo o Estatuto são adolescentes, não menores) não devem ser presos com adultos por outras razões, segundo penso, não pelo que afirmou a promotora...

 

O Estatuto, com todo o respeito ao direito de S.R. e o de sua corporação de emitir sua própria opinião, não é uma lei de tipo civil, nem trata de menores. É uma lei que trata dos direitos sociais e humanos de crianças e adolescentes, os quais – crianças e adolescentes – estavam excluídos até a Constituição brasileira de 1988, de mínimos direitos reconhecidos aos adultos e aos idosos. Essa Constituição acaba com o conceito de menoridade absoluta aplicado às crianças e aos adolescentes.

 

Esse conceito de menoridade significa incapacidade. Por culpa dos civilistas (especialistas em direito civil) ou dos próprios menoristas, o conceito de menoridade significando incapacidade foi indevidamente estendido além do âmbito do Direito civil. Uma criança, obviamente, não é absolutamente incapaz. Por convenção humana, ela tem algumas incapacidades, como por exemplo de firmar contrato, de alienar bens, de firmar certos compromissos (no âmbito civil, hoje até 21 anos), de ser votada (no âmbito político, hoje até 35 anos), de exercer cargos públicos (no âmbito administrativo, hoje até 18 anos), de firmar contrato de emprego e votar nas eleições (nos âmbitos trabalhista e político para votar, até os 16 anos) mas tem uma infinidade de capacidades que o mundo do Direito não pode desconhecer.

 

O que o Estatuto fez foi reconhecer às crianças e aos adolescentes as capacidades que lhes são inerentes pelo simples fato de serem pessoas, capacidade primeira das quais é a de ser sujeito. Sujeito de direitos e de deveres. Daí sua inclusão (na segunda metade do século XX) ao mundo da cidadania social, de que falou pela primeira vez T. H. Marshall, ao lado da cidadania civil (inventada ou descoberta no século XVIII com ápice na Revolução Francesa) e da cidadania política (inventada ou descoberta no século XIX com o sufrágio do cidadão comum para escolher seus governantes)... A cidadania em sua dimensão social seria assim, a grande conquista do Século XX. Muitos operadores do Direito ainda estão desatualizados, como parece estar S.R. quando pensa que o Estatuto é lei do tipo...civil (desconhecendo a atual dimensão social da cidadania, de que participam todos desde o ano zero de suas vidas – olha aí o tempo zero outra vez - como querem a Constituição e o Estatuto brasileiros).

 

Enfoquemos a questão agora sob um outro ângulo: No âmbito das infrações de crianças e adolescentes de que trata este texto, todos nós (quando procuramos aprender sobre a matéria) sabemos que o Direito Criminal foi inventado para proteger o cidadão das arbitrariedades dos governantes do momento (Raimundo Faoro diria, dos donos do poder) que encarceravam seus desafetos ou as pessoas com quem não simpatizavam segundo seu próprio arbítrio.

 

Criou-se então uma doutrina (de que Cesare Bonesana é precursor) através da qual  se veda ao Estado punir pessoas por sua condição pessoal (ser pobre, ser rica, ser de esquerda, ser de direita, ter tal ou qual raça, pensar desta ou daquela maneira, ser idoso, adulto, criança ou adolescente). Humanista, a nova doutrina prevê que não se punem pessoas pelo que são, mas somente por condutas que a sociedade reprova e que sejam descritas (as condutas) em lei aprovada pelo povo ou por seus representantes. Isso exatamente para evitar que o detentor do poder, no tempo (durante um governo) ou no espaço (um país, uma região, uma cidade, um bairro) proteja seus amigos e persiga ou puna seus desafetos.

 

Nascem assim as leis criminais para proteger o cidadão do arbítrio quando é acusado de praticar condutas que atingem o interesse dos demais. O que perversamente ocorreu, entretanto, é que historicamente, crianças e adolescentes foram excluídas dessas garantias e continuaram a ser punidas sem que os cuidados reservados aos adultos fossem respeitados. Por quê isso? Trato dessa matéria em detalhes num outro texto chamado El Derecho a Las Oportunidades (Edição Adês, fora do comércio).

 

Aqui basta dizer que nesse passado que estamos compulsoriamente encerrando agora em 1999 se praticou uma exclusão conceptual de crianças e adolescentes no mundo dos direitos e dos deveres chamado também mundo do Direito. Excluídos conceitualmente da condição cidadã (eram tidos como cidadãos do futuro, não cidadãos daqui e dagora), crianças e adolescentes   automaticamente ficaram excluídos dos benefícios da cidadania, entre os quais, principalmente, o da presunção de inocência (não se é infrator por mera denúncia...) e o de não serem punidos publicamente por condutas que praticadas por adultos não são puníveis. Repetindo para superior clareza: Não puníveis publicamente por condutas que, praticadas por adultos, são impuníveis.

 

Esse, o imenso erro histórico que devemos corrigir urgentemente agora. Para que não ocorram barbaridades como essas das FEBEMs brasileiras (com esse ou com outro nome) da vida. E não ocorram declarações que a mim me parecem tacanhas de autoridades que ignoram certos avanços do tempo em que vivem e mantém essa exclusão conceitual de não cidadania.

 

Com nossa adesão à Convenção dos Direitos da Criança da ONU, em 1989 ratificamos internacionalmente nosso compromisso constitucional de não punir crianças e adolescentes por atos que nós não puniríamos se adultos os praticassem. E nos comprometemos a estender a crianças e adolescentes as garantias de que em caso de punição, esta somente seria feita se ficasse provada a culpa do acusado (do imputado), com a presunção da inocência, ampla defesa por advogado e através do devido processo legal conduzido por juiz ou autoridade imparcial.

 

Tudo isso são conquistas nas esferas filosófica, ética, antropológica, psicológica, política, administrativa, histórica e, ufa!... jurídica... do Direito Criminal, que opera conquistas científicas, trabalha com recursos técnicos (visando a eficiência e a eficácia) e se rege por normas de organização social (ordenamento jurídico do país) de caráter... jurídico (ufa! outra vez). Avançado, o Estatuto da Criança e do Adolescente pauta-se por essas conquistas da cidadania, se nós, cidadãos, temos a percepção de que esse Estatuto seja um instrumento válido para os novos tempos que se iniciam, digamos, no primeiro dia do ano 2.000.

 

Que quer dizer isso? Quer dizer que estendemos às crianças e aos adolescentes os benefícios do Direito Criminal. Então, o Estatuto, nessa matéria, trata sim de Direito Criminal e o faz da forma mais sublime possível: Quando a um adolescente se imputa (é imputável) uma conduta que é definida como crime ele goza da presunção da inocência, tem direito à ampla defesa por advogado, é submetido a um julgamento justo para responder por sua conduta (é responsável), terá sua culpa aferida no devido processo legal previsto no Estatuto (é culpável, tem culpabilidade) por juiz imparcial.

 

Se for inocente (se não for culpado) será absolvido (ver o rigoroso artigo 189 do Estatuto). Se for culpado será condenado. Em julgamento justo, segundo o grau de gravidade de sua conduta, será sentenciado à repreensão, ou à reparação do dano causado, ou a prestar serviços comunitários, ou ficar em liberdade assistida (terá sua liberdade cerceada sob certos cuidados pedagógicos), ou ficar em semi-liberdade, ou ficar internado, privado de liberdade, quer dizer, preso. Se isso não é o Direito criminal, a ser aplicado com justiça e garantia dos direitos humanos e sociais pelo Estatuto, se isso é Direito Civil como S.R. afirmou, eu não sei o que é Direito Criminal nem sei o que é Direito Civil.

 

 

3.      Os menoristas

 

O que ocorre é que nessa matéria, tenho verificado que está entranhada, em toda a América Latina, a atitude eufemística dos adeptos do menorismo, doutrina dos que adotam o conceito de menoridade absoluta para as crianças e os adolescentes.

 

Esses adeptos (criadores e seguidores dos já abolidos Códigos de Menores do Brasil de 1927 e 1979) seguem a lei Agote da Argentina de 1919, com a retórica e a ideologia dos juristas daqueles anos distantes do início do século, refletindo os preconceitos da época. Para eles, as crianças, desde que nascem (desde seu ano zero) até 17 anos, 11 meses, 29 dias, 23 horas, 59 minutos, 59 segundos carecem de discernimento para manifestar sua vontade, são incapazes, não são dotados do sentido ético das coisas e da própria conduta, não sendo portanto culpáveis, nem têm responsabilidade. No segundo seguinte (naquele exato segundo de tempo em que completam dezoito, dezesseis ou vinte e um anos, segundo preferências variáveis) amadurecem instantaneamente (leitor, para dramaticidade, acelere aqui a leitura desta frase) e passam a ter capacidade, discernimento, sentimento ético das coisas e de sua conduta, responsabilidade em relação ao seu  próprio comportamento, e passam a ter culpabilidade.

 

Na verdade, essas pessoas, se têm bom senso, não acreditam realmente que esse amadurecimento seja assim instantâneo. Mas agem como se assim fosse. Essa instantaneidade, vista do futuro em relação a 1919, 1927 e 1979 (nós estamos agora no futuro) parece bem caricata. É isso: uma caricatura. Aquelas pessoas criaram uma ficção legal (adolescente não sabe o que faz e não pode ser punido) que comandava (ou pretendia comandar) não outra ficção (o que seria aceitável), mas a própria realidade das famílias, das crianças e dos adolescentes. Essa ficção violentava os fatos, mas ela se impôs autoritariamente.

 

É interessante notar que já nos anos 30 apareceram estudos como os de Piaget que passaram a mostrar muitas coisas importantes. Entre elas a de que o ser humano, desde que nasce (na verdade, desde antes de nascer, trazendo o ano zero para nove meses antes, na concepção), com as regras inscritas em sua carga genética (e não com as regras de qualquer código “de menores”), vai construindo nas suas relações com o mundo circundante sua capacidade de atuar no mundo como sujeito. Vai construindo sua capacidade de discernir entre o aceitável e o reprovável (e portanto de ser culpável), capacidade de manifestar sua vontade e de responsabilizar-se por seus atos. Ou seja, o ser humano vai amadurecendo progressivamente nas coisas da vida, nas relações com as pessoas de sua família, de sua comunidade e com a sociedade em geral. Vai amadurecendo no mundo do Direito. É um sujeito desse mundo de direitos e de deveres. O amadurecimento não é instantâneo (por exemplo, não ocorre no segundo em que se completam dezoito anos ou dezesseis, ou quatorze, para os que falam em rebaixar a idade para tratá-los como adultos). Não. Constrói-se (daí, construtivismo) no tempo. Aquele mesmo tempo (desculpe, mas sou repetitivo) que medimos a partir do zero e não do um, ou dos dezesseis ou dos dezoito...

 

É da não percepção dessas conquistas da ciência do desenvolvimento humano (assim como do espaço e do tempo) que vem essa coisa de dizer que o Estatuto é lei de menores sendo de tipo civil. Cômico e trágico. Ou seja, reinterpretam o Estatuto com a mesma doutrina de antes (menorista) e querem imputar ao Estatuto coisa que ele não é, e não querem imputar aos adolescentes as condutas que o próprio Estatuto e a Constituição reconhecem imputáveis. Senão vejamos:

 

4.      O que diz a Constituição Brasileira

 

A Constituição brasileira é um conjunto de normas alterativas (não confundir com alternativas), ou seja, alteram antigas percepções, velhos princípios, ultrapassadas doutrinas. As constituições anteriores diziam que os menores (no sentido de ter menos) de dezoito anos eram penalmente inimputáveis, querendo dizer com isso que eram irresponsáveis, inculpáveis, impuníveis.

 

Mas todos sabem que crianças e adolescentes na vigência daquelas leis maiores eram punidos sob o eufemismo de que estavam protegidos. Isso é importante perceber para evitarmos ser eufemistas: prendia-se para proteger. E não se tinha a coragem de dizer que estavam presos. A Constituição de 1988 rompeu com essa doutrina ou essas nefastas formas de tortuosamente praticar violações a direitos sociais e humanos dos que devem desde muito cedo gozar dos benefícios da cidadania, sendo os principais desses benefícios os constantes do Direito Criminal.

 

A Constituição de 1988 introduziu crianças e adolescentes no mundo dos benefícios garantidos pelo Direito Criminal. Agora não se pode prender para proteger, não se pode prender por mera acusação. Agora vige a presunção de inocência para quem é acusado de atentar contra a vida, contra a pessoa, contra o patrimônio, etc. , alheios.

 

Agora toda criança e adolescente aos quais se imputa uma conduta prevista na lei criminal (nunca civil. É assim que está no artigo 103 do Estatuto), se garante o devido processo legal conduzido por autoridade imparcial que ouve a acusação imputada pelo promotor de justiça (fulano matou, roubou, furtou, fraudou, etc.,) e ouve a defesa praticada por advogado competente (fulano não matou, não roubou, não furtou, não fraudou, não há provas, há atenuantes, etc. Nem delegado, nem promotor, nem juiz podem obrigar o acusado a confessar crimes ou depor contra si mesmo...) e com sentenças ou decisões compatíveis com a sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. 

 

Na prática, os que (como S.R.) dizem que o Estatuto é lei civil, não criminal, negam todos ou parte desses direitos. Muitos deles quase sempre obrigam o imputado a confessar e a depor contra si mesmo. Não estou inventando, eu vi isso com meus próprios olhos e com olhos de visitantes internacionais (muitos deles professores de Direito) que me acompanhavam no Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em grande parte, a isso se deve a superlotação dos campos de concentração chamados FEBEMs que aplicam princípios eufemísticos válidos para antigas doutrinas de menores. Não há que descentralizar FEBEMs. Seria a metástase do câncer social. (Em seu caso pessoal, o governador, a quem desejo vida e saúde, não permitiu metástase. Extirpou o câncer da bexiga. Que faça o mesmo com a política para infratores juvenis) Há que eliminar essas instituições onde tudo começa pelo nome: coisa de menores. Arrrgh... Aberrações de um fim de Século. 1999.

 

Li numa publicação da Fundação Ayrton Senna que desde 1940 crianças e adolescentes são penalmente inimputáveis, o que não seria agora novidade. Mas, senhores, o que estava no Código Penal de 1940 é completamente diverso do que vigora constitucionalmente agora. Vejam:

 

A Constituição de 1988 diz em seu artigo 227, parágrafo 3º, que se incluem como princípios de proteção especial (notar bem, a Constituição não distingue aí entre criança e adolescente, não cabe portanto ao intérprete distinguir):  

           

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

 

E diz em seu artigo 228:

São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

 

Atribuir quer dizer imputar. Atribuir um ato infracional quer dizer imputar um ato infracional. Quer dizer acusar da prática de um ato infracional. Aplicar medida privativa de liberdade. Que quer dizer isso? Só pode significar uma coisa: privar de liberdade. Quer dizer: prender. Quem foi privado de liberdade está preso. Então, quais seriam esses atos infracionais que podem até mesmo levar à prisão? Seriam atos infracionais ao regulamento da escola? ao estatuto de um clube? às regras de etiqueta? às ordens de pai e mãe? à arbitrariedade da polícia ou de outro agente, autoridade ou cidadão qualquer? ao Código Civil (como parece dizer S.R.)?  Parece que não, não é?

 

Para refrescar nossa memória de eufemistas, quero lembrar que quando fizemos a Constituição de 1988 já sabíamos que iríamos firmar a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989, e que o artigo 227 redigido por destacados brasileiros depois de extensos debates públicos nada mais é que o resumo dessa Convenção que diz em seu artigo 40 que o país signatário se compromete a não punir criminalmente crianças por ato que legalmente não puniria se praticado por adultos. Quer dizer, não punimos adultos por crime que não seja ato infracional à nossa lei criminal, não é certo? Pois isso vale também para crianças e adolescentes.

 

Essa Constituição traz crianças e adolescentes para as garantias do Direito Criminal. Antes dela se punia (se prendia), dizendo que se protegia num eufemismo cruel, daí o avozão SAM – antigo serviço de assistência ao menor do Ministério da Justiça e suas netas, as FEBEMs. Repetindo: punia-se por ato anti-social. Ou seja, eram puníveis para as crianças e os adolescentes  (chamados menores) quaisquer atos que as autoridades julgassem anti-sociais e não apenas os da garantia do Direito Criminal previstos como crime. Mas aos eufemistas faltava coragem de escrever isso em lei. Simulavam proteger o que então se chamava de menor. Repetindo: a Constituição de 1988 não fala (não poderia falar) em ato anti-social, porque ela é alterativa (não confundir com alternativa), altera velhas percepções, velhos princípios, dentre os quais o de só punir por infração à lei criminal.

Hoje, com a visão alterativa (não confundir com alternativa) atos infracionais imputáveis às crianças e aos adolescentes, são apenas os atos infracionais contra a vida, contra a paz pública, contra o patrimônio, etc., constantes da lei criminal, ou seja, formalmente identificados, ou seja, tipificados em lei. Isso, para proteger crianças e adolescentes do arbítrio de autoridades discricionárias. Não há portanto que dizer que o Estatuto não é lei tipo criminal mas sim civil.

 

Em seu sentido mais amplo, o que o Estatuto faz é dar garantias sociais e de direitos humanos às questões cíveis, trabalhistas, administrativas, de costumes, criminais, etc., que envolvem crianças e adolescentes. É uma lei abrangente que defende crianças e adolescentes quando vítimas e defende a cidadania quando crianças e adolescentes são vitimadores (adota a doutrina da proteção integral. Integral. De todos, idosos, adultos, adolescentes e crianças, como consta do artigo sexto do Estatuto). Leia com atenção e cuidado o artigo sexto, leitor:

 

Art.6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento .

 

Quando a uma criança ou a um adolescente alguém imputa (atribui, acusa de) um ato infracional à lei criminal, a Constituição diz no inciso V acima mencionado que lhes é garantida a brevidade, a excepcionalidade e o respeito à sua condição peculiar de criança ou adolescente para a aplicação de qualquer medida privativa de liberdade, ou seja, prisão (atenção: A Constituição não distingue, não cabe ao intérprete distinguir aí, criança de adolescente). Se (Deus o livre e guarde, leitor) quiserem aplicar sem defesa medida de proteção (artigo 105 do Estatuto) a seu filho de, digamos, 11 anos, acusado de assalto (digamos que o acusem de haver entrado pelo vão estreito de um basculante, como auxiliar de um ladrão adulto), não esqueça que, nos seus onze aninhos, ele tem constitucionalmente todos os direitos assegurados pelo Direito Criminal. O mesmo vale para os filhos dos outros, OK?

 

Voltemos à linha de argumentação: Se se disser que a privação de liberdade não significa prisão, o intérprete está sendo eufemístico. Como se poderia privar de liberdade sem prender? Quero observar que não acredito que prisão, em certos casos necessária, necessariamente mude a conduta de quem quer que seja. Mais à frente neste texto argumentarei com as medidas em regime aberto. Estou fazendo apenas a leitura do texto constitucional e do Estatuto. Sem eufemismos.

 

Isso, segundo o inciso IV, ao mesmo tempo em que se garante pleno e formal conhecimento (à criança e ao adolescente) da atribuição (da acusação, da imputação, logo a Constituição diz que são imputáveis) de ato infracional (à lei criminal, porque não vale para qualquer ato infracional segundo a Convenção da ONU e o artigo 103 do Estatuto. Não se trata aí de qualquer ato anti-social, como constava da lei de menores do tempo do Código penal de 1940). Também está garantida a igualdade na relação processual (devido processo legal com imputação, ou seja, com acusação e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar de direitos específica), legislação que é o Estatuto.

Depois de tudo isso, a Constituição diz que os menores (menores aqui não no sentido de incapazes, mas no sentido de ter menos) de dezoito anos são penalmente inimputáveis. Ou seja, a eles, constitucionalmente se pode atribuir, imputar, acusar de um ato infracional à lei criminal (artigo 227, 3º, IV da Constituição) seguida de punição se for o caso, mas não se lhes pode atribuir, imputar uma punição chamada pena (que tecnicamente é típica de adultos), mas uma punição de outro tipo prevista na legislação tutelar de direitos, que é o Estatuto. O Estatuto chama às punições por esses atos infracionais à lei criminal praticados por adolescentes não de penas mas de medidas socio-educativas. Termos técnicos que pretendem não desvirtuar mas distinguir uma coisa da outra, como se distingue laparotomia feita por médico de buraco na barriga feito por bala de pistoleiro. Embora ambos (laparotomia e buraco de bala) furem a barriga.

 

Não se pode portanto dizer que a imputabilidade penal da Constituição de 1988 é a mesma do Código Penal de 1940, como parece querer a Fundação Ayrton Senna na publicação citada. Aquele código, como também a Constituição da época, não autorizava atribuir, imputar um ato infracional à lei criminal a uma criança ou a um adolescente. Os eufemismos da época faziam isso na prática (punia-se – cassava-se o pátrio poder, retirava-se criança de pai e de mãe, internava-se em instituto fechado - restringindo direitos e até mesmo a liberdade, dizendo que se estava protegendo), mas sem ousar dizer-lhe o nome: punição.

 

As violações de direitos ficavam assim ocultas nos porões do Estado torturador. Torturava-se, dizendo que se protegia... É isso que não podemos aceitar de forma alguma através de metástases das FEBEMs da vida... Repito, FEBEM deve ser extinta e substituida por uma nova política não eufemística nem menorista que seja digna do século XXI. Joseph Conrad, imortalizado também em imagem por Marlon Brando em Apocalipse Now, escreveu há muitas décadas, como se estivesse descrevendo isso que agora querem descentralizar: ... O horror, o horror...

 

5.      Agora, os eufemistas

 

Ditas essas coisas de forma preliminar, entremos no assunto: Se os meninos na maldita FEBEM estão presos, se são maltratados, se fogem, se aquele câncer se expõe à opinião pública tão flagrantemente como agora (escrevo em setembro de 1999), e muitos querem descentralizá-lo disseminando a metástase, não se pode dizer que lá estão por uma lei civil. Não. Lá deveriam estar pela aplicação de princípios do Direito Criminal, feito para defender cidadãos do arbítrio de autoridades, princípios esses antes só aplicáveis a adultos e que agora são estendidos pela Constituição de 1988 a crianças e adolescentes.

 

Lá estão porque supostamente praticaram ato contra a vida, contra o patrimônio, contra a paz pública, contra os costumes, etc., ato esse tipificado na lei criminal brasileira. Não é questão civil, é questão criminal. Lá estão supostamente porque foram punidos por um juiz, depois do devido processo legal, com amplo direito de defesa e a presença de um bom advogado, tendo havido provas claras e insofismáveis de que praticaram ato de natureza criminal (artigo 103 do Estatuto).

 

Se houve dúvida no processo, supostamente  teria sido aplicado o princípio do in dubio pro reo, porque eles têm direito à presunção de inocência. Têm o direito de não ser chamados de infratores, sem que seja provada sua culpa, mediante o conhecimento claro de quê são acusados, com amplo direito à defesa, perante um juiz imparcial (se for parcial, o juiz deve ser substituído, por isso deve haver um advogado atento) que em sentença diga se o imputado é ou não infrator da lei criminal.

 

Afirmo que quem diz que esse meu raciocínio está errado é um eufemista, como os que dizem que os rapazes estão presos para serem protegidos. Não se trata de um juízo de valor (não é ofensa nem elogio) em relação aos eufemistas. É apenas uma constatação empírica. Ontem vi entrevista de uma Deputada (chamêmo-la R.C., pelas iniciais) referindo-se aos abrigos da FEBEM de São Paulo que devem ser, segundo ela, descentralizados. Abrigo, com todo o respeito à deputada, é para proteger vítimas. As Unidades (unidades...Arrrgh) da FEBEM são privação de liberdade (prisão) para punir  vitimadores. 

 

Dizer que os rapazes estão presos para serem protegidos seria um crime contra a lógica. Se a sociedade, numa lei, o Estatuto, autoriza o juiz a condená-los a ficarem presos (a palavra presos repugna aos eufemistas) é porque quer defender a sociedade (doutrina da proteção integral). Então, os primeiros que confundem a sociedade brasileira são os eufemistas que querem dar, ou dão (desculpem, não quero ofendê-los), por ignorância, visão falsa do Estatuto. E paradoxalmente criam a reação enorme dos que querem aplicar a lei criminal a esses garotos que o Estatuto, segundo eles, estaria defendendo sem defender a sociedade.

 

A Constituição e o Estatuto defendem a sociedade, sim. Mas dizem que, presos, eles devem ser submetidos a um tratamento digno, como qualquer preso deve ser tratado com dignidade e, nesse tratamento, lhe seja reconhecida sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. O que não está sendo feito porque autoridades e agentes do Estado de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, etc. confundem tudo, inclusive praticam na prática a presunção da culpa (dizendo, ingênua ou calhordamente que não há culpa em questão a ser considerada), aplicando o velho e abolido código de menores, com seus eufemismos.

 

Há anos, como consultor, venho chamando a atenção para o sistema que funciona na cidade de São Paulo, onde se aplica o velho código de menores com seus eufemismos e arbitrariedades. Na mesma FEBEM dei mais de vinte seminários pregando a mudança, e deixei um texto, Síntese, que publicaram sem entender o conteúdo ou, entendendo, para se dizer uma coisa e praticar outra. Isso tem que ser mudado urgentemente. Há um SOS Criança na cidade de São Paulo que recebe crianças e adolescentes que agridem a sociedade. Olhaí o eufemismo gritante: SOS é para vítimas. Se prende a criança, esse tal SOS, para manter o rótulo SOS, deveria chamar-se SOS Sociedade...

 

No Rio de Janeiro há uma delegacia de proteção a crianças e adolescentes (herdeira do abolido código de menores), que prende crianças e adolescentes. Se a delegacia prende adolescente ela é de proteção à sociedade contra a má conduta do adolescente. Comparemos com as delegacias da mulher. Ali, corretamente, não se prendem as mulheres, mas aqueles que agridem as mulheres. Deu para perceber a inversão?  O rótulo que engana e confunde a opinião pública é obra dos eufemistas que violam a constituição e o estatuto.

 

Criança que pratica ato infracional à lei criminal deve ser atendida no Conselho Tutelar, não em SOS, não pelo juiz, não pelo promotor. Adolescente vai preso perante o Delegado de Polícia, que é a autoridade policial, a quem compete reunir os elementos necessários para que o imputado (que é imputável, por isso se lhe imputa, se lhe atribui, se acusa de, como diz a Constituição, um ato infracional à lei criminal) seja apresentado ao promotor.

No Rio de Janeiro, o juiz (autoridade jurídico judicial) usurpa funções que legalmente são do Conselho Tutelar (autoridade jurídico administrativa), e este, com funções suas usurpadas, acaba por usurpar as funções dos programas previstos pelo Estatuto no seu artigo 90, praticando em certos casos o exercício ilegal das profissões de assistente social, pedagogo, psicólogo... Cria-se dessa forma a entropia, não a organização social. Assim estamos no ano de 1999. Minha tese é que podemos alterar, mudar, transformar tudo isso, desde que deixemos de ser eufemistas e encaremos a absoluta necessidade de organização social no Brasil dando o correto, adequado e pertinente nome aos bois.

 

Há municípios que aplicam a Constituição e o Estatuto e fazem as coisas certas. Porque outros não o podem fazer, começando pelo Rio e São Paulo, que são os municípios onde mais se praticam os eufemismos de que trato neste texto? Garanto que se se organizar um seminário (topo organizar voluntária e gratuitamente); se no seminário pessoas (indivíduos, cidadãos) tiverem vontade política nessas duas grandes metrópoles para identificar essas práticas eufemísticas, já teríamos um começo de mudança como querem a Constituição e o Estatuto...

 

Mas voltemos ao tema: Se meu filho, se seu filho leitor forem levados ao delegado ou ao conselho tutelar, imediatamente chamamos um advogado para assisti-los, como aliás manda a Constituição acima mencionada. Mas quando é filho de um pobre estranho, já sendo um excluído, fica sem advogado mesmo, sujeito à boa ou má vontade do delegado, do promotor ou dos conselheiros. A presença do advogado leal ao acusado é legítimo direito deste. A criança e o adolescente não são infratores por mera acusação. O Direito Criminal lhes beneficia com a presunção de inocência. Eu afirmo, como consultor, que no Brasil e no resto da América Latina, onde tenho trabalhado nos últimos dez anos, o que vigora é a presunção de culpa. E me atrevo a dizer que aí está a raiz da superlotação das FEBEMs do Rio Grande do Sul, de São Paulo e do Rio de Janeiro (esta, eufemisticamente, mudou de nome e continua a mesma).

 

Se se aplicassem às crianças e aos adolescentes os princípios do Direito Criminal que são os princípios da cidadania que todos nós, eu, você, leitor, queremos que nos sejam garantidos se nós ou nossos filhos formos acusados, como manda a Constituição, nem existiriam as FEBEMS da vida. Os programas de proteção para vítimas e os programas socio-educativos para vitimadores previstos pelo Estatuto seriam organizados nos municípios (ou em consórcios de municípios, com estes pagando pela estadia dos infratores que produzem) porque é nos municípios que os garotos se incluem ou se excluem no mundo da cidadania.

 

Vou repetir: com os municípios pagando a estadia dos infratores que produzem (para isso o Estatuto prevê o Fundo Municipal, com recursos que vão dos programas – ler o artigo 90 - de apoio à família, até à internação, que é a privação da liberdade). Onde a lei não distingue, não cabe ao seu intérprete ou executor distinguir.

 

Notar bem esse aspecto do problema: Os municípios produzem (quando deixam de organizar programas de proteção e programas sócio-educativos previstos no Estatuto) os infratores que são exportados para prisões (que não ousam dizer o nome)  da FEBEM dos Estados (São Paulo, R.G. do Sul, Rio de Janeiro e outros), parecendo que quanto mais tempo ficarem presos melhor: estão fora da circulação no município, sem despesa alguma para este último. Se entretanto, o sistema se organiza com instituições autônomas e fortalecidas em âmbito regional, com os municípios pagando a conta de seus infratores, haveria mais cuidado em organizar programas sócio-educativos em meio aberto para reduzir os gastos  com a conta da criminalidade. Isso é política criminal. Isso é política de segurança pública.

 

É absolutamente imperiosa e inarredável a presença de programas nos bairros, nos centros sociais, na vizinhança das escolas, na vizinhança das famílias, inclusive para que os juizes tenham opção de aplicar as medidas mais importantes que são a reparação do dano praticado, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida e a semi-liberdade (esta última brilhantemente executada pela Prefeitura de Blumenau, por exemplo). E para que os privados de liberdade (internados, presos) saiam da privação de liberdade para programas em comunidades e, não como hoje, devolvidos ou iniciados nos bandos, nas quadrilhas, no tráfico. Vou repetir: ... e não como hoje, devolvidos ou iniciados nos bandos, nas quadrilhas e no tráfico.

 

Escrevo estas coisas para alertar a opinião pública e a imprensa em geral que tudo que os eufemistas dizem da Constituição e do Estatuto está errado. Falta-lhes a elementar coragem de admitir que crianças e adolescentes podem ser vitimadores, como podem ser vítimas numa sociedade injusta como a nossa. E que não se deve pôr num saco único (como no SOS Criança... arrrgh... de São Paulo) o modo de tratar adultos, de tratar adolescentes e de tratar crianças, sejam vítimas ou vitimadores, embora a peculiaridade de cada caso exista num conviver social que produz todas as aberrações que presenciamos.

 

6.      A essência do eufemismo

 

Alertando que escrevo exatamente como falo e faço questão de ser repetitivo, pleunástico e redundante para tentar ser claro, aduzirei mais um ou dois argumentos contra o tipo de mal que este texto quer espancar.

 

Aos que ainda estão possuídos pelo preconceito de 80 anos de menorismo (desde a lei Agote Argentina de 1919), repugna dizer que crianças e adolescentes praticam crimes ou delitos. E embora punam e castiguem com outro nome, lhes repugna igualmente dizer que se lhes apliquem castigos ou punições. Então, para explicar as coisas como acham que são ou como julgam dever ser, os menoristas inventam ou se acomodam aos eufemismos aqui mencionados. Vale então aquele ditado:

 

As pessoas, quando não conseguem ou não lhes convém praticar princípios, inventam princípios para suas práticas...

 

Vejamos como funciona a coisa: Para quando criança ou adolescente furta, agride, rouba ou mata, os redatores da Constituição de 1988 tinham que escrever algo. Podiam pôr no texto constitucional: Quando crianças e adolescentes praticam crime ou delito... Mas entrou em cena o jogo de palavras. Alguns influentes da época sugeriram: não se deve escrever prática de crime ou delito. Melhor escrever: prática de infração criminal. Mas havia, movidos por nobres e honestos motivos, os mais exigentes ainda. Melhor seria em vez de falar em infração criminal que ainda lembra crime e delito, escrever ato infracional. Essa corrente prevaleceu para a redação. Notar que, corretamente, não se ousou repetir a expressão de antanho: atos anti-sociais. (usei o de antanho aí exatamente para significar coisa velha e malsã).

 

Então, temos ainda hoje duas correntes: a primeira, dos que dizem que ato infracional quer dizer infração criminal e portanto quer dizer crime ou delito (e é isso que o Estatuto diz em seu artigo 103 com todas as letras). A segunda dos que, contrariando o Estatuto, dizem que jamais criança e adolescente praticam crime ou delito ou ato que seja criminal. Essas crianças e adolescentes virtuais, segundo os eufemistas de turno, nada teriam  a ver com as mazelas da imperfeita sociedade em que vivemos. O que praticam, segundo a corrente menorista, é uma espécie de falta diáfana, etérea, diferente das que são praticadas por adultos. Quando assaltam e matam isso não é crime: é ato infracional e devem ser protegidos... Embora as vítimas estejam violentadas ou estendidas, mortinhas da silva. Pelo estatuto (artigo 103) matar... é homicídio, que é o ato descrito na lei como crime.

 

Se tudo ficasse nos nomes que se dão às coisas, uma coisa eqüivaleria à outra. Mas o que pega como problema é aquilo que o conselheiro Acácio dizia que vêm sempre depois, nunca antes: as conseqüências: Para os eufemistas menoristas, crianças e adolescentes que furtam, roubam, matam, violentam, por não praticarem crime ou delito, nem infração criminal, mas apenas ato infracional, não podem ser punidos, devem apenas receber uma medida de proteção. Para eles, os presos das FEBEMs de São Paulo, do Rio Grande do Sul, e do Rio de Janeiro (que mudou de nome mas é a mesma coisa) estão sendo protegidos pela sociedade ou, se não são, deveriam ser.

 

Até aí tudo bem, também, se realmente houvesse alguma proteção à cidadania, desde que nos termos do artigo sexto do Estatuto há pouco mencionado. O que ocorre é que, se a medida por eles chamada proteção for coercitiva (e é), obrigatória (e é) não depender de escolha do protegido (e não depende), não for uma coisa agradável para o protegido (e não é) ela é efetivamente um castigo ou punição (e é). Estamos pois tratando de uma visão hipócrita e cínica. Tudo porque aos menoristas eufemistas não convém dar o nome correto às realidades como elas são: Crianças e adolescentes vítimas devem ser protegidos. Crianças e adolescentes vitimadores devem ser punidos (não confundir punição com maltrato é uma das regras primeiras da doutrina da proteção integral à cidadania). Notar que restringir algum direito (não freqüentar salão de bilhar, por exemplo, onde estão os amigos traficantes) é punição e não é maltrato. Tal restrição leva em conta direitos e deveres individuais e coletivos e as exigências do bem comum, como quer o artigo sexto há pouco referido.

 

Há uma outra opção, mas quando apertados contra a parede os eufemistas se negam a discuti-la: Digamos que realmente os menores (no sentido de ter menos) de dezoito anos (não no sentido de serem incapazes) não sejam punidos quando roubam, assaltam, agridem, ferem, matam. Isso só será verdade se ao matar e aparecer o policial este nada fizer porque matar para um adolescente for um ato legítimo, e, no caso, o matador sai para passear, ir para casa, ou matar outra vez, sem restrições.

 

Está claro, claríssimo para qualquer um, inclusive para os eufemistas, que não pode ser assim. Se por matar o matador é detido e levado a uma autoridade contra a sua vontade, isso caracteriza, na mais clara evidência, um início de punição. Não é, não pode ser considerado legítimo a ninguém (a ancião, adulto, adolescente ou criança)  matar, assaltar, estuprar (acusados por essas práticas são clientes da FEBEM) sem que haja uma reação da sociedade de algum tipo que restrinja direitos (vale dizer, que puna), visando a proteção da cidadania. Essa reação é matéria de uma disciplina jurídica chamada Direito Criminal.

 

7.      As medidas sócio-educativas

 

Dentre os muitos cidadãos prestantes aos quais o Brasil hoje deve seu respeito e gratidão, ao lado do Pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa figura o Desembargador Amaral e Silva do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que se destaca pela militância da extensão do Estado de Direito às crianças e aos adolescentes. Acompanhado de um grupo de juristas, o desembargador propõe para discussão pública um anteprojeto de lei para o cumprimento de medidas sócio-educativas previstas na Constituição brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

Tenho absoluto respeito à posição de tão respeitados juristas, todos eles grandes democratas, aos quais dedico amizade e com os quais privei de companheirismo em memoráveis campanhas. Estou certo de que o Desembargador Amaral e Silva concorda com o que eu disse neste texto até aqui. Posso garantir: Ele jamais praticou os eufemismos espancados neste texto.  Mas infelizmente para mim - que gostaria de concordar com ele no caso do ante projeto - sua proposta vai na contramão da história, em meu modesto entender. Segundo penso, não deve ser aprovada.

 

Minha percepção diz que o problema da execução das medidas sócio-educativas existe hoje em razão da militância dos eufemistas há pouco referidos. As coisas estão como estão pela prática da presunção da culpa (eufemisticamente se dizendo que nunca há culpa). Tal presunção inflaciona a aplicação de medidas de forma descriteriosa (descumprindo os princípios do Direito Criminal). Não nos esqueçamos do artigo 152 do Estatuto que manda aplicar-lhe subsidiariamente as normas gerais do processo criminal.  Isso, pelo ângulo da porta de entrada no sistema. Sob o ponto de vista da saída, a saber, da execução da sentença judicial por uma das medidas sócio-educativas previstas no Estatuto, a coisa pega pela ausência de programas sócio-educativos nas comunidades. Estes são os programas que se encarregam, quando existem e funcionam bem, de estimular no adolescente a construção da norma de conduta que vem de dentro do sujeito, esta sim, capaz de mudar condutas seja pró seja contra a cidadania. 

 

Bandos, quadrilhas e tráfico, porque são hoje extremamente profissionais e aplicam técnicas de última geração, a utilizam como arma da anticidadania. Se empatarmos com essa gente, já estaremos em desvantagem, porque eles usam meios violentos e ilegais. Temos que impor mais competência e eficácia, se quisermos desempatar em favor de algo que se chama bem comum (artigo sexto do Estatuto). Não é evidentemente criando mais normas em Brasília que se fazem essas coisas. Brasília, ao contrário, quando centraliza, tem infelizmente sido a sede da perplexidade nacional.

 

Digamos que o projeto Amaral seja aprovado. Sem os programas, que não podem ser federais e devem ser aprovados e registrados em nível municipal, tudo continuará como antes no quartel de Abrantes... O segredo está na organização dos programas sócio-educativos em meio aberto nas comunidades, centros sociais, vizinhanças de escolas, famílias, etc., para que a juventude seja integrada na malha que atrai para o mundo da cidadania (via educação, esporte, cultura, lazer, capacitação para o trabalho, etc.) e afasta dos bandos, das quadrilhas, do tráfico. Mas os eufemistas não sabem nem o que são nem como organizar os programas. Muitos os confundem com burocracias ou velharias praticadas nos cartórios.

 

Tal segredo consiste em  multiplicar por mil os programas e torná-los ubíquos onde nasce tanto a cidadania quanto a anticidadania. A cidade de Santos, por exemplo, tem iniciativas notáveis nesse terreno, aplicando a Constituição e o Estatuto. Consiste também em criar Institutos de Internação, como prevê a Constituição e o Estatuto, como entidades autônomas das burocracias dos Estados (tais entidades autônomas evitam a metástase das burocracias hoje imperantes e impedem o alastramento desordenado de técnicas que não geram ou não fazem gerar a boa norma que vem de dentro das pessoas mas ao contrário, reforçam as normas da anticidadania, com seus monitores, inspetores, etc., em geral carcereiros despreparados).

 

A experiência já demonstrou que Centros de Internação para jovens infratores não podem funcionar com os tais monitores menos cidadãos que os internados. Sua dinâmica interna deve ser criada com ampla participação cidadã (há técnicas já testadas para isso) preparando para a libertação, sob a orientação intensa e presente de psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, etc., etc. em trabalho transdisciplinar).  Sem carcereiros. Não adianta dizer que os atuais são ruins, serão demitidos, mas os futuros serão bons. Não serão. Vide a experiência histórica de São Paulo. Vide a do Rio de Janeiro, onde a experiência federal passou a estadual, que passou da educação para a justiça e desta para a assistência social, ou vice versa (tudo com carcereiros que antes teriam sido viciosos e no futuro seriam virtuosos)... O problema não são as pessoas, é o sistema que não presta. Se se contar com carcereiros, tudo fica igual ao falido sistema prisional dos adultos (embora com nome diferente). É aí, senhores, que a tal da velha, velhíssima porca torce o rabo...

 

Há que se cumprirem os princípios da descentralização constante do artigo 204 da Constituição e o da municipalização presente no artigo 88 do Estatuto (contra os quais muitos juizes e promotores se batem porque presos ao passado). Se o Estatuto manda municipalizar (e manda), municipalize-se, em consórcio bem bolado e administrativamente bem gerido...

 

Isso não tem nada a ver com o sofisma de certos setores do Ministério Público de São Paulo de que a FEBEM é inevitável porque cabe ao Estado membro, não ao município, garantir segurança pública. A segurança pública a ser garantida é externa, onde deve operar a ronda  policial no seu papel preventivo e repressivo como em qualquer outra situação, segundo a peculiaridade daquele lugar, mas do lado de fora das paredes do instituto. Dentro, há que organizar, com segurança (externa), nos limites físicos do espaço disponível, condições pedagógicas de vivência que estimulem a norma que vem de dentro do sujeito de direitos e deveres, visando à responsabilidade social.

 

Tudo isso, inovando no que couber, mediante consórcios entre municípios para que os institutos sejam regionalizados. E, importantíssimo, com diárias de estadia pagas pelo município onde se originou a criminalidade de que o adolescente é parte por haver praticado ato antijurídico típico, culpável e punível com medidas sócio-educativas nos termos da lei que protege a cidadania. Obrigatoriamente, cumprindo o Estatuto, a saída do jovem do instituto fechado, em minha proposta, seria sempre através da sua inclusão em programa aberto para progressiva integração social via educação, capacitação, esporte, cultura, lazer, segurança pública, tudo com muito controle social e sofisticada preparação de recursos humanos. Lembremo-nos de que são sofisticados os recursos do crime organizado deste final de século. Temos que ser melhores... Essas coisas, nenhuma burocracia faz. As pessoas podem ser inteligentes. A burocracia é burra.

 

Para isso, as normas do Estatuto são excelentes. Elas são normas gerais como determina o artigo 24 da Constituição. Os detalhes todos mencionados aqui se referem à organização de cada programa em cada município ou região, programa esse discutido e aprovado no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente local, ou dos conselhos que formam o consórcio da região, tudo descentralizado, municipalizado (em democracia participativa) como manda a Constituição – artigo 204 – e o Estatuto – artigos 88 e 90. Nessa matéria, o jurista opera ou deve operar com normas de conduta, de vivência social, de formação humana, cujos conteúdos desafiam profundamente os demais profissionais das ciências humanas e sociais. Quando competentes, todos eles jamais são ou se deixam ser eufemistas. Aí está a chave da inter e da transdisciplinaridade.

 

Há ainda na proposta Amaral a estranha inclusão do Conselho Tutelar em matéria com a qual o Conselho Tutelar nada tem a ver, não lhe cabendo usurpar funções ou praticar o exercício ilegal de profissões, em assuntos para sociólogos, criminólogos, psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, etc. etc.. O Conselho Tutelar é uma autoridade pública colegiada (cinco membros) que aplica medidas jurídico administrativas, como o juiz aplica medidas jurídico judiciais (aos interessados, com paciência para me aturar, além do texto Direitos e Deveres de Crianças e Adolescentes – Como Garantir ver meu A a Z do Conselho Tutelar em http://members.tripod.com/edsonseda).

 

O Conselho Tutelar, no que tange com adolescentes, tem a ver com vítimas; com vitimados por alguém. Os vitimadores adolescentes são assunto da polícia, do ministério público, do judiciário, de assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e outros técnicos em trabalho interdisciplinar. É um equívoco meter o conselho tutelar nesse balaio...  

 

Exponho essas idéias respeitando obviamente todo o direito dos autores da proposta hoje em discussão pública a manifestar sua opinião. Aos municípios e às secções locais da OAB que queiram organizar o sistema segundo a doutrina da proteção integral à cidadania (de que obviamente fazem parte crianças e adolescentes), este consultor se oferece para colaborar voluntária e gratuitamente não apenas com as informações do site acima mencionado na internet, como através de outros meios, se houver desejo real de organizar programas de maneira exemplar.

 

Por falar em programas exemplares, ouve um grupo de pessoas há pouco no Brasil às quais foi dado aprender a trabalhar em programas para infratores adolescentes... na Colômbia.  Santo Deus... a Colômbia, para quem estuda os sistemas latinoamericanos nessa área, é conhecida como a que tem a pior lei, o pior sistema, o pior regime no Continente (digo isso, naturalmente com o mais profundo respeito aos irmãos colombianos e aos que têm a coragem, em qualquer regime, de trabalhar honestamente com infratores, principalmente os que estão mudando tudo isso). Lá impera o regime mais eufemístico possível, com as maiores arbitrariedades e em nada compatível com a Convenção da ONU dos Direitos da Criança.

 

Na Colômbia, junto a aguerridos companheiros colombianos e de outros países, muito participei, como consultor do UNICEF, de tentativas de transformar aquele sistema, o que creio, se logrará um dia. E é para lá que foi gente da FEBEM de São Paulo para aprender a trabalhar. Dá para entender, pois, a perplexidade com que essas coisas estão sendo tratadas no Brasil (que tem a  pior execução, não por falta da melhor lei, mas  por falta de programas locais).

 

 

8.      Apelo aos meios de comunicação

 

A primeira coisa a fazer seria então repudiar eufemismos e eufemistas. Os meios obviamente dão curso a todas as aberrações. Reproduzem o que lhes declaram. Mas penso ser possível passar a fazer a separação da qualidade do material que colhem. O público deixaria de ficar perplexo e prejudicado. Não estou defendendo paternalismo dos meios de comunicação em relação ao público. Defendo amplo dever e direito à informação. Proponho apenas que os jornalistas e comunicadores passem a cobrar atitude profissional dos entrevistados e quando possível, exponham ao ridículo os eufemistas que enganam o público. Darei uma sugestão que espero seja pertinente:

 

Que os meios eliminem essa terminologia antiga que se refere a menores. O Estatuto não é de menores. Há manchetes de jornal ou televisão importantes que falam do estatuto do menor. O Estatuto adotou os nomes jurídicos de criança e adolescente exatamente porque as pessoas não devem ser tratadas como incapazes (a não ser que o sejam de fato incapazes por deficiência mental). Essa incapacidade presumida  não mais existe legalmente para crianças e adolescentes, porque a Constituição e o Estatuto os respeita nas capacidades de que são detentores por sua própria condição de vida. Adotar terminologia moderna seria notável atitude pedagógica e de prestação de serviço público à população.

 

Crianças e adolescentes são menores (no sentido de incapacidade) para o Direito Civil, onde são incapazes para certas coisas apenas (firmar contratos, alienar bens). Para o Estatuto são atores capazes no âmbito dos direitos e deveres sociais e humanos. Como qualquer adulto, se praticam atos infracionais à lei criminal contra a vida, o patrimônio, a paz pública, etc., submetem-se aos benefícios do Direito Criminal e às punições cabíveis aos adolescentes (como aos adultos lhes cabem punições que atendam ao caráter peculiar de sua maturidade). Inclusive, se for o caso, e infelizmente, prisão.

 

 

9.      Às Faculdades de Direito e às Secções locais da OAB

 

Muita da desinformação que existe atualmente é devida a profissionais do direito que continuam a adotar antigos conceitos já abolidos pela Constituição e pelo Estatuto. Um exemplo incrível e patético: Dois Ministros da Justiça, Maurício Correia e Renan Calheiros proferiram aberrações do mesmo tipo (perdão, ministros, não posso ser eufemista, foram aberrações) que levaram a população à total perplexidade: Segundo eles, com três ou quatro anos de distância no tempo, os governos a que serviam não autorizavam ou concordavam com o uso de motonetas por adolescentes de 16 ou 17 anos porque seriam eles penalmente inimputáveis e, se praticarem delito de trânsito, (sic) não poderiam ser responsabilizados nem punidos. Pode uma coisa dessas?

 

Vou repetir: A Constituição e o Estatuto dizem que, se a um adolescente se imputar ato infracional à lei criminal de lesões corporais, ou contra a vida, por atropelamento, por exemplo, ele será conduzido ao delegado, que reunirá as provas, encaminhará o caso ao promotor que, garantindo ampla defesa por advogado, representará pedindo abertura de processo ao juiz da Juventude, perante o qual o adolescente responderá por sua conduta (é responsável) e se for considerado culpado será condenado a, ou reparar o dano, ou prestar serviços à comunidade, ou a liberdade assistida, ou à semi-liberdade, ou à privação de liberdade (prisão). Onde está a irresponsabilidade e a falta de punição?

 

Não estou defendendo que adolescentes guiem motonetas ou motocicletas no trânsito. Estou argumentando com o fato de que os ministros erraram, foram mal assessorados (coisa inconcebível num Ministério da Justiça ou num Governo competente), usou-se aí o mesmo eufemismo que grassa em muitos lugares e o público não foi informado que nada do que as excelências disseram era verdade.

 

Quanto a adolescentes guiando no trânsito, penso lhes faltar maturidade, como falta maturidade a um menor de 34 anos para ser senador ou presidente da república, mas há maturidade para um adolescente de 16 anos maior para  votar em senador ou presidente, se quiser... As pessoas amadurecem desigualmente para situações desiguais na sociedade onde vivem de maneira desigual...

 

Minha sugestão é que as Faculdades de Direito se esmerem em incluir urgentemente no currículo do primeiro ano em disciplina separada o novo Direito da Criança e do Adolescente, mas sem eufemistas responsabilizando-se pela matéria. Com eufemistas a sociedade se manterá cada vez mais hipócrita e mais cínica nos tempos que virão. Grande é a responsabilidade dos juristas na construção de um sistema honesto de garantia de direitos e deveres em regime de proteção integral à cidadania.

 

O Século XXI vem aí. Para mim, que meço o espaço e o tempo começando do zero, já no primeiro dia do ano 2.000. Santo Deus... não merecemos continuar no novo milênio praticando tanta hipocrisia e tanta violação de direitos a crianças, adolescentes, adultos e idosos, só porque os eufemistas não ousam dar o nome correto às coisas, uns porque são mesmo extremamente delicados, outros por pura safadeza.

 

 

Edson Sêda,

Rio de Janeiro,setembro de 1999.