AGRAVO DE INSTRUMENTO - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - LIMINAR CONCEDIDA EM AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL EM PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM ENTIDADE NÃO GOVERNAMENTAL - AFASTAMENTO PROVISÓRIO DA DIRETORIA - DECISÃO FUNDAMENTADA CERCEAMENTO DE DEFESA JNRXIS FENTE RECURSO IMPROVIDO. TJPR.  AGRAVO DE INSTRUMENTO N0 93.560-0, DE CURITIBA. RELATOR: JUIZ CONV. MILANI DE MOURA

 

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO N0 93.560-0, DE CURITIBA

-1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.

AGRAVANTE: B.V.T.

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATOR: JUIZ CONV. MILANI DE MOURA

 

 

-          A autoridade judiciária pode determinar o afastamento provisório de dirigente de entidade não governamental, a teor do disposto no art. 191, do ECA.

 

-          A medida provisória impugnada foi tomada com base em elementos também preliminares, os quais, de maneira segura, apontavam, como ainda apontam, para sua premente necessidade.

 

- A ‘valoração da prova’ com vista a tomada dessa providência cautelar foi efetuada de forma absolutamente escorreita, com base nos critérios legais aplicáveis  a situações semelhantes.

 

ACÓRDÃO Nº 12768 1ª Câmara Criminal

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de instrumento n0 93.560-0, de Curitiba 1ª Vara da Infância e da Juventude, em que é agravante B. V. T. e agravado o Ministério Público do Estado do Paraná.

 

1. Trata-se de agravo de instrumento, interposto em termos tempestivos, com pedido de efeito suspensivo, extraído por B. V. T., devidamente qualificado nos autos de Representação nº 1999-268-1J, formulada pelo Ministério Público, contra a decisão da MM. Juíza de Direito da V’ da Vara da Infância e da Juventude desta Capital, que concedeu liminar em medida cautelar incidental, afastando o ora agravante da Presidência do Instituto Paranaense dos Cegos, bem como os demais membros da diretoria da referida entidade, nomeando interventor.

 

Alega, em resenha, que a decisão agravada é ilegal, pela incorreta valoração das provas, por ausência de motivos e de previsão para o afastamento, pela não fixação do prazo de afastamento, pela ausência de especificação das atribuições do interventor nomeado; por não ter sido oportunizado o direito de defesa; e, por deficiência de fundamentação.

 

A inicial (fls. 2/22) veio instruída com os documentos de fls. 23/587 (vols. 1/3).

 

Indeferida a liminar pleiteada (vol. 3, fls. 593/594), foram requisitadas e prestadas as informações de estilo (vol. 3, fls. 603/606), apresentando resposta o representante do Ministério Público (vol. 3, fls. 609/231).

 

A douta Procuradoria Geral de Justiça emitiu parecer, opinando pelo conhecimento e desprovimento do agravo interposto (vol. 3, fls. 636/649).

 

É, em essência, a necessária exposição.

 

2. O recurso não comporta provimento, pois a decisão agravada, ao contrário do que sustenta o agravante, não está contaminada por qualquer ilegalidade.

 

É o que demonstra o judicioso parecer da lavra do ilustre Procurador de Justiça oficiante - Dr. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO, o qual, por abordar a matéria com proficiência, adota-se como razão de decidir, in verbis:

 

“Antes de qualquer outra consideração, não se convém perder de vista que a análise do presente recurso, bem como da legalidade e cabimento da medida judicial por ele impugnada, haverá de ser efetuada à luz do princípio da proteção integral insculpido no art. 227, caput, da Constituição Federal e art. 1º, da Lei n0 8.069/90, juntamente com a regra de interpretação contida no art. 60, também do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo os quais os superiores interesses das crianças e adolescentes (que, diga-se desde logo, procurou-se proteger com a intervenção decretada), por sua natureza pública e abrangência, devem sempre prevalecer sobre os interesses particulares que restaram eventualmente contrariados.

 

De fato, quando se fala em proteção integral à criança a ao adolescente, regra que norteia toda e qualquer ação ou iniciativa tomada com fundamento na Lei 8.069/90, não se concebe possa ser essa frustrada por qualquer razão ou artificio.

 

Com a Lei n0 8.069/90, o legislador pretendeu criar um sistema de garantias destinado especificamente à essa proteção integral de crianças e adolescentes, razão pela qual cabe ao intérprete buscar na aplicação da lei o atingimento desse ideal, ainda que para tanto tenha de revelar eventuais imperfeições legislativas, que de outro modo poderiam comprometer a eficácia da norma, contrariando seus objetivos declarados.

 

Assim sendo, não restam dúvidas que a atuação do Juiz da Infância e da Juventude, em procedimentos como o ora analisado, não pode ser jamais equiparada à de um Juiz investido da jurisdição cível (ou mesmo criminal) comum, pois, invariavelmente terá por finalidade primordial, senão única, impedir que crianças e adolescentes atingidos pela prestação jurisdicional tenham ameaçados ou violados quaisquer de seus direitos fundamentais expressamente protegidos pela Lei n.º 8.069/90 e Constituição Federal, para o que deverá a autoridade judiciária valer-se de todos os mecanismos legais existentes.

 

Na hipótese dos autos, verifica-se o Ministério Público do Estado do Paraná, usando da atribuição que lhe foi conferida pelo art. 95, da Lei n0 8.069/90 e em fiscalização realizada junto ao Instituto Paranaense de Cegos, entidade não governamental sediada nesta Capital que atende crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais, inclusive em regime de abrigo, constatou a presença de graves irregularidades envolvendo sua diretoria que, por inescusável omissão, colocava diversos adolescentes - que freqüentavam suas instalações ou lá se encontravam abrigados - em situação de risco, na forma do disposto no art. 98, do citado Diploma Legal.

 

De início, foi tentada a superação dos problemas encontrados pela via administrativa, porém, ante a injustificada resistência dos dirigentes da entidade em cumprir as determinações legais e recomendações efetuadas, não restou altemativa outra além da deflagração do procedimento especifico previsto no art. 191 usque 193, da Lei n0 8.069/90, com o conseqüente afastamento cautelar de toda sua diretoria e nomeação de um interventor.

 

Em que pesem os argumentos em contrário do agravante, claro está que a medida judicial respectiva, embora severa, não apenas era juridicamente possível, mas também se faria necessária diante dos elementos trazidos aos autos, que apontavam?) para a desordem imperante na entidade sob a gestão da diretoria afastada, inclusive, face à falia de controle sobre internos e freqüentadores, colocando em sério risco o patrimônio a integridade física e mesmo a vida dos adolescentes atendidos.

 

Respeitadas as opiniões divergentes que existem a respeito do tema, forçoso concluir que o afastamento provisório dos dirigentes de entidade não governamental é medida expressamente autorizada pelo art. 191, par. único, da Lei n0 8.069/90, resultando tal assertiva decorrente da constatação de que o caput do mesmo dispositivo se refere ao procedimento para apuração de irregularidades tanto em entidade governamental quanto não governamental e, por princípio básico de hermenêutica, a matéria versada no parágrafo se subordina ao teor da cabeça do artigo, dai resultando a dedução lógica que aplicação da medida naquele prevista é cabível para ambas situações.

 

O fato de o afastamento provisório dos dirigentes de entidades não governamentais não constar da relação de medidas previstas no art. 97, inc. II, da Lei n0 8.069/90, ao contrário do que ocorreu em relação às medidas aplicáveis às entidades governamentais, não modifica o entendimento acima exposto, pois nitidamente resultou, como já mencionado na manifestação ministerial de fls. 610 usque 631, de mera desatenção do legislador, devendo assim prevalecer a regra procedimental especifica, que se destina a regular a forma de apuração de irregularidades tanto em entidades governamentais quanto não governamentais.

 

E nem poderia ser diferente, pois a interpretação da Lei n0 8.069/90 deve sempre ocorrer da forma que melhor garanta a proteção integral de crianças e adolescentes, que não podem ficar a mercê das omissões, desmandos ou abusos cometidos por dirigentes de entidades governamentais ou não - onde são atendidos.

 

Vale mencionar que mesmo as entidades não governamentais (ou ‘privadas “, como disse o agravante,) e em especial os programas de atendimento por elas desenvolvidos, por integrarem o supramencionado sistema de garantias estabelecido pela Lei 8.069/90 com vista à proteção integral de crianças e adolescentes, assumem verdadeira natureza pública. tanto que sujeitas a regras próprias estabelecidas pela citada Lei Federal (‘como é o caso da obrigatoriedade de seus registros junto ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, prevista nos arts. 90, par. único e 91, caput, bem como dos princípios relacionados no art. 92, todos do Estatuto da criança e do Adolescente), bem como à permanente fiscalização, por parte não apenas do Ministério Público ma, também pelo Poder Judiciário e Conselho Tutelar (art. 95 também da Lei n0 8.069/90).

 

O próprio funcionamento das entidades não governamentais está sujeito ao prévio registro junto ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, que por sua vez pode denegá-lo caso presente alguma das situações contidas no art. 91, parágrafo único da Lei n0 8.069/90, dentre as quais destacamos, para fins da presente exposição, a falta de “instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança”, de um “plano de trabalho compatível com os princípios desta lei” e que ‘tenha em seus quadros pessoas inidôneas”.

 

Uma vez deferido o registro, caso qualquer das situações acima relacionadas venha a ocorrer, é lógico que podem os legitimados, dentre eles o Ministério Público, demandar junto ao Poder Judiciário para ver melhor apuradas e posteriormente sanadas as irregularidades, sendo o afastamento provisório dos dirigentes da entidade medida muitas vezes necessária para impedir, no curso do procedimento instaurado especificamente com tal finalidade, que as crianças e adolescentes atendidas tenham qualquer de seus direitos fundamentais ameaçados e violados.

 

Jamais se pode esquecer que a medida judicial impugnada é de natureza eminentemente provisória e cautelar, restando sua duração condicionada à tramitação do procedimento onde foi decretada, ao final do qual serão aplicadas medidas outras, relacionadas no art. 97, inc. II, alínea d, da Lei n0 8.069/90, dentre as quais se encontra a cassação do registro da entidade junto ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, sem o qual não poderá funcionar.

 

Como o objetivo primordial do procedimento não é a aplicação dessa medida extrema, mas sim a remoção das irregularidades existentes, em situações como a versada nos autos o afastamento provisório dos dirigentes da entidade se faz necessário até mesmo para evitar que, ao final, tenha-se de tomar tão drástica decisão. Isto ocorre porque, consoante restou apurado e pode ser facilmente visualizado da singela leitura dos autos, as irregularidades existentes no Instituto Paranaense de Cegos já vinham ocorrendo há muito tempo, sendo que - pela falta de comando na instituição - maus hábitos foram criados e desenvolvidos entre internos, freqüentadores e mesmo funcionários/atendentes da entidade, que não se submetiam às regras existentes e faziam o que bem entendiam diante da inexistência de cobrança nesse sentido e/ou de controle sobre suas ações.

 

Ora, em que pese ser uma entidade ‘privada” o fato de atender crianças e adolescentes, integrando a rede destinada a garantir a proteção integral destes, bem como de receber verbas públicas, como reconheceu o próprio agravante (embora tenha ele alegado a insuficiência dos recursos repassados), torna obrigatória a observância de uma série de regras e exigências legais, não podendo ser assim administrada de qualquer modo, deforma irresponsável ou segundo o puro arbítrio daqueles que, ocasionalmente, ocupam os cargos de sua diretoria.

 

E este é outro ponto a ser considerado, pois, ao contrario do que parece acreditar o agravante, o Instituto Paranaense de Cegos não pertence a seus eventuais dirigentes, mas sim - por sua tradição e importante papel que desempenha no atendimento dos portadores de deficiência visual neste Estado deve ser considerado um verdadeiro patrimônio da sociedade paranaense, que até mesmo em função disso não pode ser administrado com desleixo nem ver amesquinhada a qualidade do trabalho que sempre procurou desenvolver.

 

Nesse contexto, estamos convictos que a medida judicial tomada era necessária como última altemativa a sanear o Instituto Paranaense de Cegos, tarefa que, não é preciso dizer e especificar em detalhes, cabe à interventora nomeada, empenhando-se inclusive em modificar algumas práticas equivocadas e a própria mentalidade que, nos últimos tempos, enraizou-se junto a alguns de seus internos, freqüentadores, funcionários e dirigentes, comprometendo sobremaneira o atendimento prestado, a segurança e mesmo a integridade mental e física em especial das crianças e adolescentes que precisam da entidade.

 

Caso não tivessem sido afastados os dirigentes da entidade, continuaria a imperar a situação irregular e indesejada que o Ministério Público vinha tentando resolver, sem êxito, pela via administrativa, fazendo com que ao final do procedimento tivessem de ser tomadas medidas de gravidade ainda maior, eventualmente importando na própria cassação de seu registro junto ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente desta Capital, que por sua vez impediria continuasse ela a atender a população infanto-juvenil necessitada, que assim acabaria prejudicada.

 

Maiores ponderações acerca da legalidade, conveniência e oportunidade da medida judicial impugnada se tornam a nosso ver absolutamente desnecessárias, em especial diante das bem articuladas razões expandidas pelos eminentes subscritores do pronunciamento de fls. 610 usque 63] e pelo douto Juízo a quo, às quais nos reportamos, por brevidade.

 

Posto isto, no que diz respeito a alegada falta de oportunidade para defesa e incorreta valoração da prova, além de terem sido matérias também abordadas e devidamente rebatidas com maestria nas contra-razões de recurso e despacho de sustentação da decisão, são de improcedência flagrante, a primeira em rapto da própria dicção do citado art. 191, par. único e seguintes da Lei no 8.069/90, onde resta claro o caráter sumario da medida que, diante da gravidade da situação apresentada, deve ser tornada incontinenti, sem necessidade de previa oitiva do(s) dirigente(s,) afastado(s), providência que por sinal sequer, foi prevista na lei. Ainda, segundo a legislação procedimental especifica, apenas após ter sido determinado o afastamento liminar é que será o dirigente da entidade citado para oferecer resposta escrita, razão pela qual não há que se falar tenha a decisão impugnada de qualquer modo violado o sagrado e constitucional direito do agravante ao contraditório e à ampla defesa.

 

Consoante já mencionado, a maior agilidade do procedimento tem por escopo justamente evitar ou minorar os prejuízos a crianças e adolescentes decorrentes da situação irregular que reclama a intervenção judicial, que deve ocorrer ante a simples ameaça de violação de direitos de crianças e adolescentes, numa atuação eminentemente preventiva que é, afinal, uma das características mais marcantes da doutrina da proteção integral adotada pela Constituição Federal e Lei n 8.069/90.

 

Ao arremate, resta apenas mencionar que a medida provisória impugnada foi tomada com base em elementos também preliminares, que de mane ira segura apontavam, como ainda apontam, para sua premente necessidade.

 

A “valoração da prova” com vista à tornada dessa providência cautelar foi efetuada de forma absolutamente escorreita, com base nos critérios legais aplicáveis a situações semelhantes.

 

Uma análise de mérito mais aprofundada somente se fará possível ao final do procedimento, após a completa apuração dos fatos, razão pela qual, por hora, os elementos trazidos aos autos são mais do que suficientes para justificar o decreto e a manutenção da decisão agravada”.

 

De sorte que, solução outra não se impõe a discutida controvérsia recursal, senão, a manutenção da combatida decisão recorrida.

 

Nessa conformidade:

 

Acordam os Desembargadores e o Juiz Convocado, integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso interposto.

 

Presidiu a sessão o Desembargador OTO SPONHOLZ e participaram do julgamento os Desembargadores MOACIR GUIMARÃES e CLOTARIO PORTUGAL NETO.

 

Curitiba, 16 de novembro de 2000.

 

JUIZ CONV. MILANI DE MOURA

 

Relator