Seção Infância e
Juventude – Processo n.º 1885/99
Vistos, etc...
O Ministério Público do Estado de São Paulo ajuizou a presente ação
civil pública contra a Fazenda Pública
do Estado de São Paulo e o Município de Bauru visando compeli-los a disponibilizarem
vagas no ensino fundamental, nos próximos anos letivos e no ano do ajuizamento
da ação, para que as crianças e adolescentes possam ser atendidos nas
proximidades de suas moradias e enquanto isso não acontece, a disponibilizarem
transporte gratuito como garantia de acesso e freqüência à escola; a fazerem o
recenseamento escolar nos conjuntos habitacionais construídos nos últimos dez
anos; a fazerem chamadas públicas de crianças e adolescentes para a matrícula
no ensino fundamental; que o Município não entregue novos conjuntos
habitacionais sem equipamentos de ensino fundamental e que a Fazenda Pública
não feche as atuais salas de aula da escola Mercedes Paz Bueno destinadas às
5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries.
Ante a verossimilhança das alegações e o fundado receio de
dano irreparável ou de difícil reparação, requereu a antecipação de tutela e ao
final a procedência dos pedidos da ação.
Os requeridos foram
ouvidos e a antecipação de tutela foi deferida, tendo sido suspensa por decisão
lançada nos autos do agravo de instrumento em apenso.
Regularmente citados,
os requeridos compareceram à audiência de tentativa de conciliação e entrega de
resposta onde, frustrada a conciliação, ofereceram contestações aos pedidos.
A contestação do
Município de Bauru, em síntese, aduz, em linha de preliminar, a impropriedade
da ação civil pública para a obtenção dos pedidos e a ilegitimidade de parte
ativa do Ministério Público. No mérito, em apertada síntese, aduziu: a) que os
pedidos são ilegais, atingem o poder discricionário da Administração e
comprometem todo o atendimento pedagógico-educacional com prejuízo para os
alunos; b) que as crianças e adolescentes que não encontram vagas nos núcleos
onde moram, são matriculadas em escolas de outros bairros; c) que os pedidos
demandam a construção de novas escolas, contratação de professores e compra de equipamentos, o que não é possível sem recursos
financeiros e prévia dotação orçamentária; d) que o requerente não provou que o
transporte público é insuficiente e que foram realizados o censo e a chamada
pública.
Requer a extinção do
processo pelo acolhimento das preliminares ou, no mérito, a improcedência dos
pedidos da ação civil pública bem como a condenação do requerente
nas custas, despesas e honorários.
A contestação da
requerida Fazenda Pública do Estado de São Paulo, em síntese, aduz, em linha de
preliminar, a impropriedade da via eleita; a ilegitimidade de parte ativa; a
inépcia da inicial e a ilegitimidade de parte passiva. No mérito, aduz: a) que
os pedidos são ilegais e impõe obrigação impossível de ser cumprida além de
interferir na prestação do serviço e na discricionariedade da Administração; b)
que as dificuldades para o equacionamento do atendimento da demanda escolar não
foram criadas pelo Estado que sempre cumpriu com a sua obrigação em relação ao
ensino fundamental, mas sim pelo Município que entregou núcleos habitacionais
sem que existissem equipamentos de pré-escola e escolas de 1º e 2º graus
instalados; c) que o atendimento dos pedidos depende de construção de novas
escolas, contratação de professores e compra de equipamentos que estão sujeitas
a prévia autorização e previsão orçamentária; que o
Estado está promovendo o programa de reorganização das escolas da rede pública
estadual e qualquer decisão que determine a mudança das regras, obrigando o
Estado a aumentar os turnos, diminuir a carga horária e criar vagas onde o
espaço físico não permite, estará comprometendo a qualidade de ensino e
violando a lei e a Constituição; d) que o requerente não provou a insuficiência
do serviço de transporte, mas que o Estado vem cumprindo com a sua parcela de
responsabilidade consistente na concessão de auxílio financeiro ao município,
na condição de colaborador com a percentagem prevista em lei, e e) que é incabível a cominação de multa diária porque o
atendimento dos pedidos demanda tempo e dotação orçamentária, não fazendo sentido a imposição durante todo esse tempo, além de
comprometer outros objetivos da Administração.
Requer a extinção do
processo pelo acolhimento das preliminares ou, no mérito, improcedência dos
pedidos da ação.
Houve réplica, o
processo foi saneado e realizou-se audiência de instrução onde foram ouvidas as
testemunhas E. S. C., I. C. B. A. e W. C., tendo sido posteriormente suspenso o
processo para a juntada de relação de alunos que estão freqüentando escolas
localizadas a mais de dois quilômetros de suas residências e daqueles que têm
sido atendidos pelo programa suplementar de transporte, o que foi cumprido e
comentado pelo requerente, que é pela procedência dos pedidos da ação.
É o relatório
Decido
Preliminarmente
As preliminares foram resolvidas no saneador que restou irrecorrido.
No mérito
Os pedidos da ação
merecem parcial procedência.
Como se sabe, a
educação é dever do Estado e da família (art. 205 da CF/88
e art. 2º da LDB), sendo direito público subjetivo assegurado, dentre outras
formas, através da igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola, bem como pelo acesso à escola pública próxima da residência (art. 53,
incisos I e V, do ECA), além do programa suplementar
de transporte (art. 208, inciso VII, da CF e artigo 54, inciso VII, do ECA).
Da mesma forma, sabe-se
também que pela análise do disposto no artigo 211, §§ 2º e 3º da CF e dos
artigos 10 incisos II e VI e 11 inciso V, da LDB,
existe obrigação solidária entre o Estado e o Município no ensino fundamental.
Por fim, segundo o
disposto na letra “i”, do artigo 1º, da Lei Municipal n.º 3197/90, é
obrigatório, no ato da entrega de núcleos habitacionais, a entrega de
equipamentos de pré-escola e escola de 1º e 2º graus.
Terminada a instrução,
restou provado, pelas provas testemunhal e documental, que a política municipal
de ocupação do solo urbano, no que diz respeito a
instalação de núcleos habitacionais, sem a devida infra estrutura necessária,
gerou deficiência de vagas na rede pública de ensino fundamental, nas escolas
próximas às residências dos infantes, obrigando a redistribuição dos alunos, o
que, por si só, violou do direito de acesso à escola pública próxima de casa.
Nesse sentido,
confiram-se as declarações da então Dirigente Regional de Ensino E. S. C. e da
Secretária Municipal de Educação I. C. B. A., bem como as relações de mais de
três mil alunos que atualmente estudam a mais de dois quilômetros de suas
residências, candidatando-se, assim, a evasão escolar.
Por sua vez, no que diz
respeito ao programa suplementar de transporte, como ressaltado, pela então
Dirigente Regional de Ensino, antes da propositura da ação, a requerida Fazenda
Pública do Estado de São Paulo fazia o transporte de alunos residentes na zona
rural e de alunos com necessidades especiais, enquanto que o transporte urbano
não era realizado, o que, de certa forma, foi confirmado pela Secretária Municipal
da Educação que, evasivamente, apenas se limitou a dizer que o serviço era
prestado desde 1993, mas foi ampliado, na atual gestão, quando assumiu o
prefeito.
Por fim, a situação atual, no que diz respeito a disponibilização
de vagas, no ensino fundamental, em escolas próximas as residências dos alunos,
não se alterou e o programa suplementar de transporte, ainda que
ampliado, pela Administração municipal, ainda não tem atendido a todos os
necessitados, de modo que a ação civil é pertinente e subsiste o interesse
ministerial na procedência dos pedidos da ação.
Não existe qualquer
ilegalidade nos pedidos que não ofendem o discricionarismo
da Administração e nem comprometem o atendimento que atualmente vem sendo
realizado.
O Estatuto da Criança e
do Adolescente prevê, no seu artigo 208 e seguintes, o procedimento judicial
relativo as ações de responsabilidade por ofensa aos
direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não oferecimento
ou oferta irregular, dentre outros, do ensino obrigatório e do programa
suplementar de transporte, de modo que não há que se falar em ilegalidade ou
ofensa ao discricionarismo da Administração.
Também, a procedência
dos pedidos da ação não comprometerá o atendimento que vem sendo prestado,
senão para melhorá-lo e adaptá-lo à lei, ficando por conta da Administração a
adoção das providências administrativas que do comando da sentença resultarem.
Por seu turno, os
requeridos são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação de
atuarem prioritariamente no ensino fundamental e o transporte escolar é
atividade complementar. As garantias visam o acesso e freqüência à escola e se
complementam. Por isso, é irrelevante e nem aqui é a sede própria para se
discutir, a culpa pelo ocorrido, a parcela com que cada Ente (Estado e
Município) tem cumprido as suas obrigações e muito menos
compensação de serviços, o que deve ser buscado através de ação
regressiva.
Ao contrário do
afirmado pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, ela não atua como mera
colaboradora, quer na disponibilização de vagas, quer
na contribuição para o programa de transporte complementar, uma vez que a sua
obrigação está bem delineada no disposto no artigo 211, § 3º, da Constituição
Federal, sendo inconstitucional qualquer limitação nesse sentido.
A obrigação primeira
dos requeridos constitui-se na disponibilização de
vagas no ensino fundamental, enquanto que o transporte é atividade secundária e
complementar destinada aos alunos que moram longe de modo a igualá-los aos
demais no acesso.
No demais, é certo que
o deferimento dos pedidos importará na construção de novas escolas, na
contratação de funcionários e na aquisição de equipamentos, o que dependeria de
prévia dotação orçamentária, que impediria o deferimento dos pedidos, no
entanto, nada obsta a procedência parcial dos pedidos da ação para que os
requeridos incluam no orçamento do ano vindouro a previsão necessária para as
despesas que advirão.
Não restou provado que
não foram feitos o recenseamento escolar e a chamada pública. O fechamento das
5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do ensino fundamental da escola Mercedes Paz Bueno
inclui-se no poder discricionário da Administração de ensino. Assim, esses
pedidos comportam improcedência.
A procedência parcial
dos pedidos da ação é de rigor sendo cabível a cominação de multa diária que
tem previsão legal no artigo 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ante o exposto e pelo
mais que dos autos consta julgo
procedente em parte a presente ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo
contra a Fazenda Pública do Estado de
São Paulo e o Município de Bauru para o fim de condená-los a: a) incluir
nas suas propostas orçamentárias do ano vindouro os recursos necessários para a
disponibilização de vagas no ensino fundamental, para
os próximos anos letivos, de sorte que os estudantes não se desloquem mais de
dois quilômetros de suas moradias para estudar, sob pena de cada acionado pagar
multa no valor de R$ 1.000,00 por dia e por criança ou adolescente que esteja
fora da escola, por falta de vaga, e responderem por crime de desobediência e
responsabilidade; b) enquanto não forem disponibilizadas as vagas próximas das
residências, no ensino fundamental, façam os requeridos incluir na proposta
orçamentária, recursos necessários para a execução do transporte gratuito, para
aqueles que estudam a mais de dois quilômetros de suas
moradias, sob pena de pagar cada acionado multa de R$ 1.000,00 por dia e por
criança ou adolescente que esteja fora da escola por falta de transporte e/ou vaga e a responderem por crime de desobediência e
responsabilidade e c) não promovam a entrega de casas em núcleos
habitacionais sem que antes esteja em funcionamento equipamento de ensino
fundamental a distância inferior a dois quilômetros das moradias, sob pena de
pagara a multa de R$ 5.000,00 por dia, contado a partir da entrega das casas,
até a entrega do equipamento em funcionamento, nos termos do artigo 269, inciso
I, do Código de Processo Civil, ficando indeferidos os demais pedidos.
Como tutela específica
da obrigação e visando assegurar o resultado prático equivalente, determino aos
requeridos que façam juntar aos autos, anualmente, até o trigésimo dia do
início do ano letivo, até o trânsito em julgado desta sentença, a relação de
crianças e adolescentes que estão estudando, no ensino fundamental, a mais de
dois quilômetros de suas moradias e que estão sendo atendidas pelo programa de
transporte gratuito, bem como o planejamento relativo as
escolas que devem ser ampliadas e construídas para atender a demanda, sem o que
a ação perderá o seu objeto.
Sendo o requerente
sucumbente em parte mínima, responderão os requeridos pelas custas, despesas e
honorários que fixo em R$ 1.000,00, para cada um, nos termos do artigo 20, §
4º, do Código de Processo Civil.
Esgotados os prazos
para os recursos voluntários, remetam-se os autos a Superior Instância para o
reexame necessário.
P.R.I.C.
Bauru, 20 de julho de 2001.
Ubirajara Maintinguer
Juiz de Direito