Proc. nº 1387/01 ‑ Ação Civil
Pública
Vistos.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO ajuíza ação civil pública contra o MUNICÍPIO DE GUARULHOS,
alegando, em breve síntese, que, no Município de Guarulhos, o repasse para a
educação dos valores referentes ao percentual mínimo de 25% da receita
resultante de impostos não foi efetuado, no exercício de 1998, de acordo com a
legislação constitucional e infraconstitucional; e o Município também não
observou a reserva mínima de 60% dessa receita para o ensino fundamental, no
mesmo período. Sendo assim, e ressaltando os fundamentos jurídicos de seu
pedido, requer seja julgada procedente a ação para o fim de condenar o réu a
aplicar na manutenção e no desenvolvimento do ensino, em caráter complementar e
a título de compensação, o montante de R$ 36.546.541,94 (trinta e seis milhões,
quinhentos e quarenta e seis mil, quinhentos e quarenta e um reais e noventa e
quatro centavos), inserindo‑o na Proposta Orçamentária e na respectiva
Lei de Diretrizes referentes ao exercício financeiro seguinte ao trânsito em
julgado da decisão, corrigido até a data do efetivo desembolso; bem como
providenciar a compensação do percentual aplicado no ensino fundamental para
que atinja o patamar mínimo de 60% (sessenta por cento) das receitas
arrecadadas em 1998, da mesma forma inserindo a previsão na proposta
orçamentária e respectiva Lei de diretrizes referentes ao exercício financeiro
seguinte ao trânsito em julgado da decisão (fls. 02/12). Com a inicial, vieram
os documentos de fls. 13/352.
Devidamente citado (certidão de fls. 357v.), o Município
admitiu que não foi correta a aplicação dos recursos para a educação no ano de
1998, mas alega que não pode responder a atual Administração pela conduta
irregular da Administração anterior; e o valor que deixou de ser aplicado em
verdade seria de R$ 34.796.968,20 (trinta e quanto milhões, setecentos e
noventa e seis mil, novecentos e sessenta e oito reais e vinte centavos),
conforme planilha que anexou à contestação (fls. 368). Sendo assim, requer a
improcedência da ação, ou, alternativamente, que haja compensação dos valores
aplicados a maior nos anos seguintes, bem como que a importância dividida em 10
(dez) parcelas, com inserção na proposta orçamentárias
e lei de diretrizes dos anos subseqüentes ao exercício financeiro do trânsito
em julgado (fls. 359/364). Com a contestação, vieram os documentos juntados a
fls. 366/469.
Réplica foi apresentada
pelo Ministério Público a fls. 472/476.
É o relatório.
Decido.
Trata‑se de ação civil pública movida pelo Ministério
Público do Estado de São Paulo contra o Municipio de
Guarulhos, objetivando a correta aplicação dos recursos para educação,
relativamente ao exercício financeiro de 1993, no qual foi constatada a
insuficiência dos patamares constitucionais e infraconstitucionais.
O feito deve ser julgado antecipadamente, em razão da prova
reunida nos autos já ser suficiente ao julgamento, de acordo com o disposto no
art. 330, do Código de Processo Civil.
Primeiramente, deve ser
afastada a colocação no sentido de que a presente Administração não pode
responder pela irregularidade de Administração anterior. O enfoque dado na
contestação não está correto. Não é a atual Administração Municipal a ré no
presente feito; é o Município. O Município é pessoa jurídica de Direito
Público, que não se confunde com as pessoas físicas, quer munícipes, quer
administradores. Prejudicados pela
conduta irregular na Administração Municipal do exercício financeiro de
1998, no que diz respeito à aplicação das verbas destinadas à educação, foram todos os munícipes, de forma mais direta, bem como
quaisquer outras pessoas, já que a educação é um dos valores fundamentais, da
maior importância para o desenvolvimento humano. Para a compensação da
irregularidade verificada, é evidente que muito mais serão
afetados os próprios Munícipes do que a Administração Municipal, que não
tem outra finalidade que não servir as pessoas.
Superado este intróito, necessário de ver que as partes não
controvertem sobre a existência de irregularidade na aplicação da verba para a
educação no ano de 1998, que é o objeto do presente feito.
Apenas o valor dos recursos não aplicados foi impugnado pelo
Municipio, que entendeu, em contestação, montar R$
34.796.968,20 (trinta e quatro milhões, setecentos e noventa e seis mil,
novecentos e, sessenta e oito reais e vinte centavos), e não R$ 36.546.541,94
(trinta e seis milhões, quinhentos e quarenta e seis mil, quinhentos e quarenta
e um reais e noventa e quatro centavos), como mencionado pelo Ministério
Público na petição inicial.
Mas a impugnação do
Município não pode ser aceita. A ré não cumpriu o ônus da impugnação
especificada, que lhe competia. Não basta impugnar, é preciso motivar a
impugnação. Na verdade, se entendia que o montante seria diverso, competia‑lhe não só impugná‑lo
mas também oferecer a razão do questionamento, fundamentadamente, o que não foi
feito. Aplica‑se, nesse ponto, o art. 302 do Código de Processo Civil,
Não fosse isso suficiente, bastaria ver que a planilha apresentada a fls. 368 é
de elaboração unilateral da ré, e portanto não pode servir para afastar a
análise do Tribunal de Contas do Estado (fls. 207/216 e 231/238), que embasa o
pedido.
No mais, como se disse,
não se discute que o Municipio, a teor do que dispõem
os arts. 212 da Constituição da República, art. 60 do
Ato das Disposições Finais e Transitórias da Constituição Federal (redação dada
pela Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96), art. 249 da Lei nº 9.394/96
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o art. 190 da Lei Orgânica do Municipio, tem a obrigação de
dirigir ao menos 25% (vinte e cinco por cento) da receita resultante de
impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino, e, mais que isso, nos primeiros 10 (dez) anos a
partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 14, de 12.09.96, destinar não
menos de 60% destes recursos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino
fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e
a remuneração condigna do Magistério.
A procedência da ação é medida de rigor.
O valor devido representa pouco mais que a metade do valor
efetivamente aplicado, para a educação no exercício financeiro em questão
(1998). Diante do orçamento total, considerado o próprio ano de 1998, a quantia
representa menos de 10% (dez por cento). Assim, é indeferido o requerimento de
parcelamento em 10 (dez) anos, feito na contestação,
porque não há razão para que a Educação receba de forma parcelada durante tanto
tempo a aplicação de recursos que são apenas parte do que deveria ter sido em
01 (um) ano.
De outro lado, não há óbice que, na execução da sentença,
sejam compensados valores que eventualmente superem os limites mínimos já expostos
para a educação, fixados em nosso ordenamento jurídico, em exercícios
posteriores ao de 1998.
Posto isso, JULGO PROCEDENTE A AÇÃO, para o fim de CONDENAR
O MUNICIPIO DE GUARULHOS a aplicar na manutenção e no desenvolvimento do
ensino, em caráter complementar, e a título de compensação pelas espúrias
condutas adotadas no exercício financeiro de 1998, o montante de R$
36.546.541,94 (trinta e seis milhões, quinhentos e quarenta e seis mil,
quinhentos e quarenta e um reais e noventa e quatro centavos), inserindo‑o
na Proposta de Orçamento e na respectiva Lei de Diretrizes referentes ao
exercício financeiro posterior ao trânsito em julgado desta da sentença, com
correção monetária até o efetivo desembolso, pela Tabela Prática do Tribunal de
Justiça; deverá ainda o Município, da mesma forma, providenciar a compensação
do percentual aplicado no ensino fundamental para que atinja o patamar mínimo
de 60% (sessenta por cento) das receitas arrecadadas em 1998, em relação ao
percentual de 23,82% da parcela efetivamente aplicada, conforme o art. 60 do
Ato da Disposições Constitucionais Transitórias,
inserindo também a previsão na Proposta Orçamentária e respectivas Lei de
Diretrizes referentes ao exercício financeiro seguinte ao do trânsito em
julgado da decisão. Será admitida, como exposto, a compensação de eventuais
excedentes dirigidos à educação pelo Município nos exercícios
financeiros posteriores a 1998. Para o caso de descumprimento, fixo
multa diária no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ‑ (art.
461, § 4º, do Código de Processo Civil e art. 11 da Lei nº 7.347/85). Declaro
extinto o feito, com julgamento do mérito, conforme o disposto no art. 269, I,
do Código de Processo Civil. Há isenção de custas e não é caso de fixar verba
honorária (art. 141, § 2º, da Lei nº 8.069/90). Proceda‑se a intimação do
réu por mandado, na pessoa do Sr. Prefeito. A ciência
do Ministério Público também é pessoal.
P.R.I.C.
Guarulhos, 11 de março de 2002.
DANIEL ISSLER
Juiz de Direito