EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DO FORO REGIONAL DE PINHEIROS

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, através da Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude, vem, mui respeitosamente, à presença de V. Exa. para, nos termos dos arts. 129, III, da Constituição Federal; 25, IV, a, da Lei 8.625/93; 103, VIII, da Lei Complementar Estadual 734/93; 5º, da Lei 7.347/85; e 210, da Lei 8.069/90, propor AÇÃO CIVIL PÚBLICA, sob o rito ordinário, COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face da FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público, representada por seu Procurador Geral, domiciliado à Avenida São Luiz, nº 99, 4º andar, nesta Capital, pelos motivos de fato e razões de direito que doravante passa a expor.

 

I.                   DOS FATOS

 

Consta do incluso inquérito civil (nº 06/97), instaurado através de portaria, que a Requerida, por intermédio da Secretaria Estadual de Educação, vem se utilizando de significativo número de containers metálicos, à guisa de salas de aula emergenciais, visando a atender sazonal incremento da demanda em determinadas regiões da Capital.

 

As denominadas salas metálicas, à evidência, não se mostram adequadas a comportar, com razoável conforto, os alunos da rede pública de ensino que são instados - por absoluta falta de opção - a ocupá-las.

 

Com efeito, como se observa do relatório técnico de fls. 47/64 - que levou em conta as instalações “emergenciais” em uso da E.E.P.G. Parque Savoy City II -, as salas metálicas não estão “capacitadas para abrigar alunos em condições ideais de conforto e segurança” (fls. 50).

 

Dentre os motivos ensejadores do desconforto, destacam os peritos “o elevadíssimo número de alunos em cada container”, além de “uma natural transmissão de calor excessivo do teto para o interior da sala, o que gera desconforto nos alunos e professores.” (v. fls. 50/51).

 

Demais disso, “as condições de ventilação e temperatura são inadequadas, particularmente em dias quentes”, sendo certo, ainda, que “o excesso de crianças no interior do container é um aspecto também relevante para comprometimento da segurança dos mesmos.” (fls. 51).

 

Os problemas apontados, à evidência, se voltam contra a utilização de salas de aula metálicas, instaladas através de containers.

 

Contudo, não nega o Autor a eventual necessidade do uso do material para a implantação de salas de aula, tendo em vista a obrigação constitucional e legal do Poder Público de dar cabo à demanda por sua rede de ensino.

 

Assim, ocorrida significativa alteração na demanda por escola pública em determinada região, tendo em vista a exigüidade de tempo entre o período de matrículas e o início do ano letivo, inviabilizada a construção de salas de aula de alvenaria, aceitável se utilize o Poder Público, em caráter emergencial e temporário, de containers como medida paliativa.

 

Aliás, a própria Fundação para o Desenvolvimento da Educação - entidade ligada à Secretaria Estadual da Educação -, expõe, de forma categórica, que as salas metálicas são “implantadas em caráter emergencial para atendimento ao excesso da demanda escolar.”

 

Neste diapasão, “o sistema pré-construtivo metálico, desmontável, foi uma das opções adotadas pela Secretaria Estadual da Educação como resposta à necessidade de construção em curtíssimo espaço de tempo, principalmente nos casos em que a construção deveria ser utilizada em caráter provisório.” (v. fls. 90).

 

Como se observa, a própria Requerida enfatiza o caráter emergencial e provisório das salas de aula metálicas, sendo certo que, havendo necessidade de sua manutenção na mesma unidade escolar por vários períodos letivos, obviamente não mais se pode falar em sazonal aumento da demanda, que passa a estabilizar-se em determinado patamar, enfatizando a necessidade de criar-se situação definitiva, distinta da paliativa.

 

Pese o tratamento conferido pela própria Requerida às salas de aula metálicas, o certo é que diversas unidades de sua rede de ensino (setenta e duas - v. fls. 38/39) as mantêm em plena utilização, sendo que cinco delas desde 1992, e outras tantas há, no mínimo, cinco anos (v. fls. 77).

 

Permitindo seja mantida tal situação, a própria Requerida faz tábula rasa dos princípios que norteiam a implantação das salas “emergenciais”, conferindo-lhes o colar de definitividade, em evidente prejuízo aos alunos de sua rede, obrigados a suportar o ano letivo em acomodações inadequadas - para não dizer insalubres.

 

Demais disso, não bastasse o desconforto decorrente do material utilizado, a Requerida ainda culmina por inserir, em uma mesma sala de aula, alunos em número bastante superior àquele regularmente admitido.

 

Com efeito, como se observa de fls. 49/50, baldadas as condições inadequadas de acomodação decorrentes de fatores próprios das salas de aula metálicas, a Requerida chega a matricular quarenta e três alunos por turno em espaço físico de 42m2, o que, à evidência, sabe a disparate, vez ser o número incompatível para a manutenção de adequada qualidade de ensino.

 

II. DO DIREITO

 

Reza o art. 205, da Magna Carta, que:

 

“a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

 

A Carta Política do Estado, por seu turno, confere ao Poder Público a incumbência de organizar o seu sistema de ensino, estabelecendo normas gerais de funcionamento para as escolas públicas estaduais e municipais, bem como para as particulares (art. 239).

 

Em seu art. 249, a Constituição Paulista prega a atuação da administração pública estadual no ensino fundamental, que deverá ocorrer:

 

por meio de rede própria ou em cooperação técnica e financeira com os Municípios, ..., assegurando a existência de escolas com corpo técnico qualificado e elevado padrão de qualidade”.

 

A Lei Federal nº 9.394/96, a seu tempo, traz, em seu art. 4º, IX, o dever do Estado de garantir:

 

 padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”.

 

O Código Sanitário do Estado de São Paulo (Decreto nº 12.342/78), por sua vez, estipula, em seu art. 102, que:

“a área das salas de aula corresponderá no mínimo a 1,00 m2 por aluno lotado em carteira dupla e de 1.20 m2, quando em carteira individual.”

 

A Resolução SE-125, de 23 de novembro de 1.998, da Secretaria Estadual da Educação (fls. 03 do procedimento anexo), determina, em seu art. 10, que:

 

“na organização das classes as unidades escolares deverão observar a média de 35 alunos para as classes de ciclo I do ensino fundamental” (inciso I).

 

IV. DO DIREITO À EDUCAÇÃO DE QUALIDADE.

 

Como se observa das normas citadas, não basta ao Estado fornecer a educação, mas, sim, fazê-lo com critérios mínimos, que assegurem a qualidade do ensino e a concreta possibilidade do aprendizado.

 

É de todos conhecida a dificuldade encontrada pelo Poder Público para fazer frente à demanda por educação, especialmente no que toca ao ensino fundamental: de regra, lida-se com insuficiência de prédios específicos destinados a abrigar crianças e adolescentes em idade escolar ou com a falta de quadro docente para a ministração da educação formal.

 

Uma das soluções adotadas pela Requerida visando a minorar os problemas apontados foi justamente a implantação das salas de aula metálicas.

 

Tendo em vista situações de demanda excepcionais em determinada área da Cidade, considerando, outrossim, que “não se pode transferir um prédio escolar de uma região, nem deslocar alunos da região sul para a norte, por exemplo” (v. fls. 22), as salas de aula metálicas se mostram necessárias, com o fito de atender situações emergenciais e inesperadas, evidentemente como medida paliativa.

 

Contudo, a necessidade de seu uso obviamente não pode conferir à Requerida autêntico “placet” para operá-las da forma que melhor lhe aprouver, acumulando alunos em espaço físico incondizente, como se gado a caminho do matadouro fossem, de sorte a trazer desconforto e óbvios prejuízos aos infantes sujeitos à espúria determinação.

 

Demais disso, não se concebe que o aumento sazonal da demanda - que justifica a utilização emergencial das salas de aula metálicas - perdure por sete anos letivos, sem que de tal surja a inexorável conclusão de que a procura pelo ensino naquela determinada região tenha se acomodado em novo patamar, de sorte a gerar sejam adotadas medidas efetivas e concretas no sentido de substituir o paliativo pelo concreto, o emergencial pelo definitivo.

 

A Requerida, não obstante, parece ter se acomodado no conforto da situação, querendo conferir, em termos fáticos, pecha de definitividade a atuação por ela própria definida - ao menos na teoria - como emergencial.

 

Demais disso, ao permitir seja alocado em uma única sala de aula metálica número de alunos superior à própria metragem do espaço físico, o Estado está a descumprir as normas constitucionais, legais e regulamentares citadas, impedindo seja ministrado ensino de qualidade mínima, inviabilizando haja a devida assistência aos alunos por parte do professor, negando insumo (instalação física adequada) necessário ao correto processo de aprendizagem.

 

Nem se alegue que a Resolução SS-493/94, oriunda da Secretaria Estadual da Saúde, que definiu um “índice mínimo geral de 1,00 m2 / aluno” (v. fls. 92), justificaria a postura adotada pela Requerida em unidades emergenciais como a da E.E.P.G. Parque Savoy City II: com efeito, a ordem jurídica brasileira - quer-nos crer - ainda não confere ao instrumento administrativo da resolução o poder de revogar decreto, oriundo do Governador, consubstanciado, in casu, pelo Código Sanitário do Estado.

 

Não é demais lembrar que mesmo o espaço físico de 1,20m2 apregoado pelo Código Sanitário do Estado certamente supõe ambiente que ofereça condições de salubridade melhores que as improvisadas salas metálicas, como ressoa nítido de fls. 50/51.

 

V. DO “PERICULUM IN MORA” E DA TUTELA ANTECIPADA.

 

O “periculum in mora” necessário à antecipação da tutela se faz presente, ante o início do ano letivo, que leva os alunos a se aglomerarem em salas exíguas, cujas condições de salubridade se apresentam, no mínimo, inadequadas, de sorte a trazer prejuízos possivelmente irreversíveis à sua formação educacional, mercê das considerações acima formuladas.

 

Demais disso, a verossimilhança do alegado ressoa nítida, a teor das normas violadas pela Requerida, a qual, ao mesmo tempo em que propaga as vantagens do denominado sistema da progressão continuada - que tem como um de seus alicerces o acompanhamento detido e, na medida do possível, individualizado dos alunos, obviamente em instalações físicas adequadas -, entope salas de aula insalubres como se estádios de futebol em dia de decisão de campeonato fossem, massificando, desnecessariamente e em evidente prejuízo aos alunos, o ensino.

 

VI. DO PEDIDO

 

Ante o exposto, requer digne-se Vossa Excelência de

 

                              conceder antecipadamente a tutela, nos moldes dos arts. 273, do Código de Processo Civil; e 12, da Lei Federal nº 7.347/85; face ao claro periculum in mora a que estão sujeitas as crianças e os adolescentes, determinando à FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua Secretaria Estadual de Educação, que se abstenha de matricular mais de trinta e cinco alunos por turno nas salas de aula metálicas com área de 42 m2, bem assim mais de 38 alunos naquelas com área de 46 m2 de que se utiliza nas escolas sob sua administração, situadas na Capital do Estado; assim como proceda à imediata realocação das crianças matriculadas nas mencionadas classes - caso extrapolem os limites acima discriminados.

 

                               Requer, ainda, digne-se V. Exa. de conceder antecipadamente a tutela também para o fim de deixar patente a emergencialidade das salas metálicas, impondo à Requerida o dever de substituir, no prazo de um ano os containers que vêm sendo utilizados como salas de aula desde período anterior a 1998 (v. relação das unidades escolares a fls. 77), posto que, à evidência, sua manutenção por tão largo espaço de tempo impõe solução definitiva do problema, com a implantação de salas com o uso de outros materiais.

 

                               Finalmente, requer antecipação da tutela para que a Fazenda se abstenha de manter, por período de tempo superior a dois anos, salas de aula metálicas em uma mesma unidade educacional, visando a ressaltar a emergencialidade do uso de mencionado material.

 

                               Requer-se, ainda, o arbitramento de multa diária, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por sala de aula emergencial que venha a ser mantida por espaço de tempo superior ao acima previsto, fazendo-o com espeque nos arts. 12, da Lei Federal nº 7.347/85; e 213, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

                               Requer, outrossim, deferida a antecipação da tutela, a designação de audiência de tentativa de conciliação, nos termos do art. 277, do Código de Processo Civil, assim como a citação da Requerida para, em querendo, oferecer a defesa que tiver, no prazo da lei, sob pena de revelia, sendo que a presente ação deverá, a final, ser julgada procedente, com o fito de tornar definitiva a prestação jurisdicional antecipada, condenando a ré em obrigação de não fazer (se abster de matricular mais de trinta e cinco ou trinta e oito alunos por salas de aula metálicas com áreas de 42 e 46m2, respectivamente; não manter, por mais de dois anos, sala de aula metálica na mesma unidade de ensino) e de fazer (proceder à substituição das salas de aula metálicas anteriormente implantadas por salas definitivas, com o uso de material análogo ao do corpo principal da unidade de ensino).

 

                               Requer sejam as intimações ao autor expedidas para a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude da Capital, à Rua Major Quedinho, nº 90, 8º andar, tels. 257.2899, r. 214/215/216.

 

                                Protesta pela produção de todos os meios de provas em direito admitidos.

 

Dá à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00 (um mil reais).

 

  Termos em que, j. a esta o inquérito civil nº 06/97, com 96 páginas,

  P. deferimento.

 

São Paulo, 26 de fevereiro de 1999.

 

 

Motauri Ciocchetti de Souza

Promotor de Justiça

 

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes

Promotor de Justiça