RESPONSABILIDADE CIVIL ESTADO. ESCOLA PÚBLICA. RECUPERAÇÃO DO ALUNO. DEFICIÊNCIA COMPROVADA. PARECER DO CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DEVER DA ESCOLA E DA DELEGACIA DE ENSINO. Se a escola pública não oferece aos seus alunos oportunidade de recuperação efetiva, tanto preventiva como terapêutica; se a Delegacia de Ensino é alertada pelo Conselho Estadual de Educação, que lhe indica, inclusive o caminho a ser seguido, e se omite; manifesto o prejuízo dos alunos que foram reprovados, em percentual que está a evidenciar a indicada deficiência: 75%; responsável o Estado por omissão dos seus agentes, na esteira do disposto no art. 37, parág. 6º, da Constituição Federal. Lucros cessantes não caracterizados. Danos morais puros, que independem de comprovação. Apelo parcialmente provido. APELAÇÃO CÍVEL, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, N.70000493288 PELOTAS, Relator DES. Luiz Ary Vessini de Lima.11.05.00.

 

FABRINA DA CRUZ MOSCARELLI, DAIANE BASTOS FAGUNDES, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL            APELANTE;APELANTE EAPELADO(A).

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores PAULO ANTÔNIO KRETZMANN e JORGE ALBERTO S. PESTANA.

Porto Alegre, 11 de maio de 2000.

 

 

DES. Luiz Ary Vessini de Lima,

RELATOR

 

RELATÓRIO

 

 

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR) – Trata-se de Recurso de Apelação interposto por Daiane Bastos Fagundes, representada por seu pai Eduardo Martins Fagundes e Fabrina da Cruz Moscarelli, representada por sua mãe Nilza da Cruz Moscarelli, contra a sentença de folhas 135/136, a qual julgou improcedente a ação de indenização que promovem contra o Estado do Rio Grande do Sul.

Em razões de recurso (fls. 137/141), as autoras dizem que a sentença merece reforma, pois não estão pedido indenização porque foram reprovadas na disciplina de história, mas sim pelos procedimentos anti-regimentais da Escola, que acarretaram a reprovação. Em síntese, afirmam que foram prejudicadas por procedimentos didático-pedagógico irregulares durante o ano letivo. Que nunca se conformaram  com tais procedimentos, tendo provocado os canais administrativos para a solução e não obtiveram êxito. Que perderam o ano por causa da matéria, sendo que o parecer técnico do órgão normativo ( C.E.E.), comprova as irregularidades.  Que para elidir as causas apontadas, deveriam ser trazidas provas de comportamento individual das alunas que fizesse recair sobre elas a responsabilidade pela reprovação. Requerem a reforma da decisão.

O Estado em contra-razões (fls. 143/149), rebate os termos do recurso e requer o não provimento do mesmo.

Na origem o MP manifestou-se pelo improvimento.

Neste grau de jurisdição, o Procurador de Justiça opinou também pelo não provimento do apelo.

 

 

VOTO

 

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR) – Examinando-se o parecer do Conselho Estadual de Educação chega-se, desde logo, à conclusão de que a ação tem sólido fundamento , a merecer especial reflexão.

No caso presente, tem-se um exemplo das dificuldades que têm os alunos e seus responsáveis em colocar os seus pleitos em relação à Escola, e, se acobertados pela razão, alcançarem a correção do desvio.

Os autores desta ação recorreram a todas, ou a quase todas as instâncias administrativas.

Reclamaram na Escola. Na Delegacia de Ensino e, por duas vezes, acionaram o Conselho Estadual de Educação.

Este órgão, como seu nome está a indicar, apenas consultivo, por fim, emitiu o parecer acima referido e cujos termos, por impressionantes, vão abaixo reproduzidos na parte em que interessam ao feito em análise:

 

A respeito da recuperação terapêutica, afora a audaciosa pretensão de, em apenas seis períodos de cinqüenta minutos cada um, “recuperar” a maior parte (80%) dos conteúdos trabalhados em sessenta aulas ao longo de um ano letivo, os indícios são suficientemente robustos no sentido de que ocorreram infração regimentais a saber:

- o tempo destinado à recuperação não foi adequado às dificuldades dos alunos, conforme dispõe o art. 172 do regimento;

- não houve “atendimento especial” aos recuperandos, segundo prescreve o artigo 170 do mesmo ordenamento; e

- os alunos não contaram com o “atendimento do orientador educacional e/ou com a atenção do conselheiro de turma, nos termos do artigo  177 do diploma normativo da escola.

Após a recuperação terapêutica, enquanto os outros índices de reprovação denotam um fracasso didático-pedagógico, envolvendo  o professor e os serviços da escola diretamente voltados para o fazer educativo, a aceitação dos resultados compromete o Conselho de Classe, o Conselho Técnico-Administrativo-Pedagógico e a direção do estabelecimento, sobretudo porque o aproveitamento insuficiente de alunos ocorreu de maneira expressiva apenas em História.

 

Adiante, o próprio Conselho, órgão tecnicamente preparado para opinar sobre o assunto, deixou claro que houve omissão da 5ª DE, a qual “embora tomando ciência da inadequação dos procedimentos que ocorriam na escola em pauta não tomou as providências necessárias” Veja-se a íntegra dessas colocações, destacando-se a indicação da correta solução a ser adotada, bem como a antevisão dos prejuízos aos alunos, aventando, inclusive, a possibilidade dos prejudicados pleitearem a reparação em juízo:

 

4.3 – As falhas e omissões não se esgotaram na esfera da escola. Mais grave talvez tenha sido a inoperância da 5ª Delegacia de Educação, face ao Termo 02/95, de visita realizada por sua equipe técnica à escola em 9/3/95, no qual consta, à fl. 37, “...o alto “índice de reprovação alerta para uma possível perda pedagógica dos alunos...”, com o registro, ao final, de que a Recuperação Terapêutica não poderia ser reaberta mas, isso sim, “anulada e reoferecida em próxima oportunidade”.

Já em 03 de abril de 1995, mediante informação nº 42/95, à fl. 09, este Conselho alertara para a omissão da 5º DE, a qual, embora tomando ciência da “inadequação dos procedimentos” que ocorriam na escola em pauta, “não tomou as providências necessárias”. Na época, ainda havia tempo hábil para que se evitassem possíveis prejuízos não só aos filhos dos postulantes, mas até mesmo para outros alunos porventura indevidamente reprovados. A oportuna e adequada ação da DE certamente elidiria a possibilidade de que eventuais prejudicados venham a pleitear em juízo, evidentemente que contra o Estado.

 

E duas alunas prejudicadas vieram a postular esse ressarcimento. E com razão.

Aqui há nexo causal flagrante entre a conduta dos responsáveis pela escola pública e, em especial, da 5ª DE, que, alertada por quem de direito, nada fez para que o problema fosse superado. E a ação nesse sentido estava dentro de suas atribuições legais.

Mas a omissão parece não ter mais fim, pois o Conselho Estadual, nada mais podendo fazer, advertiu a Secretaria da Educação, determinando a apuração rigorosa dos fatos, nos seguintes termos:

 

4.4 – Agora, com os fatos consolidados por decurso de tempo, com os eventuais prejuízos restando irrecuperáveis sob o ponto de vista pedagógico, só cabe ao conselho Estadual de Educação advertir a Secretaria da Educação, enquanto administradora do Sistema Estadual de Ensino e, especialmente, como mantenedora da rede estadual, para que seja atuante, operosa e diligente, no sentido de que episódios similares aos constantes deste expediente, envolvendo o processo ensino-apredizagem de um modo geral e a recuperação, tanto preventiva como terapêutica, em particular, não se repitam, sob pena de ter de responder, perante a sociedade, como descumpridora de algumas de suas superiores atribuições.

Ao mesmo tempo, impõe-se que o presente processo lhe seja devolvido com a recomendação de que proceda a apuração de responsabilidades pela ocorrência dos fatos arrolados nos sub itens precedentes, alguns deles indiciariamente anti-regimentais, com os compatíveis procedimentos administrativos e, se for o caso, judiciais.

 

Sobre essas apurações, porém, silencia o nobre Procurador do Estado, autorizando a conclusão de que, até hoje, no plano administrativo, não houve qualquer deliberação a respeito.

Muitos outros aspectos apoiam o pleito das autoras. O percentual de reprovados na recuperação: 75%, a atestar sua ineficiência; as notas pelas mesmas obtidas ( fls. 25 a 28 ) na disciplina e em outras, bem como sua freqüência às aulas; o desatendimento ao próprio regimento interno da escola, que estabelece na Subseção III, ”Recuperação”, em seu art. 172, o princípio geral  de que “O período destinado à Recuperação Terapêutica, deve ser adequado às dificuldades do aluno”.

Dessa forma, tendo sido o Estado, por seus agentes, flagrantemente omisso relativamente às autoras, causando-lhes inestimáveis prejuízos, consubstanciados na perda de um ano letivo, urge que seja responsabilizado o primeiro, consoante permissivo constitucional inserido no art. 37, parág. 6º, da Constituição Federal.

As apeladas pedem ressarcimento de danos materiais, consistentes nos lucros cessantes, mais danos morais, a serem arbitrados pelo julgador.

Entendo, porém, que não há lucros cessantes a serem ressarcidos, pois o fato não lhes trouxe perdas pecuniárias significativas nem a seus pais, já que se trata de escola gratuita. É sabido que aqueles devem partir de um fato concreto, não podendo ser presumidos a partir de um acontecimento incerto, como no caso a inserção de alguém no mercado de trabalho..

Quanto aos danos morais são puros e independem de comprovação, defluindo naturalmente do fato ora tratado.

Quem poderia negar o trauma de uma reprovação, ainda mais nas condições acima analisadas. Certamente, trata-se de evento que jamais se apagará nas mentes de quem o viveu, mesmo que superado sob a forma de experiência ou ensinamento. E o desgosto e o desgaste que tiveram os pais com a situação é evidente.

Por tudo isso, penso que a indenização, atendidos os critérios doutrinários e jurisprudenciais usuais, deva ser arbitrada em 36 salários mínimos, para cada lesada, o que lhes dará certa compensação, servindo de incentivo ao ente público, no sentido de que coíba as práticas ora recriminadas, sem, contudo, onerar excessivamente os cofres públicos e, com isso, toda a Sociedade, de onde saem os recursos, muito embora, nem sempre aplicados em ações éticas e lícitas.

Estou, dessa forma, em PROVER PARCIALMENTE a apelação, condenando o apelado ao pagamento da indenização acima fixada, com juros legais desde a citação, que arcará, ainda, com as custas processuais e honorários advocatícios do adverso, fixados em 5 URHs.

 

 

O Des. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN: ( Presidente e Revisor) :  De acordo.

O Des. JORGE ALBERTO S. PESTANA De acordo.

 

 

Decisor(a) de 1º Grau: Paulo Ivan Alves Medeiros.