EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE MIRANDÓPOLIS
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, através de seus Promotores de Justiça desta COMARCA DE
MIRANDÓPOLIS, vem à presença de Vossa
Excelência, com esteio no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição
Federal, e na forma do art. 1º e seguintes da Lei no. 1533/51,
valendo-se da Legitimidade outorgada pelo disposto no art. 32, inciso I, da Lei
Complementar Federal no. 8625/93, e também pelo art. 121, inciso
I, da Lei Complementar Estadual nº 734/93, impetrar MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR, CONTRA ATO DA
DIRETORA DA ESCOLA MUNICIPAL “PROFESSORA SARA BEATRIZ DE FREITAS”, que pode ser
encontrada no Bairro da Primeira Aliança, nesta cidade e Comarca de
Mirandópolis, a fim de concretizar a matrícula da criança A. R. R. na terceira série do ensino fundamental, tendo em
vista que tal matrícula fora indeferida pela Diretora da Escola.
I
- DOS FATOS E DO ATO IMPUGNADO
No
início do ano letivo de 1998, a criança A., foi
regularmente matriculada na
primeira série do ensino
fundamental, na ESCOLA MUNICIPAL “PROFESSORA SARA BEATRIZ DE FREITAS”.
A
professora, notando um desenvolvimento avançado por parte da aluna, comunicou à
direção da escola, sendo que esta transferiu a criança para a segunda série,
porém, ela continuou matriculada na primeira série, ou seja, oficialmente
matriculada na primeira, contudo cursou a segunda série.
Após
o término do ano letivo, a criança foi submetida a uma avaliação para, em caso
de aprovação, “passar” para a terceira série (doc. anexo). Foi aprovada na
“prova”, mas a escola negou-se a efetuar a matrícula, devido ao procedimento
irregular realizado.
Saliente-se
que, atualmente, A. continua
cursando a segunda série do ensino fundamental, em razão do indeferimento da
matrícula para cursar a terceira série.
A
criança A. foi submetida a estudo
psico-pedagógico na Universidade Estadual Paulista Campus de Assis – Faculdade
de Ciências e Letras, sendo considerada apta
a freqüentar a 3ª série do Ensino Fundamental (doc. anexo).
Ressalte-se
que o laudo suso mencionado conclui que a criança possui maturidade suficiente
para cursar a terceira série, bem como capacidade pedagógica, porquanto
submetida a vários testes, apresentou um desempenho acima do normal para sua
idade. Assim, podemos concluir que a criança possui todas as condições
necessárias, tanto cognitivas quanto psicológicas para cursar a terceira série.
II
- FUNDAMENTO DO PEDIDO
A
autoridade coatora é, efetivamente, a Diretora da Escola Municipal “Professora
Sara Beatriz de Freitas”, que indeferiu o pedido de matrícula feito pela
interessada para cursar a terceira série do primeira
grau, alegando que tal matrícula contraria a Lei de Diretrizes e Bases (Lei no.
9394/96), em seus artigos 23 e 24 (doc. anexo).
Preleciona
o saudoso HELY LOPES MEIRELLES, in
Direito Administrativo Brasileiro. (2ª Ed., pág. 556 e 568):
“Os atos administrativos foram sempre sujeitos à correção judicial quando praticados com ilegalidade.”
“Considera-se autoridade coatora a
pessoa que pratica o ato impugnado e não o superior que o recomenda ou baixa normas para a sua execução”.
Cumpre
salientar, portanto, que a autoridade coatora é a DIRETORA DA ESCOLA MUNICIPAL
“PROFESSORA SARA BEATRIZ DE FREITAS”, eis que foi a autoridade escolar que
omitiu a prática do ato impugnado, decidindo por não concretizar a matrícula da
impetrante.
Mais uma vez citamos o Douto HELY LOPES MEIRELLES:
Considera-se autoridade coatora a
pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado e não o superior que o
recomenda ou baixa normas para a sua execução. Não como confundir, entretanto, o simples executar
material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a autoridade
superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou
inexecução do ato impugnado, e responde pelas suas conseqüências
administrativas; executar é o agente administrativo subordinado que cumpre a
ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela. Exemplificando:
numa imposição fiscal
ilegal, atacável por mandado de segurança, o coator não é nem o Ministro
ou o Secretário da Fazenda que expede instruções para a arrecadação de
tributos, nem o funcionário subalterno que cientifica o contribuinte da exigência
tributária; coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe as
sanções fiscais respectivas, usando do seu poder de decisão. (grifo nosso – STF, AJ 50/3; TJDF, AJ 50/439; TJSP, RT
202/190, 266/208 e 271/504 – Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil
Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data – 13ª ed., Editora
RT, pág. 34/35)
III - DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO
É cediço a
prevalência das Normas Constitucionais sobre qualquer outra norma emanada
quer seja do governo estadual, quer seja do governo municipal.
A
Constituição da República Federativa do Brasil nos traz que:
Art. 205 – A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208 –
O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I – ensino
fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso
na idade própria;
...
V - acesso aos níveis mais elevados
do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada
um. (grifamos)
Parágrafo 1º - acesso ao
ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
Temos
ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 54 – É dever do Estado
assegurar à criança e ao adolescente:
V – acesso aos níveis mais elevados
de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada
um. (grifamos)
Na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
Art. 4º
- O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante garantia de:
V – acesso aos níveis mais elevados
do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada
um.
Art. 24 - A educação básica, nos níveis fundamental e
médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
...
II – a classificação em qualquer
série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
...
c) independentemente de
escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau
de desenvolvimento e experiência do candidato, e permita sua inscrição na série
ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino.
(grifamos)
Art. 59 – Os sistemas de ensino
assegurarão aos educandos com necessidades especiais: (grifamos)
II – terminalidade específica para
aqueles que não puderem atingir nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em
menor tempo o programa para os superdotados. (grifamos)
Por
tanto, as normas legais, que são corolários da Norma Maior, trazem em seu bojo
a necessidade de tratamento especial e diferenciado ao educando, de acordo com
sua capacidade individual.
A
Resolução SE no. 20/98, que dispõe sobre a operacionalização da reclassificação
de alunos das escolas da rede estadual, adotada também pelas escolas
municipais, em razão do convênio de parceria Estado/Município, traz os
procedimentos a serem adotados. Em seu art. 2º:
“A reclassificação definirá a série
adequada ao prosseguimento de estudos do aluno, tendo como referência à
correspondência idade/série e a avaliação de competências nas matérias da base
nacional comum do currículo”.
Portanto,
como visto, a Resolução SE no. 20/98, contrária o sistema constitucional, bem
como as leis dele derivadas, ao negar a educação especial de acordo com a
capacidade individual de cada educando, atendo-se, única e exclusivamente ao
critério idade/série, menosprezando a capacitação individual.
Assim,
devemos seguir o critério de justiça estabelecido pela Constituição, que é, sem
dúvida, o reconhecimento dos mais capazes.
O que não pode ser restringido pelas normas infra-constitucionais,
nem tampouco por resoluções.
Ademais,
atendimento à pessoa com altas habilidades/superdotados e talentosos
respalda-se em uma série de princípios existentes nos Tratados/Convenções
Internacionais em que o Brasil faz parte, na Constituição da República, e em
Leis Federais.
A
título de ilustração:
Todo ser humano é elemento valioso
qualquer que seja a idade, sexo, idade mental, condições emocionais
e antecedente culturais que possui, ou grupo étnico, nível social e
credo a que pertença. Seu valor é inerente à natureza do homem e as
potencialidades que traz em si.
Todo ser humano, em todas as suas dimensões, é o centro e o foco de qualquer movimento para sua promoção. Princípio esse que exige uma ação integrada de responsabilidade e de realizações pluridimensionais.
Todo ser humano tem direito a
reivindicar condições apropriadas de vida, aprendizagem e ação, de desfrutar de
convivência condigna e aproveitar das experiência que
lhe são oferecidas para desempenhar-se como pessoa e como membro atuante de uma
comunidade. (Declaração Universal dos Direitos do Homem)
Na
Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das
Nações Unidas – (20/11/89):
Art. 2º - “Os Estados
Partes respeitarão enunciados na presente
Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança
sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor,
sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional ou
social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra
condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.”
Saliente-se,
por derradeiro, o trauma psicológico a que se sujeita a criança A., eis que cursou a segunda série, com
excelente aproveitamento, estando apta a cursar a terceira série, porém, teve
seu direito cerceado pela Diretora da Escola, obrigando-a a cursar novamente a
série que cursara.
IV - DA LIMINAR
Faz-se
necessária a concessão da LIMINAR, “inautida altera pars”, determinando-se a imediata
matrícula da criança A. R. R.
na terceira série do ensino fundamental, na Escola Municipal “Professora Sara
Beatriz de Freitas”.
Os
requisitos autorizadores da concessão da medida liminar se fazem presentes.
Vejamos:
O
periculum in mora (perigo da demora)
é evidente, pois estamos no curso do ano letivo e a demora na apreciação do
mérito do mandamus acarretará grandes
prejuízos à criança, sob pena de, não havendo a correção judicial imediata, a
mesma sofrer inevitável e injusto prejuízo de ordem pessoal, emocional e
psicológica na sua formação educacional, tornando-se inócua a decisão final.
O
fumus boni iuris (fumaça do bom
direito), pois a necessidade de tutela jurisdicional
requerida através do writ, foi exaustivamente demonstrado,
uma vez que houve lesão a direito líquido e certo da criança A. R. R.
V - DO
PEDIDO
Diante
do exposto, aguarda-se a concessão da segurança para reformar o ato
administrativo da autoridade coatora, tendente a compelir a mesma a proceder à
matrícula da criança A. R. R.,
na terceira série do ensino fundamental, na Escola Municipal “Professora Sara
Beatriz de Freitas”.
Requer-se, por
fim, a notificação da autoridade coatora para que preste as informações
devidas, prosseguindo-se até a confirmação definitiva da liminar e,
conseqüentemente, do mandado de segurança.
Dá-se a
causa o valor estimativo de R$ 100,00 (cem reais), para fins exclusivos de
atendimento do disposto no art. 258 do Código de Processo Civil.
Mirandópolis, 23 de março de 1999.
Promotor de Justiça Substituto
Promotora de Justiça Substituto
___________________________________________________________________ Vistos.
Ante
a relevância dos fundamentos e argumentos invocados e os evidentes prejuízos
que a criança poderá sofrer se não estiver cursando a série adequada para o seu
nível intelectual e pelo fato de que a medida poderá resultar ineficaz se for
deferida somente ao final, pois o ano letivo já se encontra em curso, o que é
suficiente para caracterizar a presença dos requisitos legais ensejadores da
concessão da medida pleiteada.
Posto
isso, defiro a liminar requerida, determinando à autoridade coatora que
matricule, imediatamente, A. R. R. na terceira série do ensino fundamental, na
Escola Municipal “Professora Sara Beatriz de Freitas”.
Com
a informação da concessão da liminar, requisitem-se informações da autoridade
coatora.
Após,
ao Ministério Público e conclusos.
Int.
Mir. d. s.
Juíza Substituta
____________________________________________________________________