PROTOCOLADO Nº 045/02

 

  

Roberto Barbosa Alves

Promotor de Justiça, SP

 

  Neste procotolado questiona-se a forma adequada de regulamentação da entrada de crianças e adolescentes a salas de cinema.

 

Esse acesso está, a meu ver, disciplinado por regras indicativas e regras proibitivas.

 

1. A primeira das regras meramente referenciais está registrada no texto constitucional. É que o artigo 21, XVI, da Constituição Federal, atribuiu à União a regulamentação das diversões públicas, mas apenas para efeito indicativo. Com idêntica natureza sobreveio a Portaria nº 796, de 8 de setembro de 2000, do Ministério da Justiça, que classificou os espetáculos públicos em livres ou inadequados para menores de 12 (doze), 14 (catorze), 16 (dezesseis) ou 18 (dezoito) anos.

 

2. Também é simplesmente indicativo o artigo 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina ao Poder Público que regulamente as diversões e os espetáculos públicos, com a finalidade de informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

 

3. Como se vê, tais dispositivos não contêm qualquer espécie de proibição. Cuida-se de normas de mera recomendação: limitando-se a estabelecer a necessidade de alguma classificação, pretendem que se observem algumas balizas que sirvam de orientação aos estabelecimentos e aos pais ou responsáveis.

 

4. Tal natureza também se extrai da idéia de inadequação, explicitamente reproduzida nos dispositivos em análise. O termo conduz somente à falta de ajuste entre a idade do assistente e o conteúdo da programação; mas dele também não se extrai a noção de proibição.

 

5. Tampouco se refere o caput do artigo 75 do Estatuto da Criança e do Adolescente a alguma proibição. Antes, trata-se de norma que garante o acesso de crianças e adolescentes aos espetáculos adequados, sem restringir o acesso àqueles que se considerem inadequados.

 

6. A norma proibitiva mais explícita aparece no parágrafo único do artigo 75 do ECA: crianças menores de 10 (dez) anos só acedem aos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dos pais ou responsáveis.

 

7. O acesso de pessoas desacompanhadas, que tenham entre 10 (dez) e 18 (dezoito) anos aos mesmos espetáculos depende da regulamentação prevista no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente. É que a lei se refere ao acesso de crianças e adolescentes a estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão, atribuindo ao Juiz da Infância e da Juventude a tarefa de disciplinar a questão, de acordo com as peculiaridades de cada caso.

 

8. A propósito, a única interpretação razoável do texto legal é aquela que entende o termo “estúdios” como referente àqueles locais de apresentação de filmes, peças teatrais ou programas de rádio e televisão, e não à participação de criança e adolescente em tais programas, que vem regulada pelo inciso II do mesmo artigo 149. Partindo-se da idéia de que a lei não deve conter termos inúteis ou supérfluos, parece evidente que o inciso I, e, do mesmo artigo, não faz referência à mesma situação.

 

9. Note-se que o dispositivo permite ao juiz a exclusiva regulamentação do acesso de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais ou responsável. Contrario sensu, sempre será possível o acesso de criança e adolescente, acompanhado dos pais ou responsável, a qualquer espetáculo público.

 

As várias situações que parecem possíveis podem, portanto, ser assim resolvidas:

 

a) o acesso de criança e adolescente, desacompanhado, a exibição de película cinematográfica depende, antes de mais nada, de disciplina através de portaria judicial ou de autorização por alvará, caso a caso;

 

b) a classificação etária é mera recomendação, que não constitui proibição de acesso; onde não houver regulamentação judicial, qualquer pessoa maior de 10 (dez) anos de idade terá liberdade de acesso, ainda que desacompanhada dos pais ou responsável, às salas de cinema;

 

c) é sempre vedado o ingresso de criança de menos de 10 (dez) anos, desacompanhada dos pais ou responsáveis, nos locais de exibição, independentemente de qualquer regulamentação adotada nas hipóteses concretas;

 

d) crianças a partir dos 10 (dez) anos e adolescentes, desde que não haja regulamentação em sentido contrário pelo Juízo mediante portaria ou alvará, terão acesso livre aos locais de exibição;

 

e) em qualquer caso, as casas de espetáculo estarão sujeitas às penalidades dos artigos 252, 253, 255 e 258, do Estatuto da Criança e do Adolescente;

 

f) os pais ou responsáveis deverão velar pelo adequado desempenho das obrigações inerentes ao pátrio poder, sob as penas da lei, observados em especial os artigos 3º, 4º e 70, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

  Este é, sub censura, meu parecer.

 

São Paulo, 24 de junho de 2002.

 

 

 

Roberto Barbosa Alves

Promotor de Justiça

Assessor