O TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO EM CASA DE TERCEIROS NO DIREITO BRASILEIRO

 

 

Oris de Oliveira

 

 

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Introdução

 

O direito brasileiro tem normas constitucionais e ordinárias específicas concernentes ao trabalho doméstico e ao trabalho infantil. Há, todavia, outras leis nacionais que se aplicam ao trabalho infantil doméstico por entendimento consolidado doutrinal e jurisprudencial. Impõe-se, pois, que se faça um estudo sistemático complexo para harmonizá-las levando em consideração as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil  com destaque para as  n.º 138 sobre Idade Mínima, e  n.º  182 sobre piores formas.

No que diz respeito à nomenclatura que se utilizará neste trabalho oportuno, algumas observações: a não ser em casos excepcionais em que se referir expressamente  ao empregado doméstico adulto, toda vez que for mencionado trabalho doméstico, se estará fazendo referencia ao trabalho infantil doméstico - TID.

A extensão da matéria a ser abordada e  as limitações sobre extensão do estudo não permitem digressões exegéticas, razão por que os direitos brasileiros sobre o tema serão abordados levando em consideração a conclusão sistemática  aplicada ao trabalho infantil doméstico, com breves comentários na medida em que a matéria abordada o exigir. Quando determinada questão não tiver atingido consolidado entendimento jurisprudencial ou doutrinal, esta circunstância será apontada no texto.

Levando-se em conta, como se verá, que o trabalho infantil doméstico no direito brasileiro só é permitido ao adolescente a partir dos 16 anos, para evitar repetições dos mesmos termos na frase,  freqüentemente se utilizará o termo “adolescente” e pelo contexto se verá  referir-se ao adolescente doméstico.

O trabalho será divido em duas partes: na primeira se expõem as normas nacionais sobre o trabalho infantil doméstico; na segunda as Convenções Internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil estabelecendo uma comparação entre as normas internacionais e nacionais.

 

Primeira parte

 

Direito brasileiro

 

I – Definição legal do trabalho doméstico

 

É doméstico o empregado que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial desta, sendo  indiferente que o trabalho seja prestado em casa de família residente no setor urbano ou rural.

Nesta conceituação três elementos são relevantes:- a) continuidade; b) finalidade não lucrativa do tomador de serviços; c) âmbito residencial.

“Continuidade”:- serviços eventuais não recebem proteção especial devido sua excepcionalidade.

“Âmbito residencial”:- importa que os serviços se executem em função da família  ou da residência desta, sendo tidos, também,  como domésticos os serviços tais como os de motorista da família, de jardinagem da residência, de enfermagem de pessoa da família.

A legislação trabalhista considera o trabalho doméstico como uma relação de emprego, embora aos empregados domésticos não sejam garantidos os  mesmos direitos atribuídos aos empregados rurais e aos urbanos.

Embora se trate de entendimento discutível, há decisões judiciais e escritos doutrinários que afirmam não se aplicar as normas sobre trabalho doméstico às prestações de serviço intermitentes. Tal entendimento tem como conseqüência:

a) A não concessão dos direitos do empregado doméstico aos faxineiros (em geral serviços de limpeza) ou diaristas (serviços gerais) trabalhadores que exercem afazeres domésticos uma ou duas vezes na semana ou com intermitência mais longa (quinzenal, por exemplo).

b) Direitos e obrigações são livremente pactuados entre o tomador de serviços e trabalhador por estarem no âmbito civil.

c)  Os  conflitos de interesses não são da competência da justiça especializada trabalhista, mas do  juízo cível. Todavia, na hipótese de o adolescente trabalhar como faxineiro, diarista (autônomo),

devem  ser observadas as normas genéricas de proteção do trabalho do trabalho infantil e do adolescente elencadas na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, entre elas, evidentemente, as que dizem respeito à idade mínima.

 

 II - Normas jurídicas que regem o trabalho infantil  doméstico

 

Enumeram-se não somente as normas que especificamente disciplinam o trabalho doméstico e o trabalho infantil, mas outras que  lhe são aplicáveis  por determinação legal, por não excluírem expressamente o trabalho doméstico,  ou por  consolidado entendimento doutrinal e jurisprudencial.

a) Constituição Federal:- Art.  7º,  Inc. XXXIII (idade mínima), Inc. e XXXIV,  parágrafo único ( direitos dos empregados domésticos);  arts. 8 e 9 (direito à sindicalização). Merece especial menção o art. 227 que sinaliza os princípios gerais que devem orientar o legislador  ordinário e as políticas públicas e ações governamentais e não governamentais concernentes aos direitos de crianças e adolescentes, sem exclusão, portanto, do trabalho infantil doméstico:-

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, direito à profissionalização sempre a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O parágrafo  3º do mesmo  artigo especifica que a proteção  especial implica respeito da idade mínima,  garantia de direitos trabalhistas e previdênciários e acesso do adolescente à escola.

b) Convenções ratificadas da OIT, merecendo especial menção a n.º 138 e Recomendação 146 (Idade mínima) e a n.º 182 e Recomendação  190 (Piores formas de trabalho).

c) Lei 5.859/72 e  Decreto 71.885/73; (Trabalho Doméstico)

d) Lei 8.069/90:- Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA especialmente arts.  60 a 69 e 248

e) Lei 10.208/2001 sobre Aplicação do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).

f) Lei 9.394/96 (Lei Diretrizes e Bases da Educação) e Decreto Regulamentar 2.208/97.

g) Leis 8.212 e 8213/91 e  Decreto Regulamentar 3048/99 sobre Previdência Social.

h) Lei 605/49 sobre Repouso Semanal Remunerado

i) Lei 7418/85 e Decreto 95.247/87(Vale transporte)

j) Consolidação da Leis do Trabalho. (CLT), cujas normas não se aplicam ao empregado doméstico, exceto quando leis a ela se remetem ou  por entendimento jurisprudencial e doutrinal.

k) Lei 9.029/95 sobre Discriminação no Emprego.

 

III - Isonomia: gênero e idade.

 

(C.F. 5 inc. 1; art.74 § Único, ECA, Lei 9029/95 art. 1)

Sabe-se que as mulheres adolescentes e adultas constituem a grande maioria das pessoas que se empenham no emprego  doméstico, sendo, pois, oportuno sublinhar as normas constitucionais e ordinárias referentes à isonomia sobre gênero e idade.

a)       Constituição  Federal, art. 5º, Inc. I :- Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

b)       “Paradoxalmente” a Constituição Federal (art. 7º, § Único) não elencou entre os direitos do empregado doméstico o Item XXX do art. 7º:- sobre  “ proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil;

c)       Em contrapartida, o ECA evidentemente não discrimina nenhuma criança e/ou adolescente dos direitos por  ele garantidos por razão de sexo e dá especial proteção à idade.

d)       Lei 9.029/95:- Art. 1º:- Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no Inc. XXXIII, art. 7º da Constituição Federal ( O Inc. XXXIII define a idade mínima de admissão ao trabalho)

 

IV – Direito individual

 

A -   Idade mínima de admissão ao emprego e ao trabalho

 

(C.F. art. 7 § Único, C 182 e C. 138)

A admissão ao emprego e ao trabalho obedece aos seguintes parâmetros:-

a)             É  proibido qualquer emprego ou trabalho abaixo dos 14 anos;

b)             A partir dos 14 aos 18 anos é permitido o trabalho em regime de aprendizagem;

c)             16 anos é a idade mínima básica para admissão para emprego ou trabalho;

d)             Abaixo dos 18 anos é proibido, sem exceção, qualquer trabalho perigoso, insalubre, penoso, noturno, prejudicial ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social.

Como conseqüência se tem que o adolescente só pode ser admitido como empregado doméstico a partir dos 16 anos.

Sem prejuízo das garantias de proteção, há nulidade do contrato se a admissão da criança ou do adolescente se fizer com desrespeito às normas sobre idade mínima com duas  conseqüências jurídicas diversas:

a)            Se a idade mínima ainda não foi atingida, há obrigação de cessar a prestação de serviços sem prejuízo de pagamento de todas as  verbas trabalhistas cabíveis e da  responsabilidade por perdas e danos  causados;

b)            Se a idade mínima já foi ultrapassada, o trabalho pode continuar e todo o tempo de serviço se computa para todos os efeitos legais.

 

B.     Na celebração do contrato

 

a)            Inexiste forma imposta por lei para a celebração do contrato, sendo válida qualquer manifestação verbal ou escrita que expresse  acordo dos contratantes. Somente nos últimos anos tem-se intensificado o uso de contrato  escrito;

b)            Apresentação de atestado de  boa conduta emitido por autoridade policial ou por pessoa idônea, atestado de saúde, este último a critério do empregador;

c)            Apresentação da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), que deve ser anotada pelo empregador, indicando data de admissão, salário ajustado, e, oportunamente, início e término das férias e data da dispensa.  Proibida qualquer anotação desabonados na CTPS;

d)            Assistência do seu representante legal (pais ou tutores), a estes incumbindo inteirar-se previamente das condições concretas  em que o trabalho será executado, assistência de supervisão que deve perdurar  durante toda a vigência e  no término do contrato, podendo exigir a não continuidade do trabalho se deste decorrer  para o adolescente qualquer prejuízo físico, psíquico, moral  ou social, neste último compreendidas condições de trabalho que não permitam a freqüência à escola e programas de profissionalização; 

Esta assistência não é dispensável  sob a discutível afirmação de que a posse da CTPS cria presunção de autoridade paterna para trabalhar. A assistência se impõe porque é sua função verificar em cada contrato qual o trabalho concreto e em que circunstâncias vai ser executado.

 

C. Na execução dos contrato

 

C. 1. Modalidades de contrato

 

O contrato pode ser de duração determinada ou indeterminada, sendo que ambas estas figuras podem ter cláusula de experiência, com possibilidade de denúncia pelo empregador logo se configure o empregado não ter  as qualificações exigíveis ou denúncia pelo doméstico se as condições de trabalho não corresponderem às suas  expectativas.

 

C. 2.  Remuneração. Irredutibilidade

 

É assegurado ao trabalhador doméstico independente de idade, o salário mínimo legal nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais e básicas e às de sua família com  moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo.

O salário mínimo é estipulado para de oito horas diárias,  quarenta e quatro semanais, ou seja  220 horas mensais. Se for pactuada duração diária  inferior, a remuneração se calcula por salário-mínimo-hora.

O salário pode ser pago parte em numerário parte em utilidades tais como habitação, alimentação, vestuário desde que não sejam para o serviço (em função do melhor desempenho do trabalho) mas pelo serviço. Nesta última hipótese, a utilidade é um “plus” que compõe a remuneração, refletindo em outras parcelas, tais como férias, gratificações natalinas.

A remuneração goza de irredutibilidade, salvo convenção ou acordo coletivo e de isonomia em relação ao trabalho do adulto.  (Art. 227 da Constituição Federal e art. 5º do ECA).

 

C. 3.   Gratificação natalina - 13º Salário

(C.F. art. 7 § Único)

 

O doméstico faz jus à gratificação natalina integral ou proporcional com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria, ou proporcional correspondente ao salário na ativa ou ao do benefício previdenciário. A proporcionalidade depende dos meses trabalhados no ano civil . O pagamento se deve efetuar metade  no mês de novembro, metade em dezembro.

 

C. 4. Vale transporte

(Lei 7418/85 e decreto 95.247/87)

 

É concedido ao empregado para seu deslocamento da residência ao local de trabalho, e vice versa. O vale-transporte é custeado pelo próprio empregado na parcela equivalente a 6% (seis por cento) de seu salário-base, excluídos quaisquer adicionais ou vantagens. O custo do transporte que exceder aos  6% (seis o cento) é ônus do empregador.

 

C.5.  Jornada de trabalho

(ECA art. 67, inc. IV)

 

Não se aplicam ao  trabalhador doméstico as normas que dizem respeito à duração da jornada de trabalho. Não, há, pois direito a pagamento de adicional de horas extras. Como, porém, o salário mínimo é calculado sobre oito horas diárias, vinte e quatro semanais e duzentos e vinte mensais,   se o trabalhador doméstico adulto ou adolescente trabalhar mais de oito horas diárias ou mais de  quarenta e quatro semanais, faz jus ao pagamento das mesmas de modo singelo sem qualquer adicional.

Em qualquer hipótese, a duração da jornada do doméstico adolescente tem que ser concretamente compatível com o horário escolar, uma vez que o trabalho não pode  impedir  a freqüência à escola.

 

C.6.  Repouso semanal remunerado e feriados

(C.F. art. 7, § Único)

 

Este deve ser gozado, preferencialmente, aos domingos, não podendo ser  compensado com  pagamento em dinheiro ou outra utilidade. Na hipótese de haver trabalho no dia do repouso semanal ou no feriado o pagamento se faz em dobro.

 

C. 7  Férias anuais remuneradas

(C.F. art. 7, § Único e C. 132)

 

O empregado doméstico tem direito a 20 dias úteis de férias após cada período de 12 meses de trabalho com direito à remuneração integral acrescida de um   terço a mais que o salário normal. É matéria discutida na doutrina e nos tribunais o direito a férias proporcionais e ao pagamento em dobro quando não concedidas nas épocas próprias.

 

C.8 . Salário maternidade - Licença da Gestante

(C.F. art. 7, § Único)

Afastamento do serviço, sem prejuízo do salário e do emprego, com a duração de cento e vinte dias, ou seja, durante a licença a adolescente  não pode ser despedida. A licença pode ser usufruída  parte antes e parte depois do parto, ou integralmente após o mesmo.

O salário do período de afastamento é custeado pela Previdência Social.

 

C.9.  Licença paternidade

(C.F. art. 7, § Único)

 

A duração é de cinco dias. A remuneração desta licença é matéria não pacífica nos tribunais e na doutrina.

 

C. 10.  Fundo de Garantia de Tempo de Serviço- FGTS

(Lei 10.208/01)

 

Trata-se de uma contribuição no montante de 8% calculada sobre a remuneração total depositada mensalmente em conta pessoal do empregado cujo levantamento se faz à época da aposentadoria. Um casuísmo legal complexo permite que  o levantamento se faça, também,  em outras ocasiões,  tais como motivo de saúde, compra de casa própria.

A concessão do FGTS ao doméstico não é obrigatória, ficando, portanto, a critério do empregador.

 

C. 11. Profissionalização – Aprendizagem

(C.F. art. 227 e ECA arts. 60-69)

 

É sabido que no Brasil o emprego doméstico é para a maioria das adolescentes  a primeira (muitas vezes, única) porta que se abre para obtenção de emprego, predominando um empirismo perverso:- à falta de qualificação correspondem  baixos salários e não obediência das normas trabalhistas.

A Constituição (art. 227) assegura ao adolescente direito à profissionalização. O ECA explicita que a formação técnico profissional deve obedecer aos seguintes parâmetros:

 

a)                                   Ser ministrada em conformidade com as diretrizes da legislação de educação;

b)                                  Preservação de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;

c)                                   Atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;

d)                                  Em horário      especial para exercício das atividades específicas exigíveis pela formação profissional.

 

O trabalho doméstico de pessoa adulta ou infanto-juvenil se realiza em âmbito residencial. Para haver a aprendizagem acoplada a um contrato de trabalho infantil doméstico, seria indispensável ALTERNÂNCIA :- uma parte “teórica” em um “centro de formação” e sua “prática” MONITORADA  no emprego. Sem essa correlação “teoria com prática” não se pode falar em aprendizagem

As normas brasileiras disciplinam a aprendizagem na empresa e não se aplicam ao empregado doméstico. O trabalhador doméstico pode, todavia, profissionalizar-se em entidades  especializadas, tendo direito  a uma jornada que lhe permita qualificar-se profissionalmente, aprimorando sua empregabilidade no exercício da profissão de doméstico ou aquisição de outra. Neste momento, porém, este direito pode  concretizar-se por acordo individual entre empregador e empregado  doméstico.

Na estrita correspondência em que se exige do empregador doméstico cumprimentos de obrigações, exige-se do doméstico um trabalho mais qualificado e menos empírico. Com o correr do tempo, o trabalho doméstico assume nas relações entre empregador e empregado doméstico um caráter profissional.

O Serviço Nacional de Aprendizagem (SENAC) e outros entidades  não governamentais têm cursos sobre afazeres próprios de hotéis e restaurantes e que podem propiciar ao adolescente empregado doméstico maior empregabilidade, inclusive fora do trabalho doméstico.

 

C.12.  Escolaridade

(ECA, arts. 53 a 59 e 67, Inc. IV)

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, obedecendo a comando constitucional dispõe que são garantidos à criança e ao adolescente o acesso e a freqüência à escola e, em havendo trabalho, este deve realizar-se em horários e locais  que permitam a freqüência à escola, normas essas que se aplicam ao adolescente empregado doméstico.

Quando esta norma é observada, a freqüência, salvo raras exceções, se faz a cursos noturnos que nem sempre oferecem uma qualidade desejável.

 

D-  Direitos na extinção do contrato

 

D. 1. Aviso prévio

(C.F. art. 7, § Único)

 

Sendo de duração indeterminada,  a denúncia imotivada do contrato pelo empregador ou pelo empregado deve ser precedida de aviso prévio de trinta dias. Se o empregador dispensar o trabalho nos trinta dias subseqüentes ao aviso prévio, deve pagar salário como se o doméstico trabalhando estivesse.

 

D.2 Indenização

(Lei 10.208/01)

 

Se o empregado doméstico  for dispensado imotivadamente (sem cometimento de falta disciplinar) e se lhe tiver sido concedido o FGTS, terá direito a levantamento das quantias depositadas no Fundo acrescidas de multa (indenização) de 40% (quarenta por cento). Fora desta hipótese  nenhuma indenização é prevista na dispensa imotivada .

 

D.3 Dispensa motivada.

(Lei 10.208/01)

 

A lei sobre FGTS (quando aplicado à empregada doméstica, inclusive, à adolescente) remete ao art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT que enumera os atos disciplinares que justificam o despedimento da empregada doméstica desobrigando o empregador de pagamento da indenização de 40% dos depósitos fundiários.

 

D.4 Dispensa discriminatória. Indenização ou reintegração

(Lei 9.029/95)

O dever de não discriminar por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade (ressalvadas as normas sobre idade mínima) perpassa  por todas as fases  do contrato. Se a dispensa se der por motivo de discriminação, cabe ao adolescente pedir a reintegração com pagamento das remuneração do período de afastamento ou indenização em dobro do período de afastamento.

 

V-  DIREITO COLETIVO

(C.F. art. 8)

No que tange aos direitos coletivos há uma situação paradoxal: tem-se conhecimento da existência de poucos sindicatos de empregadores e  um número maior mais relativamente pequeno de empregados domésticos,  mas há um entendimento, manifestado em decisões judiciais e em obras doutrinárias, que nega a empregadores e empregados domésticos o direito à sindicalização e à negociação coletiva. Um número aproximado de setenta sindicatos de empregados domésticos pediram o registro obrigatório, mas Ministério do Trabalho  se nega a atender o pedido.

Este cerceamento é inconstitucional porque a Lei  Maior  garante a liberdade  sindical, sem que haja necessidade de autorização para fundação de sindicatos, proibindo intervenção do Poder Público, impondo a limitação de um só sindicato na mesma base territorial municipal.

As entidades sindicais brasileiras durante muito tempo ficaram alheias ao trabalho infantil em geral, mas, a partir da implantação do IPEC no Brasil, muitas delas  têm se empenhado colaborando para a erradicação do trabalho infantil, sem que, porém, as atenções se tenham voltado para o infantil doméstico.

 

VI-  DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS

(Leis 8212/91,  8213/91 e Decreto reg. 3048/99)

O empregado doméstico é segurado obrigatório da previdência social, mediante contribuição pessoal e do empregador com os seguintes direitos: 

a)           Aposentadoria (somente a por invalidez pode beneficiar o adolescente doméstico);

b)           Auxílio-doença ( afastamento por motivo de saúde);

c)            Salário-maternidade  durante afastamento por (120 dias);

d)           Pensão por morte em favor de dependentes;

e)            Auxílio-reclusão em favor de dependentes;

f)             Seguro desemprego, se lhe tiver sido concedido o FGTS.

 

VII -  NORMAS ADMINISTRATIVAS.

 

ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. FISCALIZAÇÃO

 

(Decreto 55.841/65)[1]

O Brasil ratificou a Convenção 81 da OIT sobre Inspeção do Trabalho na indústria e no comércio, 1947. Ao ser regulada a matéria não se  estendeu  à inspeção ao trabalho doméstico. A atuação do Ministério do Trabalho se restringe a  dirimir divergências sobre férias e anotações da CTPS, sem poder impor de multa administrativa por falta de amparo legal. Trata-se de ações pontuais porque dependem de reclamações individuais.

O Ministério do Trabalho tem desenvolvido, nos últimos anos, uma ampla atuação visando à eliminação do trabalho infantil em geral. É  competência da Secretaria de Inspeção formular e propor as diretrizes da inspeção do trabalho,  priorizando o estabelecimento de política de combate ao trabalho infantil bem como a todas as formas de trabalho degradante, (Decreto 3.129/99, art. 14). Entre os numerosos atos administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego, merecem menção a criação de Comissão Tripartite para determinar as “piores formas de trabalho infantil a que se refere o art. 3 da convenção 182 da OIT. (Portaria GM/TEM, n.º 143 de 14 de março de 2000) e criação de Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalho do adolescente – GECTIPAS) (Portaria SIT/TEM  n.º 7 de 23 de março 2000).

Nenhum destes documentos faz menção ao trabalho infantil doméstico,   sem,  todavia, excluí-lo.

Pelas informações colhidas em várias instâncias administrativas, não consta que a inspeção do trabalho se tenha  voltado também para o trabalho infantil doméstico.  A justificativa, entre outras, apontada para tal omissão é a  impossibilidade  de o agente de fiscalização adentrar a residência particular porque a Constituição Federal estabelece que a casa é asilo inviolável, nela não podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de fragrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

 

VIII -  TUTELA JUDICIAL

(Lei 10.288/01)

A tutela judicial  dos interesses e direitos da criança e do adolescente trabalhador doméstico se faz por meio da Promotoria Pública (Federal do Trabalho e dos  Estados) do Poder Judiciário.

 

A- PROMOTORIA PÚBLICA

 

(Lei 7.347/85, CLT, art. 793, Lei 8.078/90, art. 81)

Em relação ao trabalho do adolescente, apontam-se duas funções do Ministério Público:

a)             Suprir a falta do representante legal quando o  adolescente trabalhador litiga em juízo (CLT, art. 793);

b)            Promover inquérito civil e ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, assim definidos pela Lei 8.078/90, art. 81: difusos são interesses “transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por situação de fato. Os coletivos são os transindividuais de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligas entre si ou com a parte  contrária por uma relação jurídica de base. Para desempenho destas funções o Ministério Público tem à sua disposição da  ação civil pública, que pode ser precedida de inquérito previdência preparatória.

Nos últimos anos, o Ministério Público do Trabalho e do Estadual  têm proposto inúmeras ações públicas. muitas das quais com resultados surpreendentes em defesa de crianças e adolescentes  que labutam em “piores formas de trabalho”.

Informações solicitadas da  Procuradoria Geral e Regionais revelam que   não se tem notícia de inquéritos ou ações promovidas pela Ministério Público do Trabalho ou Estadual visando o trabalho infantil doméstico. Tem-se notícia de atendimento a casos individuais de pouca expressão numérica.

 

B- PODER JUDICIÁRIO

 

(C.F. art. 5 inc XXXV e art. 114 e lei 10.288 de 20/9/2001).

Cabe aos tribunais trabalhistas julgar as ações individuais  ou  públicas   que tenham como objeto o trabalho do adolescente doméstico.

Nas ações individuais, é indispensável a assistência dos representantes legais  e, na sua falta,  pela Procuradoria do Trabalho, pelo sindicato, pelo Ministério Público Estadual ou curador nomeado em juízo. (Lei 10.288 de 20/9/2001).

Pesquisa realizada em repertórios judiciais nada encontrou de significativo quanto à existência de ações judiciais individuais e públicas que tivessem como objeto o trabalho doméstico do adolescente.

 

IX – ATUAÇÃO DA SOCIEDADE

 

(C.F. art. 227 e ECA art. 88)

A  Constituição Federal estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos da criança e do adolescente, expressamente enfatizando a proteção da idade mínima de admissão ao trabalho ou ao emprego e os direitos trabalhistas e previdênciários (art. 227).

A participação da sociedade no combate ao trabalho infantil se faz através de conselhos de direito e tutelares criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Art. 88). Os conselhos de direito de âmbito nacional, estadual e municipal são órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas fixadas em leis.

O conselho tutelar, cujos membros são eleitos, é órgão municipal permanente  e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.

Cabe a todos estes conselhos, no âmbito de suas competências, cuidar também  dos direitos de criança e adolescentes trabalhadores domésticos.

É da competência do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), órgão de composição  paritária composto por entidades governamentais e não governamentais presidido pelo Ministro da Justiça,  fixar as diretrizes nacionais de  planos de ações em favor da criança e do adolescente para todo o país.

Entre suas diretrizes destaca-se  o Plano Nacional de Prevenção   e Erradicação do Trabalho Infantil.

O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil está a cargo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, órgão, também, composto por entidades governamentais e não governamentais.

Entre as ações do CONANDA, e coordenadas com o FORUM, destaca-se o movimento pró ratificação das Convenções 138 e 182 da OIT, a participação na confecção da lista dos piores formas de trabalho infantil e as diretrizes para o Plano Nacional de Prevenção  e Erradicação do Trabalho Infantil.

A socialização e a responsabilidade de sensibilizar as instituições com competência no tema para incluir em seu plano de trabalho as diretrizes do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil está a cargo do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, órgão, também, composto por entidades governamentais e não governamentais. Até o presente momento, o Fórum criou o Grupo Temático sobre Trabalho Infantil doméstico integrado pela OIT, UNICEF, Save the Children, CEDECA-EMAUS de Belém, CENDHEC de Recife e a Fundação ABRING, entretanto não se registram iniciativas colegiadas e específicas ao interior do FORUM visando o trabalho infantil doméstico

Por outro lado, o Conselho Nacional (CONANDA) não emitiu instruções concernentes ao trabalho doméstico infantil e, também, os Conselhos Regionais não têm voltado sua atenção para este tema.

Entidades não governamentais, paralelamente ou em conjunto com a atuação destes conselhos, têm-se empenhado, com total ou parcial sucesso, na erradicação do trabalho infantil em suas áreas geográficas. Nesta ampla mobilização, merece destaque a participação do Brasil na Marcha Global contra trabalho infantil, com desdobramentos em marchas “regionais”.

Nesta atuação deve ser destacada mobilização que se fez, enfrentando resistências ou indiferenças, para que o Brasil viesse a ratificar a Convenção 138 e, posteriormente, a Convenção 182 da OIT.

Merece, todavia, especial menção o documento “ Estratégias para Combater o Trabalho Infantil no Serviço Doméstico, Relatório Final do Seminário Nacional de 8-9 de Junho 2000, OIT Brasília em que se destacaram “os elementos centrais que devem pautar a construção de uma política nacional para combater o trabalho das meninas e adolescentes no serviço doméstico”.

 

X - TRABALHO DOMÉSTICO NO PRÓPRIO LAR

 

(C. 138 art. 248)

No trabalho infantil doméstico no próprio lar, o “ tomador de serviços” não é um terceiro como acontece nos demais contratos de trabalho. No contrato de trabalho doméstico fora do próprio lar o empregado é um “terceiro” que presta serviços mediante remuneração.

Na categorização trabalhista, as pessoas, crianças, adolescentes  que executam tarefas domésticas no próprio lar não são terceiros e não se constituem, portanto, uma relação de prestação de serviços. Há, apenas, uma distribuição eqüitativa ou não eqüitativa das tarefas domésticas. Não há obrigação de remuneração como contraprestação de serviços domésticos no próprio lar. Faz parte de um processo educativo envolver os filhos na participação dos afazeres domésticos.

Sabe-se, todavia, que, na realidade brasileira, salvo raras e honrosas exceções, a distribuição não obedece a critérios eqüitativos e a incumbência da execução das tarefas domésticas recai  unicamente sobre a esposa ou sobre mulheres que compõem a família, ainda que trabalhem fora, ocasionando a “dupla jornada”. Pesquisas revelaram a grande incidência das tarefas domésticas (inclusive com a função concomitante de “tomar conta de crianças mais novas) executadas por adolescentes filhas (raramente por filhos), sobretudo quando a mãe trabalhar fora e não há creches de atendimento. Pesquisas revelam que não raro tais tarefas atribuídas a adolescentes se faz em detrimento da escolaridade e da convivência social (recreação, lazer).

Na realidade brasileira há um costume dos pais com melhor posse darem a seus filhos  uma quantia em dinheiro sob nome de “mesada”, desvinculada de prestação de serviços domésticos.

Os abusos ocorrentes só  ocasionalmente se revelam e a obrigação institucional de inibi-los  é  do Conselho Tutelar que pode socorrer-se da  intervenção da Promotoria Pública ou do Juizado da Infância e da Adolescência.

 

XI - TRABALHO INFANTIL DOMÉSTICO NO LAR SOB TUTELA OU  GUARDA

(ECA art. 33)

Comentando o art. 33 do ECA  Yussef Said  Cahali  afirma: “A guarda  obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescentes (art. 33,primeira parte): a guarda transfere ao guardião ou adolescente, a título precário, o atributo constante do art. 384 ,I do CC no sentido de que lhe compete a direção e criação do menor; como também lhe compete exigir que o menor lhe preste obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição (art. 384,VII do CC)” (Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, Comentários Jurídicos e Sociais, 3ª edição, Malheiros editores, p. 130 e 131).

As obrigações do guardião da criança e do adolescente, no que diz respeito ao trabalho doméstico no próprio lar, não se diferem das obrigações dos pais em relação a seus filhos naturais ou adotados.  Crianças e adolescentes sob guarda ou tutela têm direito ao mesmo tratamento dispensado aos filhos quanto às tarefas domésticas. A inibição de abusos quando detectados na exigência desmesurada de tarefas domésticas cabe aos mesmos órgãos (Conselho Tutelar, Ministério Público e  Juizado da  Infância).

 

XII - TRABALHO DOMÉSTICO DO ADOLESCENTE SOB GUARDA PARA PRESTAR SERVIÇOS

(ECA art. 248)

 

Há uma velha “prática”  (cujas dimensão e  permanência necessitam ser dimensionadas) de pessoas deslocarem crianças e adolescentes de outras regiões ou  cidades para prestar-lhes  serviços domésticos.  O ECA  constata o fato, mas  apenas incidentemente dele se ocupa dispondo sobre a obrigação de o adolescente ser apresentado à autoridade judicial do novo domicílio para “regularização da guarda” (art. 248).

 

Qual a situação jurídica criada com esta prática?

Tem-se uma figura de guarda híbrida diferente da “ comum” em que há uma guardião que é ao mesmo tempo empregador “stricto sensu”.

É uma irregularidade coberta com o manto da guarda utilizar-se de crianças e adolescentes antes dos 16 anos para trabalho doméstico ainda que haja remuneração em dinheiro e/ou em utilidades (moradia, roupa, alimentação, escola) .

Se o adolescente tem 16 anos ou mais, sua condição é de um “terceiro” (não um membro da família ) que, formalmente como empregado, presta serviço a outrem, embora, no caso, este “outrem” seja uma família. É circunstância irrelevante para caracterização da situação de empregada doméstica que  habite na própria casa do tomador de serviços. Empregado, portanto, com todos os direitos garantidos pelas leis que regem o emprego doméstico sem prejuízo da aplicação das normas pertinentes do ECA.

Tem-se, todavia, uma situação jurídica complexa porque a família guardiã tem, concomitantemente, as mesmas obrigações acima apontadas de quem assume uma guarda comum.

Comentando o artigo 248 do ECA,  Ida Maria Alledi de Oliveira faz as seguintes e pertinentes observações quando da regularização da guarda: “São requisitos específicos a esta modalidade de guarda: 

a)                              Indicação do serviço doméstico e do horário de sua execução pelo adolescente (art. 63, II e III do Estatuto). O horário e as condições de trabalho deverão respeitar as vedações contidas no art. 67 do ECA, sendo proibido o trabalho naquelas hipóteses;

b)                             Indicação da escola de ensino regular a ser freqüentada pelo adolescente (nome do estabelecimento, endereço e garantia de acesso). A freqüência à escola é obrigatória (art. 227,§ 3º,III da CF e art. 63, I do Estatuto) por se tratar o adolescente de pessoa em desenvolvimento (art. 69, I) e por configurar seu trabalho caráter educativo (art. 68, § 2º, in fine do Estatuto)”  ( Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 3ª edição. Ed. Malheiros, p.794)

Sabe-se que, sob o manto desta figura “atípica” de guarda, houve e há  numerosos abusos ocasionalmente detectados cabendo a sua inibição ao Conselho Tutelar, à  Promotoria Pública e ao Juizado da Infância e da Adolescência.  Uma punição cabível é a destituição da guarda. Embora  juridicamente configurado um contrato de emprego, a atuação da fiscalização administrativa do Ministério do Trabalho sofre as mesmas limitações já apontadas: impossibilidade dos agentes da fiscalização entrarem em residências  particulares.

 

XIII - PROJETOS DE LEI EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO

 

Há numerosos, muitos repetitivos, projetos de reforma constitucional ou de lei ordinária no Congresso Nacional visando outorga de direitos ao empregado doméstico sem distinção de idade, que, se um dia forem aprovados, beneficiarão o adolescente doméstico.  Nenhum deles, todavia, visa direitos específicos para o adolescente doméstico. Curiosamente, alguns projetos de lei dispõem de direito que já se acham concedidos por lei ordinárias vigentes. Fatores vários fazem com que muitos dos projetos de reforma constitucional ou de leis ordinárias não sejam votados e não se transformem em lei. Entre os projetos em tramitação merecem menção  os seguintes:

a)           Recolhimento obrigatório do FGTS (atualmente este recolhimento é facultativo);

b)           Fixação da duração da jornada  semanal de trabalho;

c)            Pagamento de adicional de horas extras, de adicional noturno, de férias proporcionais, de dias trabalhados em feriados civis e religiosos, de vale transporte, de salário-família;

d)           Concessão de auxílio acidente, de seguro desemprego, disciplinando a concessão de aposentadoria (por idade, por invalidez), de auxílio doença, de auxílio-reclusão ou de pensão;

e)            Garantia do direito de sindicalização;

f)             Proposta de desconto na prestação anual do imposto de renda calculado sobre os salários pagos ao empregado doméstico,  desde que comprovado o cumprimento integral das obrigações trabalhistas com os empregados domésticos. Para estes, o  benefício  seria indireto, tendo como conseqüência obrigar o empregador a documentar-se para possível verificação.

 

XIV- ADEQUAÇÃO LEGISLATIVA

 

Apesar de que as normas do ECA (arts 60 a 69) protejam o adolescente  como empregado é, todavia, conveniente  explicitar (sic) que  na admissão do adolescente como doméstico se exija:

 

a)                        Delimitação da duração da jornada de trabalho nunca acima de seis horas ;

b)                        Comprovação de freqüência à escola, de permanência e de sucesso no aproveitamento escolar. Tratando-se de explicitação de normas contidas no ECA, a obrigação  pode ser feita imposta por simples decreto.

 

A adequação de normas sobre trabalho doméstico em geral afetaria também o infantil.

Tem-se no Brasil uma situação toda particular. O elenco dos direitos do empregado doméstico se encontram na Constituição, que excluiu da enumeração outros aplicáveis aos demais empregados. Uma vez que o legislador ordinário pode, sem ofensa à Constituição, ou melhor, baseando-se na própria Constituição, estender a domésticos direitos que a Carta Magna não elencou, a primeira adequação a ser feita deveria ser  extensão de todos os diretos ao empregado doméstico. Não se justifica a discriminação do texto constitucional em relação ao emprego doméstico.

As normas que disciplinam concretamente os direitos garantidos na Constituição se encontram na Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, que  não se aplica ao empregado doméstico. Impõe-se um adequação para que o legislador ordinário disponha que, ao  menos quanto aos direitos  garantidos na Constituição,  se apliquem as normas celetistas.

Outro caminho que poderá ser percorrido é o de fazer uma seleção de direitos mais urgentes e politicamente mais viáveis tomando como referência alguns dos projetos de lei que já se encontram no Congresso Nacional  e, em torno dos mesmos, fazer uma mobilização social  envolvendo as associações e/ou sindicatos de domésticos, a sociedade civil organizada (CONANDA, CEDECAS, etc. ), sem exclusão de elaboração de projetos melhor elaborados,  contando com a colaboração do INESC na elaboração e acompanhamento,  poder-se-ia dar precedência aos seguintes temas:-

- Duração da jornada diária e semanal de trabalho;

- Recolhimento obrigatório do FGTS;

- Pagamento de adicional de horas extras, noturno

de férias proporcionais, 

- Pagamento de dias trabalhados em feriados civis e religiosos,

- Pagamento de  vale transporte,

-  De salário-família;

- Direito de sindicalização;

- Seguro desemprego

- Seguro contra acidentes do trabalho

 

SEGUNDA  PARTE

 

I -  NORMAS INTERNACIONAIS E NORMAS BRASILEIRAS RELATIVAS AO TEMA DO TRABALHO INFANTIL

 

Houve uma ampla mobilização social que contou com ostensivo apoio do IPEC, do CONANDA e do FORUM Nacional que resultou na ratificação pelo Brasil da  Convenção 138  e  da Convenção  182, que  passou a vigir a partir de 13 de setembro de 2000.

O retardamento da vigência da Convenção 138 no âmbito nacional decorreu da  demora do Brasil indicar a idade mínima básica: 16 anos.

O Brasil  ratificou as seguintes convenções internacionais.

1.      Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) ratificada pelo Brasil (24 Novembro 1990).

2.      Convenções da OIT sobre Trabalho Infantil.

·      Convenção n.º 5  sobre Idade Mínima  (indústria), 1919.

·      Convenção n.º 6 sobre Trabalho Noturno dos Adolescentes (indústria), 1919.

·      Convenção n.º 16 sobre Exame Médico dos Adolescentes (trabalho marítimo), 1921.

·      Convenção n.º 58  sobre Idade Mínima (trabalho marítimo), 1936.

·      Convenção n.º 124 sobre Exame Médico dos Adolescentes (trabalho subterrâneo), 1965.

·      Convenção 138 sobre Idade Mínima, 1973. (Recomendação 146) que formalmente vigerá a partir de 28 de junho do ano 2002, uma vez que o  registro  na Diretoria Geral do Escritório da OIT se deu na data de 28 de junho de 2001.

·      Convenção 182  sobre piores Formas de Trabalho Infantil, 1998

No exame do campo de aplicação (trabalho na indústria, marítimo, em subterrâneos) se evidencia que as mesmas não se aplicavam ao trabalho doméstico. Somente as Convenções 138 e 182 são aplicáveis ao emprego infantil e adolescente domésticos, impondo-se uma comparação mais detalhada entre estas Convenções e o direito nacional.

 

 

A-  Compatibilidade do direito nacional com a Convenção 138

 

Pode-se dizer com absoluta segurança que inexiste  incompatibilidade de conteúdo das Convenções 138 e 182 com as normas nacionais sobre a mesma matéria.

A idade mínima básica de 16 anos para qualquer trabalho no Brasil  está em perfeita sintonia com a elevação progressiva a que alude o art. I da Convenção 138.

É oportuno observar que o Brasil, ao ratificar a Convenção 138 ,não se utilizou da faculdade de fixar a idade mínima básica aos 14 anos (Art. 2, § 4º) nem excluiu sua aplicação a qualquer categoria de emprego ou trabalho (art. 4), nem limitou seu  campo de aplicação (art. 5º), donde se pode inferir que, no âmbito nacional a Convenção 138 da OIT se aplica integralmente e sem limitações ao trabalho doméstico infantil.

Cumpre observar, também, que a legislação nacional é mais inflexível que a Convenção 138 em dois pontos:

 

a)                   O ordenamento jurídico nacional não permite trabalhos leves antes dos 16 anos (art.7);

b)                   Não há a faculdade de autorizar o trabalho a partir dos 16 anos em locais insalubres e inseguros (art. 3, § 3).

 

O ordenamento jurídico brasileiro permite  o trabalho a partir dos 14 anos ao regime de aprendizagem na empresa, conseqüentemente, as normas não se aplicam ao trabalho doméstico. A fixação no direito nacional da idade de 14 anos para início da aprendizagem está em sintonia com o que dispõe o art. 6º da Convenção.

A faculdade prevista no art. 8º da Convenção 138 para permissões individuais para participação em representações artísticas,  não encontra óbice no direito nacional, à vista do que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA sobre mesma matéria (art. 149 §§ 1º e 2º).

Cabe, porém, uma observação sobre sanções apropriadas para cumprimento dos dispositivos da Convenção 138 (art. 9º). No direito brasileiro inexiste sanção pelo descumprimento de normas concernentes ao trabalho doméstico, tanto do adulto quanto do adolescente. Ratificando a Convenção 138, o Brasil assume o compromisso  de prever sanções ,ao menos, para o trabalho doméstico do adolescente.

 

B- Compatibilidade do direito nacional com a Convenção 182

 

Inexiste incompatibilidade formal de conteúdo entre as normas da Convenção  182 e as brasileiras sobre piores formas de trabalho infantil.

O Ministério do Trabalho criou uma Comissão tripartite com a função de definir a lista dos tipos de trabalho como piores formas de trabalho infantil. Até a data deste estudo, a mencionada Comissão realizou a última atualização da lista com a publicação da Portaria SIT/TEM n.º 20, de 13 de setembro de 2001, que elenca locais e serviços perigosos e insalubres proibidos para adolescentes.

Por razões óbvias o trabalho doméstico do adolescente não foi genericamente elencado entre os trabalhos proibidos.

 

CONCLUSÕES

 

Recente estudo (ano 2001) de Simon Schwartzman sobre Trabalho Infantil no Brasil patrocinado pelo OIT-BRASIL, revela  números absolutos e relativos muito altos de crianças e adolescentes empregados domésticos, índices que variam de região, com predominância no setor urbano. O mesmo estudo indica, também, uma desobediência generalizada e difusa das normas jurídicas de proteção ao trabalho infantil doméstico.

Espera-se que o Projeto RLA/00/53/USA traga novos e mais precisos dados ao menos quanto a regiões por ele atingidas, com que certamente, apresentação de um perfil do trabalho doméstico infantil regional sinalizando um perfil nacional não muito diferente.

Nota-se nas normas jurídicas brasileiras uma discriminação legislativa  em relação ao trabalho doméstico em geral que afeta o trabalhador adolescente, infantil: A Constituição enumera 34 direitos do trabalhador em geral, mas apenas 9 aplicam-se ao doméstico; a Consolidação das Leis do Trabalho- CLT de plano exclui a aplicação de suas normas ao empregado doméstico. 

Os projetos de leis timidamente procuram elastecer os direitos dos empregados domésticos.

Mas se normas existentes fossem de fato obedecidas, dar-se-ia um passo qualitativo relevante nas relações de trabalho do empregado doméstico em geral e do infantil doméstico em particular.

Todavia, a lacuna maior que se percebe é a inexistência de programas governamentais e não governamentais que visem melhor proteção do trabalho doméstico infantil, omissão que, em tese , não era de se esperar da parte de políticas públicas, de organismos tais como os sindicatos de domésticas e o Ministério Público que tem tido uma destacada defesa dos interesses difusos das crianças e adolescentes trabalhadores.

Chega-se, assim, à triste conclusão de que em todos os setores não há programas e estratégias específicas que visem à erradicação e proteção, nos limites em que é permitido, do trabalho infantil doméstico; os existentes, visando ao trabalho infantil em geral, não voltam suas ações para o  doméstico.

O descumprimento das normas jurídicas de proteção tem raízes profundas em toda uma cultura, que ainda traz resquícios do regime escravocrata de séculos anteriores e de um equivocado “assistencialismo” que, sob manto de dar proteção a crianças e adolescentes, especialmente do sexo feminino, as  mantinha (e ainda as mantém) como empregadas disfarçadas, a quem se negam direitos trabalhistas e previdênciários e, não raro, o direito à escolaridade e ao convívio social externo.

 

APÊNDICE

JURISTAS ESPECIALISTAS

 

O Brasil tem uma plêiade de ótimos juslaboralistas, mas uma pesquisa em suas obras revela que a maioria, ou melhor a totalidade, não tem sua atenção voltada para o trabalho infantil e do adolescente,  em seus escritos faz-se  menção das normas legais sem maiores comentários. Obras que têm por objeto o trabalho doméstico passam ao largo do trabalho infantil sem dar-lhe nenhum destaque. A pobreza na literatura especializada é reflexo do desinteresse geral acima apontado, mesmo na atuação de órgãos governamentais e não governamentais que cuidam do trabalho infantil.

Rol de juristas especialistas no direito da criança e do adolescente:

·      Ricardo Tadeu Fonseca, Procurador do Trabalho (15ª Região- Campinas), com tese de mestrado sobre aprendizagem do adolescente.

·      Viviane Collucci, Procuradora do Trabalho da 9ª Região (Paraná) e na cidade de Curitiba, com estudo sobre trabalho educativo do adolescente;

·      Lélio Bentes, Procurador do Trabalho, residente em Brasília, coordenador da Marcha Global para Erradicação do trabalho infantil.

·      Marisa Tieman, Procuradora do Trabalho da 9ª Região (Paraná), com estudo sobre trabalho infantil.

·      Paulo Frota, Juiz da Infância e Juventude em Belém do Pará, com estudo sobre “A educanda trabalhadora doméstica”,  Cadernos Moara, vol.1, n.º 3. Um dos raríssimos estudos sobre trabalho da empregada infantil doméstica.

·      Haim Grunspun:- O Trabalho das Crianças e dos Adolescentes, ed. LTr. São Paulo, 2000.

 

Merece menção o estudo sobre “ O Trabalho Doméstico de Meninas em Belém”, realizado pelo CEDECA-EMAUS e patrocinado pelo UNICEF, Save the Children em 2000.

 

Notas:

[1] Nota do Conselho Editorial do Acervo Operacional dos Direitos da Criança e do Adolescente: o Decreto 55.841/65  foi  revogado pelo Decreto 4.552/02.