O TRABALHO INFANTO-JUVENIL: UM BREVE RELATO
Fábio Müller Dutra Dias
Bacharel em Direito, SP.
Índice do Documento:
1 - Introdução – 2 - Aspectos Históricos – 3 - Apontamentos Acerca da Legislação Interna – 4 – A Organização Internacional do Trabalho – 5 - Áreas de Concentração da Mão-de-Obra Infanto-Juvenil – 6 - Conclusão.
1- Introdução
Ao se fazer uma análise dos principais fatos que norteiam a sociedade, sejam esses sociais, políticos ou econômicos, chega-se a uma nítida conclusão de que, cada vez mais, as relações entre seres humanos são regidas por princípios egoístas traduzidos por uma busca ávida da realização individual. Como conseqüência deste credo ao individualismo, manifestado pela obsessão por conquistas íntimas, toda comunidade mundial se vê envolta por freqüentes crises que ultrapassam décadas e até séculos.
Esse descaso da sociedade, aliado à ineficiência do Estado, que carrega consigo promessas e políticas sociais não concretizadas, acaba por atingir a parcela mais sensível da humanidade, representada por crianças e adolescentes, que experimentam, desde cedo, os efeitos deste profundo caos social.
Dentre os inúmeros problemas que afligem a área da infância e juventude, destaca-se o abuso da mão-de-obra de crianças e adolescentes, pois milhões delas são, cotidianamente, jogadas no mercado de trabalho sem ao menos terem adquirido uma formação física e psíquica adequada para exercerem atividades laborais.
Observando-se, dessa forma, o fenômeno da mão-de-obra infanto-juvenil, inúmeros aspectos podem ser destacados, ao se tomar por margem as principais causas e efeitos que contribuem para a contextualização de tal fato, como fatores sociais, políticos, econômicos e até culturais. Não obstante, o trabalho infantil ainda reflete aos olhos da sociedade como algo perfeitamente aceitável, tendo em vista as freqüentes disparidades econômicas advindas das relações entre os seres humanos.
Cabe ressaltar que o precoce aliciamento de crianças para que atuem no mercado de trabalho gera efeitos nefastos na vida desses jovens cidadãos, pois acaba aniquilando a principal fase de suas vidas. Ora, é do conhecimento da sociedade que a infância é um período especial da vida destinado a descoberta de valores, em que se deve dar primazia a uma formação educacional adequada que caminhe paralelamente com a maior virtude do homem, ou seja, a capacidade de sonhar.
Apesar de todo o corpo legislativo que visa à erradicação do trabalho infantil e à regulamentação do trabalho executado por adolescentes, bem como a tutela dos direitos relacionados à infância e juventude, crianças e adolescentes continuam amargando sonhos distantes da realidade, contrariando, desta forma, os ditames contidos na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90), na Consolidação das Leis do Trabalho e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei 9394/96).
A exploração da mão-de-obra infanto-juvenil deve ser vista como um sinônimo, um espelho do retrocesso social, pois o trabalho precoce amplia as "feridas sociais", na medida que contribui para geração de trabalhos informais ou subempregos aumentando assim a inobservância das garantias trabalhistas, previdenciárias e o desprezo aos direitos e garantias individuais explicitadas na Carta Magna, impedindo que jovens trabalhadores almejem um futuro melhor para suas vidas. Acabam constituindo, assim, a chamada "mão-de-obra invisível" e, segundo pondera Cuneo:
"... apesar de
representarem um percentual considerável da força de trabalho, de um lado, não
são reconhecidos como trabalhadores com direitos trabalhistas assegurados, e,
de outro, não são encarados como crianças, com seus direitos específicos
garantidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente".(1)
2- Aspectos históricos
Abordando os aspectos históricos, relativos ao exercício de atividades laborais por crianças e adolescentes, observa-se que estas, desde os mais remotos tempos, sempre auxiliaram suas famílias ou a comunidade em que viviam em tarefas domésticas. Entretanto, referindo-se ao desempenho de atividades ao qual figuravam como empregadas, constituindo-se assim a relação empregado – empregador, o período da Revolução Industrial (Grã-Bretanha, séculos XIII e XIX) caracterizou-se como o mais marcante, no que tange à exploração da mão-de-obra infanto-juvenil. Não obstante, em civilizações antigas, como a grega, a romana e a egípcia, freqüentemente, crianças e adolescentes submetiam-se ao trabalho escravo, a exemplo de seus pais; seguindo esse raciocínio, Vianna ressalta:
"no Egito, sob as
dinastias XII e XX, sendo todos os cidadãos obrigados a trabalhar, sem
distinção de nascimento ou fortuna, os menores estavam submetidos ao regime
geral e, como as demais pessoas, trabalhavam desde que tivessem relativo desenvolvimento
físico.
Na Grécia e em Roma, os filhos dos escravos
pertenciam aos senhores destes e eram obrigados a trabalhar, quer diretamente
para seus proprietários, quer a soldo de terceiros, em benefício dos seus donos".(2)
Ocorre que o período da Revolução Industrial foi marcado por intensas transformações econômicas, manifestadas pela transição de uma sociedade européia, tipicamente feudal, para a chamada "febre das fábricas", representada pela expansão do capitalismo industrial. Desta forma, as relações econômicas não mais se caracterizaram pelo mero provimento das necessidades básicas, acabando por dar causa a uma busca incessante pelo capital, gerando, conseqüentemente, a necessidade de se acumular riquezas.
Em virtude dessa busca pelo capital, empregadores, almejando um aumento cada vez maior do potencial de produtividade de suas fábricas, propiciaram o inicio de uma longa jornada histórica caracterizada pela exploração da mão de obra infantil, contribuindo assim para o surgimento de profundas lesões sociais, que se alastraram por séculos e que continuam vivas, em pleno século XXI.
O incentivo que empregadores da época encontravam, em resgatar precocemente crianças para o trabalho, vinha da ausência de leis protetivas que visassem coibir o uso de tal atividade, assim como da falta de fiscalização por parte de autoridades e principalmente pela destreza com que manipulavam crianças e mulheres trabalhadoras, por meio de longas jornadas laborais e baixíssimos salários. Desta forma, valores éticos ou morais não faziam parte dessa intensa corrida pelo capital, representada por baixos custos e vasta produção; neste sentido, Gomes e Gottschalk ponderam:
"Nenhum preceito moral ou
jurídico impedia o patrão de empregar em larga escala a mão feminina e infantil.
Os princípios invioláveis do liberalismo econômico e do individualismo jurídico
davam-lhe a base ética e jurídica para contratar livremente, no mercado, esta
espécie de mercadoria".(3)
Como conseqüência dessa expansão econômica, evidenciada pela atividade industrial, as relações trabalhistas passaram a adquirir uma temática muito mais ampla, visto que os contatos entre empregadores e empregados se tornaram muito mais coesos, em virtude do círculo de dependência gerado pela expansão do capitalismo.
Entretanto, uma enérgica onda de insatisfação diminuiu a solidez dessas relações, devido à falta de justas compensações salariais, assim como às extensas jornadas de trabalho diárias, provocando, dessa forma, fissuras morais na base constituída por trabalhadores.
O efeito gerado pela exploração de trabalhadores, observando-se que, na época, mais de 50% da mão-de-obra ativa nas fábricas era formada por mulheres e crianças, veio à tona, através de inúmeras críticas, por meio de manifestos escritos por estudiosos como Karl Marx e Friedrich Engels, que exprimiam em suas obras profunda indignação causada pela fragilidade da estrutura político-econômica vigente na época, enfocando sempre as assíduas lutas sociais:
"A história de todas as sociedades, até
hoje existentes, se confunde com a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de
corporação e companheiro, em suma, opressores e oprimidos em conflito
permanente entre si, levado a efeito numa guerra incessante, às claras ou
dissimuladamente, a qual sempre se encerrou, a cada vez, ou pela reestruturação
revolucionária da sociedade como um todo ou pela destruição das classes em
choque".(4)
Paralelamente a esses questionamentos sociais acerca das relações trabalhistas, começaram a surgir as primeiras leis protetivas, visando à redução da jornada e à regulamentação de uma idade mínima para o trabalho. Cabe ressaltar que essas normatizações sobrevieram de forma progressiva, não atingindo com unanimidade todos os setores de atividades.
Desse modo, em 1788, uma regulamentação alcançou crianças que trabalhavam na limpeza de chaminés, proibindo menores de oito anos de desempenhar esse serviço.
Posteriormente, em 1802, aprovou-se, no Parlamento inglês, a Carta dos Aprendizes, versando sobre a proibição do trabalho noturno e diminuição do período de trabalho para 12 horas.
No período compreendido entre 1819 a 1867, crianças e adolescentes que estavam submetidas ao trabalho árduo foram atingidas pelas chamadas Leis de Fábrica (Factory Acts), que concederam algumas prerrogativas a esses jovens trabalhadores, destacando, primordialmente, determinadas áreas de atuação, como fábricas de fiação, tecelagem e algodão. Todavia, a exeqüibilidade dessas concessões entranhava-se em freqüentes vícios, em virtude da facilidade que os empregadores encontravam para se desvencilhar de eventuais fiscalizações e punições.
As longas horas de trabalho, que em muitas vezes se estendiam por 16 horas diárias, foram gradativamente suprimidas por períodos menos extensos, até que, em 1889, deu-se o início da jornada de trabalho de 8 horas. Não obstante, é cediço que, até hoje, grande parte da massa que compõe o contingente de trabalho estende suas horas de serviço por períodos maiores que as 8 horas estabelecidas.
Tendo como ótica o Brasil, enfatiza-se que o trabalho infantil deita raízes no período da escravatura, onde filhos de escravos e até crianças órfãs ficavam subjugadas aos chamados senhores de engenho, realizando tarefas a mando desses. Com relação às atividades desempenhadas por crianças, Dourado e Fernandez ressaltam:
"As meninas costuravam e algumas sabiam
trabalhar muito bem com renda. Serviam de mucamas para os senhores e cuidavam
das crianças pequenas. Os meninos trabalhavam como pajem, moleque de recados,
iam buscar o correio ou o jornal Cuidavam dos cavalos, lavavam os pés dos donos
da casa e de seus visitantes, serviam à mesa, espantavam mosquitos, balançavam
a rede e carregavam objetos".(5)
Após a abolição da escravatura, não houve uma preocupação em se buscar políticas sociais que visassem o acolhimento das famílias recém libertas, bem como uma aproximação dessas com a sociedade, ocasionando assim a exclusão de grande parte da camada social.
Com a expansão das atividades industriais, imigrantes europeus se lançaram nas fábricas brasileiras, juntamente com seus filhos, pois a maioria dessas famílias vindas da Europa, necessitava da mão-de-obra de suas crianças, como forma de adquirir maiores rendimentos.
Assim, surgiram as primeiras regulamentações no país, visando a proteção de crianças inseridas no mercado de trabalho, como o Decreto nº 1313 de 1891, que proibia o trabalho de crianças em máquinas em movimento e na faxina, bem como o trabalho noturno em certos serviços.
Posteriormente, o trabalho infanto-juvenil mereceu ressalvas no que se refere à aplicabilidade legislativa no âmbito pátrio, citando-se o Decreto nº 17943 de 1927, que estabeleceu o Código de Menores, trazendo a proibição do trabalho para menores de 12 anos.
Analisando as normas constitucionais internas, as Cartas de 1934 e 1937 trouxeram a idade limite de 14 anos para o exercício de atividades laborais, assim como o destaque para a condição de aprendiz, a assistência à infância e o ensino público. Com o advento da Constituição de 1967, a idade permissiva para o trabalho regrediu novamente para 12 anos.
Todavia, a Carta Magna de 1988 traçou a idade de 14anos, como limite para o ingresso no mercado de trabalho ressalvando as atividades realizadas na condição de aprendiz, a partir dos 12 anos. Em 1998, a Emenda Constitucional nº 20, promoveu novas modificações referentes à idade limite para o trabalho, aumentando esta para 16 anos e, aos aprendizes, conferiu a idade de 14 anos.
A seguir, serão expostos alguns pontos relevantes sobre a CF de 1988, bem como a Emenda nº 20 e outros importantes meios legais que tratam da regulamentação do trabalho do adolescente e da proibição da exploração da mão-de-obra infantil.
3- Apontamentos acerca da legislação interna
Como instrumentos internos legais de proteção aos direitos da criança e do adolescente, observando as relações trabalhistas, destaca-se a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Consolidação das Leis Trabalhistas e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (L.9394/96).
A Constituição de 88 estabeleceu um novo paradigma na área da infância e juventude, ao trazer em seu bojo princípios, valores e garantias fundamentais, destacando-se o artigo 227, que traçou ditames explícitos, no que concerne à responsabilidade da atuação Estatal, familiar e social, na garantia da prioridade absoluta às crianças e aos adolescentes, reconhecidos como protagonistas maiores da sociedade.
Este importante instrumento de democracia, fruto de duas décadas de militarismo, procurou demonstrar, de forma clara, o repúdio a tudo aquilo que afronta a dignidade da pessoa humana. Destacou-se dessa forma, a imprescindibilidade da preservação dos valores humanos traduzidos por princípios e garantias fundamentais, como componentes da "força motriz", responsável pela manutenção do Estado Democrático de Direito, tecendo em seu artigo 5º direitos e deveres individuais e coletivos. Neste sentido, pondera-se as palavras de Rui Barbosa:
"Do direito individual todos os
indivíduos são credores contra o Estado, no respeito que este lhes deve."
E continua:
"Já não se vê na sociedade um mero
agregado, uma justaposição de unidades individuais, acasteladas cada qual no
seu direito intratável, mas uma entidade naturalmente orgânica, em que a esfera
do indivíduo tem por limites inevitáveis, de todos os lados, a coletividade. O
direito vai cedendo à moral, o indivíduo a associação, o egoísmo à
solidariedade humana."(7)
Ao se analisar o artigo 227 da referida Carta, enfatizando os pontos norteadores do trabalho infanto-juvenil, o § 3º, faz expressa referência ao assunto ao prever, em seus incisos I, II e III, a proteção e garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários, o acesso do adolescente trabalhador à escola e, principalmente, ao determinar a idade mínima de 16 anos para o ingresso no mercado de trabalho, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (observadas as alterações causadas pelo advento da Emenda Constitucional nº 20 de 1998, alterando a idade mínima, antes, de 14 anos para o trabalho e 12 para aprendizes).
O artigo7º do ordenamento
em questão, também tece prerrogativas sociais que dizem respeito às relações do
trabalho, determinando em seu inciso XXXIII, a "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de
18 (dezoito) e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos".
Em julho de 1990, um mecanismo pujante de resguardo aos direitos da criança e do adolescente foi lançado aos olhos de toda sociedade brasileira, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8069/90), trazendo em seu corpo a teoria da proteção integral como forma de se estabelecer uma nova visão no tratamento dado a infância e juventude.
Essa valiosa semente, edificada há pouco mais de uma década, foi conseqüência de um despertar social, indicando mudanças de direcionamento na aplicabilidade e efetivação de prerrogativas concedidas a todos os jovens cidadãos que compõem a sociedade.
Deixou de lado a teoria da situação irregular praticada em consonância com o extinto Código de Menores (L. 6698/79), que se caracterizava pela assistência prestada às crianças e aos adolescentes que se encontrassem em situação irregular, em virtude da ausência de proteção concedida pelos pais.
Assim sendo, o ECA procurou adotar os regramentos estabelecidos tanto na Constituição de 1988, como na Convenção da Assembléia Geral das Nações Unidas realizada em 1989 e com o princípio da proteção integral, amparou todas as crianças e adolescentes, estando ou não em situação irregular, lançando luzes não só em políticas assistencialistas enfocadas em situações de desconformidade social, mas sim em vários mecanismos que viabilizam a formação de cidadãos.
Ao discorrer sobre a adoção da teoria da proteção integral pelo ECA e a ruptura com a teoria da situação irregular, Fonseca enfatiza:
"Abandonou-se, portanto, a visão
meramente assistencialista que orientava os códigos de menores de 1927 e de
1979. Esta legislação contemplava aspectos inerentes ao atendimento de crianças
e adolescentes carentes ou infratores, estabelecendo política de assistência
social ou de repressão em entidades correicionais. Como exemplo dos efeitos da
doutrina da proteção integral e da ruptura com a ideologia reinante
anteriormente a 88, podemos citar algumas inovações atinentes ao campo da
cidadania. O Estatuto da Criança e do Adolescente outorga o direito de
participação na discussão sobre o currículo escolar e entidades de
implementação de política estudantil (art. 53 do ECA).
A Constituição faculta o voto aos adolescentes maiores de 16 anos".(8)
A matéria concernente ao trabalho infanto-juvenil encontra-se harmonizada entre os artigos 60 a 69 do referido ordenamento, estabelecendo uma conjuntura entre o próprio ECA e os preceitos delineados, tanto na CLT como na LDB, que tratam da questão do adolescente no exercício de atividades laborais.
Como pontos relevantes, destaca-se a idade mínima para a inserção no mercado de trabalho, previamente estabelecida na CF (16 anos para o trabalho e 14 para aprendizes, de acordo com a já mencionada EC nº 20/98) e a proibição do trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de dezoito anos. Ao tratar da aprendizagem, conceituou-se esta como sendo a formação técnico profissional, realizada segundo as diretrizes a bases da legislação em vigor, devendo seguir os parâmetros estabelecidos no artigo 63:
• Garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular
• Atividade compatível com o desenvolvimento
• Horário especial para o exercício das atividades.
Fixou-se a importância do cumprimento das prestações trabalhistas e previdenciárias, devidas ao jovem aprendiz, bem como o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
Incluiu-se também, como meta de formação do adolescente, o trabalho educativo, caracterizado pela prevalência do aspecto pedagógico sobre o produtivo.
Menciona, em seus artigos 64 e 65, a importância da concessão de bolsa aprendizagem, assim como o cumprimento das prestações trabalhistas e previdenciárias devidas ao jovem aprendiz. Observa-se também o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho (art 69).
Como meta de formação do adolescente, incluiu, em seu artigo 68, o trabalho educativo caracterizado pela prevalência do aspecto pedagógico sobre o produtivo, ministrado por entidade governamental ou não governamental sem fins lucrativos. Contudo, a remuneração que o adolescente vier a receber pelo seu trabalho ou em virtude da venda dos produtos de seu trabalho, não descaracteriza o aspecto educativo, conforme o § 2º do artigo 68 do Estatuto.
"O trabalho educativo difere
essencialmente do estágio, que volta-se a dar efetiva
experiência ao estudante do conhecimento teórico obtido, preparando-o para
inserção no mercado de trabalho. Difere também da aprendizagem descrita na lei
10.097/2000, por não conter os elementos que a caracterizam. A atividade
desenvolvida como trabalho educativo tem por objetivo proporcionar ao
adolescente a aquisição de uma habilidade ou o desenvolvimento de um dom, para
que tenha condições futuras de, querendo, dele se utilizar como profissão,
ocupação, trabalho."(10)
Sendo assim, se faz precisa a distinção entre aprendizagem escolar e empresarial, tomando, desta forma, os ensinamentos que Fonseca traça sobre a questão, ao enfatizar:
"A primeira subdividi-se
em estágio profissionalizante (Lei nº6494/77) e em formação propiciada por
escolas de profissionalização.
A aprendizagem empresarial, ao seu turno,
dá-se por meio do contrato de aprendizagem da CLT e da aprendizagem metódica na
própria empresa".(11)
E ao discorrer sobre o trabalho educativo, o autor é preciso:
"Considerando-se as características da
legislação que regulamenta a matéria, se o trabalho educativo se desenvolve em
empresas por intermédio das entidades, aproximar-se-á da aprendizagem
empresarial e, desse modo, ensejará o direito à proteção trabalhista e
previdenciária, tal como dispõe o inciso II, do § 3º, do artigo 227 da
Constituição Federal e o artigo 65 do ECA, que confere
proteção aos aprendizes. Se o trabalho educativo se prestar, apenas, no
interior das entidades aproximar-se-á da aprendizagem escolar, sendo
desnecessária a concessão de direitos trabalhistas."(12)
Transferindo para o âmbito da CLT, a matéria concernente ao trabalho do menor de 18 anos, observa-se que tal ponto encontra alicerces entre os artigos 402 a 441 da referida normatização e, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, suportou sensíveis alterações, com o advento da Emenda Constitucional nº 20.
Desta forma, os efeitos da teoria da proteção integral e da prioridade absoluta, já devidamente explicitadas nesta missiva, alcançaram os regramentos contidos na CLT, que versam sobre as atividades, as quais menores de 18 anos encontram-se inseridos.
Urge ressaltar alguns comandos de suma importância, acerca de tais atividades, como a proibição do trabalho infantil, bem como do adolescente de 14 a 16 anos, a possibilidade do trabalho como aprendiz dos 14 aos 18 anos e o trabalho permitido aos adolescentes que se encontram na faixa etária dos 16 aos 18 anos, contudo, sendo defeso a estes que exerçam atividades penosas, insalubres, perigosas (artigo 193 CLT) e noturnas realizadas entre as 22h e às 5h do dia seguinte (artigo 73 § 3º da CLT).(13)
Vinculando-se os maiores de 16 e menores de 18 anos em atividades laborais, deverão ser respeitados os ditames estabelecidos no contrato de trabalho firmado entre empregado e empregador, sendo assim, a CLT é clara ao tecer o seguimento de certas formalidades, como a necessidade da assistência dos responsáveis nos casos de rescisão contratual, em que é vedado ao menor de 18 anos dar quitação ao empregador pelo recebimento da indenização que lhe for devida (art 431).
Entretanto, algumas formalidades poderão ser desconsideradas, como a permissão concedida aos jovens trabalhadores para que assinem recibo pelo pagamento do salário, assim como a expedição da Carteira de Trabalho, sem a necessidade da presença de seus representantes.
O artigo 405, inciso II, § 3º dispõe sobre as atividades consideradas prejudiciais à moralidade do adolescente, tais como os serviços desempenhados em teatros de revistas, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos, bem como empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes, dentre outras atividades. Contudo, para estas atividades supra citadas, o artigo 406 confere a possibilidade de serem exercidas por adolescentes, desde que não atentem contra a formação moral, possuam finalidade educativa e se verifique a necessidade de subsistência do adolescente, ou de seus pais, irmãos ou avós, por meio destas, devendo ser precedidas de autorização judicial; o mesmo se aplica aos trabalhos realizados em ruas praças e outros logradouros.
Verificado o desempenho por adolescentes de atividades lesivas à moralidade, ou ao desenvolvimento físico e psíquico, a autoridade competente poderá obstar o exercício de tais funções, devendo a própria empresa prontificar-se na substituição do serviço. A inobservância destes preceitos poderá ocasionar rescisão contratual, nivelando-se ao regramento contido no art 483 da CLT, facultando ao responsável pelo adolescente, sempre que examinada a possibilidade de seqüelas físicas ou morais, pleitear a extinção do referido contrato de trabalho, conforme dispõe os artigos 407 e 408 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Destaca-se ainda, como meios legais de impugnação aos abusos cometidos contra adolescentes inseridos no mercado de trabalho, a proibição de períodos de repouso no local de trabalho (art 409 CLT). Tendo em vista a duração da jornada de trabalho, seguem-se as disposições traçadas à jornada de trabalho geral, 8 horas diárias (art 411 CLT) e intervalos de 1h a 2h, para repouso e refeição, observando-se um período de repouso nunca inferior a 11 h entre uma jornada e outra (art 412 CLT).
Enfatizando os serviços prestados por adolescentes e a possibilidade da realização de horas extras, o art 413 é preciso, ao pautar em suas linhas a vedação da prorrogação da jornada normal diária, salvo:
"I - até mais 2
(duas) horas independentemente de acréscimo salarial, mediante convenção ou
acordo coletivo nos termos do Título VI* desta Consolidação, desde que o
excesso de horas em um dia seja compensado pela diminuição em outro, de modo a
ser observado o limite máximo de 48 (quarenta e oito)** horas semanais ou outro
inferior legalmente fixado.
II – excepcionalmente, por motivo de força
maior, até o máximo de doze horas, com acréscimo salarial de, pelo menos, 25%
(vinte e cinco por cento)*** sobre a hora normal e desde que o trabalho do menor
seja imprescindível ao funcionamento do estabelecimento.
Parágrafo único – Aplica-se à prorrogação do
trabalho do menor o disposto no art. 375, no parágrafo único do artigo 376, no
art 378 e no art 384 desta Consolidação**** ".(14)
No que se refere à proteção do horário escolar, tal responsabilidade é transferida aos pais, responsáveis legais e empregadores, conforme descrito nos artigos 424 e 427 e, segundo Pereira:
"Mereceu destaque do legislador
trabalhista a proteção à escolaridade, qual foi reforçada pelo Estatuto. O
art.424 – CLT, impõe aos pais o dever de afastar os menores de empregos que
diminuam consideravelmente suas horas de estudos e o art. 427 estabelece o
dever, dos empregadores, de conceder tempo ao adolescente para que este freqüente
as aulas estabelecendo ainda, no § único do mesmo artigo, a obrigação de manter
local apropriado em que lhes seja ministrada a instrução primária quando a
escola estiver a meia distância de dois quilômetros.
As férias do empregado adolescente deverão coincidir com as da escola (art 136
– CLT) e não poderão ser fracionadas".(15)
As normas alusivas à aprendizagem técnico-profissional direcionadas aos adolescentes maiores de 14 anos encontram-se conjeturadas, tanto no ECA como também são aplicadas em consonância, tanto pela CLT, como pela lei 10.097/00, que instituiu novos regramentos sobre a aprendizagem.
Importante ressaltar que a aprendizagem técnico-profissional visa a formar concomitantemente cidadãos de direitos e profissionais, não podendo, assim, se dissociar do aspecto educativo, qualificando profissionais e ao mesmo tempo dando primazia ao aspecto educacional.
A aprendizagem profissional apresenta um modelo estrutural próprio de características peculiares voltadas ao adolescente aprendiz, não se esbarrando, desta forma, com os regramentos trabalhistas referentes ao jovem maior de dezesseis anos que se encontra no mercado de trabalho, entretanto, sem estar submetido ao programa de aprendizagem. Segundo as diretrizes estabelecidas ao processo de aprendizagem, seguem-se os ensinamentos de Oliveira:
"A aprendizagem é, pois, a fase
primeira de um processo educacional (formação técnico-profissional) alternado
(conjugam-se o ensino teórico e prático), metódico (operações ordenadas em
conformidade com um programa em que se passa do menos para o mais complexo),
sob orientação de um responsável (pessoa física ou jurídica) em ambiente
adequado (condições objetivas: pessoal docente, aparelhagem,
equipamento)".(16)
O contrato de aprendizagem possui características especiais, vinculando-se inicialmente em um prazo determinado de dois anos, sendo ajustado por escrito, ao qual o empregador firma o compromisso de garantir ao aprendiz formação técnico profissional seguindo as bases metodológicas supra-citadas, respeitando o desenvolvimento físico, moral e psicológico do adolescente, sendo que este deve executar as tarefas necessárias para tal formação, com zelo e diligência, conforme o disposto no artigo 428 da CLT.
Seguindo os parâmetros traçados relativos à aprendizagem, para que o contrato de aprendizagem se torne válido, será necessária a anotação na Carteira de Trabalho, matrícula e freqüência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica, estabelece o parágrafo único do referido artigo.
"O adolescente, na condição de
aprendiz, tem direito à assinatura da carteira de trabalho, ao salário
mínimo/hora e demais direitos trabalhistas, inclusive FGTS. Quanto ao FGTS, a
alíquota fica reduzida para 2% nos termos do artigo 2º da Lei 10.097/2000, que
acresce o parágrafo 7º ao artigo 15 da Lei 8.036/90, dispondo nesse
sentido".(17)
Na aprendizagem, serão ministradas tarefas de ordem teórica e prática entre as empresas e os órgãos que compõem o Serviço Nacional de Aprendizagem (SESI, SENAI, SENAT, SENAR), sendo obrigatório aos estabelecimentos, seja qual for sua natureza, empregar e matricular, nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, não menos que 5% e 15% no máximo, de trabalhadores submetidos a funções que necessitem de formação profissional, regendo-se, desta forma, os ditames preceituados no artigo 429 da CLT e, na falta de cursos ou vagas a serem oferecidos pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, o artigo 430 é elucidativo ao mencionar:
"Art 430. Na hipótese de
os Serviços Nacionais de Aprendizagem não oferecerem cursos ou vagas
suficientes para atender a demanda dos estabelecimentos, esta poderá ser
suprida por outras entidades qualificadas em formação técnico-profissional
metódica, a saber:
I – Escolas Técnicas de Educação;
II – entidades sem fins lucrativos, que
tenham por objetivo a assistência ao adolescente e à educação profissional,
registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
§ 1º As entidades mencionadas neste artigo
deverão contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de
aprendizagem de forma a manter a qualidade do processo de ensino e avaliar os
resultados".
Ainda como ponto relevante, que direciona a aprendizagem, destaca-se o período de seis horas diárias para a jornada de trabalho do aprendiz, sendo vedadas a prorrogação e a compensação de jornada; podendo ser estendida até oito horas, se concluído o ensino fundamental, se nelas forem computadas as horas destinadas à aprendizagem teórica, segundo as regras do artigo 432.
Como modelo de aprendizagem escolar ministrada ao adolescente, destaca-se o estágio, previsto pelo ECA e regulamentado pela Lei 6.494/77, com alterações produzidas pela Lei 8.859/94 e pela Medida Provisória 2.164-41/01. O estágio visa proporcionar ao estudante noções práticas sobre o conhecimento teórico adquirido na instituição de ensino e, segundo o artigo 4º da Lei 6494/77, este não gera vínculo empregatício, podendo o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação a ser acordada.
"O estágio visa à complementação do
ensino recebido pelo estudante no estabelecimento escolar a que se vincula,
devendo, portanto, proporcionar experiência prática correspondente ao
conhecimento recebido. A instituição de ensino é responsável pelo programa de
estágio a ser cumprido pelo estudante na empresa ou ente público, planejado,
executado, acompanhado e avaliado por ela, segundo os currículos, programas e
calendários escolares. O estabelecimento escolar também deve zelar para que o
estágio proporcione a experiência buscada,
facilitando tanto o exercício futuro de uma atividade profissional, como a
visão prática do conhecimento teórico recebido."(18)
4- A Organização Internacional do Trabalho
A Organização Internacional do Trabalho despontou para o cenário mundial, no ano de 1919, através do Tratado de Versalhes, trazendo princípios e fundamentos atinentes ao âmbito trabalhista internacional, rompendo barreiras entre nações, como forma de estender e dar primazia a compromissos sociais pautados em relações trabalhistas.
Com o passar das décadas, tais relações se tornaram mais intensas em conseqüência da visível expansão da economia capitalista e, caminhando "lado a lado" a este processo de crescimento do capitalismo e intensificação das relações entre empregadores e empregados, o surgimento de freqüentes crises sociais e o crescimento alarmante da pobreza e da miséria, evidenciaram uma necessária e conseqüente propagação de direitos e garantias individuais, voltadas à prevalência dos direitos humanos, para o universo do direito do trabalho.
Levando-se em conta a sedimentação do trabalho infantil no mundo, a OIT se tornou uma referência mundial no que concerne à adoção de medidas visando à erradicação deste tipo de atividade, bem como à proteção aos direitos relativos aos adolescentes trabalhadores. Tais mecanismos, lançados ao mundo por esta instituição, primam sempre pela harmonização das relações trabalhistas e pelo combate de toda e qualquer forma de exploração no mercado de trabalho, principalmente, quando atingem crianças e adolescentes.
A Organização Internacional do Trabalho dispõe de inúmeros programas enfatizando o uso da mão-de-obra infanto-juvenil, dentre eles, o IPEC (Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil), que se destaca pela sua ampla abrangência, tendo em vista os altos índices de concentração de mão-de-obra infantil, presentes em grande parte nos países subdesenvolvidos.
Ao passo que a OIT firma compromissos objetivando o combate ao trabalho infantil, tais metas de atuação são estendidas igualmente, à luta contra a miséria, à preocupação com questões de ordem educacional e à eliminação de estimas culturais que ainda ecoam na sociedade, enfocando o trabalho infantil como algo normal, uma conseqüência natural das intensas disparidades econômicas advindas das relações humanas.
"Atualmente, o governo brasileiro
participa do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil –
IPEC/OIT, subsidiado com recursos de países da União Européia. Este programa é
coordenado no âmbito do Ministério do Trabalho pela Secretaria de Fiscalização
do Trabalho – SEFIT, desenvolvendo ações em parceria com órgãos governamentais
e ONG’s, centrais sindicais e entidades empresariais com o objetivo de
prevenir, afastar, proteger ou reabilitar trabalhadores infantis".(19)
Tendo como finalidade ampliar o campo de abrangência envolvendo o trabalho infantil, a OIT dispõe não só de programas, mas também realiza várias Convenções e Recomendações vinculadas ao tema, vociferando a necessidade da preservação dos direitos e garantias desses jovens trabalhadores. A relevância de tais Convenções não esbarra pura e tão somente na instituição de normas a respeito do tema, mas principalmente na incorporação e efetivação dessas regras no ordenamento pátrio de cada país membro da desta instituição.
Como instrumentos importantes de proteção a crianças e adolescentes no âmbito trabalhista, ratificados pelo Brasil, destacam-se as Convenções nº 5 de 1919, versando sobre a idade mínima no setor industrial; a nº 6, de 1919, versando sobre o trabalho noturno na indústria exercido por adolescentes; a nº 7, de 1920, estabelecendo normas sobre a idade mínima em trabalhos marítimos; a nº 16, de 1921, dispondo sobre a realização de exames médicos em adolescentes em trabalhos marítimos; a nº 58, tratando também sobre o trabalho marítimo; a nº 124, de 1965, sobre a realização de exames médicos em adolescentes em trabalhos subterrâneos e as Convenções 138, de 1973 e 182, de 1999.
As Convenções nº 138, versando sobre a idade mínima de 15 anos para a admissão no mercado de trabalho e nº 182, dispondo sobre as piores formas de trabalho infantil, são consideradas como as mais importantes e, juntas, formam um eficaz instrumento na luta contra o trabalho infantil. A Convenção nº 138 abrangeu todas as Convenções realizadas até 1973, atingindo todos os setores de atividade, possuindo como característica sua flexibilidade, pois, ao firmar a idade mínima de 15 anos para a admissão no trabalho, permitiu a adequação progressiva dos termos traçados ao ordenamento jurídico interno dos países signatários desta Carta, admitindo exceções à regra principal, e, conforme dispõe Pereira:
"A Convenção nº
138 de 1973 admite emprego ou trabalho de crianças em ‘serviços leves’, a
partir de 13 anos de idade. Autoriza o trabalho em geral a partir da idade
mínima de 14 anos e, a partir dos 12 anos, para ‘trabalho leve’, sobretudo, nos
países cuja economia e serviços educacionais estejam insuficientemente
desenvolvidos, permitindo-o pelo tempo que perdurar essa situação. Admite-se,
também, sejam excluídas da convenção limitadas categorias de emprego ou
trabalho, as quais representam problemas especiais com sua aplicação, enquanto
esses existirem. Autoriza os países membros, cuja economia e serviços
administrativos estejam insuficientemente desenvolvidos, a limitar, numa
primeira etapa, o alcance da convenção, desde que aplicável no mínimo à
mineração e pedreira, indústria manufatureira, construção, serviços de
eletricidade, gás, água, serviços sanitários, transporte, armazenamento e
comunicação, plantações e outros empreendimentos agrícolas explorados,
principalmente para fins comerciais".(20)
A Convenção nº 182 da OIT, realizada em 1999 e ratificada pelo Brasil em 02 de fevereiro de 2000, discorre sobre as piores formas de trabalho infantil e tem, como meta primordial, a divulgação e efetivação de mecanismos que objetivem erradicar através de ações imediatas todas as atividades que venham trazer seqüelas físicas e psíquicas, atentando contra a saúde, moralidade e segurança de crianças, incluindo o emprego no tráfico de drogas e na prática de atividades pornográficas.
O artigo 3º desta Convenção traz um rol de diversas modalidades consideradas como as mais prejudiciais, atingindo intensamente a dignidade de crianças, todavia, estas modalidades deverão ser especificadas no ordenamento jurídico interno de cada país signatário da Convenção (no Brasil as atividades encontram-se catalogadas na Portaria MTE/SIT 6, de 05/02/01).
Cabe ressaltar, também, a importância, não só da OIT como da ONU, na elaboração de documentos que tutelam direitos e garantias a crianças e adolescentes, como a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924; consolidada na Declaração dos Direitos da Criança adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1959; a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948; assim como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989.
5 – Áreas de concentração da mão-de-obra infanto-juvenil
Infelizmente, seriam necessárias inúmeras páginas para uma precisa descrição, pautada na vastidão de atividades executadas por crianças e adolescentes que desde a mais tenra idade, ingressam no mercado de trabalho e assistem, pacientemente, a aniquilação de seus direitos, muitas vezes, enraizados em simples fundamentos teóricos.
Em abril de 2003, o IBGE divulgou dados sobre uma pesquisa referente ao trabalho infantil no Brasil, mostrando a dura realidade de cinco milhões e meio de crianças e adolescentes, que labutam diariamente, nos mais variados ramos de atividade, buscando o "pão de cada dia". Quase trezentas mil têm entre cinco e nove anos e cerca de dois milhões têm entre dez e quatorze anos, sendo que mais da metade dessas crianças e adolescentes utilizam produtos químicos, máquinas e ferramentas.
Analisando a jornada de trabalho, um terço das crianças e adolescentes que exercem atividades laborais estendem suas horas de trabalho para mais de 40 horas por semana, sendo que 43,4% exercem algum tipo de atividade agrícola e 45,2% fazem trabalhos domésticos.
Dentre os Estados brasileiros onde a concentração da mão-de-obra infanto-juvenil é maior, destacam-se os Estados de São Paulo, Mato Grosso e Rondônia, observando-se que, na região Nordeste, é maior o número de trabalhadores que possuem entre 5 e 14 anos. Levando-se em conta a remuneração pelo trabalho, 48,6% não recebem salário e, dos que adquirem remuneração, 76% recebem até um salário mínimo por mês.(22)
Com maior ou menor intensidade, a mão-de-obra de crianças e adolescentes esta presente nas mais diversas ocupações e em todas as regiões do país, destacando-se os serviços em salinas, cultura do sisal, do fumo, serviços em cerâmicas, tecelagem, colheita da laranja, cana-de-açúcar, café, algodão, milho, maçã, melancia, mandioca, banana, o trabalho em olarias, carvoarias, garimpos, na extração vegetal, quebra de concreto, serrarias e madeireiras.
Nos pequenos, médios e grandes centros urbanos, também é expressiva a presença de crianças e adolescentes, em diversos setores que compõem a economia informal, incluindo-se o trabalho em lixões, serviços domésticos e na chamada economia clandestina, representada pela prostituição infantil e pelo narcotráfico.(23)
Enfatizando o trabalho de crianças na extração do sisal, o Globo repórter divulgou matéria, em agosto de 2003, a qual relata:
"Sertão da Bahia,
cenário de miséria e riquezas. Plantações de sisal a perder de vista. O país é
o maior exportador mundial de fibras. Bom negócio para poucos. Um preço alto
demais para crianças da região.
A Constituição e o Estatuto da Criança e do
Adolescente proíbem o trabalho infantil, mas nos municípios que ainda não
contam com nenhum programa do governo, a lei da sobrevivência é mais forte.
Em São José do Jacuípe, no sertão da Bahia,
todos os dias crianças cumprem a mesma sentença: o trabalho duro na extração do
sisal. Cortar a planta exige atenção – na ponta da folha, os espinhos e a
substância que irrita a pele".(24)
Nos centros urbanos, é visível a constatação de crianças e adolescentes, que deixam os estudos em segundo plano, para enfrentar a dura batalha pela sobrevivência e, como se não bastasse a presença destas em setores da economia informal, estando subordinadas à exclusão social, milhares delas acabam se deslocando para o narcotráfico e para a prostituição, mencionando, outrossim, a constante presença de crianças e adolescentes, em sua maioria mulheres, no trabalho doméstico. Tratando sobre a questão, Grünspun pondera:
"Nesta atividade acontece um tipo
de exploração que não se vê, ou não se considera, por se tratar, para muitos,
de uma atividade tradicional. A exploração da mão-de-obra dessas meninas
acontece nos lares de classe média e de alta renda, que são os grandes
empregadores. Nestes locais não há como ocorrer nenhum tipo de fiscalização por
parte do Ministério do Trabalho nem dos Conselhos Tutelares".(25)
6 – Conclusão
Sejam quais forem as atividades desempenhadas por crianças e adolescentes, resta à sociedade o fiel compromisso em travar uma intensa luta, visando à erradicação do uso da mão-de-obra infantil, à observância das regras estabelecidas ao trabalho do adolescente, assim como à efetivação dos direitos e garantias destinadas à área da infância e juventude.
Conforme visto, a cobiça dos homens por riquezas não encontra obstáculos e isso se traduz na facilidade que estes encontram em atuar diretamente na fragilidade e na inocência de quem ainda se encontra em formação, ou seja, crianças e adolescentes.O abuso do trabalho infantil rompe barreiras históricas, ultrapassa séculos e ainda se revela como uma ferida de difícil cicatrização.
Não restam dúvidas de que um grande passo foi dado na área da infância e juventude, ao se plantar no ordenamento jurídico brasileiro uma valiosa semente intitulada Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas como enxergar políticas sociais coesas, que objetivem a erradicação desse mal e optem pela estruturação do processo educacional dentro da fragilidade social e econômica do país?
Neste contexto, ressalta-se a necessidade da atuação direta do Estado, da sociedade e da família no alinhamento de políticas sociais de amplo alcance e que não atuem apenas em "doses homeopáticas". Desta forma, não deve cingir-se pura e tão somente, na instituição de leis, mais sim, na criação de programas sociais de geração de renda, de incentivo à educação e combate à evasão escolar, intensificando a fiscalização e punição daqueles que se utilizam dessas atividades, pois a omissão é a principal aliada do desamparo e do retrocesso social.
O resgate da dívida social adquirida pela falta de consideração da sociedade por crianças e adolescentes, protagonistas desta, é medida mais do que primordial, pois crianças despertam sonhos, e ao se dignificar a formação destas, valoriza-se o próprio ser humano.
NOTAS:
1. CUNEO, Mônica Rodrigues. Erradicação do Trabalho Infantil e Regulamentação do Trabalho do Adolescente. Revista Igualdade. Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Paraná. Curitiba out/dez 2000. vol. 8. nº 29. p. 56.
2. VIANNA, Segadas apud GUNTHER, Luiz Eduardo. Reflexões sobre o Trabalho do Menor. Revista Igualdade. Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Paraná. Curitiba jan/mar 1998. Ano VI nº XVIII. p. 13.
3. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson apud GUNTHER Luiz Eduardo. Reflexões sobre o Trabalho do Menor. Revista Igualdade. Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Paraná. Curitiba jan/mar 1998. ano VI nº XVIII. p. 14.
4. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto Comunista (Manifesto Del Partido Comunista, Turim, Eineudi, 1978; Harold J. Laski, O manifesto comunista de Marx e Engels, trad. Regina Lúcia F. de Moraes, 2. ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1978; Manifesto do Partido Comunista, São Paulo, Global, 1981.) apud ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 1994. p. 263.
5. DOURADO, Ana e FERNANDEZ, Cida. Uma História da Criança Brasileira. CENDHEC – Centro Dom Hélder Câmara de Estudo a Ação Social - Recife. Palco – Belo Horizonte, 1999. pgs 48 e 49.
6. BARBOSA, Rui. Teoria Política. Rio de Janeiro, W.M. Jackon Inc. Editores, 1950, Col. Clássicos Jackon apud ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 1994. p. 315.
7. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A Idade Mínima para o Trabalho. Proteção ou Desamparo. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/F0075.doc. Acesso: 22/09/03.
8. Ministério Público do Trabalho. Trabalho Educativo. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/trab_inf/ilicitas/index.html/adolescente/educativo.html. Acesso: 08/08/03
9. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques. A Idade Mínima para o Trabalho. Proteção ou Desamparo. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/F0075.doc. Acesso: 22/09/03.
10. FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A Idade Mínima para o Trabalho. Proteção ou Desamparo. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/F0075.doc. Acesso: 22/09/03.
11. As atividades penosas acabam por exigir um emprego de força muscular acima de 20 quilos, para os trabalhos contínuos; e 25 quilos, para os ocasionais (art 390 CLT), as atividades relacionadas como insalubres são aquelas que expõem a saúde a perigos num patamar acima do estabelecido como limite de tolerância (art 189 CLT).
12. * O título VI da CLT, trata das Convenções de Trabalho, definidas no artigo 611 como acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas representações, às relações individuais do trabalho.
13. ** 44 horas, de acordo com o artigo 7º, inciso XIII da CF de 88.
14. ***A remuneração mínima para o trabalho extra, pela CF de 88, é 50%, de acordo com a artigo 7º, inciso XVI, da CF de 88.
15. **** Os artigos 375 e 378 foram revogados pela Lei 7855, de 24/10/89, que dispõe sobre a atualização dos valores das multas trabalhistas, amplia sua aplicação, institui o Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho e dá outras providências.
16. PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: Uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 341
17. Oliveira, Oris de. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTR, 1994. p. 89.
18. http://www.pgt.gov.br/trab_inf/ilicitas/index.html/adolescente/aprendiz.html. Acesso em: 08/08/03
19. Ministério Público do Trabalho. Estágio. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/trab_inf/ilicitas/index.html/adolescente/estagio.html. Acesso: 08/08/03
20. Ministério da Previdência e Assistência Social – Secretaria de Assistência Social. A Trajetória do Combate à Exploração do Trabalho Infantil. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/0086.doc. Acesso em: 03/09/03
21. PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: Uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 335
22. Fonte: www.globo.com/jornalhoje. Data de acesso: 16/04/03
23. Informações extraídas da fonte: PEREIRA, Irandi. Revista A CUT contra o trabalho infantil. Onde e em quê trabalham as crianças. Na cidade e no campo, de Norte a Sul. P. 17-18
24. Fonte: http://redeglobo6.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGCO-2703-118-5-2465,00.htm. Acesso: 25/09/03.
25. GRÜNSPUN, Haim. O trabalho das crianças e dos adolescentes. São Paulo: LTR, 2000. p.44
Referências bibliográficas
1- ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.
2- CUNEO, Mônica Rodrigues. Erradicação do Trabalho Infantil e Regulamentação do Trabalho do Adolescente. Revista Igualdade. Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Paraná. Curitiba out/dez 2000. vol. 8. nº 29. p. 56.
3- DOURADO, Ana e FERNANDEZ, Cida. Uma História da Criança Brasileira. CENDHEC – Centro Dom Hélder Câmara de Estudo a Ação Social - Recife. Palco – Belo Horizonte, 1999.
4- Fonte: www.globo.com/jornalhoje. Data de acesso: 16/04/03
5- Fonte: http://redeglobo6.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGCO-2703-118-5-2465,00.htm. Acesso: 25/09/03.
6- FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. A Idade Mínima para o Trabalho. Proteção ou Desamparo. Disponível em: http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/F0075.doc. Acesso: 22/09/03.
7- GRÜNSPUN, Haim. O trabalho das crianças e dos adolescentes. São Paulo: LTR, 2000.
8- GUNTHER Luiz Eduardo. Reflexões sobre o Trabalho do Menor. Revista Igualdade. Revista Trimestral do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente. Ministério Público do Paraná. Curitiba jan/mar 1998. ano VI nº XVIII. p. 14.
9- Irandi. Revista A CUT contra o trabalho infantil. Onde e em quê trabalham as crianças. Na cidade e no campo, de Norte a Sul. P. 17-18
10- Ministério Público do Trabalho. Trabalho Educativo. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/trab_inf/ilicitas/index.html/adolescente/educativo.html. Acesso: 08/08/03
12MinistérioPúblicodoTrabalho.Trabalho Educativo. Disponível em:
http://www.pgt.mpt.gov.br/trab_inf/ilicitas/index.html/adolescente/aprendiz.html. Acesso: 08/08/03
13- Ministério Público do Trabalho. Estágio. Disponível em:
http://www.pgt.mpt.gov.br/trab_inf/ilicitas/index.html/adolescente/estagio.html. Acesso: 08/08/03
14- Ministério da Previdência e Assistência Social – Secretaria de Assistência Social. A Trajetória do Combate à Exploração do Trabalho Infantil. Disponível em:
http://www.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/0086.doc. Acesso em: 03/09/03
15- Oliveira, Oris de. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTR, 1994.
16- PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: Uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.