OS CONSELHOS DE DIREITOS

 

Rosângela Zagaglia
Coordenadora de Pós-Graduação em Direito Especial da Criança e do Adolescente.

 

Resumo: A autora relata a mudança no enfoque dado à questão da infância no Brasil a partir da década de 80,  quando o aparecimento da idéia de cidadania participativa, aliado à absorção dos princípios enunciados  em documentos internacionais contestadores da política de institucionalização da criança na legislação interna brasileira (Constituição Federal e Lei 8069/90),  possibilitaram que o Estado estabelecesse a  responsabilidade paritária entre ele e a sociedade civil.Enfatizando tal mudança, o texto traça a natureza jurídica e enumera as diretrizes e a forma de atuação do Conselho de Direitos criado pela Lei 8069/90,  que sem dúvida é a expressão maior da sociedade politicamente organizada.

 

 

Na década de 1980 emerge a necessidade de serem criados e instituídos mecanismos de controle dos atos do Poder  Público. A sociedade não se contentava mais em participar politicamente só através do voto para expressar sua cidadania. Os novos  tempos estavam a exigir uma forma moderna de exercício de direitos num processo de reconstrução da identidade social. A sociedade, clamando por uma atuação mais direta na formulação e na execução das políticas sociais, exigiu e reivindicou uma forma nova de participação política. De outra parte, o próprio Estado, diante da complexidade das graves questões sociais da atualidade, reconhece que na forma de sua organização é grande demais para pequenos problemas, e pequeno para os graves problemas. A convergência natural dessas duas vertentes levaram de um lado a sociedade a se organizar  civilmente e, de outro, o Estado a repartir o monopólio do poder.

 

No que diz respeito à revisão da atuação estatal na questão da infância e da adolescência, toda essa agitação social tem como finalidade reverter a crise econômica, a má distribuição de renda, a minimização da situação sócio-jurídica das crianças e adolescentes pobres, o estabelecimento de políticas públicas voltadas ao interesse e à realidade da população, e coibir o avanço da violência contra as crianças e os adolescentes. Associado ao movimento de participação social, no processo de decisão do Poder Público, estava um conjunto de normas internacionais visando ao rompimento definitivo da doutrina da situação irregular que inspirava o então vigente Código de
Menores de 1979. A lei penalizava a infância pelos desajustes da conjuntura sócio-econômica e chegava ao extremo de que a pobreza era motivo de punir a criança, quer pela privação da liberdade através da institucionalização, quer pela destituição
do pátrio poder. A questão da criança era tratada pelo enfoque policial ou pelo paternalismo exacerbado e ainda pela "BONDADE" judicial. A legislação menorista não considerava os direitos fundamentais inerente a todos os seres humanos, as condições de risco pessoal e social e suas violações. Muitas vezes a criança recebia a privação da liberdade através das intermináveis internações por ser vítima das violações ou até mesmo pelo risco de sofrê-las. Na verdade pretendia-se proteger a sociedade, colocando-se por trás de muros os excluídos desde a tenra infância, e não proteger os infanto-juvenis dos abusos omissões e violações dos direitos das Crianças e dos Adolescentes. Todavia, uma parcela social considerável foi absorvendo a nova concepção sócio-jurídica e a normativa internacional de proteção integral teve grande influência, como exemplo a Declaração Universal dos Direitos da Criança - 1959, embora o vasto tempo decorrido.

 

Assim é que a Constituição Federativa do Brasil no art. 1º constitui-se em ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. Como este artigo, os 2º, 3º e 4º fazem parte do Capítulo dos princípios fundamentais.

 

Pela sistemática legislativa, os demais dispositivos são desdobramento analítico dos 4 (quatro) primeiros artigos. E neste desdobramento temos os arts. 133 e 134 - Funções essenciais à justiça - a Advocacia e a Defensoria Pública.

 

Essas funções não só estão a desempenhar a essencialidade da justiça, mas a garantir o ESTADO de Direito, a agir conforme a lei.

 

A Constituição vai além e assegura a igualdade de todos perante a lei (art 5º da CF); o acesso à justiça, a assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º LXXIV da CF), neste momento passam a garantir o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

 

Desta forma, não basta só agir conforme a lei. É preciso o controle desse agir e, com a participação social no processo de tomada de decisões estabelecendo políticas públicas, imprime-se, além das outras formas de controle previstas na lei, o controle social direto. Esta assertiva torna imprescindível a Igualdade de oportunidade a todos.

 

Assim o Estado de Direito com:

 

A ampla defesa
A igualdade na relação processual
O contraditório
O acesso à justiça por profissional técnico habilitado
O formal e pleno conhecimento da atribuição do ato infracional

 

transmuta-se em Estado Democrático Direito com a Assistência Jurídica integral e gratuita aos que têm insuficiência de recursos (arts. 1º e 5º, LXXIV da Constituição Federal).

 

Em suma, a participação social levou a viabilizar os direitos das crianças e adolescentes através do exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana, e o revestimento de decisões que muitas vezes decorriam de políticas perversas em decisões do Poder Público originou a inserção na Constituição Federal do art. 227 e o sancionamento da lei nº 8069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente que lhe dá efetividade. Textos estes onde se assenta a gênese do Conselho de Direitos.

 

Fundamento Jurídico dos Conselhos de Direitos  

 

Os Conselhos de Direitos encontram suporte jurídico nos arts. 227, § 7º - CF. 204, II da Constituição Federal.

 

Veja-se, a propósito, a congregação destes textos:

 

“Toda a ação governamental (art 204, caput - C.F) que visa ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente levará em consideração a diretriz da participação popular, por meio das organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das acões em todos os níveis (art . 204, II - CF )".

 

"Uma das diretrizes de política de atendimento (art. 88, caput - ECA) é a criação de Conselhos Municipais, Estaduais e nacionais dos direitos da Criança e do Adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas segundo leis Federais, Estaduais e Municipais (art. 88, III ECA)".

 

Com estas congregações dos dispositivos legais teremos a Declaração dos Direitos e garantias dos infanto-juvenis. E assim, nas questões afetas às crianças e aos adolescentes, deixa de existir uma política governamental para surgir a política pública de responsabilidade paritária entre governo e sociedade civil.

 

Inobstante as cores modernas impressas nos textos legais brasileiros da participação social com o clamor cívico da década de 80, o Código de Mello Mattos, de 1927, já previa a criação do Conselho de Assistência e Proteção aos menores, inclusive com um fundo de participação. O que infelizmente ficou em estado embrionário.

 

Natureza Jurídica
 

Os Conselhos de Direitos são órgãos colegiados cuja composição é paritária entre entidade governamentais e não governamentais. Integram o Poder Público Executivo em suas três esferas de abrangência: Federal, Estadual e Municipal.

 

Finalidade
 

A finalidade dos Conselhos de Direitos é elaborar a política que assegura o atendimento aos direitos da Criança e do Adolescente, como também controlar a execução dessas políticas.

 

Por isto mesmo, membros do Poder Legislativo e do Judiciário não devem integrá-lo. O sistema de controle da atividade administrativa no Brasil dota os demais poderes de mecanismos próprios para o chamado controle externo da legalidade dos atos da administração pública.

 

Esta circunstância, porém, ao invés de inibir uma atuação política dos membros do Legislativo, do Judiciário bem como do Ministério Público, acaba por fomentá-la. Na medida em que lá tiverem assento, provavelmente irá restringir-se na atuação política a participação dos representantes no Conselho, o que descaracteriza uma atuação política institucional desses poderes.

 

Vale dizer que a atuação política está na ação e no conteúdo desta ação, e não na forma ou formalidade jurídica de que se reveste.

 

Os membros do Legislativo e do Judiciário obviamente não necessitam de assunto nos Conselhos de Direitos para que atuem institucionalmente nesta questão, muito pelo contrário. Que há de fazer num conselho paritário de formulação de política quem tem o poder de legislar ou de julgar?

 

No caso específico da magistratura, cabe ainda lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente lhe reserva uma série de atribuições tipicamente administrativas e de jurisdição voluntária, o que oferece um campo propício para uma atuação política fora das amarras dos rígidos princípios que regem a função jurisdicional. Note-se por exemplo que, ao regulamentar atividades, ingresso e permanência em locais públicos, através da expedição de portarias, pode o magistrado exercer uma atuação política muito mais direta e eficaz do que a política do Conselho. Por outro lado, há uma lacuna ainda não preenchida e na qual poderão os membros do Legislativo, Magistratura e MP influir diretamente nas políticas para a infância e adolescência. É a atuação de caráter didático e até de indução à implantação dos Conselhos dos Direitos e seu fortalecimento no meio social.

 

Diretrizes de Atuação do Conselho de Direitos

 

- Divulgar os direitos e garantias da Criança e do Adolescente.

- Promover a integração dos órgãos governamentais.

- Propor alteração da legislação em vigor ou elaborar sugestões para legislação.

- Acompanhar os casos de violações de direitos de crianças e adolescentes.

- Controlar, por inspeções, hospitais, delegacias, entidades de atendimento públicos ou não, isto não significa fiscalização, pois nem todos os Conselhos de Direitos em sua lei de criação concedem ao seu membro tal prerrogativa.

- Promover inscrições e registros de programas na forma do art. 90 § único do Estatuto da Criança e do Adolescente, no caso dos Conselhos Municipais de Direitos, e inclusive baixar Resolução a respeito dos programas.

- Opinar sobre a proposta que define dotação orçamentária às políticas públicas quanto às crianças e aos adolescentes, e inclusive com previsão de recursos para instalação, implantação e funcionamento condigno e ininterrupto ao próprio Conselho e dos Conselhos Tutelares.

- Presidir e controlar o procedimento de escolha dos membros do Conselho Tutelar.

- Elaborar o Regimento Interno, inclusive do Conselho Tutelar e, ainda, prevendo de maneira uniforme a emissão das deliberações quanto à forma - elemento essencial dos atos administrativos, privativos dos Conselhos Tutelares.

- Gerenciar o Fundo da Infância e Adolescência - FIA, o qual é criado por lei, art. 167, IX da CF, cujos objetivos e receitas que o constituem hão de estar inseridos na norma legal (arts. 88, V e 260, ambos do ECA). Esta despesa de custeio há de estar inserida na Lei Orçamentária. Assim é que a lei orçamentária (União, Estados e Municípios) terá que fixar verba compatível para garantir o funcionamento condigno dos Conselhos de Direito e dos Tutelares, inclusive, se for o caso, de remuneração dos Conselheiros Tutelares.

 

Os fundos especiais e principalmente o FIA não deverão ser os garantidores do pagamento de pessoal, isto porque, do ponto de vista legal, é um fundo com previsão específica na lei federal 8069/90, e a própria natureza é absolutamente contrária a essa utilização.

 

O gasto com pessoal é despesa típica de custeio, a qual evidentemente há de ser orçamentada. As verbas de fundos especiais devem ser utilizadas no financiamento de projetos, com início e fim previstos, além de que a aplicação dos recursos do FIA, cuja destinação é vinculada, fica a critério técnico e administrativo dos Conselheiros dos Conselhos de Direito que apresentam contas da utilização do FIA aos Tribunais de Contas, que também são fiscalizadas pelo Ministério Público.