PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 

 

Nelson Saule Jr.

 

 

O Brasil, ao assinar a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), assumiu um conjunto de compromissos e obrigações voltados para a proteção destes direitos. Ou seja, o Estado, a sociedade e a família têm o dever de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes (Artigo 227 da Constituição Brasileira) e colocá-los a salvo de todas as formas de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.

 

Ainda que não esteja ao alcance do município superar todas as formas de violação dos direitos de crianças e adolescentes, é seu dever promover uma política de atendimento que os priorize (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90), assegurando seus direitos fundamentais.

 

Concretamente, isto significa, por um lado, que crianças e adolescentes devem ser os primeiros a receber proteção e socorro e os primeiros a ser atendidos nos serviços públicos. Por outro lado, significa também que devem receber atenção privilegiada dos formuladores e executores de políticas públicas, e que as políticas nesta área devem ser as principais destinatárias de recursos.

 

Vida e saúde

 

Toda criança ou adolescente tem direito de proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (Artigo 7° do ECA).

 

O município, como membro do Sistema Único de Saúde - SUS, deve promover as seguintes medidas:

a) assegurar à gestante o atendimento pré e perinatal, apoio alimentar, condições adequadas de aleitamento materno;

b) promover o atendimento médico à criança e ao adolescente, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços, para promoção, proteção e recuperação da saúde;

c) prestar atendimento especializado para a criança e adolescente portador de deficiência;

d) fornecer gratuitamente, àqueles que necessitarem, os medicamentos, próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação;

e) promover programas de assistência médica e odontológica para prevenir enfermidades, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.

 

Um exemplo de política pública que favorece a saúde de crianças e adolescentes é a experiência de Ribeirão das Neves-MG, onde foi desenvolvido um programa de alimentação alternativa que consistia na distribuição de farelo de trigo e arroz como complemento nutricional às crianças atendidas no posto de saúde. O município também pode constituir programas de segurança alimentar que promovam a valorização cultural de alimentos que contêm riquezas nutricionais.

 

Família e comunidade

 

Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, de forma excepcional, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária (Artigo 19 do ECA).

 

Para assegurar esse direito, o município pode desenvolver programas que busquem:

a) integração da criança e do adolescente à família e à comunidade, e de guarda, tutela e adoção de crianças e adolescentes, órfãos ou abandonados;

b) sócio-educativos de atendimento;

c) de atendimento à criança e ao adolescente em situação de rua, oferecendo condições de socialização, reintegração à família, educação, lazer, cultura, profissionalização, trabalho e resgate da cidadania.

 

No que diz respeito aos programas de proteção e sócio-educativos, uma medida essencial é estabelecer abrigos, creches e centros de juventudes para crianças e adolescentes em situação de risco, em apoio à família e à escola.

Em Santo André-SP, o Programa Andrezinho Cidadão integra a ação de diversas secretarias municipais que já tinham políticas de atendimento às crianças e adolescentes em situação de risco. O programa oferece espaço para que as crianças possam brincar, estudar e participar de diversas atividades e, ainda, um abrigo para as que não querem voltar a morar com suas famílias. Um dos pontos fortes do programa é a visita à família da criança, para descobrir os motivos que a levaram a sair de casa e buscar uma solução para os problemas encontrados.

 

Também os programas Miguilim, em Belo Horizonte-MG, e Meninas de Santos-SP atendem meninos e meninas, buscando resgatar seus direitos, oferecendo espaços de convivência fora da rua, atendimento à saúde, resgate da auto-estima, oportunidade de educação e profissionalização.

 

Para garantir o direito de convivência com a comunidade, é preciso também assegurar o direito de convivência com a família. Programas como o de renda mínima possibilitam condições mínimas de dignidade para a família e, conseqüentemente, para a criança e o adolescente.

 

Educação e cultura

 

Toda criança ou adolescente tem direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho (Artigo 53 do ECA).

 

O município deve prestar atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos. Por ser responsável pelo ensino fundamental, obrigatório e gratuito, deve manter programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde, bem como atendimento especializado para os portadores de deficiência.

 

O exercício dos direitos culturais está fortemente relacionado ao direito à educação. O desenvolvimento de oficinas culturais e cursos de música, teatro e artes plásticas dirigidas para crianças e adolescentes carentes, principalmente envolvendo profissionais da educação nestas atividades, ajuda a formar jovens comprometidos com a ética e a cidadania.

Outra forma de garantir o exercício dos direitos culturais é a realização de festivais, concursos, exposições e apresentações de trabalhos produzidos pelas crianças e adolescentes, em espaços públicos como praças e parques.

 

Quanto ao direito ao esporte e lazer, manter centros e clubes esportivos de acesso gratuito às crianças e adolescentes carentes é o primeiro passo. O município pode estimular a formação de jovens atletas, por exemplo, através de escolas públicas de futebol, basquetebol, voleibol, natação e atletismo. Estes projetos podem ser realizados em parceria com o setor privado. Comerciantes, empresários, produtores rurais ou profissionais liberais podem apoiar estas atividades destinando recursos para a manutenção de centros esportivos, ou para as famílias dos jovens atletas.

 

Cabe também ao município destinar áreas municipais onde seja possível a prática de atividades esportivas, de recreação e lazer. Também as escolas municipais podem ser abertas nos finais de semana, sob responsabilidade da comunidade. Além de ser uma alternativa de lazer, ampliar o elo entre comunidade e escola ajuda a reduzir os índices de violência escolar.

 

A criação de brinquedotecas permite que também as crianças pobres tenham acesso a brinquedos e lugares para brincar, o que favorece o seu desenvolvimento.

 

Em muitas situações, o direito à educação, cultura, esporte e lazer é suprimido porque a criança, ou o adolescente precisa trabalhar para ajudar a família. Para garantir que todas as crianças possam freqüentar a escola, o Programa Bolsa-Escola, do DF, paga um salário mínimo mensal a cada família carente que mantiver seus filhos entre 7 e 14 anos matriculadas na rede pública. Estas famílias são também inscritas em programa de emprego e renda.

 

Proteção no trabalho

 

Todo adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, e a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho (Artigo 69 do ECA).

Uma vez que é proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz, e que, após os 14 anos, o adolescente pode trabalhar contanto que não seja no período noturno, em local perigoso, insalubre ou penoso, em locais prejudiciais à sua formação e seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, o município deve manter um órgão responsável pela erradicação do trabalho infantil e pela garantia dos direitos do adolescente trabalhador, com a participação de representantes da comunidade local.

 

Outra tarefa importante é a capacitação profissional do adolescente para um mercado de trabalho cada vez mais qualificado. O primeiro passo é garantir a permanência das crianças e adolescentes na escola, utilizando-se de programas como o bolsa-escola ou de renda mínima. O passo seguinte é oferecer cursos profissionalizantes, tais como: informática, hotelaria, artes plásticas, eventos culturais, jardinagem, reciclagem de materiais. Além disso, é preciso criar trabalho e empregos para estes jovens, o que é possível com o desenvolvimento de atividades econômicas locais.

 

Organismos locais

 

a) Conselho Municipal da Criança e do Adolescente: é o órgão deliberativo e controlador de ações que garantam e protejam os direitos da criança e do adolescente no município. Sua atribuição é formular políticas públicas, definir a forma de utilização dos recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (veja DICAS Nº 123), aprovar programas e projetos, fiscalizar e monitorar os órgãos governamentais e não-governamentais prestadores de serviços públicos nesta área.

 

b) Conselho Tutelar: é o órgão encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. A ele cabe aplicar as medidas de proteção à criança e ao adolescente evitando que os seus direitos sejam ameaçados ou violados. Para promover a execução de suas decisões, pode requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança, bem como representar a autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.

 

c) Comunidade Local: tem o papel de apresentar alternativas voltadas para a promoção dos direitos da criança e do adolescente. Para mobilizar a sociedade, podem ser realizadas campanhas, como de combate à violência, ao assédio sexual, à prostituição; ações culturais e esportivas; e incentivo à prestação direta de serviços como creches, centros de juventude, oficinas culturais.

 

d) Legislativo Municipal: tem entre suas atribuições estabelecer os recursos públicos municipais para os programas e projetos destinados às crianças e adolescentes; legislar sobre a criação, organização e funcionamento dos Conselhos Municipais e Tutelares, e dos Fundos Municipais; destinar áreas públicas para projetos e atividades em benefício da criança e do adolescente. Além disso, pode criar comissões de estudos e pesquisas sobre as situações de violação de direitos da criança e do adolescente, recebendo petições, reclamações, representações ou queixas sobre violações dos direitos da criança e do adolescente.

 

e) Sistema de informação e monitoramento: pode ser implantado em parceria com os órgãos e instituições nacionais e estaduais na área da Administração da Justiça, Ministério Público, Segurança Pública, focalizando principalmente a localização e identificação de crianças e adolescentes desaparecidos, violação de direitos de crianças e adolescentes.

 

Nelson Saule Jr.

nelsaule@polis.org.br