O QUE HÁ DE ESPECÍFICO NA DESIGUALDADE COM BASE EM DIFERENÇAS ÉTNICAS

 

 

Márcia Ondina Vieira Ferreira

Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (RS).

 

 

 

Considerar que as diferenças culturais são elementos importantes na análise dos fenômenos educativos só mais recentemente vem sendo aceito nos meios acadêmicos, especialmente no Brasil. Com o termo diferenças culturais estou me referindo, de maneira muito genérica, a um conjunto de atributos presentes em grupos humanos que compartilham valores, hábitos e formas comuns de interpretar o mundo.

 

Tendo em vista meus interesses de investigação, gostaria de demarcar que a questão das diferenças culturais ganha seu sentido quando posso utilizá-la como ferramenta para a análise de processos de desigualdade social. Além disso, cabe dizer, também, que a posição desigual de alguns grupos, na sociedade, supõe relações de distintos níveis e graus com o que chamamos de cultura majoritária, tal como nos explica FERNÁNDEZ ENGUITA (2000):

 

“Os grupos étnicos distinguem-se tipicamente uns dos outros por sua cultura, seja lá o que isso for; as classes sociais fazem parte de uma só sociedade e uma só cultura, ainda que possam – mas não necessariamente, todas, segundo qual conceito de classe utilizemos – alimentar variantes mais ou menos distintas da mesma, o que se costuma chamar de subculturas; homens e mulheres, entretanto, pertencem a uma mesma cultura e subcultura, diferenciando-se, de modo simples, pelos distintos papéis sociais que essas lhes atribuem” (p. 218).

 

Sobre o caráter recente dos estudos, em nosso país, que se dirigem às diferenças culturais em educação, GONÇALVES & SILVA (1998) apresentam um bom exemplo, que vou aqui citar levando em conta os temas relativos às especificidades étnicas. Os autores analisaram a produção de teses e dissertações nos Programas de Pós-Graduação em Educação, entre 1985 e 1996, com base em dados da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). Tratando-se do tema “educação e relações raciais”, focalizando a questão da educação de crianças, jovens e adultos negros, foram encontradas 17 dissertações de mestrado e 3 teses de doutorado. Quanto ao tema “educação indígena”, foram 17 as dissertações de mestrado encontradas, não sendo computada nenhuma pesquisa de doutorado a respeito.

 

Ora, se o número de trabalhos é restrito, pode-se imaginar que o debate teórico que fundamenta as análises empíricas realizadas tampouco tenha se introduzido de maneira mais ampla nos meios educacionais. Este estudo pretende, alicerçado em contribuições provenientes do âmbito da sociologia, da antropologia e da psicologia social, apresentar algumas notas que colaborem para a compreensão da especificidade das desigualdades de caráter étnico e dos conflitos que a partir daí possam surgir.

 

1. Do conceito de raça ao estudo das "relações raciais"

Aclarar as razões pelas quais diferenças de caráter étnico-racial podem conduzir a conflitos de maior ou menor impacto, tem sido o objeto de estudo de inúmeras obras. Entretanto, muitas delas realizaram tal investigação mediadas pela categoria mais genérica da raça, o que já indica algum grau de fixação à idéia de que supostas diferenças de caráter biológico estivessem na base dos conflitos. Tal viés torna complexa a tarefa de resenhar a evolução do campo conceitual do racismo.

 

Uma estratégia muito utilizada na atualidade é entender o racismo como um constructo social, isto é, considerar indiferente para os efeitos da sociologia se é real ou imaginária a existência de distintas raças, mas reconhecer que a crença nisto originou comportamentos sociais de coesão ou de repulsão, levando ao aparecimento do racismo em alguns contextos históricos, marcados por determinadas condições sócio-político-econômicas (Rex, 1983; Wieviorka, 1992).

 

Além disso, outro aspecto a ter presente é em que medida o pensamento social conseguiu examinar esses processos realizando, ao mesmo tempo, uma crítica de sua própria trajetória. Tal como sugere Wieviorka (1992), se o estudo de fenômenos racistas vem ocorrendo pelo menos desde a primeira metade do século XIX - baseado ou não na suposição de diferença entre raças -, a trajetória específica deste pensamento no sentido de autoconstituir-se numa sociologia do racismo é algo mais recente. Em síntese, temos o problema dos conflitos e desigualdades étnico-raciais e o problema do viés racista na análise destes.

 

A tarefa de realizar uma reconstrução deste campo do saber já foi tentada por vários autores[1], sendo o citado trabalho de Wieviorka uma boa referência, ainda que ele anuncie pretender simplesmente resgatar instrumentos para compreender o racismo nas sociedades atuais.

 

Em primeiro lugar, Wieviorka acompanha o desenvolvimento da idéia de raça na Europa, processo que subsume o aparecimento do racismo, posto que a raça passa a ser uma categoria que "explica" a história. O auge da explicação por meio da raça dá-se no século XIX[2], "com sua combinação de colonialismo, de desenvolvimento da ciência e da indústria, de crescimento das cidades, de imigração e mescla de populações, e, paralelamente, de individualização e auge dos nacionalismos" (1992, p. 30).

 

Durante este movimento, diversas disciplinas científicas apresentam contribuições ao estudo da(s) raça(s), mas a idéia que está na base das contribuições é que não apenas é possível, mas necessário, entender as diferenças de desenvolvimento humano por meio de diferenças de caráter físico entre (supostas) raças. Somente a revelação do horror dos campos de exterminação nazistas, ao final da IIª Grande Guerra, veio a permitir que da raça passássemos ao racismo como objeto de estudo.

 

O autor sublinha as distinções e semelhanças entre a trajetória da sociologia européia e a norte-americana no “descobrimento” do racismo. Simplesmente destacarei a escravidão e posterior segregação de negros nos Estados Unidos, e a imigração a partir de finais do século XIX e posteriormente à Iª Grande Guerra, como aspectos que se adicionam à orientação "biológica" da sociologia também neste país. Entretanto, a princípios do século XX alguns teóricos começam um movimento de estudos contrários às perspectivas racistas que conduz àquilo que, em seguida, constitui-se na ultrapassagem em direção à análise do racismo.

 

"Por um lado, [a sociologia norte-americana] tende a deslocar o marco de referência da raça para a cultura, o que não a impede de seguir utilizando amplamente o termo 'raça'. Por outro lado, não se preocupa tanto das características, inatas ou adquiridas, de um determinado grupo humano, como das relações, sobretudo interculturais, existentes entre grupos. O que foi se esboçando nos Estados Unidos, a partir do começo do século XX, tornando-se preciso na década de vinte ... era uma sociologia das race relations. Tratava-se, por fim, de estudar concretamente determinadas realidades sociais e interculturais concernentes, entre outras coisas, às relações entre brancos e negros no interior de uma sociedade que, desde essa época, ainda excluindo os negros da concepção que tem de si mesma, mostra-se vacilante à hora de considerar-se um melting pot" (Wieviorka, 1992, p. 47-48).

 

Wieviorka celebra o relativo distanciamento que a escola das relações raciais estabelece com referência ao enfoque biológico dos problemas raciais, ao dirigir-se ao exame concreto destes conflitos num âmbito ecológico, analisando "uma série de contatos e conflitos reais: físicos, geográficos, territoriais, econômicos e culturais" (1992, p. 55). Não obstante, quando se leva em conta a definição de relações de raças apresentada por Park, figura de grande importância na área na primeira metade do século, certa debilidade fica a descoberto. Para ele, relações de raças são aquelas:

 

"entre povos com marcas distintivas de origem racial, particularmente quando tais diferenças raciais penetram na consciência dos indivíduos e dos grupos assim identificados, determinando deste modo a concepção que cada indivíduo tem tanto de si mesmo como de seu estatuto dentro da comunidade. ... relações de raças ... não são tanto relações entre indivíduos de diferentes raças como entre indivíduos conscientes dessas diferenças" (Park apud Wieviorka, 1992, p. 52-53, grifos acrescentados).

 

Como se vê, aqui se volta a resgatar o conceito de raça, o que pode levar a uma insuficiente análise do racismo como atitude sem base concreta, ao reforçar a idéia de raça como realidade objetiva.

 

Por outro lado, com o passar do tempo o enfoque das relações raciais ocupa-se também, gradativamente, da estratificação social articulada a diferenças raciais. Nos Estados Unidos, em especial, a posição de brancos e negros no sistema de estratificação originou uma série de trabalhos. Com "Caste, Class and Race" Cox, em 1948, pretende superar as proposições que vêem nas relações raciais uma estratificação baseada em castas (isto é, per si sem conflitos), sustentando que o racismo é uma estratégia da classe dominante no capitalismo, na sua tentativa de "justificar e manter a exploração dos trabalhadores" (Wieviorka, 1992, p. 188).

 

Como veremos a seguir, a articulação entre problemas raciais e conflitos de classes toma conta de parte da literatura sociológica que debate as classes sociais. Contudo, como ilustração de recentes alternativas de investigação buscadas pela abordagem das relações raciais, destacarei alguns aspectos apresentados no livro de Rex (1983) "Race Relations in Sociological Theory". Nele, o autor não apenas dialoga com várias obras que tratam da questão, como, por meio deste diálogo, sistematiza seu desenvolvimento pessoal no estudo das relações raciais. De acordo com ele, um encontro de experts da UNESCO sobre a natureza do racismo e do preconceito racista, realizado em 1967, tomou como ponto de partida o fato de que o conceito de raça, tal como é usado pelos biólogos, não apresenta relevância quando se trata das diferenças políticas entre os homens. Nesta reunião procurou-se indicar quais tipos de problemas sociológicos poderiam ser apontados como problemas de relações raciais. O autor considera, entretanto, que a literatura sobre o tema é ainda limitada, e portanto tenta oferecer sua definição do campo das relações raciais, como será visto adiante.

 

O estudo das relações raciais tem sofrido uma dependência da análise sobre as classes sociais que, por sua vez, "tem sido dominada por idéias eurocêntricas derivadas dos trabalhos de Marx e Weber", mais especificamente em referência ao tema de "uma sociedade capitalista avançada estruturada sobre o mercado de trabalho e/ou a exploração do 'trabalho livre'" (Rex, 1983, p. ix). Não obstante, os estudos de Rex sobre as sociedades coloniais indicaram-lhe a inadequação dessas abordagens, que pretendem transferir a essas sociedades a problemática da tradicional relação burguesia/proletariado.

 

Logo, Rex propõe distintos modelos de análise, caso se trate de sociedades coloniais ou metropolitanas. Para ele, nas primeiras, importantes problemas estruturais não têm relação com o tema das classes sociais, na ótica marxista, weberiana ou outra qualquer, sendo necessário examinar outro tipo de questões, "como o status legal dos homens, suas relações com o poder político, os efeitos da etnicidade e o processo de aculturação" (Rex, 1983, p. xi). Por isto foi acusado de "teórico da sociedade plural". Contudo, tenta definir sua posição como totalmente sustentada por uma análise de classe; ainda que reconheça outras formas de agrupação, seus significados são reinterpretados em termos de classe.

 

O autor propõe algumas variáveis utilizáveis na construção de uma teoria geral das sociedades coloniais: as variáveis relativas à constituição de sistemas sociais coloniais e as concernentes a distintos processos de desenvolvimento. As primeiras variáveis referem-se (1) a diferentes formas sociais pré-coloniais; (2) a diferentes 'modos de produção' ou, mais estritamente, modos de exploração econômica; e, (3) a diferentes sistemas de estratificação que terminam por organizar a esfera social de forma distinta da pura divisão econômica do trabalho. Quanto ao segundo tipo de variáveis, ou seja, aos processos de desenvolvimento, há que considerar (1) as variações nos processos de independência política; (2) a ultrapassagem de um capitalismo mais primitivo ao de livre competição; (3) o grau de incorporação da antiga sociedade colonial à ordem econômica internacional; e (4) os processos de luta de classes e revolução dentro da ordem neocolonial (Índia, África, Caribe e América Latina).

 

Já as sociedades capitalistas desenvolvidas estruturaram-se, política e socialmente, por um processo de luta de classes. Há tréguas sociais sustentadas por períodos de tempo relativamente grandes, nas quais burguesia e proletariado estão de acordo sobre a necessidade de planejamento econômico, pleno emprego e um mínimo de bem estar social (moradia, saúde, educação, seguridade social, etc.). Na Europa estes direitos foram obtidos pelos partidos trabalhistas e socialistas com base nos trabalhadores nativos, e os imigrantes não necessariamente alcançaram estes benefícios. Na América do Norte tais direitos foram conseguidos por partidos com base em grupos de imigrantes mais privilegiados, sendo que demais grupos como negros, latino-americanos e indígenas somente mais tarde obtiveram os benefícios do sistema, embora haja ainda enormes desigualdades sociais entre estes e os brancos de origem européia.

 

O referido modelo afasta-se da concepção marxista clássica sobre as classes porque assume, primeiramente, que a trégua descrita pode prolongar-se por muito tempo; e, em segundo lugar, que a luta de classes se expressa por inúmeras disputas por recursos (emprego, moradia, oportunidades educacionais). Pelo menos até o começo da recessão mundial, a partir da década de 70, com a intenção de estimar a posição estrutural das minorias de imigrantes provenientes das colônias, "poder-se-ía e dever-se-ía assumir uma relativa estabilidade da estrutura principal de classe baseada na trégua de classes" (Rex, 1983, p. xiv).

 

Seus estudos, então, levaram-no a perguntar se há suficientes evidências empíricas da exclusão de imigrantes dos recursos sociais para que se possa caracterizá-los como uma infraclasse, no que concerne aos países de capitalismo avançado. Se isto não é ainda possível, o que há é uma certa concentração destas minorias em empregos pobres e inseguros, em guetos e em escolas subprivilegiadas para que se possa admitir um tipo ideal de infraclasse a ser comprovado empiricamente. Além disto, a competição por recursos de todos os gêneros coloca em oposição os trabalhadores autóctones e os imigrantes, mesmo que a política oficial seja de pluralismo cultural em relação a diferenças e proteção de distintos grupos étnicos[3].

 

Em todo caso, o uso que Rex faz de tal conceito é distinto do que faz Myrdal. Este se refere à infraclasse como uma massa afastada da estrutura de oportunidades da sociedade norte-americana, e Rex crê que a infraclasse pode, em termos marxistas, "tornar-se uma 'infraclasse-para-si', isto é, não desaparecer, mas organizar-se na esfera cultural e para a ação política" (1983, p. xv).

 

Mas os marxistas não aceitam tal análise de classe, ainda que seu ponto de vista não se refira a se as minorias imigrantes estão em uma posição estrutural distinta da maioria dos trabalhadores. Eles simplesmente argumentam que, independentemente da posição atual de uns e outros, o desenvolvimento da crise do capitalismo os levará à unidade da classe trabalhadora. Rex responde dizendo que tal hipótese deve ser empiricamente provada. As ideologias e estruturas da infraclasse de imigrantes parecem ter base não simplesmente em uma falsa ou verdadeira consciência de sua posição na sociedade metropolitana, e sim "refletem o papel destas minorias na estrutura do sistema econômico mundial ou na estrutura do império nos últimos 40 anos" (Rex, 1983, p. xv-xvi).

 

Portanto, delimitando sua posição, esclarece que o que está em discussão quanto às relações raciais é um grupo de situações de severa exploração econômica e opressão política, o que encaminha a localizar o estudo das relações raciais sob determinado tipo de análise de classe, caracterizado por três aspectos principais: quando sucedem "situações de relações raciais" (1) se estão produzindo fenômenos de exploração econômica, opressão política e conflito entre distintos grupos étnicos, nos quais a etnicidade implica em desvantagem para um dos grupos envolvidos. (2) As relações raciais ocorrem mais entre grupos que simplesmente entre indivíduos, ou seja, não há mobilidade social entre grupos, e estes são anteriores ao conflito. (3) O grupo dominante elabora teorias de caráter discriminatório, que justificam ideologicamente a dominação (as principais, nos séculos XIX e XX, foram as teorias genéticas).

 

Finalmente, é importante sublinhar um aspecto chave para a continuidade das investigações sobre a matéria. Considerando a definição de situação de relações de raça com base em suas três características definidoras, Rex argumenta pela necessidade de substituir a noção de raça pela de etnicidade:

 

"Wallman, por exemplo, seguindo Barth, enfatiza que a etnicidade é essencialmente situacional e, ainda que algumas vezes possa constituir-se em desvantagem, pode também ser utilizada como um recurso. De acordo com o paradigma adotado aqui, uma situação de relações de raça sempre implica que a etnicidade é uma desvantagem para um dos grupos envolvidos" (Rex, 1983, p. xviii-xix).

 

A discussão precedente revelou duas questões que merecem maior atenção: a situação das minorias étnico-raciais na divisão social do trabalho e as características dos grupos étnicos, temas que serão analisados a seguir.

 

2. Localização das desigualdades étnicas nas teorias das classes sociais

Como já se anunciou, os estudos que pretendem compreender a situação das minorias étnico-raciais na esfera econômica estão intimamente articulados aos que tratam das tipologias das classes sociais. O que está em discussão é: é possível analisar-se as desigualdades étnicas na estrutura econômica da sociedade com base nas teorias de classe?

 

Wieviorka destaca que o desenvolvimento do pensamento sobre o assunto assumiu várias nuanças. Uma delas, na linha já apresentada por Cox, ocupou-se em ver no racismo uma estratégia da classe dominante para melhor ampliar a acumulação de capital[4]; outros, quiseram realizar estudos "menos ambiciosos ..., e colocar questões geralmente mais precisas: os grupos dominados socialmente e definidos pela raça, formam um estrato inferior da classe operária ou um mundo à parte, que se desprende da mesma classe operária para constituir uma underclass[5] ...? São ditos grupos uma fração de classe ou um exército de reserva para o capital? O racismo funciona como uma ideologia autônoma das relações de classes, que ao mesmo tempo serve para legitimar a reprodução destas últimas? Ou melhor, não é o produto dessas relações? Etc." (Wieviorka, 1992, p. 189).

 

Também Parkin (1984) realiza uma revisão da localização dos grupos étnicos na teoria de classes, num meticuloso trabalho no qual se ocupa em identificar as falhas do neomarxismo, quando este tenta atualizar as teses marxistas mantendo seus pressupostos originais. Não obstante, sua obra afasta-se bastante da orientação presente nos estudos referidos por Wieviorka. Parkin encontra certa proximidade entre o pensamento marxista e os modelos de classe burgueses quando compõem os limites entre as classes baseados na posição que os indivíduos ocupam na divisão do trabalho, isto é, sem ter em conta a ação coletiva como variável na composição de tais limites. Tal perspectiva traz problemas teóricos para o marxismo, sempre que os trabalhadores não atuam contra seus "inimigos de classe", fazendo com que seja necessário justificar seu comportamento em função de influências ideológicas que, se espera, sejam passageiras. Neste sentido, Parkin adverte que:

 

"a debilidade mais grave de qualquer modelo de classes que relega as coletividades sociais à condição de meros ocupantes de determinadas posições, ou de encarnação de forças sistêmicas, é que não pode dar adequada conta do tipo de complexidades que surgem quando ocorrem divisões raciais, religiosas, étnicas e sexuais tangencialmente às divisões formais de classe. As sociedades marcadas por conflitos entre comunidades religiosas ou raciais não apresentam o mesmo tipo de estrutura de classes que as carentes de ditos conflitos, apesar das similaridades que possam haver em seu sistema ocupacional e nas relações de propriedade" (1984, p. 17).

 

Para responder a essas dificuldades, depois de discorrer acerca das distintas formulações do marxismo e da sociologia clássica em torno do fator étnico nas divisões de classe, o autor dilata a concepção de Weber de fechamento social. Para este, tal conceito significa "o processo mediante o qual as coletividades sociais buscam ampliar ao máximo suas recompensas, limitando o acesso aos recursos e oportunidades a um número restrito de candidatos" (Parkin, 1984, p. 68)[6]. Parkin assinala que por meio da exclusão os positivamente privilegiados pretendem assegurar sua posição subordinando outros grupos (uso do poder para baixo), enquanto que os negativamente privilegiados buscam, por meio da usurpação, neutralizar os privilégios daqueles que tentam excluí-los dos recursos (uso do poder para cima): aqui podemos localizar as relações entre maiorias e minorias na área da distribuição.

 

Como é evidente, tal classificação traz conseqüências para a conotação que se costuma dar ao conceito de exploração, dado que esta, agora, não ocorre apenas com base na extração da mais-valia, e sim quando um grupo busca privar outro do acesso a determinados bens e oportunidades.

 

Enfim, é preciso mencionar a tese do fechamento social dual, pela qual um grupo pode usar, ao mesmo tempo, táticas de exclusão e de usurpação:

"normalmente os operários organizados acodem a formas duais de fechamento social: as atividades de usurpação contra os empregadores e o Estado, combinadas com práticas excludentes contra grupos mais ou menos organizados de trabalhadores, incluindo minorias étnicas e mulheres" (Parkin, 1984, p. 132).

 

Sem espaço para reproduzir em detalhe essa discussão, me ocuparei, por fim, da contribuição de Fernández Enguita[7]. Como parte de sua tentativa de propor um marco de referência para a análise das desigualdades sociais que complemente as carências das teorias de classes, este sociólogo afirma que as relações étnicas (junto às de gênero e grupos de idade) não se encontram sob o constructo teórico das classes sociais e exploração, por mais injustas que possam ser. Para ele são relações de privilégio, que podem determinar "as oportunidades dos indivíduos de converterem-se em exploradores ou explorados, mas que não são por si mesmas, de modo algum, relações de exploração" (1992, p. 62).

 

Na verdade, tal definição faz parte de uma revisão mais ampla das proposições marxistas sobre a atual preponderância do modo de produção capitalista e sua conseqüente cisão da sociedade em duas grandes e fundamentais classes. Farei um breve relato da trajetória de seu raciocínio. O autor principia (1989) afirmando a coexistência conflituosa de quatro modos de produção e distribuição, que mantêm entre si relações de competição: o capitalista, o burocrático, o doméstico e o mercantil. O último é o único onde não há opressão de um grupo sobre outro. Neste texto o autor ainda usa o termo exploração (do trabalho) para referir-se também às relações de gênero que ocorrem no modo de produção doméstico, ainda que já reconheça as dificuldades de tal uso, dado que no trabalho doméstico (principalmente feminino) "a relação econômica se funde com outras". Portanto, "parece prudente não empregar a palavra classe" (p. 91).

 

A seguir, Fernández Enguita (1992) pretende estabelecer uma teoria geral das classes a partir da utilização conjunta de três categorias já bastante conhecidas, mas em geral tratadas de modo exclusivo: a propriedade, a qualificação e a autoridade (centrais, respectivamente, na tradição marxista, weberiana e de Dahrendorf). Aqui me interessa apenas estabelecer um fluxo com o texto anterior, portanto vou assinalar que o autor afirma, primeiro, que mercados e organizações, cenários nos quais são protagonistas estas três categorias, não são excludentes; e, segundo, que é a articulação entre mercados e organizações que configura as características dos distintos modos de produção, mas que no modo de produção doméstico estão ausentes tanto os mercados como as organizações.

 

Por meio da combinação não excludente da propriedade, qualificação e autoridade, nos mercados e organizações, o autor estabelece o grau de exploração que determina as diferentes classes sociais (admitindo a possibilidade de que um mesmo indivíduo possa ser explorador ou explorado, dependendo de sua localização em cada uma das categorias).

 

Mas o que me importa é destacar que no aspecto dos tipos de relações que ficam fora da teoria de classes, encontram-se as que ocorrem entre grupos étnicos, ao lado de, como já foi dito, aquelas que têm lugar no modo de produção doméstico, e entre os distintos gêneros e grupos de idade.

 

Esta idéia será desenvolvida em outro artigo, que trata mais diretamente das desigualdades sociais (Fernández Enguita, 1993).

 

Na sua evolução histórica a humanidade teve que utilizar diferentes formas de organização dos recursos para garantir sua sobrevivência. Tal evolução se caracteriza pela especialização destas formas de organização, chamadas, num sentido amplo, de redes econômicas, de modo que os lares e os estados no transcorrer do tempo cederam parte de suas atribuições às organizações e aos mercados. Enquanto os dois primeiros tipos de rede são inclusivas (de pertinência), os dois últimos são redes voluntárias (de filiação).

 

Já se indicou [onde? página anterior] que é no espaço dos mercados e organizações que as relações de exploração entre os indivíduos podem ser enquadradas, de forma a constituírem-se as distintas classes sociais; as categorias utilizadas para definir a(s) posição(ões) dos indivíduos são a propriedade, a qualificação e a autoridade. Assim, para fechar este aspecto e passar ao problema que quero sublinhar, é necessário repetir a existência de tipos de desigualdade não configuradas pela exploração do trabalho e que são chamadas de relações de privilégio:

 

"Entendemos por tais as que dividem as pessoas por características de inscrição como o gênero, a idade, a raça, a língua, a religião ou a nacionalidade. Uma característica geral destas desigualdades é que podem ser consideradas como projeções sobre as redes voluntárias - organizações e mercados - de outras que têm sua origem e seu cenário próprio nas redes inclusivas - lares e estados -, e que, ocasionalmente, podem inclusive haver perdido vigência nestas, mas conservá-las ainda naquelas." (1993, p. 63-64).

 

Apontarei com mais ênfase os aspectos relativos aos privilégios étnicos, por relacionarem-se diretamente com o objeto deste estudo. Fernández Enguita define desigualdades étnicas como aquelas baseadas em atributos de caráter cultural, mesmo que reconheça as dificuldades em estabelecer limites entre diferentes culturas[8]. As diferenças culturais passam a constituir-se num problema quando, no âmbito de um Estado determinado, existe uma etnia sem base territorial própria (mesmo nos casos em que no passado tal território lhe pertencera), ou seja, um grupo étnico ao qual não é permitido, por sua situação dentro do Estado, o acesso a oportunidades de vida e trabalho oferecidos pelos mercados e organizações. Assim, as desigualdades étnicas, tal como as demais relações de privilégio, têm suas raízes nas redes sociais inclusivas, projetam-se sobre a economia aberta, e são justificadas mediante estereótipos sustentados nas diferenças culturais.

 

Na esfera econômica o lugar do indivíduo no processo de exploração do trabalho é adquirido mediante sua posição em relação à propriedade, à qualificação e à autoridade; sem esquecer as quase infinitas conexões que podemos fazer entre esses três elementos, é desta forma que definimos as classes sociais. Ao contrário disto, as relações de privilégio são inscritas com base nas diferenças étnicas, de gênero e geracionais, dando origem a categorias, outra face da desigualdade social.

 

Neste sentido, Fernández Enguita tenta avançar sobre determinadas posições de origem marxista que enquadram as desigualdades sofridas pelos grupos étnicos na sociedade capitalista no conceito de "classe trabalhadora", à falta de um qualificativo mais explícito. Busca um marco de referência para os indivíduos pertencentes aos grupos étnicos que os posicione e caracterize como grupos desprivilegiados ainda antes de proceder-se à exploração da mais-valia, isto é, esclarecendo que o privilégio negativo do coletivo étnico é anterior ao ingresso do indivíduo no mercado de trabalho.

 

Em síntese,

"Poderíamos dizer, pois, que a relação de privilégio é uma relação de 'exploração weberiana' (diferentes oportunidades) que se superpõe à 'exploração marxista' (transferência de trabalho excedente), melhorando as probabilidades dos positivamente privilegiados de converterem-se em exploradores (ou, quando menos, em explorados mas incorporados) e dobrando a dos negativamente privilegiados de converterem-se em explorados (ou, no pior dos casos, em excluídos) (Fernández Enguita, 1993, p. 78).

 

Pelo que se viu nas páginas precedentes, distintas elaborações no âmbito das ciências sociais pretenderam dar conta do tipo de desigualdade que afeta a existência dos grupos étnico-raciais, pelo menos no período mais recente das sociedades ocidentais. Todavia, se existe um acordo acerca de que esta desigualdade possui características específicas, as variáveis usadas para tipificá-la variam muito. Ainda assim, podemos perceber as seguintes concordâncias: que a existência de preconceitos colabora nos processos de marginalização dos grupos étnico-raciais dos bens que são disputados na sociedade; que existe algum tipo de segregação étnico-racial (e/ou de especialização profissional) no mundo do trabalho, apresentando seus reflexos sobre a distribuição do poder na sociedade.

 

Afora o problema relativo a quando as diferenças transformam-se em desigualdade, há que pensar sobre como se “criam” tais diferenças. Observe-se que no transcorrer do texto utilizei o termo étnico-racial, o que pode abrir espaço para o questionamento sobre a orientação racista que o uso de tal termo apresenta[9]. Entretanto, a intenção foi dar conta tanto dos casos em que a referência a uma cultura prévia é o elemento constitutivo no reconhecimento da diferença de um grupo, como de situações nas quais a fabricação de diferenças se produz sobre aspectos externos (como a cor da pele) que, no transcorrer do tempo, podem adquirir o caráter, para o grupo afetado, de identidade cultural[10]. Por outra parte, definir cultura por si só é uma tarefa bastante difícil, considerando os diferentes marcos teóricos que podem ser utilizados. Neste sentido, tomo a seguinte definição de cultura, que creio ser suficientemente ampla para poder dar conta da discussão que vem a seguir:

 

“Por cultura entendemos os princípios de vida compartilhados e característicos de cada classe, grupo ou ambiente sociais. As culturas se produzem quando os grupos encontram o sentido de sua existência social no curso de sua experiência cotidiana. Neste sentido, a cultura está intimamente unida ao mundo da ação prática. Como norma geral, basta para organizar a vida de cada dia. Mas, dado que este mundo cotidiano é em si mesmo problemático, a cultura se vê forçada a adotar formas complexas e heterogêneas, ‘nem sempre livres de contradições’” (Clarke et alii, apud Giroux et alii, 1990, p. 193).

 

3. "Conteúdos" versus "limites" culturais na permanência dos grupos étnicos

Dentro da sociologia a definição que deu Weber a princípios do século ao que seja grupo étnico é considerada satisfatória:

 

"... chamaremos grupos ‘étnicos’ àqueles grupos humanos que, em virtude de semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se existe ou não uma comunidade de sangue efetiva" (1994, p. 270).

 

Como se vê, os argumentos do autor em relação às comunidades étnicas significaram um avanço em relação às perspectivas biológicas no estudo das diferenças étnico-raciais, já que sua análise (1) resgata a importância do habitus acima de possíveis determinantes raciais quando (2) encaminha-se a entender como ocorrem interações entre comunidades. Assim, por exemplo, ele defende que:

 

"A maior ou menor facilidade do nascimento de uma comunidade de intercâmbio social (no sentido mais amplo possível da palavra) está vinculada a aspectos extremamente exteriores das diferenças no modo de viver habitual, ocasionadas por alguma casualidade histórica, assim como à herança racial" (1994, p. 269).

 

Dois aspectos da contribuição do autor sobre a matéria merecem maior atenção. Em primeiro lugar, Weber descreve como acontece a criação de diferenças étnico-raciais. Afirma que os elementos aprendidos historicamente são mais fortes que os geneticamente herdados; estes também podem, de fato, existir. Mas, se as diferenças raciais são menos significativas que as condições econômicas e políticas que dão origem aos grupos, por outro lado o que sobrevive na memória coletiva é a crença numa afinidade sangüínea, não importa se real ou imaginária.

 

Ele destaca várias vezes como sendo fundamental na constituição e permanência dos grupos étnicos esta crença no parentesco, e como signos externos terminam por ser muito importantes na identidade. Realiza um exercício pelo qual vai retirando, paulatinamente, aspectos que fazem parte da idéia de uma procedência comum para ver o que subsiste:

 

"Se tentamos verificar, de modo geral, as diferenças ‘étnicas’ que restam quando prescindimos da comunidade lingüística, que nem sempre coincide com a consangüinidade objetiva ou subjetiva, e da crença religiosa comum, também independente dessa consangüinidade, bem como, até o momento, do efeito de destinos políticos comuns e suas lembranças - que, pelo menos objetivamente, nada tem a ver com a consangüinidade –, temos, então, de um lado ..., as diferenças esteticamente marcantes do habitus exteriormente manifestado e, de outro, absolutamente equiparáveis àquelas, as diferenças evidentes nas formas de vida cotidiana" (1994, p. 271).

 

No transcorrer do tempo, o significado originário das características do modo de vida cotidiano é esquecido, e subsistem somente os rituais, as convenções. Todavia, a consciência comunal se mantém graças à crença na existência do grupo étnico.

 

Assim, sobre a interação entre diferentes comunidades, pode ocorrer que um costume distinto evoque a idéia de "sangue distinto", mesmo que isto não possua correspondência com a realidade objetiva. Em última instância, para simplificar a discussão, podemos sublinhar dois pontos relativos ao intercâmbio social. Primeiro, assinalar que o indivíduo que não compreende determinado costume de um grupo não consegue com ele relacionar-se; a "honra étnica" é alimentada pela "convicção da excelência dos próprios costumes e da inferioridade dos alheios" (1994, p. 272), o que caracterizaria um gênero de etnocentrismo. Segundo, dizer que esta falta de intercâmbio só adquire caráter conflituoso quando as diferenças étnicas são usadas como argumentos nas disputas pelos recursos econômicos (incluindo a luta – política - por um território).

 

O segundo aspecto digno de atenção especial - que infelizmente apenas será mencionado - é a orientação metodológica que nos dá Weber em relação ao exame da ação comunal baseada na etnia, posto que nela muitos fenômenos apresentam-se mesclados. Para ele, haveria que se estudar, separadamente:

 

"a efetiva ação subjetiva dos ‘costumes’, condicionados, por um lado, pela disposição hereditária e, por outro, pela tradição; o alcance de todos os diferentes conteúdos dos ‘costumes’, um por um; a repercussão de uma comunidade lingüística, religiosa ou política, antiga ou atual, sobre a formação de costumes; o grau em que semelhantes componentes, cada um por si, despertam atração ou repulsão e, especialmente, a crença na comunidade ou distinção de sangue; as diferentes conseqüências dessa crença para que as ações em geral, as distintas formas de relações sexuais, as possibilidades das diversas formas de ações comunitárias se desenvolvam sobre o fundamento da comunidade de costumes ou da crença na consangüinidade ... . Fazendo isto, arremessar-se-ía definitivamente pela borda o conceito coletivo de ‘étnico’. Pois é um coletivo completamente inútil para toda investigação realmente exata" (1994, p. 275).

 

Hoje em dia uma das vertentes de estudo dos grupos étnicos os definem com base em sua participação numa cultura comum, utilizando categorias semelhantes às de Weber, tal como se pode exemplificar pelas citações seguintes:

 

"Um grupo étnico é um conjunto de pessoas de características peculiares, inserido numa sociedade mais ampla, cuja cultura difere, no geral, da cultura desta última. Aqueles que pertencem a tal grupo sentem-se, estão ou se considera que estão unidos pelos laços comuns de raça, nacionalidade ou cultura" (Morris, 1975, p. 253).

"Podemos definir uma comunidade étnica, ou etnia, como um específico grupo humano que reivindica uma terra natal e compartilha mitos de antepassados comuns, memórias históricas e uma cultura distinta" (Smith, 1992, p. 438).

 

Contudo, uma proposição bastante distinta é apresentada a partir do trabalho de Barth (1976). A contribuição de Barth e seus colegas à antropologia social refere-se ao estudo de uma temática ainda não tratada por esta disciplina, a questão dos limites entre os grupos étnicos. Barth parte da concepção de Narroll como a idéia corrente para definir os grupos étnicos:

 

"O termo grupo étnico é utilizado geralmente na literatura antropológica... para designar uma comunidade que:

1. em grande medida se autoperpetua biologicamente;

2. compartilha valores culturais fundamentais, realizados com unidade manifestada em    formas culturais;

3. integra um campo de comunicação e interação;

4. conta com membros que identificam a si mesmos e são identificados por outros e que constituem uma categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem." (Barth, 1976, p. 11)".

 

Em seguida, aponta as limitações deste raciocínio, sempre que a cultura comum é destacada como tema fundamental a estudar no processo de análise de um grupo étnico determinado, reduzindo a investigação à simples descrição das características de cada cultura. Evidentemente isto leva a "distinguir os grupos étnicos pelas características morfológicas das culturas de que são portadores" (Barth, 1976, p. 12). Contrário a isto, Barth opina que muito lucraríamos se encaminhássemos os estudos em direção ao ponto 4 da lista de Narrol, isto é, a ênfase na investigação sobre as etnias necessita recair sobre os limites entre uns e outros grupos, ainda que haja trânsito de indivíduos entre eles. Os grupos não subsistem por seu isolamento, e sim apesar do intercâmbio. Realça-se, logo, menos o conteúdo cultural, e mais a inscrição e a autoinscrição no grupo, entendendo a identidade étnica como algo que se torna visível quando um grupo encontra "outro".

 

Mais ainda, Barth explica como ocorre a filiação a ou a exclusão de um grupo:

"A identificação de outra pessoa como membro do mesmo grupo étnico entranha uma co-participação de critérios de valorização e de julgamento. ... Por outro lado, a dicotomia que converte outros em estranhos e em membros de outro grupo étnico, supõe um reconhecimento das limitações para chegar a um entendimento recíproco, diferenças de critério para emitir juízos de valor e de conduta e uma restrição da interação possível a setores que pressupõem comum acordo e interesse" (1976, p. 17-18).

 

Entretanto, os grupos persistem mesmo quando se produzem contatos com outros, e Barth esclarece como:

"Quando interagem pessoas pertencentes a culturas diferentes, espera-se que suas diferenças se reduzam, já que a interação requer e gera uma congruência de códigos e valores; em outras palavras, uma similitude ou comunidade de cultura. ... Por tal motivo, a persistência dos grupos étnicos em contato implica não só critérios e sinais de identificação, mas também estrutura de interação que permita a persistência de diferenças culturais. O aspecto organizacional que sustentarei deve ser geral para todas as relações interétnicas, é um conjunto sistemático de regras que regula os encontros sociais interétnicos" (1976, p. 18).

 

Assim, esta perspectiva se reveste de grande importância porque permite trabalhar a interação entre distintos grupos. Entretanto, não foi esta também uma das contribuições de Weber ao estudo dos grupos étnicos?

 

Costuma-se dizer que aqueles que resgatam a importância dos conteúdos culturais para a identificação dos distintos grupos étnicos são primordialistas, enquanto os que aderem à posição defendida por Barth et alii são chamados de circunstancialistas ou situacionalistas (Fernández Enguita, 1996, p. 67; Giménez Romero, 1994, p. 180-181; Rex, 1983, p. xviii-xix, supracitado)[11].

 

Tendo em conta esta classificação, há quem considere que Weber e Barth encontram-se em oposição:

"... Barth translada o foco da investigação, dos conteúdos culturais do grupo étnico aos limites étnicos que definem o grupo, o que é uma mudança fundamental com respeito a posições mais generalizadas, na linha de Max Weber, que enfatizavam o sentido da descendência comum, a solidariedade política, e a existência de língua, costumes, religião e valores também comuns" (Moreno, 1991, p. 605).

Enquanto outros percebem exatamente o oposto:

"A opção pela (auto)inscrição como elemento determinante da etnicidade, frente ao conteúdo da cultura, identifica-se hoje com Barth, mas é justo dizer que se encontra já em Weber" (Fernández Enguita, 1993, p. 67).

 

Como se pode perceber, a matéria objeto de análise está longe de ter sido esgotada. Considerando as limitações deste trabalho, deixarei de lado uma discussão mais profunda sobre estas divergências, bem como sobre outras relativas a distintos significados dados aos termos etnia, grupo étnico, etnicidade, etc.

 

4. A respeito das teorias sobre o grupo racista

Nesta seção, direi algo sobre os estudos que se orientam ao comportamento do indivíduo ou do grupo racista. Há controvérsia em relação à importância teórica de enfoques deste gênero, na medida em que alguns deles tendem a deslocar a centralidade das relações desiguais na estrutura social em direção às atitudes do ator racista. Contudo, de acordo com o já mencionado Wieviorka, do ponto de vista do desenvolvimento de uma sociologia do racismo, a passagem do item raça para o preconceito constitui um avanço, sempre que algumas destas teorias permitem retirar importância de supostas diferenças entre raças: "isto o afirma também Sartre, à sua maneira, quando diz, numa fórmula célebre, que o judeu vem definido pelo olhar do outro: ‘É o anti-semita quem cria o judeu’" (Wieviorka, 1992, p. 70).

 

Ademais, é possível levantar mais dois fatores que justificam a importância do conhecimento desta classe de teorias. Em primeiro lugar, ainda segundo Wieviorka (baseado, entre outros, em Touraine e Taguieff), é preciso entender que a opressão econômica, política e social que sofrem determinados grupos é garantida pela utilização alternada ou conjunta dos argumentos sobre a desigualdade ou diferença dos mesmos. Por isso, pode ser importante compreender como a discriminação é produzida e como ela pode ser utilizada, em distintos contextos históricos, para colaborar nos processos de exploração e/ou extermínio[12].

 

Em segundo lugar, existem projetos educativos que, por meio do desenvolvimento de atitudes de tolerância às diferenças, pretendem promover uma relação mais igualitária entre as pessoas. Esses projetos possuem seu grau de importância na luta contra a desigualdade sempre que conseguem ter influência sobre coletivos infantis e juvenis impedindo que, neles, se multipliquem os preconceitos que garantem o desenvolvimento de atitudes racistas; motivo pelo qual é preciso entender a lógica da produção do racismo no indivíduo.

 

Logo, o principal alvo dos estudos citados poderia ser expresso pela questão: quando e por que o preconceito alcança o nível do racismo, justificando a desigualdade?[13]

 

Como ilustração comentarei algumas das idéias de Agnes Heller (1989) sobre os preconceitos. Para ela estes são categorias elaboradas no cotidiano, servindo como juízos provisórios que dirigem o comportamento diário das pessoas. Não obstante, nem todos os juízos provisórios levam a preconceitos negativos, somente aqueles que são falsos juízos provisórios. A possibilidade de colocá-los a prova existe, sempre que o indivíduo não se deixe levar pelo conformismo e não seja predisposto aos preconceitos. Mas os preconceitos socialmente importantes são elaborados pelos grupos dominantes, e assimilados pelos indivíduos que os aplicam de forma espontânea a situações objetivas, por processos de mediação, identificando estereótipos.

 

Deste modo, em geral são as classes dominantes as encarregadas de elaborar teorias discriminatórias, consideradas por Agnes Heller sistemas de preconceitos ("o camponês húngaro que se lançou com entusiasmo na Primeira Guerra Mundial, ou o operário alemão que se entregou de corpo e alma a Hitler, foram tipos humanos manipulados através de sistemas de preconceitos" [p. 54]). Não obstante, a autora explicita que isto só ocorre como um fenômeno típico a partir da aparição da sociedade burguesa, suficientemente instável desde seu nascimento para buscar coesão por meio de preconceitos de grupo ("os preconceitos nacionais, raciais, étnicos" [p. 55]).

 

Pode-se destacar, também, que as atitudes discriminatórias são historicamente aprendidas. Agnes Heller cita o psicólogo social norte-americano Allport para descrever o processo histórico e o processo de assimilação, pelo indivíduo, dos preconceitos (explicação essencial, por exemplo, para o estudo de relações interétnicas na escola):

"Allport construiu a seguinte gradação no que se refere aos preconceitos negativos: ressentimento, racionalização (autojustificação) estereotipada, comportamento estereotipado (desde a discriminação até o extermínio, passando pela tortura física). A gradação histórica não varia quando se trata da explicação social de um preconceito, ainda que nem todo preconceito atravesse todas as fases indicadas. Mas a gradação costuma se inverter na configuração dos preconceitos no indivíduo. A primeira coisa observada pela criança são os modos de comportamento preconceituoso estereotipados e as racionalizações ou justificações dos mesmos feitas pelos adultos; só depois é que começa a sentir o ressentimento correspondente" (Agnes Heller, 1989, p. 50).

 

A propósito, podemos recordar a concepção de Goffman (1986) em relação ao estigma:

"O termo estigma será utilizado, pois, para fazer referência a um atributo profundamente desacreditador; mas o que na realidade se necessita é uma linguagem de relações, não de atributos. Um atributo que estigmatiza a um tipo de possuidor pode confirmar a normalidade de outro e, conseqüentemente, não é nem honroso nem ignominioso em si mesmo" (p. 13). "Um estigma é, pois, realmente uma classe especial de relação entre atributo e estereótipo" (p. 14).

Isto é: o atributo só adquire importância quando, por meio de processos de elaboração de preconceitos, torna-se um estereótipo.

 

Por fim, abordagens de caráter psicoanalítico trabalham sobre as relações do indivíduo com o diferente ou com o semelhante. Discutindo o papel do Outro na construção do Eu, Nair (1994) afirma sua necessidade enquanto projeção da diferença. Do mesmo modo, indaga se as sociedades podem viver sem seus inimigos, e explica: para o mundo desenvolvido, concretamente para Europa e Estados Unidos, quem ocupará o lugar do regime comunista no papel do Outro?

 

"A figura do Outro radical se desloca do comunismo ameaçador para o que fazia possível o comunismo; a pobreza, a miséria. ... Esta ameaça surge por toda a parte ... . Já não é ideológica e política. É social, étnica, cultural e religiosa. Ganha rosto, é claro, num espaço: o do Sul." (Nair, 1994, p. 232).

 

Desta forma, elabora-se um discurso no qual o Outro não é só a projeção e a negação, mas também a dejeção. O discurso racista nega a universalidade do ser humano e baseia-se na projeção de nossos preconceitos. Unicamente pode ser enfrentado por meio do reconhecimento da universalidade tanto do Outro como do Eu.

 

Mas igualmente é possível que a negação do Outro devenha de nossa incapacidade de aceitar-nos, tal como pensa Julia Kristeva: "Quando fugimos do estranho ou o combatemos, não fazemos outra coisa que lutar contra nosso inconsciente" (apud Wieviorka, 1992, p. 71).

 

5. Desigualdades étnicas e educação

Os estudos a respeito das desigualdades étnicas vêm iluminando aspectos dos fenômenos educacionais que nos permitem perceber em que medida os ideais pregados pela visão majoritária de escola já se apresentam enviesados desde sua origem. De fato, se esses ideais se referem, de forma genérica, à ampliação das oportunidades educacionais, permitindo a todos o alcance de condições mínimas para disputar um lugar ao sol - pelo menos nas sociedades de livre mercado e democracia participativa -, a desconsideração das especificidades dos grupos desprivilegiados surge, de imediato, como um obstáculo no alcance dessas condições – isto é, denotam de per si a falácia da “escola para todos”.

 

Não obstante, é preciso lembrar que a ampliação de oportunidades educacionais e a reivindicação de uma escola mais conforme aos interesses dos segmentos desprivilegiados não ocorre sem a luta e pressão dos mesmos, em distintos momentos históricos e em diferentes países do globo. A visibilidade do fenômeno de atenção às “minorias”, então, surge porque as próprias, no plano político, ousam fazer-se ouvir. Por conseguinte, no plano acadêmico, tornam-se um problema digno de ser examinado. Como já explicitei em outra ocasião,

 

“se até bem pouco tempo se privilegiava o estudo das desigualdades de classe, isso não significa, primeiro, que os demais tipos de desigualdade não existissem e, segundo, que, hoje, essas últimas estejam por cima das desigualdades de classe. Na verdade, o que ocorre é um aprimoramento das categorias de análise” (FERREIRA, 2000, p.228).

 

Por outro lado, essa visibilidade, tanto no espaço sócio-político quanto no plano acadêmico, vem acontecendo ao lado de uma multiplicidade de situações que, hoje, tornam mais complexa a tarefa de examinar os processos de desigualdade e de conflitos étnico-raciais, na escola e fora dela.

 

Vimos assistindo, nos anos recentes, a manifestações etnocêntricas de variados tipos. Filtradas por uma divulgação, na imprensa, entediante e banalizadora, elas revelam formas de racismo diferenciadas. No meu entender, infelizmente, pela falta de enfrentamento político mais radical, essas manifestações de racismo foram, por assim dizer, “naturalizadas”. Vão desde as guerras nacionalistas, já corriqueiras em algumas partes do planeta, à ascensão de líderes nazistas pela via das eleições democráticas[14], como é o caso de Jorg Haider, do “Partido da Liberdade”, na Áustria, cujos resultados eleitorais lhe permitiram abocanhar, desde o passado mês de fevereiro, metade dos ministérios no atual governo. Na França, o ultradireitista Partido da Frente Nacional, liderado por Jean-Marie Le Pen, recebeu 8% dos votos nas eleições de 1993.

 

Frente ao avanço da organização das “minorias”, certos grupos conservadores voltam-se para uma estratégia diferenciada, “como sustenta o novo relativismo cultural da nova direita: todo o mundo é magnífico desde que fique em sua casa” (FERNÁNDEZ ENGUITA, 2000, p. 220). BLOOM (1989 p. 43), por exemplo, argumenta que “hoje, evidentemente, só tipos patológicos das classes inferiores defendem as opiniões racistas”, que incluiriam a suposta inferioridade dos negros.

 

Não obstante, sabemos que conflitos racistas, especialmente nos países democráticos, vêm se multiplicando geometricamente[15], e é difícil aceitar que sejam iniciativas procedentes exclusivamente dos “tipos patológicos” acima mencionados. Mais fácil de aceitar é a hipótese de diferenciadas expressões racistas de acordo com a esfera de intervenção: os parlamentos, os grupos econômicos, as ruas, e, no caso da educação, as reformas educacionais e as práticas pedagógicas. Estas últimas, mais sutis, continuam merecendo estudos para que se possa aprofundar o conhecimento a respeito de como o fracasso escolar dos grupos desprivilegiados é tecido no cotidiano, oferecendo-lhes como alternativa, o abandono de sua identidade (FERREIRA, 1997).

 

No caso do Brasil, o mito da democracia racial dificulta que se perceba o impacto das diferenças étnico-raciais sobre as situações de desigualdade, porque “os ‘sujeitos’ das políticas públicas foram sempre designados por termos genéricos tais como: camadas populares, classe operária, classe trabalhadora” (GONÇALVES & SILVA, 1998, p. 32). Isto é um problema das políticas sociais, mas os educadores não podem negar que é um problema, também, proveniente de nossa incapacidade analítica, que pretendeu a todos subsumir na categoria de desigualdade econômica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Sobre a autora:

 

Márcia Ondina Vieira Ferreira, doutora em Sociologia pela Universidade de Salamanca (Espanha), é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (RS). No curso de Mestrado em Educação dessa Faculdade vem investigando e orientando alunos sobre os temas escola e diversidades sociais e culturais e profissão docente. No curso de Graduação em Filosofia atua na área de formação de professores. É co-organizadora do livro Fragmentos da globalização na educação; uma perspectiva comparada. (Porto Alegre, Artes Médicas, 2000).

 

 

Notas:

[1] Do ponto de vista do paradigma das relações raciais, boa síntese pode ser encontrada em Van Den Berghe, 1971, p. 11-75.

[2] Interpretação com base argumentativa distinta, mas interessante, é apresentada por Foucault (1992), em especial o capítulo (lição) 11, tal como pode dar uma idéia a seguinte citação:

"Em primeiro lugar pode-se compreender o vínculo que rapidamente se estabeleceu entre a teoria biológica do século XIX e o discurso do poder. No fundo, o evolucionismo entendido em sentido amplo, isto é, não tanto a teoria de Darwin como o conjunto de suas noções (hierarquia das espécies na árvore comum da evolução, luta pela vida entre as espécies, seleção que elimina os menos adaptados), chegou a ser com toda naturalidade, no curso de alguns anos, não só um modo de transcrever o discurso político em termos biológicos, e não só um modo de ocultar sob uma cobertura científica um discurso político, mas um modo de pensar as relações entre colonização, necessidade das guerras, a criminalidade, os fenômenos da loucura e a enfermidade mental, a história das sociedades com as diferentes classes" (p. 266).

[3] Sobre a discriminação de minorias em países desenvolvidos, o autor diz que "... as minorias poderiam buscar a coexistência pluralista, a assimilação, desejar afastar-se ou buscar derrocar a ordem existente e estabelecer seu próprio domínio. Por outro lado, a sociedade hospedeira poderia seguir uma das variedades de políticas: (1) Assimilação: (a) forçada, (b) permitida; (2) pluralismo; (3) proteção legal de minorias; (4) transferência de população: (a) transferência pacífica, (b) migração forçada; (5) sujeição contínua; (6) extermínio." (Rex, 1983, p. 123-124).

[4] Veja-se, por exemplo, Wallerstein: "Precisamente por ser uma doutrina antiuniversalista, o racismo ajuda a manter o capitalismo como sistema. Ele justifica que um segmento importante da força de trabalho receba uma remuneração muito inferior a que poderia justificar o critério meritocrático" (1991, p. 34). A mesma argumentação é aplicada ao trabalho de mulheres, jovens e pessoas de idade avançada.

[5] Veja-se a posição de Rex apresentada na seção passada.

[6] Veja-se Weber (1994), especialmente no primeiro capítulo da Primeira Parte o parágrafo 10 ("Relações abertas e relações fechadas") e no segundo capítulo da Segunda Parte o parágrafo 2 ("Relações econômicas 'abertas' e 'fechadas'").

[7] Aqui, me ocuparei de uma série de trabalhos do autor sem ter em conta o texto "Recursos y oportunidades" (1997), no qual Fernández Enguita realiza uma crítica justamente ao desenvolvimento que faz Parkin da noção de fechamento social, incluindo as conseqüentes divergências em torno do conceito de exploração.

[8] Na próxima seção este assunto será tratado com maior atenção.

[9] En passant, é preciso dizer que a expressão é de uso comum em muitas obras, inclusive está presente no título da importante Revista Ethnic and Racial Studies.

[10] Este é o caso, ao menos em parte, dos afro-descendentes nos Estados Unidos e Brasil.

[11] Outros, ainda, introduzem uma terceira possibilidade ademais dos fatores primordiais ou situacionais como fonte da continuidade do fenômeno étnico, como é o caso de Yinger (1986, p. 27), que destaca a existência do fator caracterológico (characterological factor), pelo qual diferentes experiências de vida conduzem pessoas com semelhantes posições estruturais e culturais a assumirem sua identidade étnica de forma diferente.

[12] Neste sentido, Wieviorka matiza a discussão, explicando que "para destacar claramente a separação das condutas e do preconceito e afirmar a primazia da estrutura frente à subjetividade, alguns autores propuseram uma terminologia específica; assim, Ambalavaner Sivanandan distingue entre o que chama de 'racismo', ideologia explícita da superioridade racial, e 'racialismo', tratamento desigual das diferentes raças" (Wieviorka, 1992, p. 149).

[13] Naturalmente que há distintos graus de elaboração sobre o tema. Assim, por exemplo, um trabalho da ordem de "An American Dilemma", de Myrdal, examina a questão enquanto um problema moral, buscando entender como a sociedade norte-americana, que reconhece a si mesma como a sociedade da democracia e igualdade, pode sobreviver aceitando a opressão do negro; enquanto que as elaborações de Adorno sobre a personalidade autoritária pretendem desvelar como se produz o racismo no processo de formação da personalidade.

[14] Cabe lembrar que, em janeiro de 1933, Hitler alçou-se ao poder na Alemanha, com 33,1% dos votos.

[15] Como exemplo disso posso citar o caso da Espanha, país onde realizei meus estudos sobre desigualdade étnica. Desde 1995, ano em que retornei ao Brasil, as forças de segurança estimam que o número de integrantes de grupos racistas violentos tenha se multiplicado por cinco. Já na apreciação do Movimiento contra la Intolerancia, responsável pela pesquisa, o número de “carecas” multiplicou-se por nove devido “à atitude dos tribunais,... que não estão lutando contra o racismo com todas as armas que a lei põe em suas mãos”. (EL PAÍS DIGITAL. 5 ago. 1999, n. 1189).