ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS. REPRESENTAÇÃO. FALTA DE PROVA DE SUA MATERIALIDADE. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE ADOLESCENTE. NECESSIDADE DA MEDIDA. Não é inepta a representação que descreve adequadamente comportamentos previstos no Código Penal como criminosos, em conformidade com o art. 103 da Lei 8.069/90, malgrado não haja, ainda, nos respectivos autos, prova material dos correspondentes atos infracionais, consoante o art. 182, § 2°, da mesma lei. Em face do que dispõem os arts. 227, e § 3°; e 108, parágrafo único, e 174 da Lei 8.069, só se decreta a internação provisória de adolescente, quando imperiosa a necessidade da medida, mediante decisão que revele a inviabilidade da permanência em liberdade dele até a sentença. HABEAS CORPUS - N° 109.988-7, DE CURITIBA – VARA DA INFANCIA  E DA JUVENTUDE. RELATOR : DES. GIL TROTTA TELLES. 20.09.01.

 

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ

 

 

HABEAS CORPUS - N° 109.988-7, DE CURITIBA – VARA DA INFANCIA  E DA JUVENTUDE

 

IMPETRANTE: M. S. N.

RELATOR : DES. GIL TROTTA TELLES

 

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATOS INFRACIONAIS. REPRESENTAÇÃO. FALTA DE PROVA DE SUA MATERIALIDADE. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA DE ADOLESCENTE. NECESSIDADE DA MEDIDA. Não é inepta a representação que descreve adequadamente comportamentos previstos no Código Penal como criminosos, em conformidade com o art. 103 da Lei 8.069/90, malgrado não haja, ainda, nos respectivos autos, prova material dos correspondentes atos infracionais, consoante o art. 182, § 2°, da mesma lei. Em face do que dispõem os arts. 227, e § 3°; e 108, parágrafo único, e 174 da Lei 8.069, só se decreta a internação provisória de adolescente, quando imperiosa a necessidade da medida, mediante decisão que revele a inviabilidade da permanência em liberdade dele até a sentença.

 

Acórdão nº 13495 - 2ª Câmara Criminal

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 109.988-7, de Curitiba – Vara da Infância e da Juventude, impetrante M. S. N., representado pelos Advogados C. V. L., R. K. J. e S. B. L.

 

1. Trata-se de habeas corpus impetrado por M. S. N., com dezessete anos de idade, por intermédio de seus Advogados C. V. L. J., R. K. J. e S. B. L., sob a alegação de encontrar-se a sofrer constrangimento ilegal, decorrente das decisões da MM. Juíza de Direito da Vara da Infância e da Juventude desta Comarca, que, em face de atribuir-se ao paciente ato infracional  descrito como homicídio qualificado, determinou-lhe a internação provisória ainda antes de oferecida a respectiva representação, mantendo-a posteriormente ao recebimento da referida representação, sem que a medida se revele necessária, carecendo, além disso, as decisões em tela de fundamentação adequada.

 

2. A primeira decisão acima mencionada está assim concebida:

“Autos 1214-2001 I

“M. S. N.

"Deixo de aplicar, por ora, a medida sugerida pelo Ministério Público, eis que, em face da gravidade e natureza dos atos infracionais, é indispensável análise mais detida sobre o perfil psicossocial do adolescente, o que será obtido, oportunamente, através de estudo de caso, mesmo porque, através deste, outra medida poderá ser adotada.

"Não existe qualquer comprovante que o adolescente seja estudante universitário, tenha endereço fixo e que reside com os pais.

"Pelo acima exposto, decreto a internação provisória do adolescente junto ao SAS, a qual poderá ser revista por oportunidade da oitiva do adolescente, bem como da entrega a este Juízo, de comprovantes, inclusive boletins de notas e freqüência, comprovantes de endereço, etc...

"Cumpra-se o artigo 184 do ECA

"Oficie-se ao SAS, comunicando-lhes esta decisão.

"Abra-se ao Ministério Público para fins de representação.

"Data supra.

"DILMARI HELENA KESSLER.

"Juíza de Direito Designada" (fl. 110-TJ).

"Por seu turno, a segunda daquelas decisões acha-se vazada nestes termos:

 

“III - Reportando-me ao despacho de folhas 59, e considerando os termos da manifestação ministerial retro de fls. 63, tratando-se de fato grave, havendo indícios e materialidade da autoria, considerando que o fato causou intranqüilidade social, encontrando-se o jovem em situação de risco, pois envolveu-se em ato infracional, em tese, crimes de homicídio e ocultação de cadáver, demonstrando frieza ao abandonar o corpo da vítima já falecida e ao retornar ao apartamento onde encontrava-se a jovem, como, também, bem salientado pela Promotora de Justiça, imperiosa a medida para conter o desajuste comportamental, e a urgência em impor limites concretos ao adolescente, mantenho a determinação para internação provisória, que tem por um de seus objetivos possibilitar a elaboração do estudo psicossocial mais adequado e aprofundado" (fl. 121-TJ) (fls. 156/157-TJ).

Como está no parecer do Ministério Público, "Em diversas petições posteriormente anexadas aos autos...", o impetrante-paciente  questiona "...posturas e atos da autoridade judiciária apontada como coatora" (fl. 357- TJ).

Deferida a liminar (fls. 156/159), prestadas as informações de praxe, a Procuradoria de Justiça opinou pela concessão, em definitivo da ordem (fls. 356/370).

 

II

 

1. A decisão concessiva da liminar tem este teor:

"Ora, o paciente, ao que se infere dos autos, é universitário e não registra antecedentes, e, de acordo com o artigo 108, parágrafo único, da Lei 8.069, de 13-7-90, a internação, antes da sentença, só pode ser determinada se "...demonstrada a necessidade imperiosa da medida", o que, na hipótese, não aconteceu. Com efeito, se, mesmo quando se cuide de crimes considerados hediondos para a decretação da prisão preventiva dos indiciados ou réus deles acusados, não basta a gravidade do delito ou delitos a eles atribuídos, não se lhes podendo presumir a periculosidade exclusivamente das circunstâncias atinentes ao respectivo cometimento, com maior razão devem tais considerações ser levadas em conta para a internação provisória de menor, ao qual imputado ato infracional, por maior que seja a gravidade de que aparentemente se revista.

"Sob outro aspecto, infere-se dos autos que o adolescente sequer foi ouvido pela Dra. Juíza, aplicando-se à hipótese os precedentes aludidos na petição inicial, a saber:

"ECA – Habeas Corpus - INTERNAMENTO - GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. I. Para efeito de internamento devem ser observadas, pelo menos, as garantias estabelecidas no art. 5°, inciso LIV e LV, da Carta Magna, e no art. 111, incisos III, V e VI do ECA. II. "Antes de decidir pelo internamento, o juiz deve tentar proceder a oitiva do adolescente infrator. Ordem concedida". (HC n° 12758-SP, DJU de 12.02.2001, p. 128).

"Na mesma linha, o Ministro EDSON VIDIGAL julgou:

"Penal. Processual. Menor Infrator. Internação. Revogação. Habeas Corpus. A internação é medida de natureza grave, cuja decretação depende diretamente da estreita observância das garantias previstas na CF, art. 5°, LIV e LV, e no ECA, art. 122". (HC n° 11932-SP, DJU 01/08/2000, p. 287)" (fl.35).

 

"Salienta-se que, posto acolhida a representação ao cabo  de procedimento por ato infracional, a medida de internação só será ordenada, se patenteada a inexistência de outra medida sócio-educativa ajustável ao caso concreto (v. art. 122, § 2°, do ECA); e, aqui, o procedimento foi apenas iniciado.

"Presente, portanto, no caso, o requisito do fumus boni juris, visto que as decisões impugnadas efetivamente não contêm motivação adequada.

"Por outro lado, evidente o prejuízo que sofre o menor com a internação provisória, deixando de assistir às aulas nos cursos por ele freqüentados, coexiste, aqui, também, o requisito do periculum in mora ( fls. 157/159-TJ).

 

2. Adota-se, também, aqui a fundamentação do parecer da douta Procuradoria de Justiça, da lavra do Dr. OLYMPIO DE SÁ SOTTO MAIOR NETO, a saber:

 

"O presente habeas corpus foi impetrado, como vimos, para fazer cessar o constrangimento ilegal à liberdade de ir e vir do adolescente C. L. J., que está sendo processado perante o Juízo da Infância e Juventude - Setor de infratores - da Comarca de Curitiba por ter praticado a infração em tese capitulada como homicídio qualificado, e que por força de despacho judicial acabou tendo decretada sua internação provisória.

"Em que pesem as inúmeras questões aventadas pelos impetrantes, cabe a esse Areópago, pela via estreita do habeas corpus analisar basicamente 02 (duas) questões: a legalidade da representação oferecida em relação ao paciente, que se alega inepta, e a validade do decreto de sua internação provisória, que não teria atendido aos requisitos legais específicos, posto que não demonstrada a presença da "necessidade imperiosa da medida", tal qual exige o art. 108, par. único, da Lei n° 8.069/90, como decorrência do princípio da excepcionalidade da internação, previsto no art. 227, § 3°, inc. V, segunda parte, da Constituição Federal.

"No que diz respeito à primeira situação, data venia os argumentos utilizados pelos impetrantes, não há como reconhecer a alegada inépcia da representação inicial, na medida em que a referida peça descreve de forma clara e precisa um fato em tese enquadrável no conceito de ato infracional (conforme art. 103, da Lei n° 8.069/90), tendo por base elementos de convicção que, embora indiciários, apontam para o paciente como sendo seu autor.

"Vale o registro de que, contrariamente ao que ocorre na lei Processual Penal, para fins de oferecimento da representação que deflagra o procedimento para apuração de ato infracional praticado por adolescente, não há necessidade de prova da materialidade dos fatos, embora deva esta ser providenciada no curso da instrução procedimental.

"Tal assertiva, que decorre da expressa disposição do art. 182, § 2°, da Lei n° 8.069/90, é por sua vez resultado da necessidade de conferir ao procedimento especial celeridade (mesmo em se tratando de adolescente que a ele responde em liberdade, sendo esta a regra absoluta, dada existência de restrições e mesmo vedações expressas para a internação provisória, como será adiante melhor explicitado), razão pela qual também, contrariamente ao que argumentaram os impetrantes em sua petição de fls. 197 usque 102 (item 5), o curso de procedimentos similares, como ocorre com todos os demais que tramitam na Justiça da Infância e Juventude, não se interrompe durante as férias forenses, pois afinal, gozam eles de prioridade absoluta para instrução e julgamento, por força do princípio constitucional insculpido no art. 227, caput, de nossa Carta Magna.

"Possível que era, em tese, o pronto oferecimento da representação inicial, até porque o Ministério Público, titular exclusivo da ação sócio-educativa, em momento algum, no procedimento em análise, optou por não o fazer (o que poderia ter perfeitamente ocorrido, ex vi do disposto no art. 180, incisos I e II, da Lei n° 8.069/90), e formalmente perfeita a peça respectiva, de fls. 117 usque 119, permitindo ao paciente o exercício de seu sagrado direito à ampla defesa, não há como reconhecer sua alegada inépcia, sendo que eventual desconformidade da imputação com o fato efetivamente praticado, é matéria que refoge ao mérito do presente writ posto que será analisada ao término do procedimento em trâmite junto ao Juízo impetrado.

"No que concerne ao segundo item de controvérsia, o despacho decretou a internação provisória do paciente não pode prevalecer, sendo necessária a confirmação da liminar para fins de concessão, em definitivo, do habeas corpus pleiteado.

"Com efeito, consoante se infere dos documentos de fls. 110 e 121, a medida excepcional da internação provisória do paciente foi decretada sem fundamentação adequada a justificar sua necessidade imperiosa, tal qual determina o art. 108, par. único, in fine, da Lei n° 8.069/90.

"Os despachos impetrados, por sinal, nitidamente padronizados, limitam-se a reproduzir alguns dos dizeres dos dispositivos legais aplicáveis, tendo um deles (fl. 121) se reportado ao requerimento no qual o Ministério Público de 1° grau representa pelo decreto da medida extrema, valendo observar que o pronunciamento ministerial fundamenta o pedido de internação provisória do impetrante unicamente em razão da gravidade do ato infracional a ele atribuído, o que, sabemos e ressabemos, não se constitui motivo que, isoladamente, autoriza a privação liberdade de um adolescente.

"A propósito, se é inegável que os despachos impugnados de fls. 110 e 121 não teriam fundamentação bastante para justificar sequer o decreto da prisão preventiva ou temporária do paciente fosse ele um imputável, que dirá em se tratando de decreto de internação provisória de um adolescente, medida que por princípio legal e, acima de tudo, constitucional, reveste-se de caráter excepcional.

"Num Juízo especializado no atendimento de adolescentes em conflito com a lei, a utilização de despachos padronizados, que não preenchem os mínimos requisitos legais é algo inaceitável, não podendo ser considerado válido o decreto de privação de liberdade de um adolescente que assim se apresente, sob pena de vermos mais uma vez, parafraseando o imortal RUI BARBOSA, "triunfar as nulidades" em detrimento do texto cristalino da lei que obviamente não permite solução semelhante à noticiada nos autos.

"De fato, como decorrência do art. 227, caput da Constituição Federal, que relaciona o direito à liberdade como um dos direitos fundamentais que cabe ao Estado (notadamente o Estado-Jurisdição) assegurar ao adolescente com a mais absoluta prioridade, a Lei n° 8.069/90 estabelece, como regra absoluta, a permanência em liberdade do adolescente acusado da prática de qualquer ato infracional, sendo admissível o decreto da internação provisória apenas em situações excepcionais, quando devidamente "demonstrada a necessidade imperiosa da medida" (art. 108, par. único, da Lei n° 8.069/90).

Os requisitos para a internação provisória são específicos, estando relacionados no já citado art. 174, da Lei n° 8.069/90, dizendo respeito à gravidade do ato infracional, sua repercussão social, e a necessidade da garantia da segurança pessoal do adolescente ou a manutenção da ordem pública, o que apenas reforça a idéia de excepcionalidade da medida.

"Da análise dos mencionados dispositivos legais, não é difícil chegar à conclusão que somente se justifica a adoção da solução extrema da internação provisória do adolescente acusado da prática infracional em hipóteses restritas, após devidamente demonstrada, com base em elementos idôneos constantes dos autos, e obviamente por despacho fundamentado, a presença dos citados requisitos legais específicos, bem como a absoluta impossibilidade da adoção de providências outras que não importem na privação da liberdade do jovem.

"Ocorre que os despachos guerreados, desatentos ao comando da legislação específica, em momento algum fizeram menção a qualquer dos já mencionados requisitos mínimos e indispensáveis ao decreto válido da internação provisória de um adolescente acusado da prática de atos infracionais, encontrando-se assim invariavelmente contaminados pelo vício insanável da nulidade, posto que despidos de fundamentação idônea a afastar o caráter excepcional da medida.

"Consoante alhures ventilado, em consonância com o disposto no art. 93, inc. IX, da Constituição Federal, o art. 108, par. único, da Lei n°8.069/90, exige que o despacho determinante da internação provisória do adolescente acusado da prática do ato infracional seja devidamente fundamentado, de modo a deixar evidenciada a "necessidade imperiosa da medida", com a imprescindível demonstração (não bastando a mera alegação) da presença dos requisitos do art. 174, da Lei n° 8.069/90, sob pena de invalidade do provimento jurisdicional e incidência da regra que determina a liberação imediata do jovem.

"Este não é o caso dos despachos que decretaram a internação provisória do paciente, onde a autoridade judiciária se limita a reproduzir e ainda assim de forma parcial - as palavras da lei, como único elemento a justificar a adoção da medida excepcional, não demonstrando a efetiva presença de qualquer dos requisitos da internação provisória elencados pelo citado art. 174, da Lei n° 8.069/90, o que obviamente não pode ser considerado como "fundamentação" idônea a atender as exigências legais e constitucionais respectivas.

"Em momento algum, portanto, logrou a autoridade judiciária demonstrar as razões que a levaram a concluir pela "necessidade imperiosa da medida", ex vi do que determina a legislação específica, tornando assim inválidos ambos os despachos onde foi determinada a internação provisória do paciente.

"Diverso não é o entendimento da jurisprudência, que sem vacilar tem reconhecido a nulidade de decretos de internação provisória de adolescentes acusados da prática de atos infracionais quando baseados unicamente na gravidade do ato infracional em tese praticado e despidos da imprescindível fundamentação:

 

"SEM DESPACHO FUNDAMENTADO DO JUIZ, DETERMINANDO A INTERNAÇÃO, ESTA É ILEGAL E ENSEJA A LIBERDADE DO ADOLESCENTE POR MEIO DE  HABEAS CORPUS”  (TJRS - 8ª Câm. Cív., HC n° 591087853. Rel. Des. JOÃO ANDRADES CARVALHO, j.05/12/91);

 

“HABEAS CORPUS - INTERNAMENTO PROVISÓRIO DECISÃO DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO - COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA - CONCESSÃO" (HC n° 94-1662-0, de Curitiba. Acórdão n° 7264. Rel. Des. ANGELO ZATTAR. j. 22/05/95);

 

                                     “HABEAS CORPUS". INFRAÇÃO DE MENOR. TENTATIVA DE FURTO. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA, INOCORRÊNCIA DE FALTA GRAVE. INTERNAÇÃO INJUSTIFICADA. ORDEM CONCEDIDA. Não se justificando a internação de adolescente, que praticou infração penal de tentativa de furto, NEM SE ENCONTRANDO A DECISÃO ATACADA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, concede-se a ordem para afastar o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do menor” (HC n° 97-2.090-8, de Curitiba. Acórdão n° 7841. Rel. Des. ACCÁCIO CAMBI. In Revista Igualdade n° 17, pág. 120 - grifamos);

 

"No mesmo sentido, podemos ainda citar o HABEAS CORPUS 95.14904 (Acórdão n° 7.394, j. 04/12/95), de Arapongas, em que foi relator o Des. CARLOS HOFFMANN, de onde se extrai:

"Por outro lado, afigura-se desmotivado o decreto de internação provisória. Ex vi do disposto no art. 108, parágrafo único, a decisão do internação provisória 'deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida'. No decreto, explicitou-se que 'existe indícios de autoria e materialidade, e está demonstrada a necessidade imperiosa da medida, ante os antecedentes do infante acusado... ' (fls. ) A rigor, REPETIU A DRA. JUÍZA AS PALAVRAS DA LEI, sem indicar EXPRESSAMENTE os indícios de autoria e da materialidade e explicitar o PORQUÊ DA NECESSIDADE de ser o adolescente internado provisoriamente. DECRETOS COMO ESTE NÃO SATISFAZEM A EXIGÊNCIA LEGAL E DESRESPEITAM O ART. 93, INCISO IX DA CF., que impõe a obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões do Poder Judiciário. (...) Por estes motivos, impõe-se a concessão da ordem impetrada para fazer cessar o constrangimento ilegal que o adolescente está sofrendo".

"Na hipótese dos autos, como vimos, a autoridade judiciária coatora em momento algum demonstrou, como era de seu inafastável mister, a presença de uma hipotética situação que legitimaria a internação provisória do paciente.

"Assim sendo, vez que não logrou o Juízo impetrado demonstrar, como lhe exigia o art. 108, par. único, da Lei nº 8.069/90, a imperiosa necessidade do decreto da internação provisória do paciente, pela comprovada presença de quaisquer das situações relacionadas na parte final do art. 174, do mesmo Diploma Legal, a medida excepcional respectiva não pode prevalecer, sendo de rigor a imediata colocação do paciente em liberdade.

"Mais uma vez é de se ressaltar que um juízo especializado como o impetrado não pode deixar de atender ao cristalino comando da Lei (e da Constituição Federal) no sentido da efetiva e minudente demonstração, inclusive através dos recursos técnicos que dispõe (seja através dos profissionais que trabalham no Serviço de Atendimento Social - SAS, que funciona junto ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator - CIAADI, desta Capital, seja através da equipe do Serviço Auxiliar da Infância - SAI, que lhe é diretamente subordinada), que a medida de fato é necessária, não em razão da infração praticada, mas em razão das condições pessoais do adolescente.

"Se já seria de rigor a exigência do fiel cumprimento da lei por parte de juízos que funcionam junto a comarcas de entrância inicial, que embora devessem (face o contido nos arts. 150 e 151 da Lei nº 8.069/90), de regra não contam com o auxílio de equipes interprofissionais para embasar suas decisões, com muito mais razão isto ocorre em relação ao Juízo impetrado, que reúne perfeitas condições de obter o necessário respaldo técnico antes de tomar tão drástica decisão como a de privar um adolescente de sua liberdade" (fls. 157/159).

 

III

 

Ante o exposto, acordam os Desembargadores da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, conceder definitivamente o " habeas corpus" a fim de que o paciente, salvo evento superveniente a justificar a internação provisória, aguarde em liberdade o término do processo pelos atos infracionais a este atribuídos.

 

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores NEWTON LUZ e CARLOS HOFFMANN.

 

Curitiba, 20 de setembro de 2001.

 

GIL TROTTA TELLES


                                        Presidente e Relator