EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE GUARULHOS

 

 

 

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por intermédio dos Promotores de Justiça infra­assinados, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com base no art. 129, inciso III, da Constituição da República, no art. 5º da Lei 7.347/85 e no art. 201, inciso V, da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), propor:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face do MUNICÍPIO DE GUARULHOS, cuja Prefeitura está sediada na Av. Bom Clima, 90, nesta Cidade, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.

 

I

 

A Constituição da República prevê como primeiro direito social básico a educação:

 

Art. 6º ‑ São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 

Assegura à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos sociais, dentre eles a educação (art. 227).

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá‑los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

Em capítulo próprio, diz expressamente que a educação é direito de todos e dever do Estado, vinculando a aplicação de percentual de receita dos impostos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino:

 

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

(...)

 

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida e proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

 

Em consonância com a Constituição da República, a Lei Orgânica do Município de Guarulhos também vincula percentual da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino:

 

Art 190. O Município aplicará 25% (vinte e cinco por cento), no mínimo da receita resultante de impostos, anualmente, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

 

Regulamentando a matéria, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n. 9.394/96) dispõe sobre os percentuais mínimos da receita resultante de impostos que os entes da Federação devem aplicar no ensino:

 

Art. 249 ‑ A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que  consta nas respectivas Constituições ou Lei Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

 

   Desse percentual mínimo, a maior parte deve ser destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, como determina o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com redação dada pela Emenda Constitucional 14, de 12 de setembro de 1996:

 

Art. 60. Nos 10 (dez) primeiros anos da promulgação desta Emenda, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão não menos de 60% (sessenta por cento) dos recursos a que se refere o ‘caput’ do art. 212 da Constituição Federal, à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério.

 

II

 

   Apurou‑se, no âmbito do incluso procedimento (protocolado n. 04/97), que em Guarulhos o repasse dos valores referentes ao percentual mínimo de vinte e cinco por cento da receita resultante dos impostos não foi efetuado de acordo com o preceituado na legislação constitucional e infra‑constitucional vigente, no exercício de 1998.

 

Tampouco observou o Município a reserva mínima de 60% dessa receita para o ensino fundamental.

 

Esses fatos foram reconhecidos pelo Egrégio Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que desaprovou as contas prestadas pela Prefeitura Municipal de Guarulhos no referido exercício (fls. 252/264).

 

Conforme as análises acostadas a fls. 196/203 e 218/225, a base de cálculo do percentual foi de R$ 405.746.084,39 (quatrocentos e cinco milhões, setecentos e quarenta e seis milhões, oitenta e quatro reais e trinta e nove centavos), incluindo as transferências, sendo certo que os 25% previstos na Constituição Federal e na Lei Orgânica representariam R$ 101.436.521,10 (cento e um milhões, quatrocentos e trinta e seis mil, quinhentos e vinte e um reais e dez centavos), aos quais devem ser somados R$ 364.885,29 (trezentos e sessenta e quatro mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e vinte e nove centavos) provenientes de rendimentos de aplicações financeiras ‑ o que perfaz um total de R$ 101.801.406,39 (cento e um milhões, oitocentos e um mil, quatrocentos e seis reais e trinta e nove centavos).

 

O Município aplicou efetivamente em ensino apenas R$ 64.889.979,16, que perfazem o percentual de 15,90% calculados sobre o montante de receitas de impostos e transferências constitucionais.

 

Do montante total arrecadado, 60%, ou R$ 61.080.843,83 (sessenta e um milhões, oitenta mil, oitocentos e quarenta e três reais e oitenta e três centavos) deveriam ter sido aplicados no ensino fundamental, como determina o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias acima transcrito. Apenas 23,82% da parcela efetivamente aplicada, contudo, foram aplicados no ensino fundamental.

 

III

 

O Município de Guarulhos descumpriu normas constitucionais e infraconstitucionais cogentes, deixando de aplicar o percentual mínimo de vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos e transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino, e deixando de destinar, dentre esses recursos, ao menos sessenta por cento para a manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental.

 

Ressalte‑se que, na organização da Educação Nacional, cabe ao Município, prioritariamente, oferecer educação infantil e ensino fundamental, o que significa atingir quase que exclusivamente, por intermédio da Rede Municipal de Ensino, o segmento social formado por crianças e adolescentes, consoante determina a Lei Federal nº 5.692, artigo 18, e a Emenda Constitucional nº 14/96, que deu nova redação ao artigo 211, parágrafo 2º da Constituição Federal e ao artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

 

Deverá o Município, pois, ser compelido judicialmente a aplicar na manutenção e no desenvolvimento do ensino, em caráter complementar e a título de compensação, o montante que foi subtraído no exercício de 1998.

 

IV

 

Diante de todo o exposto e do constante da documentação inclusa, que desta petição faz parte integrante, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO:

 

                         a citação do MUNICÍPIO DE GUARULHOS para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia, devendo a demanda a final ser julgada procedente, com o fito de condenar o réu a aplicar na manutenção e no desenvolvimento do ensino, em caráter complementar e a título de compensação pelas espúrias condutas adotadas no exercício financeiro de 1998, o montante de R$ 36.546.541,94 (trinta e seis milhões, quinhentos e quarenta e seis mil, quinhentos e quarenta e um reais e noventa e quatro centavos), inserindo‑o na proposta orçamentária e na respectiva lei de diretrizes referentes ao exercício financeiro seguinte ao trânsito em julgado da r. decisão, o qual deverá ser devidamente corrigido até o efetivo desembolso.

 

                           Deverá o Município ainda providenciar a compensação do percentual aplicado no ensino fundamental para que atinja o patamar mínimo de 60% das receitas arrecadadas em 1998, como determina o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da mesma forma inserindo a previsão na proposta orçamentária e respectiva lei de diretrizes referentes ao exercício financeiro seguinte ao trânsito em Julgado da r. decisão.

 

Protesta pela produção de todos em direito admissíveis.

 

Dá à causa o valor simbólico de R$ 1.000,00.

 

Termos em que, juntando a esta o procedimento preparatório de inquérito civil n. 04/97, pede deferimento.

 

Guarulhos, 18 de julho de 2001

 

Paula E. Pruks

Promotora de Justiça

 

Marcelo Duarte Daneluzzi

Promotor de Justiça

 

José Roberto S. Gonsales

Estagiário do Ministério Público