SEXUALIDADE E DIFERENÇAS
DE GÊNERO ENTRE JOVENS UNIVERSITÁRIOS
Mauro
L. Vieira[1]
Ana
L. G. Silva[2]
Celiane G. Borghezan[2]
Daniela Mendes[2]
Grace Andreani[2]
A sexualidade na adolescência e entre jovens
adultos é um assunto que preocupa profissionais de saúde, pois os riscos
envolvidos na gravidez precoce ou indesejada e na transmissão de doenças
sexualmente transmissíveis, tais como a AIDS, são consideráveis. Como não se conhece em detalhes as características da sexualidade entre
os jovens, muitos problemas ainda existem em relação a uma efetiva educação
sexual, incluindo programa institucionais ou orientações familiares, em países
industrializados como os Estados Unidos, Canadá ou Suécia(RUUSUVAARA, 1997) ou
países em desenvolvimento como o Brasil (DIAS & GOMES, 2000) e Peru
(CHIRINOS e col., 2000). Entre os problemas identificados, pesquisa
revelam que nem sempre o jovem recebe o apoio necessário e adequado para
esclarecer dúvidas que surgem nesse período da vida (DIAS & GOMES, 2000).
Especificamente entre adolescentes,
"a iniciação sexual na adolescência na maioria dos casos, é uma
manifestação de curiosidade natural diante do desenvolvimento físico e de
maturação sexual, assim como pode ser expressão de amor e confiança. Pode
também, estar relacionado com solidão, carência afetiva ou oportunidade de
auto-afirmação diante dos amigos, entre outros aspectos" (COSTA e col.,
1995, p.152). Além disso, os autores também afirmam que, na adolescência, esses
jovens não são suficientemente capazes para abstrair as conseqüências do
comportamento sexual, deparando-se freqüentemente com situações de risco.
A sexualidade entre os jovens abarca um
contexto muito amplo, como escolarização, estrutura familiar e estabilidade
sócio-econômica da família entre outros aspectos. De acordo com MEACHAM (2000),
o emprego juvenil e a educação são elementos vinculados à sexualidade e ao
comportamento reprodutivo. Com relação a isso, pode-se afirmar que uma menor
educação e um maior desemprego são considerados fatores que favorecem uma maior
atividade sexual nos jovens, juntamente com outros elementos como a urbanização
acelerada, o adiamento do casamento e uma maturação sexual precoce.
Especificamente no caso da menarca, evento que decorre da interação entre
fatores genéticos, neuroendócrinos, psicológicos e
ambientais, pode-se reafirmar que tem se apresentado cada vez mais cedo,
segundo indicadores de diversos países (COSTA e col., 1995).
A diferença de gênero é um dos aspectos
relevantes em relação à sexualidade. É importante considerar que os atributos
dados às diferenças de gênero fazem parte de um amplo sistema envolvendo as
dimensões biológica, psicológica, social, histórica e
cultural Diferenças de gênero podem ser explicadas a partir de uma
perspectiva evolucionária, segundo a qual homens e mulheres seriam diferentes
em função de características biológicas e psicológicas que foram selecionadas
ao longo da evolução (FISHER, 1995; VIEIRA, 2000). Além disso, estudos têm mostrado
que existe relação entre o nível de testosterona e a atividade sexual, como por
exemplo, no início da atividade sexual, embora fatores psicológicos e sociais
também exerçam papel importante (HALPERN e col., 1993).
Por outro lado, características peculiares
de cada um dos sexos também são influenciadas por pressões sócio-culturais e
históricas. Homens e mulheres mudaram bastante ao longo da história. No
entanto, muitos estereótipos permanecem influenciando as opiniões e atitudes
das pessoas em relação ao sexo oposto. Segundo GOLDENBERG (1999), muitos homens
tiveram poucas parceiras sexuais, fato que contraria os estereótipos
masculinos. Entretanto, a mulher continua sendo vista como frágil, indefesa e
dependente dos homens.
GOLDENBERG (1988), falando sobre as
diferenças na sexualidade de homens e mulheres, traz o depoimento de uma das
mulheres que participou de sua pesquisa. Nele está bastante nítida a questão da
sexualidade da mulher voltada para a satisfação do homem, sem que seja dado a
ela o direito de sentir prazer. No mesmo depoimento, fica claro ainda que a
idéia de repressão e submissão ao prazer para o homem, dá-se também pelo
desconhecimento, por parte da mulher, do seu próprio corpo. Outro
que auxilia na repressão da sexualidade feminina são os preceitos
religiosos que se referem somente a um aspecto da sexualidade: o que visa a
reprodução.
No caso dos jovens, as concepções sociais
sobre o gênero têm grande influência na incorporação de modelos de
masculinidade e feminilidade (ROUCO, 1999). É nesse contexto que as relações
entre homens e mulheres adquirem significado, tanto nas interações sexuais como
nas idéias de cada indivíduo como homem ou mulher e em sua identidade sexual.
Diferentes motivos levariam os jovens a
terem as primeiras relações sexuais. O desejo sexual, a atração física, ou
ainda o "ficar" - relação eventual, sem compromisso posterior. mesmo
que não ocorra relação sexual – são alguns dos motivos declarados pelos rapazes
(REITH, 1998). Para o homem, fica evidente a valorização do prazer genital
centrado na penetração, no orgasmo e na virilidade. Para a maioria das garotas,
são os compromissos afetivos envolvendo sentimentos de amor e ternura, e desejo
de relacionamentos duradouros que provocam a relação sexual.
Além disso, existem muitos problemas
enfrentados pelos jovens quando a sexualidade aflora. Nem sempre o jovem
consegue acompanhar e compreender as transformações biológicas que acontecem
com seu corpo, principalmente em relação à sexualidade. Um dos problemas mais
graves que se tem na adolescência é a falta de informação, embora este não seja
o único fator que explique os problemas decorrentes da sexualidade. No caso da
mulher, a obtenção de prazer é limitada pelas exigências do parceiro e pelo
desconhecimento do próprio corpo, embora dados atuais, ainda que pouco
representativos, têm indicado que a mulher adolescente a cada dia tem
conquistado liberdade e iniciativa em relação à sua sexualidade (DIAS &
GOMES, 2000).
Uma das tarefas que se coloca para a
sociedade é identificar como o adolescente adquire informações sobre sexo.
Através de uma análise histórica, pode-se constatar que as famílias fornecem
informações diferenciadas a respeito da sexualidade para meninos e meninas.
Meninos são mais instruídos sobre DST, Aids e relações sexuais, enquanto
meninas são informadas sobre gravidez, virgindade e menstruação (COSTA, 1986).
Em geral, moças, mais do que rapazes, discutem assuntos relacionados a sexo com
seus pais (LEBORD & BARTH, 1992). Contudo, a rede de apoio, constituída por
familiares, nem sempre está preparada para esclarecer dúvidas dos adolescentes
em relação à sexualidade ou até mesmo aceitar a sexualidade dos adolescentes
(DIAS & GOMES, 2000).
Uma das repercussões da educação sexual recebida
pelo jovem pode ser constatada no que se refere aos comportamentos de homens e
mulheres. Os comportamentos masculinos levam à exibição de sua masculinidade,
modo pelo qual se afirmam perante o seu grupo de relações. Essa prática é
bastante diferenciada nas mulheres que tratam da sexualidade no âmbito privado,
o que confere à sexualidade feminina idéias de segredos, zelos e valores a
serem preservados.
Outros dados sobre a sexualidade entre
jovens têm indicado que, na busca da identidade sexual, o adolescente oscila
entre atividades masturbatórias e explorações
genitais, podendo não haver, de fato, relações com penetração (TAVARES, 1999).
No entanto, a primeira relação sexual vem se tomando cada vez mais precoce. Em
Lima, Peru foi encontrado que a idade da primeira relação sexual de
adolescentes do sexo masculino é de 13 anos (CHIRINOS e col., 2000) e, no
Brasil é de 13-14 anos (COSTA, 1986). Alguns autores têm procurado criar
modelos para predizer a época, em termos de idade, da primeira relação sexual
de rapazes. Comportamento delinqüente ou anti-social, envolvimento com drogas
ilícitas ou legais e estrutura familiar não estável podem estar associados ao
início precoce da atividade sexual interpessoal (CAPALDI e col., 1996). Por
outro lado, esses autores afirmam que fatores psicológicas,
tais como a ansiedade, pode atrasar a idade em que o intercurso sexual ocorre.
A ocupação dos adolescentes também parece
ser um fator que interfere na atividade sexual. Pesquisadores do México
(HUERTA-FRANCO e col., 1996) têm encontrado que adolescentes, tanto moças como
rapazes que trabalham, relataram significativamente maiores taxas de atividade
sexual do que adolescentes estudantes. Na mesma pesquisa, também foi encontrado
que entre rapazes sexualmente ativos, ser estudante ou trabalhador não afetou o
uso de métodos contraceptivos. No entanto, a escolaridade influenciou no
comportamento das moças: 27,5% das moças que estudavam informaram estar usando
algum método contraceptivo, enquanto esse valor foi de apenas 9,5% para moças
que trabalhavam.
Diante do exposto, pode-se ver que os
jovens estão se tornando sexualmente ativos cada vez mais cedo e fora do
casamento, de modo crescente (MEACHAM, 2000). No entanto, faltam dados
consistentes sobre as várias dimensões da sexualidade nas diferentes fases
evolutivas da vida. Dessa forma, um dos desafios que se coloca para os
profissionais da saúde é responder questões no que se refere à saúde sexual e
reprodutiva desde a adolescência, com o objetivo de criar programas de educação
sexual efetivos.
A presente pesquisa teve como objetivo
fazer um levantamento com jovens universitários sobre como eles classificariam
pais e mães em relação à educação recebida, características da iniciação
sexual, incluindo dados mais objetivos como a idade da primeira relação sexual
e os sentimentos envolvidos nessa experiência, além de obter algumas
informações sobre a vida sexual atual.
Método
Participaram da presente pesquisa 78
jovens universitários freqüentando cursos de diferentes áreas do conhecimento.
Do total, 42 eram do sexo feminino (53,8% da amostra) e 36 eram do sexo
masculino (46,2% da amostra). A média de idade dos homens foi de 21,84 anos e
das mulheres 22,4 anos. A ampla maioria da amostra era composta de pessoas solteiras:
77% das mulheres e 91,7% dos homens. A religião de criação dos sujeitos de
ambos os sexos era predominantemente católica (69,05% das mulheres e 88,88% dos
homens).
Para a realização da pesquisa foi
utilizado um questionário elaborado por Nelson Vitiello,
obtido pela rede mundial de computadores (www.sbrash.org.br/) em que estava
disponível para realização de pesquisa. Antes da aplicação, o questionário foi
revisado e algumas adaptações foram realizadas,
O questionário consistiu de quatro partes
distintas: a) dados gerais dos indivíduos; b) educação recebida na infância; c)
informações sobre iniciação sexual; e d) dados sobre a vida sexual atual. O
instrumento apresentava um total de 37 questões. Em cada questão a pessoa
deveria escolher uma dentre várias alternativas possíveis.
A aplicação do instrumento foi realizada
de forma coletiva (salas de aulas). Antes de responder ao questionário, os
participantes foram informados que a participação era voluntária e não havia
necessidade de identificação pessoal. Foi mencionado que era necessário uma
leitura atenta e o preenchimento deveria ser completo e feito de maneira
sincera. Foram colocados à disposição telefone e e-mail para esclarecimentos de
quaisquer dúvidas sobre a pesquisa e obtenção de informação sobre os resultados
da mesma.
Resultados
A análise dos resultados foi realizada
com base em três itens: a) educação familiar recebida; b) características da
primeira relação sexual; e c) vida sexual atual.
PAPEL DO PAI E DA MÃE NA EDUCAÇÃO DE
FILHOS E FILHAS
Com relação às mulheres, os pais foram
classificados como mais omissos e menos educadores do que a mãe (Figura 1). A maioria
das filhas classificou a mãe como educadora (70,1%) e apenas 17,4% como omissa.
Contudo, entre os homens, pais e mães
foram classificados praticamente da mesma forma em relação ao estilo de
educação, embora
Figura
1 : Classificação de
pais e mães, pelas filhas, em relação à educação sexual recebida na infância
as mães tenham sido caracterizadas como
mais educadoras e um pouco menos omissas do que os pais (Figura 2). O papel de
repressor, tanto por parte do pai como da mãe, indicou ser maior no caso das
filhas. Os dados, no conjunto, indicam diferenças de gênero no estilo de
educação dos pais em relação aos filhos.
Figura
2: Classificação de pais
e mães, pelos filhos (homens), em relação à educação sexual recebida na
infância.
PRIMEIRA RELAÇÃO SEXUAL
Entre os homens, 79% tiveram a primeira
relação sexual entre 15 e 18 anos. No caso das mulheres, 80% destas tiveram a
iniciação sexual no período entre 16 e 20 anos. Constata-se também, na figura
3, que 9% dos homens tiveram a iniciação sexual com 13 anos e apenas 6% com 19
anos. Entre as mulheres, cerca de 23% tiveram o primeiro relacionamento sexual
entre 20 e 22 anos (Figura 3).
Figura
3 : Idade (em anos) da
primeira relação sexual relatada por rapazes e mulheres.
Constatou-se que, entre as mulheres, 80%
afirmaram que o namorado foi o parceiro da iniciação sexual. No caso dos
homens, a familiaridade também foi importante na escolha do parceiro durante a
primeira relação sexual. Contudo, nem sempre envolvia um parceiro com
envolvimento afetivo-sexual mais duradouro. A primeira relação sexual dos
homens, em apenas 35% dos casos, foi com a namorada. Em outros 35% da amostra,
a parceira era apenas uma conhecida (Figura 4).
Figura
4: Tipos de
relacionamentos que homens e mulheres tinham com o parceiro quando ocorreu a
primeira relação sexual.
Com relação ao grau de insatisfação na
primeira relação sexual, também constatou-se
diferenças dependendo do sexo dos indivíduos. Em todos os itens (desejo, excitação
e orgasmo) apareceu algum grau de insatisfação na amostra feminina, embora em
relação ao orgasmo, o número de mulheres que relatou ter algum grau de
insatisfação chegou a 85,7% da amostra. No caso dos homens, além da
insatisfação ser acentuadamente menor em dois itens, foi inexistente com
relação ao desejo (Figura 5).
Figura
5 : Insatisfação
relatada por homens e mulheres durante a primeira relação sexual a respeito do
desejo, excitação e orgasmo.
NÚMERO DE PARCEIROS
A maioria das mulheres (63%) relatou ter
apenas um parceiro durante a vida sexual, enquanto que cerca de 25% da amostra
afirmou ter de 2 a 5 parceiros. Entre os homens, 85% da
amostra relatou ter dois ou mais parceiros, não havendo praticamente
diferença no número de indivíduos que responderam ter de 2 a 5 parceiras ou l0
ou mais. Em ambos os casos a porcentagem foi em torno de 26,5% (Figura 6).
Por fim, o resultado com relação à crença
de ter algum problema sexual foi bastante próximo entre os jovens
universitários, independentemente do sexo. A ampla maioria das pessoas que
participaram da pesquisa disse não ser portadora de problema sexual (Figura 7).
Figura
6: Número de parceiros
que homens e mulheres tiveram durante a vida sexual
Figura
7: Percepção de homens e
mulheres sobre serem ou não portadores de algum problema sexual
Discussão
Os dados da presente pesquisa indicaram
algumas semelhanças e acentuadas diferenças de gênero na educação recebida,
iniciação sexual e vida sexual atual de jovens universitários.
PAIS/MÃES E FILHOS/FILHAS
Os jovens avaliaram de forma o papel que
o pai e a mãe tiveram durante infância. Por exemplo, no caso dos homens, houve
grande diferença no papel do pai ou da mãe em relação à educação recebida,
embora a mãe tenha sido classificada mais como educadora do que omissa pelos
filhos. Isso parece indicar a existência de estereótipos de diferenças de
gênero dos pais em relação aos filhos e filhas. Mesmo com as transformações que
a sociedade vem sofrendo ao longo dos anos, ainda cabe mais à mãe do que ao pai
a responsabilidade da educação dos filhos e filhas, incluindo a educação
sexual.
A partir desse dado, uma das questões que
pode surgir é a seguinte: que tipo de educação os filhos e filhas recebem em
casa e quais os efeitos sobre o comportamento, de um modo geral, e sobre o
comportamento sexual de modo específico? Outra questão é: quais as fontes que
os jovens têm para adquirir informações e apoio diante da sexualidade? Um
estudo mostrou que o interlocutor preferencial de adolescentes do sexo feminino
de classe média-baixa para obter informação sobre
prevenção e gravidez na adolescência é a
mãe (DIAS & GOMES, 2000). No entanto, nesse mesmo estudo, foi encontrado
que as adolescentes gestantes relataram que as informações que elas obtiveram
das mães foram percebidas como parciais e incompletas, além de haver falta de
confiança na mãe. Além disso, a rede de apoio (tias e amigas, por exemplo) nem
sempre foi eficaz. Outro estudo, realizado nos Estados Unidos, também indicou
que as mães não estavam adequadamente preparadas para responder questões
relacionadas à sexualidade de seus filhos (HOCKEMBERRY e col., 1996).
Pesquisas têm procurado identificar
aspectos da educação sexual que adolescentes recebem de familiares e amigos. Por
exemplo, KELLEY e col. (1999) fizeram um levantamento sobre conteúdo,
característica e grau de 'conforto' de conversas sobre sexualidade entre
adolescentes estadunidenses de origem africana, com idades entre 13 e 15 anos,
e seus pais. Os resultados da pesquisa mostraram que tanto moças como rapazes
foram mais propensos para conversar assuntos relacionados à sexualidade com as
mães do que com os pais, o que confirma os dados obtidos na presente pesquisa.
Por outro lado, rapazes tenderam a conversar mais sobre sexo com seus pais do
que as moças. Esses dados também são confirmados aqui no Brasil na presente
pesquisa. Contudo, a fonte mais freqüente que os jovens estadunidenses
procuravam para conversar sobre sexo eram os amigos.
Embora mãe e pai possam não ser a fonte
principal de consulta sobre sexualidade, eles têm grande importância no
comportamento sexual dos jovens estadunidenses (op. cit.). Quando os
adolescentes de ambos os sexos conversavam mais sobre sexo com suas mães do que
com amigos, ele ou ela era menos propenso a ter relações sexuais
precoce e mais provável ter valores conservadores. Em outro estudo,
mostrou-se que a desaprovação por parte de pais e mães da experiência sexual
precoce foi associada ao retardo no início da relação sexual (RESNICK e col.,
1997).
Além da educação sexual ou da atitude de
pais e mães em relação à sexualidade na adolescência, a própria situação dos
pais também pode influenciar o comportamento sexual dos adolescentes. Estrutura
familiar não estável foi um dos fatores associados com o início precoce da
atividade sexual (CAPALDI e col., 1996).
INICIAÇÃO E VIDA SEXUAL
A iniciação sexual pode ter vários
significados. Por exemplo, o primeiro ato sexual pode ser entendido como um
rito de passagem para a vida a adulta. Se isto for considerado, constata-se que
o início da maturidade está sendo antecipado em relação a
algumas décadas atrás. Em diversos países, constatou-se que a idade em que o
jovem tem o início da atividade sexual é bastante precoce. Em algumas cidades
como Lima (Peru), estudo feito em uma escola de ensino médio, indicou que
muitos adolescentes iniciaram a atividade sexual com 13 anos (CHIRINOS e col.,
2000). No Brasil, igualmente, a iniciação sexual para muitos jovens ocorre por
volta dos 13-14 anos (COSTA, 1986).
Embora se saiba que o desenvolvimento
físico, desde o nascimento, é geralmente mais rápido em pessoas do sexo
feminino, constatou-se na presente pesquisa que as mulheres iniciaram um pouco
mais tarde o intercurso sexual e o grau de satisfação com essa experiência foi
menor do que o dos homens, principalmente em relação ao orgasmo. Conclui-se,
portanto, que também, em relação à iniciação sexual, parece existir diferenças
de gênero.
Na presente pesquisa, encontrou-se que a
iniciação sexual dos jovens universitários pesquisados ocorreu em épocas um
pouco mais tarde do que é registrado na literatura. Os homens tiveram a
primeira relação sexual por volta dos 16 anos e as mulheres em torno de 18
anos. Pesquisas têm demonstrado que existem alguns fatores que podem explicar o
período em que a primeira relação sexual ocorre. O início precoce pode estar
associado com a desestrutura familiar, comportamento anti-social ou
envolvimento com drogas lícitas ou ilícitas (CAPALDI e col., 1996). Além disso,
a ocupação do adolescente também parece ser um fator que tem conseqüências
sobre a atividade sexual do adolescente. Foi encontrado em uma pesquisa
realizada nos Estados Unidos que a prática de sexo era mais freqüente entre
adolescentes que só trabalhavam em comparação com adolescentes que só estudavam
(HUERTA-FRANCO e col., 1996).
Na presente pesquisa, o grau de
satisfação com a experiência sexual inicial foi menor nas mulheres. Estas
também mencionaram ter menor número de parceiros e a iniciação sexual envolver
principalmente o namorado o que demonstra que a iniciação sexual das mulheres,
de um modo geral, está altamente relacionada à afetividade e à intimidade.
Parece que os homens procuram relações
sexuais para obter prazer o que pode ser alcançado facilmente com diversos
parceiros, enquanto as mulheres são movidas para as relações sexuais quando estão envolvidas emocionalmente, o que limita o número de parceiros.
Diversas pesquisas analisadas a partir da perspectiva evolucionária têm
explicado diferenças de gênero nessa direção. O homem teria maior predisposição
para dissociar sexo de envolvimento afetivo do que a mulher (FISHER,1995;
VIEIRA, 2000; OTTA & QUEIROZ, 1998; KENRICK e col., 1989).
Com relação aos sentimentos envolvidos na
primeira relação sexual, as explicações parecem ser mais complexas. A mulher,
apesar de todo o seu potencial para experienciar o
orgasmo, parece apresentar dificuldade maior nessa área do que os homens
durante a iniciação sexual. Talvez o medo da gravidez e a cobrança mais
acentuada por parte dos pais ou da própria sociedade do que em relação aos
rapazes, associada com a falta de conhecimento sobre sua sexualidade, são
fatores que podem estar envolvidos na explicação desse fenômeno. Além disso, a
educação sexual recebida pode levar o homem a se exibir e a mulher a se
reprimir. Para o homem, quanto mais cedo tiver a sua primeira relação sexual,
maior será a prova de sua masculinidade perante seu grupo. Sua virilidade será
provada para todos e a questão da homossexualidade se afastará. Essa iniciação
pode, em muitos casos, vir a ser com uma mulher desconhecida, em prostíbulos,
com mulheres mais velhas e "mais experientes''. No caso
da iniciação sexual feminina, a situação é bem diferente. A primeira
experiência sexual não será com qualquer homem. Primeiro ela precisa conhecê-lo
para depois ter um relacionamento mais íntimo. Talvez seja por isso que,
geralmente, a iniciação sexual feminina dá-se no namoro, o que não é fato tão
comum no caso dos homens. Essa diferenciação de gênero ficou evidente nos
resultados da presente pesquisa.
Diante do exposto, comparando dados
obtidos na pesquisa com dados da literatura, constata-se a necessidade de um
conhecimento mais aprofundado da sexualidade humana de um modo geral e, da
sexualidade entre adolescentes e adultos jovens, de modo mais específico. Esse
conhecimento certamente irá representar um marco decisivo na elaboração de
programas mais efetivos de educação sexual, tanto no nível institucional como
no familiar. Isso tem como objetivo fazer com que o
adolescente viva a sua sexualidade com prazer e responsabilidade,
procurando evitar problemas relacionados com a gravidez precoce e não desejada,
além da transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, incluindo nesse a
AIDS.
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Notas
[1] Departamento de Psicologia, Universidade Federal de
Santa Catarina, Campus Universitário - Trindade - Cep: 88049-900 Florianópolis
- SC - Brasil. Telefone: 48 3319639 - Fax: + 55 48
3319639. E-mail: mvieira@uol,com.br Professor do Departamento de Psicologia,
para quem correspondências poderão ser enviadas.
[2] Acadêmicas do curso de graduação em Psicologia.
Fonte
VIEIRA, M.L.; SILVA, A L.G.; BORGHEZAN,
C.G.; MENDES, D.; ANDREAN, G. Sexualidade e diferenças
de gênero entre jovens universitários. Rev.
Bras. Cresc. Desenv. Hum., São Paulo,
12(1), 2002.