ATO
INFRACIONAL, MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA E PROCESSO: A NOVA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]
Flávio Américo Frasseto[2]
Procurador do Estado de São Paulo de Assistência Judiciária.
Introdução
Este trabalho pretende apontar e comentar um conjunto de
decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça no que tange às garantias
outorgadas ao adolescente que responde processo de apuração de ato infracional ou processo de execução de medida
sócio-educativa. Trata-se de versão atualizada (até julho de 2002) de uma
produção anterior, compiladora de julgados, sempre
favoráveis à teses da defesa, proferidos até julho de 2000 sobretudo em
recursos interpostos pela equipe de Procuradores do Estado de Assistência
Judiciária de São Paulo no patrocínio dos interesses de jovens em conflito com
a lei. A pesquisa de atualização revelou
que de dois anos para cá o STJ vem sendo instado, cada vez com mais freqüência,
a se posicionar sobre a matéria focalizada, recebendo demandas diversificadas
de vários Estados da Federação.
A crescimento contínuo deste conjunto de julgados se
significa, de um lado, a receptividade da Corte Federal aos reclamos da defesa,
de outro lado demonstra que os graus inferiores da Justiça não têm guardado,
com a fidelidade esperada, os direitos outorgados aos jovens que poderão
receber ou que já receberam medidas sócio-educativas. No Estado de São Paulo, o
Tribunal de Justiça tem formado, ao longo dos anos, entendimentos em geral
contrários aos principais pleitos da defesa, motivando, em nosso ver, a
perpetuação de procedimentos absolutamente irregulares na jurisdição de
primeiro grau.
A dinâmica acelerada dos feitos na área da Infância e
Juventude, contraposta à lentidão habitual da Justiça, enseja que apenas parcela
mínima das decisões injustas acabe sendo corrigida pelo tribunal superior em
Brasília e, ainda, a destempo. De toda sorte, mesmo
sem salvaguardar oportunamente o interesse lesado, estas decisões trazem em si
o precioso valor persuasivo da jurisprudência, carregado com a autoridade do
órgão incumbido de zelar pela uniformidade interpretativa da lei federal. Daí
nosso interesse em divulgá-las.
O ECA
e as garantias do adolescente autor de ato infracional
As leis, dizem, envelhecem, mas a jurisprudência é sempre
atual. Este ditado, se vale como regra, encontra exceção na órbita da Infância
e Juventude. Aqui, podemos dizer, a lei é nova, mas a jurisprudência, em
especial dos Tribunais Estaduais, envelhecida, fonte
de resistência à modernização do pensamento. Isto porque o
ECA não veio simplesmente ratificar uma situação de fato já consolidada
na realidade cotidiana ou nas decisões dos Tribunais. Ele se impôs, no dizer de Edson Sêda,
como matriz alterativa
do imaginário e de práticas sociais,
incorporando preceitos efetivamente modificadores de hábitos usos e costumes
até então vigentes no trato com a criança e com o adolescente[3].
Assim, neste campo, o pensamento, incorporado na lei, tomou
deliberadamente a dianteira, deixando para trás a prática sedimentada. Todos
nós e em especial os operadores do Direito – advogados, promotores e juizes –
nos vimos, de repente, em nosso dia-a-dia, diante e distantes da nova realidade
legislativa. Nem todos acertamos o passo para alcançá-la. Muitos
por comodismo, falta de esforço ou de fôlego. Outros, contudo, porque
não quiseram, deliberadamente, mudar a marcha nem o caminho.
Deste modo, não obstante a nova legislação reconhecer
crianças e adolescentes como sujeitos de direitos - titulares das mesmas
garantias outorgadas aos adultos e não incompatíveis com a idade (art. 3ºdo ECA) -, um sem
número de decisões e práticas diárias contrariam, nos casos concretos, este
comando. De outro lado, mesmo tendo o ECA reconhecido
o caráter coercitivo, sancionatório, da medida
sócio-educativa, uma invasão do Estado na esfera de autonomia do adolescente
autor de conduta descrita em lei penal, muitos operadores ainda, no dia a dia,
continuam a toma-la como um direito do jovem, algo em seu exclusivo favor instituído, destinado
a protegê-lo do mal e de si mesmo, a
tutelá-lo. Ainda que dentre as sanções previstas para adolescentes a privação
de liberdade seja a menos recomendada por lei e os centros de internação sejam
em sua maioria prisões com outro nome na
porta de entrada, neles ingressam, diariamente,
jovens recomendados, por sentença, a
lá ficarem para crescer como cidadãos, para aprenderem a se comportar em
sociedade e tornarem-se “indivíduos úteis”.
O fato de a evidente invasão do Estado na vida do indivíduo
ser tomada como necessária, como salutar, em benefício do invadido e não do
Estado, encobre as trincheiras abertas
por lei para defender o cidadão do controle direto de seus passos pelas
instâncias oficiais de poder. Em outras palavras, as garantias processuais balizadoras
da pretensão estatal de controlar a vida do adolescente que infracionou
são ainda com freqüência vistas como obstáculos à intenção maior e mais nobre
de beneficiar este jovem. Obstáculos a serem afastados, desprezados, ignorados.
Esta equivocada intelecção do sistema do
Estatuto, partilhada pelos mais diversos operadores do direito, legitima
incontáveis violações dos direitos de nossos adolescentes processados.
Os operadores que não adequaram seu pensamento e sua prática ao ECA ainda raciocinam: “já que não estou punindo, estou
fazendo um bem para o infrator, não
preciso respeitar o procedimento, nem me ater à letra fria da lei. Posso
ordenar ao adolescente que faça o que quero e como quero”. Tal raciocínio - e
aí ele se torna ainda mais perigoso e traiçoeiro -
presta-se ao uso malicioso por parte daqueles que, na pura intenção
latente de vingar e retaliar com severidade, argumentam
defender o bem do “menor” para livrar-se dos freios legais obstadores
do tratamento draconiano desmesurado que apregoam, um sacrifício ao cidadão e
um equívoco do ponto de vista de defesa social e política criminal.
Emilio Garcia Mendez já vem
apontando há algum tempo que, ao lado da crise de implementação, o ECA atravessa uma crise de interpretação que “se configura
então como a releitura subjetiva, discricional e
corporativa das disposições garantistas do ECA e da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Dito de outra forma, a crise
de interpretação se configura no uso do código "tutelar" de uma lei
como o ECA claramente baseada no modelo da responsabilidade”[4]
Ilustra-se, por exemplo, tal crise com decisão do próprio STJ
que, por maioria, desatendendo reclamo
da defesa em face de internação teria
sido irregularmente aplicada, asseverou:
“não
se reconhece alegação de constrangimento ilegal quando devidamente fundamentada
a decisão que, no caso específico, entendeu que a coação contra a liberdade
do menor seria benéfica, pois, com a imposição da medida constritiva, o
paciente teria passado a estudar, ficando apartado das drogas e propiciando a
realização de trabalho de reaproximação familiar - ao contrário de quando
estava cumprindo medida sócio-educativa de prestação de serviços à
comunidade” (RHC 8642 - grifei).
O “menorismo” encarnado nesta
decisão foi denunciado no voto vencido declarado pelo Ministro Félix Fischer,
que ressalta sua perversa conseqüência de criminalização
da miséria:
“Dizer-se
que (a internação) é medida benéfica, data venia,
carece de amparo jurídico. Não compete, logicamente, ao Poder Judiciário ficar
internando, em forma de medida de recuperação, todos os jovens desassistidos ou carentes, apresentando a
“solução” atacada como ideal e necessária. A aceitação deste tipo de
pensamento leva à tão criticada seleção daqueles que são excluídos da
verdadeira e desejada assistência do Estado. Jovem pobre é internado. Adulto
pobre é recolhido no sistema prisional. Data venia, a
legislação não permite que assim se atue nem com pretexto ou finalidade de
resolver problema social. A questão é saber, também, se os delinqüentes jovens
de classes privilegiadas, que por muito maiores razões não poderiam praticar
infrações, têm merecido o mesmo tratamento. Na verdade são entregues aos pais.
O ECA, certo ou não, compõe um sistema legal que deve ser aplicado e obedecido.[5]”
Vê-se, assim, que, mesmo decorridos doze anos de vigência do ECA, os Tribunais, sobretudo os Tribunais Estaduais,
ainda, de forma pendular, ora protegem ora vulneram as garantias do jovem
infrator. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, não plenamente imune a
graves equívocos, tem cumprido exemplarmente sua missão de destacado guardião das liberdades, tal como apontaremos a seguir .
1. Do
cabimento irrestrito do habeas corpus
O instrumento mais comumente utilizado para
corrigir situação de ilegalidade determinada ou mantida nas instâncias
inferiores tem sido o habeas corpus. O
Superior Tribunal de Justiça, nas mais diversas hipóteses de impetração, sempre
admitiu seu cabimento, mesmo havendo
outra via recursal ordinária manejável:
HC 9619 - O habeas corpus, para ser concedido, não
depende da fase do processo ou da irrecorribilidade de sentença condenatória,
quando o fundamento do pedido é a ameaça de sofrer ou o sofrimento de violência
ou coação ilegal na liberdade de locomoção do paciente, em face de processo
manifestamente nulo (...). Segundo Seabra Fagundes, evocado por Gulherme Estelita em Mandado
de Segurança contra ato jurisdicional, cabe o habeas
corpus “contra as coerções emanadas de autoridade judiciária, a despeito da
existência das vias de recursos e até mesmo quando já utilizadas estas”.
Não se negou conhecimento aos writs mesmo quando necessitou-se aprofundar um pouco mais na apreciação da
prova, tanto que no HC 11.466[6] e
no HC 10.570 anulou-se acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que dava
provimento a recurso do Ministério Público interposto contra sentença que
julgou improcedente ação sócio-educativa (neste caso a sentença originária era
de improcedência). Ou seja, em tais casos houve análise, ainda que
perfunctória, da prova colhida, reputa da inconclusiva
e incapaz de fundamentar ordem de privação de liberdade.
2. A
excepcionalidade da medida de internação
A medida de internação somente deve ser aplicada em último
caso. Trata-se do princípio da excepcionalidade,
proclamado na lei e na Constituição Federal. Deve ser evitada a qualquer custo,
visto mostrar-se excessivamente danosa à pessoa em desenvolvimento e pouco
eficaz enquanto estratégia pedagógica. Ao revés dos juízos locais, que não
raras vezes costumam olvidar o caráter de exceção da medida, banalizando seu
manejo, o STJ, no corpo das mais diversificadas decisões proferidas, sempre
buscou reafirmar a este caráter de ultima
ratio do regime sócio-educativo extremo:
HC - 11276 – A diretriz determinada pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente é no sentido de que a internação seja exceção,
aplicando-se a esta medida sócio-educativa os princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa
em desenvolvimento. Só é recomendável em casos de comprovada necessidade e
quando desaconselhada medidas menos gravosas” IDEM
- HC – 10679
HC - 8836 – A medida de internação somente deve ser
determinada em casos excepcionais e por períodos curtos, visto que a criança e
o adolescente não devem ser privados do convívio da família. IDEM - HC – 8220
HC - 8443 – O sistema de internação, previsto no
Estatuto da Criança e do Adolescente, foi instituído como medida excepcional,
somente aplicável nas expressas hipóteses descritas na Lei. Trata-se de medida
extrema, que somente se justifica quando a infração é grave e outra medida,
mais branda, não se mostra eficaz para a recuperação do menor.
HC - 7940 – A internação do menor é, efetivamente,
medida de exceção, devendo ser aplicada ou mantida somente quando evidenciada
sua necessidade – em observância ao próprio espírito do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que visa à reintegração do menor à sociedade. IDEM HC
- 8717 – RHC 8949
RHC - 9315 – A medida de internação é considerada, ex
vi legis, grave, devendo ser breve e excepcional (v. arts. 121 e 122 do ECA).
HC - 9262 – Constituindo a medida de internação
verdadeira restrição ao status libertatis do
adolescente, deve sujeitar-se aos princípios brevidade e da excepcionalidade,
só sendo recomendável em casos de comprovada necessidade e quando
desaconselhadas medidas menos gravosas.
HC - 10570 – Em observância aos objetivos do sistema,
a internação só é recomendada quando não pode ser aplicada nenhuma das outras
medidas sócio-educativas nos termos previstos pelo § 2º do art. 122 do ECA: em nenhuma hipótese será aplicada a internação,
havendo outra medida adequada – sendo certo que não há tal conclusão no acórdão
impugnado.
RHC - 7447 – O Estatuto da Criança e do adolescente
deve ser interpretado da maneira que melhor atenda aos interesses dessas
pessoas. Com isso, resguarda-se também a sociedade. Medidas restritivas do exercício
do direito de liberdade devem ser reservadas para casos extremos
HC - 8908 – O sistema implantado pelo
ECA tem caráter educativo, e não
punitivo. As medidas ali previstas buscam reintegrar o jovem ao meio social,
pelo que devem ser observados os princípios da brevidade e da excepcionalidade.
HC - 19848 - In casu,
suficiente, tanto para resguardo da sociedade como para a recuperação do menor,
a fixação da medida sócio-educativa de liberdade assistida com acompanhamento
psicológico, eis que a teor do disposto no art. 122, § 2º, do
ECA "em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra
medida adequada" (...).
HC - 8858 - A
internação deve ser reservada a situações quando, na verdade, a família não
tenha controle sobre o menor e que se exija um tratamento rigoroso.
HC - 19789/PR – Se, aliados aos princípios da brevidade e da
excepcionalidade, existem reiterados pareceres
técnicos, recomendando a inserção do adolescente infrator no regime de
semi-liberdade, não há porque perenizar decisão mantenedora de internação,
notadamente se o seu precípuo fundamento diz respeito a um fato (rebelião)
ocorrido quase um ano antes da sua edição.
É interessante notar nestes diversos julgados que o motivo
explicitado para a estrita observância das garantias processuais do adolescente
autor de ato infracional parece repousar, na linha do
STJ, justamente no caráter educativo da medida, revelado através de uma decisão
justa. Há uma imensa série de acórdãos fundamentados na idéia de que, caso se
queira educar, deve-se fazer antes de mais nada,
justiça[7]. Para ser justo,
indispensável que se cumpram as normas legais, se
respeite o devido processo legal (neste sentido, entre outros, HCs
9.236 – 8887 – 8858 -9725 – 11325 – 8969 – 98906 - RHC 9068[8] ).
Outros julgados reconhecem imperiosa a observância das garantias do cidadão
processado dado mesmo o caráter misto das medidas sócio-educativa[9].
3. Competência
para aplicação de qualquer medida sócio-educativa
Um ano após a instalação do Superior Tribunal de Justiça
entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescentes, filhos que são, ambos, da Carta-mãe de 1988.
Nos primórdios da vigência do ECA, muitos
promotores sustentavam caber-lhes a aplicação de medida sócio-educativa em meio
aberto após concedida a remissão como forma de exclusão do processo. Já os
Tribunais locais obstruíam tal pretensão. O STJ, através da Súmula 108, de 22.06.94, após decidir
inúmeros precedentes, estatuiu que: a aplicação de medidas sócio-educativas ao
adolescente, pela pratica de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz. No recurso de Mandado de Segurança RMS 1967-6-SP, um dos paradigmas[10] da posição sumulada - após discorrer sobre o fato óbvio de que a
aplicação de uma sanção, no Estado de Direito, compete ao juiz - demonstrou o relator a existência de dois
tipos de remissão, a ministerial,
antes (como forma de exclusão) e judicial,
depois (como forma de extinção e suspensão) da instauração do processo. “Certamente a remissão acumulável com a
aplicação da medida sócio-educativa há de ser apenas a que foi concedida
judicialmente”, positivou aquela decisão. Seguindo nesta linha, o próprio
Tribunal de Justiça de São Paulo passou a obstar, de forma majoritária, a
possibilidade de aplicação de qualquer medida sócio-educativa conjuntamente com
remissão, seja ela ministerial ou judicial[11]. Caso aplicadas, tais medidas não ensejam internação pelo
descumprimento (art. 122,III do ECA)[12]. É certo que, nos últimos tempos,
diversas decisões do STJ têm autorizado a aplicação de medida sócio-educativa
com remissão (RESP 156.176/SP,
141.138/SP, 157.012/SP, 252.544/SP, RHC 11099/RJ e HC 15062/MA)
4. Restauração
de decisões liberatórias de adolescentes avaliados favoravelmente por equipes
técnicas. Necessidade de se bem fundamentar as decisões que restrinjam o
direito de liberdade do cidadão
Inconformado com supostas liberações precipitadas de adolescente internados, o Ministério Público da capital de
São Paulo interpôs sucessivos agravos de instrumento solicitando ao Tribunal de
Justiça local a concessão liminar de efeito suspensivo da decisão liberatória.
Por várias vezes deferiu Corte Estadual, através de decisão monocrática do Vice-Presidente,
o efeito suspensivo pugnado, ordenando a imediata recaptura dos jovens e sua
recondução à FEBEM.
Contra tais decisões, em geral sumárias e mal fundamentadas,
seja liminarmente, seja no mérito, o Superior Tribunal de Justiça concedeu a
ordem em inúmeros habeas corpus impetrados pela defesa[13], restaurando a condição de liberdade
pelo menos enquanto durasse o julgamento do agravo.
Num desses julgados acolheu-se expressamente a tese principal
da defesa no sentido de que a medida sócio-educativa de internação não pode,
nunca, ser determinada em sede de liminar:
“Tendo
o paciente obtido a progressão, o retorno ao regime anterior somente é possível
com a garantia do contraditório, permitindo-lhe manifestar, por meio de
advogado, a sua defesa. Tratando-se do direito à liberdade, outro entendimento
não é possível. O nosso sistema constitucional não permite que qualquer pessoa
seja privada da sua liberdade sem que lhe permita qualquer manifestação a
respeito (art. 5º inc. LIV, da Constituição Federal), razão porque a
regressão à medida de internação não poderia ser concedida em sede de liminar”
(HC 8443/SP)[14]
Todavia, foi a deficiência na
fundamentação o pecado mais grave das decisões restauradoras do regime
privativo de liberdade, e que mereceu maior censura pelos ministros julgadores:
HC 8325 – Todas as decisões do Poder Judiciário devem
ser fundamentadas, sob pena de nulidade. É o que determina a própria
Constituição Federal, em seu art. 93, IX. Em especial quando ameaçada a liberdade
de adolescente, tendo em vista a natureza sócio-educativa da legislação
pertinente.
HC 7940 – Deficientemente fundamentada a decisão do
Desembargador do Tribunal “a quo” que concedeu efeito
suspensivo a agravo de instrumento ministerial, para impedir progressão de
medida sócio-educativa deferida pelo Julgador de 1º grau de maneira
fundamentada e com base em laudos técnicos, concede-se ordem para permitir a
progressão da medida de internação do menor para liberdade assistida, como
originalmente determinado. IDEM HC
8717
HC - 7589 – É necessário (para que se ordene
liminarmente a suspensão do desinternamento)
que a decisão seja suficientemente fundamentada, com indicação objetiva dos
motivos ensejadores da providência. Tal situação,
todavia, não se encontra presente na espécie, pois o despacho sob enfoque
apenas faz referência à gravidade dos fatos praticados pelo menor, porém não
indica as razões do deferimento liminar da pretensão recursal. IDEM HCs 7494 – 8550 – 7683 – 7448 – 8543
HC - 7445 – O ius libertatis dos
adultos, acusados de graves crimes, só pode ser afetado provisoriamente
mediante decisum concretamente fundamentado.
Por maior razão, tal deve ser observado para com crianças e adolescentes IDEM
HC 8129
HC - 9262 – No caso, o magistrado de primeiro grau
concedeu ao ora paciente o direito à progressão de medida sócio-educativa com
base em laudos técnicos e em decisão
fundamentada. Já a ilustre autoridade impetrada não fundamentou
satisfatoriamente a decisão que conferiu efeito suspensivo ao agravo ministerial. Ademais não restou
demonstrada a ocorrência de um dos requisitos autorizadores do efeito
suspensivo, qual seja, o indispensável periculum
in mora, consistente nem eventual risco de lesão irreparável.
RHC - 8949 – A decisão monocrática que determinou a
medida de internação não fundamentou devidamente a opção pela medida mais
gravosa, sendo que a simples alusão à gravidade da infração e
aos péssimos antecedentes do menor não são suficientes para motivar a
privação total de sua liberdade, até mesmo pela própria excepcionalidade
da medida sócio-educativa de internação, restando caracterizada afronta aos
objetivos do sistema. (...).Por disposição constitucional (art. 93, IX), todas
as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. No caso
dos autos, havendo um leque de medidas a serem impostas ao paciente, deveria o
juiz expor os motivos pelos quais optava pela de maior gravidade.
HC - 8228 - Proferida decisão fundamentada ordenando em
favor do menor infrator a conversão de medida sócio-educativa de internação em
liberdade assistida, a suspensão liminar deste édito em sede de agravo de
instrumento somente é admissível quando objetivamente demonstradas, por
despacho motivado, as razões autorizadoras da providência.
HC - 7358 – A decisão fustigada não está fundamentada. A
autoridade coatora não aponta qualquer fato, qualquer
circunstância a ensejar suspensão dos efeitos da decisão agravada. É certo que
se trata de decisão liminar, com caráter de provisoriedade,
mas, nem assim se pode menosprezar o comando constitucional (art. 93, IX), que
é de clareza meridiana, não dando margem a dúvidas interpretativas.
HC - 7358 – O bem em testilha
merece consideração adequada. Se a segurança dos cidadãos na comunidade não
pode ser olvidada, também não se pode ignorar a liberdade de um indivíduo que
foi beneficiado por decisão de primeira instância, quando de regime de
internamento passou à fase de liberdade assistida, tendo sido, essa liberdade,
cerceada por uma decisão que encobre qualquer motivação. Já se decidiu (STJ –
RHC 04.303/95 – publicado no DJ de 26/o2/96, p.
4086): “O decreto de prisão preventiva, assim como todas as decisões judiciais,
devem ser suficientemente fundamentadas, com destaque para as que implicam
medida constritiva da liberdade. Inteligência do art. 315 do CPPP e do art. 93,
IX da Constituição”. Do mesmo entendimento a seguinte decisão desse Eg. STJ (RESP 42417/94-RS, DJ 16/05/94, p. 11.721). “Improvimento
do agravo por acórdão desprovido de fundamentação. É imperativo legal, e
atualmente constitucional, que todas as decisões judiciais sejam
fundamentadas”. Se tal entendimento é notório no âmbito do Direito Processual
Civil, por maior razão deve sê-lo no contexto do Direito Processual Penal, haja
vista relevância do JUS AMBULANDI.
A cassação do efeito suspensivo concedido liminarmente aos
agravos, garantindo-se ao agravado o
direito de permanecer em liberdade durante o correr do feito, ensejou que,
quando do julgamento, já desistisse o Tribunal “a quo” de reordenar o recolhimento do
adolescente: “Ocorre que ao agravo negou-se-lhe o efeito suspensivo. Vale dizer, foi o menor
desde logo posto sob novo regime. Em conseqüência, passou a desfrutar de
liberdade assistida e, decorridos mais de cinco meses, não é conveniente seu
retorno à FEBEM. Essa alteração pendular na sua condição de infrator poderá
desestabilizar o infrator e pôr a perder o trabalho reeducativo
a que se submeteu nos sete meses de internação” (Agravo de Instrumento no.
037.249-0/1 rel. Alves Braga - TJSP).
5. Direito
de o jovem ser ouvido pessoalmente antes da decisão que, em sede de execução,
substitui, por internação, medida mais branda aplicada
Quando o jovem descumpre reiterada e
injustificadamente medida anteriormente imposta, pode
ter seu regime agravado para medida de internação nos termos do art. 122, III,
e §1º do ECA.. Pois bem, na prática geral, tal medida era aplicada
no curso dos procedimentos de execução da medida mais branda, por decisão
judicial proferida após oitiva das partes (promotor e defesa). Dispensava o
julgador, em geral, a prévia ouvida pessoal do adolescente, notadamente quando
a medida anteriormente descumprida era a de semiliberdade.
Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tivesse consentido com este proceder
de maneira pacífica e maciça, o Superior Tribunal de Justiça afirmou a indispensabilidade da prévia oitiva pessoal
do adolescente antes de eventual decisão que lhe aplique medida privativa de
liberdade[15].
Incontáveis decisões abonadoras desta tese resultaram na
edição da Súmula 265 do STJ, em 22/05/2002, do seguinte teor: “É necessária a oitiva do menor infrator
antes de decretar-se a regressão da medida sócio-educativa”. Exemplificativamente, lista-se alguns dos precedentes que convergiram no enunciado geral:
HC - 9.236 - As medidas sócio-educativas impostas ao
menor infrator devem ser concebidas em consonância com os objetivos maiores da
sua reeducação, sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua
dignidade como pessoa humana e adoção de posturas demonstrativas de realização
de justiça. Nesta linha de visão impõe-se que no procedimento impositivo de
sanções seja observado o princípio da ampla defesa e, de conseqüência, é de
rigor a prévia audiência do menor infrator no caso de regressão de uma medida
menos grave para outra mais rigorosa - IDEM HCs– 8.887 – 21236 - 9806 –
RHC 9068
HC - 8.836 – A regressão do paciente foi determinada sem
a necessária oitiva do mesmo, sem observância dos postulados constitucionais do
contraditório e da ampla defesa, malferindo-se ainda o disposto no art. 110 d0 ECA. IDEM
RHC 10354, HC 12634
RHC - 8634 – O julgador, ao proceder à conversão da
medida, deixou de acolher a manifestação da defesa; o adolescente sequer foi
ouvido, sendo-lhe negado, assim o exercício da ampla defesa. Dou provimento parcial ao recurso para,
anulando a decisão ora recorrida, determinar a expedição de contramandado de
busca, permanecendo o paciente em regime
de semiliberdade até que nova decisão venha a ser
proferida, observando-se-lhe os ditames legais e
garantindo-lhe o exercício da ampla defesa.
RHC - 9287 – A tutela do menor infrator merece maiores
cuidados que aquela deferida ao maior delinqüente. Assim, a ampla defesa deve
ser observada ainda com mais rigor quando se tratar de processos disciplinados pelo ECA. No caso dos autos, o menor não foi ouvido, não
tendo tido a oportunidade de se manifestar a respeito do descumprimento da
medida sócio-educativa. (...) Esta Corte tem entendido que a decisão que
determina a regressão de medida de semiliberdade para
internação, por constituir restrição ao status libertatis,
não pode prescindir da oitiva do adolescente infrator, sob pena de nulidade,
por ofensa ao postulado constitucional do devido processo legal
RHC - 9270 – É pacífica a jurisprudência a respeito da indispensabildiade da oitiva do menor para aplicação de
medida sócio-educativa mais gravosa. IDEM HC -
10.985
RHC - 9315 – A lei, em seu art. 111, V, deixa claro que
precede à decisão de internamento a oitiva do adolescente. Neste sentido já se
firmou jurisprudência desta E. Corte. Desta feita, em respeito aos princípios
constitucionais do devido processo legal, contraditório e
ampla defesa (art. 5º, inc. LIV e LV), o magistrado só pode
concluir pela ineficácia da liberdade assistida e sua substituição por medida
mais severa, após ser dada ao adolescente a oportunidade de se justificar
pessoalmente.
HC - 9724 –
(necessidade de oitiva do adolescente e da defesa técnica) – A medida de internação é considerada, ex vi legis, grave, devendo ser breve e excepcional (v. arts. 121 e 122 do ECA). Ainda que
o objetivo não seja exatamente o mesmo de pena privativa de liberdade, ela não
deixa de ser uma segregação extrema. Ora, a lei, em seu art.
110, inciso III, V e VI deixa claro que precede à decisão de
internamento a oitiva, se possível, do adolescente e, como corolário do art. 5º
, inc. LIV e LV da nossa Lex Fundamentalis,
pelo menos a manifestação da defesa técnica, o que sequer foi tentado.
Contrário, data venia, o procedimento relacionado à
aplicação das medidas prevista no ECA passaria a ter
um sabor quase kafkiano. IDEM – HCs 9725 – 8874 – RHC 8606 e 9332
RHC - 8871 – A regressão não pode prescindir do devido
processo legal, com a oitiva do adolescente.
HC - 11.302 – É posição desta Corte que a determinação de
regressão de medidas reclama a oitiva do menor-infrator para que se manifeste a
respeito do descumprimento da semiliberdade
originariamente determinada – que serviu de fundamento para a regressão à
medida de internação mais rigorosa, em observância ao caráter educacional de
exceção da legislação incidente e ao princípio constitucional da ampla defesa.
IDEM HCs
10776 – 10637 – RHC 8612
RHC - 8837 – A internação é, sem dúvida, medida de
natureza grave, cuja decretação depende diretamente da estreita observância das
garantias previstas na CF, art. 5º LIV e LV e no
ECA, art. 110, III, V e VI. Há que se assegurado ao adolescente, o
exercício do direito de defesa. IDEM HC - 10775 – 8908 – 9329 - 12758
– RHC 9405
RHC- 8873 – A decisão que determina a regressão da medida de semiliberdade
para internação, por constituir restrição ao status libertatis,
não pode prescindir da oitiva do adolescente infrator, sob pena de ofensa ao
postulado do devido processo legal (art. 110, 111, V, do ECA).
IDEM RHC 11360,
10898,10909, 9916 e 11468/PR
HC- 11.180 – Para que se alcancem os objetivos
pretendidos pelas medidas sócio-educativas impõe-se que, na imposição das
sanções seja observado, com extremo rigor, o princípio da ampla defesa.
Portanto, a prévia audiência do menor infrator se faz indispensável (...). IDEM
HC - 10985 e RHC 10096
HC - 10.368 – A tese defendida pela impetração é no
sentido de que é nula a decisão judicial que decreta regressão de liberdade
assistida para internação sem oitiva do adolescente infrator. A irresignação merece acolhida, porquanto já decidiu esta
Corte no mesmo sentido preconizado pela impetração.
RHC 10900 . A aplicação da medida sócio-educativa de internação-sanção
está sujeita às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório,
caracterizando-se constrangimento ilegal a sua decretação sem a audiência
prévia do adolescente.
IDEM HC 12839
HC 15349/SP A regressão de liberdade assistida para
internação tem de se fazer com prévia oitiva do adolescente infrator (art. 111, V, do
ECA), sob pena de malferimento aos princípios do
contraditório e da ampla defesa.
Eventual oportunidade para o jovem justificar-se após sua apreensão
não afasta a nulidade do decreto de internação sem ouvi-lo[16].
6. O
rol do art. 122 é taxativo
Apegados à vigência da legislação anterior, na qual medida
privativa de liberdade tinha como pressuposto uma categoria sociológica vaga, “o
ato anti-social”, muitos operadores do direito ainda não se deram conta de que,
com o advento do ECA, a medida de internação passou a
ser regida pelo princípio da legalidade
estrita. Vale dizer, somente pode ser aplicada nos casos previstos em lei,
nas hipóteses definidas a priori,
para situações de fato precisas. Absurdo que o cidadão não possa saber
antecipadamente o que pode fazer ou deixar de fazer para evitar a perda de sua
liberdade. Assim, não tem o magistrado, neste terreno, qualquer poder discricionário.
Não pode, somente porque assim acha mais adequado aos
“superiores interesses do jovem”, ministrar-lhe internação. Os casos de
privação de liberdade são somente aqueles previstos no art. 122 (exceto a
internação provisória) do Estatuto, sendo absolutamente ilegal a manutenção de
jovem internado fora das hipóteses taxativamente descritas:
HC -8868 - É nula a r. decisão
cuja fundamentação não apresenta correlação com as hipóteses legais ensejadoras da medida privativa de liberdade. A infração
não é daquelas indicadas no inciso I (do
art. 121). Não se demonstrou, na fundamentação dos decisórios, a reiteração no
cometimento de outras infrações graves. Por igual, não realizou-se
adequação típica em relação ao inciso III.
RHC -7259 – As medidas sócio-educativas são enumeradas
conforme o critério numerus clausus.(..)
O ato infracional é pressuposto da sanção
(conseqüência lógica). Daí ao art. 122 relacionar os casos de medida de
internação, depender, como antecedente, dos casos enumerados nos respectivos
incisos. A norma indicada é categórica (...) Mirando o princípio da legalidade
em toda sua abrangência, não se pode admitir a aplicação da medida
sócio-educativa fora das balizas enumeradas pelo já referido artigo. Ter-se-ia
inovação na fixação de pena sine lege.
(....) A taxatividade dos incisos do art. 122 do ECA se alia, à precisão, com o caráter de excepcionalidade de internação, posto que a própria
natureza grave ou gravíssima das infrações (diga-se, dotadas de excepcionalidade) é que autorizam medida extrema –
internação.
HC -11.302 – A medida extrema de internação só está
autorizada nas hipóteses previstas taxativamente nos incisos do art. 122 do ECA, eis que a segregação de menor é, efetivamente,
medida de exceção, devendo ser aplicada ou mantida somente quando evidenciada
sua necessidade – em observância ao próprio espírito do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que visa à reintegração do menor à sociedade.
HC -10776 – Esta turma tem entendido que a medida
extrema de internação só está autorizada nas hipóteses previstas taxativamente
nos incisos do art. 122 do ECA, eis que a segregação
de menor é, efetivamente, medida de exceção, devendo ser aplicada ou mantida
somente quando evidenciada sua necessidade – em observância ao próprio espírito
do Estatuto da Criança e do Adolescente, que visa à reintegração do menor à
sociedade. IDEM HC 10216
HC -10938 – Se a paciente não se amolda, com perfeição,
aos requisitos do art. 122, a ela não se pode aplicar a medida de internação.
Ademais, como ressalta a representante da Subprocuradoria
Geral da República, a internação constituiu medida de exceção, devendo ser
adotada somente nos restritos casos legais.
RHC 10566/I - A enumeração do art. 122 do
ECA é exaustiva, não sendo permitida
a inclusão de hipóteses outras sob pena de configuração de
constrangimento ilegal.
Sendo, pois, taxativo, o rol do art. 122 do
ECA, a internação não pode ser aplicada:
em
casos de adolescente primário envolvido em ato equiparado a tráfico de drogas
Apesar da resistência das instâncias inferiores[17], o STJ vem reiterando exaustivamente
o entendimento – de resto decorrente de singela leitura do art. 122 do ECA – no
sentido de que o adolescente pela primeira vez se envolvido em ato infracional equiparado a tráfico de entorpecente, por não
reiterar na prática de atos graves e por não praticar ato mediante violência ou
grave ameaça, não pode ser submetido a medida sócio-educativa de internação:
HC 13.084 (decisão concessiva de liminar) Em se tratando de crime de tráfico de entorpecentes,
ainda que considerado hediondo, e porte de arma, é inaplicável a medida
sócio-educativa de internação, à ausência de previsão legal. Relevantes os
fundamentos do pedido e conveniente a concessão da medida liminar, defiro-a,
para determinar a aplicação provisória de medida sócio-educativa diversa da
internação. IDEM HCs 13.192 e 12523 (decisões monocráticas concessivas de liminar)
HC 14359 - As medidas sócio-educativas impostas ao menor infrator devem ser
concebidas em consonância com os elevados objetivos da sua reeducação, sendo
relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à sua dignidade como
pessoa humana e a adoção de posturas demonstrativas de justiça. Nessa linha de visão impõe-se que no procedimento impositivo de
sanções seja observado o princípio da legalidade, à luz do qual não se admite a
imposição de medida sócio-educativa de internação fora das hipóteses arroladas
no art. 122, da Lei n.º 8.069/90 - ECA. - É descabida a aplicação de tal medida
ao menor sem antecedentes, acusado de prática de ato infracional
equiparado a tráfico de entorpecentes, conduta desprovida de qualquer violência
ou grave ameaça a pessoa.
RHC 9688- O art.
122 do ECA enumera de forma taxativa os casos em que
se aplica a internação. Apesar do delito ser equiparado ao crime hediondo, é
vedada a interpretação prejudicial ao menor. Precedentes. IDEM RHC 8908 -
HC 10294 - 10938 – 9619 –
12343 – 12344 – 12569 - 17374 - 20660 - 18901/RJ e 10566
– RHC -7447 -7259– 10528 13987 – 10177
em casos de
adolescente envolvido em atos que não sejam considerados graves
HC -
10216 - Nos termos dos precedentes desta Turma, deve-se levar
em conta a espécie de delito praticado, assim como a cominação abstrata da pena
que receberia o menor se fosse imputável, não se podendo declarar genericamente
a ocorrência do disposto no inc. II do art. 122 do ECA
(HC 8.868/SP – Rel. Ministro Felix Fischer, DJ DE 1/07/99). Assim, não restou
demonstrada a reiteração no cometimento de infração grave, a sustentar o
embasamento no inciso II, entendendo-se
como graves os delitos apenados com pena de reclusão. (Neste caso jovem havia sido internado pela prática de
ato equiparado a porte de entorpecentes)
HC 11277 - Menor
infrator. Uso de substância entorpecente.
Internação. Não aplicabilidade. Não estando o uso de substância
entorpecente elencado dentre as circunstâncias ensejadoras da medida, deve ser anulada a decisão que,
equivocadamente, a determinou.
HC 15082 - Adolescente
Infrator. Ato infracional equiparado ao porte ilegal
de arma. Rol taxativo do art. 122 do ECA. Internação.
Impossibilidade.
em substituição a
medida anterior, supostamente inadequada e descumprida, a não ser nas condições
do art. 122, III e no limite temporal do parágrafo 1º do mesmo
dispositivo
A partir da interpretação dos arts.113
e 99/100 do ECA, certo setor da magistratura e
Ministério Público sustentam que, revelada por qualquer indicador a inadequação
do regime mais brando em curso para
enfrentar a problemática apresentada pelo jovem, pode e deve o juiz substituir aquela medida
ineficaz por outra, de internação por até três anos. Conhecida como regressão de medida, a prática é
difundida largamente nas instâncias judiciais paulistas[18], muito embora viole preceitos básicos, como o princípio da
legalidade e anterioridade da lei e a regra hermenêutica de que o especial
(art. 122, III e § 1º )
prevalece sobre o geral (arts.99/113). Grande parte
dos recursos que aportam ao Superior Tribunal de Justiça sustentando a
ilegalidade da “regressão” não são apreciados no seu mérito porque também
incorporam a tese preliminar de que a regressão foi aplicada sem a oitiva do
jovem. Todavia, alguns julgados da Corte Federal chegaram a enfrentar a
matéria:
HC - 10.973 –“Ao decidir pela
manutenção da medida constritiva de liberdade imposta pelo Juízo monocrático ao
paciente, a r. Câmara Especial do Tribunal a quo
ateve-se, somente, à leitura fria do disposto nos art. 99 e 113 da Lei 8069/90,
os quais estabelecem que as medidas sócio-educativas poderão ser aplicadas
isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, relegando
ao oblívio, concessa venia, o rol taxativo das hipóteses em que cabe a medida,
como evidenciam, com clareza solar, os arts.101,
parágrafo único e 122, caput e parágrafo 2º, bem como deixou de
avaliar o cabimento de outra medida capaz de cumprir a finalidade de
recuperação do menor, em desatendimento ao espírito do Estatuto da Criança e do
Adolescente”
RHC 10897/SP - Adolescente
infrator. Descumprimento injustificado de medida anteriormente imposta. Internação
(art. 122, III, § 1º, da lei 8.069/90). Prazo que não pode exceder a três
meses. Internação por tempo indeterminado decretada com fundamento nos artigos
99 e 113 do ECA. Constrangimento ilegal. Constituindo
a medida sócio-educativa de internação verdadeira restrição ao status libertatis do adolescente, deve ela sujeitar-se aos
princípios da brevidade e da excepcionalidade, só
sendo recomendável em casos de comprovada necessidade e quando desaconselhadas
medidas menos gravosas. Na hipótese de descumprimento reiterado e injustificado
de medida anteriormente imposta (inciso III, do art. 122), o prazo de
internação não pode exceder a três meses. Os artigos 99 e 113, do ECA, que tratam da possibilidade de substituição de medidas, não autorizam a
aplicação de medida de internação fora das hipóteses taxativamente arroladas no
art. 122 do referido diploma legal. Recurso provido para reconduzir o paciente
à medida de semiliberdade. IDEM - HC 14519
HC 15349 – Com efeito, em caso de descumprimento de
medida anteriormente imposta não poderá a internação ser aplicada por prazo
superior a três meses, como recomenda e quer o ECA. No
caso em crivo, a MM. Juíza decretou a
internação do ora paciente por prazo indeterminado em desconformidade com as
normas legais de regência da matéria.
Existe uma outra série de julgados que simplesmente aderiram
a um velho precedente do Supremo Tribunal Federal, HC 74.715/SP, no qual se
pronunciou o descabimento da regressão com base no art. 99 do ECA, a
qual se aplicaria somente às medidas de
proteção. Nesta linha, transcrevendo a ementa da decisão referida, inclinam-se o HC 8392 – RHC 8871 e 9082. Por fim, alguns
outros julgados implicitamente apenas refutam o cabimento da regressão HCs 10680, 11.302 e 10.776.
Por vezes os juizes de execução da capital paulista,
considerando que o jovem não vem cumprindo satisfatoriamente a medida mais
branda aplicada, submetem-no à internação
prevista no art. 122, III, do ECA, por tempo
máximo de três meses. Após avaliação do caso, no mais das vezes para surpresa do jovem, quase sempre nas vésperas
de se expirar o prazo estabelecido, ministram, sem novo ato infracional,
medida de privação de liberdade por até três anos. Mais de um julgado do
Superior Tribunal de Justiça proclamou a absoluta ilegalidade de tal decisão:
HC 10897 – Na hipótese dos autos, consoante informações
do juízo monocrático, o Paciente vinha cumprindo medida sócio-educativa de
internação nos termos do art. 122,III, da Lei 8069/90, pelo período de 90 dias,
em razão de ter descumprido injustfiicadamente medida
sócio-educativa anteriormente imposta. Logo, não poderia o magistrado, ao
término daquele prazo, e sem que o adolescente cometesse nova infração,
determinar a reversão da medida para a internação por tempo indeterminado. É
que a internação-sanção por descumprimento de medida anteriormente imposta,
como já dito, só pode ser aplicada pelo prazo máximo de 03
meses, o que já foi levado a efeito no caso sub examine. IDEM
HC 14.519[19]
7 . Se o direito é outorgado
ao adulto, deve ser outorgado ao adolescente
Permitir-se a um adolescente
tratamento mais severo do que receberia o maior imputável autor da mesma
transgressão é algo que assombra os ministros do Superior Tribunal de Justiça,
para quem os rigores na aplicação de uma medida, sobretudo a restritiva de
liberdade, devem ser ainda maiores em se tratando de pessoa em desenvolvimento.
De qualquer forma, sob o disfarce de medida simplesmente educativa, a
internação, como já dito, por muitas vezes foi aplicada nas instâncias
inferiores sem observância de benefícios outorgados a maiores, situações, que à
quase unanimidade[20], foram corrigidas no terceiro grau de
jurisdição. Veja alguns exemplos:
HC - 9236 - Até no
Processo de execução Penal a regressão
de um regime prisional para outro mais rigoroso deve ser precedida de audiência
do condenado, audiência esta de caráter pessoal, entre o juiz e o preso. Tal providência
com mais razão deve ser adotada nos processos que versam a política de
reeducação de menores infratores, desprovida de caráter punitivo, na qual os
nossos olhos devem sempre elevar-se para a magnitude
da transformação do jovem em adulto honesto e participante da obra de
construção de um mundo melhor.IDEM – HC 8887 – 11.325 – 9806 – RHC
9068 – 8869
HC - 8.868 – Se, para os penalmente imputáveis, a conduta
atribuída à paciente (porte de entorpecentes) só poderia ensejar, no máximo, o regime
semi-aberto visto que o injusto previsto no art. 16 da lei 6368/76 é apenado
com detenção (o regime fechado só seria pertinente na regressão ex vi do art.
33, caput, 2ª parte do C. Penal), então não se pode, propriamente, e
de imediato, asseverar genericamente a ocorrência do disposto no art. 122, II, do ECA (ainda que não seja, propriamente, in casu, uma pena).
HC - 8836 – Se mesmo na execução penal não se admite a
regressão de regime de cumprimento de pena sem a ouvida pessoal do sentenciado,
com muito maior razão quando se trata de menor infrator, quando a medida de
internação somente deve ser determinada em casos excepcionais e por períodos
curtos, visto que a
criança ou o adolescente não devem ser privados do convívio da família.
IDEM – HC 11325
HC -7445 – O ius libertatis dos
adultos, acusados de graves crimes, só pode ser afetado provisoriamente
mediante decisum concretamente fundamentado.
Por maior razão, tal deve ser observado para com crianças e adolescentes IDEM
HC 8129
RHC - 9287 – A tutela do menor infrator merece maiores
cuidados que aquela deferida ao maior delinqüente. Assim, a ampla defesa deve
ser observada ainda com rigor quando se tratar de processos disciplinados pelo ECA.
HC - 7664 – Se para os adultos a segregação cautelar é
excepcional e nunca deve ser duradoura – o que configura excesso de prazo – por
maior razão isto se aplica aos menores. IDEM HC –
8034
HC -
10216 – Nos termos dos precedentes desta Turma, deve-se levar
em conta a espécie de delito praticado, assim como a cominação abstrata da pena
que receberia o menor se fosse imputável, não se podendo declarar genericamente
a ocorrência do disposto no inc. II do art. 122 do ECA
(HC 8.868/SP – Rel. Ministro Felix Fischer, DJ DE 1/07/99). Dessarte,
a conduta atribuída ao paciente – equiparada a porte de entorpecentes – não
submeteria os penalmente imputáveis, ao menos inicialmente, ao regime fechado,
uma vez que o art. 16 da lei 6368/76 é apenado com detenção, seria uma
contradição admitir-se que um menor possa receber tratamento mais rigoroso que
um adulto, ainda que reincidente.
HC 12596 – “Tendo em vista tratar-se de privação de
liberdade, devem ser aplicados aos jovens os mesmos princípios da detração que
favorecem os imputáveis submetidos à prisão”.
De outro lado, verifica-se que o STJ não cai na armadilha de
aceitar o raciocínio inverso. Aquilo que não beneficia o maior, ou agrava sua
condição, não se estende automaticamente aos jovens. Não cabe, por exemplo o
instituto da deserção na área da infância e juventude:
HC 14738 – Mesmo diante da contundente divergência
entre a natureza cível ou penal do ECA, não se pode
aplicar, neste, regras subsidiárias previstas no CPP que venham a prejudicar o
adolescente.
RESP 172.096 - A apuração de ato infracional não visa a imposição de pena, senão apenas de medida de caráter
preventivo e pedagógico. Observando-se
por esse prisma, a norma insculpida no art.
595, do CPP, não deve ser aplicada aos
casos regulados pelo ECA. Isto porque tal norma é de
aplicação restritiva. Trata-se de santio juris cuja previsão, ainda que de natureza processual,
reflete-se no campo material. Aplicar subsi-diariamente tal norma estaria, em última análise,
indo de encontro com a própria finalidade do Estatuto que é o de "realçar
a importância da família, fundamental para o aprendizado do adolescente."(
Alberto Silva Franco, Rui Stoco e outros in
"Leis Penais especiais e sua interpretação jurisprudencial", 6a. ed.
pág.406). No mesmo sentido
HC 14.738.
8. Só
a gravidade da conduta não é suficiente para aplicar a internação
Por diversas vezes também vem lembrando o STJ que a gravidade
do ato infracional, como indicador isolado, não
justifica a adoção da medida mais severa. Trata-se de condição necessária, mas
não suficiente para a internação. Tampouco basta agregar-se à gravidade do ato infracional menções genéricas a passagens anteriores, maus
antecedentes, vida ociosa, falta de respaldo familiar[21] como se tais circunstâncias reclamassem, de forma natural, a
segregação como estratégia ressocializadora. A
caracterização da excepcionalidade motivadora da
internação requer do magistrado um juízo mais profundo e considerações mais
amplas sobre múltiplos aspectos do caso, que vá além dos habituais automatismos
lógicos-dedutivos utilizados nas sentenças.
HC - 9713 - Se o
adolescente, além de trabalhar e estudar, cumpre toda a medida sócio-educativa
de liberdade assistida, tendo o relatório técnico da FEBEM informado não
revelar mais tendência infracional e ter condições de
convívio social, o fundamento básico do acórdão atacado, gravidade da conduta (tentativa de latrocínio), não tem força
bastante para afastar essas constatações, mesmo porque a internação é medida extrema, cabível quando o caso não comporta outra
menos grave.
HC - 7589 – É necessário (para que se ordene
liminarmente a suspensão do desinternamento)
que a decisão seja suficientemente fundamentada, com indicação objetiva dos
motivos ensejadores da providência. Tal situação,
todavia, não se encontra presente na espécie, pois o despacho sob enfoque
apenas faz referência à gravidade dos fatos praticados pelo menor, porém não
indica as razões do deferimento liminar da pretensão recursal. IDEM HCs 7494 – 8550 – 7683 – 7448 – 8543
HC - 10570 – O fundamento básico do acórdão, que consubstanciou-se na gravidade da conduta – não é suficiente
para motivar a privação total da liberdade do menor, tendo em vista a própria excepcionalidade da medida de internação
HC - 10.679 - O cotejo entre o comportamento do menor e
aquele descrito como crime ou como contravenção atua apenas como critério para
identificar os fatos possíveis de relevância infracional,
dentro da sistemática do ECA. Exatamente porque ao
menor infrator se aplicam medidas outras de cunho
educativo e protetivo sem critérios rígidos de
duração, já que vinculados exclusivamente à sua finalidade essencial”
RHC - 8949 –
(gravidade e antecedentes) A decisão
monocrática que determinou a medida de internação não fundamentou devidamente a
opção pela medida mais gravosa, sendo que a simples alusão à
gravidade da infração e aos péssimos antecedentes do menor não são suficientes
para motivar a privação total de sua liberdade, até mesmo pela própria excepcionalidade da medida sócio-educativa de internação,
restando caracterizada afronta aos objetivos do sistema.(...)A
gravidade da infração e os péssimos antecedentes, a toda evidência, não são
motivação bastante para privar o adolescente de sua liberdade, atento,
inclusive, ao caráter excepcional de tal medida.
HC 10938 –
(antecedentes e gravidade) A decisão “a quo” que determinou a internação somente fez referência a
um possível delito anterior, bem como à gravidade da infração atual. Estes
motivos, contudo, não são suficientes para determinar a total privação de
liberdade da menor, sob pena de se afrontar o espírito do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que tem como objetivo a sua reintegração na sociedade.
HC - 10216 –
(antecedentes e ociosidade) A simples
alusão à “gama de atos infracionais praticados, onde
as remissões não se mostraram eficazes, sendo um menor não afeito ao trabalho
lícito ou aos estudos” não é suficiente para motivar a privação total da sua
liberdade, até mesmo pela própria excepcionalidade da
medida sócio-educativa de internação, restando caracterizada a afronta aos
objetivos do sistema.
HC - 19848 - Embora a prática de ato infracional
equiparado ao atentado violento ao pudor justifique, em tese, a aplicação da
medida sócio-educativa de internação com fulcro no art. 122, I, do ECA, verifica-se excessiva a aplicação de tal medida ao
menor impúbere (12 anos), sem antecedentes infracionais,
com família estruturada e estudante, em nada contribuindo a internação, neste
momento, para a sua ressocialização.
RESP 225529/PR
- A simples alusão à gravidade do fato
praticado e aos inadequados perfis e atitudes dos jovens, não é suficiente para
motivar a privação total da liberdade, até mesmo pela excepcionalidade
da medida extrema. IDEM RHC 10931 e 11039; HC 13111.
9. O
tempo cronológico não é decisivo
Se a gravidade do ato infracional não basta para legitimar a aplicação da
internação, da mesma forma o tempo supostamente curto de duração deste regime
não se põe como obstáculo à progressão para medida mais branda. A privação de
liberdade tem tempo indeterminado (art. 121, parágrafo 2º do ECA) justamente para que se possa respeitar o ritmo de
cada pessoa, individualizando-se a reprimenda conforme as necessidade pessoais
de cada um. Se lidamos com o universo subjetivo do
homem e com o impacto gerado pela segregação e pela intervenção pedagógica em
cada indivíduo, nosso tempo é o tempo psicológico. Aquele tempo traduzido no espaço dos relógios e calendários
pouco tem, aqui, de significativo.
HC - 11276 – Como não se fixa prazo para o cumprimento da
internação justamente porque as medidas previstas no ECA
não tem caráter punitivo, mas educativo, não importa o tempo de internação do
menor, mas o seu comportamento nesse período e seu prognóstico de
desenvolvimento social. Somente o fato de ter ficado internado por sete meses,
tempo considerado exíguo pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Justiça,
não impede a progressão.
HC - 8.433 – Se o órgão técnico, que
acompanha o menor no seu dia-a-dia, concluiu que o mesmo tinha condições
de retornar ao convívio social, com base em que entendeu o julgador em
contrário? O fato de o menor somente ter ficado internado por sete meses não é
justificativa aceitável, pois parte de um dado que não tem respaldo fático.
10. A situação
da FEBEM é, sim, relevante para se considerar qual a medida mais adequada.
Uma decisão judicial que aplica internação nunca será justa se,
na prática, não se observarem condições adequadas para seu cumprimento. Se o
cunho aflitivo da experiência de isolamento transborda habitualmente os limites
da decisão judicial, tal realidade deve afetar a escolha da medida. Trata-se de
uma constatação tão óbvia quanto pouco assimilada nas decisões de primeiro e,
sobretudo, de segundo grau no Estado de
São Paulo. Nelas, privação de liberdade ainda é vista de forma quase idílica,
como altamente pedagógica e amplamente capaz de converter jovens infratores em
jovens virtuosos. O STJ, em mais de um julgado nos convida a romper com esta
indiferença quase autista à realidade:
RHC 7447 - Na verdade, ainda que a internação possua
como objetivo a educação, preparação e encaminhamento do interno à vida
exterior e social, as entidades de recolhimento têm padecido de várias falhas ,
impossibilitando a recuperação de qualquer infrator. Algumas delas têm sido
inclusive focos de rebeliões, com reflexos negativos na opinião pública, que
desacredita na instituição, como tem ocorrido com a FEBEM, onde se encontra o
paciente.
HC 10973 – Apesar da finalidade ressocializadora
das medidas sócio-educativas, não se pode olvidar a realidade brasileira dos
centros de recuperação que, como é cediço, não possuem o aparelhamento necessário
à recuperação destes menores, servindo, no mais das vezes, para incitar a
revolta e a delinqüência, dadas as condições absolutamente desumanas em que
esses menores são obrigados a viver quando internados.
HC 19848 É evidente que tal experiência [da
internação] em nada, absolutamente em nada, contribuirá para que reavalie seus atos e possa recuperar-se de eventual
distúrbio psíquico que afete seu conceito sobre sexo.
Por tais motivos tem a mesma Corte lembrado também que a
manutenção de medida privativa de liberdade de forma desnecessária pode causar
prejuízos incorrigíveis aos internos:
HC - 8908 – Percebe-se que o menor desenvolveu
comportamento adequado ao retorno ao convívio social, tornando-se prejudicial a
manutenção da internação ao lado da influência negativa de menores infratores.
HC 19848 -
Mantendo o menor em situação excessivamente mais rigorosa do que merece pelo
comportamento anti-social que praticou estar-se-á submetendo o mesmo a
condições precárias de ressocialização, contribuindo
em verdade para seu completo desvio comportamental”
8. Quando
o jovem já cumpriu medida mais branda não se justifica a medida de internação
Nos termos do art. 113/100 do ECA a
medida sócio-educativa se justifica segundo suas necessidades pedagógicas. Tais
necessidades se modificam com o passar do tempo e como a vida corre menos
lentamente que os processos (sobretudo na Segunda Instância), não é incomum
ordenar-se internação por conta de fatores pretéritos totalmente superados pelo
passar do tempo e pelo natural desenvolvimento do jovem. O caso mais comum se
dá quando o jovem cumpre a medida mais branda fixada em primeiro grau e, após,
o Tribunal provê recurso ministerial postulando medida mais severa:
HC - 9713 - Se o
adolescente, além de trabalhar e estudar, cumpre toda a medida sócio-educativa
de liberdade assistida, tendo o relatório técnico da FEBEM informado não
revelar mais tendência infracional e ter condições de
convívio social, o fundamento básico do acórdão atacado, gravidade da conduta (tentativa de latrocínio) não tem força
bastante para afastar essas constatações, mesmo porque, a internação é medida extrema, cabível quando o caso não comporta outra
menos grave. (...) Assim sendo, ante a
situação do menor que, além de ter bom comportamento, exercer atividade laborativa e ter convívio familiar, encontrava-se às
vésperas da avaliação final, eis que já esgotado o prazo de cumprimento da
medida sócio-educativa, parece-nos mais prudente, em atendimento aos fins do
Estatuto da Criança e do Adolescente, que seja concedido o writ para cassar o
acórdão da Corte “a quo”, restabelecendo a decisão
monocrática.
RHC - 9315 – Se o jovem já completou 18 anos e não há
notícia da prática de outro ato anti-social, qual a utilidade da internação?
HC - 8908 – Já se passaram os seis meses estipulados
para o cumprimento da liberdade assistida. Tendo o acusado cumprido,
efetivamente, a totalidade da medida que lhe foi imposta, não se fala em nova
internação.
HC 11821/SP - As medidas sócio-educativas não possuem o caráter punitivo-retributivo,
pautando-se, em verdade, pelo Princípio da Reeducação e da Reintegração
do Menor à Sociedade, promovendo socialmente sua família e estimulando o jovem
para os estudos e para uma vida digna. Sendo, antes mesmo do julgamento do recurso
do órgão ministerial, cumprida e declarada extinta a medida imposta na
sentença, torna-se prejudicado o recurso, cujo acórdão ordenou a internação do
paciente.
O grande precedente
desta linha de decisão foi um acórdão do Supremo Tribunal Federal,
magistralmente relatado pelo Ministro Marco Aurélio:
STF – HC 75.629-8 SP - O paciente foi condenado à medida extrema
de internação por haver desejado para si peças de roupa e calçados de outrem e para
isso usou a força. À época, o Juízo asseverou-lhe que, cumpridas as
determinações que se lhe impunham, seria “perdoado”. Deu-se-lhe
nova chance, até mesmo em reconhecimento à falibilidade da natureza humana. O
jovem redimiu-se perante o tecido social, mostrando boa vontade, apenas dos
obstáculos (...). Honrou louvavelmente o ajuste a que
se comprometeu. Eis, entrementes, que a outra parte foge-se ao compromisso: as
demonstrações de bom comportamento, de lisura, enfim, de plena remissão não
forma consideradas suficientes ao rigoroso crivo do órgão revisor que, de uma
feita, ignorou todos os esforços do paciente (...). [Nestas condições],
mostra-se um contra-senso anuir-se com uma decisão que redunde no agravamento
do estado do paciente, resultado indiscutível da convivência com internos
contumazes.
9. Reconhecimento
da prescrição
Na linha de se reconhecer o caráter sancionatório,
punitivo mesmo, das medidas aplicáveis aos adolescentes infratores, bem como outorgar-lhes os mesmos direitos e garantias estabelecidos
na lei penal para os maiores (vide tópico específico acima), o STJ vem
entendendo, malgrado um ou outro julgado em contrário[22] que a pretensão sócio-educativa também se sujeita a
extinguir-se em decorrência do advento da prescrição:
RESP 241.477 – “A medida sócio-educativa, pois, também é
punitiva, mesmo a pena por crime, é sabido e proclamado na lei de execução
penal, tem seu lado sócio-educativo: pune-se e tenta-se com a punição reeducar(...). Importante salientar as conseqüências jurídicas do caso
sob análise, se a infração fosse aplicada por adulto imputável, aplicando-se as
normas do Código Penal. Se o recorrido fosse imputável menor de vinte e um anos
(...) já estaria de longe prescrita a pretensão punitiva do Estado. Destarte,
não aplicar o Instituto da prescrição ao atos infracionais,
injustos fundamentadores da atuação do Estado,
significa criar situações bem mais severas e duradouras aos adolescentes do que
em idênticas situações seriam impostas aos imputáveis, o que é de todo irrazoável.
RESP 226370/SC - As medidas sócio-educativas, induvidosamente
protetivas, são também de natureza retributivo-repressiva, como na boa doutrina, não havendo
razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em sede de
reeducação, a imersão do fato infracional no tempo
reduz a um nada a tardia resposta estatal. O instituto
da prescrição responde aos anseios de segurança, sendo induvidosamente cabível
relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam
em restrições à liberdade. Tendo
caráter também protetivo-educativo, não há porque
aviventar resposta do Estado que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição
penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais
praticados por menores.IDEM
RESP 171080/MS
RESP 226379/SC As medidas sócio-educativas
perdem a razão de ser com o decurso detempo. Consequentemente, a fortiori,
tratando-se de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição.
13 . Outras questões
a)respeito à coisa julgada que
beneficia o adolescente. Medida fixada por tempo determinado de seis meses
Alguns magistrados, ainda que afrontando o art. 121,
parágrafo 2º do ECA, estabelecem medida de
internação por prazo determinado. Com razoável freqüência depara-se com
sentenças de internação, executadas aqui na capital paulista, aplicando a
medida de internação por prazo fixo, sem ressalvas sinalizadoras de que tal prazo de cumprimento seria simplesmente
mínimo, reclamando, após seu decurso, a reavaliação do regime. A Jurisprudência
do Tribunal de Justiça local reconhece a ilegalidade na determinação de prazo
para cumprimento da medida, de forma que, através de “habeas
corpus” pode-se facilmente obter ordem para converter a internação em tempo inderminado. Todavia, tal solução somente beneficia a
defesa quando se tratar de prazo mínimo, ou de prazo fixo dilatado (por exemplo, de dois anos). Quando
o tempo de cumprimento é mais reduzido, por exemplo de seis meses, período
inferior à média de permanência de um interno na FEBEM, interessa que a
sentença seja cumprida. Mesmo admitindo-se a imprecisão técnica da decisão, o
certo é que ela foi proferida, sem apelo ministerial, fazendo
coisa julgada. Não obstante, os
juizes de execução tendem simplesmente a ignorar coisa julgada, indeferindo
sistematicamente pedidos de liberação formulados após o decurso do prazo. O
Tribunal de Justiça não corrige a situação, mantendo cativo o jovem. O STJ,
chamado em nosso socorro, não decepcionou[23]:
HC - 11.377 – O
alegado constrangimento advém do fato de ter sido denegada medida liminar no mandamus impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, visando a imediata soltura da paciente,
porque já cumprida a medida internativa, pelo prazo
de seis meses, que lhe fora imposta pelo Juiz da Infância e Juventude, mediante
sentença transitada em julgado. Evidente o periculum in mora e o fumus boni iuris, visto que a segregação da menor, por tempo
superior ao previsto na sentença, representa irreparável dano ao seu direito de
locomoção e de convívio normal com seus
familiares, não havendo, por outro lado, com ser denegada a ordem, ao final,
visto não poder o Tribunal de Justiça afastar o império da coisa julgada, ainda
que a internação , no caso sob exame, devesse ser por tempo indeterminado, desde
que não superior a três anos, e apenas as avaliações
serem semestrais. Fixado, contudo, na sentença transitada em julgado que a
internação se daria por seis meses – tempo determinado, portanto, sem recurso
do Ministério Público, não há como exigir que se prive a paciente de sua
liberdade após o decurso de tal tempo.
No mesmo sentido: HC
14037.
b) direito ao prazo em dobro
pela defensoria
Houve juizes que denegaram, absurdamente, o prazo em dobro
outorgado à Defensoria Pública pelo art. 5º,
parágrafo 5º , da Lei 1060/50 e ratificado pela LC 80/94,
supondo inaplicável a prerrogativa em feitos regulados pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente. O STJ também já corrigiu tal violação desta natureza.
RESP 160.749/RS -
Recurso Especial. Lei 8069/90. Defensoria Pública. Contagem de prazo. Segundo
precedentes, “em se tratando de parte representada pela Defensoria Pública, os
prazos contam-se em dobro”.(...) Os membros da Defensoria Pública têm direito a contagem do prazo em dobro, inclusive nos procedimentos afetos
à Justiça da Infância e Juventude, ex vi art. 128, I, da Lei Complementar n.
80/94. Nesse sentido é a Jurisprudência adotada por esse colendo Superior
Tribunal de Justiça. No corpo de acórdão vem transcrita
ementa de julgado com idêntico teor : RESP 63.491/DF
c) abertura do prazo e
indispensabilidade da apelação quando o jovem relata desejo de recorrer
Como a sistemática recursal do ECA é do Código de Processo Civil (art. 198, caput), onde
os prazos, preclusivos, fluem da data em que o advogado toma ciência da
decisão, alguns juizes não reabrem novo prazo para apelo quando o jovem,
intimado da sentença após o defensor, manifesta seu desejo de recorrer (art.
190, parágrafo 2º do ECA). Outra vez o STJ trouxe luz sobre a
questão, deixando entrever inclusive que, tal como na esfera do processo penal,
eventuais razões protocoladas fora do prazo não tornariam intempestivo o
recurso interposto pelo próprio
adolescente no momento de sua intimação da decisão.
RESP 160.749/RS – Tendo
sido o recorrente intimado da sentença proferida pelo juiz singular, que lhe
aplicou medida de internação, e tendo manifestado o seu desejo de recorrer, não
lhe pode ser negado o direito de apelar, sob o argumento de que o prazo para
interposição do recurso só começa a fluir quando da intimação do defensor e
este apresentou as razões recursais fora do prazo legal. Tal entendimento
afronta o disposto no art. 190, parágrafo 2º da Lei 8069/90, uma vez
que torna irrelevante a vontade do adolescente e, por
conseguinte, ineficaz a norma que determina seja intimado o menor infrator a
fim de que este manifeste o seu desejo de recorrer ou não sentença.
d) conta-se o prazo máximo
de reavaliação a partir da internação provisória
Tormentosa questão despontada no cotidiano
da execução da medida de internação é quanto ao termo inicial de contagem do
prazo de reavaliação da medida. Se para os adultos aproveita-se, para todos os
efeitos, o tempo da custódia cautelar no desconto da pena privativa de
liberdade, reiteradas decisões têm subtraído dos adolescentes internados esta
palmar garantia, em especial para que o tempo de internação provisória se
integre na contagem do prazo de reavaliação da medida. A este respeito, o STJ,
em recentíssima decisão foi taxativo:
HC 12.596 – A lei não exclui o tempo de segregação
provisória da contagem do tempo máximo de reavaliação. A Turma, por
unanimidade, concedeu a ordem para assegurar ao paciente o direito de ser
reavaliado no máximo em seis meses, a partir da sua internação provisória.
e)Indispensabilidade do
laudo toxicológico para prova da materialidade em crime da lei de tóxicos
Por incrível que pareça, alguns Tribunais Estaduais costumam
entender desnecessário exame pericial, em se tratando de ato infracional, para verificação da materialidade de crimes
que na órbita penal nem se imagina cogitar da dispensa da prova técnica. O
pretexto, como já anotado, é de que ao “menor” não se aplica pena, daí porque
o processo de apuração de ato infracional acaba regido pelo princípio da informalidade,
dispensando-se o “rigorosismo”
do processo penal. Desnecessário dizer, o STJ rechaça tal entendimento:
HC 17839/RJ -
Impõe-se que no procedimento impositivo de sanções seja observada a garantia da
ampla defesa, sendo indispensável, nas medidas impostas ao menor acusado de
prática de ato infracional equiparado a tráfico de
entorpecentes, que a materiliadade esteja comprovada
pelo laudo toxicológico definitivo, nos
termos exigidos pela Lei 6.368/76. Não prevendo o ECA
o exame pericial, há que aplicar-se para os atos infracionais
análogos ao crime que o exija, o art. 159 do CPP” (...). Embora as práticas infracionais imputadas a menor sejam reguladas por lei
específica, não se poderia descumprir a exigência imposta pela lei de tóxicos,
que exige o exame toxicológico definitivo para comprovação da materialidade do
delito ao fundamento de que o ECA adota o princípio da celeridade. O
descumprimento desta formalidade implica, a toda evidência, cerceamento de
defesa, garantia constitucional aplicável também aos menores infratores.
f) O prazo de quarenta e
cinco dias para custódia cautelar de adolescente é até a conclusão do processo
e não da instrução (art. 183 do ECA)
Embora o art. 183 do ECA estabeleça
em 45 dias o limite improrrogável para
conclusão do procedimento de
apuração de ato infracional estando o
adolescente internado provisoriamente,
teimam alguns juizes em interpretar o que é explícito e cristalino para o fim
de excepcionar, em prejuízo do jovem
cativo, o que a lei não ressalva. A propósito já decidiu o STJ:
RHC 12010/DF - A
aplicação da Súmula 52/STJ [encerrada a instrução criminal, fica superada a
alegação de constrangimento por excesso
de prazo] mostra-se incompatível com os princípios fundamentais do ECA de excepcionalidade, brevidade e observância da condição
peculiar do menor de pessoa em desenvolvimento (art. 121), devendo prevalecer o
respeito ao prazo máximo de internação provisória expressamente previsto de 45
(quarenta e cinco) dias (art. 108).
g) Indispensabilidade da
presença dos pais ou responsáveis aos atos processuais quando solicitada pelo
jovem
O STJ declarou nulo processo onde não foi intimado o
responsável pelo adolescente a fim de acompanhá-lo nos atos processuais
necessários, em especial a audiência de apresentação:
HC - 9806 - “No caso dos
autos, os pais do paciente não se fizeram presentes na audiência de sua
apresentação, quando lhe foi imposta medida sócio-educativa de internação por
prazo indeterminado, pelo cometimento de ato infracional
equivalente ao furto qualificado. Naquela assentada, a Defesa pediu a presença
dos pais do menor, demonstrando que não foram eles intimados por mandado para
comparecimento ao ato, requerimento este que não mereceu a mínima consideração
por parte do MM. Juiz, na sentença. Penso que assim agindo a r.
sentença negou ao paciente o direito de ser acompanhado por seus pais, sendo,
por isso, nula”
h) interpretação de
“reiteração na prática de atos infracionais graves”
para viabilizar a aplicação de internação com base no art. 122, II do ECA
Em recente decisão, o STJ posicionou-se sobre o conceito de
reiteração conforme inscrito no art. 122, II, do ECA.
Embora optasse por diferenciá-lo do conceito penal de reincidência[24], restou patenteada a intenção de
atribuir ao conceito, conteúdo menos gravoso que seu similar criminal:
HC 15.082 –
Enquanto a conformação da reincidência demanda, tão só, dois atos infracionais, a “reiteração no cometimento de outras
infrações graves”, para legitimar a internação, reclama a conjugação de 03
(três) ou mais condutas anti-sociais assinaladas por uma especial gravidade
(...). Assim, embora tenha o paciente recebido anteriormente uma medida de
internação pela prática de ato infracional equiparado
ao delito de roubo, a prática de nova infração equivalente ao porte ilegal de
arma não autoriza a aplicação da medida de internação com base no inciso II do
art. 122 da Lei Menorista”.
Conclusão
Passados doze anos de vigência do ECA,
a jurisprudência, em especial aquela sintonizada com os ditames do novo
paradigma inaugurado pelo Estatuto, ainda encontra-se em formação. Está-se, em
verdade, a construir dia a dia e cabe aos advogados fornecer o material de
construção com que os tribunais erguem a obra. Mais do que simples compilação
de julgados o presente texto é um convite.
Um convite para que, diante das ilegalidades verificadas em primeiro e
segundo grau de Jurisdição, não nos resignemos. O bom trabalho de advocacia não
estará completado sem que recorramos à Corte de Brasília. Muito possivelmente
encontremos ouvidos e amparos para os nosso reclamos
no Superior Tribunal de Justiça.
______________
OBS 1: Todos os HCs (habeas corpus) e RHC (recursos ordinários em habeas corpus) sem expressa menção da origem
(a inicial do Estado que vem após o número, separado por barra) são oriundos de
SP (ex. HC 2345, leia-se HC 2345/SP)
OBS 2: A íntegra
de todos os julgados do STJ pode ser acessada pelo site do tribunal: http://www.stj.gov.br
. Na página inicial do sítio, clicar em processos.
Tipo de pesquisa: processo. Parâmetro de pesquisa: digitar por exemplo RHC
1234, ou HC 2234 (número sem ponto).
Localizado o recurso, clicar em mostrar
(fases). Mostrado o andamento processual, clicar em Acórdão Publicado.
Notas
[1] Versão atualizada até julho de 2002.
[2] na função de Defensor Público, ora em
exercício junto à Vara da Infância e Juventude do Fórum Regional de Santo
Amaro.
[3] cf.
URL http://www.edsonseda.hpg.ig.com.br/alteratf.htm
acessada em 15.08.2002.
[5] Em recente decisão, este mesmo Ministro anuncia de forma detalhada e aprofundada o caráter efetivamente punitivo, sancionatório, repressivo e gravoso da medida, assimilando o escólio do eminente Desembargador Amaral e Silva de Santa Catarina: “A medida sócio-educativa, já se disse, tem seu aspecto de pena. Queira-se ou não denominá-la assim, trata-se de uma sanção, uma ordem imposta ao adolescente” (RESP 241477-SP). Mais recentemente, o ilustre Ministro do STF, Sepúlveda Pertence, ao declarar nulo o procedimento de apuração de ato infracional no qual a defesa concordou com a medida de internação, fez, com eloqüência consignar: “A escusa do defensor dativo de que a aplicação da medida sócio-educativa mais grave, que pleiteou, seria um benefício para o adolescente que lhe incumbia defender — além do toque de humor sádico que lhe emprestam as condições reais do internamento do menor infrator no Brasil — é revivescência de excêntrica construção de Carnellutti — a do processo penal como de jurisdição voluntária por ser a pena um bem para o criminoso — da qual o mestre teve tempo para retratar-se e que, de qualquer sorte, à luz da Constituição não passa de uma curiosidade (STF - RECR-285571 / PR)
[6] HC - 11.466 - A decisão do magistrado de primeira instância que optou por não aplicar
ao menor nenhum tipo de medida sócio-educativa, partiu do fato de que os únicos
indícios de sua participação no ato infracional eram
comprovadas única e exclusivamente pelos
depoimentos, da vítima e de testemunhas, colhidos na fase inquisitorial. Por
outro lado, o acórdão reformatório desta decisão se esteia justamente em depoimentos prestados em inquérito
policial e não confirmados em Juízo, desconsiderando o fato de que justamente
esta confirmação seria a única forma de se obter certeza razoável da
participação do menor no delito. A única medida sócio-educativa que dispensa
prova inconteste é a advertência. Já as outras medidas (...), especialmente a
internação, demandam certeza profunda da participação do adolescente no evento
delituoso, o que não é o caso.
[7] O Supremo
Tribunal Federal lançou as bases desta compreensão no primoroso acórdão do HC – 75.629-8-SP, da lavra do Ministro
Marco Aurélio: “O sentimento de justiça é
inerente à condição humana e uma das características que mais distinguem o
homem das outras espécies. Precioso demais à convivência social, há de ser
reforçado como fator de aperfeiçoamento da humanidade, sob pena de grassar a desordem,
o caos. (...). Pois bem, estamos diante de um caso em que se cuida de
preservar, num jovem a boa expectativa no poder da Justiça, na certeza de que
os passos na direção do bem conduzirão sempre à
uma vida digna. Se decidirmos de forma contrária, como convencê-lo de que vale
a penas esforçar-se , reprimir seus impulsos mais egoístas da sobrevivência, não ceder diante dos
irresistíveis chamados do consumismo moderno, conformar-se e dar sua própria
contribuição em favor da diminuição das desigualdades inerentes ao sistema
capitalista?
[8] Eis o
texto ementado destas decisões :“ As medidas sócio-educativas impostas ao
menor infrator devem ser concebidas em consonância com os objetivos maiores da
sua reeducação ,sendo relevantes para a obtenção desse resultado o respeito à
sua dignidade como pessoa humana e adoção de posturas demonstrativas de
realização de justiça. Nesta linha de visão impõe-se que no procedimento
impositivo de sanções seja observado o princípio da ampla defesa (...). Em
sentido convergente: RHC -8612 – A regressão de medida reclama oitiva do
menor-infrator (...) em observância ao caráter educacional de exceção da medida.
[10] Outros paradigmas: RESP 28886 SP; RESP 26049 SP; ROMS 1968 SP
; RESP 24442 SP e RHC 1641 RS
[11] "Esta Câmara tem entendido que a concessão de remissão impede a
imposição de qualquer medida sócio-educativa ao adolescente (Ap. 16.775-0).
Isto porque a "remissão representa a exclusão do
processo. E, se remir é perdoar, há verdadeira contraditio
in terminis no ato de perdoar e, ao mesmo tempo,
sancionar, impondo qualquer medida ao adolescente (Ap. 19.183-0). A jurisprudência
é no sentido de que a ausência do devido processo legal viola os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual não é
possível cumular-se à remissão medida sócio-educativa"
(Apelação 50.887-0/8-00 - rel. Djalma Lofrano
TJSP – Cam. Esp).| "Habeas Corpus - concessão de remissão com
aplicação de medida sócio-educativa sem instauração de procedimento -
inviabilidade - exigência do devido processo legal - ordem concedida"
(HC 55.549.0/2 - rel. Cunha Bueno TJSP – Cam. Esp)| "Segundo
entendimento desta Câmara, a outorga de remissão impede a imposição de qualquer
medida sócio-educativa ao adolescente (TJSP - Acv.
16.775-0 - Rel. Weiss de Andrade - TJSP – Cam. Esp ) | "A
remissão pré-processual do art. 126 do ECA mostra-se incompatível com a
aplicação de medida sócio-educativa, quer pelo membro do Parquet,
quer pelo magistrado, posto que em hipóteses que tais, não se instaura o
processo (Ag. Inst. 19.961-0 rel. Yussef Cahali - TJSP – Cam. Esp) | "Há evidente contraditio
in terminis no ato de remir para em seguida impor
reprimenda, até porque este ato, sem a formal instauração da causa, atenta
contra os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa (Ap. Civ. 18.730-0 rel. Yussef Cahali TJSP – Cam. Esp). No mesmo sentido Ap. Civ. 19.183 rel. Ney Almada. |"Menor - remissão - cumulação com medida
sócio-educativa - incompatibilidade - necessidade do devido processo legal. A
remissão pré-processual é incompatível com a aplicação de medida
sócio-educativa (JTJ-LEX 150/73) |"Realmente, a remissão pré-processual não se
harmoniza com a aplicação de medidas sócio-educativas porque aquela, no caso, é
perdão e forma de exclusão do processo (art. 126 do ECA). Portanto, a decisão
agravada bem decidiu pelo arquivamento deixando de executar a medida
sócio-educativa aplicada. Se fosse determinado o cumprimento da medida de
liberdade assistida imposta, o menor iria sofrer
evidente constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção, reparável,
inclusive, via de habeas corpus - passível de
concessão até ex-officio, inobstante a alegada
ocorrência de coisa julgada cujo mérito não se faz necessário examinar (Ag. Inst. 26.470-0/4 - rel. Pereira da Silva TJSP – Cam. Esp).
[12] "ECA. Regime de internação
imposto por descumprimento de medida sócio-educativa anterior nos termos
do inc. II do art. 122 do ECA e que fora imposta à concessão de remissão.
Circunstância por si que não autorizaria a aplicação da internação-sanção.
Ilegalidade existente. Ordem concedida. (HC 50.003.0/5-00 rel. Alvaro Lazzarini TJSP – Cam. Esp)|" Trata-se
de internação-sanção imposta em virtude de descumprimento pela paciente de
medida sócio-educativa de liberdade assistida aplicada quando da homologação
pelo Juízo da remissão concedida pelo Ministério Público. E é entendimento
deste relator da impossibilidade de aplacação de qualquer medida
sócio-educativa sem a existência do devido processo legal, no caso de
procedimento de apuração de ato infracional. Ora, a
própria liberdade assistida imposta de forma inadequada já consistiria
constrangimento ilegal a paciente. Destarte, com maior razão a ilegalidade da
conversão da liberdade assistida em internação-sanção. (HC 48.273.0/6 - rel.
Cunha Bueno TJSP – Cam. Esp).
No mesmo sentido: H.c. 48.273-0/6 - REL. Alvaro
Lazzarini)|"Habeas Corpus - aplicação da
internação-sanção em virtude do descumprimento de liberdade assistida imposta
sem a existência de procedimento de apuração de ato infracional
- concessão da ordem (HC 49.121.0/0-00 - rel. Álvaro Lazzarini TJSP – Cam. Esp)|Habeas
Corpus - Conversão para internação de medida sócio-educativa imposta sem
procedimento de apuração de ato infracional -
concessão da ordem" (HC. 56.530.0/3-00
- rel. Cunha Bueno)| Imposição de internação-sanção decorrente do
descumprimento pelo menor de medida sócio-educativa imposta por ocasião da
homologação da remissão pré-processual - violação ao princípio do devido
processo legal - habeas corpus concedido de ofício e
recurso prejudicado. (AI 47.031.0/5-00 - rel. Cunha Bueno TJSP – Cam. Esp) |
[13] Confiram-se, a propósito, os habeas corpus 8443 – 8325 – 7940 – 7589 – 7495 – 7494 – 8550
– 7664 – 7683 – 11302 – 7448 – 9262 – 8129 – 8220 - 8034 – 8543 – 8717 – 7358 -
16169, todos originários de São Paulo.
[14] Em sentido semelhante: HC - 16169 - Além de o adolescente não ter sido previamente ouvido, quando da regressão da medida sócio-educativa, inexistem, na espécie, motivos aptos a sustentar a medida initio litis, ficando, nesse caso, prestigiado o relatório psicossocial que recomenda a liberdade assistida, em detrimento do efeito suspensivo concedido ao agravo do Ministério Público
[15] Há decisão do STJ no sentido de
que a violação é tão grave que enseja concessão de liminar para atribuir efeito
suspensivo em agravo interposto para questioná-la: “A internação é, sem dúvida, medida de natureza grava, cuja
decretação depende diretamente da estreita observância das garantias previstas
na CF, art. 5º, LIV e LV, e no ECA, art.
110, III e V e VI. Há que ser assegurado, ao adolescente, exercício do direito
de defesa. Assim, conheço do Habeas Corpus e defiro
pedido para atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento” (HC – 9328).
[16] RHC -
9332 – A decisão do acórdão recorrido de
determinar a apresentação do paciente ao magistrado de primeiro grau tão logo
seja apreendido para justificar-se, viola as garantias da ampla defesa. Não
terá qualquer efeito uma justificação feita após a decisão do juiz de aplicar a
internação-sanção. Ora, o convencimento do magistrado já estará formado, sendo
inócua a justificação que se apresente. A tendência mais recente do STJ é
no sentido de que a decretação da internação, sem oitiva do jovem, somente se
justificaria em caráter provisório, para o fim exclusivo de viabilizar a
apresentação adolescente recalcitrante ao magistrado (cf. RHCs 12758, 11360 e 10898)
[17] Por exemplo, confira-se o
enunciado do tema 9 do I Encontro de Juizes com Competência em Matéria de
Infância e Juventude do Estado do Rio de Janeiro, realizado em Nova Friburgo,
nos dias 25, 26 e 27 de maio de 2001: “É
cabível a internação do adolescente primário, autor de ato infracional
análogo a tráfico de entorpecentes”.
[18] O
Tribunal de Justiça de São Paulo tem duas posições a respeito. Alguns julgados
supõem cabível a regressão, sem restrições. Outra decisões,
todavia, entendem que a norma geral do art. 113 deve ser harmonizada com a
norma especial do 122, III, que trata de descumprimento de medida mais branda,
de modo que, nestes casos, o limite de duração da internação seria de três
meses. Neste sentido, confiram-se os julgados do TJSP : Sem olvidar a possibilidade das medidas sócio-educativas poderem ser, a qualquer tempo, substituídas
(art. 99c.c. o 113 do ECA, não se pode deslembrar que
o art. 122, inc. III, do ECA prevê a internação “por descumprimento reiterado e
injustificável da medida anteriormente imposta”, norma nitidamente especial em
relação àquelas. Assim, ex vi deste último dispositivo, que cuida
especificamente da reversão a o regime de internação por inobservação
pelo infrator das regras de execução de outra medida, em caso de descumprimento
reiterado e injustificado, a substituição a ser efetuada só o pode ser por
internação. O agravo fica parcialmente provido apenas para estabelecer que o
prazo da internação, determinada na sentença é de no máximo três meses
(TJSP Agravo de Instrumento e Embargos de Declaração n. 52.004.0/6 – rel. Alvaro Lazzarini). De idêntico teor: A. de Instrumento 52.899.0/7 – rel. Alvaro Lazzarini)| Habeas corpus –
impetração em favor de menor face a regressão para
medida sócio-educativa de internação pelo descumprimento da medida de liberdade
assistida anteriormente aplicada – Decreto de internação sem prazo determinado,
nos termos dos artigos 99, 100 e 113 do ECA – Inadmissibilidade – A
internação-sanção não pode superar o prazo de noventa dias estabelecido em lei
– ordem concedida (TJSP - HC 62.818.0/7-00 rel. Yussef Cahali) |“Menor. Fuga
do estabelecimento em que cumpria medida de semiliberdade
(...). Ausência de elementos que motivassem tal descumprimento. Reversão à
medida de internação limitada, porém, a três meses. Art. 122, III, do ECA que
caracteriza como norma especial em relação aos arts.
99 e 113 deste Estatuto. Agravo parcialmente provido para determinar a
internação do adolescente por noventa dias”( AI n. 35.734-0/0 - TJSP rel.
Rebouças de Carvalho).| Agravo de Instrumento 37.662-0. No mesmo sentido: (HC 062.483.0/7-00, HC 66.709-0 - AI 060.285.0/9 hc 55.241.0/7 Ag. Inst. 40544-0/5
Ag. Inst. 52.899.0/7
[19] Ambos os
julgados mencionam precedente da mesma Corte no qual se estabeleceu que “a internação, na hipótese dos autos
[descumprimento de medida mais branda] pode ser decretada por prazo
determinado, desde que respeite o limite legal de três meses” (HC 10972)
[20] No RHC 10928/ES o STJ entendeu descabida a
aplicação, em sede de procedimento de apuração de ato infracional,
das normas da lei 9099/95 relativas à suspensão do processo. Argumentou-se,
contudo, não no sentido de que não fizessem jus os adolescentes aos benefícios
processuais outorgados pela lei aos adultos. Simplesmente deixou-se de
estendê-los aos jovens em razão de o ECA já prevê-los,
sob a forma de remissão como forma de suspensão do processo. No mesmo sentido: RHC 10767/ES
[21] HC 16368 - A simples alusão ao fato de que o menor não
desfruta de amparo familiar que o potencialize a desfrutar do processo
sócio-educativo em meio semi-aberto não é suficiente para motivar a privação
total da sua liberdade, até mesmo pela própria excepcionalidade
da medida, restando caracterizada a afronta aos objetivos do sistema.
[22] RHC 9736/SP; RHC 7698/MG; RESP 270181/SC
[23] Há
julgados, contudo, em sentido contrário: HC
14247, 11711 e 14036 , demandando a questão, pois, pacificação de entendimento.
[24] A nosso
ver, a melhor compreensão sobre o tema no sentido de equiparar reiteração a reincidência: Neste sentido são as decisões: “Para o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a reiteração é equivalente à reincidência
prevista no Código Penal; assim sendo, a configuração da reiteração, como pressuposto
da aplicação da internação, há de se prender ao fato de o adolescente ter sido
anteriormente submetido à medida sócio-educativa, com decisão transitada em
julgado, conforme interpretação do art. 122, II, da lei 8069/90” (RT 755/684).
“Ato infracional praticado por menor ofensivo à disposições do art. 155, paragrafo
4o., III, do CP. Autoria e materialidade comprovadas. Sem que tenha
ocorrido, à data da decisão apelada, o trânsito em julgado da condenação
anterior, à qual também respondeu o ora recorrente, não se lhe pode atribuir
reiteração delitiva, conforme previsto no inc. II, do art. 122, do Estatuto Menorista, para aplicação da medida sócio educativa de
internação pelo período máximo legal (arts. 122, V e
121, parágrafo 3o. do mesmo diploma legal)” (Ap. Civil 148/94 - DF -
j. em 10.08.94 - pub. DJDF de 22.09.94).