NATUREZA JURÍDICA DA FUNÇÃO CONSELHEIRO TUTELAR: A LEGISLAÇÃO DE PORTO ALEGRE

 

 

Vanêsca Buzelato Prestes

Procuradora Municipal de Porto Alegre.

 

 

I - Conselho Tutelar: natureza jurídica do órgão

 

1. O Estatuto da Criança e do Adolescente passou a vigorar em 13 de julho de 1990. Porto Alegre foi um dos primeiros municípios brasileiros a dispor, em seu âmbito de competência, sobre a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente, na forma prevista pela Lei Federal 8.069/90, usualmente conhecida como ECA. Por intermédio da Lei Municipal N.º 6.787, de 14 de janeiro de 1991, aprovada à unanimidade pela Câmara Municipal de Vereadores, foram criados o Fórum de Entidades, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Fundo Municipal e o Conselho Tutelar.

 

2. Desde o advento desta Lei, restou evidente a concepção de Conselho Tutelar para o Município de Porto Alegre. Conselho Tutelar é serviço público de natureza essencial e permanente, sendo imprescindível o atendimento à população, vinte quatro horas, todos os dias da semana[1]. Isto porque a violação de direitos não marca hora, dia ou lugar e, em uma cidade com a dimensão da nossa, há necessidade da manutenção permanente do serviço.

 

3. Conseqüência desta concepção é a situação dos conselheiros tutelares. O Estatuto, como não poderia deixar de ser frente à partilha constitucional de competências[2], atribui aos Municípios a definição quanto à eventual remuneração dos membros de conselhos tutelares (art. 134 do ECA) [3]. Por decorrência lógica da opção como serviço essencial e permanente, o legislador municipal estabeleceu que os conselheiros tutelares têm direito à remuneração correspondente àquela fixada para os quadros de nível superior do Município.[4] Há, portanto, um reconhecimento quanto à necessidade de profissionalização dos membros do conselho tutelar, na medida que, não obstante constituir-se a função em um "múnus público" a ser exercido por período certo, correspondente ao mandato, a atuação é cotidiana, não podendo ser tão-somente trabalho voluntário, beneficente e gratuito, pois as pessoas, por mais espírito público e amor à causa que possam ter, possuem necessidades básicas a serem supridas, decorrentes da própria vida em sociedade. Ademais, em sendo um serviço permanente, há necessidade de garantir o seu funcionamento. Para permitir fosse exigido o efetivo funcionamento do serviço, foi estabelecida uma contraprestação a ser paga pelo instituidor do mesmo, havendo, ainda, a obrigatoriedade da dedicação exclusiva do conselheiro a este mister. Constituiu-se, portanto, uma relação de mão dupla, na qual o órgão Conselho Tutelar é considerado serviço público municipal de natureza permanente, funcionando 24 horas ao dia, e os membros dos respectivos conselhos agentes públicos, os quais percebem uma contraprestação remuneratória, atuando com dedicação exclusiva na defesa da violação de direitos das crianças e adolescentes, consoante preconiza o Estatuto.

 

4. Esta formulação, evidentemente, foi pensada e serve à realidade de Porto Alegre, sendo que a cada Município cabe analisar a melhor forma de garantir o serviço. Para aqueles de menor porte, certamente a exigência da dedicação exclusiva e até mesmo a remuneração podem ser inócuas. Contudo, para uma capital do tamanho e complexidade da nossa, a necessidade local exige a profissionalização dos membros do conselho, para possibilitar o atendimento da imensidão de casos que chegam a ele.

 

5. Aliado aos argumentos retrodesfilados, a origem das atribuições do Conselho Tutelar também indica a necessidade do reconhecimento do trabalho como serviço público municipal de natureza essencial e permanente. É consabido que os Conselhos Tutelares absorveram parte das atribuições que eram desempenhadas pelo Juizado de Menores[5][6] e parte das atribuições que deveriam ser desempenhadas pelos Municípios (p. ex., observância da matrícula e freqüência às escolas), além de assumirem institucionalmente a responsabilidade por verificar toda e qualquer violação de direitos, o que outrora não contava com agente público responsável, sendo matéria inovadora. Por força do Estatuto da Criança e do Adolescente, portanto, atualmente aos Conselhos Tutelares compete o desempenho de parcela das atribuições do Estado e parte das atribuições antes desempenhas pelos municípios, além das demais criadas pelo ECA. A par disso, no dizer de Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino,[7] hoje a formulação, o planejamento, a execução e o controle dos atos referentes à proteção dos direitos infanto-juvenis cabem ao Estado e, principalmente, ao Município, que, em sua realidade comunitária, decidirá como impedir a ameaça ou violação desses direitos. Igualmente, nesta tarefa, os Conselhos Tutelares assumem parcela de responsabilidade, como agentes sociais do processo de municipalização e de participação popular que efetivamente são. Assumem, pois, atribuições anteriormente desempenhadas pela União, uma vez que, sob a égide do ordenamento jurídico passado, o planejamento e os problemas infanto-juvenis eram de competência federal (política do Bem-estar do Menor, regida pela Lei 4.313/64, revogada pelo ECA). Cumpre asseverar que, tanto as atribuições desempenhadas pelo Estado quanto aquelas de responsabilidade dos Municípios, já eram consideradas serviço público. A defesa contra a violação de direitos é hoje tida como política pública fundamental à consolidação do Estado Democrático de Direito que tem como valor fundante a cidadania e a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inc. II e III, da Constituição Federal), portanto, também essencial e permanente.

 

6. Destarte, por todo o exposto, afiguram-se-nos materialmente inconstitucionais dispositivos infraconstitucionais que permitam retroceder na afirmação na defesa da violação de direitos como função pública essencial, assim como a defesa dos direitos da criança e do adolescente como atividade essencial do Estado. Se sob a égide do Código de Menores já era considerado serviço público de natureza permanente, mormente agora deve ser assim tratado, conquanto tem na Constituição Federal, em seu artigo 27, o fundamento que lhe dá validade.

 

7. Assim sendo, é nosso entendimento que os Municípios têm obrigação de regulamentar a existência do Conselho Tutelar. E, ao fazê-lo, não podem deixar de considerá-lo serviço público municipal de natureza permanente e essencial. Em decorrência, a legislação municipal deve contemplar a situação funcional dos membros do conselho, regulamentar o vínculo existente entre a administração municipal e os conselheiros tutelares, criar mecanismos legais que garantam a prestação e a continuidade do serviço, bem como a fiscalização do efetivo funcionamento do mesmo.

 

II - A legislação no município de Porto Alegre sobre conselho tutelar – evolução e mudanças significativas

 

8. A Lei Municipal 6.787/91, a primeira a dispor sobre o assunto, entre outros aspectos, assim estabeleceu sobre o Conselho Tutelar e o seu funcionamento:

 

“Art. 25. O exercício da função de Conselheiro Tutelar deverá ser de dedicação exclusiva.

 

Art. 26. Na qualidade de membros eleitos por mandato, os conselheiros não serão incluídos nos quadros da Administração Municipal, mas terão direito à remuneração fixada.

 

Parágrafo único. A remuneração do Conselheiro corresponderá ao Nível Superior do Quadro do Funcionalismo da Prefeitura.

 

Art. 27. Compete ao Conselho Tutelar cumprir o disposto na Lei Federal 8.069/90, devendo o mesmo funcionar diariamente, inclusive em domingos e feriados, 24 horas ao dia."

 

9. Interpretando os artigos encetados, depreende-se a preocupação do legislador em estabelecer que os conselheiros não integrariam o quadro da administração municipal. A regra visou afastar eventuais discussões judiciais após o término do mandato, baseadas no princípio do contrato-realidade, em virtude de terem exercido atividade permanente, remunerada pelos cofres públicos municipais. Frise-se que, por se tratar de experiência pioneira, à época não encontramos situação similar que servisse de parâmetro. Além disso, poucos estudos sobre o assunto havia, aliás, o que perdura até hoje. Assim, na forma estabelecida pela Lei, os membros de Conselho Tutelar foram considerados à semelhança dos agentes públicos honoríficos.

 

10. Os agentes honoríficos são assim conceituados pelo publicista Helly Lopes Meirelles:

 

“... são cidadãos convocados, designados ou nomeados para prestarem, transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição cívica, de sua honorabilidade, ou de sua notória capacidade profissional, mas sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem remuneração. Tais serviços constituem os chamados múnus públicos, ou serviços públicos relevantes, de que são exemplos a função de jurado, de mesário eleitoral, de comissário de menores, de presidente ou membro de comissão de estudo ou julgamento e outros dessa natureza. Os agentes honoríficos não são funcionários públicos, mas nomeadamente exercem uma função e enquanto a desempenham, sujeitam-se à hierarquia e disciplina do órgão que estão servindo, podendo perceber um pró labore e contar o período de trabalho como de serviço público."[8]

 

11. Apesar de não referir expressamente, a conceituação dos membros de Conselho Tutelar como agentes honoríficos vinha sendo aceita por renomados pensadores do Estatuto da Criança e do Adolescente. No Parecer N.º 828/95 da Procuradoria Geral do Município, lavra da Dra. Ana Luísa Soares de Carvalho, de modo lapidar, é demonstrada a veracidade desta assertiva, inclusive ao trazer à colação os seguintes excertos, aos quais nos reportamos:[9]

 

O membro do Conselho Tutelar não será, também, funcionário público municipal, porque não é empregado da Prefeitura e não recebe ordens do Prefeito. Na perfeita concepção de Edson Sêda: "O Conselheiro Tutelar é um servidor público cuja função relevante (art. 135 do ECA) dura enquanto durar seu mandato de três anos, renovável por mais três. Mesmo remunerado, o trabalho que executa não gera vínculo empregatício com o Município. Não é regido pelas leis trabalhistas, porque não é empregado. Sua função relevante é regida por norma geral federal (Estatuto), e pode, nos termos desta mesma norma geral, nem ser remunerado. A lei municipal deve prever (art. 134, parágrafo único, do ECA) no orçamento recursos para a manutenção do conselho, aí incluída a função gratificada de Conselheiro. O conselheiro tutelar não terá regime funcional qualificado como estatutário ou de prestação de serviços de terceiros, porque é escolhido pela comunidade, com mandato certo".

 

12. Destarte, verifica-se que havia uma confusão conceitual significativa. Aliás, sobejamente justificada pela necessidade de preservar a autonomia do órgão criado - Conselho Tutelar -, o qual por si só já era inovador. Digo isso porque, num país cuja tradição constitucional pouco acumulou em termos de organismos de efetiva participação popular, um órgão de características híbridas como este, que miscigena participação popular com efetivo serviço público prestado à população, só poderia causar perplexidade. Isto porque, em que pese a participação popular estar contemplada na Constituição Federal, não há previsão na Carta Magna da investidura no serviço público que não por concurso ou em cargos comissionados. As exceções estão expressas no texto constitucional, como é o caso dos Juízes de Paz. Assim, esta esfera pública não estatal [10] encontra dificuldade de ser compatibilizada com os limites impostos pela novel Constituição ao serviço público, mormente na legislação infraconstitucional, que não contempla a possibilidade de participação popular na execução direta de serviço público.

 

13. Com a implantação dos Conselhos Tutelares (em Porto Alegre temos oito), a realização da eleição e o início do trabalho, estas questões passaram a merecer maior atenção, pois, na prática, estavam demonstrando que deviam ser aperfeiçoadas. Forte nesses motivos é que se iniciou a discussão quanto à natureza jurídica do vínculo dos conselheiros tutelares com a administração municipal. Negar simplesmente a existência de vínculo era desconhecer a realidade, bem como ignorar que o Conselho Tutelar, enquanto órgão da administração municipal, deve estar subsumido às normas gerais de Direito Administrativo, assim como aos preceitos constitucionais que regem a Administração Pública (Art. 37 da CF) [11]. Isto porque, não obstante haver independência funcional, autonomia quanto à aplicação das medidas e inexistência de subordinação hierárquica com a administração, a vinculação decorre do próprio serviço, que é municipal, sendo que a população cobra do Município tanto a sua melhor estruturação quanto a sua ineficiência.

 

14. A par disso, outros elementos substanciais contribuíram para a análise quanto à necessidade da regulamentação do vínculo. O que fazer, p. ex., se algum membro de Conselho Tutelar sofresse algum acidente decorrente do trabalho? Haveria alguma responsabilidade do Município? O membro de Conselho ficaria desamparado e sem direito à percepção de auxílio algum? E se alguma Conselheira Tutelar ficasse grávida, como ficaria o direito constitucional à licença-gestante se estes não eram considerados trabalhadores, mas sim agentes honoríficos? Todo este período exercendo a função de Conselheiro Tutelar não poderia ser computado para fins de averbação de tempo de serviço, com vista à aposentadoria? Enfim, estes entre tantos outros questionamentos levaram-nos a concluir quanto à necessidade de regulamentar o vínculo existente.

 

15. Concluímos que não se pode confundir o serviço público Conselho Tutelar, que é permanente e de natureza essencial, com os seus membros que são transitórios e figuram como agentes públicos durante o mandato. Todavia, neste lapso temporal de três anos, correspondente ao período do exercício da função, reconhecemos ser fundamental estabelecer os parâmetros aceitáveis para a configuração do vínculo, de forma a não interferir na autonomia prevista no Estatuto e, ao mesmo tempo, contemplar as questões anteriormente postas, admitindo, sobretudo, que os membros de Conselho Tutelar, na forma estabelecida pela legislação municipal de Porto Alegre, durante o exercício do mandato, são trabalhadores públicos, devendo, portanto, perceber os direitos sociais correspondentes, assegurados pela Constituição Federal.

 

16. Esta linha de raciocínio encontrou guarida em comentários à novel Constituição Federal, no que diz respeito ao reconhecimento de direitos sociais aos trabalhadores de um modo geral. A respeito do tema assim se pronunciou o Professor Adilson Abreu Dallari [12], in verbis:

 

“Com efeito, faz-se necessário afirmar em alto e bom som: o servidor público nada mais é que espécie do gênero "trabalhador". De fato, este gênero - "trabalhador" - na ordem jurídica brasileira, congrega duas grandes categorias: o trabalhador das empresas privadas e o servidor público. Por este motivo, reiterando o que acima já se afirmou, embora haja diversidade no tocante a determinados aspectos secundários, em cada uma das referidas categorias, impõe-se com referência aos elementos fundamentais da relação de trabalho, um tratamento igual ao empregado particular.

 

A conclusão disso tudo é a de que não poderia e não pode existir trabalhador algum desprovido das garantias que a Constituição confere a todos os trabalhadores. Não havia, como não há, possibilidade de existência de pessoal trabalhando apenas em troca de uma remuneração pecuniária, a título precário, sem um regime jurídico (um conjunto equilibrado de direitos e deveres) perfeitamente definido."

 

17. O ilustre publicista segue discorrendo sobre a impropriedade de aplicar o regime celetista, aliás, segundo registra, tendência jurisprudencial de enquadrar aqueles que não fossem estatutários automaticamente como sujeitos às normas da CLT, pois esta prática criou uma forma de burla ao concurso público. Conforme já asseverado, este temor foi justamente o que ensejou o artigo da Lei estabelecendo que os Conselheiros Tutelares não entrariam para os quadros da administração municipal. Contudo, apesar da boa intenção, acabou-se por criar outro problema, conquanto a caracterização como agente honorífico mostrou-se insuficiente e inadequada, à luz das exigências da lei municipal e do efetivo trabalho desenvolvido pelos membros de Conselho Tutelar.

 

18. Na Lei 6.787, não havia previsão que elidisse as questões esposadas, até porque os agentes honoríficos propriamente ditos não sofrem este tipo de problema, pois, conforme já citado, são convocados para prestar determinados serviços, mas que não são permanentes, tampouco cotidianos, durante três anos, como é o caso dos membros de Conselho Tutelar. Gize-se, mais uma vez, que, no período do mandato, os Conselheiros Tutelares ficam inteiramente subsumidos na função, inclusive com impossibilidade de exercerem outra atividade por força da exigência da dedicação exclusiva,[13] consubstanciada na Lei Municipal. Já os agentes honoríficos não têm este tipo de restrição, sendo que, comumente, são chamados ao exercício do múnus público em decorrência da própria atividade relevante que exercem.

 

19. Destarte, restou indubitável que o membro de Conselho Tutelar era mais do que um agente honorífico. E mais. Era necessário legislar, criando a possibilidade de amparar o conselheiro que sofresse evento danoso (reportando ao exemplo do item 14), bem como sobre o pagamento aos membros de Conselho Tutelar dos mínimos constitucionais, nomeadamente, 13º salário, férias, férias proporcionais, licenças maternidade e paternidade, entre outros direitos previstos na Carta Magna. Esta conclusão decorreu da constatação fática de que, face à peculiaridade da atividade desenvolvida, eles são mais do que agentes honoríficos, vez que prestam serviço público permanente, constituindo-se, em verdade, como trabalhadores públicos, dotados de características específicas, tais como o modo de investidura (eleição) no serviço público e a natureza da função que desempenham, cuja identidade máxima é a preservação da autonomia de ação, a fim de ver cumprida a finalidade para o qual foi criado o Conselho Tutelar. Para tanto, necessário se fez inscursionar pela seara do direito administrativo, nomeadamente pelas categorias de agentes públicos, a fim de verificar a possibilidade que melhor se coadunasse à espécie híbrida com a qual nos deparávamos.

 

20. Dessa reflexão, originou-se a Lei 7.207/93, a qual estabeleceu a criação das funções de confiança popular providas mediante cargos em comissão, o que temos até hoje. A aludida Lei teve vigência temporária, a fim de que o assunto fosse aprofundado, pois aos afeitos ao direito administrativo a criação de cargos em comissão, com restrição à demissibilidade ad nutum, constituía-se em solução arriscada, inadequada e inconstitucional. Todavia, ao menos no âmbito municipal, a matéria foi pacificada com o advento da Lei N.º 7.394, de 28 de dezembro de 1993, a qual criou definitivamente os 40 (quarenta) cargos de confiança de conselheiros tutelares, por absoluta impossibilidade de legislar de outra maneira, conforme veremos no item seguinte. A lei ora vigente assim estabelece:

 

“Art. 1º São criados na Administração Centralizada 40 (quarenta) cargos em comissão, a serem providos pelo exercício da função de confiança popular, denominados Conselheiros Tutelares, eleitos por voto universal e facultativo dos cidadãos porto-alegrenses, na forma da Lei 6.787, de 11 de janeiro de 1991.

 

Art. 2º Os Conselheiros Tutelares eleitos serão nomeados nos cargos em comissão por ato do Prefeito Municipal e exonerados ao final de seus mandatos, ou nos casos previstos na presente Lei.

 

III – Funções de confiança popular providas mediante cargos em comissão – a razão desta opção

 

21. A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso II, estabelece que a investidura no serviço público se dará por concurso público ou por cargos em comissão, nos casos previstos em lei. Sendo o Conselho Tutelar um serviço público, está adstrito ao postulado constitucional. O Estatuto, mesmo sendo legislação federal, por ser infraconstitucional, não pode contrariar a Constituição. Disso se conclui que, no sistema legal vigente, não há previsão de participação popular na execução do serviço público.

 

22. Todavia, era necessário criar uma forma de compatibilizar o sistema constitucional com a necessidade local de regulamentar o vínculo existente entre a Administração e o Conselho Tutelar, de modo que os membros do Conselho pudessem ser reconhecidos como servidores públicos. Para tanto, na esfera de governabilidade e no âmbito de competência do Município, criamos funções de confiança popular providas mediante cargos em comissão. Evidentemente, trata-se de uma construção jurídica. Melhor seria se o sistema legal vigente passasse a contemplar a possibilidade de existência desta figura híbrida que mescla participação popular com serviço público permanente. Contudo, não podíamos esperar que o assunto se resolvesse na Federação. Dentre as possibilidades que existiam, Porto Alegre optou por esta formulação, a qual nos pareceu a mais adequada, pois possibilitava o reconhecimento do membro de Conselho Tutelar como servidor público lato sensu. A partir disso, criou-se a base legal para o pagamento dos mínimos constitucionais, uma vez que a Constituição Federal reconhece direitos sociais tanto para os trabalhadores públicos quanto aos privados, conforme salientado pelo prof. Adilson Dallari, conforme citação reproduzida no item 16.

 

23. Para efeito de explicitar a opção adotada, importante discorrer sobre alguns conceitos jurídicos que servem para compreender a espécie.

 

24. Os Agentes Públicos são todos aqueles que desempenham uma ação estatal.[14] Evidentemente há diversas formas de exercer a missão estatal, bem como níveis de responsabilidades e atribuições. Esta diferenciação origina a classificação dos agentes públicos em três grandes grupos, admitindo-se posterior subdivisão,[15] a saber: a) agentes políticos, b) servidores públicos e c) particulares em atuação colaboradora com o Poder Público.

 

25. Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello:

 

"Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores de vontade superior do Estado. São agentes políticos o Presidente da República, os Governadores, os Prefeitos e respectivos auxiliares imediatos (ministros e secretários das diversas pastas), os Senadores, os Deputados e os Vereadores. Todos estes se ligam ao Estado por um liame não-profissional. A relação que os vincula aos órgãos do poder é de natureza política. Desempenham um múnus público. Para o exercício de tão elevadas funções não comparecem como profissionais. O que potencialmente os qualifica ao seu exercício é a qualidade de cidadãos, de membros da sociedade política; em conseqüência, titulares de direitos e de responsabilidades na condução da res publica. A função que lhes corresponde não é de caráter técnico, mas a de traçar a orientação superior a ser cumprida, por meios técnicos, pelos demais agentes."

 

26. O mesmo autor conceitua servidores públicos como sendo “todos aqueles que mantêm com o Poder Público relação de trabalho, de natureza profissional e caráter não eventual”. A categoria servidores públicos é subdividida em espécies (funcionários públicos, servidores autárquicos, contratados pela legislação trabalhista e remanescentes dos antigos extranumerários). Para o objetivo do presente estudo, desnecessário aprofundar a conceituação de cada espécie. Contudo, cabe lembrar que a imposição do regime jurídico único impõe ao Poder Público a definição da regra aplicável a todas as espécies. Em Porto Alegre, o regime jurídico único é o estatutário. Os servidores celetistas compõem um quadro em extinção, sendo vedadas novas admissões sob este regime. Quanto aos extranumerários e os interinos, por força da própria Constituição, não há mais possibilidade de sua criação, sendo, de igual forma, pertencentes ao quadro em extinção.

 

27. Por último, a terceira classificação refere-se aos particulares em colaboração com a administração pública. São aqueles particulares que prestam um serviço ou uma missão pública (jurados, convocados pela justiça eleitoral, serviço militar etc.), os que assumem a gestão de coisa pública em momento de emergência ou, ainda, os que desempenham por conta própria, sem relação de dependência institucional, embora em nome do Estado, uma função ou serviço público [16] (contratados através de locação civil de serviços delegados de função, ofício ou serviço público, tabeliães e titulares de serventias públicas não oficializadas, diretores de faculdade, concessionários e permissionários de serviço ou obra pública e outras pessoas que praticam certos atos de força jurídica oficial). Englobados nesta classificação estavam caracterizados os Conselheiros Tutelares, na qualidade de agentes honoríficos.

 

28. À luz dessa conceituação, bem como da situação vivenciada, não havia dúvida de que os Conselheiros Tutelares são agentes públicos. Todavia, o problema exsurge no momento de classificá-los, pois a partir desta definição conceitual é que as regras jurídicas às quais eles ficam submetidos são disciplinadas.

 

29. Conforme já dito, na primeira Lei Municipal, os membros de Conselho Tutelar foram caracterizados como agentes honoríficos, cuja relação jurídica estabelecida foi de particulares em colaboração com o poder público. Por conseqüência, percebiam uma contraprestação pelo serviço prestado a título indenizatório, por força do que disciplinou a Lei. Em decorrência de não serem considerados trabalhadores públicos não podiam perceber os mínimos constitucionais. Todavia, conforme já amplamente explanado, esta situação estava jurídica e faticamente inadequada. Isto porque, não obstante a permanência no serviço público dos membros de conselho tutelar ser adstrita a um mandato certo, durante este período desempenhavam atividade profissional cujas atribuições decorrem do ECA, bem como prestam serviço sem caráter de eventualidade, elementos característicos do conceito de servidor público. A par disso, desnecessário dizer que, de igual forma, não podiam ser caracterizados como agentes políticos, pois não são membros de Poder, nem tampouco pertencem a cargos estruturais do Estado, exercendo uma parcela do poder inerente ao mesmo. O único elemento que identifica membro de Conselho Tutelar com agente político, naqueles Municípios que optaram pelo sufrágio universal como método de escolha do Conselho Tutelar e neste momento histórico democrático do país, é a eleição. Destarte nenhum destes conceitos se adequava à espécie.

 

30. Com base na reflexão desenvolvida no presente estudo, chegou-se à conclusão de que os membros de Conselhos Tutelares eram servidores públicos. Para tanto, necessário disciplinar o tema, sem ferir os preceitos constitucionais.

 

31. A Constituição Federal aponta dois caminhos para investidura em cargo ou emprego público (art. 37, II): o concurso público de provas ou provas e títulos e as nomeações para cargo em comissão. Não obstante a eleição ter características que se assemelham à finalidade do concurso público - garantir a isonomia e a impessoalidade, [17] mesmo interpretando sistematicamente o texto constitucional, não é possível equiparar a eleição como espécie de concurso, até porque esbarra em outros preceitos constitucionais, nomeadamente o art. 41, que declara serem estáveis, após dois anos de efetivo exercício, os servidores nomeados em virtude de concurso público. Nessa hipótese, haveria um problema intransponível na lei municipal que estaria contrariando o texto constitucional ao criar cargos a serem providos por uma "espécie de concurso", porém posteriormente estes servidores não seriam considerados estáveis, nos termos do art. 41 da Carta Magna, por força de lei infraconstitucional (lei municipal e ECA), que vincula ao mandato.

 

32. Outra alternativa pensada foi a criação de funções sem os respectivos cargos. Todavia, refutamos a hipótese com base nas colocações de ilustres administrativistas, alertando para o fato de que a novel Constituição terminou com a regra anteriormente existente de criar funções indiscriminadamente, bem como vedou a possibilidade, face à impossibilidade de burlar a cogência do concurso público. Adilson Dallari, assim se manifesta sobre o assunto:[18]

 

"Claro está que, se o legislador puder criar livremente funções não correspondentes a cargos, esse fato, somado à interpretação literal do texto constitucional, com o costumeiro desprezo generalizado pelos princípios constitucionais, praticamente aniquilará a regra do concurso público.”

 

Entendido isto, fica também perfeitamente claro que não mais é possível a criação de funções não correspondentes a cargos e empregos existentes. Ou seja, a função somente pode compreender dois significados: a) conjunto de atribuições inerentes a um determinado cargo ou emprego; b) conjunto de atribuições especiais, extraordinárias, cujo volume não justifica a criação de cargo ou emprego e que, por isso mesmo, pode ser conferido a quem seja funcionário ou empregado, mediante uma retribuição adicional.

 

33. Como se verifica, não restava outra opção. Os cargos em comissão são de livre nomeação e exoneração do Chefe do Poder. Todavia, à medida que houver uma Lei Municipal dispondo sobre o assunto, restringindo a possibilidade e vinculando a um mandato certo, ou ela é cumprida ou é de ser argüida a sua inconstitucionalidade. Enquanto a lei subsistir, gera todos os efeitos dela decorrentes. Ademais, não acarreta problema maior, porque regulamenta o vínculo existente com a administração, bem como possibilita o reconhecimento desta espécie de cargos em comissão, assim como o são os demais, como trabalhadores públicos que fazem jus a todos os mínimos constitucionais. Neste ínterim, quiçá o problema seja resolvido no âmbito da federação, como de direito deve ser.

 

34. A opção adotada tem os seus riscos. A doutrina tradicional não admite cargos comissionados que não possam ser destituídos pelo Chefe do respectivo Poder, justamente porque são de direção ou de assessoramento do agente político que os nomeou. Contudo, conforme demonstrado, as outras alternativas existentes eram mais frágeis e, ao fim, não contemplariam a resolução do problema em si. Ademais, era imprescindível reafirmar que, para Porto Alegre, os membros de Conselhos Tutelares não eram particulares que colaboravam com o Poder Público, assim como o são os agentes honoríficos, mas sim componentes de uma estrutura estatal criada para que os Conselheiros assumissem atribuições do Estado, da União e dos próprios Municípios, conforme já asseverado. Para tanto, a construção jurídica levada a efeito logrou êxito. Aliás, passados quatro anos, entendemos que a opção adotada foi extremamente feliz, porque conseguiu contemporizar problema formal que parecia intransponível e que estava prejudicando o desempenho do serviço, face à insegurança que estava gerando. Ademais, para que o Prefeito não cumpra a indigitada Lei, conforme já dito, é necessário a argüição de sua inconstitucionalidade. Com a consolidação do órgão e a crescente legitimidade que vem conquistando, dificilmente uma ação desta natureza passaria incólume ao clamor popular. Assim, o Chefe do Executivo ou outro legitimado para ação, inobstante a possibilidade de lograr êxito na declaração da inconstitucionalidade, certamente teria que enfrentar a mobilização da sociedade organizada, que tem serviço público no Conselho Tutelar como uma referência.

 

35. Ainda, cabe registrar que, no 1º Congresso Nacional sobre Conselhos Tutelares, tivemos a oportunidade de falar sobre o tema, alertando para a necessidade de dispor sobre o assunto na Constituição Federal, inclusive sugerindo ao deputado que participava da mesa dos trabalhos o debate do tema no Congresso Nacional. Por ora, na Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, foi aprovado o seguinte encaminhamento: "que o CONANDA possa desencadear uma campanha de emenda popular à Constituição Federal para a inclusão de previsão da figura do Conselheiro Tutelar no Serviço Público Brasileiro, inclusive com posterior regulamentação de suas funções". A preocupação quanto à regulamentação do vínculo, portanto, extrapola os limites municipais e encontra eco para resolução do problema formal enfocado. No limite da possibilidade de um município, nos antecipamos ao clamor nacional. Porém, reconhecemos que o problema somente restará elidido quando a Carta Magna contemplar a espécie.

 

IV – Cargos comissionados – natureza jurídica da relação com a administração pública – direitos sociais decorrentes

 

36. Antigamente, aos cargos comissionados não eram previstos direitos sociais, por serem considerados longa manus do agente político que os nomeou. Esta configuração acabou por causar uma distorção, contemplada na jurisprudência dominante. Isto porque estes agentes públicos socorriam-se da Justiça Laborista para pleitear os respectivos direitos sociais. E lá acabavam por encontrar amparo, na hipótese de não terem um regime jurídico próprio que os regesse. Com o reconhecimento dos direitos sociais a todos os trabalhadores públicos, esta incongruência restou superada. Hoje, os denominados CCs têm os mesmo direitos e obrigações decorrentes da Constituição dos servidores estáveis, excetuando-se, obviamente, aqueles próprios da categoria dos estáveis.

 

37. Destarte, aplica-se aos cargos comissionados, assim como aos demais servidores públicos, os direitos sociais previstos no art. 7º incisos IV, VI,VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII e XXX, por força do que dispõe o § 2º do art. 39 da Constituição Federal.

 

38. No Município de Porto Alegre, a Lei Complementar N.º 133 - Estatuto dos Funcionários Públicos Municipais - considera funcionário público a pessoa legalmente investida em cargo público municipal.[19] Já os cargos públicos são aqueles criados por lei, sendo tanto os de provimento efetivo quanto os em comissão.[20] Por conseguinte, a Lei Complementar N.º 133 também contempla os cargos comissionados, estabelecendo o regime jurídico ao qual estão subsumidos.

 

39. Quanto às licenças a que têm direito os membros de Conselho Tutelar, o art. 141 do Estatuto dos Funcionários Municipais assim estabelece:

 

"O funcionário terá direito à licença: (sublinhei as licenças às quais os Conselheiros Tutelares têm direito)

 

I - para tratamento de saúde;

 

II - por motivo de doença em pessoa da família;

 

III- para repouso à gestante e a puérpera;

 

IV- para fins de adoção;

 

V- para concorrer a cargo público eletivo e exercê-lo;

 

VI - para prestação de serviço militar obrigatório;

 

VII - para tratar de interesses particulares;

 

VIII- para acompanhar cônjuge;

 

IX - em caráter especial, como prêmio;

 

X - paternidade;"

 

40. Consoante já dito e repetido, o membro de Conselho Tutelar, no Município de Porto Alegre, exerce cargo em comissão. Assim sendo, têm direito às licenças anteriormente citadas, exceto as constantes dos incisos II, VII, VIII e IX do art. 141. Isto porque a lei 7.394 que regulamentou o vínculo com a Administração excetuou estas hipóteses, considerando justamente a natureza da função desempenhada pelo membro de Conselho Tutelar. Aos demais cargos em comissão do Município, a regra incidente é a do parágrafo único, incisos I e II do mesmo art. 141, o qual também estabelece licenças a que os cargos comissionados não fazem jus. Esta regra não se aplica aos conselheiros tutelares face ao princípio da especialidade, segundo o qual norma especial afasta a incidência de norma geral. A norma especial é a Lei Municipal N.º 7.394 e a norma geral, o Estatuto dos Funcionários Municipais, o qual é aplicado subsidiariamente e, no que couber, aos conselheiros tutelares, consoante se verifica da leitura do art. 7º da indigitada Lei.[21]

 

41. Por fim, resta elucidar o problema decorrente da contribuição previdenciária. Já foi muito debatida a questão concernente à contribuição previdenciária dos cargos comissionados. Porém, se dúvida havia, com o advento da Constituição de 1988 e da legislação infraconstitucional posterior (Lei dos Benefícios e Custeio da Previdência Social), a questão restou superada. Atualmente, é compulsória a vinculação do servidor público a um dos regimes previdenciários possíveis (geral ou particular do ente público). É entendido como regime previdenciário particular aquele que contemple, no mínimo, aposentadoria, pensão e os benefícios elencados no ar. 40 da Constituição Federal. Consoante demonstra o Dr. Gustavo Nygaard, no Parecer da PGM de N.º 773/93,[22] o servidor apartado do regime próprio está automaticamente abrangido pelo regime geral.

 

42. Não, há, pois, hipótese de opção do Município em pagar ou não a previdência para os cargos comissionados, em conseqüência, para os membros de Conselho Tutelar. Há, isto sim, cogência no adimplemento da obrigação previdenciária, face às disposições constitucionais. Aliás, isto já foi dito no Parecer antes referido, o qual remonta a 1993. Destarte, os Conselheiros Tutelares são segurados obrigatórios da previdência social. Ficam abrangidos pela previdência de caráter geral, uma vez que o Município não possui previdência própria, nos termos estabelecidos pela Lei.

 

43. Registre-se, ainda, que a vinculação a regime previdenciário implica o reconhecimento aos direitos pertinentes, entre os quais licença-natalidade, invalidez, auxílio-funeral, reclusão, aposentadoria por idade, tempo de serviço, entre outros, sendo que os Conselheiros Tutelares também fazem jus aos mesmos.

 

V – Lei Municipal N.º 7.394/93 – hipóteses de afastamento dos conselheiros tutelares

 

44. Esta Lei Municipal previu hipóteses em que os conselheiros suplentes podem ser convocados para exercerem a função, nos afastamentos dos titulares. O objetivo da regra legal foi evitar o prejuízo ao regular serviço público, face à impossibilidade de um dos membros do Conselho Tutelar. Evidentemente, a ausência reiterada de um membro em um órgão que é colegiado prejudica sobremaneira o funcionamento do mesmo. Por isso, foi preciso contemplar as hipóteses e os prazos de afastamentos de conselheiro titular, bem como prever a possibilidade de remuneração do suplente, sem prejuízo daquela prevista para o titular nos afastamentos a que faz jus à remuneração, consoante o que segue:

 

“Art. 6º Convocar-se-ão os suplentes de Conselheiros Tutelares nos seguintes casos:

 

I - durante as férias do titular;

 

II - quando as licenças a que fazem jus os titulares excederem 20 (vinte) dias;

 

III - na hipótese de afastamento não remunerado previsto na Lei;

 

IV - no caso de renúncia do Conselheiro titular.

 

§ 1º Findando o período de convocação do suplente, com base nas hipóteses previstas nos incisos acima, o conselheiro titular será imediatamente reconduzido ao conselho respectivo.

 

§ 2º O suplente de conselheiro tutelar perceberá a remuneração e os direitos decorrentes do exercício do cargo, quando substituir o titular do Conselho, nas hipóteses previstas nos incisos deste artigo.

 

§ 3º A convocação do suplente obedecerá estritamente à ordem resultante da eleição.

 

§ 4º Para efeito deste artigo convoca-se o suplente para o Conselho Tutelar respectivo.

 

45. No que se refere a férias, cabe esclarecer que a legislação não prevê indenização por período de férias não gozadas. Em função do princípio da legalidade que rege a administração pública, por falta de amparo legal em legislação municipal, tanto os servidores estáveis quanto os cargos comissionados, quando se exoneram do serviço público, não têm direito ao recebimento de indenização de férias.[23] Por conseguinte, é necessário que os servidores gozem os seus períodos de férias respectivos. A regra estatutária, consubstanciada no artigo 81 do Estatuto do Funcionário Público Municipal (aplicável tanto a servidor estável quanto a cargo comissionado, inclusive conselheiro tutelar), é a que segue:

 

“Art. 81. O funcionário gozará, anualmente, trinta dias de férias.

 

§ 1º É proibido levar à conta de férias qualquer falta ao serviço.

 

§ 2º Somente depois do primeiro ano de exercício adquirirá o funcionário direito a férias.

 

§ 3º Ao funcionário em estágio probatório o gozo de férias somente será concedido após cada doze meses de efetivo exercício.

 

46. Por força desta regra, após o primeiro ano de exercício, é facultado ao funcionário estável ou cargo comissionado, incluindo conselheiros tutelares, a possibilidade do gozo de férias mesmo que não complete os 12 meses de exercício após o primeiro período aquisitivo. Assim, os Conselheiros Tutelares, após o primeiro ano de mandato, podem tirar férias, mesmo que não ocorra o lapso temporal de 12 meses. A regra contempla a preocupação com término do mandato que se dá exatamente no 36º mês de atuação no serviço público. À primeira vista, parece que os conselheiros tutelares "perderão" o último período. Contudo, esta conclusão parte de premissa falsa, pois é possível e até mesmo aconselhável que este último período seja gozado ao longo do ano vindouro, antes do encerramento do mandato, o que ocorre em 31 de outubro. Frisa-se, novamente, que, em não sendo gozadas as férias respectivas, inexiste a possibilidade de indenização, como bem salientou a Dra. Ana Luísa, em Parecer já aludido no presente trabalho.[24]

 

47. Eis aqui uma síntese da legislação e do sentido da mesma no contexto estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A preocupação daqueles que discutiram o conteúdo das proposições ora transformadas em lei, sempre foi o de preservar os preceitos insculpidos no ECA, ao mesmo tempo que, a partir da realidade do nosso município, disciplinava-se a aplicação prática do mesmo em nossa cidade. Muitos conceitos foram produzidos e difundidos. Certamente um dos grandes méritos desta práxis em nossa cidade foi a ousadia em criar alternativas, repensar conceitos a partir de uma visão globalizada do Estatuto, segundo o qual criança e adolescente são prioridade absoluta. E registre-se, esta ousadia não tem nome e nem sobrenome. Sempre partiu do esforço comum daqueles que lutam pela causa, sendo parceiros efetivos, não obstante pertencerem a movimentos sociais distintos, ao Poder Executivo ou ao Poder Legislativo. Oxalá, estes conceitos auxiliem na consolidação efetiva da doutrina da proteção integral no Município de Porto Alegre.

 

 

Notas:

 

[1] Art. 27 da Lei Municipal 6.787/91: "Compete ao Conselho Tutelar cumprir o disposto na Lei Federal 8.069/90, devendo o mesmo funcionar diariamente, inclusive em domingos e feriados, 24 horas ao dia."

 

[2] A organização do serviço público é atribuição do ente federativo que o criou (art. 30, V, da Constituição Federal). Assim, afigura-se inconstitucional norma legal proclamada por um ente da federação que estabeleça regras cogentes quanto à criação de serviços ou forma de funcionamento dos mesmos. Significa dizer que a União não pode dizer como os Estados ou Municípios devem estruturar seus serviços, assim como também é inconstitucional lei municipal que estabeleça atribuições para órgãos pertencentes a outro ente federativo.

 

[3] Art. 134. "A Lei Municipal disporá sobre local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar."

 

[4] Art. 26, Lei Municipal 6.787/91: "Na qualidade de membros eleitos por mandato, os Conselheiros não serão incluídos nos quadros da Administração Municipal, mas terão direito à remuneração fixada.

Parágrafo único. A remuneração do Conselheiro corresponderá ao Nível Superior do Quadro do Funcionalismo da Prefeitura."

 

[5] O Código de Menores previa medidas de assistência e proteção aplicáveis ao menor que eram de competência da autoridade judiciária (vide, p. ex., o art. 13 do Código de Menores), ou seja, o Juiz de Menores. Após o advento do Estatuto, compete ao Conselho Tutelar aplicar determinadas medidas de proteção, notadamente as previstas no art. 101, incisos I a VIII, do ECA.

 

[6] "Ao regulamentar o art. 227 da CF, o Estatuto da Criança e do Adolescente cria e dá vida ao Conselho Tutelar, a ele cabendo atender os casos de queixa contra ameaça ou violação de direitos individuais, com poderes explícitos de requisitar serviços e fiscalizar entidades governamentais de atendimento à população infanto-juvenil."

“Com essas características, o Conselho Tutelar, que surge após ampla e cuidadosa escolha pela comunidade, assume funções que, anteriormente, eram exercidas pela Justiça da Infância e da Juventude, no que diz respeito aos aspectos político-sociais dos direitos das crianças e dos adolescentes" - Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino, na obra Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Malheiros Editores, 1993, p. 113.

 

[7] Obra citada, nota anterior, p. 114.

 

[8] Direito Administrativo Brasileiro, Ed. RT, 16a. edição, SP, 1991, p. 67.

 

[9] Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino, no livro Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente, Malheiros Editores, 1993, p. 139-140, por si e citando excerto de Edson Sêda na obra ABC do Conselho Tutelar - Providências para Mudança de Usos, Hábitos e Costumes da Família, Sociedade e Estado, quanto a Crianças e Adolescentes no Brasil.

 

[10] Conceito desenvolvido pelo então Prefeito Municipal Tarso Genro e que se presta para caracterizar o órgão Conselho Tutelar.

 

[11] Tânia da Silva Pereira, na obra Direito da Criança e do Adolescente - uma Proposta Interdisciplinar, editora Renovar, p. 604, assim se manifesta sobre o Conselho Tutelar: "Uma vez criado por lei, é órgão da administração municipal e, portanto, sujeito às normas gerais de Direito Administrativo e de Direito Público em geral".

 

[12] Regime Constitucional dos Servidores Públicos – 2ª edição, revista e atualizada de acordo com a Constituição Federal de 1988, ed. RT, 1990, p. 122 e 123.

 

[13] Veja-se a respeito Parecer da Procuradoria Geral do Município, de lavra da Dra. Andréa Vizzotto.

 

[14] O eminente professor Celso Antônio Bandeira de Mello assim define agentes públicos: "Todos aqueles que servem ao Poder Público, na qualidade de sujeitos expressivos de sua ação, podem ser denominados agentes públicos. Com efeito, esta locução é a mais ampla e compreensiva que se pode adotar para referir englobadamente as diversas categorias dos que, sob títulos jurídicos diferentes, atuam em nome do Estado". (Regime Constitucional dos Servidores Públicos da Administração Direta e Indireta. Ed. RT, 2ª ed. revista, atualizada e ampliada, 1991)

 

[15] Classificação adotada pelo prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, conforme obra citada na nota acima, p. 11.

 

[16] Conceituação do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, obra citada na nota 14.

 

[17] "Em resumo, o concurso público é um instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalidade". Adilson Abreu Dallari, na obra Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª ed., revista e atualizada, RT, 1990.

 

[18] Obra citada na nota anterior, p. 39.

 

[19] “Art. 2º Funcionário, para os efeitos deste estatuto, é a pessoa legalmente investida em cargo público municipal.”

 

[20] “Art. 3º Cargos públicos municipais são criados por lei, em número certo e com denominação própria, consistindo em conjuntos de atribuições cometidas a funcionários mediante retribuição pecuniária padronizada.”

“Art. 4º Os cargos públicos municipais são de provimento efetivo ou em comissão.”

 

[21] “Art. 7º Os cargos em comissão criados por esta lei são regidos pela Lei Complementar N.º 133/85 e suas alterações, no que couber, tendo direito os seus titulares às licenças nela previstas, excetuando-se as constantes nos incisos II, VII, VIII e IX do art. 141.”

 

[22] Ementa - "Contribuição Previdenciária - Servidor Municipal não abrangido pelo Sistema Previdenciário próprio - Detentores de cargos em comissão - Vinculação ao Regime Geral da Previdência Social".

 

[23] "Funcionário Público. cargo em comissão. Férias não gozadas no devido tempo. Se exonerado e não desfrutadas as férias, perde o ex-servidor qualquer direito às mesmas, não havendo previsão legal para remunerá-las em dinheiro". (Apelação Cível n. 591038476 - Rel. Des. Décio Antonio Erpen)

 

[24] ... "Não há possibilidade de pagamento de férias não gozadas por não estarem previstos no rol dos direitos assegurados aos funcionários públicos efetivos ou comissionados pelo Estatuto - Lei N 133/85".