A AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO ESCOLAR
COMO FERRAMENTA DE EXCLUSÃO SOCIAL
Andréa Cristina Marques de Araújo
Resumo: Este trabalho tem como objetivo
refletir sobre o papel da avaliação do desempenho escolar e sobretudo da
educação, tendo consciência de que para aceitar o grande desafio do
desenvolvimento, não é possível obter êxitos sem o alicerce de um povo que se
educa para a cidadania.
1.Introdução
O sistema
educacional brasileiro apresenta baixos índices de conclusão do ensino básico,
com altos índices de evasão e repetição, e acentuadas disparidades educacionais
entre as várias regiões. Essa baixa qualidade da educação, principalmente a
pública, é ligada a uma ineficiente administração e gerenciamento educacional,
uso insuficiente e impróprio dos recursos financeiros e principalmente à
estratégias de ensino e avaliação do desempenho escolar inadequadas.
Novas
políticas e estratégias educacionais são, portanto, exigidas para reverter tal
situação, mas faltam aos seus formuladores informações precisas, sistemáticas e
padronizadas sobre o desempenho do sistema educacional. Não existe, na verdade,
uma cultura de avaliação no país nem um envolvimento efetivo da sociedade no
aperfeiçoamento do sistema educacional.
Neste
sentido, pretendemos neste trabalho iniciar reflexões sobre o papel da
avaliação do desempenho escolar como ferramenta de exclusão social,
conseqüência da prática pedagógica desvirtuada adotada pelo nosso sistema
educacional.
2. Exclusão
social
Segundo
MAMMARELLA (2000, p.52) exclusão social identifica "os grupos e indivíduos
que vêm sistematicamente perdendo seus direitos de cidadania, que se encontram
carentes dos meios de vida e fontes de bem-estar social, com baixíssimos
rendimentos, falta de moradia, de acesso à educação e saúde, e que não encontram
meios de se inserirem no mercado de trabalho".
Dois
aspectos são considerados como a base da cidadania: a possibilidade de acesso
de toda a população a um determinado padrão de qualidade de vida comum de um
referido grupo social e às possibilidades objetivas da população decidir sobre
os destinos e os rumos da sociedade em que vivem.
Essas
condições mínimas para as pessoas conseguirem uma qualidade de vida aceitável
dentro dos parâmetros de cidadania vão além da manutenção da vida orgânica,
dada pela satisfação das necessidades alimentares e nutricionais elementares,
estando também intimamente ligada à obtenção de renda e de educação com
qualidade, pois sem esses princípios, a inserção na sociedade e no mundo do
trabalho, torna-se precária.
A falta de
participação política torna os indivíduos submissos a uma dimensão do destino
enquanto condição inexorável, que despolitiza as relações sociais e remete a
solução dos problemas a uma esfera intransponível, sobre a qual os indivíduos
perdem a capacidade de controle, situando-se fora do domínio da história. Tanto
a aceitação do destino como fatalidade como o não acesso, pela falta de renda,
aos bens materiais e simbólicos que a sociedade pode oferecer, são formas
expressivas de manifestação da exclusão social.
Na
sociedade atual, o Estado Moderno é responsável pela função redistributiva,
pois ele deve assegurar as políticas globais e articuladas como moderadoras das
desigualdades sociais e econômicas e de responder ao aumento das demandas no
contexto de uma maior divisão do trabalho e expansão do mercado, na sociedade
de massas.
A educação
é portanto, dever do Estado e direito do cidadão, pois sendo concebida como
valor social, reflete-se como instrumento da sociedade para efetivar o processo
de formação e construção da cidadania.
Entretanto,
a evolução das idéias relativas à educação, e principalmente à avaliação,
consolidam-se em torno dos valores econômicos, como conseqüência do rápido desenvolvimento
tecnológico e da nova ordem globalizada. A Educação passa a ser direcionada
para o novo estilo de desenvolvimento, reproduzindo as relações de poder e
subordinação, presentes neste modelo.
Para acabar
com a exclusão, portanto, é necessário que se restabeleçam as bases de uma
economia e uma política que permita que as relações humanas se dêem a partir
dos princípios de equidade, justiça social e participação cidadã nas diferentes
instâncias de decisões, e a educação cidadã será a principal ferramenta para
construção dessa sociedade.
3. Aprender e
ensinar: o que significam?
"Ensinar
não é transmitir dogmaticamente conhecimentos, mas dirigir e incentivar, com
habilidade e método, a atividade espontânea e criadora do educando. Nessas
condições, o ensino compreende todas as operações e processos que favorecem e
estimulam o curso vivo e dinâmico da aprendizagem" (SANTOS, 1961).
Segundo
MASETTO (1985) existem alguns princípios importantes a serem considerados por
todos os que se preocupam com a aprendizagem do aluno, que são:
1. A
aprendizagem deve envolver o aluno, ter um significado com o seu contexto, para
que realmente aconteça;
2. A
aprendizagem é pessoal, pois envolve mudanças individuais;
3. Objetivos
reais devem ser estabelecidos para que a aprendizagem possa ser significativa
para os alunos;
4. Como a
aprendizagem se faz em um processo contínuo, ela precisa ser acompanhada de
feedback, visando fornecer os dados para eventuais correções;
5. Como a
aprendizagem envolve todos os elementos do sistema, o bom relacionamento
interpessoal é fundamental.
No entanto,
na realidade das escolas, quando procuramos decodificar o significado de
ensinar, as idéias definem o professor como agente principal e responsável pelo
ensino, sendo as atividades centralizadas em suas qualidades e habilidades.
Aprender também relaciona um único agente principal e responsável, o aprendiz
(aluno), estando as atividades centradas em suas capacidades, possibilidades,
oportunidades e condições para que aprenda.
Diante
desse contexto, percebemos que o perfil do educador não mudou muito desde a
época do "magister dix". Na verdade, poucos são os que fogem ao
conceito de educação bancária, ou seja, o saber não passa de uma doação dos que
se julgam sábios aos que julgam que nada
sabem, cabendo então aos sábios, dar, entregar, transmitir o seu grande saber.
Portanto, a educação transforma-se num simples ato de depositar, onde os
educandos são os depositários e o educador o depositante.
Infelizmente,
a didática continua presa ao repasse mecânico, à aula expositiva, para ser
copiada e decorada. Depois, é restituída na prova e, finalmente, na
"cola" é copiada com a máxima perfeição. Portanto, aula, prova e cola
são sinônimos, no espírito da coisa.
Segundo
FREIRE (1987), "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens
se educam entre si, mediatizados pelo mundo", ou seja, a educação
problematizadora e como prática de liberdade, exige de seus personagens uma
nova concepção de comportamento. Ambos são educadores e educandos, aprendendo e
ensinando em conjunto, mediatizados pelo mundo.
Aprender é
necessário como insumo do aprender a
aprender. Aprender é apenas meio. A qualidade da formação básica é o fator
modernizante mais eficaz da sociedade e da economia.
Muito
embora a valorização da educação no sistema produtivo moderno não mude a
essência do capitalismo, introduz, na sombra de vantagens para o capital,
oportunidades pertinentes para o trabalhador, que incluem parâmetros menos
drásticos de exploração da mão de obra, sem falar no suporte para a cidadania
do trabalhador.
A educação
é componente substancial de qualquer política de desenvolvimento, não só como
bem em si e como mais eficaz instrumentação de cidadania, mas igualmente como
primeiro investimento tecnológico.
Seguindo
essa linha, o educador passa a ser o educador problematizador, que desafia os
educandos que são agora investigadores críticos, permeados por constantes
diálogos, pois a educação como prática de liberdade deve negar o conceito de
isolamento e abstração do ser humano, assim como tornar o mundo uma presença
constante em seu diálogo.
4. A avaliação e suas dificuldades:
Segundo
SOUSA[1] o ato de avaliar deve estar fundamentado nos seguintes pontos:
1. Continuidade:
a avaliação deve estar presente durante todo o processo educacional, e não
somente em períodos específicos;
2. Compatibilidade
com os objetivos propostos: a avaliação deve estar em conformidade com os
objetivos definidos como norteadores do processo educacional para que venha
realmente cumprir a função de diagnóstico;
3. Amplitude:
a avaliação deve estar presente em todas as perspectivas do processo
educacional, avaliando assim todos os comportamentos do domínio (cognitivo,
afetivo e psicomotor);
4. Diversidade
de formas: para avaliar devemos utilizar as várias técnicas possíveis visando
também avaliar todos os comportamento do domínio.
Com base
nestes pressupostos, podemos afirmar que a realidade do processo avaliativo é
completamente oposta a filosofia da educação problematizadora necessária em
nossas escolas.
Avaliar é
um ato extremamente complexo, cuja responsabilidade não é competência única do
professor, mas sim de todos os elementos integrantes do processo educacional
(alunos, pais e administradores). Essa centralização no professor apenas
consolida o modelo econômico mundial e suas relações de poder, plenamente
exercida em nossas escolas.
O sistema
econômico atual não precisa educar todos os homens, pois trata-se de um sistema
excludente, que não está preocupado com a totalidade, vendo a educação, e
consequentemente suas formas de avaliação de desempenho, como meio para
agilizar o desenvolvimento econômico, e não como compromisso ético com as
pessoas.
Assim
sendo, a dinâmica de estrutura das sociedades de classes dominantes utiliza a
educação como um instrumento de dominação, uma vez que essas sociedades são
governadas por grupos dominantes e a cultura é postulada conforme o interesse
desses grupos, e sobretudo enfatiza essa influência na escola, por sua condição
de produção de saber por excelência.
Neste contexto,
a escola, a didática, o currículo escolar e sobretudo a avaliação são reflexos
dessa estrutura complexa de relação de poder. A realidade então passa a ser o
exercício da coação, da escola como obrigação, do professor como autoridade
máxima e incontestável, onde estar na sala de aula é um desprazer.
O fracasso
escolar é visto então, como uma questão individual, próprio de cada aluno e
seus problemas. No entanto, não podemos responsabilizar somente a ele, nem tão
pouco ao professor, que muitas vezes não é preparado para esta outra função – a
de avaliador. Precisamos sobretudo, rever os paradigmas da avaliação do
desempenho escolar, bem como da educação como um todo, para que a aprendizagem
do aluno possa ir para além da sala de aula.
O modelo
classificatório de avaliação, onde os alunos são considerados aprovados ou não
aprovados, oficializa a concepção de sociedade excludente adotada pela escola.
O resultado da avaliação é considerado portanto, como uma sentença, um
veredicto oficial da capacidade daquele aluno que fica registrado e é
perpetuado para o resto de sua vida. O mais triste porém é que a publicação dos
resultados não revela o que o aluno conseguiu aprender, é um resultado
fictício, definindo um perfil, pela cristalização desse falso resultado.
Rever a
concepção de avaliação é rever sobretudo as concepções de conhecimento, de
ensino, de educação e de escola. Impõe pensar em um novo projeto pedagógico
apoiado em princípios e valores comprometidos com a criação do cidadão. Somente
após essa consciente revolução é que a avaliação será vista como função
diagnóstica e transformadora da realidade.
5. Conclusão
A concepção
de avaliação é comumente relacionada a idéia de mensuração de mudanças do
comportamento humano. Essa abordagem possibilita fortalecer a ênfase no aspecto
quantitativo, gerando consequentemente uma medida.
No entanto,
a avaliação vai além da medida. Abrange também os aspectos qualitativos, que
são muito mais difíceis de serem considerados tendo em vista que envolvem
objetivos subjetivos, posturas, políticas e valores.
As práticas
de avaliação são definidas pelas concepções de mundo dos profissionais
envolvidos no processo, ou seja a definição dos instrumentos de avaliação são
determinadas pelas idéias e modelos da realidade do sistema em que o
profissional atua.
Na
realidade, corresponde a um meio de controle feito através de atribuição de
pontos ou notas, para que os alunos realizem as tarefas propostas e tenham o
comportamento esperado. A nota portanto passa a representar um objetivo
diferente da representação do rendimento do aluno.
O
compromisso do aluno então, não é com o conhecimento, mas sim com o sucesso
nesses instrumentos estipulados. A preocupação está em obter os pontos
determinados para cada atividade escolhida dentro do processo avaliativo.
Além disso,
podemos perceber que a escola se tornou uma instituição formadora obrigatória,
principalmente no ocidente. A idéia de que toda criança tem que ir para a
escola, retira do indivíduo a liberdade de escolha. O direito do cidadão é
quanto à educação, mas perguntamos por que a educação está restrita somente à
escola?
A didática
ensino/aprendizagem como opção única da escola, é algo feudal, tipicamente de
cima para baixo, solidificando o conceito de "educação bancária",
onde de um lado como único sujeito (ensinar) e de outro como único objeto
(aprender).
Aprender,
como papel exclusivo do educando
significa cristalizar a atitude de submissão e obediência. O educador, o
"verdadeiro" educador, não precisa dessa submissão. Enquanto não se
perceber que didática deve ser estratégia emancipatória, educação representará
o passado.
Por outra,
a educação, modernamente vista, não significa apenas bem em si e instrumentação
fundamental da cidadania, mas condição de produtividade econômica. Com certeza,
o sistema produtivo moderno valoriza à formação básica porque garante condições
mais favoráveis de lucratividade. Todavia, isto serve de gancho estratégico
para valorizar educação como investimento possivelmente mais relevante no
desenvolvimento.
Além do
mais, é importante ressaltar que educação só tem a perder se ficar isolada na
dimensão política da emancipação, porque é só metade da coisa participar,
trabalhar/produzir é um todo só.
Fundamental
é reconhecer que, hoje, posições rígidas apenas fossilizam o conhecimento, que
é o fator motor principal da nova sociedade globalizada. O centro da
inteligência é aprender a aprender, saber pensar, ser crítico e analítico. Esse
deve ser o centro da educação, e é dentro dessa perspectiva que a avaliação do
desempenho escolar deve ser concebida.
6. BIBLIOGRAFIA
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FILHO, José Leão M. Avaliação,
classificação e freqüência na nova LDB. Texto apresentado no II Encontro
Mineiro de Educação, SINEP-MG, 11 a 14 de outubro de 1997.
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jovem. Abril/2000. p.52-3.
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1. PERRENOUD,
Philippe. Não mexam na minha avaliação! Para uma abordagem sistêmica da mudança
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2. ______. Ofício de aluno e sentido do trabalho
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3. SANTOS,
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Sandra Zákia Lean de. Revisando a Teoria
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5. [2] _____.A prática avaliativa na escola de 1º grau.
In: SOUZA, Sandra Zákia Lean de. (Org). Avaliação do rendimento escolar.
CAMPINAS: Papirus, 1991 p.83-108.
6. VEIGA, Ilma
Passos de Alencastro. Repensando a
didática. 11 ed. Campinas São Paulo: Papirus, 1996.