EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
O
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu representante infra-assinado,
com fundamento no artigo 5º, inciso LXIC, da Constituição da República
Federativa do Brasil, e artigo 201, IX, da Lei Federal nº 8069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente) vem, respeitosamente, perante V. Exa., impetrar MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido
liminar, em favor da criança L. D. C. C.
S., filha de C. A. D. S. e I. A. D. C. C., nascida em 06/09/97, residente à
Rua Cecília Celeste, nº 255, bairro Jardim Morumbi, nesta cidade e comarca,
pelos motivos que passa a expor:
I - DOS FATOS:
A criança acima qualificada
pretende matricular-se na creche IMI Profª Angela Maria de Souza Alves,
localizada à Av. Benedito Bento, nº 80, Jardim Morumbi, nesta cidade e comarca.
Referida creche situa-se nas
proximidades da residência da genitora do(a) infante. O local de trabalho da
genitora situa-se às margens da Via Dutra, sendo que a jornada de trabalho é no
período integral. A genitora da infante procurou inseri-la na referida creche
localizada no bairro Jardim Morumbi, mas recebeu negativa do(a) diretor(a) da
creche, sob alegação de inexistência de vagas.
Por tal motivo a genitora de
menor está sendo obrigada a deixar seu filho com sua mãe e, em algumas
ocasiões, com outros parentes.
Assim sendo, verifica-se que
a menor restou prejudicada em seu direito de acesso à creche, ficando,
inclusive, privado do contato com crianças de idade semelhante. Por outro lado,
a menor fica a mercê das ruas.
Conforme adiante se verá, a
negativa, por parte da diretora da creche, reveste-se de ilegalidade que não
pode subsistir.
O artigo 32, I, da Lei Federal nº 8625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público) assim estabelece:
“Art. 32 - Além de outras funções cometidas na Constituição Federal e Estadual, na lei orgânica e demais leis, compete aos Promotores de Justiça, dentro da esfera de sua atribuição: I - impetrar habeas corpus e mandado de segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes...”.
A atuação do órgão do
Ministério Público dá-se na condição de substituto processual, pois, em nome
próprio, defenderá direito individual, subjetivo, indisponível da criança acima
referida. Atento à imposição legal, (artigo 6º/CPC), age com fundamento no
artigo 201, IX, do ECA.
O Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 201, IX, estabelece competir ao Ministério Público:
IX - impetrar mandado de segurança e de injunção e habeas corpus em qualquer Juízo, instância ou Tribunal, na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente.
III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA:
O(A) diretor(a) da creche é
parte legítima para figurar no pólo passivo desta demanda, pois ela é dotada de
poder de decisão e é competente para negar ou admitir a matrícula do infante.
Conforme estampado na
Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Mais adiante, no inciso IV do artigo 208/CF/88:
O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia de:
(...)
IV - atendimento em creche
e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
O Estatuto da Criança e do
Adolescente, por outro lado, em seu artigo 54, estipula que:
É dever do Estado
assegurar à criança e ao adolescente:
(...).
IV - atendimento em creche
e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; (...).
Conforme mencionado pelo ilustre JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, em seu livro ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, editora Revista dos Tribunais, página 89, ao comentar referido dispositivo:
(...) Os fins almejados pelo preceito são de clareza solar. Enquanto os pais ou responsável desenvolvem suas atividades laborativas, as crianças ficam confinadas aos dirigentes dessas entidades até que a jornada de trabalho esteja concluída (...).
Verifica-se, portanto, que,
tanto o legislador constitucional, quanto o infraconstitucional, procurou
resguardar o direito das crianças de zero a seis anos de idade de verem-se
matriculadas em creche, justamente, sabedores de que, inclusive, a maior parte
da população brasileira é carente do ponto de vista sócio-financeiro, necessitando
os pais deixarem seus filhos com outras pessoas para poderem trabalhar e, para
com o produto do trabalho, sustentá-los.
Ocorre que nem todos os pais,
ao saírem para trabalhar, têm com quem deixar seus filhos e, portanto, nada
mais justo do que deixá-los em creche mantida pelo Poder Público.
O ato do dirigente da
referida creche, ao negar acolher a infante L. reveste-se, portanto, de patente
ilegalidade, contrariando dispositivos expressos da Constituição Federal e do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não poder ser aceito o
argumento da inexistência de vagas, ainda mais, tendo-se em vista o disposto no
artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina a garantia de
prioridade aos menores. Em especial, os incisos “c” e “d” do referido diploma
legal asseguram que tal prioridade compreende a preferência na formulação e na
execução das políticas sociais públicas e, ainda, destinação privilegiada de
recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.
O direito do menor em ter
assegurado o seu acesso em creche municipal é líquido e certo, posto que
assegurado legalmente, sendo que “se apresente manifesto na sua existência,
delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração”
(HELY LOPES MEIRELLES, Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública,
Malheiros, página 29).
O mesmo HELY LOPES MEIRELLES,
ao discorrer sobre direito líquido e certo, destaca que:
Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos de sua aplicação ao impetrante...
De fato, tanto a Constituição
Federal, quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, asseguram plenamente o
direito de as crianças de zero a seis anos de idade serem matriculadas em
creches do Estado.
Não se ignora que as crianças
que não têm acesso às creches acabam por ficar nas ruas, deixando de conviver
com crianças de mesma idade e deixando, por conseguinte, de se desenvolverem de
forma saudável. A falta de vagas, ademais, propicia que a criança permaneça na
rua aprendendo lições outras que mais tarde se voltarão contra os próprios
interesses da sociedade.
O ato perpetrado pela
autoridade impetrada reveste-se de patente ilegalidade e viola o direito
líquido e certo do menor impetrante.
É certo, outrossim, que a
recusa procedida da autoridade coatora reveste-se de extrema gravidade, pois
ela exerce sua função em uma entidade municipal.
Conforme previsto no artigo
11 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, que dispõe:
Os Municípios
incumbir-se-ão de:
(...) V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis, somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.
O artigo 211 da Constituição
da República, ainda, em seu parágrafo 2º estabelece que:
“Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”.
É certo, ainda que a negativa
praticada pela autoridade coatora viola o princípio da igualdade, estabelecendo
a nível constitucional, posto que aquelas crianças que tiverem pais com
condições financeiras de colocá-las em creches particulares, terão seus
direitos fundamentais plenamente assegurados, em flagrante detrimento das
crianças, cujos responsáveis não disponham de recursos financeiros para tanto.
Liminar, obstando a negativa
à matrícula do impetrante acima mencionado na creche IMI Profª Angela Maria de
Souza Alves, localizada à Av. Benedito Bento, nº 80, Jardim Morumbi, é medida
imprescindível à eficiência do provimento jurisdicional pleiteado. Isso, porque
os motivos da impetração são relevantes (educação de crianças, prioridade
absoluta), e, se o direito vier a ser reconhecido apenas na decisão final do
mérito, fatalmente acarretará danos irreparáveis, vez que a criança ficará na ria
à mercê da própria sorte.
Vale lembrar que a concessão
da medida liminar não implicará em prejulgamento, nem afirmará direitos.
Preservará, apenas, a beneficiária da impetração, da lesão irreparável,
vedando, provisoriamente, o cometimento de ato ilegal, contrário a texto
expresso da Constituição Federal.
A concessão de liminar, se a
ordem, ao final, for denegada (o que o Ministério Público não acredita, mas
utiliza, apenas, como argumento para mostrar a necessidade da medida prévia),
acarreta menores prejuízos às crianças, que sua negativa.
De fato, estando matriculada
na creche a criança desenvolver-se-á por meio de processo educativo,
relacionando-se com os instrutores, fazendo novas amizades, ocupando o tempo em
atividade sadia, lícita e necessária. Fora da creche, ao contrário, a criança
ficará à mercê da própria sorte, podendo ter comprometida sua formação moral e
psicológica.
A necessidade da liminar é
imperiosa, já que é o instrumento de resguardo à eficácia do provimento
perseguido ao final. Sem a pronta intervenção desse nobre Juízo, prejudicada
estará a impetrante, posto que fora do sistema de atendimento de creches.
VI - DO PEDIDO:
Pelo exposto, requer o
representante do Ministério Público:
a) seja liminarmente concedida a segurança para
determinar que a autoridade coatora efetue a matrícula da criança indicada como
beneficiária da impetração, na creche IMI Profª Angela Maria de Souza Alves,
localizada à Av. benedito Bento, nº 80, Jardim Morumbi, nesta cidade e comarca;
b) seja notificada a digna autoridade coatora para
que preste pessoalmente as informações que entender necessárias, no prazo de 10
dias;
c) seja, ao final, julgado procedente o pedido,
concedendo-se a ordem para tornar definitiva a liminar, impedindo que o justo
receio de negativa da matrícula se concretize.
Dá-se à causa o valor de R$ 100,00
São José dos
Campos, 18 de maio de 1999.
Promotor de
Justiça