EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE
O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu Promotor de Justiça,
com base no artigo 129, inc. II, da Constituição Federal e artigos 98, inc. I,
201, incisos IV e V e 208, inc. VII, do ECA, promover
AÇÃO CIVIL PUBLICA contra o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, representado pelo Sr.
Prefeito Municipal, RAUL PONT, sito na Praça Montevidéu, 10, nesta cidade;
DOS FATOS:
1 - Com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, a saúde pública passou a ser um direito de todos
e um dever do Estado.
2 - Na Carta
Magna estabeleceu-se como política de Estado a
implementação do Sistema Único de Saúde, que se constitui fundamentalmente na
municipalização na prestação de serviços de saúde à população.
3 - Em Porto
Alegre, especificamente, optou-se pela
gestão plena. Tendo a Municipalidade assumido o compromisso com o Estado de
prestar atendimento a todos os cidadãos que buscam atendimento na Capital
gaúcha, cfe. Doc. Nº 11.
Isto significa que o Município deverá
prestar atendimento hospitalar a todos indistintamente, isto é, tanto aos
oriundos da capital, como os vindos do interior do Estado.
O atendimento universalizado faz com
que o Município perceba verba compensatória a ser suportada pelo Estado.
4 - Contudo, historicamente os serviços
de saúde estão sendo prestados de forma precária, em desacordo com os preceitos
legais vigentes. Numa clara omissão do Administrador Público.
5 - A imprensa local vem noticiando, quase
que diariamente, o sucateamento dos serviços de saúde. Sobretudo quanto à
superlotação dos leitos e unidades de tratamento intensivo pediátricos. (v.
fita de vídeo, em que é admitida a redução dos leitos pediátricos).
Todos os hospitais conveniados com o
SUS, em função da superlotação dos leitos reservados para o Sistema, negam
atendimento a crianças e adolescentes, conforme se verifica nas ações ajuizadas
por esta Coordenadoria (em anexo) e notícias divulgadas pela mídia.
Aqui, cabe ressaltar que a negativa não
é simplesmente para o atendimento de moléstias sem gravidade, tais como: gripe,
cólicas, etc. E negado atendimento para crianças que necessitam de internamento
em UTIs, que, uma vez não atendidas a tempo,
certamente chegarão ao óbito. Não só pela gravidade da doença, mas
fundamentalmente pela demora no atendimento ou até mesmo pela negativa na
prestação do serviço.
6 - E fato notório que nos últimos
quatro anos houve uma redução na oferta de leitos hospitalares para o
atendimento de crianças e adolescentes. Importando dizer que houve uma
injustificável involução nos serviços de saúde de Porto Alegre. (v. notícia
veiculada no jornal ZH, de 30.07.98).
7 - Neste grave momento, não nos cabe
procurar apurar se as deficiências decorrem da omissão da União, Estado ou
Município ou de todos os entes públicos. Nos compete, isto sim, é fazer com que
se cumpra a lei, sem penalizar a sociedade como um todo, de modo especial, a
nossa população infanto-juvenil, que embora tenham o direito de prioridade
absoluta do atendimento prescrito no texto constitucional e no
ECA, nem sempre o vê atendido.
Certamente, o descaso
com a saúde pública atinge diretamente as camadas mais pobres da
população, que não pode aguardar eventuais discussões e soluções tendentes a dirimir
qualquer dúvida em relação ao estabelecimento das parcelas de responsabilidade
a serem atribuídas a cada um dos Entes Públicos antes mencionados.
Assim sendo, o Município é que deverá
arcar com o ônus de prestar o atendimento à população. Podendo acionar sua
Procuradoria Jurídica para cobrar do Estado e/ou União eventuais valores que
julga ter direito para o atendimento satisfatório da população, no caso
específico, crianças e adolescentes.
8 - Sabe-se que as deficiências no atendimento pediátrico ocorrem nos meses de
inverno. Não havendo, até o momento, urna solução que atenda a demanda
reprimida que bate as portas dos hospitais.
Enquanto crianças e adolescentes
aguardam por mais de oito horas por um atendimento (quando consegue), sobram
vagas em leitos reservados para o atendimento particular e em hospitais
privados.
Isto, fora de dúvida, é um
contra-senso. Não sendo crível que fiquem desocupados, enquanto crianças e
adolescentes têm seu estado de saúde agravado aguardando vaga pelo SUS, com
grave risco à vida.
9 -
Lamentavelmente, está tornando-se rotineiro
na Coordenadoria das Promotorias da Infância e da Juventude, o ajuizamento de
ações cautelares requisitando-se vagas em UTIs
pediátricas para o atendimento de crianças acometidas de graves moléstias. Isto
se dá porque há negativa dos hospitais em atendê-las por falta de vagas pelo
Sistema Único de Saúde. A inação do Ministério Público, nesses casos,
certamente resultaria na morte do enfermo. O que não se poderia admitir.
10 - Os Representantes dos Hospitais,
por seu turno, denunciam que o atendimento da ordem judicial implicará em
retirar ou deixar de atender outra criança em estado grave. tornando-se, nesta
hipótese, uma realidade nacional um fato que chocou o mundo, que foi a “Escolha
de Sofia”.
Assim, conclui-se que é necessário
garantir o acesso à saúde às crianças e aos adolescentes, sob pena de
descumprimento das leis que tratam da matéria.
11 - Cumpre salientar que o Ministério Público apresentou proposta à Administração Municipal
de um termo de ajustamento de conduta (em anexo), objetivando a solução desta
problemática, que aflige a população de um modo geral. No entanto, até a
presente data não houve resposta do Sr. Secretário
Municipal da Saúde.
Dado o caráter urgente da medida
postulada, o órgão Ministerial considera que não há possibilidade de ficar no
aguardo de uma solução negociada.
12 - Assim, diante da gravidade dos
fatos, lança mão o Ministério Público do presente remédio jurídico, no sentido
de provocar o Poder Judiciário a cumprir com sua nobre missão constitucional,
para compelir o Município de Porto Alegre e os Hospitais conveniados a
prestarem os serviços, ora requeridos. Fazendo com que efetivamente se cumpram
as leis que asseguram a obrigatoriedade de atendimento, independentemente de
qualquer outra regulamentação legal.
As Leis e Portarias a seguir nominadas
são auto-aplicáveis. Cabendo ao Poder Público e Hospitais cumpri-las
integralmente.
DO DIREITO:
Da Constituição Federal:
“Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem a redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
“Art. 277. E
dever da família, da Sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à ...,
à saúde além de colocá-los a
salvo de toda a forma de negligência...
Do Estatuto da Criança e do
Adolescente:
“Art. 4(È dever da família, da Comunidade, da sociedade
em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação
dos direitos referentes à vida, a saúde...
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) a primazia de receber proteção e
socorro em quaisquer circunstâncias,
b) precedência no atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;”
“Art. II.. É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do
Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
Portaria do Ministério da Saúde de n0
113 - de 4 de setembro de 1997:
Dispõe sobre internamentos dos
pacientes nas Unidades Assistenciais:
2.2. “Nos casos de urgência/emergência, e não havendo leitos disponíveis,
cabe à Unidade Assistencial proceder a internação do
paciente em acomodações especiais, até que ocorra vaga em leito de enfermarias,
sem cobrança adicional, a qualquer título.”
Pelos fundamentos jurídicos apresentados,
não restam dúvidas que o atendimento deverá ser prestado, independente de
qualquer outra regulamentação. Cabendo ao Município buscar os recursos
necessários para o cumprimento da exigência legal.
DA TUTELA ANTECIPADA:
Como a ineficiência
dos serviços prestados colocam em risco à saúde e vida das crianças e
dos adolescentes, tem-se o fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação.
Ademais, a medida pleiteada é de
caráter preventivo, ou seja, o Município só será instado a comprar a vaga quando
não houver leitos ou UTIs pediátricas disponíveis
pelo SUS.
Tal solução coloca a salvo crianças e
adolescentes dos riscos à vida a que são submetidos diariamente pela demora ou
negativa de atendimento hospitalar.
Assim, por força do art. 213, parágrafo
1°, do ECA, cabível, a concessão da tutela antecipada
que se requererá ao final.
DO PEDIDO:
Diante do exposto, o Ministério Público
requer:
a) Considerando a relevância dos
fundamentos da presente demanda e havendo injustificado receio de ineficácia do
provimento final, pede-se, ‘inaudita
altera pars’, a concessão da tutela liminar
determinando-se que o Município de Porto Alegre seja compelido a comprar,
sempre que necessário, vagas em leitos pediátricos, incluindo-se o atendimento
em UTIs, em unidades destinadas para o atendimento
privado, ainda que tais vagas estejam ofertadas em Hospitais Particulares (não
conveniados), até que surjam vagas em leitos com coberturas pelo Sistema Único
de Saúde;
b) Seja o Município de Porto Alegre
compelido a comunicar de imediato aos Hospitais conveniados
o deferimento da liminar acima referida, colocando a disposição das entidades
hospitalares meios eficientes de contato com a Administração Municipal, que
deverá encarregar-se de realizar a distribuição de leitos disponíveis pelos SUS
ou para efetivar em tempo hábil a aquisição de leitos particulares.
c) Em caso de descumprimento da medida
judicial, que o Município de Porto Alegre seja condenado a pagar multa diária
de 5.000 UFIRs, que deverão ser destinadas ao Fundo
Municipal de Saúde;
d) A citação do Município para
contestar, querendo, sob pena de revelia;
e) Que ao final, seja julgada
procedente a presente ação, tornando definitivos os pedidos especificados nos
itens “a” e “b”, condenando-se o Município no ônus da sucumbência;
f) Protesta por todos os meios de prova admitidas em direito, especialmente prova documental e
pericial e testemunhal, que será arrolada oportunamente.
Dá-se à causa valor inestimável.
Porto Alegre,
05 de agosto de 1998.
MIGUEL GRANATO VELASQUEZ
Promotor de Justiça,
Coordenador-Adjunto
ROL DE DOCUMENTOS:
Levantamento de leitos pediátricos realizado em 1994.
Matérias jornalísticas.
Cópias de ações cautelares ajuizadas
pela Coordenadoria das Promotorias da Infância e da Juventude.
Oficio encaminhado pela Administração
Municipal em que assume compromisso de atender pacientes vindos do interior do
Estado.
Termo de Ajustamento de Conduta.