ENTRE O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E O CÓDIGO PENAL: POR UMA NEGOCIAÇÃO DE FRONTEIRAS, NAVEGANDO PELA PRESCRIÇÃO DA MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA

 

 

Jayme Weingartner Neto[1]

Promotor de Justiça no RS.

 

Daiana Pereira Teixeira[2]

Bacharel em Direito, Ulbra/RS,

 

 

 

“Outros males me tocam, pois consentiu [Zeus] que eu gerasse e educasse o mais belo dos filhos. Como oliveira vistosa cresceu, de beleza adornado. (...) Venho ver se desejas para o meu filho de curta existência aprestar elmo e escudo, grevas formosas de belas fivelas, que se lhe adaptem, e cintilante couraça, que o amigo perdeu isso tudo. O coração excruciado, na poeira o meu filho se encontra”. Ilíada, Canto XVIII, 435-7, 457-60. Palavras de Tétis, implorando a Hefesto que forje um escudo para o filho Aquiles, de pés ligeiros[3].

 

 S.S.L, 15 anos de idade, adolescente fragilizada, de família pobre, envolvida em inúmeros atos infracionais (pouco graves) na Comarca de Cachoeira do Sul. Preta, drogada e prostituída. Sentença recente (24 de março de 2002, Processo n° 3511-349/01), após analisar as provas dos autos e convencer-se da inarredável necessidade de intervenção estatal para dar efetividade à proteção integral da adolescente, julgou procedentes as representações contra S.S.L e aplicou-lhe medida sócio-educativa de liberdade assistida, bem como medida de proteção consistente em freqüência obrigatória em estabelecimento de ensino fundamental, além de programa para tratamento de desintoxicação. E, com fundamento no art. 129, incisos II a VI, da Lei 8.069/90, submeteu os pais da adolescente a programas específicos de orientação psicológica e tratamento de alcoolismo e freqüência obrigatória a cursos de orientação, além de adverti-los quanto à persistência da omissão e descumprimento das medidas impostas.

 

 

Índice Eletrônico do Documento: 1. Introdução; 2. Aos vencedores ... atos indeléveis!; 3. A minoria e a dissolução “garantista ; 4. Um esboço de desconstrução; 4.1 Da conclusão que não decorre da premissa; 4.2 Da conclusão que excede da premissa; 5. Por uma reconfiguração de fronteiras; 5.1 Concordância prática dos princípios em jogo; 5.2 Edificar a dignidade, uma tarefa de todos; 5.3 Mapeando a rota legal; 6. O entreposto proposto.

 

1.      Introdução

 

A questão da eventual prescrição da pretensão estatal de aplicar medidas sócio-educativas a adolescentes infratores é controversa. Digladiam-se, em síntese, duas correntes opostas, que divergem acerca da natureza jurídica das medidas sócio-educativas. Os defensores da inaplicabilidade do instituto da prescrição formam a corrente dominante.

 

Ajustado o foco, percebe-se a insuficiência de fundamentação, axiológica e dogmática, dos tópicos que vêm sendo esgrimidos na discussão[4]. A hipótese deste trabalho é de que se trata de natural dificuldade, decorrente de limitação epistemológica para enfrentar um tema de vocação interdisciplinar, que transgride fronteiras, colocando em choque (e em cheque) princípios de direito penal e,  pressuposta sua autonomia, de direito da criança e do adolescente. A melhor solução, na ótica da investigação, passa por uma necessária intermediação constitucional, que, em termos metódicos, proporcionará a concordância prática, a concluir-se pela inaplicabilidade da medida sócio-educativa por analogia prescricional substancial, não porém do procedimento para apuração de ato infracional, que pode (e deve, muitas vezes) culminar com aplicação de medidas de proteção, inclusive aos pais ou (irr)responsáveis pelos adolescentes infratores[5].

 

É o que se passa a demonstrar.

 

2.      Aos vencedores ... atos indeléveis!

 

O argumento da posição majoritária, amparada em farta jurisprudência, vai no sentido de que a essência teleológica do estatuto é protetiva, cujas medidas não visam a punir o adolescente, mas antes a “encaminhá-lo corretamente para a vida”.

 

A exegese do artigo 1° do ECA (o sistema da proteção integral à criança e ao adolescente), bem como do artigo 6° (os fins sociais e as exigências do bem comum), permite afirmar que as medidas sócio-educativas têm natureza diversa das penas.

 

Tais medidas têm caráter pedagógico e visam a ressocializar e a reeducar os adolescentes infratores. Conforme SILVA/BARDOU[6], “o caráter expiatório da medida infracional tem marcante alcance terapêutico e inequivocamente possui preponderante utilidade à formação do adolescente, demonstrando-lhe, de forma indelével, a reprovação social de sua conduta infratora, para que se torne indivíduo socialmente ajustado e útil à sociedade”.

 

Afirmada a distância entre o sistema punitivo do Direito Penal e as medidas sócio-educativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, a corrente majoritária, inclusive com respaldo no STJ[7], assevera que o instituto da prescrição não é aplicável à apuração de atos infracionais.

 

Na visão da doutrina dominante, a imprescritibilidade das medidas sócio-educativas não afasta o princípio constitucional da isonomia; ao contrário, traz inegáveis benefícios tanto ao  infrator quanto à sociedade, uma vez que possibilitam a reeducação social e a reestruturação do adolescente. As medidas ressocializadoras previstas no ECA possuem maior relevância social que o instituto da prescrição.

 

Norteada pelos princípios consagrados nos artigo 1° e 6° da Lei 8.069/90, a tese defendida pelos ilustres Procuradores Ricardo de Oliveira Silva e Luis Achylles Petiz Bardou[8] sinala o surgimento de um novo Direito e é preciso abandonar o pensamento antigo para enfrentar o novo: há o balizamento do artigo 121, § 5°, do ECA, termo final da medida de internação e que, numa interpretação sistêmica, conjugado com o parágrafo único do artigo 2° do Estatuto, serve de limitação à pretensão versada em ação sócio-educativa do Estado. Vale dizer, o dispositivo especificamente previsto para a internação deve, por analogia, aplicar-se às demais disposições do artigo 112, uma vez que o caráter liberatório compulsório aos 21 anos de idade está em perfeita sintonia com as finalidades do Estatuto. Na conclusão de Adílson de Oliveira Nascimento[9]: “A extinção dos procedimentos e das referidas medidas verifica-se completada a maioridade civil, ou com a imposição de pena privativa de liberdade ao infrator em maioridade penal”, hipótese última que é vista como causa supralegal de extinção da medida sócio-educativa.

 

 

3.A minoria e a dissolução “garantista

 

De outro lado, há corrente contrária, a vislumbrar a possibilidade de aplicação do instituto da prescrição aos atos infracionais. Elencam-se os principais argumentos.

 

De início, refere-se o ponto comum a todos os defensores da tese em comento – o Estatuto da Criança e do Adolescente não pode ser mais severo do que o Código Penal. Consigna-se que o instituto da prescrição é aplicado ao processo penal, ao processo trabalhista, ao processo administrativo, ao processo eleitoral, ao processo civil e ao processo penal militar e, ainda, há respaldo constitucional no princípio da igualdade, bem como no devido processo legal, eis que vedada a imprescritibilidade da pretensão punitiva do Estado, salvo exceções previstas no artigo 5°, incisos XLII e XLIV, da Constituição Federal.

 

No que tange à natureza jurídica das medidas sócio-educativas, há os escritos de Amaral e Silva[10]. Segundo o doutrinador, a imputabilidade é capacidade de atribuir responsabilidade a alguém pela violação de determinado preceito legal, pelo que não se confunde com a responsabilidade, a qual é pressuposto da imputabilidade.

 

Partindo desse pressuposto, tem-se que os adolescentes não podem ser responsabilizados frente ao Estatuto Penal, uma vez que são inimputáveis[11]. Entretanto, regem-se por legislação especial e, com base nas normas desse Estatuto próprio, poderão ser  submetidos a medidas sócio-educativas.

 

Segundo Amaral e Silva, tais medidas revestem-se de “inescondível caráter penal”. Embora apresentem aspecto ressocializador e reeducador, com forte pretensão pedagógica, tais medidas inserem-se no gênero das respostas sancionatórias, ao qual pertencem as penas, que se dividem em administrativas, civis e sócio-educativas, etc.[12].

 

Assim, o reconhecimento do caráter penal das medidas sócio-educativas representará um avanço para a sociedade, na medida em que só poderão ser impostas nos estreitos limites da legalidade[13].

 

Ao concluir que os adolescentes, embora inimputáveis frente à legislação penal comum, podem ser responsabilizados diante da norma especial – o Estatuto da Criança e do Adolescente –, Amaral e Silva afirma que é possível a incidência do instituto da prescrição na apuração de atos infracionais.

 

A matéria permanece “em discussão no mundo jurídico”, tendo Amaral e Silva sugerido a conveniência de inclusão em lei própria de um lapso prescricional para regular a pretensão sócio-educativa do Estado. Uma primeira versão do anteprojeto dispunha, em seu artigo 106: “a prescrição da ação de pretensão sócio-educativa e a prescrição das respectivas medidas ocorrerá em 2 anos”[14].

 

Entretanto, em junho de 2001, a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude (ABMP) assinou “Proposta de Lei de Diretrizes Sócio-Educativas”(em forma de “texto para discussão”), com o intuito de apresentar um norte para uma futura lei de execução de medidas sócio-educativas. Referido  estudo prevê a imprescritibilidade das medidas sócio-educativas[15]. 

 

Na mesma senda prescricional, a perspectiva de Joubert Farley Eger[16]. Segundo o Advogado, a classificação dicotômica da infração penal, gênero do qual o crime e a contravenção penal são espécies, é decorrência da característica da pena imposta.

 

Assim, possível afirmar que os atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente possuem essência idêntica às condutas tipificadas como crimes ou contravenções penais, diferindo apenas no que tange ao preceito sancionador, previsto nos artigos 101 e 112 do ECA. Em decorrência, o sistema penal nacional poderia ser classificado como tricotômico, sendo o ato infracional a terceira espécie. Dessa forma, evidente que as infrações cometidas por adolescentes deverão estar sob o “crivo dos princípios do direito penal”[17].

 

O articulista sustenta, ainda, a necessidade de  reconhecer a identidade essencial entre medidas sócio-educativas e penas. E argumenta: “o fato de uma pena ou medida visar o ideal pedagógico ou repressivo não descaracteriza a essência do preceito maior que é integrante, ou seja, se a sanção imposta agrega carga imediata pedagógica e mediata retributiva não a destituirá de sua natureza penal  que a sua causa (momento preceptivo) lhe origina”.

 

Percorrendo tal caminho, Eger conclui que as medidas sócio-educativas são “penas especiais” e dada a semelhança com  a essência dos crimes e das contravenções, não há como negar as manifestações dos institutos penais garantistas, dentre eles a prescrição, que deverá ser aplicada ao direito penal juvenil segundo as disposições do Código Penal previstas no artigo 115, “imperativo de ordem pública ao escopo da legalidade e igualdade de tratamento”.

 

Referida tese encontra guarida jurisprudencial, certo que minoritária[18]. 

 

3.      Um esboço de desconstrução

 

Consciente de que é mais fácil desconstituir, impõe-se análise das duas correntes apresentadas.

 

 

4.1    Da conclusão que não decorre da premissa

 

Quanto à primeira, o caráter pedagógico e a finalidade de reeducação dos adolescentes infratores podem, de fato, diferenciar a medida sócio-educativa da pena criminal[19]. Não, porém, o escopo de ressocialização (aliás, diante de adolescente melhor seria falar em socialização), já que tal finalidade é emblema de todas as teoria relativas que fundamentam a pena em termos de prevenção especial[20]. Já o caráter expiatório apenas aproximaria a medida sócio-educativa da sanção criminal[21].

 

O salto lógico, entretanto, decorre de concluir, da diferença entre pena e medida sócio-educativa, a conseqüência, automática, de afastar da última a possibilidade da prescrição, que é, bem de ver, instituto geral de direito. Também por demais questionável pretender impingir, ao adolescente infrator, “indelével” reprovação social por sua conduta[22].

 

A linguagem binária, linear, é muito nítida na arquitetura argumentativa dos arestos citados. Pena prescreve. Medida sócio-educativa não é pena. Logo, medida sócio-educativa não prescreve. Uma retórica pobre, que, quando procura agregar tópicos, não resulta. Por exemplo: “criança [que não está em discussão] e adolescente, apesar da conduta ilícita, não cometem infração penal”. Leva aonde a assertiva? A lugar algum. Inimputáveis (art. 26, “caput”, do Código Penal), apesar da conduta ilícita (contra a qual cabe legítima defesa), não cometem infração penal. São absolvidos. Aplicam-se-lhes medidas de segurança. Que prescrevem (artigo 96, parágrafo único, c/c artigo 107, IV, do Código Penal).

 

Talvez com coerência axiológica (no sentido de maximizar a aplicação das medidas sócio-educativas, vistas de forma um tanto idealizada), a corrente ora criticada apenas admite, como limite à pretensão sócio-educativa, a maioridade civil, diante da liberação compulsória aos 21 anos de idade (§ 5° do artigo 121 do ECA). A construção, todavia, não se sustenta. O termo do § 5° limita, expressa e exclusivamente, o cumprimento (execução) da medida (breve e excepcional) de internação[23]. É certo que, combinado com o parágrafo único do art. 2° do ECA, permite a aplicação excepcional do Estatuto a adultos jovens (já imputáveis), entre 18 a 21 anos de idade (quando, pelo critério legal, já não são mais adolescentes), o que se justifica para obviar a lacuna de reação estatal no caso de atos infracionais graves praticados por adolescentes que estivessem às vésperas da maioridade penal. A norma, portanto, nada tem que ver com prescrição, com limite de pretensão de aplicar medida sócio-educativa - que, ao revés da inércia estatal, já vem sendo aplicada. Não se permite, no § 5°, que o Estado continue a agir! Além do que, e decisivo, não pode balizar a aplicação de qualquer outra medida sócio-educativa que não a de internação. Pois uma interpretação sistêmica não desconhece que regras especiais devem ser restritivamente interpretadas, não se prestando para analogias gerais, mormente em face da excepcionalidade da aplicação do Estatuto às pessoas entre 18 a 21 anos de idade, que depende de expressa previsão legal. Não há em relação a todas as outras medidas sócio-educativas elencadas no art. 112, incisos I a V (arts. 115 a 120 do ECA, respectivamente), sequer menção (menos ainda expressa permissão) de que possam ser aplicadas até os 21 anos de idade. Por essa via, então, o que se poderia concluir é que, para as outras medidas sócio-educativas  (exceto a internação), não há possibilidade de aplicação após os 18 anos de idade[24].

 

4.2    Da conclusão que excede da premissa

 

Tangente à segunda, comunga-se da premissa de que o ECA não pode revelar-se mais severo do que seria a intervenção penal. Correto, também, que a medida sócio-educativa reveste-se de “inescondível caráter penal”[25].

 

O equívoco, contudo, consiste em, a partir de tal constatação, que permitiria no máximo reconhecer a necessidade de integrar o instituto da prescrição no âmbito do ECA, simplesmente importar, “tout court”, uma dogmática positivada no Código Penal, fazendo tábula rasa de uma série não desprezível – também porque constitucionais – de princípios que informam o ECA, a ponto de obnubilar evidentes assimetrias logo em nível de respostas estatais decorrentes do ato infracional, que se não esgotam na aplicação de medida sócio-educativa. Apenas transpor, acriticamente, um determinado sub-sistema de direito penal juvenil (em torno do qual não há dogmática no Brasil, já que não exteriorizado em normas legais) para resolver a complexa relação entre o Estado e o adolescente infrator, significaria inconstitucional substituição do legislador pelo intérprete, escancaradamente vedada em face da ordem jurídica nacional, a avultar a Lei Federal nº8.069/90.

 

Consigna-se, em reforço, que o direito penal ancora-se no princípio da subsidiariedade, da última e “extrema ratio”, crivado hoje por princípios político-criminais de descriminalização e diversão (desjudiciarização), ao passo que o direito da criança e do adolescente alicerça-se no princípio da proteção integral, a reclamar tendencial e progressiva judiciarização.[26] É impossível não perceber que a interpretação e operacionalização dos sistemas, assentados em princípios tão distintos, serão obrigatória e racionalmente diversas. Os próprios princípios, é certo, assumem matizes diferentes e, às vezes, esmaecem bastante. Figure-se o princípio da publicidade, basilar como garantia do cidadão no processo penal contemporâneo, coartado pela infração administrativa prevista no art. 247 do ECA. Ou, em se fazendo concessões à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento do adolescente, as diferentes implicações do princípio da insignificância, nomeadamente no que tange à drogadição.

 

Não escapam, em geral, os defensores da prescrição nua e crua da lógica binária disjuntiva, de argumentos formais derivados de um conceitualismo apriorístico. Pena prescreve. Medida sócio-educativa é pena. Logo, medida sócio-educativa prescreve. Ademais, oscilando entre regras e conceitos têm imensa dificuldade em construir uma solução para o problema. Qual, afinal, o lapso prescricional? Embora a lacuna, como resolver os conflitos dentro do sistema? Exemplifica-se com a jurisprudência do TJSC, citada no item 3. No afã de buscar uma regra de apoio para a tese prescricional, assevera que ao ato infracional aplicam-se as normas da Parte Geral do Código Penal, segundo inteligência do art. 226 do ECA. Até onde vai a dos autores deste trabalho, rompe-se, aqui o limite lógico! Basta leitura isenta do citado art. 226, que determina que se apliquem, aos crimes praticados contra crianças e adolescentes (tipificados nos arts. 228 a 244 do ECA), as normas gerais do CP. Como não poderia deixar de ser.  

     

5.Por uma reconfiguração de fronteiras

 

É chegada, nesta altura, a hora de construir.

 

Inegável, assim, o caráter aflitivo (embora não unicamente e discutível até se preponderante) das medidas sócio-educativas. Tal percepção é uma conquista das atuais visões doutrinárias, que têm arejado a dogmática penal com os bons ventos da política criminal, numa concepção teleológico-racional do sistema penal, como faz o professor catedrático de Munique Claus Roxin, ao definir o direito material como parte da ciência global do direito penal, composta por diversas disciplinas, dentre as quais destaca-se o direito penal juvenil. Nas palavras do autor: “Não pelo âmbito das normas tratadas, senão que pela especial classe do autor, o direito penal juvenil converte-se num campo autônomo de direito. Trata dos delitos dos jovens (de 14 a 18 anos) e suas conseqüências (só parcialmente penais) (...) contém preceitos especiais de direito material, processual, de dosimetria da pena e penitenciária para jovens menores (...), e, portanto, aos efeitos de sistemática jurídica, deve enquadrar-se parcialmente em todas as disciplinas antes indicadas (...) O direito penal moderno não é imaginável sem uma constante e estreita colaboração de todas as disciplinas parciais da ‘ciência do direito penal’”[27].

 

Ressalte-se, de toda sorte, que o melhor entendimento acerca do direito penal juvenil percebe com clareza suas notas distintivas em relação à dogmática jurídico-penal tradicional, e já nas espécies de reação sancionatória (a penal juvenil e o grupo das medidas disciplinares). Junto a elas, “encontram-se as reações não sancionatórias (em que importa não só a ‘a causa’ do fato, senão também ‘a conseqüência’ do mesmo) no grupo das medidas de seguridade educativa (§ 5, parágrafos 1 e 2 JGG – Lei sobre Tribunais de Menores)”[28].

 

Negar a substância aflitiva das medidas sócio-educaticas não passaria de mera “burla de etiquetas”, como se chamando as coisas por outro nome fosse possível alterar sua natureza jurídica, o que seria um incentivo a um nominalismo positivista insustentável. Assim, é razoável e imperativo que, de fato, a situação jurídica do adolescente infrator não acabe por se revelar mais gravosa do que aquela do adulto autor de crime, pelo mesmo fato, até porque se o desvalor de resultado seria o mesmo, o desvalor da ação[29] praticada por uma pessoa cuja personalidade está em desenvolvimento é condição peculiar a considerar na interpretação da lei (artigo 6° do ECA), devendo operar nesta hipótese em benefício adicional para adolescentes.

 

Todavia, a mera transliteração das regras prescricionais[30] do sistema penal para o sub-sistema infracional (que integra o sistema do direito da infância e da juventude) revela-se inadequada e inadmissível, a menos que mediada por uma interpretação constitucionalmente adequada e sistêmica, que não deixa de ser uma solução de compromisso, e nem por isso leva a mácula de um tertium andrógino, antes representa a  harmonização dos direitos fundamentais postos em linha de um potencial conflito, não sendo caso de esvaziar por completo qualquer um dos princípios em jogo, mas de encontrar solução concreta e razoável, imperativo do princípio geral da proporcionalidade, imanente ao Estado Democrático de Direito. É o princípio da concordância prática que se pretende efetivar.

 

Abordagem interdisciplinar da delinqüência juvenil propõe uma superação dialética entre abolicionismo e repressão, entre um puro modelo de proteção (welfare model) e outro de justiça (justice model), mesmo porque a delinqüência juvenil “não é um conceito psicopatológico, mas jurídico”, pelo que o delito “não é o único fator em questão, nem o mais importante.”[31] Preciosa observação, que serve ao tema em questão: “Um direito mínimo para crianças e adolescentes não pode ser tão mínimo a ponto de prescindir das garantias individuais e se satisfazer com o modelo do direito das penas. A noção de irresponsabilidade está tão equivocada quanto a da imputabilidade, e coloca as crianças e os adolescentes num registro de anormalidade ou de anomalia.” Adiante, a responsabilidade juvenil diferencia-se da imputabilidade do adulto, “mais qualitativamente do que quantitativamente. Reclama uma dimensão social. Em outras palavras, é simultaneamente pessoal e social; individual e coletiva. Deve servir para estimular o processo de socialização e, neste sentido, aumenta a responsabilidade dos adultos, das instituições e da sociedade”[32].

 

 

5.1 Concordância prática dos princípios em jogo

 

Há que se compreender, na melhor perspectiva, a Constituição como um sistema aberto de regras e princípios. Ambos participam do gênero normas jurídicas, com distinções qualitativas:[33] os princípios impõem optimização, variando sua concretização conforme o condicionalismo fático-jurídico – as regras prescrevem exigências que se cumprem ou não;

a convivência dos princípios é conflitual – das regras é antinômica (os princípios coexistem, as regras excluem-se; os princípios permitem o balanceamento de valores e interesses, consoante peso e ponderação de outros princípios – as regras, ao revés, obedecem à lógica do tudo ou nada.[34]

 

Tal concepção permite ao sistema respirar (pela “textura aberta” dos princípios), legitimar-se (os princípios consagram valores, dignidade, justiça, com capacidade deontológica de justificação), enraizar-se (referências sociológicas aos programas e pessoas) e caminhar (através da dinâmica processual e procedimental adequados, densificando e realizando na prática as mensagens normativas constitucionais). Permite “que a Constituição possa ser realizada de forma gradativa, segundo circunstâncias factuais e legais”[35].

 

A harmonização, ínsita à convivência principiológica, significa que um princípio não tem validade absoluta, no sentido de que possa se impor com o sacrifício total de outro. Ao revés, como princípio de interpretação, o princípio da concordância prática (da harmonização) parte da ideia de igual “valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens”[36].

 

A solução é de procurar “no quadro da unidade da Constituição, isto é, tentando harmonizar da melhor maneira os preceitos divergentes. Esse princípio da concordância prática (...) é apenas um método e um processo de legitimação das soluções que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, para que se não ignore algum deles, para que a Constituição (essa, sim) seja preservada na maior medida do possível.”. Tal princípio executa-se “através de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito”; exige-se que “o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros.”. “É, nessa medida, uma actividade simultaneamente de interpretação e de restrição – de interpretação restritiva – mas que parece dever, tal como a concretização dos limites imanentes, integrar-se na competência interpretativa do juiz e, em geral, dos aplicadores da Constituição”[37].

 

Com os olhos no diploma legal brasileiro (precisamente artigo 112, inciso VII, do ECA), verificada a prática de ato infracional, a autoridade judicial poderá aplicar ao adolescente além das medidas sócio-educativas estrito senso, qualquer uma das previstas no artigo 101, incisos I a VI, do ECA, cuja mera leitura aponta para o evidente caráter protetivo, o que significa, na realidade, interpretar a lei levando em conta seus fins sociais (valor da proteção integral), bem como os direitos e deveres individuais e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento[38].

 

5.2    Edificar a dignidade, uma tarefa de todos

 

“Eu também sou real e racional, pensava, eu que não aceito, eu que construo esquemas, eu que farei tudo mudar. Mas para fazer tudo mudar é preciso partir daí, do homem com o tique nervoso, da velha com o pó-de-arroz, e não dos esquemas...” (Italo Calvino, Um general na biblioteca, Vento numa cidade, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 60-1)

 

Esta é uma tarefa estatal da qual os sujeitos jurídicos não podem abrir mão.

 

Pode-se trazer a lição de Ingo Sarlet[39], ao discorrer sobre o princípio da dignidade da pessoa humana. No que interessa mais de perto, é de se destacar o aspecto cultural da dignidade humana, o que a torna, a um só tempo, “limite e tarefa dos poderes estatais”[40]. Seu elemento fixo e imutável é o núcleo inviolável, vale dizer, limite à atividade dos poderes públicos. Como tarefa imposta ao Estado – reconhecendo-se que depende, em maior ou menor grau, do ambiente comunitário – reclama ações estatais no sentido de preservá-la e, mesmo, maximizá-la[41].

 

A par da óbvia garantia negativa (nenhuma pessoa será objeto de ofensas ou humilhações), o sentido positivo do princípio implica o tendencial e pleno desenvolver da personalidade de cada indivíduo. Sua eficácia vincula toda e qualquer atividade estatal, a traduzir-se em dever de respeito e de proteção: direta abstenção do Estado e proteção contra agressões por parte de terceiros. O princípio, assim, impõe ações tendentes a efetivar e proteger a dignidade do indivíduo, sendo especial tarefa do legislador “edificar uma ordem jurídica que corresponda às exigências do princípio”, isto é, “a concretização do programa normativo do princípio da dignidade da pessoa humana”[42].

 

A dignidade também tem uma função integradora e hermenêutica, não menos importante por ser instrumental, ao servir de parâmetro para aplicação de todo ordenamento jurídico, revestindo-o de coerência interna, a par de legitimar a ordem jurídica e comunitária, alçando-se à condição da democracia.

 

Quanto à vinculação dos juizes e tribunais aos direitos fundamentais, além da dimensão negativa óbvia (controle da constitucionalidade, não aplicação de normas ofensivas aos direitos fundamentais), há uma “faceta positiva, no sentido de que os juizes e tribunais estão obrigados, por meio da aplicação, interpretação e integração, a outorgar às normas de direitos fundamentais a maior eficácia possível no âmbito do sistema jurídico”[43]. 

        

5.3    Mapeando a rota legal

 

Voltam-se, agora, aos preceitos legais.

 

Fácil de ver que, na seara da Infância e da Juventude, o dever de proteção do Estado é exigível quando configurada situação de risco à sua dignidade de pessoa humana. Nos termos do art. 98 do ECA, medidas de proteção são aplicáveis aos adolescentes (foco da investigação) sempre que seus direitos forem ameaçados/violados, seja pela sua conduta (ato infracional) ou por ação/omissão da sociedade/Estado (catalisadores de risco). Uma das formas de aplicar tais medidas protetivas vem no bojo de um procedimento para verificação da prática de ato infracional (ECA, art. 112, VII, e Seção V, art. 171 a 190, do Capítulo III, dos Procedimentos, do Título VI, do Acesso à Justiça, tudo do Livro II – Parte Especial)[44].

 

É preciso harmonizar quais princípios?

 

A imprescritibilidade é exceção expressa na Constituição Federal (art. 5°, XLII e XLIV).

 

O princípio da proporcionalidade não se compadece com o tratamento mais severo dispensado a um adolescente do que a um adulto[45]. Em situação de risco, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, os direitos ameaçados dos adolescentes, também (talvez principalmente) dos infratores (art. 227, “caput”, da Constituição Federal), o que se consubstancia num direito a proteção especial, que compreende: garantias processuais quando lhes forem atribuídos atos infracionais (art. 227, § 3°, IV); obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento em caso de privação da liberdade (inciso V)[46], e programa de prevenção e atendimento especializado nos casos de drogadição (inc. VI do § 3° do art. 227 da CF).

 

Na concordância prática de princípios em tensão, primeiro há que reconhecer, lisamente, que não há regra específica. Inexiste referência nos arts.171 e 190 do ECA. A norma legal de remissão está no art. 152 do ECA e conduz à legislação processual pertinente no que tange aos procedimentos regulados no ECA. Não serve, portanto, para legitimar a aplicação, nem mediata, da prescrição[47]. Não há norma de envio nas disposições gerais acerca da prática de ato infracional (arts.103-5), dos direitos individuais (arts.106-9), das garantias processuais (arts.110 e 111) e, tampouco, nas disposições gerais atinentes às medidas sócio-educativas (art. 112 a 114, salvo remessa, no art. 113, aos arts. 99 e 100, que regulam a aplicação das medida de proteção).   

 

6.      O entreposto proposto

 

O esforço argumentativo, enfim, pretende ter demonstrado:

a) os adolescentes não devem ser tratados de modo mais severo que um adulto que tivesse praticado fato semelhante[48] – circunstância que aponta para a conveniência da aplicação analógica das regras incidentes sobre a prescrição penal, a fim de atingirem a pretensão do Estado, de impor medida sócio-educativa, de natureza aflitiva, passado tempo além do razoável em que se quedou inerte (e que se esvai ainda mais rápido para um adolescente);

b) o Estado tem o dever de proteção irrenunciável em relação à sua pessoa e sua família, do qual não se pode demitir pela mera inércia de autoridades administrativas – circunstância que indica a necessidade de se manter a jurisdição da Infância e da Juventude, a fim de que, ao cabo do devido processo legal, aferindo o fato concreto, exerça seu dever, sendo o caso, de aplicar medidas de proteção para o adolescente ou mesmo (e provavelmente) em relação a seus pais[49].

 

Não se trata, pois, propriamente, de prescrição de pretensão estatal. Mas de afastar-se a aplicação de medidas sócio-educativas a adolescente, por inconstitucional violação do princípio da proporcionalidade, sempre que, para fato semelhante, não subsistir possibilidade de apenamento para adulto (mesmo entre 18 e 21 anos de idade). Consideração que deixa incólume o dever estatal de levar a cabo o procedimento de apuração do ato infracional e, sendo necessário, aplicar medida de proteção ao adolescente e a seus pais ou responsáveis[50].

 

Não se pense que a proposta culminaria num idealismo que poderia deixar a sociedade desprotegida e desafiada por infratores perigosos. A conseqüência pragmática pode-se alinhavar em breves pinceladas: o homicídio doloso (mesmo na figura simples), o furto qualificado, o estelionato, o roubo, a extorsão (em qualquer das suas formas), o estupro, o atentado violento ao pudor, o tráfico de entorpecentes – nenhum destes atos infracionais sofreria efeitos prescricionais (todos têm penas superiores a quatro anos, inexistindo lapso prescricional menor do que seis anos – arts. 109, incs. I a III, e 115, ambos do CP –, pelo que um adolescente inusitadamente precoce, que os cometesse aos 12 anos de idade, continuaria passível de medida sócio-educativa até os 18 anos de idade, marco da imputabilidade); o Estado teria quatro longos anos para aplicar medida sócio-educativa a atos infracionais não particularmente graves, como o auto-aborto, o furto simples, a apropriação indébita e a receptação dolosa (CP, arts. 109, inc. IV, e 115); contaria com prazo de dois anos para responder a atos infracionais de calúnia ou de invasão de domicílio à noite ou com emprego de arma, de resistência ou porte de substância entorpecente para uso próprio (arts. 109, inc. V, e 115, ambos do CP); e, no que parece suficiente, não deveria ultrapassar o prazo de um ano para aplicar medida sócio-educativa em relação a delitos de menor potencial ofensivo, tais como lesão corporal simples, ameaça, dano, injúria etc. (CP, arts. 109, inc. VI, e 115).  

 

Uma solução que se ancora em pressupostos epistemológicos. Por exemplo, na subjetividade barroca da transição paradigmática vislumbrada por Boaventura de Sousa Santos também socorre o extremismo que produz/devora as formas: através do sfumato (técnica de pintura que consiste em esbater os contornos e as cores entre os objetos, com o que se cria o próximo e o familiar entre inteligibilidades diferentes) e da mestiçagem (a criar novas formas de constelações de sentidos)[51].

 

O último conceito é uma das manifestações da hibridação, que deriva da sociabilidade de fronteira própria de um período de transição, cujo tipo-ideal induz: a) ao uso seletivo e instrumental das tradições (a novidade da situação leva à criação e ao oportunismo); b) à invenção de novas formas de sociabilidade (a reforçar a responsabilidade pessoal pela conseqüência de cada ato); c) às hierarquias fracas; d) à pluralidade de poderes e ordens jurídicas; e) à fluidez das relações sociais; e f) à promiscuidade de estranhos e íntimos, de herança e invenção. Tal sociabilidade assenta em limites e na constante transgressão destes, numa “escassez de centros e na abundância de margens”, que resulta de uma permanente definição e redefinição dos limites: experienciá-los sem os sofrer. Dita experiência pode-se dar pela navegação de cabotagem e, no que interessa mais de perto, pela hibridação, que consiste em “atrair os limites para um campo argumentativo que nenhum deles, em separado, possa definir exaustivamente (...) obrigando-os a confrontarem-se reciprocamente fora do seu terreno próprio”[52].

 

O ECA é, sem desdouro, um diploma híbrido, a dinamizar fronteiras tradicionais e provocar o diálogo entre disciplinas amiúde encasteladas. Se é certo que tem um núcleo duro autônomo (art. 208 e 148, I a VII), convive com uma pluralidade teórica de ordens jurídicas, cuja pedra de toque é uma fluida situação de risco (art. 148, parágrafo único c/c art. 98, I a III), agrega hipóteses de competência administrativa, estranhas à jurisdição (art. 149) e incita à invenção de novas formas de sociabilidade, a reforçar a responsabilidade pessoal do artífice-intérprete, em face da clara supremacia da necessidade de resolver o problema sobre o sistema (art. 153)[53].

 

Um espaço-desafio, portanto, propício, com garantia de prioridade, à efetivação de direitos fundamentais e orientado por idéia de prevenção e pela implantação de política de atendimento. Um campo de atuação instrumentalizado por medidas de proteção e sócio-educativas.

 

Nessa ampla moldura (limites) e num movimento em busca de um ideal justo e digno para a juventude brasileira (período de transição) é preciso selecionar, com senso de oportunidade, as tradições dogmáticas que (ainda) não têm consciência de suas fronteiras. E, sempre que necessário, transgredi-las. Para que se possa experimentar a convivência com nossos jovens, sofrê-la, mas não a temer[54].

 

O campo argumentativo proposto, enfim, recusa que os tópicos referidos definam, exaustiva e exclusivamente, os limites e as possibilidades de soluções dos problemas concretos de jovens infratores. E deseja que desse confronto recíproco, numa fronteira dialética, apareçam novos centros, e novas margens.[55] Pois, navegar é preciso ...

          

Por ora, na resposta ideal (olímpica?), Hefesto-Juiz não volta as costas a Tétis-famílias em risco. Não lava as mãos.[56] Antes, aviva as chamas e forja um maravilhoso escudo (medida de proteção). Com o qual, a seguir, Aquiles-infrator vencerá tantas batalhas...

 

S.S.L, 15 anos de idade, neste ínterim, em 08 de abril de 2002 compareceu com seus pais, M.S. e A., para entrevista regular com a assistente social J.M.D.B. Está freqüentando com assiduidade e regularidade o programa de socialização. Está cursando a 5ª série do ensino fundamental na Escola M.R.A. Está participando do grupo de gestantes na Secretaria de Saúde (Unidade Sanitária 4, enfermeira responsável A.L.O). Está freqüentando o “Curso de pintura em tecido”, nas tardes de quinta-feira, que acontece na Secretaria de Trabalho e Ação Social (responsável a senhora G.) – Processo de Execução de Medida nº 3971-113, 2ª Vara Criminal e Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Cachoeira do Sul, fl. 39.

 

 

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Notas

 

[1] Mestre em Ciências Jurídico-Criminais (Coimbra, Portugal), Coordenador do Curso de Direito Ulbra/Cachoeira do Sul

[2] pós graduanda em Direito Processual Civil

[3] As referências literárias pretendem resgatar um dos tipos de racionalidade moderna, talvez o mais esquecido em nosso campo de atuação, a racionalidade estético-expressiva das artes e da literatura, acanhada diante da racionalidade moral-prática do Direito e esmagada pela cognitivo-instrumental das ciências. A classificação, partindo de conceitos weberianos, encontra-se em SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. 7ª ed. Porto, Afrontamento, 1999,  p. 193.

[4] Boa parte da doutrina específica, mesmo comentários ao ECA, tangencia ou omite a questão. As obras indicadas na bibliografia e não citadas no corpo do texto enquadram-se nesta situação.  

[5] “Ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido que me dispersa e sobressalta! Quem outro seria eu se me tivessem dado carinho do que vem desde o ventre até aos beijos na cara pequena? Talvez que a saudade de não ser filho tenha grande parte na minha indiferença sentimental. (...) Sou todas essas coisas, embora o não queira, no fundo confuso de minha sensibilidade fatal.” (Fernando Pessoa, O livro do desassossego. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 66).

[6] SILVA, Ricardo de Oliveira/BARDOU, Luiz Achyllez Petiz. ECA – Prescrição da Pretensão Punitiva. 6° Congresso Estadual do Ministério Público de 28 de junho de 2000, Canela (RS).   

[7] MENOR. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. PRESCRIÇÃO. A Turma proveu o recurso ao entendimento de que  em se tratando de menor inimputável, o Estado não tem pretensão punitiva, mas tão-somente pretensão educativa, assim as medidas sócio-educativas no art. 112 do ECA não se revestem da mesma natureza jurídica das penas restritivas de direito, em razão do que não se lhes aplicam as disposições previstas na lei processual penal relativas à prescrição (Resp 270.181 – SC. Rel. Min Vicente Leal, j. 2/4/2002). Nesta esteira: Recurso ordinário em HC n° 7698/MG, 6ª Turma do STJ. Rel. Vicente Leal . j. 18.8.1998 – www.stj.org.br). Nesse mesmo sentido é o entendimento dos Tribunais do Rio Grande do Sul, Paraná e de Minas Gerais: ATO INFRACIONAL Inaplicabilidade do instituto aos procedimentos infracionais. A prescrição atinge a pena e não a medida sócio-educativa. O caráter expiatório da medida de prestação de serviços à comunidade tem um marcante alcance terapêutico e será útil à formação do adolescente pois mostrará a ele, de forma indelével, a reprovabilidade social que pesa sobre a conduta irresponsável e imprudente que desenvolveu causando lesões corporais” (Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP – Jurisprudência – Vol. 1/97. AC 596122382, TJRS, 7ª C. Civ, Rel Juiz de Alçada Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves, vu, 04/12/96). Cf. Apelação Cível n° 70003379427,  7ª Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, vu, 28/11/2001;    Biblioteca dos Direitos da Criança ABMP – Jurisprudência  - Vol 01/97. AI 94.0001469-4 – TJPR. Conselho de Magistratura, Rel. Des. Tadeu Costa, vu 21/11/94.

[8] SILVA, Ricardo de Oliveira/BARDOU, Luiz Achyllez Petiz. ECA – Prescrição da Pretensão Punitiva

[9] NASCIMENTO, Adilson de Oliveira. Impossibilidade de Prescrição da Medida Sócio-educativa: solução jurídica. www.direitopenal.adv.br/artigo5). Neste caminho: Ação Sócio-educativa – Infrator que completa 18 anos – Extinção da ação – Há possibilidade de extinção e arquivamento da ação sócio-educativa, em caso de já ter o adolescente completado 18 anos e estar respondendo a processo criminal, porém, somente quando já houver condenação criminal e nas hipóteses de prisão preventiva decretada (Ementários dos posicionamentos do Conselho de Procuradores e Promotores da Infância e da Juventude – CONPPIJ, do Ministério Público do RS).        

[10] AMARAL E SILVA, apud  João Batista da Costa Saraiva, Adolescente e ato infracional – Garantias Processuais e Medidas socioeducativas.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, pp. 37-44. Vide, também, sobre o Direito Penal Juvenil AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do. O Mito da Inimputabilidade Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Rev. ESMESC, n°5.   

[11] Trata-se de óbvia constatação, em face de preceitos legais: artigos 228 da Constituição Federal, 27 do Código Penal e 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 

[12] No horizonte, todavia, de controle social, são paisagens diferentes. As respostas sancionatórias elencadas têm lógicas diversas, pena de dissolverem-se os campos específicos e só restar, aos defensores da tese, uma inviável absorção, pelo direito penal, como metanorma, das respectivas prescrições.       

[13] Já o são, ao menos no que tange ao processo de conhecimento, “ex vi” dos artigos 110 e 111 do ECA. Idem, em relação à conduta infracional propriamente dita (art. 103 do ECA). Essa também a percepção de Leoberto Brancher, justamente pugnando contra a ausência de legalidade que macula a execução de medida sócio-educativa: “como atividade estatal coercitiva, muitas vezes mais rigorosa, e no mais das vezes mais arbitrária com os adolescentes do que com adultos, é inadmissível que, ao contrário do que já ocorre desde a Lei 8.069/90 com o processo de conhecimento, a execução sócio-educativa se proceda sem as garantias da legalidade expressas pela norma prévia, escrita, estrita e certa” (Proposta de lei de Diretrizes Sócio-Educativas, ABMP, junho de 2001). O problema, bem vistas as coisas, não é de legalidade, e sim de lacuna. Tanto que os próceres da prescrição, como segue no texto, apresentam sugestões “de lege ferenda”.

[14] Conforme SARAIVA, João Batista da Costa.  Adolescente e ato infracional – Garantias Processuais e Medidas socioeducativas.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. O autor comungava do entendimento. 

[15] “Art. 5° - A medida sócio-educativa não comporta prescrição. § 1° – Em razão do decurso do tempo entre a conduta infracional e o momento do início e reinício do cumprimento da medida sócio-educativa, poderá o juiz da execução, ouvido o Defensor e o Ministério Público, mediante decisão fundamentada declarar sua extinção em razão da perda do objeto sócio-educativo. § 2° – O disposto no parágrafo anterior também se aplica a procedimentos ainda em curso, que em tal caso serão declarados extintos sem a análise de seu mérito”. A origem do trabalho remonta ao 18° Congresso da ABMP (Gramado, RS) 14/17 de novembro de 1999, que culminou num grupo de trabalho (do qual participaram, do RS, Saraiva e a Promotora de Justiça Eleonora Machado Poglia) que consignou, na apresentação do texto, expresso reconhecimento ao Des. Amaral e Silva. O conceito, indeterminado, de “perda do objeto sócio-educativo” representa evidente recuo da tese prescricional. Harmonizado com tendência do pensamento jurídico contemporâneo, precisará ser densificado por doutrina e jurisprudência, em busca de coerência dogmática e segurança jurídica. Deixa em aberto a possibilidade de, afirmada a subsistência do objeto sócio-educativo, aplicar-se medida sócio-educativa para fato que, em relação a adulto, estaria prescrito.         

[16] EGER, Joubert Farley. Nova Classificação da Infração Penal no Atual Sistema Criminal Brasileiro e Aplacamento da Controvérsia de Aplicação do Instituto Prescricional. (www.abmp.org.br)     

[17] Não é possível, na ótica da investigação, partilhar tal visão “essencialista”. Ora, justamente a peculiar condição subjetiva do sujeito ativo – que integra qualquer “essência” ou conteúdo material do ato humano infracional – determinou a clivagem disciplinar e a autonomia, seja do Direito Penal Juvenil, seja, num ulterior desenvolvimento, do próprio Direito da Criança e do Adolescente. Pior, assimilado tal argumento, serviria para provar, “a contrario”, que seria axiologicamente possível punir – com igual severidade – adultos e adolescentes. A substância do Direito Penal Juvenil, diversa do Direito Penal comum, não era desconsiderada sequer por uma legislação ainda parcialmente medieval. Confira-se a “modernidade” inscrita no famigerado Livro V das Ordenações do Reino: “... E se for de idade de dezessete anos até vinte, ficará em arbítrio dos julgadores dar-lhe pena total ou diminui-lha. E neste caso olhará o julgador o modo com que o delito foi cometido e as circunstâncias dele e a pessoa do menor; e se achar em tanta malícia que lhe pareça que merece total pena, dar-lha-á, posto seja de morte natural. E parecendo-lhe que a não merece poder-lhe-á diminuir segundo a qualidade ou simpleza com que achar que o delito foi cometido. E quando o delinqüente for menor de dezessete anos cumpridos, posto que o delito mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará ao arbítrio dos julgador dar-lhe outra menor pena. E não sendo o delito em que caiba pena de morte natural, se guardará a disposição do direito comum” (LARA, SILVIA Hunold. Ordenações Filipinas – Livro V. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, pp. 479-480).      

[18] ESTAUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO ESPECIAL. REMISSÃO. PRESCRIÇÃO. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. As medidas sócio-educativas perdem a razão de ser com o decurso do tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição (REsp. n° 226.379, STJ. 5° turma. Rel.  Ministro Félix Fischer, j. 21/8/2001). ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. “Ato infracional praticado por menor de 18 anos. Medidas socioeducativas, de advertência e prestação de serviços à comunidade, aplicadas pelo prazo de 01 ano. Aplicação das normas da parte geral do Código Penal. Inteligência do artigo 226 do referido Estatuto. Prescrição. Ocorrência entre a data do recebimento da representação e a da publicação do decisum condenatório. Decretação, de ofício, prejudicado o exame do mérito” (Biblioteca dos Direitos da Criança e do Adolescente ABMP – Jurisprudência  - Vol. 01/97. Ap Crim. 30.496, TJSC, 2ª C. Crim, Rel Des. Alberto Costa, j. 27/08/96). Também: Apelação Criminal n° 99.0186628, Segunda Câmara Criminal do TJSC, São Francisco do Sul, Rel. Des. Nilton Macedo Machado. J. 23.11.1999.

[19] “As medidas que se aplicam aos menores que realizam condutas típicas não são penas. A pena tem por objetivo a prevenção especial, como meio de prover a tutela dos bens jurídicos. De sua parte, o direito penal do menor pretende tutelar, em primeiro lugar, o próprio menor. O direito penal do menor pretende ter caráter tutelar porque o menor é um ser humano em inferioridade de condições, devido a seu incompleto desenvolvimento físico, intelectual e afetivo. Trata-se, pois, de um direito que aspira ser formador do homem. (...) O direito penal do menor, ao contrário, não pode contentar-se com uma imagem imperfeita do homem, porque geralmente é chamado a atuar diante do fracasso de uma instituição social básica: a família. Quando um pai educa seu filho, não se orienta somente pela imagem do homem não-delinqüente; impõe-se que pretenda para ele algo mais. Por isso, o direito penal do menor deve necessariamente aspirar a ser formador do homem e isto coloca uma problemática inteiramente diferente à do direito penal. Um direito penal formador seria um direito penal totalitário, enquanto um direito penal do menor que não seja formador não lograria cumprir a sua tarefa” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl/PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997). Mesmo um autor como Jakobs, que tantas concessões faz ao sistema social, em seu funcionalismo jurídico-penal, ao discorrer sobre modelos recentes que legitimam a sanção penal em teorias relativas, sinala as limitações jurídicas da prevenção especial. “O Estado não está legitimado para regular a disposição moral dos cidadãos, senão que há de se conformar com a obediência externa do Direito (relegalização). Não é meta da prevenção especial criar um membro útil à sociedade, senão facilitar ao autor comportar-se conforme a lei” (JAKOBS, Günther. Derecho Penal – Parte General. Madrid: Marcial Pons, 1997, pp. 33-34).

[20]  “Todas estas doutrinas se irmanam, todavia, no propósito de lograr a reinserção social (ou talvez melhor: a inserção social, porque pode tratar-se de alguém que foi desde sempre um de-socializado) do delinqüente e merecem, nesta medida, que elas se considerem como doutrinas da prevenção especial positiva ou de socialização” (DIAS, Jorge de Figueiredo/ANDRADE, Manuel da Costa. Direito Penal. Questões fundamentais – A doutrina geral do crime. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1996, p. 89).   

[21]  “Pena é a perda de bens jurídicos imposta pelo órgão da justiça a quem comete crime. Trata-se da sanção característica do direito penal, em sua essência retributiva. A sanção penal é em essência retributiva porque opera causando um mal ao transgressor” (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – A Nova Parte Geral.  Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 292). Tais considerações, convém lembrar, não são novidade. Já em maio de 1983, no item 23 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal , ao defender-se a manutenção da inimputabilidade ao menor de 18 anos, gizava-se que a opção apoiara-se em critério de Política Criminal. “Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal” (Código Penal, p. 08).                 

[22] Desde logo, porque “se de um lado, a ação delituosa constitui, de fato, ao menos como regra, o mais grave ataque que o indivíduo desfere contra os bens sociais máximos tutelados pelo Estado, por outro lado, a sanção criminal, também por sua natureza, dá corpo à mais aguda e penetrante intervenção do Estado na esfera individual” (PALLAZZO, Francesco. Valores Constitucionais e Direito Penal trad. Gérson Pereira dos Santos, Porto Alegre: Fabris, 1989). E, mesmo assim, os crimes prescrevem, e “por razões de natureza jurídico-penal substantiva (...) Por um lado, a censura comunitária traduzida no juízo de culpa esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer. Por outro lado, e com maior importância, as exigências da prevenção especial, porventura muito fortes logo a seguir ao cometimento do facto, tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objetivos: quem fosse sentenciado por um facto há muito tempo cometido e mesmo porventura esquecido, ou quem sofresse a execução de uma reacção criminal há muito tempo já ditada, correria o sério risco de ser sujeito a uma sanção que não cumpriria já quaisquer finalidades de socialização ou de segurança. Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafática das expectativas comunitárias, já apaziguadas ou definitivamente frustadas” (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime. Lisboa: Aequeitas Editorial Notícias, 1993, pp. 698-699).

[23] Pode ser comparada ao artigo 75 do Código Penal, que estabelece que “o tempo  de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”. 

[24] O que não é, modo algum, incoerente. Interna-se, após os 18 anos, como “ultima ratio”, medida escorada em expresso preceito legal e considerando de prevenção especial. Naturalmente, a intervenção é restrita à medida mais gravosa (internação), até por questão de proporcionalidade. Uma advertência, por exemplo, ou seria desnecessária ou insuficiente.   

[25] Repele-se, para que não fiquem dúvidas, a concepção ôntica, que identifica crime/contravenção (e, agora, ato infracional), apenas reconhecendo diferenças nas sanções. A doutrina e a experiência européias, em sentido oposto, avançaram (desde a década de 50 na Alemanha) com a supressão da categoria (penal) das contra-ordenações (ao considerar o domínio ético-social neutro destas infrações), substituindo este Direito Penal  Administrativo, por um direito administrativo sancionador, de mera ordenação social, plasmado nas contravenções. Hoje, “o ponto mais importante a assinalar ainda neste contexto é o de que, de uma perspectiva político-criminal, a persistência da categoria penal das contravenções, a par de um ilícito de  mera ordenação social legalmente institucionalizado, é contraditória e sem sentido: ou um comportamento possui dignidade punitiva e deve constituir um crime, pertença este ao direito penal primário, ou antes ao secundário; ou não possui e deve ser descriminalizado e passar eventualmente a constituir uma contra-ordenação, punível com uma coima. E além de político-criminalmente  contraditória  e sem sentido, pode a persistência da dualidade acabar por conduzir  ao aniquilamento prático da categoria das contra-ordenações, se o legislador continuar no futuro a deixar-se seduzir pelo vício da hiper-criminalização, criando novas contravenções (DIAS/ANDRADE, p. 144).                

[26]  “Essa consideração se tem afirmado como uma reação lógica ante os abusos do critério tutelar e levado a uma maior ‘juridicização’ do direito do menor comparado dos últimos anos” (ZAFFARONI /PIERANGELLI, p. 146). O problema, aqui, comporta diferente matiz. As diretrizes internacionais do Direito Juvenil vêm plasmando “um modelo misto de justiça penal juvenil em que se combinam aspectos dos sistemas educativo ou de bem estar com os precedentes do sistema judiciário e que reflete em boa medida as notas características do denominado modelo dos ‘4D’, de procedência norte-americana: descriminalização, desinstitucionalização, diversão e devido processo” (GARCIA-PÉREZ, Octavio Garcia. “Los actuales principios rectores del derecho penal juvenil: un analisis critico”, Revista Ibero-Americana de Ciências Penais, Ano 2, n° 2, janeiro-abril 2001, p. 173). Quanto à desjudiciarização (diversion), ampara-se em dois fundamentos: “por um lado a necessidade de evitar a estigmatização do infrator por meio de processo penal e das sanções a eles impostas, pois isso contribui a criar e fortalecer a criminalidade em vez de evitá-la, como se sabe desde a teoria do etiquetamento; por outro, a necessidade de descongestionar uma Administração da Justiça sobrecarregada de trabalho” (GARCIA-PÉREZ, p. 175). Há tensão entre a concepção do Estado de Direito (segurança jurídica via formalização) e a desjudiciarização, que implica a substituição da intervenção penal juvenil formal por outra, de índole informal, que entra “em aberta contradição com um dos princípios básicos do Direito Penal Juvenil: o respeito as garantias processuais essenciais” (GARCIA-PÉREZ, p. 192). Duas palavras, com olhos na questão prescricional. O instituto, em si, não tem qualquer base “divertida”. Segundo, é possível conciliar a manutenção do procedimento para a apuração de ato infracional (hoje, no Brasil, crivado pelo devido processo legal), esvaziado de conteúdo aflitivo, com uma política “divertida”, tendo em vista o grande filtro que se opera, no sistema positivo brasileiro, por meio da remissão (arts. 126 a 128 do ECA),  a indicar que, num funcionamento adequado, apenas as situações mais problemáticas (os “hard cases” – não necessariamente os atos infracionais mais graves) ultrapassam a compota da necessidade de tutela jurisdicional. Não fulminar o processo infracional, pois, não colide com um programa de diversão, pressuposto, como é lícito, que a desjudiciarização (conceito reflexivo) depende de uma área de reserva para a judiciarização, em que é preciso intervir. Tais argumentos confirmam-se na prática de 10 anos de Promotoria da Infância e da Juventude de um dos autores e em dados empíricos obtidos em Cachoeira do Sul, como se vê de levantamento (intervalo 1997-2001) realizado junto à Promotoria da Infância e da Juventude de Cachoeira do Sul (RS) pelos acadêmicos de Direito Tiago Nunes Port e Vinícius Diniz Vizzotto. Com base nos relatórios oficiais remetidos (trimestrais) à Corregedoria do Ministério Público (RS) e nos mapas estatísticos do respectivo Juizado, percebe-se que as representações (efetivo desencadear de prossecução por ato infracional) ficam em torno de um terço das ocorrências registradas nas delegacias de polícia da comarca. 

[27] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Madrid: Civitas, 1997, pp.  46-47. Reparem-se nas ressalvas: “só parcialmente penais”, “enquadrar-se parcialmente em todas as disciplinas”. Ao revés, os corifeus da prescrição pura e simples operam como se estivessem a aplicar uma regra (que não existe, é preciso que se repita), na lógica do tudo ou nada, sequer tentando a integração parcial – no caso, da prescrição no sub-sistema do ato infracional, cujos princípios informadores (que devem ser otimizados) estão, por óbvio, no ECA e não no CP. Se bem que, numa estratégia de despenalização, uma das vias hoje apontadas é a adoção de novos critérios objetivos (a redução de fatos tipificados como delitos) para a configuração do ato infracional (dos pressupostos materiais do Direito Penal Juvenil), por dupla via: “o estabelecimento de um catálogo mais restrito dos tipos penal e a introdução de eximentes específicas” (GARCIA-PÉREZ, p. 180).  A intervenção penal deve ser excepcional, pois muitas infrações juvenis têm um “caráter episódico e não constituem um sintoma da existência de um déficit educativo. Neste sentido deverá se configurar como causa de exclusão da sanção penal a adoção de medidas por parte dos grupos primários encarregados dos menores  (família, escola, etc) e a reparação do dano” (GARCIA-PÉREZ, pp. 202/203).

[28] “Na medida em que há um tratamento especial para os não adultos, recentemente, como é natural, reforçado e aberto, há desejos de apresentar ‘formas procedimentais e modos de reação alternativos e informais que permitam, sem efeito estigmatizador, uma reação mais rápida aos fatos puníveis menores e medianos e às faltas juvenis, apartando-se do procedimento penal normal previsto no StPO e JGG (desviando-se antes de chegar a uma solução jurídico-penal: diversão). O aspecto compreende desde a inatividade da polícia nos casos de bagatela (diversion to nothing) até os programas de educação intensiva” (JAKOBS,  p. 17).

[29] Confira-se, entre tantos, Jeschek, pp. 43-44. No fundo, discute-se, nesta grelha conceitual, se o Direito Penal opera através de normas de determinação (à conduta) ou de valoração (do resultado). Ampla  análise em ROXIN, pp. 318-326. 

[30] Mesmo no exclusivo âmbito penal, uma coisa é a prescrição das penas, outra a prescrição do procedimento criminal. Ao fulminar-se o procedimento criminal (e a única conseqüência do crime é a aplicação de pena ou medida de segurança), torna-se impossível, “por essa via, a aplicação de uma qualquer sanção”. Mas não é disso que se trata no procedimento infracional, que pode culminar com aplicação de medida sócio-educativa ou de proteção. Acompanhe-se o catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: “É óbvio que o mero decurso do tempo sobre a prática de um facto não constituiu motivo para que tudo se passe como se ele não houvesse ocorrido; considera-se, porém, que uma tal circunstância é, sob certas condições, razão bastante para que o direito penal se abstenha de intervir ou de efectivar a sua reacção”( DIAS, p. 699). E se o fato não deixou de existir, ainda que se possa, com boa razão (pela incidência do princípio da prescrição), deixar de aplicar medida sócio-educativa, nada autoriza (pelo contrário) que se não devam apurar suas circunstâncias e providenciar em medidas de proteção.

[31] TRINDADE, Jorge. Delinqüência juvenil: uma abordagem transdisciplinar. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 67. “A contraposição estática entre o paradigma abolicionista e o paradigma repressor é improdutiva do ponto de vista científico e tem levado à oscilação entre indulgência e severidade, que corresponde, no fundo, ao contraste entre assistência e defesa social” (TRINDADE, p. 68).

[32] TRINDADE, pp. 69-70.

[33] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.  3ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999,  pp. 1.088 e 1.087, respectivamente.

[34] CANOTILHO, p. 1.177.

[35] CANOTILHO, pp. 1.089 e 1.109, respectivamente.

[36] CANOTILHO, p. 1.150. Vide, também, ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Coimbra Editora, 1998,  pp. 220-224.

[37] ANDRADE,  pp. 222, 223 e 224, respectivamente.

[38] Gizando que a prática de ações puníveis, nas formas menos graves, é um fenômeno normal no desenvolvimento de muitos jovens (criminalidade juvenil), Jescheck considera, com razão, mais perigosa a “criminalidade precoce” (na faixa dos jovens entre 14 e 17 anos e jovens adultos entre 18 a 20), “com manifestações de desamparo e desordem presentes na infância e juventude (assistência irregular na escola, interrupção prematura da educação , incapacidade para uma atividade profissional duradoura, vida irregular e rápida sucessão de delitos), que podem representar sintomas de uma disposição criminal. Calcula-se que constituem em média 15% dos jovens delinqüentes, e se supõe que destes infratores precoces uns 25% aproximadamente acabam na senda do delito, podendo-se estimar que com 25 a 30 anos serão delinqüentes habituais. O número dos jovens e jovens adultos condenados por delitos graves e menos graves tem crescido continuamente desde meados da década dos anos 50.” (JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal – Parte General trad. José Luis Manzanares Samaniego. Granada: Editorial Comares, 1993, pp. 4-5).

[39] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, pp. 98-116.    

[40]  “(...) o princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, objetivando impedir que o poder público venha a violar a dignidade pessoal, mas também implica (numa perspectiva que se poderia designar de programática ou impositiva, mas nem por isso destituída de plena eficácia) que o Estado deverá ter como meta permanente, promoção, proteção e realização concreta de uma vida com dignidade para todos, podendo-se sustentar, na esteira da luminosa proposta de Clèmerson Clève, a necessidade de uma política da dignidade da pessoal humana e dos direitos fundamentais. Com efeito, de acordo com a lição de Pérez Luño, ‘a dignidade da pessoa humana  constitui não apenas a garantia negativa de que a pessoa não será objeto de ofensas ou humilhações, mas implica também, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento de cada indivíduo’” (SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, pp.107-108).                       

[41] O Estado deve acudir em ajuda de qualquer pessoa cuja dignidade resulte ameaçada, com independência da origem pública ou privada destes perigos (BENDA, Ernst. “Dignidad Humana y Derechos de la Personalidad”, Manual de Derecho Constitucional, BENDA, Ernst, MAIHOFER, Werner “et al.”, Madrid, Marcial Pons, 1996, p. 120). E tem que fazer frente às ameaças novas, que surjam no curso de mudanças sociais (p. 126). Certamente, proteger a população ante o crime conta-se entre as obrigações do Estado (p. 127). Benda refere que a ordem constitucional há que se definir ante a tensão entre a auto-suficiência do indivíduo e as necessidades, direitos e obrigações que derivam das circunstâncias atuais da vida em comunidade – a qualidade de uma constituição depende decisivamente de ofertar recursos para fazer frente com êxito a tais inevitáveis conflitos. Assim, o Tribunal Constitucional Alemão não vislumbra, na Lei Fundamental, um indivíduo soberano em si mesmo, antes uma pessoa vinculada à comunidade (BENDA, Manual, p. 119).

[42] Hoffmann-Riem fala do “estrato programático da norma fundamental”, a encomendar ao Estado apoiar, assegurar e consolidar a liberdade ameaçada, o que foi elaborado, em grande medida, a partir “dos direitos fundamentais da comunicação”, que só é realizável como “liberdade mediante e com os demais” (HOFFMANN-RIEM, Wolfgang, “Libertad de Comunicación y de Medios”, in Manual de Derecho Constitucional, Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 146).

[43] “...é de destacar-se o dever de os tribunais interpretarem e aplicarem as leis em conformidade com os direitos fundamentais, assim como o dever de colmatação de eventuais lacunas à luz das normas de direitos fundamentais, o que alcança, inclusive, a Jurisdição Cível (...)” (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 331).

[44] De fato, o inciso VII do art. 112 opera como norma de ligação do Título II do Livro II ( das medidas de proteção) com o respectivo título III (da prática do ato infracional), tudo unificado procedimentalmente.  

[45] Mesmo a um adulto jovem, entre 18 e 21 anos de idade, que tem a seu favor, prazos prescricionais reduzidos pela metade (art. 115 do Código Penal).     

[46] Que só podem jogar a favor do adolescente quando em cotejo com adultos que praticaram condutas semelhantes.

[47] Sem que seja preciso entrar na polêmica acerca da natureza jurídica da prescrição, se é regulada por normas de natureza substancial ou processual, dominante a teoria mista (FRAGOSO, pp. 421-422; DIAS, pp. 700-701), prevalecendo na jurisprudência a contagem do prazo prescricional como prazo penal, aplicando-se-lhe o art. 10 do CP. Isso porque é evidente que o instituto da prescrição não tem caráter procedimental.  

[48] “Também para a delinqüência juvenil se procuram insistentemente novos caminhos de política criminal que são, em boa medida, caminhos de descriminalização. Por um lado, parece adquirido que não devem ser criminalmente punidas as condutas dos menores que não constituiriam crimes se praticadas por adultos. Por outro lado e sobretudo, aumento o coro dos que reclamam um recurso maior a solução de diversão, ou mesmo de não intervenção radical, como vias privilegiadas para induzir a conformidade por parte dos jovens – na linha conhecida reivindicação leave the kids wherever possible (Schur); e em conformidade, de resto com os  ensinamentos da criminologia interaccionista. São, com efeitos, os jovens os que menos resistência oferecem à eficácia criminógena das reacções criminais, através designadamente da adscrição duma identidade desviante e da entrada numa carreira delinqüentes” (DIAS/ANDRADE, p. 431).

[49] O que se harmoniza com as bases da mais arejada política-criminal de prevenção do delito.  Das oito apresentadas por García-Pablos, cinco podem ser importadas e aplicadas ao Direito Penal Juvenil: a) Prevenir significa “intervir na etiologia do problema criminal, neutralizando suas causas”; b) A efetividade dos programas de prevenção deve ocorrer a médio ou longo prazo. Um programa é tanto mais eficaz quanto mais se aproxime etiologicamente das causas do conflito em que o delito se exterioriza; c) A prevenção deve configurar-se, antes de tudo, como prevenção social e comunitária, precisamente porque o crime é um problema social e comunitário; d) A prevenção implica prestações positivas para neutralizar situações de desequilíbrio. Só a reestruturação da convivência entre a comunidade e seus membros poderá trazer resultados satisfatórios para a ordem e para a prevenção do delito;  e) A  prevenção pressupõe uma definição mais completa do cenário criminal e dos fatores que interagem, uma estratégia coordenada e pluridirecional: o infrator não é o único protagonista do sucesso delitivo. Os programas de prevenção devem orientar-se para todos os elos da comunidade. (GARCIA-PABLOS DE MOLINA, Antonio García. Criminologia – Una introducción a sus fundamentos teóricos para juristas. Valencia: Tirantlo blanch, 1996,  pp. 264-265). Para uma intervenção reabilitadora, há que “conscientizar a sociedade para que assuma a responsabilidade que a ela corresponde (...) o crime se compreenda nos limites comunitários: como problema nascido na e da comunidade a que o infrator pertence e segue pertencendo” (GARCIA-PABLOS DE MOLINA,  pp. 85-86).

[50] “Voltava a ver o rosto exageradamente maquiado de sua mãe dizendo ‘você existe porque me descuidei’. Coragem, sim senhor, coragem é o que lhe havia faltado. Pois, do contrário, ele teria terminado na cloaca. Mãecloaca (...) – Sempre fui um estorvo. Desde que nasci. Sentia-se como se gases venenosos e fétidos tivessem sido injetados em sua alma, a milhares de libras de pressão. Sua alma, inchando-se a cada ano mais perigosamente, já não cabia em seu corpo e ameaçava a qualquer momento lançar jatos de imundície pelas fissuras. – Grita o tempo todo: Por que me descuidei?” (Ernesto Sabato, Sobre heróis e tumbas, São Paulo: Cia. das Letras, 2002, pp. 16 e 28).

[51]SANTOS, Boaventura de Souza, A crítica da razão indolente – Contra o desperdício da experiência. v. 1 Porto: Edições Afrontamento, 2000, p. 335.

[52] SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente – Contra o desperdício da experiência. v. 1 Porto: Edições Afrontamento, 2000, pp. 321-330.

[53] O relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa giza a particularidade da jurisdição de menores, que reúne funções oriundas da justiça penal, da justiça civil etc., sinalando que o recurso a conceitos fluidos, como perigo, “e o valor programático dos textos normativos, obriga o juiz a construir, em cada situação, soluções jurídicas que, recorrentemente, reenviam às normas sociais”, a inserir o trabalho do juiz “numa área mais vasta, que não é meramente jurídica, mas de intervenção social” (Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, v. IV – A Justiça de Menores: as crianças entre o risco e o crime – dir. Boaventura de Sousa Santos, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, p. 13).

[54] Evidente que há adolescentes infratores violentos, mas há exagero na histeria da (in)segurança pública que assola a pauta nacional. A um, porque o ECA, bem aplicado, tem condições de responder com eficácia (entre parênteses a limitação da internação em três anos). A dois, porque o que às vezes é apresentado como “guerrilha urbana” não passa de manifestação cultural própria da fase de desenvolvimento peculiar. Confira-se Norbert Schindler, Os tutores da desordem: rituais da cultura juvenil nos primórdios da era moderna (História dos Jovens, org. Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt, São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 265-324), que inicia com caso exemplar: o clero protestante de Schaff (Suíça) reclama energicamente ao Conselho da Cidade contra o vandalismo juvenil – “nas trevas da noite circulam com tambores, e durante a noite saem lambuzando com fezes humanas as fechaduras das portas dos pregadores; e mais: cortam árvores de homens probos, a quem custara tanto esforço, dinheiro e trabalho plantá-las.”. Isso, no ano de 1532! Por outro lado, “estudos da Europa Ocidental e Canadá demonstram que 50% a 60% da delinqüência juvenil é dirigida a bens materiais (furtos) e apenas 5% dos casos se dirige exclusivamente contra as pessoas” (Relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa,  p. 9).

[55] “As mestiçagens nunca são uma panacéia; elas expressam combates jamais ganhos e sempre recomeçados. Mas fornecem o privilégio de se pertencer a vários mundos numa só vida: Sou um tupi tangendo um alaúde...” (Serge Gruzinski, O pensamento mestiço, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 320). Assim o historiador francês termina sua obra, com os mesmos versos de Mário de Andrade que abrem, em epígrafe, o cap. 1. Na obra, interroga sobre os obstáculos que entravam nossa compreensão das mestiçagens. “Alguns são próprios à experiência comum, outros decorrem de hábitos intelectuais e automatismos de pensamento dos quais as ciências sociais têm por vezes dificuldade em se livrar.” (p. 19).

[56] “Qualquer juiz, não importa a instância em que atue, a fortiori o juiz constitucional, precisa arrimar-se na técnica jurídica para decidir, com a clara consciência da necessidade de um juízo político, em que se incluem o senso de conveniência e de oportunidade e a prefiguração dos resultados da decisão.” (AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do Direito e Contexto Social. 2ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1998. p. 156).  No mesmo sentido, “a opção final, no sentido de privilegiar tal ou qual método (interpretativo), faz-se sempre em conformidade com o resultado que se deseja atingir.” (AZEVEDO, Plauto Faraco de. Método e Hermenêutica Material no Direito. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1999. pp. 140-141).