Processo nº 03/99

Ação Civil Pública

            Vistos,

            O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por sua Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude, moveu a presente ação civil pública contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, a fim de obter provimento judicial que obrigue a ré a se abster de matricular mais de trinta e cinco ou trinta e oito alunos por salas de aula metálicas com áreas de 42 e 46 m2, respectivamente; não manter, por mais de dois anos, sala de aula metálica na mesma unidade de ensino e proceder à substituição das salas de aula metálicas anteriormente implantadas por salas definitivas, com o uso de material análogo ao corpo principal da unidade de ensino (fl. 13), alegando, em suma, que a Secretaria Estadual de educação vem utilizando conteineres metálicos como salas de aula improvisadas, em caráter emergencial, inadequadas para comportar, com razoável conforto, os alunos da rede pública de ensino, em prejuízo de sua segurança, de sua saúde e da qualidade do ensino, com inaceitável lotação superior ao que determina o Código Sanitário do Estado de São Paulo e a Resolução SE-125/98 da própria Secretaria da Educação.

            Instituídas tais salas metálicas a que aludem os autos do inquérito civil que acompanhou a petição inicial, em situação de emergência, para o atendimento da demanda então existente, não mais se justifica a permanência delas depois de vários anos, sem adequada substituição, mantendo-se ambientes insalubres em prejuízo das crianças e adolescentes que constituem o contingente de alunos usuários das escolas nas quais foram instaladas, com lotação não condizente com as regras do Código Sanitário, razão da presente demanda que tem por finalidade obrigar a administração pública do Estado de São Paulo a adequar-se à legislação, abstendo-se de matricular mais de 35 alunos em salas de 42 metros quadrados e 38 alunos em salas de 46 metros quadrados, na Capital de São Paulo, realocando os alunos de forma a obedecer essa lotação de 1,2 por metro quadrado imposta no citado Código, bem como substituir os conteineres utilizados como salas de aula desde períodos anteriores a 1998 por salas adequadas.

            Requereu a tutela antecipada, denegada pela decisão irrecorrida de fl. 128 e verso.

            Frustrada a tentativa de composição amigável, a ré apresentou a contestação de fl. 143/164, na qual requereu a extinção do processo sem o julgamento do mérito, ou o decreto de improcedência da ação, sob o argumento de que falece interesse de agir e legitimidade ao Ministério Público para a presente demanda, em que visa estabelecer judicialmente prioridades administrativas que são da exclusiva competência do Poder Executivo estadual. Demais disso a administração escolar está de há muito procedendo a substituição das salas inadequadas, não está inerte, motivo pelo qual falta interesse de agir ao autor para a finalidade pretendida neste feito. Juntou documentos.

            A respeito falou o autor (fls. 175/207), contrariando os fundamentos da contestação e pedindo o prosseguimento do processo com o julgamento do mérito. Na seqüência as partes disseram que não tinham outras provas a produzir (fl. 209 e 216).

            É O RELATÓRIO.

            Ficam afastadas as questões processuais postas na contestação (fl. 143/164), uma vez que cabe ao Ministério Público, por mandamento constitucional de legal, fiscalizar a qualidade do ensino público obrigatório e tomar as medidas judiciais pertinentes em caso de inadequação, para a preservação dos direitos difusos da infância e da juventude. Legitimação imposta no art. 210, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente, como corolário das disposições contidas no art. 129, III, da Constituição Federal.

            Existe o interesse de agir ante a permanência da situação que se pretende coibir com a presente demanda, uma vez que até a data do ofício de fl. 165/172, expedido pelo Gabinete da Exma. Secretária da Educação (10/05/99), ou seja, mesmo após o ajuizamento, ainda havia salas de aula de estrutura metálica, com lotação superior àquela referida na legislação a que alude o autor como base do presente pedido.

            Nesta Capital, conforme o demonstrativo de fl. 172 oferecido pela Secretaria de Estado da Educação, ainda há 58 salas de aula improvisadas em conteineres construídos em metal, tais como aqueles objeto de exame no laudo de fl. 65/70 que instruiu a petição inicial, tidos como inadequados pelo autor e cuja eliminação para a referida utilização é aqui demandada. Ocorre, pois, o interesse de agir do Ministério Público em fazer prevalecer a legislação que regular a matéria, no caso, as normas do Código Sanitário do Estado. Se tem ou não razão a questão é de mérito, julgamento que levará à procedência ou à improcedência da ação.

            Pelos mesmos motivos, igualmente é repelido o argumento de que falta do Ministério Público interesse de agir ao intentar esta ação civil pública para discutir a discricionariedade administrativa da exclusiva competência do Poder Executivo, a cujos órgãos cabe apreciar e decidir a respeito dos critérios de conveniência e oportunidade de execução dos atos administrativos, defeso ao Poder Judiciário imiscuir-se nesses assuntos sob pena de violação do princípio constitucional da independência dos Poderes da República. Manifesto o equívoco em que se fundamenta a contestação, também neste ponto.

            Em verdade, decide-se aqui a respeito da ilegalidade de omissão administrativa do Governo do Estado de São Paulo, em face dos comandos inafastáveis da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, mediante iniciativa do Ministério Público, que a tanto está legitimado, perante o Poder competente para dizer o direito.

            Não se questiona critérios administrativos, mas de legalidade do ato omissivo em exame, matéria que inegavelmente cabe à apreciação do Poder Judiciário, motivo pelo qual a provocação do Ministério Público é legítima dentro de suas atribuições de curador da ordem jurídica. Daí ser juridicamente possível o pedido estampado na petição inicial.

            Rejeitadas as questões processuais da contestação, em relação ao mérito a ação é parcialmente procedente, tão somente para que a lotação das salas de aula que ocupam conteineres metálicos de 42 e 46 metros quadrados de área útil, a que se refere o presente feito, não tenham lotação, respectivamente, superior a 36 e a 38 alunos em cada uma delas.

            A respeito dos demais pedidos, não existe prova a fundamentar a pretensão do Ministério Público.

            Está comprovado, por confissão da ré, a fl. 56/57, a fl. 166 e no demonstrativo de fl. 172, que ainda são usados como salas de aula, na rede estadual de ensino desta Capital, conteineres de estrutura metálica, tais como aqueles descritos no laudo de fl. 65/70 e mostrados nas fotografias de fl. 74/75 e 171, tidos como desconfortáveis e insalubres pelo d. representante do Ministério Público, com fulcro nas afirmativas do mencionado laudo.

            A afirmação, se verdadeira ou não, não foi devidamente demonstrada em juízo, mediante perícia elaborada por profissional da confiança do Juiz e submetida ao crivo do contraditório, já que o autor não requereu a produção de outras provas além daquelas já trazidas aos autos. Mas com base no laudo de fl. 65/70, por falta de fundamentação, não se pode judicialmente considerar insalubres os ditos conteineres. Com efeito.

            Depois de descreverem com detalhes os conteineres examinados (fl. 67), os assistentes técnicos do autor, ao responderem aos quesitos 1 e 3, manifestaram suposições, afirmativas vagas, sem fundamento em critérios científicos discriminados no parecer e sem explicarem, por exemplo, por que razão os conteineres da E.E.P.G. Parque Savoy City, únicos usados como salas de aula, nenhum deles está capacitado para abrigar alunos em condições ideais de conforto e segurança.

            Não trouxeram dados como temperatura ambiente em dias de condições climáticas variadas, de níveis de ruído e de reverberação durante as aulas e outros de interesse a aferição de ambiente insalubre. Apenas com base na quantidade de pessoas que ocupam tais salas de aula diariamente trouxeram conclusões sobre a inadequação do uso para o qual foram destinados os conteineres examinados, 4 de um total de mais 55 a que se refere o documento de fl. 172.

            Assim, não há como ser acolhido o pedido consistente na obrigação de fazer pleiteada a fl. 13 (substituição das salas de aula metálicas).

            O mesmo não acontece, entretanto, daí a procedência parcial da ação, em relação à lotação máxima de 1,2 pessoa por metro quadrado a que se refere o Código Sanitário do Estado, mencionado nos documentos de fl. 119/121 e fl. 167, que evidentemente prevalece sobre a Resolução SS 493, de 08/09/94, que autoriza a ocupação e 1 pessoa por metro quadrado. A ocupação das salas metálicas das quais aqui se trata, por quantidade de alunos superior ao legalmente permitido, é fato incontroverso, comprovado no laudo de fl. 67/70 e no documento de fl. 172, da Secretaria da Educação, em afronta à regra ao Código Sanitário.

            Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação civil pública, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, tão somente para determinar à ré, por seus agentes e em especial pela Secretaria de Estado da Educação, que se abstenha de matricular, ou ocupar, com mais de 36 alunos, as salas de aulas de estrutura metálica descritas nestes autos que tenham 42,00 metros quadrados de área útil interna, e com mais de 38 alunos aquelas que tenham 46,00 metros quadrados, sob pena de pagamento de multa diária correspondente a R$ 1.000,00 (mil reais), atualizáveis desta data, para cada aluno excedente a tais quantidades, devidos após o trânsito em julgado desta decisão, em caso de descumprimento.

            Indevido o pagamento de ônus da sucumbência.

P.R.I.

            São Paulo, 29 de dezembro de 1999.

Rodrigo Lobato Junqueira Enout

Juiz de Direito