EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE
DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA:
O
MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu membro
signatário, no uso de suas atribuições legais, agindo como substituto
processual do adolescente XXXXXXX, brasileiro, branco, estudante da 7a. série
do 1º. grau da Escola XXXXXXX, impetra MANDADO
DE SEGURANÇA contra o DIRETOR DA ESCOLA XXXXXXXXXXX, situada na Rua
XXXXXXX, em Santo Antônio da Patrulha, alegando e requerendo o que segue.
1.
DA PRETENSÃO À SEGURANÇA
O
Ministério Público, através da Curadoria da Infância e da Juventude da Comarca,
tomou conhecimento, em 12 de junho de 1995 (folha 16, do procedimento
referido), de ato de expulsão do adolescente em tela da Escola XXXXXXXX,
ocorrido em 23 de maio de 1995 (folha 14), levado a efeito pelo diretor da
referida escola.
Constatou-se
que o referido adolescente envolveu-se em contenda física com colega de aula,
havendo notícia de que apresentava problemas de conduta, sem nunca ter sido
advertido formalmente em razão de tais problemas, ou mesmo encaminhado para as
providências de atendimento cabíveis.
O
diretor da escola, pois, deliberou a expulsão do adolescente do
estabelecimento, sem observância a princípios e a normas elementares, passando
a impedir sua entrada e permanência na escola.
Após
a decisão referida, houve intervenção da mãe do adolescente, do Conselho
Tutelar dos Direitos da Criança e do Adolescente e da Curadoria da Infância e
da Juventude, tendo o diretor da escola mantido a decisão, em prejuízo do
adolescente, que, desde então, não têm freqüentado as aulas.
Recebido
na Curadoria o expediente instaurado no Conselho Tutelar a respeito do caso
(folhas 09 e seguintes), instaurou-se o Procedimento Administrativo
01/95-CIJSAP, em atendimento ao disposto no artigo 201, inciso VI, da Lei
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA),
tendo havido nova intervenção junto ao diretor, ao ensejo de resolver o
impasse, restando definitiva a decisão tomada, deliberando-se a dedução da
pretensão à segurança em juízo, em razão da necessidade de proteção do direito
líquido e certo do adolescente, maculado pelo ato ilegal e com abuso de poder
cometido pelo diretor da escola.
2. DA
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O
artigo 127 da Constituição da República confere legitimidade para o Ministério
Público atuar na defesa dos direitos individuais indisponíveis. O artigo 129,
inciso II, da mesma carta, atribui ao Ministério Público a função de zelar pelo
efetivo respeito dos serviços de relevância pública, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia.
Indiscutível
que o direito à educação fundamental é indisponível e que se trata de serviço
de relevância pública, o artigo 201, inciso IX, do ECA, confere expressa legitimidade
ao Ministério Público para agir em defesa do direito individual indisponível em
tela, dispondo o parágrafo 2º, do artigo 212, da mesma lei, também
expressamente, sobre o cabimento da medida judicial ora reclamada.
A
jurisprudência, aliás, tem assentado que, sendo autoridade coatora o diretor de
estabelecimento de ensino, público ou privado, os agentes do Ministério Público
têm plena legitimidade para, com sustentáculo no ECA, intentarem medidas
judiciais, visando a garantir o direito do menor (Acórdão 592118509 do Tribunal
de Justiça do RS).
3. DA
ILEGALIDADE E DO ABUSO DE PODER
O
ato de expulsão praticado pelo impetrado é absolutamente nulo, afrontando o ECA
e os mais elementares princípios de direito administrativo.
Não
há notícia de prévia instauração de procedimento disciplinar na escola, com
esgotamento de instâncias internas de atendimento aos problemas apresentados,
ou de encaminhamento do adolescente para o Conselho Tutelar ou para o Juizado
da Infância e da Juventude, em razão de sua conduta. Todo o episódio não passou
de algumas ocorrências lavradas a punho em um livro da escola (folhas 05 a 08),
eivadas de contradições e impropriedades,
Ademais,
cumpre frisar que não há registro de envolvimento do adolescente em fato
similar, sendo que os problemas apresentados dizem com freqüência e
comportamento em sala de aula, considerados comuns e freqüentes, por pedagogos
e professores, em adolescentes, incumbindo aos profissionais de educação, no
mínimo, o encaminhamento dos problemas, sempre no interesse do adolescente.
A
"transferência" do aluno, em razão da "falta grave"
alegada, não foi, outrossim, comunicada ao Conselho Tutelar ou ao Juizado da
Infância e da Juventude, não lhe sendo propiciada a efetiva transferência para
outra escola. Tanto foi, que a Escola XXXXXX, instada pela Curadoria, informou
que não dispunha de vaga para o adolescente (folha 30), apesar de, após a
instauração do procedimento administrativo referido, sob a intervenção da
delegacia de educação - até então também omissa, posteriormente, ter informado
que dispunha de vaga para o adolescente (folha 33).
O
impetrado passou a impedir a freqüência do adolescente ao ensino fundamental
(7ª série do lº grau), alegando problemas de conduta, aplicando-lhe punição
sumária, sem defesa e contraditório, sem respeito a sua integridade moral e
psíquica, sem encaminhá-lo para atendimento, em razão de sua condição de pessoa
em desenvolvimento, e sem garantir a continuidade do estudo, com efetiva
transferência para outra escola, fosse essa a solução cabível.
A
principal alegação do impetrado diz com a preservação de sua autoridade na
escola - fato inicialmente ponderado pela Curadoria, sem que houvesse qualquer
manifestação a respeito do diretor. Todavia, a questão ganha contornos mais
amplos: será que o indivíduo, o cidadão, o adolescente, o usuário do serviço
público de educação, em face do erro manifesto do funcionário, deve
assimilá-lo, a fim de preservar a autoridade daquele diretor de escola; ou será
que é à Administração que compete cuidar para que os funcionários não lesem os
direitos dos cidadãos, substituindo os incompetentes, quando outra solução, a
nível administrativo, não se vislumbre? Na verdade, o impetrado não teve
condições profissionais de dar encaminhamento adequado ao caso, tratando a
questão de forma apressada, causando ele próprio a situação de que se vale para
argumentar.
Por
outro lado, os problemas que se colocam, a esta altura, para o adolescente,
dizem com a dificuldade de recuperação do mês e dias de aula perdidos, com a
impossibilidade de acompanhamento dos conteúdos abordados em outra escola,
acaso transferido, a esta altura do ano letivo, bem como com a dificuldade
decorrente da utilização de material didático diverso do que vinha utilizando
na Escola XXXXX (livros, etc). Na verdade, a única chance de que venha o
adolescente a recuperar o período de afastamento, será na sua escola,
partindo-se da situação em que se encontrava antes de tornar-se protagonista da
absurda realidade criada pelo impetrado.
Observa-se,
pois, sob qualquer ângulo, que o procedimento atacado é ilegal, porque impede o
acesso do adolescente ao ensino fundamental, sem justificativa de direito.
Constitui-se, outrossim, em abuso de poder, porque praticado o ato com desvio
de finalidade, caracterizando omissão na prestação do serviço público -
atendimento a adolescente com problemas de conduta e educação fundamental, que,
no caso, constituem direitos fundamentais, de especial relevância para o Estado
e para a Sociedade Brasileira.
4.
DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO
A
Constituição da República, no seu artigo 227, caput, estabelece que é dever do
Estado assegurar ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação,
à dignidade e ao respeito, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação e opressão. Patente, pois, a opção da República
Federativa do Brasil em priorizar a educação, no rol da especial proteção e
atendimento deferido aos adolescentes.
O
artigo 4º do ECA repete a norma, especificamente, dizendo dever do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à educação, à dignidade e ao respeito, para os adolescentes.
Trata-se
de um sistema que optou, claramente, dispondo a Constituição, em capítulo
próprio da Ordem Social, sobre o adolescente, por priorizar as ações estatais
nessa área, consideradas de especial relevo para a consecução dos objetivos do
Estado.
A
lei é clara quando diz que nenhum adolescente será objeto de qualquer forma
(artigo 5º do ECA) de negligência, de discriminação, de opressão, punindo-se
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Mais
do que isso: a lei quer que o adolescente tenha o respeito e a consideração de
sua dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento (artigo 15 do
ECA), deixando claro que, além da observância de tudo que de direito existir
quanto ao adolescente, deve ser considerada a peculiaridade de sua condição
etária.
Aliás,
no caso concreto, não se efetivou o refúgio, o auxílio e a orientação
necessários e de direito, consoante o disposto no artigo 16, inciso VII, do
ECA.
De
outra banda, com as medidas tomadas, sem a devida apuração, fundamentação e
encaminhamento para atendimento, criando situações constrangedoras e de humilhação,
absolutamente desnecessárias, atentou-se diretamente contra o disposto no
artigo 17 do ECA: o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da
integridade (...) psíquica e moral (...) do adolescente, abrangendo a
preservação da imagem (...), da autonomia, dos valores, ideais (...).
Até
porque, se é dever de todos velar pela dignidade (...) do adolescente, pondo-os
a salvo de qualquer tratamento (...) vexatório ou constrangedor (artigo 18 do
ECA), com muito mais razão impõe-se tal dever a um diretor de escola,
presumidamente apto e profissional no assunto.
O
adolescente tem direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua
pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. É
o que dispõe o artigo 53 do ECA. Que tipo de cidadania poder-se-ia exigir de um
adolescente vitimado por tratamento absolutamente irregular, com inobservância
a preceitos mínimos norteadores do Estado Democrático de Direito?
O
dever de comunicar as irregularidades ao Conselho Tutelar não é recente (artigo
56 do ECA). Nesse passo, o impetrado, constatando os problemas de conduta
apresentados pelo adolescente, deveria comunicá-los e encaminhá-los a quem de
direito, esgotados os recursos escolares, como forma de prevenir a ocorrência
de ameaça ou violação dos direitos (...) do adolescente (artigo 70 do ECA), até
porque as obrigações previstas no ECA - por exemplo, as do artigo 56 - não
excluem da prevenção especial outras obrigações decorrentes dos princípios
adotados pelo ECA (artigo 72), sendo que a inobservância das normas de
prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica (artigo
73).
A
configuração da situação irregular do adolescente, segundo constatado
(problemas com freqüência e comportamento em sala de aula; envolvimento - único
conhecido - em contenda física com outro colega, na escola), havendo risco ou
violação efetiva dos seus direitos, mesmo que em razão de sua própria conduta,
impõe medida de proteção, nos termos do artigo 98, inciso III, do Estatuto da Criança
e do Adolescente. Aliás, o diretor, configurada a hipótese legal referida,
deveria ter procedido à matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento
oficial de ensino fundamental (artigo 101, inciso III).
Não.
O procedimento adotado foi o de não atender à requisição do Conselho Tutelar
(folha 15) - que visava simplesmente a elidir os prejuízos referentes à
freqüência e aproveitamento escolar do (...) menor - e estava amparada na lei
(artigos 136, alínea a, e 137, do ECA), mesmo configurando crime o
não-atendimento (artigo 236).
Na
verdade, tão séria é a obrigação quanto ao ensino fundamental, que a lei
estabelece normas específicas, sobre as ações de responsabilidade por ofensa
aos direitos assegurados (...) ao adolescente, referentes ao não-oferecimento
ou oferta irregular: I - do ensino obrigatório (...) (artigo 208, inciso 1, do
ECA).
Portanto,
a par de todas as normas referidas, o ato ilegal e abusivo do diretor afrontou
o direito líquido e certo do adolescente em tela, direito esse consubstanciado
especificamente na norma do artigo 54, inciso I, do ECA: é dever do Estado
assegurar (...) ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
inclusive para os que a ele não tiverem acesso na idade própria (...).
Por
outro lado, do ponto de vista do direito administrativo, a perspectiva não é
outra senão a da ilegalidade do ato do diretor.
Com
efeito, são requisitos do serviço público a permanência do serviço, a
generalidade, a eficiência, a modicidade e a cortesia. Mais do que isso: o
administrado, presentes as condições fáticas atinentes - no caso, adolescente
em idade escolar, matriculado em escola, no ensino fundamental de lº grau - tem
absoluto direito à efetiva prestação do serviço público, decorrendo fundada
pretensão à tutela jurisdicional o não-oferecimento regular do serviço,
consoante pacífica jurisprudência (RT 304/764, 232/196, 290/425, 302/506,
29/248, 55/144, para citar alguns exemplos).
O
ato foi praticado com abuso de poder, inerente à condição de diretor de escola
pública. O impetrado, embora competente para, eventualmente, decidir sobre a
transferência do aluno, ultrapassou os limites de suas atribuições,
desviando-se seus atos da finalidade objetivada pela lei na prestação do
serviço a ele acometido - educação e atendimento ao adolescente, com especial
consideração, face à prioridade deferida pela Constituição e pela Lei. Com o
desvio de finalidade do ato praticado, incorreu a Administração em omissão, que
se agravou pela ausência de transferência efetiva para outra escola - fosse
essa a solução adequada, medida que foi acenada como viável, somente após
intervenção da delegacia de educação - até então omissa, a partir de
diligências da Curadoria da Infância e da Juventude. E, mesmo se tratasse
somente de omissão, o mandado de segurança seria o remédio jurídico cabível,
consoante pacífica jurisprudência (RDA 70/191 - RT 497/247, 272/670, 277/773,
278/409, 333/120, 390/124, 447/55; RTJ 50/154, 53/637); com muito mais razão,
portanto, em se tratando de direito líquido e certo previsto expressamente na
lei.
5. DA PROVA DOCUMENTAL, DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E DO REGIMENTO ESCOLAR
O
ato de autoridade atacado pelo presente está consubstanciado, primeiramente, no
documento de folha 14 do procedimento ora juntado. Trata-se de um atestado de
transferência, que, juntamente com os demais documentos juntados, faz prova da
ocorrência do fato, ensejando imediato adentramento no exame da ilegalidade ora
reclamada.
Além
do documento referido, constam oficio (folhas 03 e 04) e documentos contendo
cópias de ocorrências lavradas na escola (folhas 05, 06, 07 e 08), apresentados
pelo diretor à Curadoria da infância e da Juventude, quando já desencadeadas as
diligências no sentido de esclarecerem-se os fatos.
Analisando-se
as ocorrências referidas, verifica-se, desde logo, a impropriedade e a forma
desorganizada e conduzida, sem um mínimo de seriedade.
Com
efeito, na folha 04, o diretor recomenda a transferência para outra escola,
passados trinta dias do fato, após intervenção da Curadoria.
A
ocorrência 47-95 (folha 05) foi lavrada sem a presença dos professores, que,
segundo o diretor, teriam deliberado a transferência, sendo que ele próprio
acabou por admitir tal fato (folha 28-verso). A decisão, na verdade, não foi do
corpo docente da escola, como quer fazer crer a letra da ocorrência referida. A
decisão não foi tomada em conjunto (folhas 23-verso e 27): foi tomada pelo
diretor e os outros professores assinaram em sinal de concordância com a
atitude tomada (folha 06). Mas que procedimento administrativo é esse?
Qual
a razão prática, não houvesse algo diverso do relatado, de consignar num livro
de ocorrências que a decisão foi recebida por ambos em momentos diferentes com
muita calma e serenidade (folha 06)? Se o pai de XXXXXX achou que deveria
chamar a polícia, porque não procedeu assim o diretor, tendo presenciado ato
infracional, previsto como crime no artigo 129, caput, do Código Penal?
Afinal,
qual a razão de consignar na ocorrência (49-95 folha 06) que a menina estava
chorando e muito nervosa e que induzida a dizer o que ela (a mãe do
adolescente) queria ouvir? O mérito da contenda não importaria ao profissional
preocupado em dar o atendimento adequado ao problema, não importando se XXXXXX
depusera em favor do adolescente ou não, pois, de qualquer sorte, o caso era de
atendimento especial, por envolvimento em contenda física (artigo 98, inciso
111, do ECA). Preocupar-se sobejamente com o mérito da contenda revela muito
mais a equivocada postura frente ao problema, o que vem a explicar a decisão
tomada.
Consignou-se
no livro de ocorrências (folhas 6 e 7) que XXXX e XXXX passaram vários dias se
agredindo com palavras antes de acontecer a briga: e onde estava o diretor?
Aliás, onde está o respeito à integridade psíquica e à imagem da adolescente
XXXX, quando o diretor consignou na folha 07, que a XXXXXX é uma menina que
apresenta muitos problemas de nervos e que quando fica nervosa não consegue ver
nada nem ninguém à sua volta? Considerando, ainda, na mesma folha referida, os
absurdos ali consignados, pergunta-se: a escola precisa que a mãe de XXXX venha
pedir a ajuda dos professores, em razão das más notas da filha? Ao que se vê da
ocorrência 49-95 (folha 07), não foi para tanto que para lá ter-se-iam dirigido
mãe e filha naquela oportunidade ... Por que fazer constar no termo que a mãe
de XXXXX pediu que a filha não se envolvesse no caso? Afinal, isso é ignorância
ou má fé? Por que razão XXXX e sua mãe prestaram declarações diversas daquelas
que teriam sido prestadas na escola (folhas 24 e verso e 26 e verso)?
Também
absurda a ocorrência 51-95 (folha 08). O que deveria o adolescente provar? Por
que consignar que o filho manifestava opinião contra sua própria mãe? A postura
do profissional de educação, num país livre como o Brasil, num Estado que se
pode orgulhar do nível de escolaridade do seu povo, como o Rio Grande do Sul,
não seria a de tudo fazer para que o adolescente resolvesse o eventual conflito
com sua mãe, preservando a sagrada relação existente, sequer cogitando de
lançar notícia de desavença, quiçá alegada pelo adolescente, com sua mãe, em um
livro de ocorrências de uma escola pública, sem nenhum motivo lógico, ao menos?
Por
que estaria o adolescente preocupado em perder a amizade dos professores e da
direção? Será que a mãe do adolescente o mataria?
As
contradições são evidentes, não merecendo tais ocorrências o menor crédito para
fundamentar o ato atacado, salientando-se a derradeira contradição: como que no
oficio, na folha 03, as lesões foram apontadas como graves, e, na folha 28, em
declaração assinada, foi dito que não se tratava de ferimentos graves?
Além
das pérolas referidas, resta a análise do Regimento Escolar da Escola XXXXXX.
Especificamente, a respeito do artigo 184 e parágrafo único, invocado como
fundamento do ato de expulsão, cumpre salientar a forma inadequada como foi
redigido. Dispõe:
Artigo
184 - O cancelamento compulsório de matrícula efetiva-se depois de esgotados os
recursos de orientação, de advertência, repreensão e suspensão, excetuados os
casos graves.
Parágrafo
único - Esta medida só é tomada após o aluno ter sido suspenso, no mínimo três
vezes, no mesmo período letivo.
Ora,
a redação do caput permite a apressada interpretação de que, em casos graves -
como quer o diretor (folha 03), poderia haver a expulsão sumária, sem o
esgotamento dos recursos antes referidos (orientação, etc). Todavia, é regra
elementar de interpretação a de que o parágrafo único serve para excepcionar ou
limitar a interpretação do caput. Foi o que se operou com o parágrafo único.
Não sendo essa a interpretação correta, não se justificaria a regra do
parágrafo único, sendo, pois, mesmo à luz do Regimento Escolar, irregular a
expulsão do adolescente, que não fora suspenso, nenhuma vez, no ano de 1995.
Atente-se
que os regimentos escolares, consoante pacífica orientação das instituições
afetas aos problemas da infância e da juventude, somente serão aplicáveis,
naquilo em que não concitarem com a atual legislação sobre infância e
adolescência e sobre administração pública.
6.
DA LIMINAR
Considerando
as alegações supra, salientando-se a extrema gravidade de que se reveste o
problema, o provimento cautelar da pretensão mandamental resulta indispensável.
Com
efeito, a cognição sumária, propiciada pelo expediente anexo, circunstanciada
pelas alegações expendidas, serve plenamente ao ensejo de verificar o douto
juízo a existência de concreto perigo ao direito do adolescente, que reclama
providência urgente, ao ensejo de assegurar a existência do próprio direito.
Postos estão os requisitos para o provimento cautelar: perigo a um direito
existente, demandando segurança imediata.
Não
se olvidando dos clássicos conceitos de fumus boni juris e periculum in mora,
resta mais evidente ainda a propriedade de tal atendimento por parte do Juizado
da Infância e da Juventude de Santo Antônio da Patrulha o direito à educação é
inegável para o adolescente, decorrendo diretamente da lei: o melhor lugar para
que ele inicie a recuperação, provisória que seja, dos dias letivos perdidos, é
na escola onde já estudava; nada haverá de prejuízo, nem para a escola, muito
menos para o aluno, acaso improcedente a ação ora intentada a final; patente a
reversibilidade da situação a ser criada com o deferimento da liminar, nada
impede a sua concessão, à vista das alegações feitas.
Saliente-se
que o adolescente está, desde o dia 23 de maio de 1995, portanto, há 39 dias,
sem freqüentar o ensino fundamental, não se admitindo fique por mais tempo
ainda à mercê da solução definitiva do presente, havendo sério risco de que,
mesmo com as medidas para a recuperação dos conteúdos e da carga horária, venha
frustrar-se o aproveitamento do ano letivo, o que é desastrosamente grave.
7.
ASSIM, O MINISTÉRIO PÚBLICO REQUER:
7.1 a concessão da liminar reclamada, mandando-se suspender o ato de expulsão do adolescente, bem assim reintegrá-lo na Escola XXXXXXXX, nas mesmas condições em que se encontrava, quando da efetivação do ato atacado, iniciando-se, desde logo, o aproveitamento e a recuperação do período de afastamento das atividades escolares normais do adolescente;
7.2.
o recebimento, a autuação e o processamento da presente como ação mandamental,
nos termos do artigo 212, parágrafo 2º, da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, e
das Leis 1.533, de 31 de dezembro de 1951 e 4.348, de 26 de junho de 1964;
7.3.
a notificação da autoridade co-atora, para que preste as informações, no prazo
e forma de lei;
7.4.
a ordem para que a autoridade co-atora apresente em juízo, juntando-se aos
autos, o Livro de Ocorrências referido na presente, no estado em que se
encontra, com fundamento no parágrafo único do artigo 6º da Lei 1.533, de 31 de
dezembro de 1951; e
7.5.
a intimação do Ministério Público também como custos legis,
A
FIM DE QUE, ao cabo da presente ação, procedente, seja declarado nulo o ato ora
atacado, com as conseqüências legais atinentes.
Nesses
termos, o Ministério Público requer o deferimento do postulado.
Santo Antônio da Patrulha, 30 de junho de 1995.
Ricardo Melo e Souza,
Promotor de Justiça,
Curador da Infância e da Juventude.