HABEAS CORPUS - ATO INFRACIONAL - INTERNAÇÃO PROVISÓRIA - DESNECESSIDADE - ORDEM CONCEDIDA - ECA ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO. A internação provisória implicando em privação da liberdade, só pode ser decretada em hipótese de necessidade imperiosa, que deve ser demonstrada através de completa fundamentação. (Habeas corpus º 00.021908-8, Primeira Câmara Criminal do TJSC, Relator:Des. Amaral e Silva, Data Decisão: 19/12/2000).

 

 

                 Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 00.021908-8, da comarca da Capital, em que é impetrante o advogado Rodrigo Roberto da Silva, sendo paciente H. V.:

                 ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, conceder a ordem.

                 I - RELATÓRIO:

                 Trata-se de habeas corpus contra ato do MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da comarca da Capital que decretou a internação provisória de H. V.

                 Alega o impetrante, em síntese, constrangimento ilegal, porquanto a contenção cautelar foi decretada 100 (cem) dias após a data do fato, tendo o paciente comparecido espontaneamente por três vezes perante a autoridade policial e o Ministério Público.

                 Acrescentou, ainda, que o menor não pode sofrer punição maior do que a que seria imposta a um adulto e que a co-agente Maria Eduarda Matos da Silveira, filha da vítima, já obteve a revogação da preventiva, respondendo ao processo em liberdade.

                 Por fim, sustentou que o decreto de contenção cautelar não possui a devida fundamentação, pois calcado na gravidade do delito e na personalidade violenta do paciente.

                 A liminar foi deferida (fls. 50/52).

                 A digna autoridade apontada como coatora prestou informações, esclarecendo que a audiência de instrução e julgamento foi realizada no dia 22.11.00.

                 A d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou no sentido de ser concedida a ordem.

                 II - VOTO:

                 1 - A ordem deve ser concedida, servindo os argumentos expendidos pelo ilustre Desembargador Nilton Macedo Machado quando do deferimento da liminar:

                 "A internação durante a instrução processual é medida provisória adequada ao adolescente infrator criada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente justamente para distinguir o adolescente infrator do adulto infrator, e não se confunde com qualquer tipo de prisão provisória prevista no Código de Processo Penal ou lei esparsa.

                 "Apesar de buscar inspiração nos requisitos da prisão preventiva (a qual poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria - CPP, art. 312), com ela não guarda semelhanças mais profundas, sujeita que é aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (ECA, art. 121); assim, fundamenta-se '(a) nos indícios suficientes da autoria, indicando o nome do adolescente e arrolando os dados probatórios considerados suficientes para a descrição da conduta tida, em tese, como crime ou contravenção; (b) na materialidade do ato infracional; (c) na demonstração da necessidade da internação provisória, que não pode ser relativa, vaga, duvidosa, questionável, mas imperiosa, vale dizer, inarredável e absolutamente vital, para neutralizar a gravidade do fato (v.g., violência ou grave ameaça à pessoa)' (PÉRICLES PRADE, in Estatuto da criança e do Adolescente Comentado, SP: Malheiros, 1992, p. 323).

                 "Nesse passo, 'a determinação de permitir a internação de adolescente acusado de ato infracional mesmo antes da sentença definida, é uma medida de certo modo preventiva, pois visa a assegurar a integridade física e moral do acusado e, há quem diga, proteger a sociedade' (MÁRIO VOLPI, ECA, Comentários, SP: Malheiros, 1992, p. 322).

                 "Saliente-se ainda, a lição de JULIO FABBRINI MIRABETE, para quem 'a gravidade do delito, por si só, não basta à decretação da custódia provisória' e 'simples repercussão do fato, sem outras conseqüências, não constitui circunstância suficiente para a decretação da custódia preventiva. Não se pode confundir "ordem pública" com o "estardalhaço causado pela imprensa pelo inusitado do crime". Nem mesmo a prática de crime definido como hediondo justifica a prisão preventiva se não estão presentes os pressupostos previstos no art. 312 do CPP' (Processo Penal, 8ª ed., São Paulo : Atlas, 1998, p. 386).

                 "Este, evidentemente, não é o caso dos autos, pois, embora o paciente responda pela prática de atos infracionais graves - homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver -, a contenção cautelar, baseada na 'profunda perplexidade social, pelo envolvimento familiar e brutalidade empregada', e para 'a garantia da ordem pública' e 'efetivação de trabalho sócio-educativo', foi decretada somente 03 (três) meses depois da data do fato.

                 "Nesse longo período em que permaneceu solto, o paciente não representou nenhuma ameaça à ordem pública, porquanto residiu em companhia de seus pais e compareceu espontaneamente perante a autoridade policial e ao representante do Ministério Público.

                 "Não há notícia da periculosidade do paciente; pelo contrário, o Dr. Juiz reconheceu que H. V. não apresenta antecedentes infracionais. Além disso, há o exame psiquiátrico de admissão ao Centro Educacional São Lucas (fls. 43/45), em que o médico certifica que o paciente não apresenta sinais de 'agressividade ou hostilidade'.

                 "Por outro lado, sua parceira no ato que lhe foi imputado, Maria Eduarda, já obteve a revogação da prisão preventiva e responde ao processo em liberdade porque entendeu o magistrado que não mais subsistiam os motivos que levaram à sua custódia preventiva - garantia da ordem pública em função do clamor social, conveniência da instrução criminal e correta aplicação da lei penal.

                 "Ora, se a comparsa, que além de filha da vítima, era maior de idade foi solta por não mais subsistirem os motivos da prisão, com maior razão deve ser o menor infrator pois, como é cediço, 'sendo adolescente penalmente inimputável, mas responsável estatutariamente (art. 103), não pode ter tratamento mais rigoroso do que o jovem adulto' (grifei) (HC n. 99.000311-6, da Capital, rel. Des. Amaral e Silva)."

                 2 - Pelo exposto, concedo a ordem.

                 III - DECISÃO:

                 Acompanharam o relator. Concederam a ordem.

                 Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Genésio Nolli e Souza Varella. Lavrou parecer, pela d. Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Valdir Vieira.

                 Florianópolis, 19 de dezembro de 2000.

Amaral e Silva

PRESIDENTE E RELATOR