Separação dos Pais...

23/03/2000

Maria Tereza Maldonado

Tatiana, 16 anos, comenta: "Minha mãe anda mal essa semana. Terminou o namoro, o cara pediu para dar um tempo. De repente, eu percebi que estava dizendo para ela o que ela disse para mim na semana passada, quando EU estava mal porque o Fernando sumiu de repente e depois ficou dizendo que estava confuso e precisava clarear as idéias: "E isso aí, mãe, as pessoas andam com a cabeça ruim, tá todo mundo com medo de se envolver, com 15, 30 ou 50, dá no mesmo...’"

Cláudia (17 anos), cujos pais se separaram há cinco anos, prefere sair sozinha com o pai para almoçar aos domingos. Diz que não quer conhecer nenhuma das namoradas do pai, porque até hoje nenhum namoro durou mais de seis meses e várias das namoradas tinham quase sua idade.

Roberto, 15 anos, diz que se masturba pensando na mulher do pai que é um "tesão". Estão recém-casados cheios de paixão. Também nos fins de semana em que Roberto e os irmãos estão com o pai, o novo casal não sai do quarto antes das duas da tarde. "Dá para respirar sexo no ar daquela casa", diz Roberto, morto de inveja.

Os pais de adolescentes – separados, "descolados", viúvos ou recasados – transam, namoram e também "ficam". Não é só a sexualidade dos filhos que mexe com a cabeça dos pais, a recíproca também é verdadeira. Nas diferentes organizações familiares, os "acordos de convívio" variam conforme o contexto, especialmente no caso das famílias binucleares, em que os critérios de proibido/permitido podem ser até contraditórios. Como acontece com Mariângela, 19 anos, que dorme com o namorado quase todas as noites; no entanto, quando vai para a casa do pai, dormem em quartos separados. Diz: "Tenho certeza de que papai sabe que eu transo com Rodrigo, mas não dá para conversar sobre isso; ele já deu umas indiretas, dizendo que na casa dele, dormir junto só depois de casar".

Os profissionais que se dedicam ao estudo das famílias estão se aprofundando, cada vez mais, na pesquisa das características dos desafios próprios de cada tipo de organização familiar – com pais casados, solteiros, separados, viúvos, recasados, adotivos. Tentam, com isso, acabar de vez com o preconceito de que "lares estruturados" são aqueles em que os pais estão casados, caso contrário passam a ser "famílias desestruturadas". Concluíram que lares estruturados e desestruturados existem em qualquer tipo de organização familiar. É possível formar dois lares uniparentais harmônicos e ter um lar altamente desestruturado com pais casados que se agridem e se desrespeitam no dia-a-dia.

A separação dos pais não é necessariamente traumática para os filhos, mas há desafios específicos a serem enfrentados e áreas de risco a serem evitadas. O desafio fundamental é terminar a sociedade conjugal e preservar uma sociedade parental que funcione razoavelmente bem. Isto é difícil para um grande número de pessoas, pois, na crise da separação, o amor freqüentemente transforma-se em raiva, mágoa e até mesmo em ódio e desejos de vingança. Neste cenário emocionalmente turbulento, as brigas com relação à divisão dos bens e ao contato com os filhos podem assumir proporções gigantescas.

Sentimentos de abandono e rejeição se misturam com a sensação de estar sendo lesado, explorado, passado para trás. A guerra de poder comumente utiliza dois trunfos principais: o dinheiro e o contato com os filhos: "Se atrasar a pensão, não pode ver os meninos". É difícil, no meio de tanta raiva, pensar em estruturar novos modos de convívio dentro da perspectiva de defender o direito dos filhos de terem livre acesso tanto ao pai quanto à mãe. Quando os filhos sentem, por palavras e, sobretudo, pelas ações dos pais, que continuarão a ser amados, cuidados, protegidos por ambos, o impacto da separação pode ser aliviado.

Mesmo num casamento ruim, ainda há ou houve bons períodos e momentos, assim como num bom casamento há momentos ou períodos de crise, mal-estar, insatisfação. Por isto, quando a separação acontece, deixa um sentimento de tristeza e dor, mesmo quando o convívio está insuportável. São sonhos desfeitos, projetos interrompidos, descrença junto com renovação de esperança de que dias melhores virão. Grande parte desta tristeza é difícil de ser abertamente admitida e é expressa por raiva, ataques ou atitudes de abandono ("Como não agüentava ver a cara da minha ex-mulher, praticamente deixei de ver meu filhos.")

Acusações recíprocas vindas de mágoas, decepções, frustrações contribuem para a escalada dos conflitos que, tantas vezes, resulta em cortes de contato e busca de alianças entre os filhos, especialmente quando há novos relacionamentos amorosos que se iniciam antes ou imediatamente após a separação. "Não admito que meus filhos fiquem na casa do pai quando aquela mulher está lá com ele." Este é um solo fértil para as áreas de risco da separação: os filhos "no meio da linha de fogo", solicitados a atuarem como mensageiros ou como espiões. "Você tem de me contar com quem a sua mãe anda saindo, que roupa está usando, se está namorando alguém, se dorme fora de casa."; "Fale com seu pai que o dentista disse que você precisa usar aparelho"; "Sua mãe só pensa em gastar, gastar, gastar, nunca vi inventar tanta despesa, não vou dar um centavo a mais, ela tem de aprender a se virar com o que tem!". Os filhos que levam e trazem recados e informações arcam com a carga de ódio e ressentimento que os ex-cônjuges que não se falam nutrem um pelo outro. Ficam confusos e enredados nos conflitos de lealdade. Difícil poder gostar do pai e da atual companheira vendo a mãe sofrer e se consumir de ódio por ambos e até pelos próprios filhos quando voltam felizes da casa do pai ou, pior ainda, quando decidem morar com ele.

Aumenta a incidência de filhos, especialmente quando estão na adolescência, que passam a morar com o pai, anos após a separação. Há a necessidade de inverter a posição morador/visitante e viver novas possibilidades de convívio com pai e mãe. Muitas mães sentem-se abandonadas e rejeitadas quando os filhos manifestam o desejo de morar com o pai e os acusam de ingratidão ("Quando eram pequenos e davam o maior trabalho o pai nem queria saber deles, agora que estão mais companheiros, me deixam aqui sozinha"), intensificando os conflitos de lealdade ("Quero morar com meu pai, mas não quero magoar a minha mãe"). Outras conseguem questionar mais a fundo os ditames sociais ("É a mãe que deve cuidar dos filhos") e descobrem formas de convívio prazerosas e significativas fora do cotidiano.

Por outro lado, muitos pais que adotavam o papel convencional de pai-provedor, alheios aos cuidados do cotidiano e da administração doméstica, aproveitam a oportunidade da separação e do convívio com os filhos que moram com ele para desenvolver o aspecto cuidador/nutridor que, por tanto tempo, permaneceu em segundo plano. Portanto, ao evitar áreas de risco, abrem-se as possibilidades de formar novas maneiras de convívio entre pais e filhos que podem ser muito enriquecedoras para todos.

Diferenças de valores, hábitos e rotinas são comuns nos lares uniparentais. Se, na mesma casa, nem sempre é fácil conciliar as diferenças entre o homem e a mulher para armar um consenso de como educar os filhos, com a separação essas dificuldades costumam se acentuar, mesmo quando conseguem preservar uma sociedade parental minimamente razoável. Especialmente na adolescência, é difícil decidir as questões referentes aos limites. Deve-se estabelecer um horário para chegar em casa? É para liberar bebida alcóolica quando os jovens se reúnem em casa? Pode dirigir sem carteira de habilitação? Pode trazer o(a) namorado(a) para dormir em casa? Como fica o exercício da "autoridade de controle remoto"? ("Minha ex-mulher mal fala comigo, mas quando nosso filho começa a sair dos trilhos, ela me liga no meio da madrugada querendo que eu tome providências e dê uma bronca no moleque assim que ele chegar em casa."; "Acho um absurdo o dinheiro que o pai dá para eles gastarem nos fins de semana; é claro que vão encher a cara nos bares com os amigos, e aí, onde é que isso vai parar? Já cansei de falar, mas ele não me atende...")

O cenário torna-se ainda mais complexo quando um ou ambos os pais se casam de novo. Se o atual cônjuge também é uma pessoa separada e tem filhos, forma-se um conjunto de filhos moradores e visitantes e novas fronteiras de contato e de influência entre os atuais e os ex-cônjuges. Há muitas famílias de recasamento que são bem sucedidas diante do desafio de formarem uma pequena comunidade harmônica de adultos que cuidam bem de todos os seus filhos, mas sentimentos de competição, ciúme e rivalidade acontecem comumente, não só entre os adultos mas também entre os "irmãos de convívio". No entanto, em meio a tanta complexidade na formação de novos vínculos familiares que ainda nem foram nomeados ("Ainda não resolvi se chamo o marido de minha mãe pelo nome dele, de tio ou de vice-pai."), existe a possibilidade de construir vínculos afetivos bastante profundos, que nada têm a ver com os "laços de sangue" e que , em alguns casos, ficam até mais significativos do que os vínculos originais ("Quando me separei do meu segundo marido, meu filho do primeiro casamento preferiu ficar morando com ele, não quis se mudar comigo, apesar de nos darmos bem.").

Casamento, separação, amores feitos, desfeitos, refeitos. No movimento da vida, entre dores e alegrias, frustrações e esperanças, encantos e desencantos, a oportunidade de aprender a buscar caminhos melhores para todos, nesses diversos modos de ser casal e família.

Maria Tereza Maldonado é psicóloga, membro da American Academy of Family Therapy e autora de vários livros, entre os quais Casamento: Término e Reconstrução (Ed.Saraiva)

© copyright
BIREME / OPAS / OMS

http://www.bireme.br/bvs/adolec

_________________________________________________________________voltar

 

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
email para contato